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Jornal opção

Entrevista | Wilson Ferreira Cunha

“Brasil levará ao menos 50 anos para se livrar da massificação


que o PT criou na educação universitária”
24/09/2016 12h00 Edição 2151

Antropólogo, com formação pela antiga União Soviética, cientista político e professor da

PUC-GO afirma que lulopetismo levou o Brasil ao atraso e garante: “Lula é carta fora do

baralho na política nacional”

Para professor, 13 anos de PT no poder levaram a educação brasileira ao atraso | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Wilson Ferreira Cunha é daqueles professores que não têm medo de opinar e que gostam de

basear suas opiniões no conhecimento adquirido ao longo dos anos. E, como historiador,

antropólogo e cientista político, é possível dizer que conhecimento não lhe falta.

Nesta entrevista, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) faz duras

críticas à educação brasileira e diz que os 13 anos da era PT à frente do governo federal levaram a

educação brasileira ao atraso. Segundo ele, o lulopetismo institucionalizou um patrulhamento na

Educação brasileira que pode ser comparado ao que viu quando estudou na União Soviética

durante o período de Leonid Ilitch Brejnev, último ditador soviético.

“Começa pelos reitores das instituições federais de ensino e até das universidades particulares,
que são atrelados aos programas obsoletos do Ministério da Educação. Há um “puxa-saquismo”
geral nos meios da Educação. É preciso tirar isso, o que será muito difícil, porque é um sistema

orgânico inserido na Educação brasileira, que vai levar uns 50 anos”, diz.

Euler de França Belém – A detenção do ex-ministro Guido Mantega em um hospital causou

indignação, mas a indignação com a corrupção do PT não teria de ser muito maior?

O PT está perdendo o foco principal, que é a ladroagem, a corrupção. Claro que o juiz Sérgio Moro

e a Polícia Federal não tinham conhecimento da gravidade da saúde da mulher de Guido Mantega,

e o juiz mandou soltá-lo imediatamente após reconhecer esse fato. Só que isso não tira a

ilegalidade da posição do ex-ministro durante sua gestão, tanto que já foram bloqueados R$ 10

milhões das contas dele. O PT, como sempre, tenta desvirtuar o principal foco do problema que é

a corrupção, a ladroeira que ocorreu neste país nos últimos 13 anos. Isso é uma estratégia de

pessoas que têm uma imaginação totalitária de únicos detentores da verdade, os únicos que

podem fazer o bem.

Euler de França Belém – Como o sr. interpreta a atitude do ex-presidente Lula, que nessa

história toda parece não viver no Brasil, e parece, sobretudo, que está acima das leis?

Não é só Lula, o PT se acha privilegiado, acima de todos os brasileiros, acima da lei. Tanto que ele

também fica indignado, bravo com o que foi noticiado como se fosse uma pirotecnia. Maior

pirotecnia é o roubo de toneladas de dinheiro das instituições públicas como nunca aconteceu em

outra parte do planeta. Esse é o principal problema. Lula e todo o lulopetismo estão identificados

com o poder e não com a administração do poder, e para isso, desde 2002, começaram a ter essa

estratégia de como permanecer per saecula saeculorum no poder ao longo de sua administração.

Todas as ações do PT foram canalizadas para esse objetivo.

Euler de França Belém – O sr. estudou na União Soviética no período brejneviano [Leonid

Ilitch Brejnev liderou o país entre 1964 e 1982], marcado por muita corrupção. Mas parece

que a corrupção da esquerda soviética foi muito menor do que a que ocorreu agora no

Brasil na era petista. O sr. se surpreendeu com a escala de corrupção do PT?

Todos nós nos surpreendemos, porque o PT tinha um discurso de ética, de moralismo com a coisa

pública e fez exatamente o contrário; aliás, pior que os outros partidos tradicionais.

Cezar Santos – O sr. diria, então, que o PT montou uma mecânica para domínio total das

instâncias de poder para benefício próprio, através da apropriação de dinheiro público?

E isso começou nos primeiros meses do governo Lula, em que foram se apropriando das

instituições públicas, com o objetivo de cooptar, conciliar com os outros partidos, principalmente
com o PMDB, para ter uma permanência duradoura no poder. E para isso eles precisavam de

dinheiro, e tiraram o dinheiro das instituições públicas, como Petrobrás, BNDES (Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social), fundos de pensão, Caixa Econômica Federal etc. Eles

chegaram a falir a Petrobrás tamanha a roubalheira. Essa corrupção no Brasil é um marco

mundial inédito, porque nunca houve no mundo tamanha usurpação do dinheiro público por

parte de um partido político, no caso o PT.

Cezar Santos – Além do roubo em si, qual consequência essa escalada de corrupção

promovida pelo PT causa aos brasileiros?

Isso é triste para o País porque despolitiza a política. Política não é roubalheira, política deve ser

movimento para construir e desenvolver um país. Mas não é só na área financeira que o PT fez um

desgoverno. Os danos foram em todas as áreas, como a educacional.

Marcos Nunes Carreiro – O sr. pode citar exemplos?

Institucionalizou-se um patrulhamento inimaginável na Educação brasileira, talvez pior do que o

que vivi na ditadura socialista de Brejnev, que foi um dos últimos ditadores soviéticos. Há uma

militância que se diz a favor dos pobres e oprimidos, dos não acolhidos, e isso reflete no ensino,

tanto fundamental quanto médio e principalmente no terceiro grau. Há uma baixaria enorme na

área educacional que a gente não pensaria ser possível numa democracia republicana.

Começa pelos reitores das instituições federais de ensino e até das universidades particulares,

que são atrelados aos programas obsoletos do Ministério da Educação. Há um “puxa-saquismo”

geral nos meios da Educação. É preciso tirar isso, o que será muito difícil, porque é um sistema

orgânico inserido na Educação brasileira, que vai levar uns 50 anos. Crianças que nasceram em

2002, atravessaram os 13 anos de petismo no poder, e aqueles que tinham 15 anos, quer dizer, a

geração que menos 35 anos não tem outra imagem do Brasil a não ser a dos governos petistas.

Com isso, houve um prejuízo enorme na consciência, na formação do estudante, do cidadão

brasileiro.

Euler de França Belém – O sr. é historiador, antropólogo, cientista político. Na sua avaliação,

como ficará a imagem do PT na história?

Vai ficar muito ruim, será uma marca desastrosa. Com o PT erigiram-se alguns paradigmas na

Educação brasileira que precisam ser destruídos. Por exemplo, criou-se o pensamento de que

trabalho em grupo é que movimenta o ensino no País. Ora, trabalho em grupo justifica a imagem

de que na universidade tudo se copia e nada se cria e isso se institucionalizou. Na verdade, um


aluno faz o trabalho e os outros integrantes do grupo assinam. Então, isso precisa ser extirpado

do ensino brasileiro.

Outro dano é a postura crítica, entre aspas, que se sobrepõe à absorção do conhecimento. A

crítica é só para aquele que pensa o contrário, não é a crítica que constrói o conhecimento. Outro

ponto é a frouxidão e a permissividade em vez da disciplina e da cobrança do aluno. Quer dizer, o

aluno é um frequentador de aulas, sem nenhum compromisso, nenhuma responsabilidade. Veja

que isso não existia nem na ditadura, época em que pelo menos os alunos procuravam adquirir

conhecimento. Hoje, temos o analfabeto virtual dentro da universidade, que não sabe escrever

nem falar direito.

Outros absurdos (Wilson consulta um texto que trouxe): a prioridade das atividades chamadas

sociais; os trabalhos fora do estudo persistente, que é ajudar a incluir. Essa lengalenga de ajudar a

justiça social, entre aspas, se tornou quase um padrão de direcionamento da política educacional

brasileira. E, penúltimo, a valorização de pesquisadores de banalidades. Vê-se que as teses de

mestrado e doutorado de excelência no Brasil não chegam a 2%, isso é constatado pelo próprio

MEC. Gente que fez mestrado e doutorado por fazer, como se fosse uma indústria, sem nenhuma

qualidade, sem resultado e sem nenhuma utilidade. É um autêntico besteirol, um festival de

besteira nacional a nível de ensino.

Por último, a palavra metodologia virou assim um suprassumo da sapiência, um mantra. Fala-se

de metodologia e está tudo resolvido, em detrimento dos conteúdos. Não se pode ter

metodologia sem conteúdo, senão vai haver esse tipo de aluno que é o pior tipo de estudante não

só no terceiro grau, mas também nos ensinos fundamental e médio. (enfático) Tanto que o MEC,

agora sob nova gestão, dobrou a carga horária no ensino médio; de 800 passou para 1,6 mil horas

e, nos três últimos anos, o aluno terá de escolher uma das áreas de interesse dele. Já é uma

mudança positiva no ensino brasileiro.

Marcos Nunes Carreiro – O sr. diz que, no período petista, a educação brasileira foi posta a

serviço do partido?

Educação deveria ser uma das políticas prioritárias de qualquer partido que chega ao poder,

porque não se faz um país sem educação de qualidade. Aliás, a educação no Brasil virou uma

massificação, principalmente no ensino universitário. Veja que o lulopetismo instalou, em 13 anos,

praticamente o mesmo número de universidades federais no País que havia nos 100 anos
anteriores. O resultado é baixa qualidade e o malefício maior se dá principalmente na área da

saúde. Há diversas faculdades de medicina que não têm estrutura adequada para proporcionar

um ensino de qualidade. Nem precisa ir às universidades para ver, basta ir aos hospitais, ao SUS.

Ao lulopetismo interessa aquele reitor alinhado e aliado ao governo federal. Na eleição de Dilma

Rousseff, todos os reitores de universidades federais manifestaram apoio a ela. Isso despolitiza e

deixa desânimo na população, que está percebendo isso no bolso, no dia a dia.

Euler de França Belém – Fala-se em “entulho autoritário” da ditadura. E esse “entulho

petista” vai durar quanto tempo?

Na educação, deve durar cinco décadas, porque são novas gerações que terão de vir para limpar

isso. Esse entulho autoritário pseudomarxista-socialista-comunista tornou de esquerda a

esmagadora maioria dos professores de história. Os livros e até as questões do Enade são

tendenciosas.

Cezar Santos – Sobre isso, há livros didáticos aprovados pelo MEC para alunos do ensino

fundamental que trazem críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso e elogios à gestão

de Lula.

Isso é uma estratégia política de permanência no poder a qualquer custo. A corrupção do PT veio

para manter esse tipo de orientação ideológica.

Cezar Santos – A história desse período só vai poder ser lida com mais realidade quando

historiadores não petistas começarem a escrever os livros de análise?

Claro, e observo que os não petistas hoje são perseguidos. Há uma patrulha enorme sobre as

pessoas que contestam esse sistema de interesse político esquerdista, e são poucos historiadores

e antropólogos que discutem isso abertamente. Quando fazem isso são imediatamente

destroçados, alijados do processo. Para se ter uma ideia, o Departamento de História da PUC tirou

do currículo a disciplina antropologia. E por quê? É uma postura ideológica, porque a antropologia

não se filia a nenhuma corrente, é uma concorrente ao marxismo-leninismo, é uma disciplina que

não interessa a isso. Aliás, não existe neutralidade em nenhuma disciplina. O grande historiador

judeu francês Marc Bloch (1886-1944), que foi fuzilado pela Gestapo de Hitler, propõe uma história

na busca de problemas, uma história problemática, digamos. Esse é o foco da história: levantar os

problemas do passado para não repeti-los no presente. E esse pós-socialismo, principalmente no

Brasil e em países latino-americanos, está querendo introduzir de novo ideias marxistas e

socialistas que foram colocadas na prateleira. Hoje, nem os próprios russos as defendem, nem os

chineses; sobram aí o Vietnam do Norte, a Coreia do Norte, Cuba e talvez Equador, Venezuela.
Tudo isso querendo se contrapor a um

movimento globalizante, capitalista, que é

inexorável. Aliás, esses ditos esquerdistas

adotam as benesses do capitalismo. Eu

pergunto: por que eles não trazem os

economistas desses países para instaurar um

modelo deles? Mas é uma questão de

estratégia usar o processo representativo

democrático do Brasil e utilizar eleições, com

falatório de inclusão, de justiça social, de

igualdade, para espalhar ideias ultrapassadas e

obsoletas.

“Petistas não têm coragem de


mostrar a sigla”

Euler de França Belém – Em texto recente, o

filósofo Luiz Felipe Pondé diz que numa

escola de elite em São Paulo, o professor

determinou aos alunos um trabalho sob o

tema “Fora, Temer golpista”…

Isso não fica só nas escolas. O próprio Jornal

Opção já falou sobre o corporativismo, que é

muito forte no Brasil. A criação de sindicatos

em qualquer esquina se deu para fortalecer

seguimentos de trabalhadores, mas que eram

cooptados pelo governo federal. Isso é uma

aberração. São mais de 11 mil sindicatos no

País e todos defendendo essa linha. Dizem que

o impeachment foi golpe. Como golpe, se

Michel Temer foi escolha de Dilma? Se fosse

golpe, ela deveria ter convocado as forças

armadas para bloquear esse movimento

Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção


golpista. “Golpe”, no Brasil, é uma metáfora porque a palavra é nefasta no País, que se lembra do

período da ditadura. Então, esse foi um argumento usado para penetrar na população e, até certo

ponto, deu certo, porque tem gente que repete esse discurso. Eles não têm mais o governo

federal nas mãos, mas ainda têm esses núcleos militantes, que são fortes.

Cezar Santos – O lulopetismo e, de alguma forma, a esquerda abdicou de discutir a ética e a

moral. Como o sr. vê esse movimento?

Há um discurso de afirmação de grupos, por questões políticas e de defesa do seu próprio

umbigo. Tanto que essas eleições serão uma amostra do que será a vida do PT pós-impeachment:

em São Paulo, nas eleições passadas, eram mais de 9 mil candidatos a vereador e, hoje, não são 4

mil. Aliás, os candidatos do PT não têm coragem sequer de mostrar a sigla do partido junto com a

sua foto. A estrelinha está o menor possível. Eles mesmos estão envergonhados de si, pois,

mesmo entre os petistas, existe gente honesta.

Euler de França Belém – Qual será o Brasil após esse período conturbado? Estamos vendo a

cara dos nossos políticos, empresários e dos nossos intelectuais, mas vemos também as

instituições funcionando, como Polícia Federal, Ministério Público e o Poder Judiciário. A

sociedade brasileira melhora depois disso?

A perspectiva não é a do avanço de um regime totalitário, apesar de que a briga atual, não apenas

no Brasil mas no planeta, é das posições totalitárias contra as posições abertas. E é claro que a

esquerda defende, com arrogância, ser a única dona da verdade e consegue ter adeptos, porque é

a narrativa de uma utopia acerca de algo que poderia acontecer e que foi visto por Rousseau ou

Marx, nos séculos XVIII e XIX. Quer dizer, o mundo já está caminhando para outro lado e o Brasil,

que não é um país como Equador ou Venezuela, deve se beneficiar desse novo quadro. O Brasil

tem uma sociedade mais evoluída e um capitalismo presente, mesmo que muitos empresários

tenham sido cooptados pelo governo federal e agora estão presos. Então, o País pode, por meio

da Lava Jato, que é uma nova leitura jurídica dos ilícitos corridos no Brasil, dar mais valor aos fatos

e não à narrativa criada.

Temos linhas jurídicas diferenciadas em que é possível pegar o bandido, principalmente o de

colarinho branco, verificando o caminho percorrido pelo dinheiro, pela propina. É a

“propinocracia”, palavra criada por Deltan [Dallagnol, procurador Ministério Público Federal e co-

ordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato]. Isto é, o “governo da propina”, que realmente

foi instituído no País. Quem participou ficou indignado quando a denúncia foi feita, mas não ficou

indignado com o uso da propina. Agora, denúncia não significa acusação. A acusação foi aceita e o
processo foi iniciado. Os méritos do processo, os fatos, é que são inquestionáveis. Veja o caso de

Mantega, que teve a prisão decretada exatamente porque há fatos concretos mostrando que ele

pegou propina.

Euler de França Belém – Muitos acreditam que Lula já ficou no passado e deve ser debatido

como figura histórica. O sr. acredita que Lula tem algum futuro político?

Não deveríamos acreditar nisso, porque Lula é uma carta tirada do baralho a nível político

nacional. Mas quem vai referendar essa conclusão é o eleitor brasileiro e, provavelmente, nem

será candidato em 2018. Essa já é uma aposentadoria, porque a marca do governo petista foi,

desde 2003, corrupção. E os demais partidos, sobretudo o PMDB, assim como os empresários,

também são culpados disso. E outra coisa: há um conluio para barrar a Lava Jato. No Congresso,

há mais centenas de deputados e senadores envolvidos na “propinocracia”, tanto que tentaram,

na calada da noite, absolver aqueles que estavam envolvidos em esquemas de caixa dois, isto é,

dar aos políticos evolvidos nisso, anistia. Caixa dois é algo usado até hoje. Nessas eleições, o

próprio Tribunal Superior Eleitoral já denunciou quase 20 mil casos, no País inteiro, de mortos e

pessoas que recebem Bolsa Família doando quantidades grandes de dinheiro. Esse é o jeitinho, a

malandragem, que não é só do político, mas também é parte da cultura, do comportamento

antropológico brasileiro.

Euler de França Belém – O sr. acha que a política exterior do Brasil já melhorou com José

Serra?

Claro. Isso trouxe oxigênio ao País, o que é bom politica e economicamente, porque há certa

confiabilidade na trajetória do governo Temer. Os resultados são vistos na economia. Agora, é

engraçado que as pessoas do governo passado não assumem o que é atribuído a ele, mas

querem que Temer resolva, em três meses, o rombo de treze anos.

Marcos Nunes Carreiro – O sr. não vê nada de positivo nos governos da última década?

O que esses governos trouxeram de positivo foi o entendimento de que não se pode confiar em

político. Quem disse isso pela primeira vez foi Maquiavel, de que política se faz com humanos e

não com santos, com messias. E humanos são capazes de prejudicar pessoas e também o País.

Então, isso é um aprendizado. O prejuízo foi que o lulopetismo misturou o público e o privado.

O Brasil foi patrimônio dos portugueses durante 400 anos e patrimônio do lulopetismo durante 13

anos, como se a “coisa pública” pertencesse àquele partido que chegasse ao poder. Por isso, a

população deve se indignar com a ladroagem que aconteceu nesses 13 anos, porque foi dinheiro
público, fruto de impostos que a população pagou, que foi direcionado a empresas privadas,

partidos políticos e até para o bolso particular de uma quantidade enorme de políticos. Então, o

Brasil viu que não se pode confiar em muitas pessoas.

A democracia tem que ser reavaliada sempre, pois é muito vulnerável. Todos participam e vemos

pessoas desonestas participando e que estão ali para atender a interesses pessoais. E também é

uma oportunidade de a população perceber quem está falando a verdade, tanto que o melhor

político hoje, no sentido de ganhar voto, é aquele que fica em cima do muro. É o genérico da

política e quanto menos atitudes e posições ele tiver, melhor. Tanto que os políticos só faltam

prometer vida eterna, saúde e fortuna.

Euler de França Belém – É possível perceber um descompasso no Brasil. Goiânia, por

exemplo, é uma cidade moderna, mas que tem um candidato como Iris Rezende, que não

tem uma visão moderna de cidade. Por que existem, no Brasil, figuras retardatárias como

essa?

Iris deve ser o último populista que nós temos, cheio de proselitismo e retóricas tradicionais. Mas

a culpa disso está na discussão política que começa na escola e na universidade e que foi

aplacada durante esses 13 anos. Então, não se viu surgir novas lideranças no País. Por isso, temos

as “familiocracias” que governam desde as capitanias hereditárias, transmitindo de geração para

geração a mesmice, sem nenhuma mudança significativa.

E Iris não é único. Existem muitos “Iris” espalhados pelo Brasil, assim como muitos “Lulas”, pessoas

que se veem em uma missão messiânica, de chamamento para resolver os problemas de uma

cidade que é muito complexa, da saúde ao transporte público. Os candidatos não têm coragem de

colocar sobre a mesa ideias, propostas e planos viáveis com o orçamento da cidade, afinal,

existem limites. Veja que tem candidato propondo colocar videomonitoramento em todas as

esquinas da cidade. Fala-se em construir um hospital 24 horas, pagando R$ 3 mil a um médico?

Então, esse discurso se mantém porque não houve renovação durante 13 anos. Essa cooptação

do governo federal em todas as áreas atrasou o Brasil por décadas. Se fosse um país verdadeira,

que discutisse a realidade das cidades, dos Estados e do País, não teríamos esse atraso. Nós

regredimos ao invés de avançar.

A sociedade avançou, Goiânia avançou, é moderna. A sociedade evoluiu, mas os políticos

permaneceram. Então, essa eleição pode mudar a forma de fazer política para as próximas
eleições. Como? Uma reforma política que extinga o fundo partidário, que é uma aberração. Tem

partido que vive só pelo fundo partidário, que chega a garantir de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões por

ano. Isso é uma loteria esportiva. (enfático) São partidos nanicos e que têm meia dúzia de

militantes que ficam aí, sem produzir, sem trabalhar.

Cientista político Wilson Ferreira da Cunha: “Política eleitoral não é tudo numa sociedade. Quem faz sociedade é a
própria sociedade. Os próprios moradores que vão fazer a cidade” | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Euler de França Belém – O sr. tem notado o eleitor de Goiânia perceptivo? Parece que o

eleitor tem avaliado inclusive os candidatos a vice.

Sim. Ele examina quantas vezes, por exemplo, Iris deixou a Prefeitura. Iris não termina um

mandato. A perspectiva de ele se colocar como candidato foi praticamente no último minuto do

segundo tempo. Ele não era candidato. Quando percebeu que o PMDB não tinha preparado um

nome para ter visibilidade e densidade eleitoral, ele se apresentou como candidato.

Foi ingenuidade nossa acreditar que não seria candidato. Claro que ele tinha a possibilidade de

perder a oportunidade de o PMDB conseguir a Prefeitura de Goiânia. Isso é determinante. Com

relação a Vanderlan, provavelmente graças à sua campanha, ele foi subindo nas pesquisas, que

não é a eleição. Pesquisa é o retrato do momento, não é resultado eleitoral. Isso pode parar

também ou continuar. A gente não sabe.


Agora, há uma teoria política onde 40% dos eleitores seguem a maioria. Se aquele candidato está

tendo mais votos, os 40% que vêm aí vão desembocar na urna a favor desse mais favorito.

Marcos Nunes Carreiro – As pesquisas acabam pautando o voto do eleitor?

Sim.

Marcos Nunes Carreiro – Essa é a primeira eleição após essa minirreforma eleitoral, que não

pautou mudanças profundas, mesmo com o financiamento de campanha e o tempo

modificados. Já é possível ter alguma avaliação do resultado prático disso ou é preciso

esperar a eleição acabar para poder analisar?

Esperando é melhor, mas já é possível falar alguma coisa. Vimos a diminuição do marketing.

Praticamente fazia-se um produto, não um candidato. Apresentava-se o melhor produto. O

marqueteiro fazia isso e ganhava a eleição com esse raciocínio de que os 40% seguem aquele

mais vitorioso. Mas haverá a possibilidade de ter uma reforma política e mudar o jeito de votar.

Talvez com a intenção dos próprios candidatos. Porque eles estão vendo que é muito mais difícil

chegar ao eleitor.

Se houvesse distribuição dos eleitores por distrito, dos votos, o contato seria mais presente e mais

eficiente, com o número delimitado de eleitores que iria votar naquele candidato. Eles vão sentir

isso lá na frente. Não precisa fazer uma reforma política, basta mudar o voto proporcional

majoritário para proporcional para acabar com esse distanciamento.

Outra coisa é acabar com as coligações e depois implantar um mínimo necessário como existência

para partido político. Ele pode continuar a ser da política, mas não como partido político.

E sem dinheiro do fundo partidário. Não vai proibir que haja manifestação, pois na democracia

você tem o livre direito à manifestação, mas não entrar na composição político-jurídica do País. Aí

você vai filtrar mais e ter partidos com mais representatividade de ideias, de projetos e vai haver

mais transparência e identidade.

Política eleitoral não é tudo numa sociedade. Quem faz sociedade é a própria sociedade. Os

próprios moradores que vão fazer a cidade.

Cezar Santos – Em democracias mais maduras o voto não é obrigatório.

Outra coisa é deixar de ser obrigatório o voto. Tanto que nas eleições dos Estados Unidos nem

50% dos eleitores comparece no dia da votação. E o país deslancha. A gente dá muita atenção e
poder àquele profissional político. Precisamos diminuir o papel do político profissional na

sociedade, diminuir o papel do governo, do Estado. Aí você terá menos interferência na vida da

própria sociedade nos aspectos econômico, político e individual.

E vai aflorar indivíduos com mais compromisso e responsabilidade quando se apresenta como

candidato. E não como salvador da pátria, como Messias, insubstituível. Praticamente quase todos

os candidatos se creem insubstituíveis. Se não for ele, outro não presta. Com isso você terá

administrações municipais e não administrações de partidos e de indivíduos que eventualmente

estão no poder.

Você administra em uma gestão pública para o município. E não para aquele partido. Então você

descaracteriza essa marca partidária e põe um gestor público, que é o que mais interessa ao

município, Estado e União. Nós temos que pensar um novo pacto federativo.

Marcos Nunes Carreiro – O número de municípios é muito grande, na visão do sr.?

Será que o Brasil suporta 5.770 municípios? Não. Mais de 3 mil municípios são dependentes do

governo federal e estadual. Nessas eleições deveria ser discutido isso. Eu acredito que isso seja a

primeira pauta da agenda dos municípios brasileiros. Discutir o novo pacto federativo e uma nova

forma de implantar municípios. Município é um lugar que deve ter autonomia econômica,

autonomia financeira, gestão própria para sustentar os três poderes. É uma discussão muito

interessante que vai refletir a nível estadual e federal.

Aqueles 3 mil municípios dependentes serão colocados como distritos ou povoados. Se ele

alcançar uma autonomia, que é feito pelos moradores daquele povoado ou distrito, onde as

pessoas crescem, enriquecem e sobe de degrau para distrito ou município. Essa discussão ela está

não está sendo colocada em nenhum Estado brasileiro. Nem os candidatos estão colocando isso

em discussão. Goiânia mesmo tem que discutir com cidades do entorno.

Cezar Santos – Não se fala de uma política de maior alcance, só se trata das coisas

pequenas.

Existe mais um populismo demagógico, proselitismo, não há discussão política. Isso desqualifica a

política municipal. Isso é gravíssimo. É um dos momentos mais importantes para se colocar em

pauta.
Política se faz escolhas de ideias e posições, de doutrinas. A democracia precisa se reavaliar

sempre. Não significa que isso será um ponto final na discussão política. Não há terminalidade.

São três pontinhos. Isso é um processo, não é fechar a questão.

Todas as gestões públicas só devem ser avaliadas depois de terminadas essas gestões. No

processo se houver algum desvio, como no caso da trapalhada da Dilma, você interferir. Está aí a

existência dos três poderes autônomos. As regras democráticas exigem que cada um dos poderes

seja independente e cada um tenha a sua atribuição, autonomia e prerrogativa.

Um caso interessante é analisar os candidatos a vereador, e mesmo a prefeito. Eles têm que saber

reconhecer qual o terreno deles. Goiânia, por exemplo, termina ali na primeira rua em contato

com Aparecida de Goiânia. Ele acha que vai sair da Câmara Municipal algum decreto para resolver

o problema da inflação, da saúde, dos preços

• 8 Comments
1

Wagner Fraga • 2 days ago


O PT, por onde passou estragou, estragou tudo o que tocou, institucionalizou a corrupção,
aparelhou o Estado na tentativa de transformar a nação, de forma homeopática, a nação numa
nação socialista, usou o dinheiro do contribuinte brasileiro para resolver problemas e sustentar
ditaduras aliadas. Ainda bem que aos poucos o Brasil está acordando.

Mauro Julio Vieira • 2 days ago

É esse tipo de gente que deve ser ouvida. Fala o que vivenciou. Não inventa.

Donizete • 2 days ago

Cinquenta anos, mas com uma ressalva. Levaremos cinquenta anos se todo brasileiro de bom
senso falar, falar muito, escrever muito, digitar muito.... Caso contrário, essa catástrofe de
ideologia ainda poderá prevalecer e poderemos não mais sairmos disso indefinidamente.
Portanto, é necessário que cada brasileiro com um pingo de discernimento fale, escreva, digite
incessantemente até vencermos essa catástrofe.....

Gutemberg Rodrigues • 2 days ago

Esse sabe exatamente o que fala e o que realmente acontece.

Sergio Nunes • 2 days ago


Me chamou atenção dois pontos nessa entrevista: 99% dela foi foçada exclusivamente no PT e
Lula, enquanto que ao se falar em Serra, há um elogio rasgado do digno professor.
Demonstra, portanto, uma entrevista direcionada, apenas para criticar negativamente o PT sem
levar em consideração os aspectos positivos, de visão nitidamente ideológica e sem qualquer
consistência científica, carecendo de dados objetivos e claros.
Composta basicamente de juízos de valor e de conclusões peremptórias, o que é lamentável
para um antropólogo, que deveria ser fiel à sua formação.
Por fim, parece muito mais uma antipropaganda, o que de certo, aprendeu na União Soviética.

Eder D. Luffy • 2 days ago

Entrevista maravilhosa!

Carlos H. • a day ago


Desde o ano de 1968 tive a convicção de que depois do ano 2000 a civilização mundial entraria
em colapso financeiro, político, econômico, moral, social e climático irreversivelmente.
Falta pouco agora para que isto aconteça.

Antenor Assis • a day ago


Legal!

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