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CAMIP

Atualização em Medicina
Intensiva Pediátrica
SUMÁRIO
SUMÁRIO
DIRETORIA
DIRETORIA EXECUTIVA
EXECUTIVA BIÊNIO 1. Manejo da via aérea ............................................................ 11
2020/2021 2. Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal ..... 31
BIÊNIO 2016/2017
3. Procedimentos em pediatria: cateter venoso central,
Presidente
Presidente cateter umbilical, pressão arterial invasiva e cardioversão.......59
MirellaMargareth
Suzana Cristine deAjeje
Oliveira (PR)(SP)
Lobo 4. Sedação e analgesia em pediatria ...................................... 75
5. Choque circulatório em pediatria ...................................... 117
Vice-Presidente
Vice-Presidente
6. Arritmias cardíacas na infância ......................................... 139
Paulo
Ricardo Ramos
Maria David
Nobre JoãoSidou
Othon (PR) (CE)
7. Monitorização hemodinâmica ........................................... 165
Secretário Geral
Secretário Geral 8. Emergência hipertensiva ................................................... 179
Patrícia M. V. de Carvalho
Antonio Luis Eiras Falcão Mello (PI)
(SP) 9. Cuidados no pós-operatório das
cardiopatias congênitas .................................................... 187
Tesoureiro
Tesoureiro 10. Insuficiência respiratória ................................................... 211
Marcos Antônio C. Gallindo
Wilson de Oliveira (PE)
Filho (AM) 11. Síndrome do desconforto respiratório agudo
em Pediatria ...................................................................... 225
DiretorDiretor
Executivo Fundo AMIB
Científico 12. Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido..... 241
Jorge
Hugo Luis dos
Correa Santos Valiatti
de Andrade Urbano (SP)(MG)
13. Síndrome de aspiração meconial...................................... 251
Presidente Futuro 14. Hipertensão pulmonar persistente neonatal ..................... 257
Presidente-Futuro 15. Asma aguda grave ............................................................ 273
Ciro Leite
Marcelo MendesMaia
de Oliveira (PB) (DF)
16. Ventilação mecânica ......................................................... 291
Presidente Passado 17. Monitorização respiratória................................................. 305
Presidente-Passado
Fernando Suparregui Dias (RS) 18. Estado de mal epiléptico em pediatria.............................. 319
Ciro Leite Mendes (PB)
19. Morte encefálica ................................................................ 331
20. Traumatismo craniencefálico na criança ........................... 343
21. Insuficiência renal aguda................................................... 369
22. Distúrbios hidroeletrolíticos ............................................... 389
23. Distúrbios acidobásicos .................................................... 423
24. Terapia nutricional na criança gravemente doente ........... 443
AMIB 25. Utilização de hemoderivados em terapia intensiva .......... 457
26. Sepse ................................................................................ 475
Associação de Medicina
27. Uso racional de antimicrobianos em crianças
Intensiva Brasileira
AMIB gravemente enfermas ...................................................... 497
Associação
Rua de–Medicina
Arminda, 93 7º andar 28. Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica.......... 517
Intensiva Brasileira
Vila Olímpia 29. Grande queimado ............................................................. 537
Rua
CEP Arminda,– São
04545-100 93 - Paulo
7º andar
– SP 30. Afogamento ....................................................................... 555
Vila Olímpia
(11) 5089-2642 31. Intoxicações agudas ......................................................... 573
CEP 04545-100 - São Paulo - SP 32. A criança politraumatizada................................................ 589
www.amib.org.br
(11) 5089-2642 33. Tromboembolismo pulmonar em pediatria ....................... 607
www.amib.org.br
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CAMIP – Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

COORDENADOR
• Eduardo Juan Troster – São Paulo, SP

BOARD CONSULTIVO
• Olberes Vitor Braga de Andrade – São Paulo, SP
• Albert Bousso – São Paulo, SP
• Juliana Ferreira Ferranti – São Paulo, SP

Capítulo 1

IRACEMA C. O. FERNANDES
• Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da
Universidade de São Paulo
• Médica Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Infantil Sabará, SP

REGINA GRIGOLLI CÉSAR


• Doutora em Pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
• Professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
• Diarista da UTI Pediátrica do Hospital Sabará
• Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Senso em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal da AMIB

GUILHERME PELOSO REIS QUEIROGA


• Residente de Terapia Intensiva Pediátrica do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de SP

Capítulo 2

RODRIGO LOCATELLI PEDRO PAULO


• Médico Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

ANA MARIA A. GONÇALVES PEREIRA DE MELO


• Médico Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

Capítulo 3

ALINE MOTTA DE MENEZES


• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein
• Médico Preceptor da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto da Criança – ICr/
HCFMUSP (2012-2013)
• Médico Preceptor da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Albert Einstein (2013)

Capítulo 4

LAURA GAIGA
• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil
• Médica Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

CINTIA T. CRUZ
• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil
• Médica Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Capítulo 5

CID EDUARDO DE CARVALHO


• Primeiro Assistente da UTI pediátrica da Irmandade da Santa casa de Misericórdia de São Paulo
• Coordenador da Disciplina de Propedêutica Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de SP
• Coordenador da UTI Pediátrica do Hospital Municipal Alípio Corrêa Neto

FÁBIO HENRIQUE DE NUNCIO


• Médico Segundo Assistente da UTI Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Capítulo 6

JOSÉ CARLOS FERNANDES


• Médico Supervisor da Unidade de Terapia Intensiva Cardiopediátrica do Hospital do Coração –
Associação do Sanatório Sírio
• Médico Diarista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da USP

LUISA ZAGNE BRAZ


• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil
• Médica Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

Capítulo 7

DANIELA CARLA DE SOUZA


• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da USP
• Médica Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Sírio Libanês

EDUARDO JUAN TROSTER


• Coordenador Médico do CTI Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein
• Médico Assistente do ITACI (Instituto de Tratamento do Câncer Infantil)
• Professor Livre Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP

FRANCISCO FLAUBER DUARTE DOS SANTOS FILHO


• Plantonista Unidade de Terapia Intensiva do Instituto de Oncologia Pediátrica da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)
• Plantonista da Unidade de Apoio Cirúrgico do Hospital Central – Universidade de São Paulo (USP)

RAQUEL MATOS DE SANTANA


• Complementanda em Terapia Intensiva Pediátrica da Universidade de São Paulo (USP)

Capítulo 8

CAROLINE PRITSCH
• Médica Assistente da UTI Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil da FMUSP
• Médica Plantonista da UTI Pediátrica do Hospital Infantil Sabará
• Médica Plantonista da UTI Pediátrica do Hospital São Luiz Unidade Jabaquara

GABRIEL BALDANZI
• Médico Preceptor do Instituto da Criança da FMUSP
• Médico Plantonista da UTI Pediátrica do Hospital Infantil Sabará
• Médico Plantonista da UTI Pediátrica do Hospital AC Camargo

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Capítulo 9

JOSÉ CARLOS FERNANDES


• Médico Supervisor da Unidade de Terapia Intensiva Cardiopediátrica do Hospital do Coração –
Associação do Sanatório Sírio
• Médico diarista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da USP

LUISA ZAGNE BRAZ


• Médica especialista em Pediatria e Nefrologia Pediátrica pela ISCMSP, com área de atuação em
Transplante Renal Pediátrico pela EPM/UNIFESP
• Médica assistente do setor de emergências pediátricas da ISCMSP
• Médica integrante do corpo clínico do Hospital do Rim

Capítulo 10

ANDRÉA HIROMI IMAMURA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da UTI Pediátrica do Instituto de Assistência Médica do Servidor
Público Estadual
• Título de Especialista em Pediatria – SBP/AMB
• Título de Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica – AMIB/AMB

JULIANA FERREIRA FERRANTI


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança - HCFMUSP (2013-2014)
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein
(2014-2015)
• Título de Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica – AMIB/AMB

NATÁLIA VIU DEGASPARE


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital da Luz
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança - HCFMUSP (2014-2015)

Capítulo 11

ADRIANA STAMA SUZUKI DANIEL


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Inst. de Tratamento do
Câncer Infantil
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

CINTIA TAVARES CRUZ


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Inst. de Tratamento do
Câncer Infantil
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

ELIANE ROSELI BARREIRA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da USP
• Médica plantonista da Unidade de Pronto Atendimento Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

JULIANA FERREIRA FERRANTI


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança - HCFMUSP (2013-2014)
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein
(2014-2015)
• Título de Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica – AMIB/AMB

Capítulo 12

MAURÍCIO MAGALHÃES
• Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
• Chefe do Serviço de Neonatologia do Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo
• Neonatologista da Unidade Materno-infantil do Hospital Israelita Albert Einstein

MARCELA CHAVES DE MATTOS PIMENTA BOSCO


• Médica Pediatra e Neonatologista Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria
• Médica Assistente do Serviço de neonatologia do Departamento de Pediatria da Santa Casa
de São Paulo
• Médica Preceptora da Residência Médica em Neonatologia do Hospital Israelita Albert Einstein de
São Paulo

LÚCIA CÂNDIDA SOARES DE PAULO


• Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
• Fisioterapeuta responsável pela equipe de fisioterapia do CTIN2 do Instituto da Criança do Hospital
das Clínicas - FMUSP
• Coordenadora e professora do Curso de Especialização em Fisioterapia Respiratória e Fisioterapia
em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal do Instituto da Criança - FMUSP

Capítulo 13

MAURÍCIO MAGALHÃES
• Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
• Chefe do Serviço de Neonatologia do Departamento de Pediatria da Santa Casa
de São Paulo
• Neonatologista da Unidade Materno-infantil do Hospital Israelita Albert Einstein

MARCELA CHAVES DE MATTOS PIMENTA BOSCO


• Médica Pediatra e Neonatologista Titular da Sociedade Brasileira de Pediatria
• Médica Assistente do Serviço de neonatologia do Departamento de Pediatria da Santa Casa de
São Paulo
• Médica Preceptora da Residência Médica em Neonatologia do Hospital Israelita Albert Einstein de
São Paulo

Capítulo 14

HEIKI MORI
• Titulo de especialista em Pediatria e Neonatologia
• Assistente do Departamento de Pediatria e Puericultura da Santa Casa
de São Paulo
• Chefe de Plantão da UTI Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Neonatologista da Maternidade Pro Matre Paulista

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AMANDA LIBERATI CARDOSO


• Médica segundo assistente da UTI pediátrica da Santa Casa de São Paulo, membro do corpo clínico
da UTI pediátrica do Hospital São Luiz Anália Franco titulada em pediatria pela SBP

Capítulo 15

ANDREA REIS FEROLLA


• Médica Intensivista Pediátrica pela Santa Casa de São Paulo
• Médica plantonista da Uti Pediátrica do Hospital São Luiz Unidade Jabaquara
• Médica plantonista da Uti Pediátrica do Centro Hospitalar do município de Santo André

BIANCA LIMA ZIMMER


• Médica Intensivista pediátrica da UNESP de Botucatu

DOMENICO MONETTA NETO


• Médico assistente da UTI pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Encarregado médico da UTI pediátrica do CHMSA da Faculdade de Medicina do ABC

Capítulo 16

ALBERT BOUSSO
• Mestre e Doutor em Pediatria pela FMUSP
• Médico Coordenador da Pediatria do Hospital Municipal Vila Santa Catarina
• Hospital Israelita Albert Einstein

Capítulo 17

CAROLINA VALENTE RIZZO


• Médica Intensivista Pediátrica pela Santa Casa de São Paulo

EVELYN HILDA DIAZ ALTAMIRANO


• Fisioterapeuta da UTI Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Supervisora da Especialização da Fisioterapia Respiratória da Santa Casa
de São Paulo
• Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento Mackenzie São Paulo
• Especialista em Fisiologia do Exercício UNIFESP

NELIO DE SOUZA
• Médico Chefe da UTI Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Mestre em Pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo
• Título de especialista em Pediatria e Medicina Intensiva Pediátrica

Capítulo 18

IVAN POLLASTRINI PISTELLI


• Mestre e Doutor pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo
• Professor Doutor, da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo
• Médico da UTI Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Médico Chefe da UTI Pediátrica do Hospital São Luiz – Unidade Morumbi
• Vice Presidente do departamento de Terapia Intensiva da Sociedade de Pediatria
de São Paulo

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THAISA LONGO MENDES


• Médica Assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica dá Irmandade de Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo
• Nefrologista Pediátrica pela ISCMSP

Capítulo 19

CLARICE PEIXOTO DE SOUSA


• Médica Intensivista Pediátrica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

NATÁLIA VIU DEGASPARE


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital da Luz
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança - HCFMUSP (2014-2015)

Capítulo 20

BIANCA MELLO LUIZ


• Médica Assistente da UTI Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer infantil – ITACI
• Médica plantonista da AACD
• Médica Plantonista do Hospital Estadual de Diadema

PRISCILA CORRÊA RODRIGUES


• Médica Assistente da UTI Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer infantil – ITACI
• Médica plantonista da CTI Pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein

Capítulo 21

PATRÍCIA FREITAS GÓES


• Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
• Médica Assistente da UTI Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

PRISCILA CORREA RODRIGUES


• Médica Assistente da UTI Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer infantil – ITACI
• Médica plantonista da CTI Pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein

Capítulo 22

LUIZA GHIZONI
• Médica especialista em Pediatria e Nefrologia Pediátrica pela ISCMSP, com área de atuação em
Transplante Renal Pediátrico pela EPM/UNIFESP
• Médica assistente do setor de emergências pediátricas da ISCMSP
• Médica integrante do corpo clínico do Hospital do Rim

TARSILA TOYOFUKU
• Médica residente da Nefrologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo

OLBERES VITOR BRAGA DE ANDRADE


• Prof. Assistente da FCM Santa Casa de São Paulo. Mestre em Nefrologia pela UNIFESP e
Doutor em Pediatria pela FCMS Santa Casa de São Paulo
• Ex- médico do Centro de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein
• Coordenador da Nefrologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Especialista em Nefrologia Pediátrica e Terapia Intensiva Pediátrica

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Capítulo 23

LUIZA GHIZONI
• Médica especialista em Pediatria e Nefrologia Pediátrica pela ISCMSP, com área de atuação
em Transplante Renal Pediátrico pela EPM/UNIFESP
• Médica assistente do setor de emergências pediátricas da ISCMSP
• Médica integrante do corpo clínico do Hospital do Rim

THAMARA SIGRIST
• Médica residente da Nefrologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo

OLBERES VITOR BRAGA DE ANDRADE


• Prof. Assistente da FCM Santa Casa de São Paulo. Mestre em Nefrologia pela UNIFESP e
Doutor em Pediatria pela FCMS Santa Casa de São Paulo
• Ex- médico do Centro de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Israelita
Albert Einstein
• Coordenador da Nefrologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo
• Especialista em Nefrologia Pediátrica e Terapia Intensiva Pediátrica

Capítulo 24

ARTUR FIGUEIREDO DELGADO


• Coordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança do HCFMUSP

Capítulo 25

PATRÍCIA RESENDE AREIAS DE ARAÚJO


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim

PRISCILLA DE OLIVEIRA CAVALHEIRO


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

Capítulo 26

ANDREA MARIA CORDEIRO VENTURA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário da
Universidade de São Paulo
• Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

DANIELA CARLA DE SOUZA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário
da Universidade de São Paulo
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do
Hospital Sírio Libanês
• Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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Capítulo 27

EDUARDO JUAN TROSTER


• Coordenador Médico do CTI-Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein
• Médico Assistente do ITACI (Instituto de Tratamento do Câncer Infantil)
• Professor Livre Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP

HELOISA HELENA DE SOUSA MARQUES


• Médica Assistente e Chefe da Unidade de Infectologia do Instituto da Criança do Hospital
das Clínicas da FMUSP-SP. Doutora em Pediatria pela FMUSP-SP

JULIANA FERREIRA FERRANTI


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança - HCFMUSP
(2013-2014)
• Médica Preceptora da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Israelita Albert
Einstein (2014-2015)
• Título de Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica – AMIB/AMB

Capítulo 28

LAURA FONSECA DARMAROS


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim

ELIANE ROSELI BARREIRA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Universitário
da USP
• Médica plantonista da Unidade de Pronto Atendimento Infantil do Hospital Israelita
Albert Einstein

Capítulo 29

ANDRÉA HIROMI IMAMURA


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança HCFMUSP
• Médica plantonista da UTI Pediátrica do Instituto de Assistência Médica do Servidor
Público Estadual
• Título de Especialista em Pediatria – SBP/AMB
• Título de Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica – AMIB/AMB

SÉRGIO MASSARU HORITA


Médico Assistente do Pronto Socorro Infantil e da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do
Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

Capítulo 30

MARIA LUCIA DE O. SARAIVA LOBO


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil
• Médica plantonista do Pronto Atendimento do Hospital Sírio Libanês
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim

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CAMIP | Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica
Camip

FELIPPE NAGATA OTOCH


• Médico Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Municipal Moysés
Deutsch - M Boi Mirim
• Médico assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Inst. de Tratamento do Câncer Infantil

Capítulo 31

SERGIO MASSARU HORITA


• Médico Assistente do Pronto Socorro Infantil e da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do
Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

Capítulo 32

CLARICE PEIXOTO DE SOUSA


• Médica Intensivista Pediátrica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Capítulo 33

ADRIANA STAMA SUZUKI DANIEL


• Médica assistente da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Inst. de Tratamento do
Câncer Infantil
• Médica plantonista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Infantil Sabará

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10
Manejo da
Capítulo 1 | Manejo da via aérea
1
Capítulo 1 Via Aérea
Manejo da via aérea

Iracema de Cássia O. Fernandes


Regina Grigolli César
Iracema de Cássia O. Fernandes
Guilherme Peloso Reis Queiroga Regina Grigoli César
Guilherme Peloso Reis Qqueiroga
Caso clínico

GSS, 4 meses, deu entrada no pronto-socorro de pediatria com quadro de febre há 2 dias, tosse
e cansaço. À entrada apresentava frequência respiratória de 60 irpm, com retrações subcostal,
intercostal e de fúrcula esternal. Apresentava também sibilos difusos e estertores subcrepitantes.
Foram realizadas duas sequências de três inalações com O2 em intervalos de 20 minutos,
sem melhora do quadro, evoluindo para insuficiência respiratória aguda. Foi realizada sequ-
ência rápida de intubação (SRI) com atropina, cetamina, midazolam e rocurônio.

Foram feitas sete tentativas de intubação, durante as quais houve um episódio de parada
cardiorrespiratória (PCR) por 5 minutos, revertida com uma dose de adrenalina. Sucesso
na oitava tentativa, com cânula 3,5 com cuff, fixada em 12 no lábio superior, com posição
limitada a T1 (confirmação por raio X devido à impossibilidade de sua progressão).

Raio X de tórax revelou condensação em base direita, sendo introduzido cefuroxima. Crian-
ça evoluiu com melhora do quadro respiratório, sendo possível diminuir os parâmetros ven-
tilatórios. Porém, conforme raio X da Figura 1 de controle, a cânula permanecia localizada
à altura de T1.

Figura 1. Radiografia torácica revelando a cânula localizada à altura de T1

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Como a cânula não progredia, foi realizada broncoscopia para melhor avaliação da via aé-
rea. Foram evidenciadas úlcera subglótica e traqueíte moderada conforme Figura 2. A re-
tirada da cânula também foi difícil. Após a broncocospia, a criança foi novamente intubada
com cânula 3,5 sem cuff, por quadro de insuficiência respiratória relacionada à laringite
pós-extubação.

Figura 2. A broncoscopia evidenciou úlcera subglótica e traqueíte moderada

Na discussão do caso com a equipe de cirurgia pediátrica, ficou indicada traquestomia pela
característica da lesão. Esse procedimento foi realizado sem intercorrências, utilizando-se
cânula número 4 com cuff.

A criança apresentou boa evolução, tornando possíveis a diminuição dos parâmetros ven-
tilatórios e o desmame da ventilação. Após 2 dias em nebulização, recebeu alta da unidade
de cuidados intensivos, com transferência para a unidade semi-intensiva.

Durante a troca do curativo da traqueostomia, houve perda da cânula. Não houve sucesso
na tentativa de introdução de nova cânula. A criança evoluiu com PCR. Foram iniciadas as
manobras de reanimação, com tentativa de intubação por via orotraqueal com cânula 3 sem
sucesso (a cânula não progredia), seguida de intubação com cânula 2,5 sem cuff. Infeliz-
mente a criança não ventilava e evoluiu, assim, para óbito.

12

12
Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Perguntas

1. Com base apenas nos dados apresentados, já se podia diagnosticar a via aérea difícil
(VAD)? Em que momento?
2. Essa VAD poderia ter sido prevista na admissão?
3. Quais seriam os dispositivos adequados para permeabilizar essa via aérea?
4. Existe um protocolo/fluxograma validado para abordagem da VAD na emergência pediátrica?

Evidências

Reconhecimento da via aérea difícil

A via aérea pode apresentar-se difícil já durante as manobras de ventilação com bolsa-vál-
vula-máscara, quando não conseguimos uma boa amplitude de movimentação torácica,
mesmo com o paciente bem posicionado e a técnica adequada.

Por outro lado, a dificuldade pode surgir apenas mais adiante, no momento da laringos-
copia direta, quando a visualização da via aérea pode não ser satisfatória, dificultando o
procedimento de intubação.

Finalmente, a dificuldade também pode surgir na tentativa de progressão da cânula pela


fenda glótica. Em quaisquer das situações, se uma dificuldade respiratória estiver presente,
oxigênio deve ser administrado continuamente, pois, se a hipercarbia puder ser bem tolera-
da, a hipóxia é geralmente deletéria.

No paciente em questão, mesmo se considerada apenas a apresentação resumida do caso,


após o insucesso na segunda tentativa de intubação já seria possível considerar que se
estava diante de uma VAD.

Por definição, o diagnóstico clínico de VAD deve ser feito quando há insucesso após duas
tentativas de intubação traqueal, ou dificuldade em ventilar com máscara facial, ou ambos.

Não se devem confundir as dificuldades que um profissional destreinado, ou mais habitua-


do à intubação de adolescentes e adultos pode encontrar, as quais são resultantes das di-
ferenças anatômicas, que caracterizam principalmente as crianças mais novas, e que estão
resumidas a seguir. Crianças com até 4 anos de idade, por exemplo, apresentam:

13

13
Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

• Língua proporcionalmente grande e mais próxima do palato; a língua e os tecidos moles


são comprimidos em um compartimento relativamente pequeno durante a laringoscopia,
dificultando a intubação (via aérea mais curta com menor diâmetro).
• Epiglote longa e flexível, angulada em relação à traqueia (Figura 3).

Figura 3. Em crianças menores do que 4 anos, a epiglote é longa e flexível, angulada em relação à traqueia

• Cordas vocais com fixação mais anterior e inferior, produzindo uma angulação antero-
caudal, que pode fazer com que, em sua passagem pela laringe, a cânula comprima a
comissura anterior.
• Laringe em posição relativamente cefálica, ao nível da terceira e quarta vértebras cervi-
cais, dificultando.
• Laringe delgada, com cartilagem elástica facilmente colapsável ou compressível por
pressões nas vias aéreas. Enquanto em adultos a porção mais estreita encontra-se na
enseada glótica, antes dos 10 anos de idade o estreitamento é na porção distal (ao nível
do anel cricoide), produzindo uma forma afunilada na laringe, mais complacente, com
cartilagem de suporte menos desenvolvida (Figura 4).

Figura 4. Configuração da laringe do adulto (A)


e da criança em idade pré-escolar (B). Note a
forma cilíndrica da laringe do adulto. A laringe
da criança é afunilada devido ao estreitamento
provocado pela cartilagem cricoide ainda não
totalmente desenvolvida. (a): região anterior; (p):
região posterior. Fonte: adaptado de American
Heart Association (AHA). Handbook of emergency
cardiac care for health care providers. Estados
Unidos: AHA; 2000

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Suporte cartilaginoso da traqueia mais delgado.


• Estruturas particularmente frágeis das vias aéreas, que, durante a extensão do pescoço
para intubação, levam à maior probabilidade de deslocamento da cartilagem aritenoide,
resultando em intenso edema local.

Diferentemente do adulto, uma cânula intratraqueal pode passar através das cordas vocais,
mas ser incapaz de atravessar a região do anel cricoide. Uma cânula muito larga comprime
a mucosa traqueal, levando ao desenvolvimento de edema subglótico e à possível compli-
cação, como laringite pós-intubação e progressão para estenose subglótica (Figura 5).

Figura 5. Em Pediatria, a cânula intratraqueal pode passar através das cordas vocais, mas ser
incapaz de atravessar a região do anel cricoide. Fonte: adaptado de American Heart Association
(AHA). Handbook of emergency cardiac care for health care providers. Estados Unidos: AHA; 2000

Mallampati et al. (1985), num estudo clínico prospectivo do valor da visibilidade de estru-
turas à simples abertura da boca de adultos na posição sentada (Figura 6) para a previsão
sobre dificuldades na intubação, concluíram que quanto maior o tamanho da base da língua
em relação à cavidade orofaríngea, maiores as dificuldades para se visualizar a glote e na
intubação orotraqueal (IOT).

Essa conclusão é considerada válida também para pacientes pediátricos.

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Figura 6. Classe I: palato mole, fauce, úvula e pilares amigdalianos visíveis; classe II: palato mole, fauce
e úvula visíveis; classe III: palato mole e base da úvula visível; classe IV: palato mole totalmente não
visível. Fonte: Mallampati SR, Gatt SP, Gugino LD, Desai SP, Waraksa B, Freiberger D, Liu PL. A clinical
sign to predict difficult tracheal intubation: a prospective study. Can Anaesth Soc J. 1985;32(4):429-34.

Previsibilidade

Um dos maiores desafios é antecipar a possibilidade de manejo de uma VAD antes da


intubação da criança.
No momento da admissão, a anamnese pode fornecer dados importantes, como um his-
tórico prévio de intubação difícil, o padrão respiratório durante o sono (roncos e histórico
de apneia), dificuldades alimentares, cansaço durante amamentação, choro de padrão
anormal ou piora do desconforto durante agitação ou exercício.
Para as intubações é importante lembrar da sigla MPLE, regra mnemônica para alergias,
medicações, passado médico, líquidos e última refeição.
Embora ausentes no caso em questão, é importante lembrar que características anatô-
micas como micrognatia, assimetria facial (principalmente mandibular), limitação à aber-
tura da boca e da movimentação do pescoço, e macroglossia merecem atenção. Sinais e
sintomas respiratórios, e aumento do trabalho respiratório devem ser observados, sendo
sugestivos a taquipneia, o estridor laríngeo, o uso de musculatura acessória, o choro fraco
ou ausente, e a história de apneia obstrutiva do sono.
Escores de avaliação da dificuldade de intubação, como o de Mallampati, não estão
validados para crianças, com uma elevada probabilidade (50%) de falsos-positivos. Além
disso, crianças podem não cooperar com testes à beira do leito.
Malformações congênitas, determinadas ou não por alterações cromossômicas, muco-
polissacaridoses e algumas lesões adquiridas são condições previsíveis de VAD. Essas
condições estão resumidas no Quadro 1.

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 1. Condições previsíveis de via aérea difícil em pediatria

Condições congênitas

- Fissura palatina, micrognatia, macroglossia e glossoptose


Síndrome de Pierre Robin - Sinais e características fenotípicas podem melhorar com
a idade

- Micrognatia, aplasia de osso zigomático, atresia de


Síndrome de Treacher Collins coanas e fissura palatina
- Dificuldade em abordar via aérea pode piorar com a idade

- Hipoplasia hemifacial, anomalias de coluna cervical e


Síndrome de Goldenhar hipoplasia mandibular
- Dificuldade em abordar via aérea pode piorar com a idade

- Pelo progressivo espessamento de tecidos devido à


deposição de mucopolissacárides nas vias aéreas
Mucopolissacaridoses
- A incidência geral de VAD, nesses casos, pode chegar
a 25%

Malformações
congênitas cervicais - Podem alterar drasticamente a conformação das vias
(higroma cístico e grandes aéreas, principalmente quando corrigidas tardiamente
cistos de ducto tireoglosso)

- Alguns pacientes podem apresentar alterações, como


Síndrome de Down instabilidade atlanto-occipital, estreitamento da região
subglótica, macroglossia e boca pequena

Condições adquiridas

- Causa mais comum no período neonatal. Se a criança


xnão apresenta sinais de desconforto respiratório
ou dificuldade em alimentação, a conduta pode ser
Laringomalácia
expectante. Se início agudo de estridor, sem causa
aparente, avaliação pormenorizada da via aérea em
centro cirúrgico com broncoscopia

- Epiglotite, laringite aguda grave, traqueíte, abscesso


Pós-infecciosas
retrofaríngeo, difteria, bronquite e pneumonia

Pós-cirúrgicas - Cirurgias craniofaciais e fixação cervical

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

- Trauma maxilofacial, fratura ou instabilidade da coluna


Traumas
cervical e lesão de laringe

Processos inflamatórios - Espondilite anquilosante, artrite reumatoide

- Edema, tumores e neoplasias de vias aéreas altas e


Obstrutivas
baixas, e corpo estranho na via aérea baixa ou alta

Endocrinopatias - Obesidade, diabetis mellitus e acromegalia

- Queimaduras extensas, radioterapia, obstrução ou


Outras
edema deslocamento posterior da língua e gestação

VAD: via aérea difícil

Efeitos fisiológicos da intubação traqueal

Embora a intubação traqueal (IT) seja um procedimento que possa definir o prognóstico da
criança grave, este procedimento pode levar a alterações fisiológicas, que podem ser pre-
judiciais. A estimulação da via aérea durante a laringoscopia pode levar a um arco reflexo e
causar fechamento da glote, broncoespasmo, edema pulmonar, apneia, hipertensão arterial
ou hipotensão, taquiarritmias (taquicardia, bradicardia), hipertensão intracraniana (HIC), hi-
poxemia e hipercapnia.

Devido a essas alterações, o protocolo de sequência rápida de intubação é indicado para


IOT, sendo má prática a não realização.

Sequência rápida de intubação

A SRI nada mais é do que a administração de drogas previamente ao procedimento de IT, a


fim de reduzir ao máximo as respostas fisiológicas adversas. Não é indicada SRI em pacien-
tes em PCR. Para a realização da IT, são necessários: história e exame físico; preparo; moni-
tor cardíaco (ritmo e frequência); oximetria de pulso; monitorização do gás carbônico (CO2)
exalado, por meio da capnografia; sondas de grosso calibre para aspiração de secreções;
pré-oxigenação; pré-medicação; laringoscópio com lâminas retas e curvas de tamanhos
variados (zero para recém-nascidos; 1 para lactentes; 2 para pré-escolares; 3 escolares).

Há cânulas com vários diâmetros, sem balonete (cuff) e com balonete (cuff), de acordo
a idade da criança, sendo que as fórmulas a seguir são para crianças acima de 2 anos:
• Sem cuff: idade/4 +4
• Com cuff: idade/4 +3,5

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Para idades menores que 2 anos:


• Prematuro: 2,5 a 3.
• Recém-nascido: 3.
• Recém-nascido até 6 meses: 3,5 a 4.
• Crianças de 6 a 12 meses: 4 a 4,5.

As cânulas com cuff atualmente são de baixa pressão e alto volume, e podem ser usadas
em qualquer faixa etária pediátrica, lembrando que, a partir de 8 anos, a cânula deve ser
sempre com balonete (cuff).

Indicações de sequência rápida de intubação

São indicações para SRI: insuficiência respiratória, perda de reflexos da via aérea, higiene
brônquica, alterações do sistema nervoso central, procedimentos quando não é possível
assegurar a via aérea. São contraindicações relativas: respiração espontânea e ventilação
adequada; malformação facial; obstrução da via aérea superior; trauma de face ou via aérea.

No Quadro 2, alguns medicamentos para facilitar a IT.

Quadro 2. Analgésicos e sedativos mais comumente utilizados em


intubação endotraqueal

Dose Início da ação


Agente Benefícios Precauções
mg/kg e duração

0,1–0,4 IV Início rápido, curta Sem efeito analgési-


ou 1–5 minutos ação, amnésia, co, depressão respi-
Midazolan
IM 20–30 minutos reversível com ratória, hipotensão e
0,5–1 VR flumazenil bradicardia

Rigidez torácica,
Início rápido, curta
depressão
2–3 minutos ação, reversível,
Fentanil 2–4mg respiratória e não
30–60 minutos relativa estabilidade
tem propriedades
hemodinâmica
amnésicas

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Aumento da
Início rápido,
secreção da via aérea
reflexos da via
e laringoespasmo
aérea intactos, não
1–4 IV 1–2 minutos (associar atropina),
Cetamina causa hipotensão
3–4 IM 10-30 minutos aumentar a PIC e a
ou bradicardia.
pressão intraocular, e
Anestésico
alucinações (associar
dissociativo
benzodiazepínicos)

Depressão
cardiovascular e
Anestésico geral
Início 30–60 seg respiratória
Propofol 1–3 IV intravenoso
5–10 minutos Contraindicado
Rápido despertar
em pacientes com
alergia a ovo

Depressão
cardiovascular e
1–3 IV 30–60 seg Ação ultracurta, respiratória, sem
Tionembutal
2–5 IM 5–30 minutos diminui a PIC efeito analgésicos,
broncoespasmo e
hipotensão

Potencial inibidor da
adrenal, pode causar
Início rápido, curta
10–20 seg mioclonias, não é
Etomidato 0,3 IV ação, estabilidade
4–10 minutos recomendado para
hemodinâmica
crianças abaixo de
10 anos

IV: intravenoso; IM: intramuscular; VR: via retal; PIC: pressão intracraniana

Bloqueadores neuromusculares

Os bloqueadores neuromusculares possuem características diferentes, devendo ser levado


em consideração o tempo de início da ação para alcançar as condições ideais para a IT.

O Quadro 3 mostra os agentes mais utilizados para a SR.

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 3. Bloqueadores neuromusculares mais comumente utilizados em


intubação endotraqueal

Dose Início da ação e


Tipo Benefícios Precauções
mg/kg duração

Fasciculação muscular,
bradicardia e assistolia,
hipertermia maligna, au-
1–1,5 IV, mento da PIC, aumento
duas vezes 15–30 segundos Início e duração da pressão intraocular,
Succinilcolina
a dose se 3–12 minutos rápidos aumento da pressão
IM intragástrica, hipertensão
arterial, hipercalemia,
mioglobinúria, dor mus-
cular e rabdomiólise

2–4 minutos Poucos efeitos Liberação de histamina,


Cisatracúrio 0,5 IV
25–40 minutos cardiovasculares queda de PA,

Prolongado efeito
60 segundos Mínimo efeito
Rocurônio 0,6–1,2 IV quando insuficiência
30–60 minutos cardiovascular
hepática

Pouca liberação
0,1–0,2 IV/ 1–3 minutos de histamina, Início lento e longa
Vecurônio
IM 30–40 minutos pouco efeito duração
cardiovascular

IV: intravenoso; IM: intramuscular; PIC: pressão intracraniana; PA: pressão arterial

A succinilcolina é um bloqueador neuromuscular (BQ) despolarizante e, quando escolhido


para a SRI, devem ser realizadas atropina e a dose despolarizante de 0,1mg/kg, seguida de
0,9mg/kg, para evitar fasciculação muscular.

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Apesar de ser um BQ de início e ação rápidos, apresenta vários efeitos adversos como:
fasciculação muscular, bradicardia e assistolia, hipertermia maligna, aumento da pressão
intracraniana (PIC), aumento da pressão intraocular, aumento da pressão intragástrica,
hipertensão arterial, hipercalemia, mioglobinúria, dor muscular e rabdomiólise.

Devido aos efeitos adversos, são contraindicações relativas: HIC, traumatismos e queima-
duras, lesão do globo ocular, glaucoma, doenças neuromusculares, história de hipertermia
maligna, hipercalemia e insuficiência renal. Segue a Figura 7.

Figura 7. Etapas da sequencia rápida de intubação traqueal. IT: intubação traqueal

A confirmação da IT pode ser realizada de algumas maneiras: pela detecção de CO2 no ar


exalado pela capnometria/capnografia; visualização da expansibilidade torácica; ausculta
do murmúrio vesicular; presença de vapor de água na cânula durante a expiração; oxime-
tria; radiografia de tórax, sendo a posição adequada da cânula:

< 44 semanas de idade gestacional = 6+peso (kg)


>44 semanas = 3 vezes diâmetro da cânula

Por último, pode ser realizada a laringoscopia direta.


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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Investigação complementar

Em casos agudos de insuficiência respiratória, exames adicionais e de imagem são pouco


utilizados. Mesmo em casos eletivos, a maioria das crianças não coopera sem anestesia
para realizar exames de imagem.

Quando procedimentos de ventilação são realizados em pacientes de risco, mas o cenário é


controlado, como no período pré-operatório de procedimentos cirúrgicos eletivos, ou quan-
do a história clínica revela antecedentes de VAD, há tempo até mesmo para a discussão
de aspectos dos procedimentos com os pais e com o próprio paciente. Infelizmente, nem
todas as situações são tão controladas e, eventualmente, podemos nos deparar com um
cenário no qual a via aérea se apresenta difícil, sem que antes pudesse ter sido prevista.
Quando quem realiza o procedimento é um profissional experiente, a primeira tentativa de
ventilação já pode ser suficiente para o diagnóstico da VAD.

O que fazer quando não se consegue intubar?

Embora até o momento não haja um protocolo/fluxograma recomendado pelas sociedades de


terapia intensiva pediátrica, existem algumas propostas, como a de Weiss & Engelhardt (2010).

A SRI é um procedimento que pode ser especialmente arriscado em algumas situações,


como é o caso da VAD. A história clínica permanece de grande importância. Uma história
objetiva associada à avaliação das condições de vias aéreas permite decidir a melhor estra-
tégia. Havendo material adequado (por exemplo: máscara laríngea - ML e outros dispositi-
vos supraglóticos), a VAD não contraindica a SRI.

Constitui situação extrema: paciente devidamente avaliado para descartar condições asso-
ciadas a VAD, adequadamente pré-oxigenado. Inicia-se SRI. Insucesso na segunda tentati-
va de intubação: VAD imprevisível.

Nem tudo está perdido:


• Primeira medida: reverter o bloqueio neuromuscular (sugamadex) e a sedação (flumaze-
nil e naloxone);
• Segunda medida: medidas para VAD, incluindo o emprego de dispositivos infraglóticos

Felizmente, a despeito de uma VAD previsível ter sido previamente descartada, a pré-oxige-
nação não fora negligenciada. Por quê? A questão é: o que piora o prognóstico: a hipoxe-
mia ou a hipercapnia? Certamente a hipoxemia!

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Via aérea difícil


Caso o procedimento de IT não seja realizado com sucesso, ou se o for paciente classifica-
do como VAD, deve-se ter um plano alternativo: ML, intubação por fibroscopia e via aérea
cirúrgica (cricotireoidectomia ou traqueostomia).
A ML é indicada como uma opção inicial e temporária, até que se consiga a via aérea de-
finitiva. Ela é introduzida pela faringe e avançada até ser encontrada uma resistência; pos-
teriormente é insuflado o balonete e isto sela a hipofaringe, sendo que a extremidade distal
fica posicionada acima da fenda glótica. Os tamanhos da ML são determinados de acordo
com o peso da criança (Quadro 4).
Quadro 4. Tamanhos da máscara laríngea de acordo com o peso

Tamanhos = número Peso (kg) Volume do cuff (mL)

1 <5 2–5

1,5 5–10 7–10

2 10–20 7–10

2,5 20–30 15

3 30–50 15–20

Deve-se prosseguir com o posicionamento adequado do paciente para acesso da via aérea,
escolhendo o tamanho da ML e a sedação/analgesia adequadas do paciente. A ML deve
ser introduzida na boca do paciente, avançar até a faringe até que haja resistência e, então,
insuflar o balonete para selar a hipofaringe, de modo que a extremidade da ML esteja posi-
cionada acima da fenda glótica. A Figura 8 mostra a ML.

Figura 8. Máscaras laríngeas

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A Figura 9 mostra como deve ser feito o procedimento.

Figura 9. Como instalar a máscara laríngea. Fonte: Society of Critical Care Medicine

Ainda em relação à ML, há, no mercado a AirQ, um tipo de máscara curvada, com um
tubo largo e comprido o bastante para acomodar em seu interior uma cânula traqueal
para a intubação e, após o procedimento, é retirada da orofaringe, sem deslocar a cânula.
A Figura 10 ilustra o equipamento.

Figura 10. Máscara AirQ com tudo traqueal in situ estabilizado por fórceps laríngeo

Outros métodos para via aérea difícil

A intubação traqueal em pacientes com obstrução da via aérea, obesidade mórbida e na-
queles com malformação de via aérea pode ser realizada por fibroscopia, via oral ou nasal,
com visualização direta da via aérea, porém, é necessário treinamento para a realização
desse procedimento.

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Além do fibroscópio óptico, existem hoje no mercado outros equipamentos que auxiliam na
intubação de pacientes com VAD, como o GlideScope, Storz video laryngoscopes, Airtraq,
Truview EVO2, sendo que este último apresenta local para a conexão de oxigênio e lâminas
de tamanho adequado para a visualização direta por pequena tela, que pode ser conecta-
da em monitor ou ainda no próprio aparelho. Esses aparelhos requerem técnica um pouco
diferente para a intubação, podendo a lâmina ser inserida na linha média da boca ou um
pouco para a esquerda na orofaringe, sendo que o posicionamento da lâmina na valécula é
preferível à elavação da epiglote. As Figuras 11 a 15 mostram os diferentes aparelhos.

Figura 11. Estilete ótico Shikani

Figura 12. GlideScope Cobalt

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 13. Laringoscópio com vídeo de Storz Miller

Figura 14. Laringoscópio ótico Airtraq. Cortesia de Netanya, Israel

Figura 15. Truview EVO2. Courtesy of Truphatek, International, Netanya, Israel

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Camip

Cricotireoidotomia

A cricotireoidostomia geralmente é realizada em caráter de urgência, em pacientes com


VAD e, na maioria das vezes, com obstrução da via aérea superior: edema na região gló-
tica, corpo estranho na região glótica e trauma craniofacial grave. Consiste na introdução
de uma agulha na junção da cartilagem tireoide e cricoide, pois, neste local, a membrana é
de pequena espessura, com material específico (kits para cricotireoidotomia), ou na ausên-
cia deste com agulha calibrosa. Está contraindicado em lactentes pela pequena dimensão
da membrana cricoide. Esse procedimento é realizado em caráter provisório, devendo-se,
após a estabilização do paciente, realizar uma via aérea segura, podendo ser realizada uma
traqueostomia cirúrgica por profissional experiente.

As Figuras 16 a 18 ilustram o procedimento da cricotireoidotomia.

Figura 16. Procedimento da cricotireoidotomia

Figura 17. Procedimento da cricotireoidotomia

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Capítulo 1 | Manejo da via aérea
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 18. Procedimento da cricotireoidotomia

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Ressuscitação
Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal 2
Capítulo 2
Capítulo 2
Capítulo 2
Cardiopulmonar
Ressuscitação
e
cardiopulmonar e reanimação neonatal
Reanimação
Ressuscitação
Ressuscitação cardiopulmonar
cardiopulmonar e Neonatal
e reanimação
reanimação
Rodrigo Locatelli Pedro Paulo
neonatal
neonatal
Rodrigo Locatelli Pedro Paulo
Rodrigo
Ana Locatelli
Maria Pedro Paulo
A. Gonçalves Pereira de Melo
Ana Maria A. Gonçalves Pereira de Melo
Ana Maria A. Gonçalves Pereira de Melo Rodrigo Locatello Pedro Paulo
Ressuscitação cardiopulmonar Ana Maria A. Gonçalves Pereira de Melo
Ressuscitação
Ressuscitação cardiopulmonar
cardiopulmonar
Caso clínico
Caso
Caso clínico
clínico
Uma criança de 2 meses e 8 dias, sexo feminino, está internada na Unidade de Terapia
Uma criança de 2 meses e 8 dias, sexo feminino, está internada na Unidade de Terapia
Uma criança
Intensiva (UTI)de
por2 bronquiolite.
meses e 8 dias, sexo feminino,
Encontra-se está
intubada, eminternada
ventilaçãonamecânica,
Unidade recebendo
de Terapia
Intensiva (UTI) por bronquiolite. Encontra-se intubada, em ventilação mecânica, recebendo
Intensiva
dieta (UTI)
plena porpor bronquiolite.
sonda Encontra-se
nasogástrica. Duranteintubada,
o banhoem daventilação
criança, amecânica,
enfermeirarecebendo
chama o
dieta plena por sonda nasogástrica. Durante o banho da criança, a enfermeira chama o
dieta plena por
plantonista, poissonda nasogástrica.
a mesma Durante
encontra-se o banho
hipoativa. da criança,
O plantonista fazauma
enfermeira chama
avaliação o
rápida
plantonista, pois a mesma encontra-se hipoativa. O plantonista faz uma avaliação rápida
plantonista,
inicial pois que
e percebe a mesma encontra-se
a criança hipoativa.
não se move, O plantonista
não responde faz uma
à estímulos, nãoavaliação rápida
apresenta mo-
inicial e percebe que a criança não se move, não responde à estímulos, não apresenta mo-
inicial e percebe
vimentos que a ecriança
respiratórios não temnão se move,
pulso nãopalpável.
braquial responde à estímulos, não apresenta mo-
vimentos respiratórios e não tem pulso braquial palpável.
vimentos respiratórios e não tem pulso braquial palpável.
Perguntas
Perguntas
Perguntas
1. Quais os sinais clínicos de parada cardiorrespiratória (PCR)?
1. Quais os sinais clínicos de parada cardiorrespiratória (PCR)?
1.
2. Quaiséos
Qual sinais clínicos
a conduta inicial de parada
para cardiorrespiratória (PCR)?
essa criança?
2. Qual é a conduta inicial para essa criança?
2.
3. Qual é a conduta
Compressões inicial para essa criança?
torácicas?
3. Compressões torácicas?
3. Compressões torácicas?
a. Por que devemos iniciar as manobras pelas compressões torácicas?
a. Por que devemos iniciar as manobras pelas compressões torácicas?
a. Qual
b. Por que devemos iniciar as manobras pelas compressões torácicas?
a técnica?
b. Qual a técnica?
b. Qual a frequência
c. técnica? de compressões torácicas por minuto? Qual a relação com
c. Qual a frequência de compressões torácicas por minuto? Qual a relação com
c. as
Qual a frequência de compressões torácicas por minuto? Qual a relação com
ventilações?
as ventilações?
4. as ventilações?
Quantas ventilações por minuto devemos manter na PCR?
4. Quantas ventilações por minuto devemos manter na PCR?
4.
5. Quantas
Qual ventilações
o tratamento dapor
PCR minuto devemosou
por assistolia manter na PCR?
atividade elétrica sem pulso (AESP)?
5. Qual o tratamento da PCR por assistolia ou atividade elétrica sem pulso (AESP)?
5.
6. Qual o tratamento
Considerando da PCR por
as diferentes assistolia
vias ou atividadede
de administração elétrica sem pulso
epinefrina, quais(AESP)?
suas doses e
6. Considerando as diferentes vias de administração de epinefrina, quais suas doses e
6. Considerando
técnicas as diferentes
de administração navias
PCR? de administração de epinefrina, quais suas doses e
técnicas de administração na PCR?
7. técnicas
Na de administração
PCR por na PCR?
fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) sem pulso:
7. Na PCR por fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) sem pulso:
7. Na PCR
a. Em pormomento
qual fibrilaçãodevemos
ventricular (FV) ou
realizar taquicardia ventricular (TV) sem pulso:
a desfibrilação?
a. Em qual momento devemos realizar a desfibrilação?
a. Quando
b. Em qual utilizamos
momento devemos realizar a desfibrilação?
pás pediátricas?
b. Quando utilizamos pás pediátricas?
b. Qual
c. Quando utilizamos
a dose pásser
que deve pediátricas?
utilizada para desfibrilação?
c. Qual a dose que deve ser utilizada para desfibrilação?
c. Qual a posição
d. dose quedas deve
pás?ser utilizada para desfibrilação?
d. Qual a posição das pás?
d. Quais
e. Qual amedicações
posição dasdevempás? ser utilizadas? Qual a dose?
e. Quais medicações devem ser utilizadas? Qual a dose?
8. e. Quais
Quais medicações
patologias devemdevem ser utilizadas?
ser investigadas Qual a dose?
e tratadas durante a reanimação?
8. Quais patologias devem ser investigadas e tratadas durante a reanimação?
8.
9. Quaisapatologias
Qual vantagem devem seroinvestigadas
de utilizar capnógrafo edurante
tratadas durante a reanimação?
a reanimação?
9. Qual a vantagem de utilizar o capnógrafo durante a reanimação?
9. Qual a vantagem de utilizar o capnógrafo durante a reanimação?
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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Apresentação

A PCR na criança, ao contrário do adulto, na maioria das vezes não é um evento súbito,
e resulta de uma lesão progressiva, que pode ser decorrente de insuficiência respiratória,
choque ou ambos. Por outro lado, a PCR decorrente de colapso súbito, causada por arrit-
mia (FV ou TV sem pulso) é menos frequente, representando 5 a 15% de todos os casos de
PCR pediátrica, mas aumenta de incidência com a idade.

Com relação à taxa de sobrevivência da PCR, ela depende de fatores como local da parada
e ritmo cardíaco de apresentação. A chance de sobrevida à alta é maior se a parada ocorrer
dentro do hospital, em comparação com a parada fora do hospital, sendo que as taxas de
sobrevida são de 33 e 7%, respectivamente. A sobrevivência é maior quando o ritmo de
apresentação é chocável (FV ou TV sem pulso), em comparação com assistolia.

Outro fator importante é que a maioria das crianças que sofreram PCR desenvolve sequela
neurológica grave, sendo essa incidência maior em pacientes com PCR fora do hospital.
Assim, a prevenção da PCR por meio da identificação precoce da insuficiência respiratória
e choque é essencial.

Etiologia

Nas crianças com menos de 1 ano, as principais causas de PCR são malformações congê-
nitas, complicações da prematuridade e síndrome da morte súbita do lactente. Nas crianças
com mais de 1 ano de idade, as lesões por trauma são as principais causas de morte.

Diagnóstico

É importante identificar a criança em PCR e iniciar o tratamento o mais rápido possível, pois
a criança está sem batimentos cardíacos ou apresenta batimentos ineficientes, o que leva à
ausência de circulação sanguínea e à hipóxia cerebral.

A criança em PCR não responde a estímulos e, geralmente, não respira, embora possa existir
respiração agônica (gasping). Além disso, os pulsos centrais e periféricos encontram-se ausentes.

Em uma suspeita de PCR, o profissional de saúde deve verificar a responsividade da crian-


ça e a respiração. Deve também tentar localizar o pulso central em até 10 segundos no
máximo e, se ele não for encontrado nesse período, o tratamento deve seguir o protocolo
do atendimento da PCR.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Ritmos de parada cardiorrespiratória

A PCR pode se apresentar com diferentes ritmos eletrocardiográficos. Eles são divididos
em dois grupos: os ritmos não chocáveis (assistolia e AESP), e os ritmos chocáveis (FV e TV
sem pulso). Cada um dos grupos segue um protocolo diferente de tratamento.

Assistolia

É o ritmo mais frequentemente encontrado na PCR pediátrica. O eletrocardiograma (ECG)


mostra uma linha reta, e não se veem os complexos. É recomendável confirmar a PCR clini-
camente (verificando pulsos centrais) e verificar os eletrodos do monitor cardíaco, pois um
eletrodo solto pode mimetizar assistolia no monitor.

Atividade elétrica sem pulso

Não se trata de um ritmo específico, mas algo que descreve qualquer atividade elétrica
organizada na PCR, excluindo-se a TV sem pulso. Ou seja, em uma criança em PCR com
AESP, o monitor (ou ECG) pode mostrar complexos QRS (normais ou anormais), presentes
e com ritmo organizado. Pode haver prolongamento do intervalo PR ou QT, ou bloqueio
atrioventricular total, ou complexos ventriculares sem onda P.

Se a causa da AESP não for identificada e corrigida, o ritmo rapidamente progredirá


para assistolia.

Fibrilação ventricular

Trata-se de um ritmo desorganizado, que não permite ao coração ter contrações efetivas. O ECG
mostra complexos alargados, que variam no tamanho e apresentam ritmo caótico (Figura 1).

Figura 1. Fibrilação ventricular

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Taquicardia ventricular sem pulso

Na TV sem pulso, os complexos QRS são largos e organizados (Figura 2). Normalmente,
esse ritmo de PCR é breve, pois rapidamente se deteriora em FV.

Figura 2. Taquicardia ventricular

Existe um tipo de TV chamado torsades de pointes, cujos complexos são polimórficos (não
uniformes) e dão impressão de rotação na linha de base do ECG.

Tratamento

Suporte Avançado de Vida

O manejo da PCR dentro do ambiente hospitalar é feito por meio do Suporte Avançado de
Vida, que compreende, além das manobras de reanimação cardiopulmonar, a avaliação do
ritmo cardíaco (chocável ou não chocável), o acesso vascular (ou intraósseo – IO), a desfi-
brilação, o tratamento medicamentoso e o manejo avançado da via aérea.

Em 2010, houve uma mudança importante nas diretrizes da American Heart Association, e a
sequência de atendimento da PCR, que era ABC (via aérea, ventilação e compressões), mu-
dou para CAB (compressões, via aérea e ventilação). Os principais motivos para a mudança
foram: facilidade de iniciar as manobras, pois as compressões torácicas são mais fáceis de
ensinar e serem realizadas que as de abertura de via aérea e ventilação; não há diferença
na taxa de sobrevivência de adultos em PCR de origem cardíaca que foram reanimados
apenas com compressões em relação àqueles que foram reanimados com ventilações e
compressões; em reanimações cardiopulmonares pediátricas, nas quais as ventilações são
muito importantes, pois é frequente a hipóxia como causa da parada, o CAB atrasa a pri-
meira ventilação em apenas 18 segundos ou menos.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As manobras de reanimação devem ser de alta qualidade. As compressões devem ser com
força (pelo menos um terço da altura anteroposterior do tórax), rápidas (no mínimo cem vezes
por minuto) e devem permitir o retorno total do tórax após cada compressão. Além disso, de-
vem se evitar ao máximo as interrupções nas compressões torácicas e ventilações excessivas.
Assim, no atendimento de uma criança em PCR na sala de emergência ou UTI de um hos-
pital, a primeira medida é iniciar as compressões torácicas enquanto se prepara o material
adequado para as outras intervenções do Suporte Avançado de Vida.

Para a criança menor de 1 ano, as compressões torácicas podem ser realizadas com dois
dedos sobre o esterno, logo abaixo da linha intermamilar (linha imaginária entre os mami-
los), mas, quando há dois socorristas, é mais recomendável comprimir o esterno com os
dois polegares localizados no terço inferior (logo abaixo da linha intermamilar), e as mãos
envolvendo o tórax da criança. As costelas e o apêndice xifoide não devem ser comprimi-
dos. As compressões devem ser de no mínimo um terço da profundidade do tórax, cerca
de 4cm, rápidas e intercaladas com as ventilações na frequência de 30:2 (compressões:
ventilações), com um socorrista, e 15:2, com dois socorristas. Se possível, o socorrista que
realiza as compressões deve ser trocado a cada 2 minutos para evitar fadiga.

Nas crianças com mais de 1 ano, a compressão torácica deve ser realizada apoiando-se
a palma da mão (eminências tenar e hipotenar) na metade inferior do esterno, podendo
ser utilizada uma ou duas mãos para a manobra, dependendo do tamanho da criança. As
costelas e o apêndice xifoide não devem ser comprimidos. As compressões devem ser de
no mínimo um terço da profundidade do tórax, cerca de 5cm, rápidas e intercaladas com
as ventilações na frequência de 30:2 (compressões:ventilações), com um socorrista, e 15:2,
com dois socorristas. Se possível, o socorrista que realiza as compressões deve ser troca-
do a cada 2 minutos para evitar fadiga.

Geralmente, a relação entre compressões e ventilação é de 15:2, pois é comum ter mais
de um profissional da saúde na emergência, mas, após estabelecer via aérea definitiva
(exemplo: intubação orotraqueal), as compressões não devem ser mais sincronizadas com
as ventilações e devem ser contínuas (pelo menos cem vezes por minuto), assim como as
ventilações (oito a dez vezes por minuto).

Inicialmente as ventilações devem ser realizadas com ressuscitador manual e máscara,


ambos de tamanho adequado para criança. É importante a presença de reservatório no res-
suscitador manual, para garantir oferta de oxigênio de 100%. Devemos evitar ventilações
excessivas, pois impedem o retorno venoso e diminuem o débito cardíaco. As insuflações

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
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devem durar cerca de 1 segundo e fornecer volume suficiente para elevar o tórax. Durante
as ventilações é possível que um terceiro socorrista aplique a pressão cricoide (manobra
de Selick), que é uma manobra que promove a compressão do esôfago e potencialmente
reduz a distensão do estômago, bem como a chance de refluxo e aspiração. Mas a pressão
cricoide também pode provocar compressão da via aérea, podendo ser uma manobra útil
durante a reanimação, mas não é indicada de rotina e deve ser imediatamente interrompida
se estiver interferindo nas ventilações.

No início do atendimento, o ritmo cardíaco deve ser monitorizado o mais rápido possível
por meio de monitor eletrocardiográfico, pois a conduta na PCR depende do tipo de ritmo
cardíaco (Figura 3), e a monitorização contínua detecta precocemente mudanças no ritmo.

O acesso vascular é essencial para medicações e coleta de exames, mas, durante a PCR
em crianças, é muito difícil obter rapidamente um acesso vascular. Não é necessário obter
acesso venoso central e o acesso periférico é suficiente para o tratamento. Recomenda-se,
por segurança, obter dois acessos venosos periféricos.

O acesso IO é rápido, seguro e tão efetivo quanto o acesso venoso na PCR, sendo uma
excelente alternativa para administração de medicações antes de se obter acesso venoso.
O local mais utilizado para punção intraóssea é a tíbia proximal, cerca de 2cm abaixo da
tuberosidade da tíbia. Atualmente, além das agulhas tradicionais, existem mecanismos que
auxiliam na colocação da agulha, como, por exemplo a EZ-IO® e a BIG® (bone injection
gun). No acesso IO, podem ser feitas as medicações na emergência nas doses habituais
(semelhante ao acesso venoso). Nas situações em que é necessária a infusão rápida, deve-
mos utilizar pressão manual (bólus) ou bomba de infusão.

Nas raras situações em que não há acesso IO ou vascular, a via endotraqueal pode ser uma
alternativa para um grupo específico de drogas. As medicações que podem ser utilizadas
via cânula endotraqueal são: atropina, naloxone, epinefrina e lidocaína (regra mnemônica
ANEL). Como a absorção traqueal é errática, as doses são diferentes em relação às doses
por via endovenosa (Quadro 1). As medicações administradas via endotraqueal devem ser
seguidas de bólus de 5mL de soro fisiológico e cinco ventilações.

O tratamento medicamentoso da PCR tem como objetivos aumentar as pressões de perfu-


são coronária e cerebral; estimular a contratilidade miocárdica; acelerar a frequência cardí-
aca (FC); corrigir e tratar a possível causa da PCR; e suprimir ou tratar as arritmias. Existem
poucas medicações utilizadas de rotina na PCR. As principais medicações estão especifi-
cadas no Quadro 1.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 3. Algoritmo da parada cardiorrespiratória. RCP: reanimação cardiopulmonar; FV: fibrilação


ventricular; TV: taquicardia ventricular; EV: endovenoso; IO: intraósseo; AESP: atividade elétrica sem
pulso. Fonte: American Heart Association (AHA)

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Quadro 1. Medicações na ressuscitação pediátrica

Medicação Dose Comentários

Amiodarona 5mg/kg EV/IO; pode ser repetida duas - Antiarrítmico utilizado na


vezes até 15mg/kg FV e TV sem pulso
Dose máxima de 300mg (por dose)

Epinefrina 0,01mg/kg (0,1mL/kg 1:10.000) EV/IO - Pode ser repetida a cada


0,1mg/kg (0,1mL/kg 1:1.000) ET 3-5 minutos
Dose máxima 1mg EV/IO; 2,5mg ET - Não deve ser administrada
junto de bicarbonato
de sódio

Glicose 0,5–1g/kg EV/IO

Lidocaína Bólus: 1mg/kg EV/IO - Antiarrítmico que pode ser


Infusão: 20–50mcg/kg/minutos usado na FV e TV
sem pulso
- Menos eficiente que a
amiodarona

Sulfato de magnésio 25–50mg/kg EV/IO em bólus - Indicado para torsades de


Dose máxima 2g pointes (TV polimórfica
com QT prolongado)

Bicarbonato 1mEq/kg por dose EV/IO - Em casos em que a


de sódio acidose metabólica é
causa provável da parada

EV: endovenoso; IO: intraósseo; FV: fibrilação ventricular; TV: taquicardia ventricular

A desfibrilação é a aplicação de uma corrente elétrica pelas células cardíacas não sincroni-
zada com o ritmo do coração. Ela é utilizada na PCR quando há FV ou TV. A aplicação do
choque é feita por desfibrilador manual, utilizando-se pás pediátricas para lactentes meno-
res que 10kg e pás de adulto para crianças maiores que 10kg. É necessário o uso de gel
condutor de eletricidade na superfície das pás. Uma das pás deve ser posicionada à direita
do tórax superior e a outra pá deve ser posicionada na região do apex cardíaco, deixando
o coração entre elas. No momento do choque, as pás devem ser seguradas firmemente,
fazendo um bom contato com a pele. A dose inicial é de 2 a 4J/kg; se a arritmia persistir,
recomenda-se uma segunda dose de 4J/kg; se forem necessários mais choques, podem
ser utilizadas doses mais altas, com uma variação de 4 a 10J/kg. A desfibrilação deve ser

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

coordenada com as manobras de ressuscitação (Figura 3), sendo que as manobras devem
ser realizadas até que o aparelho esteja pronto para liberar o choque. Logo após o primei-
ro choque, as manobras são reiniciadas e mantidas por 2 minutos, e só depois disso que
o ritmo deve ser checado novamente. Nos casos refratários é recomendada inicialmente
a utilização de vasopressor (epinefrina) e, posteriormente, antiarrítmico, preferencialmente
amiodarona, mas pode ser utilizada a lidocaína como alternativa.

O líder da equipe de reanimação é quem escolhe o melhor momento para a intubação


orotraqueal. É importante, durante o atendimento, preparar antecipadamente o material
necessário para o procedimento, como tubos traqueais e laringoscópios com lâminas ade-
quadas, pois as manobras são interrompidas durante a intubação. Após a inserção do tubo
endotraqueal, confirma-se a intubação por meio da ausculta pulmonar. A capnografia é um
excelente método para confirmação da intubação, mas, na PCR, a perfusão pulmonar é
ruim e, consequentemente, o gás carbônico expirado é baixo. Assim, se houver detecção
de gás carbônico, a cânula está na via aérea, mas se não houver, a cânula pode estar na
via aérea ou no esôfago. A laringoscopia direta pode ser utilizada em caso de dúvida, mas
o procedimento atrapalha as manobras de reanimação. O raio X de tórax deve ser feito
posteriormente para confirmar o local da cânula traqueal. Nos casos em que a intubação
não pôde ser obtida (via aérea difícil, por exemplo) é possível utilizar a máscara laríngea na
emergência até a estabilização do paciente.

Durante a ressuscitação, é importante procurar e tratar causas reversíveis. Existe uma


regra mnemônica dos “6 Hs e 5 Ts”, que lista as principais causas: hipovolemia, hipóxia,
distúrbio do hidrogênio (acidose), hipoglicemia, hipo/hipercalemia, hipotermia, pneumo-
tórax hipertensivo, tamponamento cardíaco, toxinas (intoxicações), trombose pulmonar e
trombose coronária.

O líder da equipe deve monitorar a qualidade da reanimação, observando a técnica das


compressões torácicas e verificando se não há ventilações excessivas. A capnometria (mo-
nitorização contínua do gás carbônico) auxilia na medida da qualidade da reanimação, pois,
se esta for eficaz, o débito cardíaco é suficiente para gerar uma quantidade de gás carbô-
nico superior a 10 a 15 mmHg no final da expiração.

Após o restabelecimento da circulação espontânea (RCE), devemos preservar a função


neurológica, evitar lesão de outros órgãos, além de diagnosticar e tratar a doença que le-
vou à parada. A concentração de oxigênio deve ser monitorizada para limitar os riscos
da hiperóxia, sendo suficiente manter a saturação maior que 93%. Devemos estabilizar o
sistema circulatório por meio de expansões com cristaloide (alíquotas de 20mL/kg) e dro-

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
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gas vasoativas, conforme a necessidade (Quadro 2). Os distúrbios metabólicos devem ser
identificados e tratados. Devemos tratar agressivamente a hipertermia (antitérmicos e mé-
todos físicos de resfriamento), e a hipotermia terapêutica (32 a 34°C) pode ser considerada
em crianças que permanecem comatosas após a ressuscitação, embora seu benefício em
crianças ainda não tenha sido comprovado.

Quadro 2. Medicações para manter o débito cardíaco e estabilização pós-parada

Medicação Dose Comentários

Dobutamina 2–20mcg/kg por minuto EV/IO Inotrópico; vasodilatador

Dopamina 2–20mcg/kg por minuto EV/IO Inotrópico; cronotrópico;


vasodilatador renal e
esplâncnico em doses
baixas; vasopressor em
doses mais altas

Epinefrina 0,1–1mcg/kg por minuto EV/IO Inotrópico; cronotrópico;


vasodilatador em doses
baixas; vasopressor em
doses mais altas

Milrinone Ataque: 50mcg/kg EV/IO em Inodilatador


10–60 minutos, após
0,25–0,75mcg/kg por minuto

Norepinefrina 0,1–2mcg/kg por minuto Vasopressor

Nitroprussiato Inicial: 0,5–1mcg/kg por minuto; Vasodilatador


de sódio titular até efeito desejado até Preparar somente em
8mcg/kg por minuto SG5%

EV: endovenoso; IO: intraósseo; SG5%: soro glicosado a 5%

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Reanimação neonatal

Caso clínico

RSS, 23 anos, primigesta, secretária, hígida, realizou pré-natal em Unidade de Saúde da


Família, oito consultas. Nega uso de álcool, fumo e drogas ilícitas. Durante a gestação, fez
uso de suplementos vitamínicos (ácido fólico e sulfato ferroso).

Sorologias para HIV, toxoplasmose, sífilis, hepatite C negativas. Imune para rubéola e he-
patite B.

Chegou ao pronto-socorro de obstetrícia em trabalho de parto, com idade gestacional de


39 semanas, 6 cm de dilatação do colo uterino, bolsa íntegra e apresentação cefálica.

Após 3 horas de trabalho de parto, evoluiu para parto normal sem intercorrências.

Imediatamente após o nascimento, observamos que o recém-nascido encontrava-se hipo-


tônico e com ritmo respiratório irregular.

Perguntas

1. O bebê acabou de nascer, como deve ser iniciado seu atendimento em sala de parto?
2. O que significa estabilização inicial do recém-nascido?
3. Quando iniciar a ventilação com pressão positiva (VPP) no atendimento do
recém-nascido?
4. Quando indicar a intubação traqueal?
5. Quando indicar a massagem cardíaca na reanimação neonatal?
6. Quando indicar o uso de medicamentos na ressuscitação cardiopulmonar do
recém-nascido?

Apresentação

No Brasil, nascem cerca de 3 milhões de crianças por ano, a maioria delas em hospitais
e com boa vitalidade. No entanto, manobras de reanimação podem ser necessárias, e
o conhecimento e a habilidade do profissional são fundamentais para o atendimento do
recém-nascido em sala de parto.

A necessidade de procedimentos em sala de parto é maior quanto menor for a idade gesta-
cional e/ou peso ao nascer. Estima-se que, a cada ano, no Brasil, 300 mil crianças necessi-
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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

tem de ajuda para iniciar e manter a respiração ao nascer, e cerca de 25 mil prematuros de
baixo peso precisem de assistência ventilatória na sala de parto.

A mortalidade por asfixia deve nos alertar para o seguinte aspecto: parte dos pacientes vítimas
de deficiência de oxigenação durante a gestação e parto, e ainda no período imediatamente
após o nascimento, pode não morrer, e sim desenvolver sequelas neurológicas graves,
comprometendo consideravelmente o desenvolvimento neuropsicomotor.

Estima-se que o atendimento ao parto por profissionais treinados possa reduzir em 20 a 30%
as taxas de mortalidade neonatal, enquanto o emprego das técnicas de reanimação preco-
nizadas pelos diversos grupos internacionais que trabalham no tema resulte em diminuição
adicional de 5 a 20%, levando a redução de até 45% das mortes neonatais por asfixia.

Aperfeiçoar de forma contínua o conhecimento em reanimação neonatal, assim como a


aplicação das técnicas envolvidas, constitui estratégia relativamente simples e de baixo
custo, causando impacto clínico, melhorando marcadores de vitalidade (Apgar) do paciente
ao nascer, e interferindo na mortalidade por asfixia, especialmente em países onde esse
índice ainda é muito elevado.

Mais da metade dos recém-nascidos que necessitarão de procedimentos de reanimação


pode ser identificada antes do nascimento, tornando possível o preparo do material neces-
sário e o recrutamento de profissionais habilitados para auxiliar o procedimento. (Quadro 3).

Quadro 3. Fatores de risco associados a reanimação neonatal

Fatores antenatais Fatores relacionados ao parto

Diabetes materno Parto cesáreo de emergência

Hipertensão arterial Uso de fórcipe ou extração a vácuo

Óbito fetal ou neonatal anterior Apresentação não cefálica

Sangramento no 2º ou 3º trimestres Trabalho de parto prematuro

Infecção materna Parto taquitócico

Doença materna cardíaca, renal ou neurológica Corioamnionite

Polidrâmnio Rotura de membranas >18 horas

Oligoâmnio Trabalho de parto prolongado (>24 horas)

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Rotura prematura de membranas Segundo estágio do trabalho de parto >2


horas

Pós-maturidade Macrossomia fetal

Gestação múltipla Bradicardia fetal

Discrepância entre idade gestacional e peso Padrão anormal de frequência


ao nascer cardíaca fetal

Uso de medicamentos, como magnésio e blo- Uso de anestesia geral


queadores adrenérgicos

Uso nocivo de drogas Tetania uterina

Malformação ou anomalia fetal Uso materno de opioides nas 4 horas que


antecederam o parto

Diminuição da atividade fetal Líquido amniótico meconial

Ausência de cuidado pré-natal Prolapso de cordão

Idade <16 anos ou >35 anos Descolamento prematuro de placenta, placen-


ta prévia

Hidrópsia fetal Sangramento intraparto significante

A presença de fatores de risco pode determinar um parto prematuro. Devemos lembrar


que o recém-nascido pré-termo possui características muito diferentes do recém-nascido
a termo, devendo ser considerados como recém-nascidos de risco por: imaturidade do de-
senvolvimento neurológico e fraqueza muscular, que podem determinar diminuição do es-
tímulo central para respirar e dificuldade na respiração espontânea; maior probabilidade de
nascerem com infecção; deficiência de surfactante pulmonar; pele fina, escassez de tecido
celular subcutâneo; cérebro com capilares muito frágeis; imaturidade tecidual favorecendo
a lesões causadas por excesso de oxigênio; menor volemia.

Organização do atendimento ao recém-nascido em sala de parto

Em todo nascimento, deve sempre haver um profissional treinado para iniciar a reanimação
neonatal e capacitado para realizar todos os procedimentos que podem ser necessários
nesse atendimento. Os profissionais devem utilizar precauções universais, devido ao con-
tato com sangue e secreções durante o parto.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Todo material necessário para reanimação neonatal completa deve estar disponível e fun-
cionante, em toda sala de parto (Quadro 4).

Quadro 4. Materiais e equipamentos necessários na reanimação neonatal

Mesa de reanimação com acesso por 3 lados


Relógio de parede com ponteiros de segundos
Fonte de calor radiante
Fonte de oxigênio umidificado
Aspirador a vácuo com manômetro
Sondas de aspiração números 6, 8 e 10
Sondas gástricas 6 e 8
Dispositivo para aspiração de mecônio
Seringa 20mL
Balão autoinflável com volume máximo 500mL e reservatório
Máscara para recém-nascido a termo e prematuros
Laringoscópio infantil com lâminas retas números 00, 0 e 1, com lâmpadas sobressalentes
Blender para misturar oxigênio/ar
Oxímetro de pulso com sensor neonatal
Cânulas traqueais de diâmetros 2,5; 3,0; 3,5; 4,0 sem balonete
Material para fixação da cânula (tesoura e fita adesiva)
Detector de gás carbônico
Pilhas
Fio-guia
Adrenalina 1:1.000 (1 ampola)
Expansor de volume: soro fisiológico ou Ringer-Lactato (250mL)
Bicarbonato de sódio 8,4% (1 ampola)
Água destilada (10mL)
Soro fisiológico (1 ampola de 10mL)
Seringas 1mL (2); 5mL (1); 10mL (1); 20mL (3)
Campo fenestrado
Gaze estéril
Cadarço estéril
Bisturi, pinça Kelly reta, porta-agulha
Cateter umbilical 3,5F, 5,0F ou sonda traqueal número 4 ou 6 sem válvula
Fio agulhado mononylon 4.0
Luvas

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Óculos de proteção
Estetoscópio
Saco de polietileno 30x50cm e touca para proteção térmica do recém-nascido
Respirador manual em T (Baby Puff ou similar)
Tesoura de ponta romba
Clampeador de cordão umbilical

Avaliação da vitalidade do recém-nascido

A necessidade de reanimação depende da resposta à avaliação rápida de quatro situações:

1. Presença de líquido amniótico meconial


2. Prematuridade
3. Estabelecimento do choro e/ou respiração espontânea rítmica e regular
4. Avaliação do tônus muscular

A reanimação depende da avaliação simultânea da respiração e da FC. A FC é o determi-


nante na indicação das diversas manobras de reanimação. A FC deve ser avaliada por meio
da ausculta do precórdio com estetoscópio e, eventualmente, pela palpação do pulso em
cordão umbilical. Após o nascimento, o recém-nascido deve respirar de maneira regular
para manter FC acima de 100bpm.

A avaliação da coloração de pele e mucosas não é mais utilizada para decisão de procedi-
mentos, por ser subjetiva e não ter relação com a saturação de oxigênio ao nascimento. O
processo de transição normal para atingir uma saturação de oxigênio acima de 90% requer
5 minutos ou mais em recém-nascidos saudáveis que respiram ar ambiente.

É importante lembrar que o boletim de Apgar não deve ser utilizado para determinar o início
da reanimação, nem para determinar condutas em relação aos procedimentos a serem rea-
lizados, mas para avaliar a resposta do recém-nascido em relação às intervenções.

Passos iniciais da reanimação neonatal

Atendimento ao recém-nascido na ausência de líquido meconial

O passos iniciais da reanimação neonatal compreende a realização de procedimentos que


têm por objetivo a manutenção da temperatura corporal do recém-nascido, evitando a hi-
potermia e a hipertermia (secagem e retirada de campos úmidos), e mantendo a permeabi-

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

lidade da via aérea, por meio do posicionamento adequado da cabeça em leve extensão,
assim como a aspiração de secreções, se necessário.

Se o recém-nascido é de termo (37 a 41 semanas), está respirando ou chorando, com tônus


muscular em flexão e líquido amniótico claro, ele apresenta boa vitalidade e não necessita
de manobras de reanimação. O neonato deve ser posicionado sobre o abdome materno ou
ao nível da placenta por 1 a 3 minutos antes de clampear o cordão umbilical. O clampea-
mento tardio do cordão é benéfico com relação aos índices hematológicos aos 3 e 6 meses
de idade, porém pode elevar a necessidade de fototerapia na primeira semana de vida. No
caso de recém-nascidos prematuros com boa vitalidade ao nascer, o clampeamento do
cordão deve ocorrer em 30 a 60 segundos, e os procedimento de reanimação são realiza-
dos sob fonte de calor radiante. Nos bebês com idade gestacional inferior a 34 semanas
ou com peso de nascimento <1.500g, é muito importante o uso do filme plástico poroso e
transparente de polietileno de 30x50cm e também de toucas, essenciais na manutenção
da temperatura corporal (36,5º a 37º C). Se outros procedimentos de reanimação neonatal
forem necessários, estes devem ser realizados com o recém-nascido envolvido no plástico
(Figura 4).

Figura 4. Berço de calor radiante

O contato pele a pele precoce (logo após ao nascer) reduz o risco de hipotermia em recém-
-nascidos de termo, desde que cobertos com campos pré-aquecidos, podendo se iniciar a
amamentação. A temperatura da sala deve ser de 26ºC.

Resumidamente, os passos iniciais consistem em:

1. Levar o recém-nascido e colocá-lo sob fonte de calor radiante para prover calor
2. Posicionar a cabeça em leve extensão (Figura 5)

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 5. Posição do recém-nascido

3. Se houver excesso de secreções nas vias aéreas, a boca e as narinas podem ser as-
piradas utilizando-se sondas números 8 ou 10, e com pressão negativa máxima de
100mmHg. A aspiração de vias aéreas está reservada aos pacientes que apresentam
obstrução à respiração espontânea por secreções
4. Secar e remover os campos úmidos
5. Reposicionar a cabeça, se necessário

Os passos iniciais devem ser realizados em 30 segundos.

Atendimento ao recém-nascido em presença de líquido meconial

Na presença de líquido amniótico meconial fluido ou espesso, o clampeamento do cordão


umbilical deve ocorrer imediatamente após o nascimento. O obstetra não deve realizar a
aspiração de vias aéreas superiores, pois esse procedimento não diminui a incidência de
síndrome de aspiração de mecônio, a necessidade de ventilação mecânica nos pacientes
que desenvolvem a pneumonia aspirativa, nem o tempo de ventilação mecânica.
O atendimento ao recém-nascido frente a presença de líquido amniótico meconial depende
da vitalidade ao nascer.

Recém-nascido com vitalidade preservada

Se o paciente estiver respirando de forma rítmica e regular ou chorando, apresentar tônus


muscular em flexão e FC acima de 100bpm, devemos receber o recém-nascido em campos
previamente aquecidos e prover calor em berço de calor radiante; posicionar o recém-nas-
cido com leve extensão da cabeça para manter vias aéreas pérvias (aspirando-as, se ne-
cessário, com sonda 10); secar e remover os campos úmidos; reposicionar, se necessário;
avaliar a respiração e a FC, simultaneamente.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

É desejável que o recém-nascido apresente respiração rítmica e regular, e FC acima de


100bpm (realizando ausculta no precórdio durante 6 segundos e multiplicando-se por 10)
para que seja possível, em seguida, receber os cuidados de rotina.

Recém-nascido com vitalidade comprometida

Quando o neonato na presença de líquido meconial apresentar comprometimento de sua


vitalidade, ou seja, respiração irregular ou apneia e/ou FC abaixo de 100bpm, associado
ou não à hipotonia, deve ser feita a aspiração das vias aéreas inferiores sob visualização
direta, por meio de cânula traqueal conectada a um dispositivo para aspiração de mecô-
nio e ao aspirador a vácuo. O excesso de mecônio deve ser aspirado uma única vez. Se
a avaliação da FC estiver abaixo de 100bpm e/ou respiração irregular ou apneia iniciar a
VPP (Figura 6).

Figura 6. Aspiração traqueal sob visualização direta

Indicações da ventilação com pressão positiva

Ventilação com pressão positiva com balão e máscara

A VPP é o procedimento mais importante, simples e efetivo na reanimação do neonato em


sala de parto. Para que ocorra a reversão da hipoxemia, da acidose e da bradicardia, é es-
sencial a insuflação adequada dos pulmões após o nascimento.

A VPP está indicada quando, após a realização dos passos iniciais (30 segundos), o recém-
-nascido apresenta pelo menos uma das seguintes situações: apneia, respiração irregular
e FC menor que 100bpm. Esta precisa ser iniciada nos primeiros 60 segundos de vida (The
Golden Minute™).

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

O balão autoinflável é o equipamento de escolha, em nosso meio, para a VPP do neonato


em sala de parto, e deve estar sempre disponível para a reanimação neonatal (Figura 7).

Figura 7. Balão autoinflável

A capacidade do balão autoinflável varia de 200 a 750mL. Na reanimação de prematuros,


geralmente utilizamos balões de 250mL e, para os neonatos a termos, os de 500mL. Esse
equipamento deve possuir uma válvula para entrada de gases que torna automático o en-
chimento da bolsa após sua compressão, além de possuir mecanismos de segurança, ou
sejam: válvula de escape regulada a 30 a 40cmH2O ou, preferencialmente, manômetros. O
balão autoinflável fornece concentrações de oxigênio que variam de 21 a 100%. O forneci-
mento de oxigênio de 90 a 100% de concentração durante a ventilação é possível conec-
tando-se o dispositivo a uma fonte de oxigênio com fluxo de vazão igual a 5L/minuto. Ao
sistema, deve ser acoplado um reservatório no formato de bolsa ou traqueia de 20cm. A
oferta de concentrações intermediárias de oxigênio varia de acordo com o fluxo de oxigênio,
a pressão exercida no balão, o tempo de compressão e a frequência aplicada.

Atualmente, existem ventiladores mecânicos manuais que permitem ajuste de pressão ins-
piratória (PIP) e pressão positiva ao final da expiração (PEEP), de acordo com a necessidade
do paciente, sendo indicados principalmente na reanimação de recém-nascidos prematuros.

A aplicação da pressão positiva pode ser feita por meio de máscara ou cânula endotraque-
al. Inicialmente deve ser feita com auxílio de máscara, cujo tamanho deve ser adequado ao
recém-nascido, ocluindo a base do nariz, a boca e a ponta do queixo com perfeita vedação
entre a face e a máscara, para que ocorra a adequada ventilação pulmonar.

Em recém-nascidos a termo ou prematuros com idade gestacional de 34 semanas ou mais,


a VPP pode ser iniciada com ar ambiente e, caso o paciente não apresente melhora (sem
aumento da FC) nos primeiros 90 segundos, deve ser oferecido oxigênio suplementar. Em
recém-nascidos com idade gestacional inferior a 34 semanas, inicia-se a VPP, sempre com

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

oxigênio suplementar, pois a concentração ideal de oxigênio para estes recém-nascidos


ainda não está definida.

Uma vez iniciada a VPP, recomenda-se a utilização da oximetria de pulso para adequar a
oferta de oxigênio suplementar. Os valores desejáveis de SatO2 variam de acordo com os
minutos de vida (Quadro 5).

Quadro 5. Valores de saturação de oxigênio (SatO2) desejáveis (membro superior


direito) de acordo com a idade pós-natal

Idade pós-natal (minutos) Valores de SatO2 pré-ductal

Até 5 70–80

5–10 80–90

>10 85–95

Preferencialmente, a administração de oxigênio suplementar deve ser feita por meio de um


misturador (blender), que permite fornecer concentrações confiáveis de oxigênio. Inicia-se
utilizando concentrações de oxigênio a 40%, aumentando ou reduzindo de modo a manter
a FC acima de 100bpm e a saturação de oxigênio nos limites desejáveis.

Caso o misturador ou o oxímetro não estiverem disponíveis, iniciar a VPP com ar ambiente,
ficar atento à insuflação pulmonar e à normalização da FC, e, se não houver melhora em 90
segundos, continuar a VPP com oxigênio a 100%.

Quando o ritmo respiratório permanecer regular e a FC for superior a 100bpm após a utili-
zação de VPP com oxigênio suplementar, devemos fornecer oxigênio inalatório 5L/min pró-
ximo à face do recém-nascido e ir afastando-se aos poucos o dispositivo utlilizado da face
do recém-nascido, de acordo com a saturação de oxigênio, a fim de que ocorra redução
lenta e progressiva da concentração de oxigênio inalada.

Evidências indicam que o excesso de oxigênio tecidual pode levar à lesão oxidativa e deve
ser evitado. Dessa forma, deve-se desestimular o uso indiscriminado do oxigênio inalatório
em recém-nascidos que estão bem, mas demoram um pouco para reverter a cianose. A
presença de saturação de oxigênio entre 80 e 90% nas primeiras horas de vida é fisiológica.
Recomenda-se maior tolerância à cianose central em recém-nascidos a termo que estabe-
leceram de maneira adequada a respiração, a FC e o tônus muscular na sala de parto.

A VPP é feita na frequência de 40 a 60 movimentos/minuto, usando a regra: “aperta/solta/


solta/aperta...”.

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quando realizamos uma ventilação efetiva, observamos inicialmente a elevação da FC e, a


seguir, a melhora da coloração e do tônus muscular, para, depois, ocorrer o estabelecimento
da respiração espontânea. Na presença de movimentos respiratórios espontâneos e regula-
res, e com FC acima de 100bpm, devemos suspender a VPP e oferecer oxigênio inalatório.

Os respiradores mecânicos manuais em T (Baby Puff) geralmente utilizam fluxos de gases


que variam de 5 a 15L/min, pressão máxima limitada em 40cmH2O, PIP 20 a 25cmH2O e
PEEP de 4 a 6cm H2O.

Quando, após 30 segundos do procedimento, o recém-nascido mantiver FC inferior a


100bpm, devemos conferir se a técnica do procedimento está adequada, se há secreção
na via aérea do recém-nascido ou se seu posicionamento está inadequado e, finalmente,
se a pressão que está sendo aplicada é insuficiente para correção do possível problema.

Ventilação com pressão positiva com cânula traqueal

A VPP também pode ser realizada por meio de cânula traqueal. As indicações de intubação
traqueal em sala de parto são as seguintes: necessidade de aspiração traqueal, em recém-
-nascidos deprimidos, e presença de líquido meconial; ventilação com máscara ineficaz
ou prolongada; necessidade de massagem cardíaca; na suspeita ou diagnóstico de hérnia
diafragmática; em prematuros com idade gestacional inferior a 30 semanas, que devem
receber surfactante exógeno profilático de acordo com a rotina do serviço.

A intubação traqueal é realizada utilizando-se laringoscópio infantil acoplado à lâmina reta


número 0 ou 00, para o recém-nascido pré-termo, e à lâmina reta número 1, para o termo. O
posicionamento adequado da lâmina do laringoscópio é com a ponta na valécula, deixando
a epiglote visível sem que ocorra o pinçamento da epiglote (Figura 8).

Figura 8. Técnica correta para intubação

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Os diâmetros de cânulas recomendados para recém-nascidos variam de acordo com a ida-


de gestacional ou com o peso estimado, e são descritos na Tabela 1.

Tabela 1. Diâmetros de cânulas traqueais recomendados para recém-nascidos

Peso (g) Idade gestacional (semanas) Diâmetro interno da cânula (mm)

< 1.000 < 24 2,5

1.000–2.000 24-34 3,0

2.000–3.000 34-38 3,5

> 3.000 > 38 3,5–4,0

No procedimento de intubação, que não deve ultrapassar 20 segundos, pode ser forneci-
do oxigênio suplementar (cateter 5L/min) próximo da face do recém-nascido. Uma regra
utilizada com o objetivo de posicionar adequadamente a extremidade distal da cânula na
traqueia é acrescentar 6 ao peso estimado do recém-nascido; assim, o número obtido deve
ficar localizado na altura do lábio superior. Devemos observar atentamente a expansibili-
dade torácica durante a ventilação, e realizar ausculta nas regiões axilares e gástrica. O
primeiro sinal de melhora do recém-nascido é a elevação da FC. A confirmação da posição
da cânula é um procedimento obrigatório para recém-nascidos bradicárdicos que não res-
pondem às manobras de reanimação. A maneira mais rápida de confirmação é por meio
da detecção do gás carbônico exalado por método colorimétrico. Se o recém-nascido tiver
FC acima de 100bpm e respiração espontânea, ele pode ser extubado e deve ser fornecido
oxigênio inalatório.

Uso de CPAP em sala de parto


O uso precoce de PEEP é essencial para a manutenção dos alvéolos de pulmões prema-
turos e deficientes de surfactante não colapsados, minimizando o edema pulmonar e a
liberação de citocinas. Estudo clínicos randomizados têm também testado o uso de CPAP
em sala de parto como estratégia para diminuir a morbidade e a mortalidade de prematuros
entre 25 e 32 semanas.

Indicações de massagem cardíaca


Quando, apesar da ventilação adequada por meio de cânula traqueal, o recém-nascido
mantiver FC <60bpm, o procedimento que deve ser realizado é a massagem cardíaca. Esta
deve ser somente iniciada se após 30 segundos de ventilação com balão, cânula, oxigênio

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

suplementar, e se a técnica realizada for correta. A massagem cardíaca deve ser sempre
acompanhada de VPP.

A compressão torácica é realizada no terço inferior do esterno (Figura 9).

Figura 9. Técnica correta de massagem cardíaca

A ventilação e a massagem cardíaca são realizadas de forma sincronizada, mantendo-se a


relação de 3:1. Isso promove 90 compressões de massagem e 30 ventilações por minuto
com o ritmo “1 e 2 e 3 e ventila, e 1 e 2 e 3 e ventila...” (os números 1, 2 e 3 se referem aos
movimentos de massagem). É importante otimizar a qualidade das compressões cardíacas
(localização, profundidade e ritmo).

A melhora é considerada quando, após VPP com cânula traqueal e oxigênio suplementar
associado a massagem cardíaca, o paciente apresenta FC >60bpm.

Em geral, quando o paciente recebeu massagem cardíaca em sala de parto, é recomenda-


do que ele seja encaminhado à UTI intubado, para que a decisão quanto à extubação seja
realizada de acordo com a avaliação global do recém-nascido.

A única situação em que podemos considerar a realização de 15 compressões cardíacas,


intercaladas com duas ventilações, é a do paciente bradicárdico devido a cardiopatia con-
gênita, arritmias cardíacas ou falência miocárdica internado em unidade neonatal.

Uso de medicamentos em reanimação neonatal

A necessidade da utilização de medicamentos em sala de parto é muito rara. Estima-se que


um em cada mil recém-nascidos fará uso de medicamentos na reanimação neonatal após
o nascimento.
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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Adrenalina
Está indicada quando a ventilação adequada e a massagem cardíaca efetiva não obtiveram
êxito, no sentido de elevar a FC do recém-nascido acima de 60bpm, durante a reanimação
em sala de parto (Quadro 6).

Expansor de volume
O uso de expansores de volume é um recurso disponível para reanimar o recém-nascido
com hipovolemia. A suspeita é feita se houver perda sanguínea prévia ou se existirem sinais
de choque hipovolêmico, como: palidez, pulsos débeis e má perfusão periférica (Quadro 6).

Bicarbonato de sódio
Usado excepcionalmente na reanimação do recém-nascido em sala de parto, naqueles que
não apresentaram resposta às manobras previamente executadas, sob ventilação e massa-
gem cardíaca aplicadas com técnicas corretas (Quadro 6).

Quadro 6. Medicações utilizadas na reanimação do recém-nascido em sala de parto

Medicamento Preparo Dose/via Observação

Adrenalina 5mL Endotraqueal - Infundir diretamente na cânula


1:1000 – 1mL 0,3–0,9mL/kg traqueal e fazer VPP a seguir
SF – 9mL - Dose única

Adrenalina 1mL Intravenosa - Infundir rapidamente e, em


1:1000 – 1mL 0,1–0,3mL/kg seguida, infundir 0,5 a 1,0 mL
SF – 9mL de SF
- Repetir a cada 5 minutos

Expansores de volume 40mL Intravenosa - Infundir em 5 a 10 minutos


SF (2 seringas 10mL/kg - Repetir se necessário
Ringer Lactato de 20mL)

Bicarbonato de sódio 0,5mEq/mL Intravenosa - Infundir em 2 minutos


8,4% – 10mL 20mL 2mEq/kg - Indicado em recém-nascido
AD – 10mL (2 seringas sob ventilação e massagem
de 10mL) cardíaca adequadas, e após a
utilização da adrenalina e
do expansor

SF: soro fisiológico; VPP: ventilação com pressão positiva

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A síntese dos procedimentos essenciais utilizados na reanimação neonatal encontram-se


na Figura 10.

Figura 10. Fluxograma da reanimação neonatal. Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade


Brasileira de Pediatria. FC: frequência cardíaca; s/n: se necessário; VPP: ventilação com pressão
positiva; SatO2: saturação de oxigênio; MSD: membro superior direito

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Capítulo 2 | Ressuscitação cardiopulmonar e reanimação neonatal
Camip

Questões éticas

As questões relativas às orientações para não iniciar a reanimação neonatal e/ou interrom-
per as manobras são bastante controversas e dependem do contexto nacional, social, cul-
tural e religioso. De modo geral, os princípios éticos que regem a reanimação neonatal não
devem ser diferentes daqueles aplicados a pacientes de outras faixas etárias.

Em condições nas quais o prognóstico é incerto, e a chance de sobrevida com sequelas


muito graves é grande, o desejo dos pais deve ser levado em conta.

No que se refere a malformações congênitas, deve-se ter a confirmação diagnóstica ante-


natal, além de considerar a vontade dos pais e os avanços terapêuticos disponíveis.

Apesar de não existir consenso em relação a quão pequeno é pequeno, as recomendações


atuais concordam que recém-nascidos abaixo de 22 a 23 semanas de idade gestacional
não apresentam viabilidade para vida extrauterina. O peso do neonato também deve ser
considerado com cautela, uma vez que não há associação direta entre maturidade e peso e
a estimativa de peso fetal é obtida em somente 15 a 20% dos casos.

Considerar a manutenção dos esforços de reanimação, após a realização de todos os pro-


cedimentos com a técnica adequada, quando o bebê permanecer em assistolia por mais
de 10 minutos, é complexo. A decisão pode ser influenciada pela etiologia presumível da
parada, pela reversibilidade potencial, pela idade gestacional, além dos sentimentos dos
pais expressos previamente a respeito dos riscos de sequelas neurológicas. É possível que
a utilização de hipotermia terapêutica altere essa conduta.

Os estudos mais recentes têm mostrado que é possível utilizar estratégias de neuropro-
teção para melhorar o prognóstico de recém-nascidos com idade gestacional acima de
35 semanas que necessitaram de reanimação vigorosa em sala de parto e evoluíram com
encefalopatia hipóxico-isquêmica. Essa estratégia terapêutica deve ser utilizada de forma
criteriosa, pesando riscos e benefícios.

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Capítulo 3 | Procedimentos em pediatria: cateter venoso central,

Procedimentos em Pediatria:
cateter umbilical, pressão arterial invasiva e cardioversão
3
Capítulo 3
Cateter Venoso Central,
Cateter
Procedimentos Umbilical, Pressão
em pediatria: cateter venoso Arterial
central,
cateter umbilical, pressão arterial invasiva e cardioversão
Invasiva e Cardioversão
Aline Motta de Menezes
Aline Motta de Menezes
Casos clínicos

Caso 1

Paciente de 8 anos, admitido em unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica com leucemia
linfoide aguda recém-diagnosticada, hemograma com 180.000 leucócitos, internado pelo
risco de lise tumoral. A criança deu entrada na unidade em mal estado geral, sonolenta,
pálida, com acesso venoso periférico, recebendo oxigênio inalatório. Na avaliação inicial,
encontrou-se com abertura ocular presente quando estimulado, porém retornava sonolen-
to, frequência cardíaca (FC) de 160bpm, saturação (Sat) de 95%, pressão arterial (PA) de
90x50 mmHg, frequência respiratória (FR) de 18 rpm, pulsos amplos, tempo de enchimento
capilar de 1 segundo, afebril. Na monitorização cardíaca, traçado com onda T apiculada.

Caso 2

Gestante de 37 semanas deu entrada no centro obstétrico com quadro de sangramento vaginal
abundante há 1 hora. Após avaliação, foi diagnosticado descolamento prematuro de placenta
e indicada cesária de urgência. O recém-nascido encontrava-se com palidez cutaneomucosa
intensa, em apneia, hipotônico, FC de 100bpm. Iniciada a reanimação neonatal em sala de parto.

Perguntas

1. Qual dos pacientes tem a oferta de fluídos endovenosos como uma das prioridade no
tratamento inicial?…
2. Qual a provável causa da alteração eletrocardiográfica referida no caso 1?
3. Quais as prioridades no tratamento da causa da alteração eletrocardiográfica do caso 1?
4. Caso a alteração eletrocardiográfica não seja prontamente diagnosticada e tratada,
qual a consequência mais provável para o paciente?
5. Qual seria o tratamento se isso acontecesse?
6. Qual o tratamento para esse paciente se ele não responder as medidas iniciais prescri-
tas para controle do distúrbio eletrolítico em questão?
7. Qual dos pacientes está sujeito a receber transfusão de hemoderivados durante
o atendimento?
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Capítulo 3 | Procedimentos em pediatria: cateter venoso central,
cateter umbilical, pressão arterial invasiva e cardioversão
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8. Qual dos pacientes está sujeito a receber drogas vasoativas durante o atendimento?
9. Quais as medidas de monitorização hemodinâmica que podemos instituir para os
dois casos?
10.Quais as vias disponíveis atualmente para instituirmos os tratamentos propostos a
esses pacientes de forma efetiva e segura?
11.Quais cuidados devemos ter para obtê-las?
12.Quais complicações podem estar relacionadas?

Apresentação

Este capítulo visa abordar procedimentos comuns no dia a dia do intensivista pediátrico,
tais como a instalação de cateteres venosos centrais (CVC), cateter umbilical, pressão ar-
terial invasiva (PAI) e cardioversão elétrica, descrevendo indicações e contraindicações,
técnica, cuidados a serem tomados após o procedimento e complicações.

Cateter venoso central e cateter umbilical

Nos atendimentos de emergência, muitas vezes é necessário administrar grandes volumes de


fluídos endovenosos, inúmeras medicações e soluções hipertônicas irritantes aos vasos. Nes-
ses casos, os acessos venosos centrais são o meio mais seguro de garantir essa administração,
além de serem ferramenta útil para monitorização hemodinâmica e via de coleta de exames.

Obviamente que o uso destes dispositivos não está isento de riscos, porém um bom co-
nhecimento da técnica de instalação por parte do médico responsável, bem como o uso de
ferramentas, como o ultrassom, que minimizam suas complicações e tragam mais conforto
ao paciente, devem ser empregadas sempre que possível.

Indicações e contraindicações

São indicações para inserção de CVC em pediatria a necessidade de administração de fluí-


dos ou soluções hipertônicas, o uso de drogas vasoativas, a hemodiálise, a reanimação em
sala de parto, a exsanguineotransfusão, a quimioterapia, a plasmaferese, a monitorização
hemodinâmica invasiva, a impossibilidade de acesso venoso periférico etc.
No caso do cateteres umbilicais, são contraindicações para sua instalação onfalite, peritoni-
te e enterocolite necrosante. Nos demais tipos de cateteres, não há contraindicação abso-
luta, apenas relativa, e cada caso deve ser avaliado individualmente. São contraindicações
relativas: coagulopatias graves, baixo peso (em geral <3kg), diarreia no caso da punção
do sítio femoral, infecção no local da punção, cirurgias prévias no próprio vaso, obesidade
mórbida e inexperiência do operador.
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Seleção do cateter

A seleção do cateter deve levar em consideração idade, peso da criança e indicação. A maioria
dos cateteres de curta duração é constituída por polietileno e, para pacientes recém-nascidos,
são indicados os de 3F, 4 F para lactentes, 5F para os pré-escolares, e 7 F para os escolares
e adolescentes. Sempre que possível, recomenda-se optar pelos cateteres com menor F, por
sua relação com estase sanguínea e trombose, e o menor número de lúmens (vias) possível,
devido ao menor risco de infecção relacionado. Em geral, estão disponíveis cateteres com
um a três lúmens. Para a cateterização umbilical dos recém-nascidos, utilizamos cateteres de
3,5 F (para < 1.500 g), 5 F (1.500 a 3.500 g) e 8 F (>3.500 g), com um lúmen apenas. Para os
recém-nascidos, os cateteres de duplo-lúmen só devem ser utilizados em situações críticas,
por estarem associados a maior índice de complicações, em especial infecciosas.

Locais de instalação e técnica

Sempre que a condição clínica do paciente permitir, ele e sua família devem ser orientados
quanto aos riscos e passos do procedimento, obtendo, então, o consentimento informado.
Iniciamos a avaliação da anatomia do paciente, o preparo dos materiais necessários para
técnica estéril, a monitorização cardiorrespiratória, a escolha de medicamentos adequados
para sedação e analgesia, e o posicionamento do paciente. Para os cateteres umbilicais,
não há necessidade de analgesia, pois não há receptores de dor no cordão umbilical. No
entanto, sacarose oral pode ser dada se não houver contraindicações. O ultrassom deve ser
empregado sempre que estiver disponível e seu manejo for conhecido.

Atualmente a técnica de Seldinger modificada tem sido utilizada para o estabelecimento de


acessos vasculares centrais em crianças. A técnica compreende a introdução do cateter
dentro da circulação venosa central após punção venosa com agulha de pequeno calibre.
Uma vez puncionado o vaso, é passado um fio-guia através da agulha, a qual é retirada
sobre o fio-guia. Em geral, utilizam-se dilatadores do tecido subcutâneo e vaso puncionado.
O cateter é introduzido pelo fio-guia, que, então, é retirado.

A veia jugular interna é a mais acessada em crianças, seguida da veia femoral e da subclávia.

Jugular interna

É a via mais utilizada no dia a dia dos pacientes de UTI pediátrica. A veia jugular interna
direita é preferida à esquerda, pois o cateter tem um trajeto mais direto até a veia cava
superior, além dos riscos de pneumotórax ou danos para o ducto torácico serem menores
durante a punção, quando comparados ao lado esquerdo.
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Existem três vias possíveis para o acesso da veia jugular interna: medial, posterior e ante-
rior. Nos três casos, o paciente é posicionado em decúbito dorsal, se possível em Trende-
lemburg, para melhora do retorno venoso, com a cabeça lateralizada para o lado oposto a
punção, colocando-se um coxim sobre os ombros para melhorar a exposição da região a
ser puncionada.

No acesso anterior, introduzimos a agulha com aspiração constante numa angulação de 30o
no terço médio do pescoço, passando sob o músculo esternocleidomastoideo, iniciando a
punção em sua borda mais medial. Uma vez passado o feixe muscular retificamos a pun-
ção, seguindo em direção ao mamilo ipisilateral. No acesso medial, a punção deve ocorrer
num ângulo de 45o, no ápice do triângulo formado pelo encontro dos feixes esternal e clavi-
cular, que constituem o músculo esternocleidomastoideo, em direção ao mamilo ipisilateral
à punção. Já no acesso posterior, a punção deve ocorrer num ângulo de 45o na região de
encontro entre a cabeça clavicular do músculo esternocleidomastoideo e a veia jugular ex-
terna, em direção a fúrcula.

A punção da veia jugular externa também é uma opção com baixo risco de complicações
associadas e pode ser feita com o paciente na mesma posição descrita para o acesso da
veia jugular interna, porém por meio da punção direta da veia.

Veia femoral

É a via de acesso mais utilizada em situações de emergência como reanimação cardiopul-


monar, por sua facilidade de acesso e baixo risco de complicações. Posicionamos o pa-
ciente em decúbito dorsal, fazendo discreta flexão e rotação externa do membro inferior a
ser puncionado. Podemos colocar um coxim sobre o glúteo do paciente afim de melhorar a
exposição da veia. A veia femoral se encontra em posição medial e paralela à artéria femoral
na maioria das crianças.

A artéria femoral encontra-se geralmente 1,5 cm abaixo do ligamento inguinal. Palpamos o


pulso femoral nessa região e puncionamos a veia femoral paralela a esse pulso, em direção
a cicatriz umbilical, formando um ângulo de 45o com o plano da pele do paciente.

Assim que a agulha transpassar a pele e o subcutâneo, retificar a punção e progredir o


sistema, sempre aspirando a seringa até alcançar o vaso. No paciente sem pulso, a lo-
calização da artéria femoral pode ser aproximada ao ponto médio entre a crista ilíaca e a
sínfise púbica, cerca de 2cm abaixo da linha que une esses dois pontos, fazendo a punção
imediatamente sobre ele.

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Veia subclávia

Tem sido associado a uma alta taxa de complicações quando realizada durante situações
de emergência, não sendo considerado um local ideal de acesso vascular durante a reani-
mação. O risco de complicações é menor quanto maior a criança, porém não são minimiza-
das pelo uso do ultrassom durante o procedimento. Posicionamos o paciente em decúbito
dorsal, se possível em Trendelenburg, para aumentar o retorno venoso, com a cabeça em
posição neutra ou lateralizada. Podemos posicionar um coxim sobre as escápulas para
facilitar a exposição clavicular e o acesso ao vaso. Palpamos toda a extensão da clavícula
e realizamos a punção em um ângulo de 45o na região infraclavicular, entre a transição do
terço médio e o mais medial, até atingir a borda inferior da clavícula, retificando, então, o
sentido da punção, sempre aspirando a seringa e indo em direção a fúrcula.

O cateterismo da veia umbilical pode ser um procedimento útil em recém-nascidos que


necessitam de acesso vascular e reanimação. A veia umbilical permanece patente e viável
para canulação até cerca de 1 semana após o nascimento.

A técnica de cateterização umbilical também compreende a preparação antecipada de todo


o material necessário incluindo medidas asséptica em todos os passos do procedimento.
O bebê deve ser colocado em berço aquecido para não apresentar hipotermia durante o
procedimento.

Amarrar a base do umbigo com uma fita dando um nó simples para evitar sangramento
durante a manipulação do coto. Cortar o cordão umbilical acima da fita, horizontalmente, a
cerca de 0,5 a 1cm da base do coto. Caso haja sangramento nesse momento, apertar mais
o nó feito anteriormente. Identificar os vasos umbilicais – em geral uma veia, com parede
mais fina e ovalada, e duas artérias, com paredes mais espessas e arredondadas. Segurar
o coto umbilical com uma das mãos ou com auxilio de pinça hemostática, tomando cuidado
para não pinçar os vasos. Introduzir o cateter delicadamente na veia até a distância prevista.
Pode ser necessário afrouxar o nó feito na base do coto durante a passagem do cateter.

Punção guiada por ultrassonografia

A técnica de instalação de CVC com ultrassonografia é bem descrita e tem sido cada vez
mais utilizada. Existem evidências de redução no tempo do procedimento e no risco de
complicações, dependendo da habilidade do operador e do sítio a ser puncionado. Deve
ser usado sempre que estiver disponível, em todos os pacientes com indicação de colo-
cação de acessos venosos centrais em veia jugular interna ou externa, e femoral. Desse

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modo, mesmo médicos experientes na técnica de punção tradicional devem ser encoraja-
dos a fazê-la com auxilio da ultrassonografia. No caso do acesso subclávio, não há aumen-
to na taxa de sucesso do procedimento com o uso do ultrassom, nem duração no tempo
de instalação.

O método permite uma avaliação estática, com identificação anatômica dos vasos em ques-
tão, visualização da localização do cateter no vaso e verificação de sua patência, ou uso de
maneira dinâmica durante todo o procedimento, permitindo a visualização do momento da
punção inclusive.

As contraindicações ao uso são as mesmas citadas para a técnica tradicional. Algumas


situações podem representar dificuldade de visualização dos vasos: pacientes com obesi-
dade mórbida, na localização da veia subclávia (que é mais difícil do que a da veia jugular
interna e femoral devido a proximidade da clavícula), status volêmico e pressão de pulso
do paciente que podem interferir na localização das de estruturas venosas pouco túrgidas.

Os marcos anatômicos para acesso venoso tradicional podem ser utilizados como um pon-
to de orientação para a colocação do transdutor. Quando visto com ultrassonografia, todos
os vasos aparecem como estruturas anecoicas (pretas) tubulares, enquanto que o tecido
adjacente aparece mais acinzentado. As veias são distintas de artérias na ultrassonografia,
porque elas têm paredes mais finas, são mais facilmente comprimidas e não são pulsáteis.
Além disso, elas geralmente distendem com manobras que impedem ou aumentam o retor-
no venoso, como a manobra de Valsalva e posição de Trendelenburg, em contraste com o
diâmetro arterial, que permanece o mesmo durante essas manobras. Ambas podem estar
sobrepostas, o que exige um melhor posicionamento do paciente.

Na técnica estática de punção, realizamos a avaliação anatômica da veia, na qual será in-
serido o cateter e determinamos o local de punção.

A técnica dinâmica possibilita a visualização em tempo real até a inserção do cateter, com
identificação imediata de complicações. Pode ser realizada com dois operadores, um ma-
nipulando o transdutor e o outro realizando a punção, ou um operador realizando todos os
passos do procedimento. Devemos posicionar a veia no centro do monitor e realizar a pun-
ção em um ângulo de 45° em relação ao transdutor e equidistante deste com a veia.

Uma vez ultrapassada a pele, progredir a agulha em direção a parede anterior da veia. A
não visualização da agulha ou não visualização do movimento de estruturas adjacentes a
ela no monitor indica o não alinhamento do transdutor em relação à posição em que foi

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inserida a agulha. Neste caso, devemos retirar a agulha e reiniciar a punção, checando
a posição correta do transdutor. Após certificar de que a agulha está dentro da veia, por
meio da aspiração de sangue, prosseguimos com as etapas seguintes, segundo a técnica
tradicional (Seldinger).

Cuidados após a passagem do cateter

A correta localização de um cateter é assegurada quando o mesmo apresenta fluxo e reflu-


xo de sangue adequados. Além disso, a posição de todos os cateteres deve ser identificada
por uma radiografia de tórax e/ou abdome, o que também permite identificar a presença de
complicações, como pneumotórax ou hemotórax.

No caso dos acessos jugulares e subclávios, a ponta do cateter deve estar na junção da
veia cava superior e a átrio direito, evitando lesão dos vasos e miocárdio, além de garantir
a adequada monitorização de parâmetros hemodinâmicos. No caso dos acessos femorais,
a ponta dos cateteres não deve permanecer intra-hepática ou na eminência das artérias
renais (entre L4 e L5). Após certificação da posição adequada do cateter, o mesmo deve ser
fixado com fio náilon e ser realizado curativo sobre o sítio de inserção.

No caso dos cateteres umbilicais, em situações de emergência, o cateter é introduzido o


suficiente para que exista um bom fluxo sanguíneo, geralmente 4 a 5cm da base do umbigo.
Nessa posição, a ponta do cateter permanece abaixo da origem da veia porta e deve ser re-
movido tão rápido quanto for possível ou colocado um novo cateter, caso haja necessidade
de uma maior permanência. Na indicação de um cateter umbilical de longa permanência,
verificar se o fluxo e refluxo através do cateter está satisfatório, não devendo haver resistên-
cia. Observe os pés do bebê e alguma evidência de isquemia, que pode estar associada a
presença do cateter arterial. Retire o nó e faça sutura em bolsa ao redor do cateter, fixando
cada cateter individualmente no caso de existir um acesso arterial e outro venoso. Existem
vários métodos aceitáveis para determinar a profundidade dos cateteres umbilicais, sendo
alguns baseados na distância ombro-umbigo e outros no peso do paciente (comprimento
desejado em cm = 1,5 x peso em kg). Na radiografia de controle, a ponta do cateter venoso
deve estar na junção do ducto venoso e a veia cava inferior, um pouco acima ou no nível do
diafragma mas fora do coração (aproximadamente T9-T10).

Caso haja dúvida se uma artéria ou veia tenha sido canulada, podemos tentar identificar
a onda de pulso característica acoplando o cateter em um monitor apropriado, ou, então,
realizar a coleta de gasometria com características de sangue venoso.

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Complicações

As complicações do cateterismo venoso central são mais comuns na faixa etária pediátrica
do que em pacientes adultos. Estas estão relacionadas principalmente com o sítio de pun-
ção, experiência do operador e condição clínica do paciente. As principais complicações
incluem infecção de corrente sanguínea relacionada, infecção do local da punção, celulite,
sangramento arterial, punção arterial, trombose, flebite, tromboembolismo pulmonar, pneu-
motórax, hemotórax, tamponamento cardíaco, arritmias, embolia gasosa, laceração venosa
e formação de hematoma no local de punção. Entre as complicações envolvidas no cate-
terismo umbilical, temos a hemorragia acidental, a perfuração miocárdica, as infecções, a
enterocolite necrosante, a hipertensão portal etc.

Pressão arterial invasiva

Indicações e contraindicações

A canulação arterial em pediatria está indicada nos pacientes em que a coleta de exames,
como a gasometria arterial, é necessária com frequência, como no caso na insuficiência res-
piratória grave, recém-nascidos em estado grave, ou na necessidade de medida da PA ou
débito cardíaco de forma fidedigna e contínua, como nos pacientes em choque, emergências
hipertensivas ou em uso de vasopressores, principalmente em casos em que a anormalidade
da PA é aguda ou há grande labilidade na mesma. Está contraindicada a punção em locais
com evidências de infecções, acometimento dos vasos arteriais envolvidos, circulação cola-
teral insuficiente, intervenção cirúrgica prévia e distúrbios hemorrágicos graves.

Locais de punção e técnica

O principal sítio puncionado em crianças é o da artéria radial, cujo risco de complicações


relacionadas ao procedimento é baixa, especialmente quando comparado com a punção na
artéria femoral e a braquial.
Em crianças com cardiopatias congênitas, as medições feitas na artéria radial direita podem
refletir na maior precisão de oxigenação cerebral e pressão de perfusão. Em recém-nasci-
dos, é opção a cateterização de uma das artérias umbilicais, principalmente no atendimento
ainda em sala de parto

A artéria radial pode ser facilmente testada em crianças, quanto à sua circulação colateral
por meio do teste de Allen modificado, usado para demonstrar o fluxo colateral pelo arco
palmar superficial antes da punção. O teste consiste em fechar a mão do paciente de forma

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ativa ou passiva com o intuito de diminuir o conteúdo de sangue no membro. Em seguida,


ocluem-se as artérias radial e ulnar no nível do punho, por meio da compressão digital.
Quando o paciente abre a mão, ela está pálida. Solta-se, então, a pressão da artéria radial,
mantendo a compressão da ulnar. Se a circulação da artéria radial, distal ao punho, for
patente, a mão torna-se rósea rapidamente; se ela estiver prejudicada, a mão permanece
pálida. Repetimos, então, a manobra para avaliarmos a artéria ulnar. Caso se evidenciem
falhas no enchimento durante o teste, a punção está contraindicada.

Outros locais incluem a punção de artéria tibial posterior, pediosa, braquial e femoral. De
todos esses locais, a circulação colateral da artéria pediosa é a única que também pode
ser avaliada antes do procedimento. A artéria femoral só deve ser puncionada em situações
em que for absolutamente necessária e quando os outros sítios não estiverem disponíveis,
devido ao baixo fluxo colateral e maior risco de complicações associadas, como, por exem-
plo, tromboses e embolização distal, o que requer uma avaliação constante da qualidade
dos pulsos distais. Sempre afastar a presença de infecção no local da punção.

Se possível devemos utilizar, em pacientes conscientes, um anestésico tópico sobre o


local ou, então, um botão anestésico com lidocaína, para maior conforto e aumento no ín-
dice de sucesso do procedimento. Sugere-se que a técnica estéril seja utilizada em todas
as etapas do procedimento, e a escolha do tamanho do cateter de punção é selecionado
com base no peso da criança . Em geral, utilizamos gelcos 22 a 24 para neonatos e lac-
tentes, e 24 para pré-escolares e 20 para escolares, ou, se disponíveis, cateteres próprios
para cateterização arterial.

A punção arterial pode ocorrer pela técnica direta, associada ao uso do fio-guia (técnica
de Seldinger), e, quando possível, utilizando a ultrassonografia, se disponível, o que pode
resultar numa maior taxa de sucesso para canulação em operadores treinados, diminuindo
também o número de tentativas. Ao uso do fio-guia parece estar associado a um número
significativamente menor de tentativas de punção, menor tempo de procedimento, maior
taxa de sucesso, e medidas de monitorização mais satisfatórias.

Em geral, devemos realizar a punção sobre o local de palpação do pulso do sítio escolhido.
Por exemplo, no caso da artéria radial, fixamos o antebraço e a mão do paciente em leve
dorsiflexão. Podemos identificar o local de punção usando a orientação da ultrassonografia
ou palpação. A técnica para a canulação arterial pelo método direto consiste em preparar
e localizar o ponto a ser puncionado, inserindo o cateter intravascular num ângulo de 30 a
45°, até que o sangue com caráter pulsátil seja obtido. Uma vez que o retorno do sangue é
observado, diminuir o ângulo do cateter intravascular e agulha, e avançá-lo sobre a agulha.

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Estabilizar o cateter com uma das mãos e avançar o cateter na artéria.

Se estiver disponível um cateter próprio para punção com um fio-guia, inserimos o cateter
intravascular e agulha com um ângulo de 30 a 45° lentamente, até que haja fluxo de sangue
pulsátil através do cateter. Uma vez que o retorno do sangue pulsátil é observado, retificar o
ângulo de inserção do cateter intravascular e agulha, e introduzi-los em conjunto para asse-
gurar que o próprio cateter entre na luz do vaso. Estabilizar o cateter intravascular com uma
das mãos e remover a agulha do cateter intravascular. Se o retorno do sangue pulsátil ocor-
rer depois que a agulha for removida, avançar o fio-guia por dentro do cateter. Se o retorno
do sangue pulsátil não ocorrer, retirar delicadamente o cateter, até que o sangue pulsátil ser
obtido e, em seguida, avançar o fio-guia. Se for bem posicionado dentro do lúmen arterial,
o fio-guia deve se mover com pouca ou nenhuma resistência. Avançar o fio-guia, mantendo
assim sua extremidade distal para além da extremidade distal do cateter e, em seguida,
avançar o cateter intravascular sobre o fio-guia, na artéria.

Caso haja dúvida se uma artéria ou veia tenha sido canulada, podemos tentar identificar a
onda de pulso no monitor apropriado, ou então realizar a coleta de gasometria com carac-
terísticas de sangue arterial. Fixar o cateter com sutura e um curativo adesivo transparente.

A técnica de cateterização da artéria umbilical é semelhante a descrita no caso da catete-


rização venosa. Os cateteres arteriais devem ter idealmente apenas um lúmen, escolhendo
os de 5 F para pacientes menores que 3,5kg e 8 F para os maiores. Segurar o coto umbilical
com uma das mãos ou com auxílio de pinça hemostática, tomando cuidado para não pinçar
os vasos. Introduzir o cateter delicadamente na artéria, até a distância prevista. Pode ser
necessário afrouxar o nó feito na base do coto para passagem do cateter. A ponta do cate-
ter deve estar acima do nível do diafragma, entre as vértebras T6-T9, sendo o comprimento
em centímetros suficiente para tal posicionamento poder ser estimado pela fórmula:

(peso do paciente em kg x 3) + 9

Complicações

As complicações da punção arterial em crianças, em ordem decrescente de frequência


incluem obstrução arterial transitória ou vasoespasmo, formação de hematoma, infecção,
trombose arterial etc. As complicações raras incluem embolia aérea, pseudoaneurismo e
fístula arteriovenosa.

O risco de complicações em geral aumenta com a idade mais jovem e com o aumento da du-
ração da punção. A atenção à técnica estéril durante punção arterial e na retirada de sangue
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da linha arterial é importante para reduzir a infecção. No entanto, o risco de infecção de um


cateter arterial é baixo, e a remoção e substituição de rotina não são indicados. Além disso,
medidas como opção pela punção radial, teste da patência da circulação colateral quando
possível, técnica que evite o menor trauma durante a punção com uso da ultrassonografia ou
fio-guia estão relacionadas a maior taxa de sucesso e menor índice de complicações.

Em pacientes com sinais de circulação distal comprometida (por exemplo, diminuição ou


pulso ausente, pele branqueada, diminuição do tempo de enchimento capilar e extremi-
dade distal fria) e evidências de trombose ou embolia arterial em imagens (por exemplo, a
ultrassonografia Doppler), é mandatória a remoção do cateter arterial e a consulta com um
cirurgião vascular.

As complicações relacionadas ao cateterismo umbilical são perfuração de vasos, formação de


hematomas, sangramento, falso trajeto, perfuração peritoneal, trombose arterial, falência renal
por interferência na circulação da artéria renal por má posição do cateter, embolismo aéreo etc.

Cardioversão elétrica

A desfibrilação e a cardioversão são métodos de descarga de energia elétrica para o cora-


ção, através da parede torácica, em uma tentativa de restaurar o ritmo normal do coração.
Desfibrilação e cardioversão são realizadas usando um desfibrilador, que exige dos usuários
o reconhecimento da arritmia e o manuseio correto do equipamento para cada situação.

Conceito

A desfibrilação é a descarga assíncrona de energia elétrica, com o choque aplicado ale-


atoriamente durante o ciclo cardíaco. Já a cardioversão é a descarga de energia elétrica
de maneira sincronizada com o complexo QRS. O procedimento para a desfibrilação e a
cardioversão são idênticos exceto pelo modo sincronizado com uma carga elétrica inicial
reduzida no caso da cardioversão. Em maiores de 1 ano de idade, a desfibrilação pode ser
realizada com um desfibrilador externo automático (DEA), o qual não realiza choques sin-
cronizados e, assim, não pode ser usado para cardioversão.

Indicações

A cardioversão deve ser utilizada em pacientes com ritmos cardíacos instáveis organizados,
tais como taquicardias supraventriculares (TSV), fibrilação atrial, flutter atrial, ou taquicardia
ventricular pulso palpável. A TSV instável constitui a arritmia mais comum na faixa etária
pediátrica, necessitando de cardioversão.
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Em pacientes com indicação de cardioversão elétrica, a condução normal do impulso elé-


trico que determina a contração atrioventricular está desordenada, e a liberação do choque
sincronizado tem a intenção de restabelecer a despolarização do tecido miocárdico envolvi-
do em um circuito de reentrada, levando à contração normal. Ela despolariza todo o tecido
excitável do circuito impedindo a condução do estímulo pela via de reentrada.

Desfibrilador

Os desfibriladores de primeira geração eram monofásicos, mas atualmente estão sendo


fabricados com a apresentação bifásica, com uma maior eficácia já no primeiro choque e
geração de um menor pico de corrente elétrica, diminuindo o nível de energia necessária
para um procedimento bem-sucedido, levando a um menor risco de queimaduras ou danos
do miocárdio.

Em geral, os desfibriladores manuais têm dois tamanhos de pás: adulto e infantil (existem
também eletrodos que são autoadesivos no lugar das pás). A escolha do tamanho correto
para cada paciente pode influenciar na qualidade do choque aplicado e em sua efetividade.
As pás infantis em geral estão localizadas sob as pás adultas. Utilizamos o tamanho “infantil”
para menores de 1 ano ou 10kg, e o tamanho adulto para maiores de 1 ano ou mais que 10kg.

Etapas

Se a condição do paciente permitir, devemos obter uma história clínica breve a respeito
das causas que podem ter levado a arritmia (intoxicação, cardipatia etc.). Se possível, obter
também o consentimento informado com os responsáveis para realização do procedimento.

Muitos pacientes que serão submetidos a cardioversão estão conscientes e, a menos que
eles estejam muito instáveis, devem receber um nível adequado de sedação e analgesia
previamente. Manter a monitorização de PA, eletrocardiograma e oximetria de pulso durante
todo o tempo.

Um gel condutor próprio deve ser aplicado abundantemente sobre as pás antes do seu uso.
Não use esponjas embebidas com solução salina, gel de ultrassonografia ou outras solu-
ções, e nem utilize as pás sem o gel.

Coloque uma das pás sobre a parte superior do tórax direito, ao lado do esterno e abaixo
da clavícula, e a outra na parte inferior do tórax esquerdo, na linha axilar média, lateral a
mama, sobre o vértice do coração, de modo que o mesmo fique entre as duas pás, para que

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o choque passe através do miocárdio. Aplicar uma pressão firme durante o procedimento.
Em situações em que as pás são grandes para o tamanho do paciente, podemos colocar
as pás na posição posteroanterior, ficando uma no dorso e outra na parte anterior do tórax
do paciente.

Com o desfibrilador ligado e as pás adequadas e preparadas, selecione o modo síncro-


no para cardioversão. Selecione, então, a carga elétrica que será aplicada. A dose para o
primeiro choque deve ser de 0,5 a 1J/kg. Choques subsequentes devem ser de 2J/kg. O
desfibrilador pode ser carregado após a seleção da carga por meio de um comando na
própria pá ou no aparelho. Posicione as pás nos locais corretos, afaste fontes de oxigênio
e qualquer material inflamável em pelo menos 1m de distância do paciente. Garanta que
todos os envolvidos no atendimento se afastem do paciente com uma ordem clara para
que o façam antes de liberar o choque. Libere a energia programada por meio de um botão
presente em ambas as pás.

Após a cardioversão bem-sucedida, a criança vai precisar de ser hospitalizada para mo-
nitorização cardíaca contínua em um ambiente de cuidados intensivos. Dependendo da
etiologia da arritmia, a consulta com um cardiologista pediátrico e/ou médico toxicologista
também pode ser apropriada.

Complicações

O risco de choque elétrico inadvertido em um dos profissionais envolvidos no atendimento


e fogo são as duas principais questões de segurança relacionadas com o uso dos desfibri-
ladores. Antes da descarga elétrica, devemos garantir de que ninguém esteja em contato
com o paciente ou a maca, e que esta não esta molhada. Já as faíscas das pás de desfi-
brilação podem causar incêndios envolvendo materiais inflamáveis adjacentes. Esse risco
pode ser reduzido afastando as fontes de oxigênio do paciente durante a aplicação do cho-
que. Outra complicação é a ocorrência de queimaduras, o que pode ser evitada com o uso
do gel condutor apropriado.

Um sumário das messages to take home

No dia a dia das UTIs, são inúmeras as situações críticas que exigem conhecimento de
procedimentos, como a cardioversão elétrica, além da cateterização venosa e a arterial,
seja para a administração de medicações e fluídos, coleta de exames, como ferramenta na
estabilização e monitorização hemodinâmica, ou como via específica de tratamento, como
a hemodiálise, por exemplo.

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Capítulo 3 | Procedimentos em pediatria: cateter venoso central,
cateter umbilical, pressão arterial invasiva e cardioversão
Camip

Cabe ao médico intensivista identificar as situações em que este tipo de procedimento inva-
sivo será realmente benéfico ao paciente; e conhecer suas contraindicações, ponderando
as complicações inerentes ao mesmo, as quais podem contribuir para um aumento signifi-
cativo na morbidade e mortalidade desses pacientes, de despesas e impacto no tempo de
internação hospitalar relacionados.

Além de conhecer a técnica, é fundamental, para o sucesso do procedimento, estar atualizado,


quanto a medidas que minimizem complicações e causem menor desconforto ao paciente.

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Camip

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Sedação e
Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria 4
Analgesia
Capítulo 4
em Pediatria
Sedação e analgesia em pediatria

Laura Gaiga
Cintia T. Cruz Laura Gaiga
Cintia T. Cruz
Caso clínico

Paciente de 1 ano e 8 meses, sexo masculino, previamente hígido, procura o serviço de


emergência com história de tosse seca e febre há 3 dias. Apresenta sinais de insuficiência
respiratória grave e importante queda do estado geral, sem resposta às medidas iniciais.
Optou-se por intubação orotraqueal (IOT) ainda no pronto-socorro.

Transferido à unidade de terapia intensiva (UTI), onde deu entrada intubado, ventilando em
bolsa-valva-máscara, sedado, porém reativo ao exame. Recebe uma dose de midazolam
0,2mg/kg para o transporte. Durante a admissão, evoluiu com agitação intensa.

Perguntas

1. Neste momento, quais são as possíveis opções de sedação para esse paciente?
2. O que deve ser considerado na escolha da droga que vai utilizada?
3. Quais os efeitos de cada droga escolhida e possíveis efeitos colaterais?
4. Quais os objetivos da sedação na UTI pediátrica?

Optado por introduzir sedação contínua com fentanil 1mcg/kg/hora e midazolam 0,1mg/kg/
hora. Inicialmente evolui bem, com escala de agitação e sedação de Richmond (RASS, sigla
do inglês Richmond Agitation Sedation Scale) -1 a -2, porém, após 12 horas de internação,
começa a despertar frequentemente, com períodos de agitação, necessitando de aumento
da dose até fentanil 2mcg/kg/hora e midazolam 0,2mg/kg/hora. Após aumento da dose de
sedação, ainda mantém alguns períodos de despertar e agitação.

Perguntas

1. Que situações clínicas podem justificar a agitação? O que deve ser avaliado?
2. Como o paciente deve ser monitorizado nesse período?
3. Quais as opções para otimizar a sedação nesse momento? Quais as vantagens e
desvantagens de cada uma?
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

Durante a internação em UTI, apresenta piora progressiva do padrão respiratório, evoluindo


com pneumonia secundária à ventilação mecânica (VM) e síndrome do desconforto respi-
ratório agudo (SDRA), em uso de altos parâmetros ventilatórios e com tempo de intubação
prolongado (total de 10 dias em VM). Consequentemente, precisa de aumento progressivo
nas doses de sedação contínua nesse período, para se manter acoplado à VM. No sexto
dia de VM, recebe 4mcg/kg/hora de fentanil e 0,4mg/kg/hora de midazolam, associados à
cetamina contínua 2mg/kg/hora, além do hidrato de cloral 50mg/kg/dose a cada 6 horas.

Perguntas

1. O que justifica a necessidade de aumento de sedação nesse período?


2. Quais pacientes apresentam maior risco de desenvolvimento de tolerância e abstinência?
3. Quais estratégias podem ser adotadas durante esse período na tentativa de reduzir a
necessidade de opioides e prevenir a síndrome de abstinência?

No oitavo dia de VM, como vinha apresentando melhora do quadro, com diminuição dos
parâmetros ventilatórios, são introduzidos metadona e lorazepam, na tentativa de iniciar
desmame de sedação. Foram reduzidas as doses de fentanil e midazolam até a suspensão
completa. Paciente extubado após 10 dias de VM.

Perguntas

1. Qual o objetivo do uso de metadona e lorazepam nesse caso? Como devem ser introdu-
zidos e em qual dose?
2. Cite um possível esquema de retirada de fentanil e midazolam após introdução da meta-
dona e do lorazepam

Após extubação, evolui com quadro de tremores, diarreia e pico febril 37,9 °C. Realizada
uma dose de morfina de resgate, pensando em síndrome de abstinência, com melhora par-
cial do quadro.

Perguntas

1. O que é síndrome de abstinência?


2. Como diagnosticar a síndrome de abstinência? Quais escalas podem ser utilizadas?
3. Qual o objetivo da morfina nesse caso? Quando seu uso está indicado?
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Paciente extubado há 72 horas, ainda em uso de metadona e lorazepam, apresenta alguns


períodos de choro intenso e agitação, porém sem outros sinais de abstinência e sem neces-
sidade de novas doses de resgate de morfina.

Perguntas

1. Como pode ser feita a retirada de metadona e lorazepam?


2. Qual a possível causa do choro e agitação?
3. Como a dor deve ser avaliada e tratada na UTI pediátrica?

Paciente evolui bem, com melhora completa do quadro respiratório, sem sinais de abstinên-
cia e com exame neurológico normal. Recebe alta para enfermaria.

Apresentação

O tratamento e o alívio da dor são direitos básicos de todos os pacientes, independente


da idade. Estudos relatam o efeito deletério da dor não tratada em todas as faixas etárias,
inclusive no período neonatal, no qual os bebês já são capazes de sentir, perceber e me-
morizar uma experiência dolorosa. Assim, o manejo adequado de fármacos que promovem
sedação e analgesia na UTI pediátrica é um ponto crucial que, muitas vezes, contribui em
grande parte para o bom curso da doença. No entanto, o uso indevido dessas substâncias
é visto frequentemente na prática clínica e pode influenciar negativamente no tratamento
do paciente.

Em UTI pediátrica, a dor é um dos sintomas mais predominantes e, geralmente, é de origem


multifatorial, podendo ser ocasionada pela doença primária, traumas, procedimentos inva-
sivos (IOT, passagem de cateter venoso central, acesso periférico e monitorização invasiva
de pressão arterial), procedimentos diagnósticos e terapêuticos, ou pela VM, dentre outros.
Não é incomum que esse sintoma leve a um grau de estresse e agitação psicomotora, que,
aliados a fatores como a doença primária, o ambiente tenso e ruidoso da UTI pediátrica, a
alteração do ciclo sono-vigília devido à internação, o medo e a separação dos pais, levam
a um quadro de grande ansiedade nos pacientes pediátricos, tendo contribuição negativa
para a terapia.

O objetivo de uma sedação e analgesia adequadas é promover ansiólise, amnésia e coo-


peração da criança, além de amenizar a dor em si, levando a uma melhora nos resultados
clínicos, redução dos riscos de complicações e diminuição da morbimortalidade.

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

Pacientes que são submetidos a uma ineficiente quantidade de sedação e analgesia apre-
sentam piora da condição clínica devido a (1) aumento do catabolismo; (2) estímulo do
sistema nervoso simpático com subsequente aumento no consumo de oxigênio, glicogenó-
lise, gliconeogênese, lipólise, acidemia lática, hiperglicemia, balanço nitrogenado negativo,
retenção de água e sódio e aumento da excreção de potássio; (3) aumento da produção de
hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), cortisol, hormônio antidiurético (ADH), hormônio do
crescimento (GH), glucagon, renina e aldosterona; (4) aumento da sobrecarga cardiorrespi-
ratória, o que acarreta em maior repercussão hemodinâmica e aumento da morbidade.

Por outro lado, o excesso de sedação também pode levar a uma deteriorização clínica, uma
vez que está associado a um maior tempo de VM, maior tempo de internação hospitalar (e
consequentemente maiores custo e risco de infecção), instabilidade hemodinâmica, tole-
rância, dependência e síndrome de abstinência, como discutiremos a seguir.

Não existe um consenso sobre a melhor estratégia de sedação e analgesia em crianças. As


drogas mais utilizadas são opioides (morfina, fentanil e metadona), benzodiazepínicos (mi-
dazolam, diazepam e lorazepam), cetamina, hidrato de cloral e propofol. Atualmente, drogas
como dexmedetomidina, clonidina e gabapentina estão cada vez mais sendo utilizadas tanto
para sedação quanto para o desmame e tratamento da abstinência. A escolha da droga deve
ser feita de acordo com cada situação, levando em conta as características de cada subs-
tância, como seu tempo de início de ação, duração, efeitos sedativos e analgésicos e pos-
síveis efeitos colaterais. Cada uma das drogas será discutida mais adiante neste capítulo.

Classificação dos graus de analgesia e sedação

Para um bom entendimento do que seria sedar/analgesiar um paciente, é importante nos


atentarmos a algumas definições e aos graus de sedação e analgesia.

• Analgesia: redução ou abolição da sensibilidade à dor, sem perda de consciência.


• Sedação/analgesia mínima: paciente responde ao comando verbal, sendo que as funções ver-
bais e cardiovasculares não estão afetadas. Pode ter certa depressão cognitiva e de coordenação.
• Sedação/analgesia moderada (sedação consciente): depressão da consciência, porém res-
ponde aos comandos verbais, mantendo via aérea pérvia e função cardiovascular preservada.
• Sedação/analgesia profunda: depressão da consciência, sendo que o paciente não consegue
ser facilmente acordado, respondendo apenas após repetidos estímulos dolorosos. Pode ha-
ver necessidade de auxílio ventilatório. A função cardiovascular ainda está preservada.
• Anestesia geral: abolição profunda da sensibilidade à dor, com abolição da consciência,
dos reflexos protetores, da respiração espontânea e da resposta aos estímulos externos.

A função cardiovascular encontra-se deprimida nesse estágio.


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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Avaliação pré-sedação

O sucesso de uma sedação/analgesia depende, em grande parte, da avaliação dos riscos,


benefícios e possíveis complicações inerentes ao processo. Dessa forma, uma avaliação
minuciosa do paciente em questão deverá ser realizada, a fim de minimizar os possíveis
efeitos deletérios relacionados ao procedimento.

Uma maneira de avaliar a gravidade do paciente a ser sedado e relacioná-la com o risco
de complicação é o American Society of Anesthesiologists (ASA) Score, utilizado por anes-
tesistas durante a avaliação pré-anestésica. Este escore divide os pacientes em seis cate-
gorias e os relaciona, de acordo com sua doença atual ou prévia, a um índice de risco de
mortalidade, conforme o Quadro 1.

Quadro 1. American Society of Anesthesiologists (ASA) Score para


pacientes cirúrgicos

Estado físico (p) Definição Mortalidade (%)

I Paciente sadio sem alterações orgânicas 0,06–0,08

Paciente com alteração sistêmica leve ou


II moderada causada pela doença cirúrgica ou 0,27–0,40
doença sistêmica

Paciente com qualquer alteração sistêmica


III grave de qualquer causa com limitação 1,8–4,3
funcional

Paciente com alteração sistêmica grave que


IV 7,8–23
representa risco de vida

Paciente moribundo que não é esperado


V 9,4–51
viver sem cirurgia

VI Paciente doador de órgãos –

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

No entanto, em um ambiente de terapia intensiva pediátrica, apenas a adoção do ASA Sco-


re é bastante limitada para delinear um bom processo de sedação/analgesia. O pediatra
intensivista deve se atentar a características físicas e da história pregressa da criança, para
que haja uma maior taxa de sucesso na terapia.

É de suma importância a avaliação minuciosa da via aérea da criança, com o objetivo de


detectar uma via aérea difícil, a qual seria um obstáculo ao processo. Alguns fatores podem
ser fortes indícios de via aérea difícil como: obesidade severa, pescoço curto, limitação da
mobilização cervical (por traumas, por exemplo), micrognatia, obstrução de vias aéreas su-
periores (tumores, abscessos e corpos estranhos), macroglossia e trismo. Deve-se também
realizara ausculta pulmonar, uma vez que quadros agudos, como infecções de vias aéreas
superiores (IVAS) e crises de asma, podem aumentar de três a cinco vezes a chance de la-
ringoespasmo, que também pode ser desencadeado por algumas drogas sedativas, como,
por exemplo, a cetamina.

Outra forma de avaliar o risco de uma via aérea difícil é pela oroscopia da criança, na qual
podemos utilizar do escore de Mallampati, conforme a Figura 1. Podemos classificar o grau
de visibilidade das estruturas das vias aéreas superiores em: (I) visibilidade total da úvula,
tonsilas e palato mole; (II) visibilidade do palato duro e mole, parte superior das tonsilas e
úvula; (III) palato duro e mole visíveis, além da base da úvula; e (IV) apenas palato duro visí-
vel, determinando um grau maior de dificuldade para uma possível IOT.

Figura 1. Escore de Mallampati. Fonte: American Society of Anesthesiologists

Ainda sobre a avaliação do paciente pré-sedação, é essencial a ausculta cardíaca, visando


detectar possíveis doenças cardiovasculares prévias ou agudas, uma vez que os sedativos
podem induzir à vasodilação e à hipotensão.
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Na anamnese com os responsáveis pela criança, é importante saber, além de dados como
doenças prévias e uso de medicamentos que podem interferir na sedação, o horário da úl-
tima refeição do paciente, a fim de minimizar o risco de broncoaspirações.
Para sedação para procedimentos eletivos, orienta-se, em média, jejum mínimo de 2 a 3
horas para líquidos, e de 4 a 8 horas para sólidos.

Monitorização

Monitorização durante sedação e analgesia intermitentes

Durante a sedação, o ideal é que haja uma avaliação contínua do paciente, atentando-se
a face, boca e movimentos torácicos, a fim de detectar depressão respiratória, apneia,
obstrução de via aérea, laringoespasmo, vômitos e hipersalivação, e garantir uma via aérea
rapidamente, caso seja necessário.

A monitorização efetiva da sedação de um paciente é realizada por meio da junção de


vários fatores básicos como oximetria de pulso, capnografia, pressão arterial, frequência
cardíaca e eletrocardiograma/monitor cardíaco. Esses parâmetros devem ser reavaliados a
cada 5 minutos, sendo que os períodos de maior risco para o paciente correspondem aos 5
a 10 primeiros minutos após a infusão das drogas, e ao período após cessação do estímulo
(pós-sedação). Dessa forma, nos casos em que o paciente é sedado para um procedimen-
to rápido, é imprescindível haver monitorização constante até que a criança retorne ao seu
nível de consciência, apresentando sinais vitais estáveis e padrão respiratório normal.

Já em casos em que é necessária a sedação contínua do paciente, a monitorização tam-


bém deve ser realizada de forma periódica, porém apresenta algumas limitações inerentes
à idade da criança, o que fez com que fossem propostos inúmeros mecanismos, como es-
calas e índices, a fim de facilitar esse processo.

Monitorização em pacientes sob sedação contínua

Em UTI pediátrica, é bastante frequente haver situações que necessitam de sedação con-
tínua da criança, normalmente por horas, dias, ou até mesmo, semanas. Avaliar a qualida-
de dessa sedação normalmente não é uma tarefa simples, já que, na maioria dos casos,
depende apenas do examinador, sendo a dificuldade de comunicação com o paciente um
grande dificultador, principalmente nas crianças abaixo de 3 anos de idade.

Para auxiliar nessa análise, foram desenvolvidas diversas escalas de dor e agitação. Uma
revisão sistemática realizada por Hartman et al. identificou 21 escalas diferentes de avalia-
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

ção de sedação. A escala Comfort, a escala de Ramsay (RSS, sigla do inglês Ramsay Se-
dation Score) e a RASS são escalas bem validadas mundialmente e amplamente utilizadas,
porém nenhuma delas é considerada padrão-ouro de avaliação.

Na escala Comfort (Quadro 2), avaliam-se oito itens de desconforto fisiológico ou ambien-
tal. O escore <17 indica sedação excessiva, valores entre 17 e 26 sedação adequada e >26,
sedação insuficiente.

Quadro 2. Escala de sedação de Comfort

Itens Pontuação
Nível de consciência: alerta
Sono profundo 1
Sono superficial 2
Letárgico 3
Acordado e alerta 4
Hiperalerta 5
Calma/agitação
Calma 1
Ansiedade leve 2
Ansioso 3
Muito ansioso 4
Amedrontado 5
Resposta respiratória (apenas se paciente em ventilação mecânica)
Ausência de tosse e de respiração espontânea 1
Respiração espontânea com pouca ou nenhuma resposta à ventilação 2
Tosse ou resistência ocasional ao ventilador 3
Respirações ativas contra o ventilador ou tosse regular 4
Compete com o ventilador, tosse 5
Choro (apenas se paciente com respiração espontânea)
Respiração silenciosa, sem som de choro 1
Resmungando/choramingando 2
Reclamando (monotônico) 3
Choro 4
Gritando 5

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Movimento físico
Ausência de movimento 1
Movimento leve ocasional 2
Movimento leve frequente 3
Movimento vigoroso limitado às extremidades 4
Movimento vigoroso que inclui tronco e cabeça 5
Tônus muscular
Totalmente relaxado 1
Hipotônico 2
Normotônico 3
Hipertônico com flexão dos dedos e artelhos 4
Rigidez extrema com flexão de dedos e artelhos 5
Tensão facial
Músculos faciais totalmente relaxados 1
Tônus facial normal, sem tensão evidente 2
Tensão evidente em alguns músculos faciais 3
Tensão evidente em toda a face 4
Músculos faciais contorcidos 5
Fonte: van Dijk M, Peters JW, van Deventer P, Tibboel D. The COMFORT Behavior Scale: a tool for
assessing pain and sedation in infants. Am J Nurs. 2005;105(1):33-6

Segundo a RSS, descrita no Quadro 3, o ideal é manter uma pontuação entre 2 e 3, de


acordo com o nível de consciência do paciente.

Quadro 3. Escala de sedação de Ramsay

Nível Grau de sedação Nível Grau de sedação


Acordado Dormindo
Dormindo, responde
Ansioso e agitado, ou
1 4 somente a estímulos táteis
irrequieto ou ambos
ou auditivos intensos
Cooperativo, aceitando Sem resposta ao estímulo
2 ventilação mecânica, 5 ou auditivo, porém com
orientado e tranquilo resposta à dor
Dormindo, responde
Sem resposta ao
3 a estímulos táteis e 6
estímulo doloroso
auditivos leves
Fonte: Ramsay MA, Savege TM, Simpson BR, Goodwin R. Controlled sedation with alpaxalone -
alphadolone. Br Med J. 1974;2(5920):656-9
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

Outra forma de avaliação dos pacientes foi proposta pela RASS, descrita no Quadro 4.

Quadro 4. Escala de agitação-sedação de Richmond

Pontos Classificação Descrição

+4 Agressivo Violento, perigoso, combativo

Conduta agressiva, remoção de


+3 Muito agitado
tubos e cateteres

+2 Agitado Movimentos sem coordenação frequentes

Intranquilo, ansioso, mas sem movimentos


+1 Inquieto
vigorosos ou agressivos

0 Alerta e calmo Alerta, calmo

Parcialmente alerta, facilmente despertável,


-1 Sonolento e mantém contato visual por mais de
10 segundos

Acorda rapidamente, e faz contato


-2 Sedação leve visual com o som da voz por menos de
10 segundos

Movimentos ou abertura dos olhos ao


-3 Sedação moderada
som da voz, mas sem contato visual

Não responde ao som da voz, mas


-4 Sedação profunda movimenta ou abre os olhos com
estimulação física

Não responde ao som da voz ou ao


-5 Incapaz de ser despertado
estímulo físico

Fonte: Ely EW, Truman B, Shintani A, Thomason JW, Wheeler AP, Gordon S, Francis J, et al. Monitoring
sedation status over time in ICU patients: reliability and validity of Richmond agitation-sedation scale
(RASS). JAMA. 2003 Jun 11;289(22):2983-91

Para análise da escala RASS, o procedimento correto deve ser realizado da seguinte forma:

1. Observar o paciente. Se está alerta, inquieto ou agitado (0 a +4).


2. Se não está alerta, dizer o nome do paciente e pedir para que abra os olhos e olhe para
o profissional:
• Se acordado, com abertura dos olhos sustentada e realizando contato visual (-1)

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
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• Se acordado, realizando abertura dos olhos, porém breve (-2)


• Se é capaz de fazer algum tipo de movimento, porém sem contato visual (-3)
3. Quando o paciente não responde ao estímulo verbal, realizar estímulos físicos.
• Se ele realiza algum movimento ao estímulo físico (-4)
• Se não responde a qualquer estímulo (-5)

É necessário enfatizar ainda que a avaliação da sedação deve ser realizada de maneira pe-
riódica, durante um intervalo de 4 a 6 horas, no máximo. Alguns fatores podem influenciar
no grau de agitação do paciente como posicionamento inadequado no leito, excesso de
secreção, retenção vesical, dentre outros, que devem ser excluídos antes que a sedação
seja otimizada.

Em casos mais graves, como doenças do sistema nervoso central ou casos de hipertensão
intracraniana, a avaliação neurológica requer um cuidado especial. Além das escalas de
sedação, um exame neurológico sucinto deve ser realizado periodicamente, visando à ava-
liação do tamanho, simetria e fotorreatividade das pupilas; e à detecção de posturas mo-
toras anômalas (decorticação e descerebração). Pode-se contar ainda com outras formas
de monitorização, como a medida contínua de pressão intracraniana (PIC), por meio de um
cateter intracraniano conectado a um transdutor, e formas não invasivas de monitorização,
como o índice bispectral (BIS).

O BIS corresponde a uma medida não invasiva e objetiva da sedação, e consiste na con-
versão das ondas alfa, beta e teta do eletroencefalograma (EEG) convertidas em uma escala
numérica de zero (coma) a cem (desperto),. Para sua aferição, são colocados adesivos com
sensores nas derivações frontais do crânio, exatamente como no EEG (Figura 2). A escala
numérica é visualizada através de um monitor, como mostra a Figura 3.

Figura 2. Sensor do índice bispectral

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Figura 3. Monitor de índice bispectral. EEG: eletroencefalograma

A escala do BIS e sua correlação com os níveis de sedação e traçados do EEG estão des-
critos na Figura 4.

Figura 4. Escala do de índice bispectral (BIS) e sua correlação com os níveis de sedação
e traçados do eletroencefalograma (EEG)

Dessa forma, quando disponível no serviço de terapia intensiva pediátrica, o BIS representa uma
boa ferramenta para auxiliar na monitorização da sedação e no ajuste das drogas sedativas.

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Monitorização e controle álgico

Tão importante quanto manter o nível de sedação adequado, é manter uma analgesia para
o paciente pediátrico grave. Dessa forma, a monitorização da dor deve ser constante den-
tro do ambiente de terapia intensiva e realizada de maneira multidisciplinar, com auxílio de
médicos, enfermeiros e outros profissionais que auxiliam no tratamento da criança.

Muitas vezes, principalmente em lactentes e crianças menores, é difícil avaliar a presença e


a intensidade da dor e, por isso, é frequente que ela seja subestimada pela equipe e pelos
familiares. Para auxiliar no reconhecimento e classificação da intensidade da dor, foram
propostos alguns índices e tabelas, a fim de melhorar o combate a esse sintoma, aspecto
primordial para uma boa assistência ao paciente.

Uma das maneiras utilizadas para avaliação da dor no paciente pediátrico é a escala FLACC,
acrônimo do inglês Face, Legs, Activity, Cry, Consolability, que pode ser vista no Quadro 5.

Quadro 5. Escala FLACC para avaliação da dor no paciente pediátrico

0 1 2

Caretas ou sobrancelhas
Tremor frequente do
Nenhuma expressão franzidas de vez em
Face queixo, mandíbulas
especial ou sorriso quando, introversão,
cerradas
desinteresse

Normais ou Inquietas, agitadas,


Pernas Chutando ou esticadas
relaxadas tensas

Quieta, na posição Contorcendo,


Curvada, rígida ou com
Atividade normal, movendo-se movimentos para frente e
movimentos bruscos
facilmente para trás, tensa

Gemidos ou Choro continuado, grito


Sem choro (acordada
Choro choramingos; queixa ou soluço; queixa com
ou dormindo)
ocasional frequência

Tranquilizada por toques,


abraços ou conversas Difícil de consolar ou
Consolabilidade Satisfeita, relaxada
ocasionais; pode ser confortar
distraída

Fonte: Merkel SI, Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S. The FLACC: A behavioral scale for scoring
postoperative pain in young children. Pediatr Nurs. 1997;23(3):293-7

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

Além dessa escala, pode-se utilizar outro recurso que corresponde a avaliação da mímica
facial, correspondente à Escala de Faces (The Faces Pain Scale), conforme representado
na Figura 5.

Figura 5. Escala de dor de acordo com a mímica facial. Fonte: Wong-Baker. The Faces Pain Scale –
Revised. Pediatric Pain Sourcebook of Protocols, Policies and Pamphlets; 7 August 2007

Em pacientes maiores (acima de 7 anos) sem défices cognitivos, é possível pedir ativamente
para que eles quantifiquem sua dor utilizando uma escala de zero a dez, além de carac-
terizarem tipo, frequência, irradiação, fatores de melhora e piora, fatores desencadeantes,
dentre outros caracteres propedêuticos que facilitam a terapêutica. O autorrelato, quando
viável, constitui o padrão-ouro para quantificação da dor.

Diante desses índices e das informações coletadas com o paciente, é possível classificar a
intensidade do sintoma e tratá-lo de acordo com sua classificação, como visto no Quadro 6.

Quadro 6. Intensidade da dor e seu respectivo tratamento

Pontuação Intensidade da dor Tratamento

1–4 Dor fraca AINES/adjuvantes

5–7 Dor moderada AINES/adjuvantes/opioides fracos

AINES/adjuvantes/opioides fortes/
8–10 Dor forte
PCA/bloqueios anestésicos

AINES: anti-inflamatórios não esteroides; PCA: analgesia controlada pelo paciente.


Fonte: American Academy of Pediatrics. Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family
Health; Task Force on Pain in Infants, Children, and Adolescents.. The assesment and management of
acute pain in infants, children and adolescents. Pediatrics. 2001 Sep;108(3):793-7

Alguns pacientes, em especial os acima de 10 a 12 anos, podem se beneficiar da analgesia


controlada pelo paciente (PCA), podendo ser utilizado até por crianças menores, dependen-

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

do do grau de habilidade da criança e de seus cuidadores em compreender os conceitos do


dispositivo. O PCA proporciona flexibilidade considerável e eficácia semelhante a infusão
de opioides, sendo a morfina a droga mais comumente utilizada. Permite maior autonomia
ao paciente, e menos atraso em relação ao alívio do sintoma, tornando-se uma ferramenta
bastante considerável no tratamento da dor em UTI pediátrica.

Principais drogas sedativas e analgésicas

Os fármacos utilizados para sedação e analgesia podem ser divididos em cinco classes
principais: (1) sedativos-hipnóticos, os mais utilizados, compreendendo os benzodiazepí-
nicos, barbitúricos, hidrato de cloral, propofol e etomidato; (2) analgésicos, representados
pelos opioides, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs); (3) sedativos-dissociativos, como
a cetamina; (4) agentes inalatórios, como o isoflurano e o sevoflurano; (5) antagonistas, re-
presentados pelo flumazenil e naloxone.

Opioides

Os principais representantes dessa classe são a morfina, o fentanil e a metadona, mais co-
mumente utilizados em UTI pediátrica. São capazes de induzir à analgesia ao interagirem
com uma série de receptores opioides centrais e periféricos, principalmente os µ e κ-recep-
tores. Não promovem sedação e amnésia, portanto necessitam de ser associados a outras
drogas para essa finalidade.

Morfina

É uma droga de relativamente longa duração (aproximadamente 2 horas quando utilizada


na dose de 0,1mg/kg) e pode ser administrada de maneira intermitente ou contínua. Indica-
da para dor moderada a grave, e também para dor crônica, deve ser evitada em casos de
hipertensão intracraniana e nas depressões respiratórias graves. Sua administração pode
ser intravenosa (IV), via oral (VO), subcutânea (SC) ou intramuscular (IM), com a dose varian-
do de 0,05 a 0,2mg/kg/dose a cada 2 a 4 horas. Quando usada de maneira contínua, a dose
varia de 10 a 60mcg/kg/hora.

Dos opioides, é a que apresenta menor solubilidade lipídica, o que acarreta em uma demora no
início de ação – em torno de 20 minutos após a administração intravenosa. Tem metabolização
intra e extra-hepática, com excreção renal. Seus principais efeitos adversos são: hipotensão,
bradicardia, depressão do sistema nervoso central, aumento da PIC, vômitos, espasmo biliar,
retenção urinária, depressão respiratória, dependência física e possibilidade de abstinência.

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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
Camip

Fentanil

Opioide 80 a 100 vezes mais potente que a morfina, que apresenta grande solubilidade lipí-
dica, com início rápido de ação (menos de 30 segundos), e menores liberação histamínica
e hipotensão. Possui uma meia-vida curta (30 a 60 minutos) quando administrado intrave-
noso, sendo associado à rápida distribuição periférica. Seu metabolismo é exclusivamente
hepático. É uma droga segura, sem muita repercussão hemodinâmica, porém quando uti-
lizada em conjunto com benzodiazepínicos, apresenta maior risco de efeitos hemodinâ-
micos. Seus efeitos colaterais variam de prurido nasal e náuseas a depressão respiratória
e rigidez torácica - esses últimos relacionados a altas doses e, principalmente, à infusão
rápida da medicação. Sua ação e seus efeitos colaterais podem ser revertidos pelo uso do
seu antagonista, o naloxone. Essa droga tem meia-vida mais curta que o fentanil, o que faz
com que seja necessário repetir a dose em grande parte dos casos. Os efeitos adversos do
naloxone podem ser taquicardia, hipertensão arterial e aumento do consumo miocárdico.
Quando a rigidez torácica não é convertida pelo uso do antagonista, deve-se lançar mão do
uso de bloqueadores neuromusculares.

A dose inicial deve ser de 1mcg/kg, podendo chegar a, no máximo, 50mcg/dose, e deve
ser repetida a cada 3 minutos até atingir o efeito desejado. Para sedação intermitente, pode
ser repetida a cada 4 a 6 horas. Como sedação contínua, a dose pode variar de 1 a 4mcg/
kg/hora, com atenção especial a não atingir doses muito elevadas, pelo risco de tolerância
e abstinência.

Metadona

Apresenta ação similar a da morfina, porém seu efeito é cumulativo e mais longo. Pode ser
indicada em casos de dores moderadas a graves, mas seu papel mais significativo na UTI
pediátrica é na prevenção e no tratamento da abstinência, como será descrito mais adiante.
Sua administração pode ser VO ou IV, com a dose variando de 0,05 a 0,1mg/kg/dose a cada
4 a 6 horas, com máximo de 10mg/dose. Seus efeitos colaterais também são os mesmos
da morfina.

Opioides fracos

Codeína

A codeína é um opioide natural, agonista fraco dos receptores opioides que existem no
cérebro e no plexo mioentérico. É usada no tratamento da dor leve a moderada e como
antitussígeno em doses menores.

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Sua principal vantagem é a possibilidade de utilização via oral, sendo potencializada quan-
do utilizada com ácido acetilsalicílico (AAS) ou acetaminofeno. O efeito antitussígeno é devi-
do a seus efeitos agonistas no centro nervoso cerebral de controle da tosse, que fica depri-
mido. O efeito obstipante é devido à ação nos receptores opioides nas células do intestino,
podendo ser utilizada também em medicações antidiarréicas. Seus principais efeitos co-
laterais são náuseas e vômitos, obstipação, miose, boca seca, prurido, tontura, confusão
e sedação, depressão respiratória, hipotensão por vasodilatação periférica secundária à
liberação de histamina. É contraindicada em casos de asma não controlada, alterações
respiratórias graves e obstrução intestinal. Possui baixo potencial como droga de abuso.

Sua forma via oral tem biodisponibilidade de 50%; 10% é metabolizado em morfina e o
restante em compostos conjugados inativos; 10% da população não metaboliza adequa-
damente a codeína em morfina, resultando em tratamento ineficaz da dor. Sua meia-vida é
de 2,5 a 3 horas.

A dose via oral recomendada para crianças é de 0,5 a 1mg/kg/dose a cada 4 a 6 horas,
para adultos de 15-60mg a cada 4 horas conforme necessário; a dose máxima isolada é de
60mg; a dose máxima diária foi de 360mg/dia.

Tramadol

É um análogo sintético da codeína, agonista puro não seletivo dos receptores opioides (mu,
delta e kappa) com afinidade maior pelo receptor µ (mu). Provoca inibição da recaptação
neuronal de noradrenalina e o aumento da liberação de serotonina. Sua potência é de 10 a
15 vezes menor que a potência da morfina. O pico médio de concentração sérica é atingido
após 45 minutos, e a biodisponibilidade é quase de 100%. Não tem efeito antitussígeno,
como a codeína, e não apresenta efeito depressor sobre sistema respiratório. Os efeitos
no sistema cardiovascular tendem a ser leves, com boa tolerância hemodinâmica. A moti-
lidade gastrintestinal é pouco afetada, mas pode causar constipação. Sintomas colaterais
comuns são tontura, náusea, vômitos, anorexia, boca seca e sonolência; também pode
causar retenção urinária. O uso de tramadol deve ser evitado em pacientes que apresentem
convulsões ou trauma craniencefálico ou que recebam drogas que baixem o limiar convul-
sivo. Em geral, o tramadol é um analgésico seguro e eficaz para dores de leve a moderada
em crianças.

A dose via oral recomendada para crianças de 4 a 16 anos é de 1 a 2mg/kg/hora a cada 4


a 6 horas; para maiores de 16 anos, dose de 50 a 100mg a cada 4 a 6 horas; máximo de
100mg/dose ou 400mg/dia.

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Nalbufina

A nalbufina é um opioide semissintético, analgésico narcótico agonista-antagonista, rela-


cionado quimicamente com o naloxone, com potência analgésica semelhante à da morfina,
três vezes mais potente que a codeína. Atua principalmente nos receptores Kappa como
agonista e antagonista parcial dos receptores mu. Produz depressão respiratória, porém
diferentemente, da morfina e outros opioides, há efeito teto. Quando administrada con-
comitantemente com analgésicos opioides mu agonistas, pode reverter parcialmente ou
bloquear a depressão respiratória narcótico-induzida, assim como potencializar o efeito de
outros analgésicos opioides e reduzir o efeito pruriginoso da morfina. Seus principais efeitos
colaterais são: tontura, cefaleia, sedação, náuseas e vômitos, e xerostomia.

É indicada no tratamento da dor moderada a forte. Sua analgesia tem duração de 3 a 6


horas. A meia-vida plasmática é de 5 horas. Seu início de ação é de 15 minutos quando
administrada via IM e de 2 a 3 minutos quando administrada via IV.

A dose intravenosa ou intramuscular recomendada para crianças de 1 a 14 anos é de 0,1 a


0,15mg/kg a cada 3 a 6 horas, com dose máxima de 20mg/dose e 160mg/dia.

Antagonista de opioides: naloxone

É o antagonista dos opioides, revertendo os efeitos principalmente de depressão respiratória,


sedação e hipotensão. Pode ser administrado via IV, IM ou intratraqueal, na dose de 0,1mg/kg.
Seu principal efeito colateral é a hipertensão, sendo que pode, também, causar abstinência.

Anti-inflamatórios não esteroides e paracetamol

São utilizados para dores leves a moderadas, podendo reduzir a utilização de opióides em
adultos e crianças em 15 a 30%.

O paracetamol, em conjunto com os opioides, produz melhor efeito analgésico do que so-
mente altas doses de opioides. Sua administração é feita VO, e a dosagem é de 10 a 15mg/
kg/dose a cada 4 a 6 horas, sendo que, em maiores de 12 anos, a dose é de 500mg. Como
efeito adverso, é importante ressaltar a insuficiência hepática, porém está associada à su-
perdosagem. Não possui efeito anti-inflamatório.

Dos AINEs, o de maior uso em UTI pediátrica é o cetorolaco, indicado para dores modera-
das a intensas, podendo ser administrado IV, em crianças maiores de 3 anos.

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A dose de ataque é de 0,5 a 1mg/kg, seguida por 0,3 a 0,5mg/kg a cada 6 horas. Em maio-
res de 12 anos, a dose é 30mg a cada 6 horas. Seus efeitos adversos são: dor abdominal,
úlcera péptica, diarreia, agranulocitose, inibição da agregação plaquetária, hepatite e dis-
função renal. Pode, ainda, aumentar o sangramento pós-operatório.

Cetamina

É um sedativo que produz dissociação cortical, o que pode fazer com que o paciente apre-
sente nistagmo e uma aparência cataléptica. Produz uma analgesia profunda, além de se-
dação e amnésia, sendo, por isso, bastante utilizada em UTI pediátrica, uma vez que reúne
mais de um objetivo na mesma droga. Suas formas de administração podem ser: oral, retal,
nasal, IV ou IM.

Seu uso intravenoso em baixas doses (1 a 2mg/kg) produz sedação e analgesia, enquanto
doses mais altas (4 a 6mg/kg) levam à anestesia geral.

Quando administrada IV, seu início de ação varia de 15 a 60 segundos após a dose, com
duração de 10 a 15 minutos, sendo a dose preconizada para esse tipo de administração
entre 0,5 a 2mg/kg. Já pela via intramuscular, seu tempo de ação varia de 3 a 5 minutos,
com duração média de 20 a 30 minutos, e a dose pode ser de 3 a 7mg/kg. A cetamina pode,
ainda, ser uma droga de infusão contínua, devendo ser titulada de 5 a 20mcg/kg/minutos
até se obter o efeito desejado.

Por permitir manter uma estabilidade hemodinâmica maior do que os opioides e benzodia-
zepínicos, muitas vezes é a droga de escolha para pequenos procedimentos em pacientes
cardiopatas, principalmente os com reserva cardíaca limítrofe, sendo que também é segura
em pacientes com hipertensão pulmonar. É uma boa opção para sedação de pacientes as-
máticos, por possuir propriedades broncodilatadoras, ao liberar catecolaminas e atividade
muscarínica, que relaxam a musculatura brônquica lisa.

No entanto, pode apresentar efeitos colaterais, como hipertensão, taquicardia, aumento da


PIC, alucinações, tremores, diminuição da resistência das vias aéreas superiores, aumento
da secreção brônquica e sialorreia (apenas em altas doses). As alucinações são mais fre-
quentes em adolescentes e adultos, e podem diminuir de incidência com o uso associado
de um benzodiazepínico em baixas doses, porém, nesse caso, aumenta-se o risco de ap-
neia. Pelo risco de aumento da PIC, é contraindicada em casos em que há suspeita de hi-
pertensão intracraniana, porém alguns estudos têm demonstrado que este efeito é mínimo
e questionam sua contraindicação.

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Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos são sedativos de ação específica nos receptores GABA (ácido gama-
-aminobutirico), os quais fazem parte do maior centro inibitório do sistema nervoso central.
São drogas capazes de produzir sedação e amnésia, porém sem efeito analgésico. Além
disso, possuem outros efeitos como ansiólise, relaxamento muscular e ação anticonvulsi-
vante. Seus principais representantes em UTI pediátrica são: midazolam, diazepam e lora-
zepam. Possuem, ainda, uma droga que antagoniza seus efeitos, o flumazenil.

Midazolam

Constitui o benzodiazepínico mais utilizado em nosso meio, podendo ser administrado por
VO, IV, IM e via nasal. Quando realizado pela via IV, seu início de ação é de 2 a 3 minutos,
com duração aproximada de 45 a 60 minutos. Além de sedativo, tem as vantagens de
induzir à amnésia retrógrada e ter ação anticonvulsivante. Normalmente, é utilizado em
combinação com opioides, porém esse fato pode aumentar o risco de complicações hemo-
dinâmicas e pulmonares. Sua dose pode variar de 0,1 a 0,2mg/kg/dose (em bólus) ou 0,05
a 3mg/kg/hora (infusão contínua).

Possui efeitos adversos, como bradicardia e hipotensão, principalmente quando realizado


em pacientes hipovolêmicos ou quando sua administração é feita em bólus. A rápida infu-
são desse medicamento pode levar a um quadro de agitação paradoxal. A depressão respi-
ratória é um efeito raro, porém mais comum quando há associação com opioides.

É uma droga de metabolização hepática, portanto, em pacientes graves, em que há uma


resposta inflamatória exacerbada, uso de diversas drogas ou quadros de hipóxia, pode ha-
ver diminuição do citocromo P450 isoenzima 3 a 4, levando a uma falha na metabolização
do midazolam.

Deve, ainda, ser utilizado com cautela em pacientes com insuficiência renal, pois a falha de
eliminação da seu metabólito ativo alfa-hidroxi-midazolam pode levar a um prolongamento
dos efeitos sedativos da medicação.

Lorazepam

O lorazepam é uma droga que também possui os efeitos de sedação e ansiólise típicos
dos benzodiazepínicos, porém, por ter uma meia-vida mais longa do que o midazolam, é
bastante empregada para desmame e tratamento de síndrome de abstinência. No Brasil, há

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apenas a versão via oral da medicação, que pode ser administrada a cada 4 a 8 horas, na
dose de 0,05 a 0,1mg/kg.

Diazepam

Possui propriedades de sedação, amnésia, ansiólise e anticonvulsivante, podendo ser ad-


ministrado VO e IV. É a droga de escolha no tratamento inicial da crise convulsiva, e sua
dose corresponde a 0,2 a 0,3mg/kg, quando administrado IV. Sua meia-vida é maior do que
a do midazolam, e seus efeitos colaterais podem ser similares.

Flumazenil

É a droga antagonista dos benzodiazepínicos, porém possui meia-vida mais curta, o que faz
com que frequentemente tenha que ser administrado mais de uma vez para reverter os efei-
tos indesejados. Sua administração é intravenosa, na dose de 0,01mg/kg/dose, com dose
máxima de 0,2mg. Pode levar a uma diminuição do limiar convulsivo, além de estimulação
simpática, podendo induzir a convulsões, hipertensão e arritmias.

Barbitúricos

Constituem uma classe de medicamentos capazes de induzir à sedação, hipnose e amné-


sia, porém sem propriedades analgésicas.

Seu principal representante na UTI pediátrica é o tionembutal, um barbitúrico de ação rápi-


da, que possui, ainda, bom efeito anticonvulsivante. Sua administração deve ser realizada
IV, com dose de ataque de 1 a 5mg/kg, e infusão contínua de 10 a 100mcg/kg/minuto.

Não podem ser administrados juntamente de bloqueadores neuromusculares, opioides (sul-


fentanil ou alfentanil) ou midazolam, pois diminuem o pH alcalino da droga, fazendo com
que haja precipitação no acesso venoso.

Seus principais efeitos colaterais são: depressão respiratória; vasodilatação periférica, le-
vando à hipotensão grave, diminuição do retorno venoso e redução do débito cardíaco;
diminuição do volume-minuto.

Os barbitúricos não possuem antídotos específicos.

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Propofol

O propofol (2,6-diisopropilfenol em óleo de soja 10%) foi, primeiramente, aprovado na Eu-


ropa em 1986 para indução e manutenção de anestesia em adultos e crianças acima de 3
meses. Por ser um agente sedativo-hipnótico com rápido início de ação (aproximadamente
10 a 50 segundos) e curta duração (aproximadamente 3 a 10 minutos), a droga rapidamente
tornou-se bastante popular em centros de terapia intensiva, por possibilitar uma rápida indu-
ção de anestesia, maior facilidade em titular o nível de sedação do paciente e ainda, uma rá-
pida recuperação da consciência após sua retirada. Além disso, para alguns pacientes com
patologias específicas, como traumatismo craniencefálico, pós-operatório de neurocirurgias,
dentre outras injúrias neurológicas, como convulsões, por exemplo, o uso de propofol tem
sido cada vez mais demonstrado como um fator neuroprotetor, por reduzir a demanda meta-
bólica cerebral, auxiliar no controle da PIC e possuir propriedades anticonvulsivantes.

No entanto, apesar de ser um excelente hipnótico e sedativo, não induzir à tolerância e nem à
dependência, e ser de fácil retirada, o propofol não é isento de efeitos colaterais. Sinais e sin-
tomas como hipotensão arterial, bradicardia e outras arritmias, reações alérgicas, dislipidemias
(hipertrigliceridemia), infecções, dentre outros, já foram relatados após infusão do medicamento.

Dentre todos os efeitos colaterais descritos pela droga, o mais temido e que fez com que
o uso do sedativo fosse classificado como off-license pela Food and Drug Administration
(FDA) é a síndrome de infusão do propofol (propofol-related infusion syndrome – PRIS),
descrita primeiramente em 1992, em um estudo com crianças gravemente doentes. Foi de-
finida como uma síndrome rara, porém potencialmente letal, que cursava com bradicardia,
evoluindo para falência miocárdica, acidose lática refratária, rabdomiólise, lipemia, insufici-
ência renal aguda e hipercalemia. Após sua descrição, inúmeras publicações subsequentes
relataram a presença da síndrome em crianças e adultos submetidos ao uso do propofol.

No entanto, como a PRIS ainda não apresenta uma fisiopatologia muito bem definida, e
seus sintomas podem ser confundidos com outros aspectos correlacionados ao paciente
grave, a literatura é muito vaga a respeito das reais contraindicações da medicação. Por
meio de uma análise retrospectiva, o que se pode concluir é que, na maioria dos artigos
em que a PRIS foi relatada, ela foi relacionada a infusão do propofol de forma contínua em
altas doses (acima de 4mg/kg/hora) e/ou por períodos prolongados (acima de 48 horas de
infusão). Estudos recentes apontam, ainda, que, em centros onde há um protocolo especí-
fico para a administração da droga, respeitando dose e duração de tratamento, o risco de
PRIS foi praticamente nulo. Outras publicações sugerem, também, que quando se há uma
monitorização adequada em pacientes recebendo propofol de maneira contínua, alguns

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sintomas da síndrome podem ser detectados precocemente, e a descontinuação do uso da


droga fez com que a síndrome, em si, não progredisse, com bom prognóstico do paciente.
O que se pode observar, tanto pela prática clínica, quanto pela revisão da literatura, é que,
apesar do propofol ter sido contraindicado para utilização em crianças em UTI pediátricas,
a droga continua fazendo parte do arsenal terapêutico de grande parte dos intensivistas
pediátricos em todo o mundo, uma vez que seus benefícios são mais frequentemente ob-
servados do que seus efeitos colaterais.

Sua administração é exclusivamente intravenosa, com a dose em bólus variando de 1 a


3mg/kg. Seu uso em infusão contínua, por ainda ser controverso, deve ser evitado em crian-
ças pequenas, sendo preferível em maiores de 12 anos. A dose não deve exceder 4mg/kg/h
e o tempo de uso deve ser menor que 48 horas, diminuindo a chance de desenvolvimento
da síndrome da infusão contínua.

Monitorização com eletrocardiograma e dosagem sérica de lactato, mioglobina, eletrólitos,


ureia e creatinina diários é recomendada. A presença de qualquer sinal ou sintoma que pos-
sa remeter à síndrome indica a suspensão imediata da droga.

Etomidato

O etomidato é um derivado imidazólico com efeito sedativo e hipnótico, de ação ultracur-


ta, com início em 30 a 60 segundos, com pico de ação em 1 minuto e de curta duração (3
a 5 minutos), sendo útil para procedimentos curtos em pacientes graves. Por apresentar
mínimos efeitos cardiovasculares, é uma boa opção para pacientes com pouca reserva
cardíaca.

Seus principais efeitos colaterais podem ser dor à infusão, náuseas, vômitos, apneia –
quando é feito em bólus – e supressão adrenal, relacionada ao uso prolongado ou múltiplas
doses da medicação.

A dose indicada varia de 0,2 a 0,4mg/kg, e a via IV é a única via de administração possível.

Hidrato de cloral

O hidrato de cloral é uma droga de efeito hipnótico e sedativo, sem efeito analgésico, de
administração oral. É rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal e convertido em seu
metabólito ativo, o tricloroetanol. Tem início de ação entre 15 e 60 minutos, com duração de
60 a 120 minutos.

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A dose pode variar de 25 a 50mg/kg, a cada 6 horas, não ultrapassando o máximo de 2g/
dia. É metabolizado principalmente pelo fígado, excretado na urina e bile. Como efeitos co-
laterais, pode causar irritação gástrica, excitação paradoxal, cefaleia e leucopenia.

É muito utilizado como adjuvante na sedação de pacientes pediátricos críticos, pois sua
associação com opioides e benzodiazepínicos faz com que, em grande parte das vezes,
consiga se usar uma quantidade menor dessas drogas, acarretando em menos efeitos ad-
versos para a criança.

Agonistas alfa-2-adrenérgicos

Clonidina

A clonidina é uma alfa-agonista de ação direta do receptor adrenérgico α2, levando à inibi-
ção do sistema nervoso central e à redução da atividade simpática.

Prescrita historicamente como agente anti-hipertensivo, possui também propriedades sedativas,


tendo uso amplo e diversificado: sedação em procedimentos ou em pacientes em VM, tratamen-
to da dor neuropática, desintoxicação por opioides, uso intratecal para alívio da dor em pacientes
oncológicos, hiperidrose do sono, tratamento do distúrbio do défice de atenção, tratamento da
insônia, e uso recente para alívio dos sintomas da menopausa e síndrome de Tourette.

Tem sido bastante estudada e utilizada como sedativo, principalmente em cirurgias, sendo
utilizada como premeditação anestésica, podendo substituir os benzodiazepínicos, já com
estudos comprovando uma diminuição na agitação e melhora da dor pós-operatória quan-
do comparada ao midazolam. Assim, ela conquistou espaço como droga sedativa, sendo
bastante empregada na sedação de pacientes em VM em UTIs, além de tratamento para
abstinência de opioides e outros sedativos narcóticos.

Como droga sedativa, tem as vantagens de não causar depressão respiratória, preservar a
função renal e manter os reflexos barorreceptores cardíacos e vasomotores. Também atua na
tolerância do organismo a outros sedativos, reduzindo a dose necessária de opioides e ben-
zodiazepínicos para sedação, e facilitando o desmame. Além disso, pode ser utilizada para
tratamento dos sintomas de abstinência e tem a possibilidade de ser administrada via oral.

Tem como efeitos colaterais: hipotensão, bradicardia, taquicardia, palpitações e hiperten-


são rebote – quando em doses elevadas e descontinuada subitamente. Além disso, pode
causar cefaleia, tontura, fadiga, insônia, ansiedade, depressão, constipação, rash de pele,
retenção de sódio e água.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Pode ser utilizada como agente sedativo por via oral, via parenteral contínua e via intratecal.
Em alguns países, há a opção de uso de clonidina via transdérmica (patches de clonidina)
para controle álgico, ainda não disponíveis no Brasil. Há alguns estudos que citam a pos-
sibilidade de uso por vias retal e intranasal como alternativa, porém essas vias ainda não
estão bem estabelecidas.

As doses da medicação, de acordo com a via de administração utilizada, podem ser vistas
no Quadro 7.

Quadro 7. Doses de clonidina para sedação e analgesia em pacientes pediátricos

Dose para sedação


Clonidina Observações
em pediatria

A biodisponibilidade da clonidina
via oral em adultos é de 75 a 100%,
1–5mcg/kg/dose a cada 8
Via oral mas, em crianças, é de 55,4%, sendo
horas
necessárias, portanto, doses maiores
em crianças para sedação

Crianças maiores podem precisar de


doses maiores (estudos realizados com
Intravenosa contínua 0,1–2mcg/kg/hora
doses até 3,6 mcg/kg/hora sem efeitos
colaterais significativos

8–10mcg/kg
via contínua: inicial: Indicada para pacientes oncológicos,
Via epidural 0,5–2mcg/kg/hora por meio de infusão subaracnóidea ou
adultos 30mcg/h, com peridural contínua
máximo 40mcg/h

Dexmedetomidina (Precedex ®)

É um agonista alfa-2 adrenérgico altamente seletivo, com efeitos sedativos, hipnóticos, anal-
gésicos e, ainda, ação ansiolítica. Possui ação mínima em receptores alfa-1 adrenérgicos, o
que pode levar a uma redução profunda nos níveis de catecolaminas e, consequentemente,
à queda da pressão arterial e da frequência cardíaca. Tem como vantagem o fato de manter
a estabilidade respiratória do paciente, além de produzir uma sedação “interativa”, em que
o paciente é facilmente acordado quando estimulado, preservando a função cognitiva.

Deve ser usado em associação com outras drogas, sendo que seu uso está associado a
uma redução significativa da dose e do uso de opióides.
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Camip

A via de administração preconizada é IV, com dose inicial de 1mcg/kg em 10 minutos, se-
guida por manutenção de 0,2 a 0,7mcg/kg/hora.

É contra-indicado em casos de hipovolemia, choque, bloqueios atrioventriculares e insufici-


ência cardíaca grave (fração de ejeção <0,30).

O resumo das principais drogas sedativas e analgésicas utilizadas em unidade de terapia


intensiva pediátrica está apresentado no Quadro 8.

Quadro 8. Principais drogas sedativas e analgésicas utilizadas em unidade de terapia


intensiva pediátrica

Início Duração Dose Observação

VO/IV 0,05 a
IV, IM: 0,2mg/kg/ - Depressão respiratória
IV: 5-10 min 3-5h dose a cada - Liberação histamina
Morfina
VO: 1h 2-4h - Diminuição motilidade
VO: 3-5h IV contínua: 10 a intestinal
60 mcg/kg/hora

IV: 1-3mcg/kg
Eventos adversos:
2-4h
IV: quase - Depressão respiratória
Fentanil IV: 30-60min IV dose contínua
imediata - Diminuição motilidade
na dose de 4mcg/
intestinal
kg/h

- Meia-vida longa
Início lento VO ou IV - Similar à morfina
Metadona Meia-vida VO: 4-8h 0,05 a 0,1mg/kg/ - Menos euphoria
longa > 24h dose a cada 4-6h - Recuperação lenta
- Usada para abstinência

VO:
0,20,3mg/kg/dose
IV:
Diazepam IV: 15-30min Máximo de 10mg - Depressão respiratória
1-3min
IV: 0,05-0,3 mg/kg
2-4h máximo

IM/IV/intranasal
IV: 20-30min 0,1-0,2 mg/kg/
IV: 1-5min
Midazolam IM: 2-6h dose (em bólus) - Depressão respiratória
IM/IN: até 5min
IN: 30-60min 0,05-3 mg/kg/hora
(infusão contínua)

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

No Brasil apenas - Abstinência


forma VO - Meia-vida longa
Lorazepam VO: 60min VO: 8-12h
VO: 0,05-0,1mg/kg - Apenas apresentação VO
4-8h

Dissociação: VO: 6-10mg/kg - Alucinações/sonhos


IV: 5-10 min. IM: 3-7mg/kg desagradáveis
IV: 30seg IM: 12-25min IV: 0,5 a 2 mg/ - Hipersalivação/Aumenta
Cetamina
IM: 3-4min Recuperação: kg em bólus ou a PIC
EV: 1-2hs 5-20mcg/kg/min - Pode melhorar
IM: 3-4h IV contínuo broncoespasmo

IV 1-3 mg/kg em
- Hipotensão
bólus contínuo Má-
Propofol IV: 30seg IV: 3-10min - Depressão respiratória
ximo 4mg/kg/hora
- Diminuição da PIC
por 48h

VO 25-50mg/kg a
Hidrato de - Efeitos não confiáveis
VO: 10-20min VO: 4-8h cada 6h
cloral idade >3 anos
Máximo: 2g/dia

IV ataque de - Bom efeito


1-5mg/kg anticonvulsivante
Tionembutal IV: 30-60seg IV: 5-30min
Contínua de 10- - Depressão respiratória
100mcg/kg/min - Hipotensão

IV: 5-15min - Apneia se em bólus


Etomidato IV: 30-60seg Meia-vida: IV: 0,2-0,4mg/kg - Pouco efeito
2-3h hemodinâmico

VO: 1-5 mcg/kg - Sedativo


dose a cada 8h - Analgésico e anti-
Clonidina VO: 30-60min VO: 6-10h
IV: 0,1-2 mcg/kg/ hipertensivo
hora - HAS rebote

IV ataque: 1 mcg/
- Mantém drive respiratório
Dexmede- kg em 10 minutos
IV: 5-10min IV: 60-120min - Bradicardia ou
tomidina Manutenção 0,2-
hipotensão
0,7 mcg/kg/hora

IV: intravenoso; VO: via oral; IM: intramuscular; PIC: pressão intracraniana; HAS: hipertensão arterial
sistêmica; IN: intranasal

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Tolerância e abstinência

Definições e aspectos históricos

O uso de sedativos e analgésicos pode cursar com tolerância, abstinência, dependência


física e psíquica.

• Tolerância: é a redução no efeito da droga ao longo do tempo de uso ou a necessidade de


aumentar sua dose para conseguir os mesmos efeitos que anteriormente se obtinham com
dose menor. Observa-se que a concentração plasmática da substância se mantém cons-
tante com uma certa dose da medicação, porém seu efeito no organismo é inferior ao ob-
servado no início de seu uso. A tolerância está relacionada com alterações nos receptores
distais (principalmente dessensibilização e aumento da regulação da via do AMP cíclico).

• Síndrome de abstinência: se refere ao conjunto de sinais e sintomas que geralmente


ocorrem quando um sedativo ou analgésico é abruptamente interrompido em um paciente
que é fisicamente tolerante.

• Dependência física: definida como a necessidade de manter o uso de um sedativo ou


analgésico para prevenir a abstinência.

• Dependência psicológica: é a necessidade de uma substância pelos seus efeitos


de euforia.

• Vício: se caracteriza por um padrão complexo comportamental caracterizado pelo uso


repetitivo, compulsivo, antissocial ou comportamento criminal para obter a droga.

É importante ressaltar que dependência psicológica e o vício são extremamente raros após
o uso adequado de sedativos e analgésicos em UTI.

A presença de dependência física e abstinência em pediatria foi primeiramente observada


nas décadas de 1970 e 1980, em filhos de mães dependentes de opioides (heroína). Arnold
et al. foram um dos primeiros a descreverem a tolerância e a abstinência secundária ao uso
prolongado de opioides em UTI pediátricas, observando a necessidade de aumento da in-
fusão de fentanil para atingir mesmo efeito de sedação após certo tempo de uso da droga.

Tolerância, dependência física e abstinência ocorrem principalmente devido ao uso de opioi-


des (fentanil e morfina), mas também há relatos de abstinência por benzodiazepínicos (mida-
zolam), barbitúricos (pentobarbital), isoflurano e propofol (esse último com poucos estudos a
respeito, em razão da pouca experiência dessa medicação como sedativo de uso prolongado).
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A tolerância ao uso de opioides geralmente se desenvolve após terapia por mais de 72 ho-
ras, que corresponde ao tempo de ocupação dos receptores neurais. A infusão contínua de
opioides tende a induzir à tolerância mais rapidamente que seu uso intermitente. Crianças de
menor idade costumam desenvolver mais tolerância que crianças mais velhas, porém crian-
ças mais velhas podem ser mais sintomáticas quanto à abstinência do que crianças menores.

Apesar da prevalência da síndrome de abstinência ainda ser desconhecida, Twite et al.


constataram ser um problema presente em 94% das UTIs pediátricas estudadas.

Classificação dos grupos de risco

O primeiro passo na prevenção e no tratamento da síndrome de abstinência é a definição


dos grupos de risco.

A dose total de sedação utilizada em um certo período e o número de dias de uso de seda-
ção são considerados os principais fatores de risco para síndrome de abstinência. Segundo
Katz et al., 50% dos pacientes submetidos ao uso de dose total de fentanil ≥1,5mg/kg ou
duração do uso ≥5 dias apresentaram sinais e sintomas de abstinência, assim como a dose
total de fentanil ≥2,5mg/kg ou uso por tempo ≥9 dias foi associado com 100% de evolução
com abstinência. Outros estudos reduzem o tempo de uso de risco para 3 dias consecu-
tivos e associam o fato da necessidade de dobrar a dose de opioide como maior fator de
risco, relacionando doses baixas iniciais de opioide como indutoras de maior tolerância do
que doses iniciais mais elevadas. Alguns estudos em animais sugerem que o midazolam
poderia aumentar o grau de tolerância do organismo aos opioides.

Outras drogas foram estudas quanto ao nível de risco para desenvolver tolerância e absti-
nência, entre elas: dose total de isoflurano ≥70, dose total de midazolam ≥60mg/kg e pen-
tobarbital ≥25mg/kg.

Não existem marcadores clínicos, fisiológicos ou bioquímicos que possam ser utilizados na
identificação do desenvolvimento de tolerância a opioides.

Independente do agente utilizado para sedação e analgesia, a partir do momento em que


se inicia a redução da dose, deve-se ficar atento quanto à presença de sinais e sintomas
sugestivos de abstinência.

Diagnóstico da síndrome de abstinência

O diagnóstico de abstinência se dá por meio de sinais e sintomas clínicos característicos:


agitação, febre, ansiedade, insônia, diarreia, vômitos, inapetência, tremores, hipertonia, ta-
quicardia, taquipneia, sudorese, hipertensão.

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Deve-se salientar que a abstinência é sempre diagnóstico de exclusão, sendo necessária a


investigação ampla de outras patologias antes de concluir abstinência.

Algumas escalas foram desenvolvidas visando facilitar o diagnóstico e orientar a conduta


diante de quadros de tolerância e abstinência a medicações. Nenhuma delas é considerada
padrão-ouro para diagnóstico de síndrome de abstinência.

A escala Modified Finnegan Neonatal Narcotic Abstinence Scale foi originalmente desenvol-
vida para avaliar recém-nascidos de mães dependentes de heroína, assim como o escore
de Finnegan (Neonatal Abstinence Score – NAS) (Quadro 9), desenvolvido em 1975, porém
atualmente ainda muito utilizado. Ambos são criticados por incluírem critérios que podem
ser aplicados na população neonatal, mas que não se encaixam na avaliação da população
pediátrica ou pacientes em VM.

Quadro 9. Escore de Finnegan (Neonatal Abstinence Score – NAS)

Sinais/sintomas Escores

Excessivo 2
Choro
Contínuo 3

<1 3

Sono após alimentação (hora) <2 2

<3 1

Reflexo de Moro Hiperativo 2

Leve, interrompível 1

Tremores Moderado, interrompível 2

Moderado, ininterrupto 3

Aumento do tônus muscular 2

Bocejos frequentes 2

Escoriações 1

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Convulsões 5

Sudorese 1

37,8–38,3°C 1
Febre
> 38,3°C 2

Moteamento 1

Congestão nasal 1

Espirros 1

Prurido nasal 2

> 60 movimentos/minuto 1
Frequência respiratória
> 60 com retrações 1

Sucção excessiva 1

Alimentação insuficiente 2

Regurgitação 2

Vômitos em jato 3

Semipastosas 2
Evacuações
Líquidas 3

Escore de zero a 7 indica abstinência leve, de 8 a 11, moderada, e de 12 a 25, grave. Fonte: Finnegan
LP. Neonatal abstinence syndrome: assessment and pharmacotherapy. In: Nelson N, editor. Current
therapy in neonatal-perinatal medicine. 2 ed. Ontario: BC Decker; 1990.

A escala Opioid and Benzodiazepine Withdrawal Scale (OBWS) é composta por 21 itens
que avaliam a frequência e gravidade dos sintomas de abstinência. Essa escala foi poste-
riormente resumida em uma escala de 12 itens, mais prática de ser utilizada, a Withdrawal
Assessment Tool 1 (WAT-1), validada para uso em pacientes pediátricos gravemente enfer-
mos sob uso de benzodiazepínicos e opioides na UTI, sendo fácil de ser aplicada à beira
do leito, eficiente e com a vantagem de apresentar excelentes propriedades psicométricas.
Atualmente tem sido o método mais recomendado para avaliação de abstinência em pedia-
tria. A escala WAT-1 está representada no Quadro 10.

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Quadro 10. Escala Withdrawal Assessment Tool 1 (WAT-1)

Fonte: Franck LS, Harris SK, Soetenga DJ, Amling JK, Curley MAQ. The Withdrawal Assessment Tool
- Version 1 (WAT-1): an assessment instrument for monitoring opioid and benzodiazepine withdrawal
symptoms in pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(6):573-80

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Manejo clínico da tolerância e síndrome de abstinência

Tratamento

O uso de sedativos/analgésicos deve ser titulado a ponto de encontrar a menor dose ca-
paz de oferecer ao paciente analgesia e sedação adequadas. Quando o uso de sedativos
e analgésicos já não é mais necessário, deve-se reduzir progressivamente sua velocidade
de infusão até sua retirada completa. Neste processo, é possível o paciente desenvolver
abstinência. Diversos esquemas foram propostos para tentar prevenir e tratar a síndrome
de abstinência em pacientes em uso de sedação/analgesia prolongada, utilizando-se me-
dicações de mesma classe terapêutica, porém com vias diferentes de administração (oral
ou subcutânea) e potências e meias-vidas distintas, visando ao desmame lento dessas dro-
gas. Nesta terapêutica, tem-se utilizado principalmente a metadona e o lorazepam (admi-
nistração via enteral) como respectivos substitutos do fentanil e midazolam (administração
intravenosa contínua). Nesta troca, é preciso calcular a dose equivalente de metadona e
lorazepam em relação à dose utilizada de fentanil e midazolam, levando em consideração a
potência de cada droga e sua meia-vida (Quadro 11).

Quadro 11. Conversão fentanil-metadona

Potência fentanil:metadona = 100:1


Meia-vida de ação fentanil:metadona = 1:75–100
A dose inicial de metadona deve ser equivalente à dose total diária de fentanil
A dose diária de metadona deve ser dividida a cada 12 horas

Conforme esquema proposto por Tobias et al., após a segunda dose oral de metadona, a infu-
são de fentanil deve ser reduzida em 50%. Após a terceira dose de metadona, nova redução do
fentanil em 50%, até sua suspensão completa após a quarta dose. Após a segunda dose oral de
lorazepam, a infusão de midazolam é reduzida em 50%, após a terceira dose, reduzem-se mais
50% e após a quarta dose pode-se suspender definitivamente o midazolam (Quadro 12).

Quadro 12. Conversão midazolam-lorazepan

Potência midazolam:lorazepan = 1:2


Meia-vida de ação midazolam:lorazepan = 1:6
A dose inicial de lorazepam deve ser equivalente à dose total diária de midazolam dividida por 12.
A dose diária de lorazepam deve ser dividida a cada 6 horas.

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O paciente deve ser mantido, então, com metadona e lorazepam. Caso apresente sintomas
de abstinência mesmo com o uso dessas medicações, esses sintomas devem ser pontuados
de acordo com alguma tabela referência para abstinência, no caso Tobias et al. utilizaram a
escala de Finnegans, porém para pacientes pediátricos recomenda-se atualmente a WAT-1.

Se o paciente pontuar para abstinência deve ser medicado com dose de resgate de mor-
fina de 0,05mg/kg/dose. A dose total de morfina necessária em um período de 24 horas é
acrescentada à dose de metadona do próximo dia. Doses de resgate de morfina podem
ser usadas conforme necessário nas próximas 72 horas desde o início do desmame da
sedação contínua, corrigindo-se a dose da metadona de acordo com as doses de morfina
realizadas também por 72 horas. Após esse período, a dose de metadona deve ser mantida,
sem novos acréscimos.

Caso ocorra sedação excessiva, uma dose de metadona não é realizada e sua administra-
ção decresce de 10 a 20%. Quando uma dose apropriada é atingida, o paciente pode ter
alta para enfermaria e, depois, para casa, se a equipe médica assegurar seguimento clínico
ambulatorial e confiar na capacidade da família em administrar corretamente as medica-
ções. Segundo Tobias et al., a dose de metadona deve ser reduzida em 20% uma vez por
semana até sua suspensão total, em média após 5 a 6 semanas de tratamento.

Esse esquema proposto requer várias semanas de uso da metadona e lorazepam até a reti-
rada total, podendo prolongar a internação. Para acelerar a retirada de drogas e continuar a
prevenção de abstinência, diversos autores sugeriram esquemas alternativos de desmame
de analgésicos e sedativos, visando a uma terapia mais rápida e eficaz, possibilitando a in-
terrupção completa das medicações ainda em meio hospitalar, sem prolongar a internação
do paciente, e evitando o risco da má administração e da perda de seguimento médico ade-
quado de quando o paciente recebe alta com uso de metadona e lorazepam em domicílio.
A dose é calculada como sugerido por Tobias et al., assim como a necessidade de resgate
é feita com morfina e a adição das dose também são associadas até 72 horas após o início
do desmame, porém a retirada das drogas é mais rápida.

Por recomendação do National Institutes of Health (NIH), publicada em 2010, o desmame


de metadona, pode ser feito de acordo com o tempo em dias de uso do fentanil, divididos
de 7 a 14 dias e maior que 14 dias, como mostra o Quadro 13.

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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 13. Protocolo de desmame de metadona após terapia com opióides

Desmame de metadona após terapia com Opioides

Sedação contínua de curta duração Sedação contínua de longa duração


(7-14 dias) (>14 dias)

Dia 1: dose total metadona Dia 1: dose total metadona


VO a cada 6 horas por 24 horas VO a cada 6 horas por 24 horas

Dia 2: reduzir dose total em 20%, Dia 2 dose total metadona


administrar a cada 8 horas por 24 horas VO a cada 6 horas por 24 horas

Dia 3: reduzir dose total em 20%, Dia 3: reduzir dose total em 20%,
administrar a cada 8 horas por 24 horas administrar a cada 6 horas por 48 horas

Dia 4: reduzir dose total em 20%, Dia 5: reduzir dose total em 20%,
administrar a cada 12 horas por 24 horas administrar a cada 8 horas por 48 horas

Dia 5: reduzir dose total em 20%, Dia 7: reduzir dose total em 20%,
administrar a cada 24 horas por 24 horas administrar a cada 12 horas por 48 horas

Dia 9: reduzir dose total em 20%,


Dia 6: suspender metadona
administrar a cada 24 horas por 48 horas

Dia 11: suspender metadona

VO: via oral. Fonte: Robertson RC, Darsey E, Fortenberry JD, Pettignano R, Harley G. Evaluation of an
opiate - weaning protocole using methadone in pediatric intensivo are unir patients. Pediatr Crit Care
Med. 2000;1(2):119-23.

Estudos recentes mostram que o uso de altas doses de metadona no desmame de opioides
não são mais eficazes que o uso de baixas doses.

Profilaxia da síndrome de abstinência

Despertar intermitente

Trata-se de períodos diários em que a sedação contínua é interrompida e mantida pausada


até o despertar do paciente, retornando após um intervalo mínimo de tempo estipulado em
cada serviço ou se o paciente evolui com agitação importante e desconforto.

Há evidências de que essa prática resulta como efeitos benéficos: redução do tempo de VM
e de internação hospitalar, maior número de dias acordados, menor dose acumulada total
de midazolam, menor custo. Porém, por outro lado, durante o período de despertar, pode
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Capítulo 4 | Sedação e analgesia em pediatria
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haver maior risco de extubação acidental. Porém não foi observada diferença significativa
na ocorrência de eventos adversos entre pacientes submetidos ou não à prática do desper-
tar intermitente.

Rodízio de medicações sedativas e analgésicas

Técnica frequentemente utilizada em UTI adulto, consiste na troca de sedativos e analgé-


sicos após certo período de uso por outros do mesmo grupo ou de grupos diferentes. Há
evidências de que essa técnica reduz significativamente o risco de tolerância e a abstinên-
cia a opioides e benzodiazepínicos. Surge como opção para pacientes pediátricos com
alto risco para abstinência, ou seja, aqueles que recebem terapia com opioides por mais
de 7 dias. Wheeler et al. demonstraram que pacientes que receberam rodízio de sedação
com midazolam, fentanil e Precedex® decmedetomidina não desenvolveram tolerância ou
sintomas de abstinência e receberam alta da UTI mais precocemente que os pacientes que
receberam um único agente sedativo por 5 dias.

Cetamina como profilaxia

Estudos com pacientes oncológicos mostraram que a infusão de cetamina contínua adju-
vante ao uso de opioides, em dose baixa de 1mg/kg/h, leva a uma melhora significativa no
controle da dor e na capacidade das crianças para interagir com sua família. Isso ocorre
possivelmente pela maior sensibilização dos neurônios aferentes primários, o que leva a
maior produção e maior liberação de neurotransmissores excitatórios e diminuição da re-
captação de neurotransmissores excitatórios.

Clonidina como profilaxia

Tem sido cada vez mais empregada no uso adjuvante aos opioides, com estudos mostran-
do que a clonidina reduz a tolerância do organismo aos opioides, sendo necessárias meno-
res doses destes, além de redução dos sintomas de abstinência.

Dexmedetomidina (Precedex®) como profilaxia

Também tem sido utilizado em no tratamento da abstinência, com a grande vantagem de


poder ser utilizado em pacientes em ventilação espontânea, pois não deprime o sistema
respiratório. Estudos mostram que o uso de dexmedetomidina previne sintomas de abs-
tinência e seu uso conjunto com opioides e benzodiazepínicos diminui a tolerância do or-
ganismo a essas drogas, reduzindo a dose necessárias dessas medicações para sedação.

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Gabapentina como profilaxia

A gabapentina é um anticonvulsivante que atua nos canais alfa-2 de cálcio e tem como efei-
to analgésico a redução da dor neuropática. Estudo com adultos em tratamento de desin-
toxicação de opioides mostrou que a gabapentina atenuou sintomas relacionados a absti-
nência (dor nas costas, tremores de membros e síndrome das pernas inquietas) e aumentou
tolerância a estímulos dolorosos. Porém, não há estudos avaliando o uso de gabapentina
no tratamento da síndrome de abstinência em pediatria.

Outras técnicas adjuvantes para profilaxia da síndrome de abstinência

Propofol: Facilita a redução rápida da infusão de benzodiazepínicos


e opioides.

Propoxifeno: Tratamento tolerância induzida pela morfina, pequena


tolerância cruzada com morfina, redução VM.
Precisa de mais estudos.

Analgesia contínua epidural: Utiliza doses menores de opioides, menor risco de


tolerância e abstinência, maior controle da dor.

Naloxone baixa-dose: Aumenta eficácia da analgesia por opioides e


reduz tolerância.

Inibidores da enzima óxido A inibição da NOS reduz as modificações


nítrico sintase (NOS): neuroadaptativas associadas à dependência de opioides.
Alguns ensaios clínicos sugerem o uso de 7-nitroindazol
(7-NI), um inibidor seletivo da NOS neuronal (nNOS),
no tratamento de dependência de opioides, com bons
resultados, porém com risco de hepatotoxicidade.

Uso de inibidores da Estudos preliminares sugerem que o uso de fluoxetina


recaptação de serotonina: pode reduzir o desenvolvimento de tolerância à morfina.

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Considerações finais

Diante da importância e da necessidade de sedação e analgesia em unidade de terapia


intensiva pediátrica, e tendo em vista seus possíveis riscos e complicações, é necessária
a implantação de protocolos tanto de sedação e analgesia, como de desmame de drogas
sedativas e analgésicas em cada unidade, visando à redução do uso total de sedativos, e
reduzindo, assim, o risco de complicações e o tempo de internação hospitalar.

Apesar da importância de protocolos e guidelines sobre sedação e analgesia em Pediatria,


não existe um consenso sobre a melhor estratégia sedativa e analgésica nesta área.

As revisões sistemáticas sobre sedação e analgesia em Pediatria chamam a atenção para o


pequeno número de estudos com bom nível de evidência e para a escassez de dados que
possam guiar a prática clínica. Assim, é necessário maior número de ensaios clínicos contro-
lados-randomizados sobre sedação e analgesia em unidades de terapia intensiva pediátricas.

É recomendado que cada unidade tenha seu protocolo de sedação e analgesia e que cada
paciente tenha um plano terapêutico individualizado, o qual deve ser diariamente reavaliado
e modificado de acordo com a necessidade clínica, visando sempre ao menor uso de dro-
gas sedativas e à menor taxa de complicações.

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Choque Circulatório
Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
5
Capítulo 5 em Pediatria
Choque circulatório em pediatria

Cid Eduardo de Carvalho


Fábio Henrique De Nuncio
Cid Eduardo de Carvalho
Fábio Henrique de Nuncio
Introdução

Os estados de choque têm em comum o desequilíbrio da oferta e consumo de oxigênio


pelas células. Todos implicam na queda do metabolismo celular e em anaerobiose, com
produção excessiva de lactato. Os estados de choque podem ser reconhecidos por: taqui-
cardia ou bradicardia, taquipneia, febre ou hipotermia, hipotensão, pulsos cheios ou pulsos
finos e má perfusão (tempo de enchimento capilar – TEC prolongado ou pele mosqueada,
alteração do estado mental, oligúria e aumento do lactato).

Em geral, nas diversas situações de choque, as crianças respondem à infusão de cristaloide,


que nunca deve ser postergada. Não hesitar em usar punção intraóssea para iniciar a ressus-
citação volêmica, pois, em muitas situações rotineiras da pediatria, a dificuldade de acesso
venoso é iminente - como a de pacientes crônicos, com rede venosa periférica prejudicada,
lactentes jovens ou prematuros, crianças desnutridas ou muito desidratadas, ou ainda muito
mal perfundidas. Pequenas alíquotas de 20mL/kg devem ser infundidas em bólus rápido,
enquanto reavalia-se a melhora da FC ou da perfusão periférica. Se houver suspeita de
disfunção cardíaca, alíquotas menores (5 a 10mL/kg) devem ser feitas, com atenção para o
surgimento de crepitações pulmonares, para aumento do fígado e ritmo de galope.

Dentre os tipos de choque, o séptico é o que tem sido mais investigado, e muitos estudos
reforçaram que o atraso para instituir o tratamento adequado, guiado por metas, piora so-
bremaneira a mortalidade. A cada hora sem atendimento adequado, aumenta-se a mortali-
dade em 40%.

Caso 1

Lactente, 1 mês e 8 dias de vida, nascido de termo, sem intercorrências pré e pós-natais,
estava em investigação de megacólon congênito. Mãe relatava que no dia anterior o pa-
ciente realizara biópsias de reto em outro hospital e teve alta no final da tarde. Hoje notou
sangramento junto às fezes que se tornou mais intenso à noite. Ao exame físico de entrada,
o paciente apresentava-se hipoativo, pouco reativo ao exame, muito descorado (3+/4), mu-
cosas secas, acianótico, anictérico e afebril; fontanela pouco deprimida; murmúrio vesicular

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

presentes bilateralmente e sem ruídos adventícios, taquipneico, mas sem dispneia, frequên-
cia respiratória (FR) de 65ipm, saturação de oxigênio (SatO2) 98%, frequência cardíaca (FC)
178bpm, pressão arterial (PA) 52x30mmHg, abdome semigloboso, com ruídos hidroaéreos
presentes, indolor, sem massas e sem visceromegalias; extremidades frias e com TEC de
5 segundos, pulsos finos e simétricos. Ao abrir a fralda do paciente, visualiza-se grande
quantidade de sangue vermelho-vivo e coágulos.

Qual o tipo de choque nesse cenário e quais as primeiras medidas a


serem realizadas
Para o tratamento do choque hemorrágico, deve-se iniciar expansão volêmica imediata-
mente com 20 mL/kg em bólus, pois a criança apresenta sinais evidentes de choque (taqui-
cardia, taquipneia, extremidades frias e TEC prolongado, além da hipoatividade). Primeiro,
avaliar a via aérea e assegurar a oferta de oxigênio, enquanto outro ajudante realiza moni-
torização cardíaca e de PA.

Este paciente não apresentava comprometimento da via aérea, tampouco da expansibilida-


de torácica. Então, após monitorização, ele foi preparado para punção venosa ou intraós-
sea, sem demora.

O paciente que teve hemorragia volumosa ou que apresentou perdas contínuas pode não
melhorar apenas com três expansões rápidas de cristaloide (20mL/kg cada). É preciso con-
siderar a necessidade de maior infusão de volume rapidamente, enquanto ocorrer perda
ativa ou se a perda for muito volumosa.

Solicitar coleta de exames (dosagem de hemoglobina, plaquetas, fibrinogênio e coagulo-


grama), mas principalmente tipagem sanguínea.

Neste paciente, a fonte de sangramento não se tratava de uma lesão em vaso calibroso,
fratura de osso longo ou laceração de víscera, por exemplo. Após as expansões com cris-
taloide, ele começou a melhorar a perfusão e a FC foi a 145bpm.

No entanto, alguns minutos mais tarde, após um episódio de choro e contorções abdo-
minais, apresentou evacuação sanguinolenta em grande quantidade e voltou a apresentar
taquicardia (167bpm), com extremidades frias e palidez de mucosas.

Você aguardaria quanto tempo até saber o resultado da hemoglobina


para decidir sobre a necessidade de transfusão de hemácias?
Em casos de sangramento volumoso, dificilmente deixaremos de transfundir hemácias para
o paciente, pois se já apresentar má perfusão ou hipotensão, é provável que a perda tenha
atingido pelo menos de 20a 25% da volemia. Portanto, não aguardar o resultado de he-
moglobina (Hb) ou hematócrito (Ht) para solicitar a bolsa de hemácias. Avisar o banco de
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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

sangue e, logo no início da ressuscitação volêmica, encaminhar amostra de sangue para


tipagem sanguínea é uma medida importante que garante a transfusão de sangue com ti-
pagem adequada.

Pode-se introduzir dopamina em acesso periférico diluída para evitar lesão por extravasa-
mento e por flebite e, assim, garantir melhor pressão para perfusão dos órgãos.

Ressalta-se a importância do foco para a causa do choque: no choque hemorrágico cessar


o sangramento é primordial para a estabilidade hemodinâmica. É indiscutível o papel da
ressuscitação volêmica e da transfusão de concentrado de hemácias nesse caso e, quando
o sangramento é profuso, podem ser necessárias transfusões de plasma fresco congela-
do e de plaquetas, pois o paciente apresentava consumo dos fatores de coagulação e de
plaquetas. A transferência para um hospital de referência não deve ser demorada, se não
houver disponibilidade de cirurgiões no serviço. Assim que obtiver melhora da perfusão e
melhora da hipotensão com as expansões e transfusões e que garantir via aérea segura,
não se deve retardar a transferência para um serviço onde o paciente possa ser avaliado
para o tratamento definitivo da fonte de hemorragia.

A introdução de noradrenalina ou dopamina não deve ser demorada nesses pacientes, pois
em casos de perdas sanguíneas volumosas, pode ser necessária muita reposição volêmi-
ca para atingir estabilidade de perfusão e da PA. Não se deve esperar por acesso venoso
central para iniciar as drogas vasoativas, pois quanto mais tempo o paciente permanecer
hipotenso, maiores podem ser as sequelas neurológicas e a disfunção dos demais órgãos.
No entanto, se houver acesso venoso central, introdução de noradrenalina e também de va-
sopressina está indicada para garantir a PA e a perfusão adequadas, enquanto aguarda-se
o cirurgião. Apesar de a noradrenalina ser usada com maior frequência, a vasopressina tam-
bém tem demonstrado em estudos animais que melhora sobrevida, melhora o prognóstico
neurológico e promove melhora hemodinâmica no choque hemorrágico.

Em pacientes que recebem grandes volumes de hemocomponentes, atentar-se para a ne-


cessidade de repor cálcio, dosando o cálcio iônico. O citrato utilizado para anticoagulação
das bolsas de sangue pode quelar o cálcio da corrente sanguínea, o que atrapalha ainda
mais a cascata de coagulação, que depende do cálcio para a ativação de seus diversos fa-
tores. É necessária, principalmente nas primeiras horas, a coleta de amostra para gasome-
tria arterial, eletrólitos e glicemia, os quais podem antecipar dados sobre os distúrbios que
atrapalham a contratilidade e a manutenção do tônus vascular (como acidose metabólica e
respiratória, hipocalcemia, hipopotassemia e hipomagnesemia). Dosagem da ureia e da cre-
atinina pode indicar a piora da lesão renal aguda e indicar necessidade de terapia dialítica.
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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

Caso 2

Recém-nascido de 23 dias de vida chegou ao pronto-socorro com história de cansaço e


diminuição das mamadas há 1 dia. Mãe negou febre, tosse, diarreia ou vômitos. Referiu que
estava em aleitamento materno exclusivo, negou intercorrências ao nascimento, nascido de
38 semanas, pesando 3.400g. Na chegada pesou 3.660g.

No pronto-socorro, avaliaram-no como desidratado e possivelmente séptico, pois estava


taquicárdico (FC de 195bpm), taquipneico (FR de 82ipm), normotérmico (36,2º axilar), com
extremidades frias e rendilhadas, TEC de 5 segundos. Ele foi colocado sob máscara de
O2, 5L/min, devido à taquipneia. Foi obtido acesso venoso periférico e realizada expansão
com 20mL/kg em bólus. Dose de ataque de ampicilina e amicacina foi realizada. Paciente
evoluiu com piora da taquidispneia, mantendo má perfusão e aumento da FC até 230bpm
após término da expansão. Foi introduzida dopamina 5mcg/kg/min e encaminharam-no
para unidade de terapia intensiva (UTI).

Após chegada à UTI pediátrica, o paciente apresentou-se com FC de 240bpm, FR de 75ipm,


SatO2 de 88%, PA de 62x35mmHg, TEC de 8 segundos, pulsos finos, extremidades frias, com ti-
ragem subcostal e intercostal moderada a grave. Fígado rebaixado até fossa ilíaca direita (12cm),
estertores crepitantes bilateralmente, até terço médio. Foi realizada sequência rápida de intu-
bação e a dopamina foi pausada. Solicitado Eletrocardiograma (ECG) após intubação revelou
taquiarritmia com RR regular, QRS estreito e ausência de ondas P, com FC de 248bpm.

Quais as possíveis causas para o choque e como você classificaria


esse tipo de choque?

O que mais chamou atenção neste caso foi a taquiarritmia, que não respondeu à infusão de
cristaloides e tampouco melhorou com dopamina. Não se apresentou tão descorado para
suspeita de hemorragia e, além disso, conforme o paciente recebeu expansões, ao invés de
melhorar, apresentou piora da FC e da perfusão, tornando-se mais frio e sudoreico.
Ou seja, são sinais indicativos de taquiarritmia com repercussão hemodinâmica, provável
choque cardiogênico.

Qual a medicação de escolha para o tratamento e a reversão da arritmia?

Tratava-se de taquicardia supraventricular, que pôde ser revertida com sucesso após ade-
nosina 0,1mg/kg/dose, com queda instantânea da FC de 248 para 166bpm. A melhora da
perfusão foi instantânea.

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quais exames devem ser solicitados para prosseguir com


a investigação?

O ecocardiograma auxiliaria o diagnóstico. Nesse caso, o recém-nascido foi diagnosticado


como taquiarritmia, com disfunção moderada de ventrículo esquerdo (VE) secundária à ta-
quiarritmia e ainda com trombo mural em átrio direito, pois provavelmente já estava arrítmi-
co há muita horas, antes mesmo da chegada ao pronto-socorro.

Para o tratamento do choque cardiogênico, a introdução de inotrópico é imperativa, assim


como a restrição de volume também é essencial. Pois, após insulto isquêmico, o miocárdio
disfuncional possui força contrátil insuficiente para garantir débito cardíaco e perfusão ade-
quados. Acontece que, se o paciente estiver hipervolêmico, isso aumenta muito a resistên-
cia periférica e dificulta mais o trabalho do miocárdio já lesionado. A extração de excesso
de volume, por intermédio de hemodiálise contínua, deve ser cogitada caso o paciente não
apresente resposta aos diuréticos, pois a disfunção miocárdica promove lesão renal aguda
na maioria dos casos, e muitos pacientes podem evoluir com oligoanúria.

Para melhorar o débito cardíaco, a PA e a perfusão, lançamos mão de dobutamina, prefe-


rencialmente em doses de 5 a 10mcg/kg/min, podendo atingir até 20mcg/kg/min. Em doses
maiores, pode predispor arritmias e ainda aumentar o consumo miocárdico de oxigênio e de
cálcio. Já a adrenalina em doses muito baixas, como 0,05 a 0,3mcg/kg/min também é larga-
mente empregada por seu efeito beta-adrenérgico e suas ações cronotrópica e inotrópica.
Também aumenta o consumo de oxigênio. Em doses elevadas, promove vasoconstrição,
piorando mais ainda o débito cardíaco.

Em particular, o milrinone tem se mostrado uma medicação promissora, porque é inotrópica


e também inodilatadora (isto é, promove relaxamento da musculatura cardíaca) e vasodila-
tadora periférica e pulmonar. Ele está contraindicado apenas em paciente com insuficiência
mitral moderada a grave, porque aumenta a congestão pulmonar e também naqueles pa-
cientes muito hipotensos, pois o milrinone pode acentuar a queda pressórica.

A associação de milrinone (0,3 a 0,75mcg/kg/minutos) e adrenalina em doses baixas (0,05


a 0,2mcg/kg/minutos) é utilizada largamente nas UTIs cardiológicas pediátricas para tratar
a disfunção miocárdica com resultados satisfatórios.

É importante enfatizar que, diante do quadro de choque cardiogênico, a manutenção de


pressão positiva em vias aéreas, com emprego de CPAP (sigla do inglês: Continuous Posi-
tive Airway Pressure, Pressão de Distensão Contínua nas Vias Aéreas) ou ventilação com

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

pressão de suporte (PSV) , ou ainda intubação e ventilação mecânica invasiva, pode reduzir
o trabalho cardíaco e diminuir a congestão pulmonar. Em casos com disfunção miocárdica
grave e com choque cardiogênico refratário, frente à possibilidade de reversão da doença
ou programação para transplante cardíaco, a assistência circulatória (como a oxigenação
por membrana extracorpórea) está indicada e tem sido empregada com sucesso de cerca
de 50% de sobrevida, dependendo do serviço de referência.

Caso 3

Paciente 8 meses, masculino, previamente hígido, sem internações prévias. Internou na


UTI pediátrica com taquidispneia e sibilos, teve diagnóstico de bronquiolite por metapneu-
movírus e apresentou insuficiência respiratória, com necessidade de ventilação mecânica
invasiva. Durante sua estadia na UTI, foi verificada presença de alças intestinais em hemitó-
rax esquerdo, com diagnóstico de hérnia diafragmática esquerda. Evoluiu com pneumonia
secundária à bronquiolite e choque séptico.

No 12º dia de internação, em desmame ventilatório, com melhora progressiva e com esta-
bilidade hemodinâmica, foi pausada, há 1 dia, adrenalina. No dia seguinte, pela manhã, foi
pausado milrinone 0,3mcg/kg/min que já estava em redução. Foi progredida dieta enteral e
reduzida sedação contínua, para extubação no dia posterior. Aguardava desmame ventila-
tório e melhora da pneumonia para programação cirúrgica corretiva da hérnia diafragmática.
Estava evoluindo normotérmico nos últimos dias e últimos exames laboratoriais indicaram
leucograma normal e proteína C-reativa em queda.

No plantão noturno, a ausculta torácica revelou que murmúrio vesicular estava abolido até
o terço médio do hemitórax esquerdo, igualmente aos dias anteriores (devido à presença
de hérnia diafragmática). Observou-se que o paciente estava mais taquicárdico, com: FC de
175bpm, SatO2 de 99% sob fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 30% e pressão positiva
expiratória final (PEEP) de 7, PA de 78x65, TEC de 3 segundos, descorado +2/4, hidratado,
FR de 32, sincrônico com a ventilação pulmonar mecânica, fígado 4cm abaixo do rebordo
costal direito, como já descrito em exames anteriores.

Foi optado por expansão com 20mL/kg, pois, avaliando o balaço da noite, verificou-se re-
dução da diurese no final da tarde.

Solicitou-se nova expansão em bólus, pois não houve melhora da FC e nem mudança do dé-
bito pela sonda vesical. Sob sua observação, o paciente evoluiu gradativamente mais taqui-
cádico, com FC de 182bpm, com TEC de 5 segundos, SatO2 de 93% pulsos presentes porém
mais finos, extremidades pouco frias e PA de 65x55, fígado 5cm de rebordo costal direito.
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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Como você classificaria esse choque?


Primeiramente, chama atenção que o paciente estava mais taquicárdico e oligúrico. No en-
tanto, mantendo boa saturação em desmame, boa perfusão periférica e PA estável. Depois
de alguns minutos, evoluiu com piora da taquicardia, aí, então, hipotensão, má perfusão e
queda da saturação, com pressões pinçadas, isto é, pressão de pulso estreita.
Considerando a evolução sem sinais infecciosos há vários dias, apesar de estar invadido
por cânula orotraqueal e cateter venoso profundo, as principais hipóteses seriam agora
choque cardiogênico ou choque obstrutivo, pois o paciente estava mais taquicárdico, ape-
sar das expansões e com PA pinçada. A hipótese de choque cardiogênico poderia ser le-
vantada, já que houve suspensão do milrinone e, mais tarde, surgiram oligúria e taquicardia.
No entanto, como o paciente evoluía melhor em desmame das drogas vasoativas e não
apresentava antecedente de isquemia cardíaca ou de disfunção ventricular importante, tor-
nou-se improvável a origem cardiogênica. Outra hipótese seria pneumotórax provocando
choque obstrutivo, pois paciente ainda estava sob ventilação mecânica. No entanto, o risco
de pneumotórax era muito menor agora com parâmetros ventilatórios em redução. Com o
diagnóstico de hérnia diafragmática, foi possível suspeitar que um choque obstrutivo pu-
desse ter sido desencadeado por hiperinsuflação do estômago.
Quais exames à beira do leito ajudariam o diagnóstico diferencial?
Nesse caso peculiar, em que temos ruídos hidroaéreos no tórax devido à hérnia diafragmáti-
ca, tornou-se mais complicado diferenciar a situação de desvio de mediastino pelo estômago
ou por um pneumotórax hipertensivo, baseando-se apenas na ausculta ou na percussão.
O emprego da ultrassonografia auxiliaria a avaliar presença de pneumotórax e ainda a posi-
ção do coração, o enchimento da cava inferior e a contratilidade miocárdica. Um exame mais
simplificado, como a radiografia de tórax, revelaria desvio de mediastino empurrado pelo
estômago e alças intestinais ou, ainda, um pulmão colapsado, se fosse um pneumotórax.

Figura 1. Paciente intubado, com presença de hérnia diafragmática esquerda


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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

Figura 2. Paciente intubado, com distensão gástrica após início da dieta, com subida do estômago
para o tórax esquerdo, desviando o mediastino para o lado direito

Após avaliar estas radiografias (a figura 2 demonstra a situação de


piora clínica descrita), qual a conduta imediata?

Assim como ocorre no pneumotórax hipertensivo, a drenagem do ar que desvia o medias-


tino é imperativa, senão a parada cardíaca é iminente. No pneumotórax hipertensivo, deve-
mos puncionar rapidamente o segundo espaço intercostal, na posição da linha hemiclavi-
cular, ipsilateral ao lado do menor murmúrio vesicular ou percussão timpânica do tórax, sem
demora. No entanto, neste caso, trata-se de distensão gástrica que desviou o mediastino e
comprimiu vasos da base, então procedemos à passagem de sonda gástrica calibrosa e à
aspiração de conteúdo gástrico, aliviando, deste modo, a compressão sobre o mediastino,
com melhora imediata da perfusão e redução da FC de 195bpm para 152bpm.

Apesar da peculiaridade deste caso, são situações em que o intensivista pode ser surpre-
endido, pois não são tão raras.

Ainda que menos frequente que a sepse e o choque séptico, o choque obstrutivo por pneu-
motórax hipertensivo ou por tromboembolismo pulmonar deve ser suspeitado em pacientes
críticos, especialmente quando a situação do paciente deteriora-se inesperadamente.

O risco de pneumotórax em pacientes em ventilação mecânica sempre deve ser avaliado


rapidamente.

Diagnóstico

Alguns tipos de choque podem se sobrepor. Por exemplo, um caso de choque distributivo
por pancreatite pode se combinar com choque cardiogênico, quando sobrevém a disfunção
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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

miocárdica. A maioria dos tipos de choque ocorre com débito cardíaco diminuído (hipovolê-
mico, cardiogênico e obstrutivo), apenas os tipos distributivo (choque séptico e anafilático,
por exemplo) e dissociativo apresentam débito cardíaco elevado.

Geralmente, a causa do choque pode ser facilmente reconhecida pela história clínica e
pelo exame físico. Entretanto, em casos como foram exemplificados no início do capítulo,
pode haver maior dificuldade, pela sobreposição dos sintomas entre as diversas formas de
choque. Lembrar que, além do exame físico acurado e sistematizado, diante da gravidade
do paciente, deve-se solicitar radiografia de tórax e eletrocardiograma. A ecocardiografia
à beira do leito mostra-se como exame complementar revelador em muitas situações ro-
tineiras do intensivista e do emergencista. É possível avaliar derrames pericárdicos, medir
o tamanhos e estimar as funções dos ventrículos direito e esquerdo, avaliar a variação do
tamanho da veia cava conforme os movimentos respiratórios, medir o índice de velocidade
do fluxo de sangue pela aorta - que é a melhor estimativa do débito cardíaco.

O choque no período neonatal possui uma gama ainda maior de diagnósticos diferenciais,
e, em algumas situações, pode ser difícil determinar se estamos lidando com choque sép-
tico ou com um choque cardiogênico, como em cardiopatias congênitas dependentes do
canal arterial. Como o exame físico nem sempre é capaz de descartar uma cardiopatia
dependente de canal, então é preciso administrar prostaglandina contínua como parte do
tratamento inicial dos neonatos, até melhor esclarecimento.

Recém-nascidos, devido à baixa reserva de glicogênio, podem apresentar hipoglicemia.


Não é incomum encontrarmos pacientes críticos nesta idade que apresentam hipertensão
pulmonar e hipocalcemia.

O choque séptico predomina nas UTIs pediátricas e neonatais. É importante ressaltar que a
dengue e a febre maculosas são causas importantes de choque em crianças, e que muitas
vezes o aparecimento do choque é mais insidioso.
Também são frequentes os politraumatismos, porém são geralmente mais graves pelo trau-
matismo craniano associado, do que pelo choque hemorrágico, que é menos frequente. Há
também as doenças diarreicas, causando desidratação e choque hipovolêmico.

Porém, é importante ressaltar que, diferentemente dos adultos, nas crianças a gama de
etiologias de choque é mais extensa. Por exemplo, em lactentes jovens frente à instabilida-
de hemodinâmica, nem sempre é simples distinguir um choque hipovolêmico ou séptico da
primeira manifestação de um erro inato do metabolismo ou hiperplasia adrenal congênita.

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

O pediatra atento deve levantar suspeita para intoxicações por medicamentos anti-hiper-
tensivos, se não houver história evidente ou quadro clínico compatível com outras causas
expostas no Quadro 1.

Quadro 1. Categorias do choque

Ocorre pela diminuição do volume circulatório efetivo, como nas


hemorragias e fraturas, vômitos ou diarreias volumosos, perda de
Hipovolêmico
líquidos por sondas, uso de enemas e poliúria (uso excessivo de
diuréticos, diabetes insipidus e diabetes mellitus)

Representa a redução do índice cardíaco, decorrente das alterações


Cardiogênico de qualquer função cardíaca (inotropismo, cromotropismo e
dromotropismo)

Aumento da capacidade da rede vascular, com hipovolemia relativa,


Distributivo como a anafilaxia, nas secções medulares, o uso drogas vasodilatadoras
ou intoxicação com anti-hipertensivo e o choque séptico

Ocorre pela obstrução mecânica à saída ou à entrada do sangue.


Obstrutivo
Tamponamento cardíaco e pneumotórax hipertensivo

Neste caso, o sangue alcança normalmente os tecidos, mas a


liberação de oxigênio para as células está deficiente, por alterações
Dissociativo
da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, como, por exemplo, no
envenenamento por gás carbônico

O estados de choque circulatório promovem em maior ou menor grau sinais de disfunção


múltipla de órgãos (Quadro 2). Quanto maior o número de órgãos e sistemas afetados, pior
o prognóstico.

Quadro 2. Disfunção múltipla de órgãos e de sistemas nos estados de choque

Hipoxemia provocada por síndrome do desconforto respiratório as-


sociada à sepse, à SIRS por queimaduras extensas ou pancreatites
e ao politraumatismo
Falência respiratória
Hipercapnia provoca piora da acidose devido à fadiga dos músculos
respiratórios, já que o trabalho respiratório aumenta progressivamen-
te na tentativa de compensar a acidose lática

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Nos choques hipovolêmicos e distributivos, devido à contração do


volume intravascular efetivo, a maioria dos pacientes tem sua função
renal deteriorada. No choque cardiogênico, devido ao baixo débito
cardíaco, também encontramos lesão renal, tipo pré-renal. Se não
houver melhora da função renal após ressuscitação volêmica e uso
de vasopressores e/ou inotrópicos, o emprego de diálise peritone-
Lesão renal aguda al, ultrafiltração, hemodiafiltração contínua tem sido utilizado com
sucesso.
Em pacientes anúricos, a terapia renal não deve ser postergada,
pois a hipervolemia pode piorar a função sistólica de pacientes com
choque, especialmente o cardiogênico (aumentando a resistência
sistêmica e piorando a disfunção ventricular). Ajustar os antibióticos
e demais medicamentos pelo clearance de creatinina

A coagulação intravascular disseminada pode ocorrer com sangra-


mentos espontâneos pela cânula orotraqueal, pelo sistema diges-
tório e urinário. Sangramentos pelos sítios de punção também são
frequentes. Direcionar a reposição dos fatores de coagulação pode
Coagulopatia
ser mais efetivo. Repor plaquetas se plaquetopenia. Se hipofibrino-
genemia, repor fibrinogênio com crioprecepitados. Repor plasma
fresco congelado se alterações do tempo de protrombina ou do
tempo de tromboplastina parcial ativada

As principais complicações da má perfusão intestinal são hemorra-


gia, íleo e translocação bacteriana. A isquemia intestinal pode provo-
car necrose da parede intestinal e suas complicações mais graves,
Complicações
como a perfuração intestinal e a peritonite bacteriana. Com a me-
gastrintestinais
lhora da perfusão e do trânsito intestinal, a nutrição enteral pode ser
iniciada. Não foi provada que a profilaxia com protetores gástricos
contra sangramento é efetiva

O risco para insuficiência adrenal deve ser suspeitado em pacientes


com traumatismo craniano ou abdominal (pela lesão pituitária ou
das adrenais) ou em pacientes que estavam em uso de esteroides,
Insuficiência adrenal naqueles com sepse ou que receberam etomidato. O uso de corti-
costeroides ainda é assunto controverso e, em muitos serviços, tem
sido empregado àqueles que não respondem ao aumento progressi-
vo de vasopressores

SIRS: síndrome da resposta inflamatória sistêmica

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

Tratamento do choque
Manejo inicial do choque
A primeira meta é garantir a oferta de oxigênio e estabilizar a via aérea, considerar a neces-
sidade de suporte ventilatório, com otimização da pressão positiva contínua, pois a entrega
de oxigênio já é deficitária pela má perfusão tecidual. A intubação traqueal deve ser prefe-
rida sempre que houver dispneia, hipoxemia ou piora da acidemia (pH<7,30). Isso porque a
ventilação mecânica invasiva reduz a demanda de oxigênio pela musculatura respiratória e
diminui a pós-carga.
Quando há queda brusca da PA após intubação e início da ventilação mecânica invasiva, há
um forte indício de hipovolemia e diminuição do retorno venoso. Para se evitar maior queda
da PA, é salutar o uso cuidadoso dos sedativos.
A infusão de cristaloides deve ser iniciada rapidamente em pacientes com choque hipovo-
lêmico e distributivos, pois a demora para ressuscitação volêmica está associada a maior
mortalidade. É preciso reavaliar o paciente frequentemente: monitorar a amplitude dos pul-
sos; a perfusão periférica, em relação ao refil capilar e às regiões do corpo em que as extre-
midades estão mais frias; a ausculta cardíaca à procura de ritmo de galope; o rebaixamento
do fígado no rebordo costal; a pressão venosa central (PVC) e sua mudança conforme a
infusão de líquidos. A hipervolemia tem consequências indesejadas, podendo levar à con-
gestão pulmonar e, principalmente, se o paciente apresentar disfunção ventricular, pode
dificultar ainda mais o trabalho cardíaco, com piora do choque.
Monitorar a PA como resposta à infusão de fluidos é fundamental, pois, se o choque não for
revertido rapidamente após a infusão de cristaloides, a monitorização com PA invasiva (PAi)
deve guiar a titulação de drogas vasopressoras.
Considerar hipotensão se as medidas de PA estiverem abaixo do quinto percentil para idade ou,
então, se a PA sistólica for menor que dois desvios padrão da normalidade. De maneira mais
prática e mneumônica, podem-se objetivar pressões conforme demonstrada no Quadro 3.

Quadro 3. Níveis pressóricos indicadores de hipotensão, conforme a faixa etária

Idade Pressão arterial sistólica (mmHg)

Recém-nascidos < 60

28 dias a 1 ano < 70

1–9 anos <70+ (idade em anos multiplicada por 2)

≥10 anos < 90

Fonte: Kleinman et al. (2010)

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

O emprego de coloides na fase de ressuscitação volêmica foi testado em alguns estudos,


em diversos tipos de choque, e não foi reportada melhora da mortalidade com 28 dias, en-
tre os grupos controle (cristaloides) e grupo experimental (coloides). Em um estudo recente
com adultos, o grupo tratado com coloide teve menor mortalidade em 90 dias de segui-
mento, porém este resultado ainda deve ser melhor investigado, uma vez que a diferença
encontrada entre os períodos 28 e 90 dias não pôde ser explicada.

Lembrete

Após monitorizar, ofertar oxigênio e garantir via aérea segura para o paciente, a ressus-
citação volêmica não deve ser postergada. Adquirir acesso venoso calibroso ou punção
intraóssea é o principal objetivo ao diagnosticar o choque, pois a demora para ressusci-
tação volêmica adequada tem impacto negativo sobre a mortalidade.

Infundir 20mL/kg de cristaloides em 5 a 10 minutos. Mesmo em choques cardiogênicos,


pequenas quantias de volume podem ser necessárias. Ainda que os pacientes estejam
edemaciados, esse edema pode não necessariamente significar excesso de volume, e
sim perda do volume intravascular para o terceiro espaço e, como consequência, disso
o intravascular pode estar depletado.

Até quando continuar a ressuscitação volêmica?

Avaliar clinicamente o status volêmico do paciente pode não ser uma tarefa fácil. A manobra de
elevar as pernas e observar a elevação da PA pode ser útil. Exige PAi, pois o efeito é momentâneo.

Pode-se ainda observar que a curva de PAi em relação aos movimentos respiratórios do
aparelho, na fase inspiratória, tem um grande incremento à onda de pulso, enquanto que,
na fase expiratória, a onda diminui de tamanho. Para que essa avaliação indireta funcione,
é preciso que o paciente seja ventilado com volumes correntes elevados, não apresente
esforço respiratório e nem arritmias ou disfunção do ventrículo direito.

Após cada expansão volêmica, avaliar sua resposta pelo aumento da PA, a diminuição da
FC ou o aumento da diurese (objetivar >1mL/kg/h). A medida da PVC antes e após as ex-
pansões com cristaloides pode indicar o momento de interromper a infusão de líquidos. Se
o paciente continuar hipotenso ou mal perfundido, mesmo com PVC >10mmHg, é provável
que haja um componente de disfunção miocárdica, e um choque cardiogênico não tolera
grandes ofertas de volume. A ecocardiografia, como já foi exposto, é outro recurso comple-
mentar para estimativa da volemia e da avaliação da disfunção miocárdica.
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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

Além da correção de distúrbios hidroeletrolíticos e da hipoxemia, deve-se dar atenção es-


pecial para a anemia. O paciente anêmico tem redução do conteúdo arterial de oxigênio e
necessita aumentar ainda mais seu débito cardíaco, para tentar melhorar a perfusão, que já
está deficiente. Então, torna-se prioritário corrigir estados de anemia (manter Hb>10).

Diante de um paciente com suspeita de choque hemorrágico ou hipovolêmico que não res-
ponde à ressuscitação volêmica, isto é, se o paciente que não demonstra sinais de melhora
após tratamento da causa do choque, este deve ser investigado para outras causas de cho-
que como: pneumotórax, disfunção miocárdica, derrame pericárdico, sepse, insuficiência
adrenal e hipertensão pulmonar.

O uso de vasopressores

Quando não houver resposta após fluidoterapia, isto é, se o paciente mantem má perfusão,
oligúria, taquicardia, hipotensão, hipoxemia a despeito da infusão rápida de bólus de cris-
taloides, devem-se iniciar drogas vasopressoras o quanto antes. É aceitável também admi-
nistrar vasopressores enquanto é feita a correção da hipovolemia e, depois, suspende-se
a medicação, assim que houver melhora (por exemplo, enquanto se aguarda a chegada do
concentrado de hemácias no paciente politraumatizado).

Nos choques hemorrágico, séptico e hipovolêmico, a noradrenalina, usada na dose 0,1 a


2mcg/kg/minuto, é o vasoconstritor de primeira escolha, porque possui propriedade alfa-
-adrenérgica (vasoconstritora) associada a um efeito beta-adrenérgico (inotrópico) menos
proeminente, que mantém o débito cardíaco.

A dopamina apresenta efeitos beta-adrenérgicos em doses baixas e alfa-adrenérgicos em


doses maiores. Em estudo com adultos com choque cardiogênico, encontrou-se que a do-
pamina induziu mais a arritmias e esteve associada a maior mortalidade com 28 dias de se-
guimento. Assim, não é considerada droga de primeira escolha para tratamento do choque.

A adrenalina possui efeito beta-adrenérgico mais proeminente (ou seja, mais cronotrópico
e inotrópico) quando usada em doses baixas, já os efeitos alfa-adrenérgicos, isto é, vaso-
constritores, tornam-se mais importantes à medida que esta é aumentada. Entretanto, em
doses elevadas, é sabido do risco de arritmias e diminuição da perfusão esplâncnica. É
sabido também que ela aumenta os níveis de lactato, devido ao aumento do metabolismo
celular. Por essas razões, a adrenalina tem sido considerada uma droga de segunda linha e
está reservada para situações em que não houve resposta adequada à noradrenalina.

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

O estímulo beta-adrenérgico puro aumenta o fluxo sanguíneo, por aumentar a FC e a con-


tratilidade. No entanto, por esse mesmo motivo, aumenta o consumo de oxigênio pelo mio-
cárdio e aumenta o risco de isquemia miocárdica.

A vasopressina, hormônio antidiurético, pode ser utilizada de maneira segura em adultos


em infusão contínua em doses baixas, em adição à noradrenalina. Como discutido no pri-
meiro caso, a vasopressina demonstrou melhora do prognóstico neurológico após choque
hemorrágico e capacidade de vasoconstrição mesmo em fases mais avançadas do choque,
quando ocorre vasoplegia e as aminas simpaticomiméticas tem efeito limitado. A vasopres-
sina age suprimindo a produção de óxido nítrico e diminuindo a vasodilatação (vasoplegia).
Quando o choque hemorrágico está avançado, não responsivo a fluido e às catecolaminas,
a vasopressina pode promover a vasoconstrição periférica, por meio da estimulação de
receptores V1 nas arteríolas, com potencial ação vasodilatadora cerebral e pulmonar, sem
vasoconstrição coronária e renal, como acontece com a noradrenalina, por exemplo.

Se perda sanguínea for incessante, as vasoconstrições arteriolar e venosa não são capazes
de manter a pressão compensatória por muito tempo, aumentando cada vez mais a hipo-
perfusão tecidual. Isso leva à inibição do sistema simpático com redução da vasoconstrição
periférica e da bradicardia. O choque hemorrágico ainda pode ser responsável pela lesão
do leito vascular, que, intermediada pelo óxido nítrico, diminui a resposta à noradrenalina
endógena e exógena, além de ativar a cascata inflamatória e promover mais vasoplegia.

Entretanto, a vasopressina também não está livre de efeitos adversos, como isquemia car-
díaca, esplâncnica e de pele, podendo provocar necrose intestinal e predispor translocação
bacteriana e sepse.

A angiotensina II é um agente vasopressor para os casos de choque distributivo, e seu uso


parece ser efetivo nos pacientes hipotensos já em uso de diversos vasopressores. Ainda
são necessários mais estudos para comprovar a melhora da mortalidade e da morbidade
com angiotensina II.

Após conseguir melhora da FC, melhora do débito urinário e estabilização da PA, e após
corrigir anemia e distúrbios hidroeletrolíticos, o próximo objetivo é a adequação do meta-
bolismo celular. O lactato é considerado em diversos estudos como marcador prognóstico
relevante de mortalidade e de morbidade, independente de qual seja a causa do choque
(sepse, grande queimado, Síndrome do desconforto respiratório agudo − SDRA e grandes
cirurgias). Lactato menor que 1,4mmol/L é preditor de bom prognóstico. Pacientes com
sepse e com lactato >1,4mmol/L evoluíram com maior mortalidade e maior disfunção mul-

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

tiorgânica. Apesar de estudos com valor de corte menor, o manual internacional para trata-
mento do choque séptico recomenda guiar o tratamento pelos parâmetros clínicos citados
acima e objetivar lactato <4mmol/L (Quadro 4).

Quadro 4. Doses e efeitos adversos dos vasopressores

Efeitos adversos e
Vasopressor Doses Ação
contraindicações

- Aumenta o consumo
Inotrópica e miocárdio de oxigênio
0,05–0,3mcg/kg/min
cronotrópica pela taquicardia
Adrenalina - Aumenta o risco de arritmias
e aumenta a vasoconstrição
periférica predispondo
necrose de extremidades
0,3–3 mcg/kg/min Vasoconstritora

Vasoconstrição
0,05–0,2 mcg/kg/min (pouco
cronotrópica) - Vasoconstrição (necrose
Noradrenalina de extremidades em doses
elevadas) e piora da lesão renal

0,2–2 mcg/kg/min Vasoconstritora

Inotrópica,
5–10 mcg/kg/min cronotrópica e - Inibe secreção de prolactina,
vasodilatadora* de hormônio de crescimento
Dopamina
e de tireotropina
- Aumenta o risco de arritmias
11–20 mcg/kg/min Vasoconstritora

- Vasoconstrição mais
pronunciada, com necrose
distal. Menor risco de
Vasopressina 0,01–0,6 U/kg/hora Vasoconstritora
arritmias mas que podem
ocorrer com doses maiores
que 0,04 U/min

* A dopamina, em doses baixas, anteriormente considerada como benéfica por seu efeito vasodilatador
renal, mostrou-se que pode piorar a injúria tubular no choquee não teve benefício comprovado para
melhora da função renal. Fonte: Fuhrman et al. (2011); Finfer et al. (2013); Dellinger et al. (2013).

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Agentes Inotrópicos

A medida da saturação venosa central de O2 (SvcO2) aponta a diminuição do débito cardía-


co, pelo aumento da extração de oxigênio pelos tecidos, isto é, a saturação venosa central
baixa significa que o sangue alcança a periferia mais lentamente e que, desse modo, muito
oxigênio pôde ser extraído da hemoglobina, e que o sangue que retorna ao átrio direito está
muito pobre em oxigênio. Isso é um forte indicador de disfunção miocárdica ou vasocons-
trição periférica severa (resistência periférica muito aumentada). A SvcO2 deve ser moni-
torizada desde as primeiras horas de manejo do choque, pois ajuda a guiar o tratamento e
melhora a sobrevida quando é mantida acima de 70%.

O aumento do lactato arterial também correlaciona-se com a SvcO2 e com a perfusão teci-
dual. A vantagem do lactato arterial sobre a ScvO2 é que este é menos invasivo. Sua medi-
da seriada também é um bom preditor de prognóstico no choque.

Após infusão de cristaloide e início rápido de vasopressores para assegurar PA adequada


e melhora da perfusão, diante de lactato arterial mantendo-se elevado ou de SvcO2 baixa,
devemos suspeitar de disfunção miocárdica e lançar mão de medicações inotrópicas que
devem melhorar o débito cardíaco.

A dobutamina aumenta o débito cardíaco, por sua ação inotrópica e pouco vasodilatadora
periférica, atuando principalmente sobre os receptores beta-adrenérgicos, sem provocar
queda acentuada da PA. Uma vez que esta age no cronotropismo, elevando a FC, possui o
efeito indesejado de aumentar também o consumo de oxigênio pelo miocárdico. Doses de
5 a 20mcg/kg/min são empregadas com segurança em pediatria. Em dose >15mcg/kg/min,
considerar risco de taquicardia, o que pode reduzir o débito cardíaco pela redução do tem-
po de diástole, com diminuição do enchimento ventricular. Além disso, doses muito altas
predispõem a taquiarritmias.

Os inibidores da fosfodiesterase tipo III, como o milrinone, possuem ação inotrópica (melho-
ra da função sistólica), inodilatadora (melhora da função diastólica) e vasodilatadora pulmo-
nar e periférica. Possuem capacidade de aumentar a contratilidade cardíaca, sem aumento
do consumo de oxigênio pelas fibras cardíacas.

Pode ser titulado nas doses usuais de 0,3 a 0,75mcg/kg/min. O milrinone tem sido usado
cada vez mais nas UTIs cardiológicas pediátricas, pois seu efeito sobre o coração que
sofreu isquemia, como após cirurgia cardíaca com cardioplegia, demonstrou segurança e
melhora da performance do coração.

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

Não deve ser indicado nos pacientes hipotensos ou crianças que apresentem insuficiência
mitral moderada a grave, pois aumenta a pressão venocapilar pulmonar, provocando maior
congestão pulmonar (Quadro 5).

Quadro 5. Doses e efeitos adversos dos inotrópicos e dos vasodilatadores

Inotrópicos Doses Ação Efeitos adversos

- Hipotensão
Inotrópico, inodilatador; - Risco de congestão
Mirinone 0,3-0,75 mcg/kg/min vasodilatador pulmonar pulmonar na
e sistêmico insuficiência mitral
moderada e grave

- Taquicardia
Inotrópica e
Dobutamina 5-20 mcg/kg/min - Aumenta o risco de
cronotrópica
taquiarritmias

Vasodilatador
Prostaglandina - Hipotensão, apneia
0,01-0,2 mcg/kg/min Mantém canal
E1 e febre
arterial aberto

- Intoxicação por
Vasodilatador sistêmico cianeto se uso
Nitroprussiato 0,3-8 mcg/kg/min
mais que pulmonar prolongado ou em
doses altas

Lembrete

A avaliação seriada dos pulsos periféricos, do aquecimento das extremidades, da PA,


do débito urinário e das medidas seriadas da PVC, da SvcO2 e do lactato arterial é o
melhor indicador para titulação dos inotrópicos e vasopressores.

Se um paciente mantiver piora da perfusão após início do inotrópico, pode-se consid-


erar a troca por outro menos taquicardizante; ou, ainda, deve-se suspeitar de que o
intravascular esteja depletado; ou que haja um componente de choque obstrutivo, que
não melhorará com aumento da contratilidade cardíaca, mas sim com o tratamento da
causa obstrutiva (drenar o pneumotórax ou derrame pericárdico, por exemplo).

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Uso de corticoterapia no paciente com choque

Por muitos anos, tenta-se comprovar o benefício do uso de corticosteroides em paciente


com choque, especialmente o choque séptico. Isso porque a dosagem do nível de cortisol
revela-se baixa em um número expressivo de pacientes que apresentam choque refratário
às catecolaminas.

A revisão sistemática mais recente sobre o tema, envolvendo adultos em diversos estudos ran-
domizados com choque séptico e sepse grave, concluiu que o uso de corticoides por tempo
mais prolongado (≥5 dias) e com doses baixas reduziu a mortalidade em 28 dias de doença.

Recomenda-se que, se suspeitado risco de insuficiência adrenal, por púrpura fulminans,


choque refratário às catecolaminas, doença hipofisária ou adrenal conhecidas ou uso re-
cente de corticoterapia, seja iniciada hidrocortisona em dose baixa, com ataque de 10mg/
kg, e seguida de 100mg/m2/dia a cada 6 horas, por 5 dias ou até que sejam suspensas as
drogas vasoativas.

Lembretes

Em casos de dificuldade para reversão do choque:

• Lembrar que, se a etiologia do choque ainda não está esclarecida ou se há possibilida-


de de causa infecciosa desencadeando o choque, isto é, se choque séptico não pode
ser descartado, é imprescindível a realização de antibioticoterapia na primeira hora de
atendimento, o que diminui a mortalidade por sepse.
• Lembrar que a manutenção PA adequada para idade, de SvcO2>70%, Hb>10 mg/dL e
objetivar queda do lactato nas primeiras 72 horas diminuem sobremaneira a mortalida-
de na sepse. Esses conhecimentos devem ser extrapolados para as demais formas de
choque em pediatria.
• Suspeitar que outras doenças de base podem complicar a acidose do paciente e con-
fundir o diagnóstico, como é o caso de erros inatos do metabolismo em lactentes jovens.
• Suspeitar também de defeitos cardíacos congênitos em neonatos, se houver saturação
arterial baixa ou se a área cardíaca na radiografia de tórax revelar formato atípico. O
eletrocardiograma também pode ser útil e de fácil execução, auxiliando no diagnóstico
diferencial de doenças congênitas e também em insultos isquêmicos ao miocárdio (mio-
cardites ou choque prolongado) ou em derrames pericárdicos.
• Reveja possibilidade de intoxicação por medicamentos anti-hipertensivos (betabloque-
adores e bloqueadores do canal de cálcio).

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Capítulo 5 | Choque circulatório em pediatria
Camip

• Considere o risco de pneumotórax hipertensivo e derrame pericárdico se o choque for


refratário e a piora, progressiva, apesar de ressuscitação volêmica, suporte vasopres-
sor (noradrenalina e vasopressina), inotrópicos e infusão de corticosteroides.
• Não se esqueça de avaliar frequentemente a glicemia. Atentar-se para os distúrbios aci-
dosbásicos e eletrolíticos, pois estes últimos interferem diretamente na repolarização mio-
cárdica e, portanto, na contratilidade cardíacas e ainda predispõem a arritmias.
• Verificar a etiologia da acidose do paciente que pode confundir o diagnóstico, como é o
caso de erros inatos do metabolismo em lactentes jovens.
• Suspeitar também de defeitos cardíacos congênitos em neonatos, se houver saturação
arterial baixa.

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Camip

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Arritmias Cardíacas
Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância 6
Capítulo 6
na Infância
Arritmias cardíacas na infância

José Carlos Fernandes


Luisa Zagne Braz José Carlos Fernandes
Lulsa Zagne Braz
Caso clínico 1

Menina de 8 meses de idade foi atendida na sala de emergência do pronto-socorro para


avaliação. A mãe referiu que a paciente estava se alimentando mal, irritada e sudoreica.
Na avaliação geral, ela se encontrava letárgica, mas respondia quando estimulada; tinha
dificuldade para respirar e apresentava uma coloração escura na pele.

A avaliação primária revelou uma frequência respiratória de 68/minuto, frequência cardí-


aca (FC) de 300/minuto, que não variou com a atividade ou o sono, pressão arterial de
70/45mmHg, pulso braquial fraco e pulso radial ausente, tempo de enchimento capilar de
6 segundos, saturação do oxigênio no sangue (SpO2) de 85% no ar ambiente e bons sons
respiratórios bilaterais.

Você administrou oxigênio em alto fluxo e colocou a criança sob monitorização cardíaca,
observando o ritmo a seguir, com pouca variabilidade da FC de um batimento para outro
(Figura 1).

Figura 1. Frequência cardíaca com pouca variabilidade de um batimento para outro

Qual o diagnóstico?

Taquicardia supraventricular (TSV).

Qual a conduta?

Caso o acesso venoso esteja disponível, adenosina na dose de 1mg/kg rápido com flush
de soro fisiológico 0,9% logo após. Caso a medicação e o acesso estejam indisponíveis no
momento, realizar cardioversão sincronizada 0,5J/kg.
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Caso clínico 2

A avaliação geral de um garoto de 10 anos revelou que ele não estava responsivo. Você per-
cebeu que ele estava em apneia e aplicou duas ventilações. Após observar que ele conti-
nuava sem pulso, você iniciou ciclos de compressão-ventilação a uma taxa de compressão
de 100/minuto e uma relação compressão-ventilação de 30:2. Um colega chegou e colocou
a criança sob monitorização cardíaca, revelando ritmo conforme a Figura 2.

Figura 2. Ritmo observado no monitor

Qual o diagnóstico?

Taquicardia ventricular (TV).

Se ao invés do traçado da Figura 2, ele apresentar um traçado conforme a Figura 3, qual


será o diagnóstico?

Figura 3. Ritmo observado no monitor

O diagnóstico deve ser de fibrilação ventricular (FV).

Qual conduta em ambos os casos?

Desfibrilação com a carga de 2J/kg e realização de 2 minutos de ressuscitação cardiopul-


monar (RCP). Caso o ritmo persista na segunda checagem do ritmo desfibrilação, 4J/kg
devem ser usados. Estabelecer o acesso venoso ou intraósseo, administrar uma dose de
0,01mg/kg de epinefrina (0,1mL/kg na diluição de 1:10.000) durante as compressões, após
o segundo choque. Caso haja persistência de FV ou TV sem pulso após 2 minutos de RCP,
administrar amiodarona 5mg/kg.

140

140
Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Apresentação

A criança com FC irregular é um problema comum nas diversas faixas etárias pediátricas
e apresenta várias etiologias. Podem ser diferenciadas entre arritmias benignas normais a
arritmias malignas. A determinação da causa subjacente de um ritmo irregular é importante,
uma vez que pode ser uma condição grave com risco de vida. As arritmias ou os distúrbios
do ritmo cardíaco geralmente patológicos ocorrem por alterações no sistema de condução
cardíaco ou devido a lesões do próprio tecido cardíaco. Para diagnóstico e tratamento das
arritmias, devem-se considerar o ritmo basal, a FC normal e as peculiaridades dos interva-
los eletrocardiográficos da criança (Quadro 1), como também avaliar o grau de comprome-
timento sistêmico que o ritmo cardíaco causa.

Quadro 1. Dados eletrocardiográficos normais para idade

Idade FC QT QRS

0–30 dias 90–182 210–370 21–76

1–6 meses 105–185 220–317 23–79

6–12 meses 108–169 218–324 25–76

1–3 anos 89–152 248–335 27–76

3–5 anos 73–137 264–354 31–72

5–8 anos 65–133 278–374 32–79

8–12 anos 62–130 281–390 32–85

12–16 anos 60–120 292–390 34–88

FC: frequência cardíaca

Na maioria das crianças, a causa de um ritmo cardíaco irregular é identificada com anam-
nese adequada, exame físico e eletrocardiograma, que pode ser avaliado pelo médico pe-
diatra. Em alguns casos, o encaminhamento para um cardiologista pediátrico é necessário
para posterior diagnóstico, seguimento e, se necessário, tratamento.

“Arritmia cardíaca” é o termo simplificado para definir qualquer distúrbio do ritmo cardíaco,
tanto para o aumento, quanto para a diminuição da FC, sendo, então, classificada como
taquiarritmias e bradiarritmias, respectivamente. Talvez a definição de mais fácil entendi-

141

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

mento ao pediatra seja a apresentada no programa Pediatric Advanced Life Support (PALS)
da American Heart Association (AHA), revisado pela última vez em 2010 e publicada na
revista Circulation.

Este capítulo teve como objetivo demonstrar como reconhecer e tratar os principais dis-
túrbios do ritmo, de acordo com a gravidade ou o risco de deterioração do quadro clínico.

Etiologia

O diagnóstico mais provável para um ritmo cardíaco irregular varia de acordo com a situa-
ção clínica em que a irregularidade é observada pela primeira vez. O diagnóstico diferencial
e avaliação posterior são diferentes para uma criança assintomática com um achado inci-
dental de um ritmo cardíaco irregular comparados a uma criança sintomática que se queixa
de palpitações ou quem tem um episódio de síncope. Em geral, a criança assintomática
tem uma doença benigna, ao passo que a criança sintomática é mais propensa a ter uma
arritmia significativa, que pode necessitar de intervenção.

Arritmia sinusal, batimentos ectópicos ventriculares ou extrassístoles ventriculares (ESV) e


batimentos atriais prematuros ou extrassístoles atriais são as causas mais comuns de um rit-
mo irregular em uma criança assintomática, o que geralmente é detectado como um achado
incidental durante um exame físico de rotina ou avaliação por algum outro problema.

Arritmia Sinusal

É uma variante fisiológica normal, que se caracteriza por um aumento da FC durante a ins-
piração e uma diminuição da FC durante a expiração (Figura 4). A variabilidade do ritmo é
causada, em parte, por mudanças na entrada parassimpática para o coração, que é media-
da pelo nervo vago. O tônus vagal, por sua vez, é modulado no ciclo respiratório. Durante
a expiração, o tônus vagal reduz o ritmo cardíaco e, durante a inspiração, aumenta a FC.
Durante o exercício ativo, o tônus vagal é diminuído e o tônus simpático é aumentado, o que
resulta em um aumento da frequências cardíaca.

Figura 4. Arritmia sinusal

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Arritmia sinusal é, assim, uma condição benigna, mesmo em indivíduos em quem esse
padrão de FC vagal/respiratória é marcadamente pronunciado (por exemplo, atletas fisica-
mente treinados).

Extrassístoles ventriculares

Também conhecidas como contrações ventriculares prematuras, são extrassístoles dos


ventrículos que levam à contração sistólica precoce dos mesmos (Figura 5). ESV são ge-
ralmente seguidas por uma pausa e ocorrem sem regularidade, resultando em uma FC irre-
gular; também pode ocasionalmente ocorrer em um padrão irregular, por exemplo, um para
um (bigeminismo), ou a cada terceira batida (trigeminismo).

Figura 5. Extrassístoles ventriculares

Em uma criança saudável assintomática, ESVs que ocorrem de maneira isoladas são ge-
ralmente benignas e produzem pouco ou nenhum sintoma. ESVs ocorrem geralmente na
infância, diminuem no decorrer desta e se tornam cada vez mais comum novamente na
adolescência e idade adulta.

ESVs raramente causam comprometimento hemodinâmico verdadeiro, exceto em pacien-


tes com ESVs frequentes e função ventricular esquerda deprimida, ou quando elas são
simultâneas com bradicardia. Nesses pacientes, ESV pode estar associada com um risco
aumentado de arritmia maligna, tal como a TV sustentada.

Extrassístoles atriais

Também conhecidas como contrações atriais prematuras, são as primeiras despolarizações


do miocárdio atrial que levam à propagação de impulsos elétricos através do átrio e ventrí-
culo pelo nó atrioventricular (AV) (Figura 6). Esses impulsos elétricos resultam em contração
sistólica ventricular precoce. Embora as extrassístoles atriais ocorram mais comumente
isoladas em lactentes e crianças jovens, podem também ocorrer durante toda a infância.
Em crianças assintomáticas, extrassístoles atriais são benignas e não são suscetíveis de
associação a taquiarritmias sustentadas.

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Figura 6. Extrassístoles atriais

Diagnóstico

Dentro da história, devemos nos concentrar em determinar se há outros sinais e sintomas


de doença cardíaca, como os apresentados a seguir.

Palpitações

A presença de palpitações (consciência do batimento cardíaco) pode representar uma anor-


malidade no ritmo cardíaco. Palpitações podem ser manifestações de uma única batida (por
exemplo, ESV), taquicardia não sustentada, ou uma taquicardia sustentada. A descrição
precisa pode ser útil na identificação das arritmias subjacentes. Por exemplo, palpitações
devido à taquicardia sinusal geralmente têm associação com momentos de estresse, como
ansiedade ou atividade física. Em contraste, pacientes com taquiarritmias reentrantes nor-
malmente têm um início e fim súbitos das palpitações, que se correlacionam com a abertura
e o fechamento do circuito responsável pela arritmia.

Síncope

Definida como súbita breve perda de consciência, associada à perda do tônus postural, a
partir do qual a recuperação é espontânea, tem ampla gama de causas, porém sua história
aumenta o risco de doença cardíaca grave subjacente, como arritmia cardíaca com risco
de vida. Assim, um eletrocardiograma é recomendado como parte da avaliação inicial para
qualquer criança com um episódio de síncope.

Entre as causas de síncope, as arritmias são representadas tipicamente pelas taquiarrit-


mias. Em crianças, a síncope causada por bradicardia isoladamente (ou seja, bloqueio AV
total) é incomum.

Perturbações elétricas primárias podem ocorrer em pacientes com corações estruturalmen-


te normais. Essas arritmias podem estar relacionadas a fatores exógenos (ou seja, um dis-
túrbio metabólico ou a ingestão de drogas) ou uma anormalidade eletrofisiológica herdada
(ou seja, a síndrome do QT longo congênito).

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Arritmias também podem se desenvolver como resultado de doença cardíaca estrutural,


como miocardite ou doença cardíaca congênita reparada. Finalmente, a síncope pode ocor-
rer em condições como estenose aórtica e cardiomiopatia hipertrófica, como resultado da
obstrução de saída do ventrículo esquerdo, no qual o fluxo sanguíneo sistêmico é compro-
metido, particularmente durante o exercício.

Dor torácica

Arritmias cardíacas com um ritmo cardíaco irregular são raros casos de dor no peito em
crianças, que incluem TSV com ou sem síndrome de Wolff-Parkinson-White.
História familiar de morte súbita tem sido associada com síndrome de Wolff-Parkinson-Whi-
te, TV polimórfica catecolaminérgica e displasia arritmogênica do ventrículo direito, que
pode ser precedida de batimentos prematuros espontâneos frequentes.

Bradiarritmias

Definição

A bradicardia é definida como uma FC que é menor do que a FC normal para determinada
idade, conforme o Quadro 1. É o resultado de condição cardíaca congênita ou adquirida,
que diretamente diminui a frequência de despolarização espontânea do marca-passo cardí-
aco ou diminui a condução por meio do sistema de condução cardíaco.

Bradicardia secundária é geralmente o resultado de uma condição que atinge um coração


com função normal ou alterada: a hipoxemia é a condição mais comum, seguida de acido-
se, hipotensão, hipotermia ou, eventualmente, efeito de drogas. Bradiarritmias são ritmos
comuns pré-parada cardíaca em crianças e secundários a hipoxemia.

Sistema de condução

O papel do sistema de condução cardíaco é iniciar e conduzir o sinal elétrico que controla e
coordena a contração atrial e ventricular, como refletido no eletrocardiograma (ECG). Os com-
ponentes do sistema de condução incluem nó sinusal, nó AV e sistema de His-Purkinje (His).

O nó sinusal é o marca-passo do coração e está localizado no sulco terminal, na junção da


veia cava superior e a aurícula direita. As células especializadas (células nodais ou dominan-
tes) dentro do nó sinusal despolarizam espontaneamente, o que inicia um impulso elétrico,
que se espalha para o nó AV e através dos átrios, resultando em contração atrial bilateral.

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

No nó AV, o impulso é conduzido através do feixe de His. Os cursos de sinais elétricos,


através do septo membranoso, dividem-se em ramos direito e esquerdo, resultando em
contração quase simultânea dos ventrículos.

Patogênese de bradicardia

Existem dois mecanismos principais e locais para o desenvolvimento de bradicardia:


• Bradicardia sinusal: no nó sinusal, a taxa de despolarização é diminuída abaixo dos me-
nores valores de FC normais estabelecidos para a idade.
• Nó AV: condução do impulso elétrico está atrasada ou bloqueada no nó AV ou o feixe de His.

Independentemente do mecanismo ou do local, a bradicardia é causada por uma disfunção


intrínseca ou lesão do sistema de condução do coração, ou por fatores extrínsecos que
atuam em um coração normal e seu sistema de condução.

As duas causas mais comuns de bradicardia em crianças são:


• Hipervagotonia e drogas (por exemplo, bloqueadores beta-adrenérgicos). Essas são as
causas mais comuns extrínsecas pediátricas de bradicardia. Hipervagotonia aumenta o
tônus parassimpático, que retarda a frequência de estimulação do nó sinusal, bem como
aumenta o tempo de condução através do nódulo AV. As drogas podem atuar indireta-
mente por meio do sistema nervoso ou agir diretamente em cada seio ou nó AV.
• Cirurgia corretiva de cardiopatia congênita: lesão de cirurgia ou cateterismo é a causa mais
comum pediátrica dos danos intrínsecos ao sistema de condução. Bradicardia é também
visto em alguns pacientes com defeitos congênitos subjacentes antes da cirurgia.

Sinais e sintomas

Bradicardia patológica frequentemente causa alterações no nível de consciência, verti-


gens, tonturas, síncope ou fadiga. Choque associado com bradicardia se manifesta com
hipotensão, má perfusão de órgãos-alvo, alteração da consciência e/ou colapso repentino.
Bradicardia com sinais e sintomas de choque requerem tratamento urgente para prevenir
parada cardíaca.

Dados eletrocardiográficos associados com bradicardia incluem FC baixa em relação aos


valores normais; onda P visível ou não; complexo QRS estreito (condução elétrica decor-
rente do átrio ou região nodal alta) ou largo (condução elétrica decorrente do ventrículo ou
região nodal baixa); e onda P e complexo QRS que podem não estar relacionados (dissocia-
ção AV) ou ter um tempo ou período anormalmente longo entre eles (bloqueio AV).

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Bradicardia sinusal

Bradicardia sinusal (Figura 7) é comumente um achado incidental em crianças saudáveis


como uma consequência normal da reduzida demanda metabólica (sono, repouso e se-
dação) ou como aumento do volume sistólico (atleta bem condicionado). Com origem na
região do nó sinusal, marcada pela presença de onda P positiva em D1, D2 e aVF. As causas
patológicas sintomáticas de bradicardia incluem hipoxemia, hipotermia, hipoglicemia, into-
xicações, distúrbios hidroeletrolíticos, infecções, apneia do sono, hipoglicemia, hipotireoi-
dismo e hipertensão intracraniana.

Figura 7. Bradicardia sinusal

Bloqueio atrioventricular

Bloqueio atrioventricular (BAV) é definido com um atraso ou interrupção na transmissão do


impulso atrial para os ventrículos devido a um comprometimento funcional ou anatômico
no sistema de condução. BAV são caracterizados em três tipos: primeiro, segundo e ter-
ceiro graus.

Primeiro grau

O bloqueio AV de primeiro grau é caracterizado por um intervalo PR prolongado para deter-


minada idade, causado pela condução lenta através do nó AV sem perda dos batimentos
ventriculares (Figura 8). Geralmente, o bloqueio AV de primeiro grau não causa sintomas.
As principais causas são doença intrínseca do nó AV, aumento do tônus vagal, miocardite,
distúrbios hidroeletrolíticos, intoxicações e febre reumática.

Figura 8. Bloqueio atriventricular de primeiro grau

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Segundo grau

No bloqueio AV de segundo grau, apenas alguns impulsos atriais são conduzidos para os
ventrículos. Caracteriza-se por dois tipos de condução:

• Mobitz tipo I (fenômeno de Wenckebach): há prolongamento progressivo do intervalo


PR até que uma onda P não é conduzida (Figura 9). O bloqueio está situado no nível do
nó AV e não é geralmente associado com outras doenças do sistema de condução ou
sintomas significativos. As causas mais frequentes desse tipo são intoxicações, con-
dições que estimulem o tônus parassimpático e infarto agudo do miocárdio. Pode ser
assintomático ou, às vezes, ocasionar tonturas.

Figura 9. Bloqueio atrioventricular de segundo grau, Mobitz tipo 1

• Mobitz tipo II: esse bloqueio ocorre abaixo do nó AV e tem inibição consistente de uma
proporção específica dos impulsos atriais, normalmente com uma frequência 2:1 atrial/
ventricular (Figura 10). Tem um curso menos previsível e, frequentemente, progride para
bloqueio completo. As causas mais comuns são lesão orgânica das vias de condução,
aumento do tônus parassimpático e infarto de miocárdio. Pode acarretar sensação de
irregularidade no batimento cardíaco, sensação de desmaio e síncope.

Figura 10. Bloqueio atriventricular de segundo grau, Mobitz tipo 2

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Terceiro grau

Também conhecido como bloqueio cardíaco total, há falha completa do impulso atrial a
ser conduzido para os ventrículos (Figura 11). A atividade atrial e ventricular é independen-
te uma do outra. O ritmo de escape ventricular que é gerado é ditado pela localização do
bloqueio. Geralmente mais lento do que os limites inferiores de normalidade para a idade,
resulta em bradicardia clinicamente significativa.

As principais causas são doença ou lesão do sistema de condução, infarto do miocárdio,


bloqueio AV congênito, miocardite, intoxicação ou aumento do tônus parassimpático. Os
sintomas mais relatados são fadiga, sensação pré-síncope e síncope.

Figura 11. Bloqueio atrioventricular de terceiro grau ou atrioventricular total

Tratamento das bradiarritmias

O tratamento da bradicardia concentra-se em restabelecer ou otimizar a oxigenação e a


ventilação, apoiando a circulação com compressões torácicas, se necessário, e uso de me-
dicamentos para aumentar a FC e o débito cardíaco.

Quando as medidas clínicas não forem suficientes, a estimulação transcutânea com mar-
ca-passo pode ser tentada. No entanto, os mesmos fatores que produzem a bradicardia
refratária (por exemplo, hipóxia, hipotermia, distúrbios eletrolíticos e overdose de drogas)
podem impedir a captura elétrica eficaz.

A Figura 12 apresenta o algoritmo de tratamento, de acordo com as orientações da AHA.

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Figura 12. Algoritmo de tratamento, de acordo com as orientações da American Heart Association.
IV: intravenoso; IO: intraósseo; ECG: eletrocardiograma; RCP: ressuscitação cardiopulmonar;
FC: frequência cardíaca; ABC: airway, breathing, compressions; AV: atrioventricular.

Taquiarritmias

Definição

Taquiarritmias são ritmos anormais e rápidos, originados nos átrios ou nos ventrículos. Cer-
tas taquiarritmias, como a supraventricular e a ventricular, podem levar ao choque e à pa-
rada cardíaca.

Ritmos instáveis levam a má perfusão tecidual, queda do débito cardíaco, perfusão coronária ruim
e aumento da demanda de oxigênio do miocárdio, que podem levar ao choque cardiogênico.
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Sinais e sintomas

Achados clínicos em crianças com taquicardia são muitas vezes inespecíficos e variam de
acordo com a idade. Eles podem incluir palpitações, tonturas, vertigens, fadiga e síncope.
Em lactentes, taquicardia prolongada pode causar dificuldade para mamar, taquipneia e
irritabilidade, com sinais de insuficiência cardíaca.

Alterações eletrocardiográficos importantes incluem FC rápida, quando comparada com as taxas


normais; onda P, que pode ou não ser visível; intervalo QRS estreito ou largo, regular ou irregular.

Classificação

Tratamento prioritário no manuseio das taquicardias consta em diferenciar entre taquicar-


dias com complexo QRS estreito (taquicardia sinusal, TSV e flutter atrial) e taquicardias com
complexo QRS alargado (TV e TSV com condução intraventricular aberrante).

Taquicardia sinusal

Taquicardia sinusal (Figura 13) é caracterizada por uma frequência de descarga do nó sinu-
sal, que é mais rápida do que o normal para a idade do doente (Quadro 1). Esse ritmo geral-
mente representa aumento da necessidade do corpo para o débito cardíaco ou a oferta de
oxigênio. A FC não é fixa e varia de acordo com outros fatores, incluindo febre, estresse e
nível de atividade. As principais causas incluem hipóxia tecidual, hipovolemia, febre, estres-
se metabólico, lesão, dor, ansiedade, toxinas/ venenos/ drogas e anemia. Causas menos
comuns incluem tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo e tromboembolismo.

Figura 13. Taquicardia sinusal

A variação da FC geralmente é progressiva e contínua; por exemplo: aumenta ou diminui de


acordo com o grau de hidratação, ou estresse e calma, diferente de outras taquiarritmias
que são súbitas.

As alterações típicas do ECG em pacientes com taquicardia sinusal incluem os seguintes


fatores: a FC é geralmente <220bpm em lactentes e <180bpm em crianças; as ondas P es-
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

tão presentes com aparência normal; o intervalo PR é constante e apresenta uma duração
normal para a idade; o intervalo R-R é variável; e o complexo QRS é estreito.

Taquicardia supraventricular

TSV (Figura 14) pode ser definida como um ritmo cardíaco anormalmente rápido originário
acima dos ventrículos, muitas vezes, mas nem sempre, com um complexo QRS estreito;
que convencionalmente exclui flutter atrial e fibrilação atrial. As duas formas mais comuns
de TSV em crianças são taquicardia AV reentrante, incluindo a síndrome de Wolff-Parkin-
son-White e a taquicardia AV reentrante nodal.

Figura 14. Taquicardia supraventricular

TSV normalmente tem um início abrupto e apresentação intermitente. Os sinais e sintomas


em crianças incluem diminuição da aceitação alimentar, taquipneia, irritabilidade, aumento
da sonolência, sudorese, palidez e/ou vômitos. As crianças mais velhas podem ter palpita-
ções, falta de ar, dor no peito, desconforto, tonturas e vertigens. Bebês e crianças com TSV
prolongada podem apresentar quadro clínico de insuficiência cardíaca.

Resultados de ECG típicos em pacientes com TSV incluem FC geralmente >220bpm em


recém-nascidos e >180bpm em crianças (não existe variabilidade batimento a batimento);
ondas P estão ausentes ou anormais; o intervalo PR pode não estar presente ou o intervalo
PR é curto, com taquicardia atrial ectópica; o intervalo R-R é geralmente constante; o com-
plexo QRS é geralmente estreito. Atraso na condução ao longo do sistema ventricular pode
conduzir a um aspecto de taquicardia com complexo alargado, conhecida como TSV com
condução anormal ou aberrante.

Taquicardia ventricular

A TV tem origem no miocárdio ventricular ou em células de Purkinje, abaixo da bifurcação


do feixe de His (Figura 15). Em crianças com corações normais, a TV é relativamente in-
comum e geralmente benigna. Nas crianças com doença cardíaca congênita ou adquirida,
o risco de TV aumenta com elevada mortalidade e morbidade. TV está associada a morte

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

súbita. Como resultado, os pacientes que desenvolvem ou estão em risco de desenvolver


TV devem ser identificados, avaliados e tratados se necessário. Algumas formas de TV en-
contradas principalmente em lactentes e crianças jovens podem ser benignas, mas essa
conclusão só é alcançada depois que outras causas mais graves de TV estão excluídas. TV
pode se apresentar com ou sem pulso palpável.

Figura 15. Taquicardia ventricular monomórfica

TV com pulso pode variar em frequências próximas ao normal até >200bpm. Frequências mais
rápidas podem comprometer o volume sistólico e o débito cardíaco, levando à TV com ausên-
cia de pulso ou FV. Causas da TV incluem doença cardíaca subjacente ou cirurgia cardíaca,
síndrome do QT prolongado, ou miocardite/cardiomiopatia. Outras causas incluem hiperca-
lemia e intoxicação exógena (por exemplo, antidepressivos tricíclicos e a cocaína).Achados
de TV no ECG incluem frequência ventricular >120bpm e regulares; onda P muitas vezes não
identificável (pode ter dissociação AV ou despolarização retrógrada); complexo QRS é geral-
mente largo (>0,09 segundos); e onda T muitas vezes oposta em polaridade ao complexo QRS.

Tratamento

O manuseio da taquicardia sinusal concentra-se no tratamento da perturbação fisiológica


subjacente e é amplamente favorável. A terapêutica das taquiarritmias que não são de ori-
gem sinusal é guiada pelo aparecimento do complexo QRS e pelo estado do paciente, ou
seja, se compensado ou descompensado:
• Pacientes com taquicardia com complexo QRS estreito ou largo, que têm alteração sig-
nificativa da consciência e choque com hipotensão, devem ser tratados com cardiover-
são sincronizada (dose inicial: 0,5 a 1J/kg).
• Pacientes que estão estáveis e não hipotensos podem receber terapêutica antiarrítmica,
com base em diferenciar se a arritmia é acreditada por se originar acima do nó AV (com-
plexo QRS estreito) ou abaixo do nó AV (complexo QRS alargado).
• Para taquicardia com complexo estreito, o primeiro medicamento recomendado é a ade-
nosina, 0,1mg/kg (dose máxima de 6mg), administrada rapidamente por via intravenosa
ou intraóssea, e seguida por uma solução salina rápida.
• A terapia antiarrítmica da taquicardia com complexo largo envolve agentes com efeitos
colaterais significativos (por exemplo: a amiodarona), e a consulta com um especialista

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

em cardiologia pediátrica é recomendada. Se o ritmo de complexo largo é monomórfico


e regular, é aceitável administrar uma dose de adenosina para determinar se o ritmo é,
na verdade, TSV com condução anormal ou aberrante.

A Figura 16 apresenta o algoritmo terapêutico das taquiarritmias com pulso.

Figura 16. Algoritmo terapêutico das taquiarritmias com pulso.


ECG: eletrocardiograma; FC: frequência cardíaca; IV: intravenoso

Ausência de pulso

Ausência de pulso refere-se à cessação da circulação sanguínea causada por atividade


mecânica cardíaca ausente ou ineficaz.

A maioria das paradas cardíacas pediátricas são secundárias à hipóxia e à asfixia, que re-
sultam de uma progressão de dificuldade respiratória, insuficiência respiratória ou choque,
e não de arritmias cardíacas primárias (“parada cardíaca súbita”). Assim, o ritmo tipicamen-
te apresentando é a atividade elétrica sem pulso (AESP) ou assistolia.

As crianças com ausência de pulso podem apresentar apneia ou exibir alguns suspiros
agônicos. Elas não têm pulsos palpáveis e não respondem. A sobrevida global de parada
cardíaca pediátrica é pobre, e a incidência de défices neurológicos em sobreviventes é alta.
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Ritmos de colapso

Assistolia, AESP, FV e TV sem pulso compreendem os possíveis ritmos de parada ou colapso.

Assistolia

Crianças com assistolia apresentam parada cardíaca sem atividade elétrica perceptível (Fi-
gura 17). A causa mais comum é a insuficiência respiratória, progredindo para hipoxemia
crítica, bradicardia e parada cardíaca. Condições subjacentes incluem pneumonia, sub-
mersão, hipotermia, sepse e envenenamento (por exemplo, intoxicação por monóxido de
carbono e sedativo-hipnóticos), levando à hipóxia e à acidose.

Figura 17. Assistolia

Atividade elétrica sem pulso

Consiste em qualquer atividade elétrica organizada observada no ECG em um paciente


sem pulso central palpável (Figura 18). Condições reversíveis podem ser a base da AESP,
incluindo: hipovolemia, hipóxia, íon hidrogênio (acidose), hipocalemia ou hipercalemia, hi-
poglicemia, hipotermia, toxinas (intoxicação), tamponamento cardíaco, pneumotórax hiper-
tensivo, trombose (coronária ou pulmonar) e trauma.

Figura 18. Atividade elétrica sem pulso

Estes podem ser lembrados como os Hs e Ts da AESP.

Fibrilação ventricular

É caracterizada por ritmo não organizado e contrações não coordenadas (Figura 19). A
atividade elétrica é caótica. Causas sobreposição com etiologias de TV, incluindo hiperca-
lemia, doença cardíaca congênita ou adquirida, exposições tóxicas, choques elétricos ou
relâmpagos, e submersão.
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Figura 19. Fibrilação ventricular

Taquicardia ventricular sem pulso

TV sem pulso é uma parada cardíaca de origem ventricular caracterizada por organizados
complexos QRS largo (Figura 20). Qualquer causa de TV com pulso pode levar à TV sem pulso.

Figura 20. Taquicardia ventricular monomórfica

Torsades de pointes

Torsades de pointes, ou TV polimórfica, mostra um complexo QRS que muda de polaridade


e amplitude, parecendo girar em torno da linha isoelétrica do ECG (tradução: “torção dos
pontos”) (Figura 21). Essa arritmia está associada com intervalo QT prolongado marca-
damente de condições congênitas (síndrome do QT longo), de toxicidade de drogas (me-
dicamentos antiarrítmicos, antidepressivos tricíclicos, bloqueadores dos canais de cálcio,
fenotiazina) e distúrbios eletrolíticos (por exemplo, hipomagnesemia decorrente de anorexia
nervosa). TV, incluindo torsades de pointes, pode deteriorar-se em FV.

Figura 21. Taquicardia ventricular polimórfica. Torsades de pointes.

Tratamento

Em todas as situações de ausência de pulso ou ritmos de colapso, é mandatório o início


de massagem cardíaca externa. Para compressões torácicas altamente eficazes, o indiví-
duo que executa as compressões precisa empurrar com força, rápido, permitindo recuo
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

completo do tórax e minimizando as interrupções das compressões. O médico só deve


interromper as compressões para ventilação, verificação do ritmo cardíaco, e aplicação de
choque. Enquanto no adulto somente as compressões torácicas são eficazes como o tra-
tamento inicial para a parada cardíaca fora do hospital, os bebês e crianças ainda devem
receber compressões e ventilações.

Segue abaixo o algoritmo terapêutico dos ritmos sem pulso (Figura 22).

Ausência de pulso à Inicie a RCP

• Forneça oxigênio
• Coloque o monitor/desfibrilador

Sim Ritmo Não


chocável/
desfibrilavel?
FV / TV Assistolia / AESP

Choque

RCP 2 min
• Acesso IV / IO

Ritmo Não
chocável/desfibrilável?
Sim
Choque

RCP 2 min
RCP 2 min
• Acesso IV / IO
• Epinefrina a cada 3 a 5 min
• Epinefrina a cada 3 a 5 min
• Considere via aérea avançada
• Considere via aérea avançada

Ritmo Não Ritmo Sim


chocável/desfibrilável? chocável/desfibrilável?
Sim
Choque Não

RCP 2 min
RCP 2 min
• Amiodarona
• Trate causas reversíveis
• Trate causas reversíveis

Não Ritmo Sim


chocável/desfibrilável?

Retornar para FV
• Assístole / AESP à Reinicie RCP
/ TV
• Ritmo organizado à verifique o pulso
• Pulso presente à cuidados pós-PCR

Figura 22. Algoritmo terapêutico dos ritmos sem pulso


RCP: reanimação cardiopulmonar FV: fibrilação ventricular TV: taquicardia ventricular;
AESP: atividade elétrica sem pulso; IV: intravenoso; IO: intraósseo.

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Suporte avançado

Uma vez que a RCP básica é estabelecida, o tratamento da parada cardíaca sem pulso
requer avaliação rápida do ritmo, definir se a desfibrilação está indicada, e quais medica-
mentos devem ser utilizados, visando aumentar a circulação coronária e à restauração de
condução cardíaca organizada.

Pacientes com FV ou TV sem pulso devem receber a RCP imediata e desfibrilação, assim
que um dispositivo estiver disponível. Depois de disparar o choque, executar cerca de 2 mi-
nutos de RCP antes de verificar o ritmo. Se o ritmo não se converteu com a desfibrilação, o
paciente deve receber uma desfibrilação repetida a uma dose mais elevada. FV persistente
ou TV sem pulso requer a adição de medicamentos, tais como a epinefrina e a terapia an-
tiarrítmica endovenosa (por exemplo, amiodarona para FV ou TV; sulfato de magnésio para
torsades de pointes).

Os pacientes com assistolia ou atividade elétrica AESP devem receber RCP e epinefrina.

Durante o curso da reanimação, o médico deve avaliar as causas subjacentes (os Hs e os Ts).

Desfibrilação vs. cardioversão sincronizada

Desfibrilação e cardioversão são métodos de entrega de energia elétrica ao coração, atra-


vés da parede torácica, na tentativa de restaurar o ritmo normal do coração. A desfibrilação
e a cardioversão podem ser realizadas utilizando um desfibrilador manual, o que obriga os
utilizadores a reconhecer a disritmia e a pré-selecionar a energia a ser entregue.

Alternativamente, podem ser utilizados os desfibriladores externos automáticos (DEA). DEA são
máquinas computadorizadas que diagnosticam automaticamente FV e usam comandos de voz
para instruir socorristas a desfibrilar, se for o caso. Além disso, com base em valores pré-defini-
dos para a FC e a morfologia da onda R, o DEA pode aconselhar desfibrilação para TV.

Revisaremos a técnica de liberação elétrica, incluindo o uso de DEA, em crianças: os prin-


cípios básicos que fundamentam o tratamento; as indicações clínicas para esses procedi-
mentos e os efeitos colaterais que podem ser vistos.

Definições

Há uma distinção importante entre a desfibrilação e cardioversão: desfibrilação é a entre-


ga, liberação assíncrona de energia, tal como o choque é aplicado aleatoriamente durante
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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

o ciclo cardíaco; cardioversão é a entrega, liberação de energia que é sincronizada com o


complexo QRS.

Mecanismo de ação

A cardioversão termina a arritmia pela aplicação de um choque sincronizado, que despo-


lariza o tecido envolvido num circuito de reentrada. Por todos os tecidos excitáveis des-
polarizados no circuito e todo o tecido refratário, o circuito já não é capaz de propagar ou
sustentar reentrada. Como resultado, a cardioversão termina essas arritmias resultantes de
um único circuito de reentrada, tais como taquicardias supraventriculares, flutter atrial, ou
TV monomórfica.

Sobre a desfibrilação, apesar de sua ampla utilização, ainda há controvérsia sobre os


mecanismos eletrofisiológicos pelo qual a corrente elétrica termina a fibrilação atrial
ou ventricular.

As evidências sugerem que uma certa quantidade de miocárdio deve estar disponível para
sustentar a fibrilação atrial ou ventricular, e todo o miocárdio deve ser uniformemente des-
polarizado, a fim de terminar a arritmia (hipótese massa crítica). No entanto, a força de
choque também deve ser maior do que o maior choque que reinicia a fibrilação em regiões
vulneráveis do miocárdio (o limite superior da vulnerabilidade).

Indicações

A aplicação de corrente elétrica é um componente essencial da RCP para o tratamento da


FV, TV e ritmos organizados resistentes a drogas com instabilidade hemodinâmica, tal como
a TSV.

A desfibrilação está indicada no tratamento de FV e TV sem pulso.

Preparação

Sedação e analgesia

Os pacientes com FV ou TV sem pulso são inconscientes e não necessitam de sedação


ou analgesia. Em contraste, os pacientes com necessidade de cardioversão sincronizada
podem estar acordados e sensíveis à dor. A menos que eles estejam muito instáveis para
atrasar a cardioversão, eles devem receber medicamentos que irão proporcionar um nível
adequado de sedação e analgesia antes da cardioversão.
159

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

Escolha dos eletrodos

Podemos utilizar tanto pás de mão ou almofadas de eletrodos autoadesivos para desfibrilar
ou cardioverter. Almofadas de eletrodo oferecem várias vantagens:
• Podem ser utilizadas para monitorizar o ritmo cardíaco sem a necessidade de eletrodos
de eletrocardiograma adicionais, que possam interferir na colocação das pás (embora
pás tenham frequentemente capacidade de monitorização).
• Creme ou gel não são necessários, fazendo formação de arco de corrente elétrica atra-
vés da caixa torácica.
• Ao contrário de pás, eles não estão associados com faíscas, que podem gerar queimaduras.
• Diminui o risco do contato do socorrista com a maca do paciente durante a aplicação de
choque, como pode ocorrer com o uso de pás.
• Aplicação indevida de pressão nas pás é eliminada como uma possível razão para o
fracasso de desfibrilação.

Tamanho do eletrodo

Em geral, devem-se usar as maiores pás ou almofadas de eletrodos que caibam no peito
da criança, sem tocar. Pás e almofadas de eletrodos projetados para adultos são recomen-
dados para crianças que pesam mais de 10kg. Dentre essas pás, aquelas com 12cm de
diâmetro parecem ser superiores às que são de 8cm de diâmetro. Pás ou almofadas infantis
devem ser usadas para crianças com peso menor 10kg.

Colocação do eletrodo

A posição anterior/ápice é mais prática no cenário de emergência e é normalmente utilizada.


A pá do eletrodo segura na mão esquerda do socorrista é colocada à direita do esterno,
abaixo da clavícula. A pá do eletrodo segura na mão direita do socorrista é colocada na
linha axilar média esquerda, lateral ao tecido mamário, ao nível do mamilo (Figura 23).

Figura 23. Posição anterior/ápice

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Alternativamente, uma colocação anterior/posterior da almofada ou pá pode ser usada com


a porção anterior aplicada no centro ligeiramente à esquerda do esterno, e a almofada ou pá
posterior aplicada no meio da parte superior das costas (Figura 24). Essa posição pode ser
preferida se eletrodos adultos forem utilizados em um lactente <10kg, porque as pás infantis
estão indisponíveis. Nesta situação, o posicionamento anterior/posterior evita a possibilida-
de das grandes pás se tocarem durante a aplicação do choque.

Figura 24. Posição anterior/posterior

Interface eletrodo-peito

Um fluxo de corrente elétrica é necessário para desfibrilação bem-sucedida. A alta impe-


dância transtorácica diminui a probabilidade de sucesso. Ao usar pás, o uso concomitante
de materiais condutores, como o creme ou pasta, diminui a impedância transtorácica.

As pás e as almofadas de eletrodo não devem se encostar, devendo também ser tomado
cuidado para evitar materiais de interface de um lado do peito encostar no material coloca-
do no lado oposto. Qualquer uma dessas condições pode resultar na formação de arco de
corrente elétrica através da parede da caixa, em vez de condução para o coração.

Materiais de interface que devem ser evitados incluem solução salina, álcool isopropílico e
gel de ultrassom, bem como o uso das pás sem qualquer material. Além de uma eficácia
menor, o álcool isopropílico representa um risco de incêndio.

Operação da máquina

O médico deve ganhar familiaridade com as funções específicas do desfibrilador em uso


em seu estabelecimento de saúde. A seguir, as etapas típicas envolvidas no uso de um
desfibrilador manual:

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Capítulo 6 | Arritmias cardíacas na infância
Camip

• Aplicar almofadas do eletrodo de tamanho adequado, ou se as pás são utilizadas, usar


material condutor para as pás.
• Ligar o desfibrilador manual.
• Se as pás forem utilizadas, elas servem para monitorar o ritmo cardíaco; isso vai evitar a
necessidade de eletrodos de ECG separados.
• Em seguida, selecionar o modo “desfibrilar assíncrono” (por exemplo, FV e TV sem pul-
so), ou no modo síncrono para cardioversão (por exemplo: TSV instável e TV com pulso).

Escolha a dose de energia

Doses de 2J/kg para a primeira tentativa, 4J/kg para a segunda tentativa, e 4J/kg ou supe-
rior (dose máxima de 10J/kg, ou no máximo de adultos 200J, bifásica; 360J, monofásico)
para tentativas subsequentes são recomendadas para a desfibrilação de crianças com FV
ou TV sem pulso.

Em dose de cardioversão sincronizada, a dose para o primeiro choque deve ser de 0,5 a
1J/kg; choques subsequentes são de 2J/kg. A cardioversão é apropriada para pacientes
instáveis com TPSV, fibrilação atrial, flutter atrial ou TV com pulsos palpáveis.

Conclusão

As arritmias na criança, se não reconhecidas e não tratadas adequadamente, podem levar


a repercussões hemodinâmicas potencialmente fatais. Para o reconhecimento precoce, é
fundamental o diagnóstico eletrocardiográfico correto, que possibilita, na maioria das ve-
zes, não só fornecer um nome à doença, mas também o tratamento adequado a curto e
longo prazo.

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163
Camip

164
Monitorização
Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
7
Hemodinâmica
Capítulo 7
Monitorização hemodinâmica

Daniela Carla de Souza


Daniela Carla de Souza
Eduardo Juan Troster Eduardo Juan Troster
Francisco Flauber Duarte dos Santos Filho Francisco Flauber Duarte dos Santos Filho
Raquel Matos de Santana Raquel Matos de Santana

Caso clínico

Lactente de 1 ano e 3 meses, sexo masculino, previamente hígida, trazido ao serviço de


emergência pelos pais com história de febre e vômitos há 3 dias. Ao exame clínico, apresen-
tava-se subfebril (temperatura axilar de 37,5o C), sonolento, taquicárdico (frequência cardí-
aca - FC: 160 bpm) e taquipnéico (frequência respiratória - FR: 54 rpm), com extremidades
frias e tempo de enchimento capilar (TEC) de 3”, pressão arterial (PA) de 85x60 mmHg.
Mantendo boa saturação de oxigênio. Feita hipótese diagnóstica de sepse grave e iniciada
ressuscitação fluídica e antibioticoterapia. A criança foi transferida para a unidade de tera-
pia intensiva pediátrica (UTIP), onde deu entrada após ter recebido expansão volêmica com
cristaloide (1.500mL 125mL/kg), em uso de adrenalina 0,2mcg/kg/min por acesso periféri-
co, intubada (COT no 4) e ventilada com bolsa-valva-máscara. Ao exame físico, mantinha
má perfusão periférica (TEC 5”), FC 180 bpm, PA de 70x40mmHg, saturação de oxigênio
de 74%. À ausculta pulmonar evidenciado crepitações, e radiografia de tórax mostrando
infiltrado pulmonar bilateral e derrame pleural direita, com área cardíaca normal. À aus-
culta cardíaca, bulhas rítmicas e normofonéticas (BRNF), sem sopro, pulsos distais finos.
Rebaixamento hepático e sem diurese. Foi feita hipótese diagnóstica de Choque séptico
e Disfunção múltipla de órgãos (cardiovascular, respiratória e renal). Como mantinha sinais
de hipoperfusão tecidual e choque descompensado, foi passado cateter venoso central e
aumentada adrenalina até 0,8mck/kg/min, associada à dobutamina 10mcg/kg/min. Iniciada
hidrocortisona pelo choque e feita uma dose de furosemida (1mg/kg/min). Realizado Eco-
cardiograma (fração de ejeção do ventrículo esquerdo - FEVE 74%, padrão hiperdinâmico,
derrame pericárdico mínimo e colabamento de veia cava inferior). Indicadas reavaliações
com ECO após cada intervenção. Apesar de todas as intervenções, a criança mantinha-se
taquicárdica, com alteração da perfusão periférica e anúrica.

Como base no caso clínico, como identificar o perfil hemodinâmico da criança com insta-
bilidade hemodinâmica e choque? Quando indicar a monitorização hemodinâmica? Qual a
monitorização hemodinâmica indicada para meu paciente?
Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

Perguntas

1. Qual o perfil hemodinâmico da criança com instabilidade hemodinâmica e choque?


2. Quando indicar a monitorização hemodinâmica?
3. Qual a monitorização hemodinâmica indicada para meu paciente?

Apresentação

O choque é uma das principais indicações de admissão em unidades de terapia intensiva


pediátrica (UTIP) e ainda representa uma causa importante de óbito nessas unidades. A
melhora do prognóstico dos pacientes com instabilidade hemodinâmica e choque depende
do diagnóstico e da terapêutica corretos. No entanto, entender o perfil hemodinâmico da
criança gravemente enferma na beira do leito pode não ser uma tarefa fácil. A monitorização
hemodinâmica representa uma ferramenta importante nestes casos, uma vez que possibi-
lita ao médico determinar a fisiopatologia do choque e avaliar a resposta às terapêuticas
instituídas. Neste capítulo, discorremos sobre as principais indicações e evidências para um
ótimo manejo da criança com choque e instabilidade à beira do leito.

Definição de choque e classificação

O choque pode ser definido como um estado de falência circulatória aguda caracteriza-
da por uma oferta insuficiente de oxigênio para a demanda metabólica das células. Esse
estado de insuficiência circulatória resulta em disfunção celular (utilização inadequada de
oxigênio pelas células) e disóxia, ou seja, perda da independência fisiológica entre a oferta
e o consumo de oxigênio. Essa condição se manifesta por meio de sinais clínicos e labora-
toriais (biomarcadores) de hipoperfusão.

O choque, que é caracterizado por uma insuficiência circulatória aguda, pode ser resul-
tante de um, ou da combinação de mais de um dos quatro mecanismos fisiopatológicos:
hipovolemia, disfunção miocárdica, obstrução e perda do tônus vascular. As características
desses quatro tipos de choque podem se sobrepor, e um paciente admitido com um tipo de
choque pode modificar seu perfil hemodinâmico para qualquer outro tipo. O choque pode
também ser classificado de acordo com a causa: choque séptico, choque hipovolêmico,
choque cardiogênico e choque anafilático.

Em crianças internadas em UTIP, o principal tipo de choque é o de origem séptica. No es-


tudo realizado por Ceneviva et al. (1998), os autores avaliaram o perfil hemodinâmico de
crianças com choque refratário à fluidoterapia e demonstraram um perfil hemodinâmico

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166
Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

heterogêneo. Nesse estudo, a maioria das crianças (58%) encontrava-se em estado hipo-
dinâmico caracterizado por baixo índice cardíaco e resistência vascular sistêmica normal
ou aumentada, necessitando de suporte inotrópico, com ou sem vasodilatador (grupo I);
20% tinham um alto índice cardíaco e baixa resistência vascular periférica e responderam
à terapia com vasopressor somente (grupo II); e 22% tinham disfunção vascular e cardíaca
e responderam à terapia combinada com vasopressor e inotrópico (grupo III). Os autores
também observaram que crianças com choque séptico refratário à fluidoterapia podem
apresentar mudança do perfil hemodinâmico durante as primeiras 72 horas, o que pode
acarretar na mudança da terapêutica.

Monitorização dos parâmetros clínicos

O diagnóstico de choque deve ser baseado em parâmetros clínicos, hemodinâmicos e la-


boratoriais. Os sinais clínicos de choque incluem alteração da perfusão periférica (extremi-
dades frias, pulsos centrais e periféricos finos, aumento do tempo de enchimento capilar
nos casos de choque frio ou extremidades quentes, pulsos amplos e perfusão periférica em
flush nos casos de choque quente), da perfusão renal (oligoanúria) e da perfusão cerebral
(alteração do nível de consciência caracterizado por sonolência, obnubilação, agitação, de-
sorientação e confusão). Em crianças, a hipotensão é um sinal tardio de choque e caracte-
riza um estado de choque descompensado. Nos estágios iniciais do choque, mecanismos
compensatórios mantêm a pressão arterial por meio da vasoconstrição (redução da perfu-
são periférica).

Os parâmetros clínicos são a primeira evidência de choque e devem ser monitorados fre-
quentemente em pacientes com instabilidade hemodinâmica. Dessa forma, é recomendada
a monitorização contínua da frequência cardíaca, do ritmo cardíaco, da pressão arterial, da
temperatura e da oximetria de pulso, além da reavaliação frequente da perfusão periférica, do
débito urinário e do nível de consciência em pacientes com história e sinais clínicos de choque.

Sabe-se que, apesar de importantes, os sinais clínicos são imprecisos para diagnosticar o
perfil hemodinâmico do choque e o estado da microcirculação. Dessa forma, outras ferra-
mentas devem ser utilizadas para determinar o mecanismo fisiopatológico do choque. Além
do exame físico, os marcadores de perfusão tecidual e exames não invasivos ou minima-
mente invasivos auxiliam no diagnóstico e na terapêutica de pacientes em choque. Hoje,
o ecocardiograma representa a modalidade inicial indicada para avaliar o tipo de choque
naqueles pacientes nos quais o exame físico não permitiu determinar o tipo de choque. A
avaliação da função cardíaca em pacientes em choque tem como objetivo identificar o tipo
de choque, auxiliar na indicação da terapêutica e a resposta do paciente à mesma.

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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

Marcadores laboratoriais de perfusão tecidual: lactato, saturação


venosa central de oxigênio, gap de dióxido de carbono, biomarcadores
(troponina e peptídeo natriurético tipo B)

Quando a oferta de oxigênio é insuficiente para suprir a demanda tecidual na doença grave,
ocorre um mecanismo compensatório na extração de oxigênio. Se o desbalanço entre a
oferta e o consumo de oxigênio persiste, o mecanismo compensatório é esgotado, resultan-
do em défice de oxigênio, hipóxia tecidual, metabolismo anaeróbico e produção de lactato.

A hipóxia tecidual, que ocorre na sepse grave e no choque séptico, contribui independen-
temente para resposta inflamatória sistêmica, levando à ativação endotelial, vasodilatação,
liberação de mediadores inflamatórios e modulação do sistema de coagulação − todos re-
sultando na síndrome de disfunção múltipla de órgãos. O mecanismo compensatório com
liberação de catecolaminas e regulação neural mantém pressão arterial às custas da redu-
ção na perfusão tecidual.

A hiperlactatemia está presente nos casos de choque e indica metabolismo anormal. Va-
lores > 2mEq/L (ou 18mg/dL) são considerados anormais. A hiperlactatemia pode ser re-
sultado tanto do aumento da produção (metabolismo anaeróbio ou mediada por citocinas
inflamatórias) ou por redução da excreção hepática. O lactato pode ser utilizado como um
marcador diagnóstico, terapêutico e prognóstico. A interpretação de uma única medida de
lactato tem inúmeras limitações. Na prática clínica, sugere-se a monitorização seriada dos
níveis de lactato para avaliar não somente o prognóstico, mas também para guiar a terapêu-
tica e o cálculo do clearance de lactato de 6 horas.

(lactato na admissão – lactato na 6ª hora) x 100/lactato na admissão

O clearance precoce do lactato sérico pode indicar a resolução da hipóxia tecidual genera-
lizada e tem sido associado com uma redução na taxa de mortalidade.

Na mesma linha da monitorização do lactato, a medida contínua da saturação venosa cen-


tral de oxigênio (ScvO2) dá informação do balanço entre a oferta e o consumo de oxigênio.
No contexto do choque séptico, uma ScvO2 baixa (< 70%) indica um inadequado transporte
de oxigênio.

Uma das limitações da medida de SvcO2 é que valores normais ou elevados de ScvO2 não
discriminam se o transporte de oxigênio está adequado, ou se não há extração.

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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A diferença arteriovenosa de dióxido de carbono (gap CO2), que se dá pela diferença da


pressão parcial de CO2 (PCO2) medida de amostra de sangue venoso central ou misto e a
PaCO2 coletada de amostra de sangue arterial periférico, é outro marcador que dá ideia da
oferta e do consumo de oxigênio. Valores > 6mmHg sugerem fluxo sanguíneo insuficiente
para os tecidos, mesmo nos casos de ScvO2 > 70%.

A troponina é um biomarcador que tem sido estudado no contexto do choque séptico como
preditor de mortalidade. As troponinas cardíacas T e I são componentes do aparato contrátil
de miofibrilas dos miócitos. Níveis elevados de troponina são encontrados na sepse, mes-
mo na ausência de doença arterial coronariana. Disfunção miocárdica, caracterizada por
disfunção sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo (VE), é uma complicação comum e
precoce no choque séptico. A fisiopatologia ainda não é clara, mas a troponina parece ser
secretada pelas células cardíacas em resposta ao desbalanço entre a oferta e o consumo
de oxigênio. Além disso, a toxicidade pelas catecolaminas deve ser considerada como um
fator que promove a liberação de troponina pelos miócitos, quando leva a uma injúria mio-
cárdica reversível.

Uma metanálise publicada no Intensive Care Medicine em 2013 demonstrou que a troponi-
na elevada foi um fator independente de mortalidade na análise multivariada de pacientes
com choque séptico. Assim, a dosagem de troponina é um teste simples e confiável dis-
ponível para identificar pacientes de alto risco. Seu valor isolado serve como um sinal de
alarme, mas a falta de tratamento estabelecido para a disfunção miocárdica induzida pela
sepse limita seu papel no manejo atual do choque séptico.

O peptídeo natriurético tipo B (BNP) é um outro biomarcador que tem valor prognóstico no
choque séptico. Trata-se de um hormônio cardíaco com propriedades diurética, natriurética
e vasodilatadora. É produzido pelo miocárdio ventricular em resposta ao estiramento da
parede e tem um papel fundamental em regular a pressão de enchimento ventricular e a
homeostase do volume intravascular.

Os estudos mais recentes mostram que na sepse grave e no choque séptico, o BNP encontra-
-se elevado. Este aumento está associado à severidade da doença crítica e não à depressão
miocárdica induzida pela sepse. Um BNP > 800pg/mL no segundo dia de evolução é um pre-
ditor precoce de um desfecho desfavorável. Além disso, uma elevação prolongada do BNP e
a inabilidade em reduzir o valor < 500pg/mL pode implicar em aumento da mortalidade.

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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

Monitorização das variáveis hemodinâmicas

Monitorização e avaliação da volemia: pressão venosa central,


elevação passiva de membros

O manejo de fluidos representa um dos principais pilares no manejo do choque. Tanto a hi-
povolemia quanto a hipervolemia são estados deletérios. Dessa forma, o médico deve ava-
liar se a resolução do estado de choque e de hipoperfusão pode ser por meio do aumento
do débito cardíaco e se a ressuscitação fluídica é efetiva para se atingir o alvo terapêutico
estabelecido. Ao mesmo tempo que a ressuscitação volêmica não pode ser retardada, es-
forços devem ser realizados para avaliar se o paciente responderá a fluidos.

A pressão venosa central (PVC) é uma estimativa da pré-carga do ventrículo direito (VD).
Pode ser medida com um cateter venoso central (veia jugular ou subclávia) posicionado na
entrada do átrio direito. Um valor isolado de PVC não identifica o paciente cujo débito car-
díaco aumentará após uma prova de volume.

A necessidade adicional de fluidos pode ser avaliada com uma prova de volume. Após uma
rápida administração de um bólus intravenoso de fluido ou elevação passiva das pernas em
30º (aumenta o retorno venoso), o débito cardíaco imediatamente aumenta em pacientes
que são responsivos a fluidos.

A elevação passiva das pernas em 30º corresponde a aproximadamente um bólus de 4,3mL/


kg de fluido endovenoso. Em pacientes respondedores a volume, um aumento no débito
cardíaco em no mínimo 10% pode ser observado em 30 a 90 segundos após a manobra.

Pressão arterial invasiva

A pressão arterial é um parâmetro clínico importante que deve ser acompanhado no doente
grave. Manter a pressão arterial em níveis normais é importante para que a capacidade de
autorregulação dos órgãos seja preservada e, assim, a oferta de oxigênio seja adequada.

As indicações de cateterização arterial são diversas: necessidade de monitorização hemo-


dinâmica contínua, quadros de choque, uso de drogas vasoativas, cirurgias complexas,
hipertensão intracraniana (para cálculo da pressão de percussão cerebral) e coleta rotineira
de exames, entre outros.

Além da monitorização contínua da pressão arterial, este método também é útil para avalia-
ção da variação da pressão de pulso, que é um método que ajuda a estimar a resposta do
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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

paciente à infusão de volume. A curva da pressão arterial invasiva também é utilizada atu-
almente para estimar o débito cardíaco com o uso de monitores específicos desenvolvidos
para essa finalidade.

Existem complicações relacionadas a essa monitorização: infecção relacionada ao cateter,


trombose, aneurisma de artéria, espasmo arterial e sangramento.

Ecocardiografia

A ecocardiografia é o método de imagem mais utilizado na cardiologia pediátrica, sendo útil


nos diagnósticos de cardiopatias congênitas e também por fornecer informações sobre a
função cardíaca. A redução do custo das máquinas e o surgimento dos equipamentos por-
táteis vêm tornando o aparelho de ecocardiograma cada vez mais presente nas unidades
de terapia intensiva.

O treinamento desse método é considerado barato e relativamente fácil quando sua fina-
lidade é a avaliação funcional realizada pelos intensivistas. Não é um método de monito-
rização contínua, mas, por ser rápido, não invasivo e indolor, pode ser realizado de modo
seriado, o que permite uma visão longitudinal do paciente.

As indicações desse exame são diversas e incluem desde crianças com cardiopatia congê-
nita conhecida ou suspeita, presença de anormalidades em outros métodos diagnósticos
(como eletrocardiograma − ECG, radiografia de tórax e outros), assim como a avaliação
cardiológica funcional.

Na prática clínica, na qual muitas vezes é extremamente difícil identificar a real condição
hemodinâmica do paciente, o ecocardiograma exerce uma função chave, que seria a de
identificar quadros hiper ou hipodinâmicos, sinais ou causas de choque obstrutivo e no
diagnóstico da condição volêmica do doente.

O paciente deve permanecer em decúbito lateral esquerdo durante o exame, para que o cora-
ção se posicione mais próximo da caixa torácica. O braço esquerdo deve ser posicionado cra-
nialmente e a cabeça apoiando sobre o braço; com isso, há maior abertura dos espaços inter-
costais. Algumas vezes, o paciente necessita de sedação para o procedimento; nesses casos é
importante que cada hospital tenha seu protocolo de sedação para procedimentos e o mesmo
deve ser sempre acompanhado por um profissional habilitado em reanimação pediátrica.

Analisando as imagens obtidas por este exame, podem ser realizadas avaliações qualita-
tivas e quantitativas. As avaliações subjetivas por profissional treinado podem guiar con-
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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

dutas de forma adequada. Os dados de avaliação qualitativa são contratilidade cardíaca,


presença ou não de derrame pericárdico, posicionamento de cateter, e avaliação de veia
cava inferior. Na análise quantitativa, as medidas mais importantes de avaliação na beira do
leito incluem variação de diâmetro da veia cava inferior, função do VD, volume sistólico do
VE e débito cardíaco.

A pré-carga pode ser analisada por meio de medidas de diâmetro da veia cava inferior du-
rante a inspiração e expiração, mas também da variação da integral velocidade-tempo (VTI,
do inglês integral velocity time) do fluxo sanguíneo na região subaórtica) durante o ciclo res-
piratório. Importante relembrar que a avaliação desses parâmetros deve ser realizada com
outros parâmetros hemodinâmicos.

O volume sistólico do VE e o débito cardíaco são avaliados pela relação do VTI com o di-
âmetro da via de saída do VE (VSVE), que é a valva aórtica. Outra medida importante de
avaliação é a fração de ejeção do VE (FEVE), que é medida pela relação da variação do
diâmetro de VE durante a sístole/diástole.

Para que seja possível utilizar este método na prática de maneira adequada, um treina-
mento teórico deve ser realizado pelo intensivista, para que se conheçam as propriedades
físicas desse exame, aprendendo a manusear o aparelho e, assim, a escolher o transdutor
adequado e individualizando, para cada paciente, as propriedades físicas do método.

Muitas são as janelas na avaliação cardiológica, mas, para uso do médico da UTI, quatro
janelas se tornam mais importantes: subcostal (utilizada principalmente na análise da veia
cava inferior), paraesternal do eixo longo (avaliação qualitativa da função ventricular, pre-
sença de derrame pericárdico, mede FEVE, mas também utilizada para medição da VSVE),
paraesternal do eixo curto (também avalia contractilidade de VE e mede FEVE), apical de
quatro câmaras (quando se avaliam função cardíaca de forma subjetiva e derrame pericárdi-
co), apical de cinco câmaras (observa-se a região aórtica e, pelo uso do Doppler) é possível
medir o VTI e, assim, estimar o volume sistólico e o débito cardíaco.

Considerando que o ecocardiograma é um método não invasivo, de baixo custo e que


fornece informações importantes no tratamento do doente grave, torna-se cada vez mais
essencial que esteja presente na rotina dos hospitais e que o médico de UTI tenha domínio
sobre essa técnica.

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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Pressão de oclusão da artéria pulmonar

O cateter de artéria pulmonar foi inicialmente usado na década de 1970. Chamado de Swa-
n-Ganz, esse dispositivo permite avaliação de diversas variáveis hemodinâmicas: débito
cardíaco, saturação venosa mista, pressão de VD, pressão de artéria pulmonar e pressão
de oclusão de artéria pulmonar (POAC).

A POAC é um método de estimar a pré-carga do VE, a pressão capilar pulmonar e o volume


intravascular relativo. A partir de seus valores e de dados clínicos do paciente, podemos
ter diversas interpretações sobre a volemia do doente, presença de hipertensão pulmonar
e função do VE.

A POAC é medida no final da expiração e com o balão insuflado ocluindo a artéria pulmo-
nar. Valores aumentados podem representar disfunção do VE, tamponamento cardíaco, hi-
pervolemia, edema pulmonar ou mesmo parâmetros elevados de ventilação mecânica. Os
valores diminuídos podem ser interpretados como hipovolemia ou alta complacência de VE.

Atualmente, o uso é bastante controverso do cateter de Swan-Ganz. Em pediatria, pela


dificuldade técnica em sua passagem e seu posicionamento, o cateter de Swan-Ganz é
pouco utilizado. Trabalhos publicados no final da década de 1990 e início dos anos 2000,
não demonstraram mudança na morbimortalidade, redução de custos e nem mesmo redu-
ção do tempo de internação em centros de terapia intensiva ou hospitalares. Aqueles que
ainda acreditam em sua utilização questionam a metodologia dos trabalhos, principalmente
acusando viés de seleção da população avaliada e a prática dos profissionais em interpretar
os resultados obtidos com esse dispositivo.

Importante ressaltar que o Swan-Ganz é um método de monitorização e não uma terapêuti-


ca. Assim, os valores obtidos estão sujeitos a interpretações e as condutas são dependen-
tes dos avaliadores.

Termodiluição

Esse método de avaliação do débito cardíaco consiste na medição da diferença de tem-


peratura entre dois pontos. É realizada injeção de solução fria na veia cava superior ou no
átrio direito, e a mudança de temperatura que ocorre em determinando período de tempo
é medida por um termistor. Essa mudança de temperatura é interpretada por softwares es-
pecíficos de monitores e os valores são demonstrados para os profissionais. Atualmente,
existem duas maneiras de realizar este método: termodiluição pulmonar e transpulmonar.

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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

A termodiluição pulmonar é realizada com o cateter de Swan-Ganz, que apresenta a via


para injeção da solução fria e, na ponta distal, localizada na artéria pulmonar, está locali-
zado o termistor. O uso dessa técnica é bastante limitado em crianças, pelo calibre e pela
dificuldade técnica no posicionamento adequado do dispositivo.

O método transpulmonar necessita da inserção de um cateter venoso central na veia cava


superior ou átrio direito, e um segundo cateter com termistor é posicionado em artéria fe-
moral ou axilar. Com esses dispositivos, dois métodos podem ser aplicados: a termodilui-
ção transpulmonar e avaliação do contorno de pulso.

A termodiluição transpulmonar também gera outras medidas: volume sistólico global (refe-
rência para pré-carga); índice cardíaco; e volume de líquido pulmonar (índice de avaliação
de edema pulmonar). Por ser de mais fácil utilização, o método transpulmonar vem ganhan-
do mais espaço na pediatria.

Já existem monitores que utilizam o contorno de pulso, calibrado pela termodiluição trans-
pulmonar, para avaliação contínua do débito cardíaco (PiCCO).

Microcirculação

É no ambiente da microcirculação que ocorre a passagem de oxigênio para a células e onde


as células eliminam substâncias para a circulação.

Na avaliação hemodinâmica de um paciente crítico, é fundamental a detecção precoce de


alterações na perfusão e oxigenação tecidual, antes mesmo que as consequências hemo-
dinâmicas se tornem evidentes, como alteração de pressão arterial e/ou função cardíaca.

A macrocirculação é quem distribui o fluxo sanguíneo pelo corpo, mas papel fundamental é
exercido pela microcirculação, pois esta garante o fluxo sanguíneo regional para os tecidos.
Os primeiros sinais, quando há um desbalanço entre a oferta e o consumo de oxigênio, são
observados na microcirculação.

Em pacientes saudáveis, a perfusão microvascular é controlada localmente, assim o fluxo


tecidual de sangue e a oferta de oxigênio são mantidos apesar de variações de pressão
arterial e/ou frequência cardíaca. No doente grave, a normalidade dos parâmetros macro-
circulatórios não indica oferta/consumo adequados de oxigênio, pois a perda da autorregu-
lação microcirculatória já pode estar presente.

A videomicroscopia é um dos métodos utilizados para avaliação microvascular. Teve início


com a polarização ortogonal (orthogonal polaritazion espectral − OPS) e, posteriormente, a
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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

técnica evoluiu com o método chamado Sidestream Dark Field (SDF). Essas técnicas con-
sistem no uso de aparelho portátil capaz de avaliar da microvasculatura, visualizando vasos
com profundidade de até 5mm. O local de preferência na avaliação é a mucosa sublingual,
uma vez que tem a mesma origem embrionária do trato gastrintestinal e, com isso, refletiria
as alterações da mucosa intestinal. Essas técnicas consistem na utilização de luz polariza-
da, que é absorvida pela hemoglobina, independentemente da oxigenação, gerando ima-
gens visualizadas pelo observador. Os limitantes dessa técnica são a necessidade de um
aparelho específico, o treinamento do profissional, possível sangramento local e o fato do
local avaliado ser influenciado por diversos fatores, como o uso de drogas vasoativas.

Cada vez mais estudados, os biomarcadores são frequentemente usados na avaliação dos
quadros graves. O lactato é o biomarcador mais presente no dia a dia, apresentando alta
sensibilidade para os quadros de sepse ou choque circulatório. O lactato é um produto
celular do metabolismo anaeróbio, devido à baixa oferta de oxigênio para os tecidos, mas
também pode ocorrer hiperlactatemia por outros fatores, como uso de adrenalina e redução
na depuração do lactato no fígado. Valores iniciais elevados de lactato também têm corre-
lação com pior prognóstico, assim como a redução dos valores após início do tratamento
demonstram melhora do prognóstico.

Outras moléculas estudas são o ICAM-1, VCAM-1, E-selectina e P-selectina, que refletem
a ativação endotelial em paciente sépticos. São menos utilizadas na prática clínica, mas
já foi estabelecida sua correlação com pacientes pediátricos. Paize et al. (2012) demons-
traram a correlação dessas moléculas de adesão durante o quadro de meningoccemia
em crianças.

A meta no tratamento da sepse é restaurar a adequada oferta de oxigênio aos tecidos;


com isso, a monitorização do oxigênio tecidual exerce papel de destaque. O Near-Infrared
Spectroscopy (NIRS) é um método que utiliza ondas no espectro infravermelho que tem a
capacidade de atravessar a pele, o tecido subcutâneo, músculos e ossos. Esse método é
capaz de analisar tecidos até alguns centímetros de profundidade da pele. O NIRS é princi-
palmente utilizado para avaliar a oxigenação do cérebro e dos músculos.

A monitorização da oxigenação transcutânea é um método que permite avaliar a perfusão


da pele, lembrando que, nos casos de paciente em sepse, geralmente não há correlação
entre a pressão parcial de oxigênio (pO2) transcutânea e a pO2 arterial. Dependendo do
aparelho, esse método pode ser utilizado de forma contínua, assim é possível observar a
resposta ao tratamento. A mesma máquina que avalia a pO2 transcutânea também é capaz
de avaliar a pCO2 transcutânea, sendo que valores elevados têm relação com baixa perfu-
são tecidual.
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Capítulo 7 | Monitorização Hemodinâmica
Camip

A saturação venosa de oxigênio, já de comprovado papel na monitorização e manejo dos


pacientes pediátricos em sepse, é um método que não reflete diretamente a microcircu-
lação, mas seu valor nos mostra a relação entre a oferta e o consumo de oxigênio do or-
ganismo. A terapia guiada por essa monitorização já demonstrou reduzir a mortalidade na
população pediátrica.

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Camip

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Emergência
Capítulo 8 | Emergência hipertensiva 8
Capítulo 8
Hipertensiva
Emergência hipertensiva

Caroline Pritsch
Gabriel Baldanzi Caroline Pritsch
Gabriel Baldanzi
Caso clínico

Paciente do sexo feminino de 6 anos, antecedente de asma intermitente, há 3 dias com di-
ficuldade respiratória. Mãe havia procurado unidade de pronto atendimento, onde foi diag-
nosticada com pneumonia bilateral, transferida à internação, iniciando penicilina cristalina,
corticoide e inalação com fenoterol. Em 2 dias, apresentava piora progressiva da dispneia;
mãe se evadiu do serviço com a filha e procurou pronto-socorro do hospital mais próximo.
Negava febre. Paciente deu entrada na sala de urgência, sonolenta, Glasgow 14, ausculta
cardíaca com hiperfonese de B2, pulsos cheios, amplos e simétricos, perfusão periférica
de 2 segundos. Ausculta pulmonar com estertores crepitantes bilaterais e tiragem de fúr-
cula. Abdômen inocente com fígado a 2cm do rebordo costal direito, edema em membros
inferiores. Sinais vitais: frequência cardíaca (FC) de 100bpm; frequência respiratória (FR) de
40ipm; saturação de 94% com máscara não reinalante, temperatura de 36,6ºC; e pressão
arterial (PA) de 170x100mmHg.

Mãe referiu que a última diurese da filha fora há cerca de 24 horas e de coloração escura.
Há 14 dias, tivera uma infecção de garganta.

Perguntas

1. Como iniciar a terapia anti-hipertensiva dessa paciente?


2. Quais exames devem ser solicitados para avaliação de gravidade e elucidação diagnóstica?
3. Qual a meta de PA desejada e em quanto tempo deve ser alcançada?

Definição

Em pediatria, defini-se hipertensão como um valor de PA acima do percentil 95 para sexo,


idade e percentil de altura em pelo menos três ocasiões. A hipertensão é classificada em
estágio 1, se o valor da PA estiver entre o percentil 95 e o percentil 99 mais 5mmHg, e em
estágio 2, se o valor da PA estiver acima do percentil 99 mais 5mmHg.

Em adultos, defini-se emergência hipertensiva como uma PA >180x120mmHg associada à


disfunção de órgão-alvo e tem como principal causa de base uma hipertensão essencial e
179
Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Camip

uma má aderência ao tratamento. Em pediatria, não há um valor de PA determinado pela


literatura. Então, defini-se emergência hipertensiva como uma elevação aguda grave e sin-
tomática da PA com evidência de lesão de órgão-alvo (sistema nervoso central, rins, olhos
ou coração). Na maioria das vezes, origina-se de uma hipertensão secundária.

Mais importantes do que o valor absoluto da PA são os sinais e sintomas de disfunção orgâ-
nica. Um paciente hipertenso crônico com insuficiência renal deve tolerar valores elevados
de PA; já em um paciente hígido, os mesmos valores podem ser lesivos e sintomáticos.
Urgência hipertensiva é a elevação aguda grave da PA sem lesão de órgão-alvo.

Etiologia

As hipóteses diagnósticas devem ser levantadas considerando a faixa etária do paciente.


Nos recém-nascidos, a maior parte das emergências hipertensivas é de origem renovascu-
lar ou doença renal congênita. Deve-se também lembrar da coarctação da aorta, trombose
de artéria ou veia renal, devido a cateterização umbilical, uso de colírios midriáticos, intoxi-
cação por cafeína ou teofilina.

Em lactentes previamente hígidos, a síndrome hemolítico-urêmica deve ser investigada. Na


faixa pré-escolar e escolar, a principal causa de doença renal aguda levando a emergência
hipertensiva é a glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica. Apesar da prevalência estar
em redução em países desenvolvidos, ainda é uma importante etiologia em nosso meio.
Com o aumento da incidência de obesidade entre os adolescentes, poderemos encontrar
uma emergência hipertensiva de causa primária. Nessa faixa etária deve ser investigado
também o uso de substâncias psicoativas e gestação com pré-eclâmpsia. Algumas das
inúmeras causas podem ser vistas no Quadro 1.

Quadro 1. Causas de emergência hipertensiva

Glomerulonefrite aguda
Insuficiência renal aguda
Doença renal crônica
Renais Uropatia obstrutiva
Síndrome hemolítico-urêmica
Rejeição de transplante renal
Trauma renal

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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Feocromocitoma
Tumor de Wilms
Oncológicas Neuroblastoma
Tumor de sistema nervoso central
Síndrome de lise tumoral
Hiperplasia adrenal congênita
Síndrome de Cushing
Endocrinológias
Hipertireodismo
Hiperaldosteronismo primário
Estenose de artéria renal
Vasculares
Coarctação de aorta
Hidrocefalia
Sistema nervoso central Meningite e encefalite
Sangramento de sistema nervoso central
Uso de substâncias psicoativas
Outros
Pré-eclâmpsia

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas dependem do órgão-alvo acometido e do fator etiológico. Os


sintomas de encefalopatia hipertensiva são os mais comuns na pediatria e incluem: convul-
são, alteração do nível de consciência, irritabilidade, cefaleia, défice focal e paralisia facial.
Borramento visual e amaurose podem ser devido a papiledema, hemorragia ou exsudato
em retina, que podem ser vistos no fundo de olho.

Para pacientes com alterações neurológicas associadas à elevação de PA, antes de iniciar
terapia anti-hipertensiva sistêmica, deve ser excluída a hipertensão arterial secundária ao
aumento da pressão intracraniana; por exemplo, devido a sangramento, tumor ou edema
em sistema nervoso central. O tratamento é, então, direcionado à hipertensão intracraniana.

Edema agudo de pulmão pode ser consequência tanto de uma insuficiência cardíaca por
aumento da pós-carga como por hipervolemia em casos de insuficiência renal. A presença
de edema periférico sugere sobrecarga hídrica. Na falência do ventrículo esquerdo, pode-se
auscultar ritmo de galope, terceira ou quarta bulhas.

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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Camip

Oligúria, anúria ou hematúria são sinais de acometimento renal, comumente devido à glomeru-
lonefrite. Raramente, a emergência hipertensiva pode levar à lesão renal e gerar hematúria.

Investigação

Deve ser iniciada por um história completa envolvendo os antecedentes patológicos. Mui-
tos pacientes com emergência hipertensiva já são hipertensos crônicos ou apresentam al-
guma doença renal.

Antecedente perinatal de oligoâmnio pode ser indicativo de doença renal prévia. Cateterismo
umbilical pode ter induzido à doença renovascular. Faringotonsilite ou impetigo recentes suge-
rem glomerulonefrite pós-estreptocócica. Feocromocitoma leva a cefaleia, sudorese, palidez,
palpitações e taquicardia paroxísticas. Ansiedade, perda de peso, intolerância ao calor, exoftal-
mia, aumento de volume ou nódulo tireoidiano podem ser causados por hipertiroidismo.

Todas as medicações utilizadas devem ser interrogadas. Corticoide, anticoncepcionais e


pseudoefedrina podem gerar hipertensão, assim como o uso de anabolizantes ou drogas
ilícitas (anfetamina, cocaína e ecstasy). Inibidores da recaptação de serotonina levam à hi-
pertensão por síndromes serotoninérgicas.

Deve-se investigar a ocorrência de traumas craniencefálicos. No exame físico dos paciente


com alteração do nível de consciência, a avaliação da pupila é essencial. Anormalidades
no reflexo fotomotor ou consensual podem indicar intoxicação ou efeito de massa (tumor,
sangramento, hidrocefalia e edema cerebral) e a obtenção de exame de imagem de sistema
nervoso central é imperativa nesses casos. A emergência hipertensiva prolongada e grave
pode causar acidente vascular encefálico hemorrágico.

Presença de pulsos e PA diminuída em membros inferiores são característicos de coarcta-


ção de aorta. Lesões cutâneas características podem sugerir neurofibromatose ou esclero-
se tuberosa que cursam com estenose de artéria renal. Massas palpáveis abdominais são
encontradas em doenças neoplásicas ou doença renal policística.

Investigação laboratorial e de imagem

Avaliação renal

Dosagem sérica de ureia, creatinina e eletrólitos, e urina tipo I. Na presença de hematúria, es-
pecialmente com dismorfismo eritrocitário, aprofundar a investigação de glomerulonefrites.
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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Realizar dosagem sérica de complemento, se apresentar C3 baixo com C4 normal, ou pró-


ximo do limite inferior da normalidade, glomerulonefrite pós-estreptocóccica é muito pro-
vável. Nesses casos, o diagnóstico pode ser confirmado por cultura positiva de pele ou
orofaringe para Streptococcus beta-hemolítico do grupo A ou títulos elevados de anties-
treptolisina O ou anti-DNAse. Hematúria também estará presente em trombose de veia re-
nal. Deve ser solicitada ultrassonografia Doppler de artérias e veias renais.

Avaliação hematológica

Anemia normocítica e normocrômica pode ser secundária à insuficiência renal crônica. No


entanto, na presença de plaquetopenia e sinais de hemólise como reticulócitos, desidroge-
nase lática e bilirrubina indireta aumentados, deve-se pensar em microangiopatia trombóti-
ca, especialmente na síndrome hemolítico-urêmica.

Avaliação cardíaca

Radiografia de tórax para avaliar congestão pulmonar e área cardíaca. Eletrocardiograma


com sobrecarga de câmaras esquerdas ou ecocardiograma com hipertrofia de ventrículo
esquerdo sugerem hipertensão arterial crônica.

Avaliação neurológica

Tomografia de crânio e fundo de olho devem ser solicitadas se houver alteração do nível de
consciência ou do exame neurológico.

Demais exames devem ser realizados de acordo com o resultado da investigação inicial e
suspeitas clínicas.

Tratamento

Apesar da maior parte das emergência hipertensivas chegarem pelos serviços de pronto-
-socorro, lugares em que devem ser diagnosticadas, seu manejo adequado deve ser em
ambiente de terapia intensiva. A monitorização da PA deve ser de maneira invasiva pois,
além de ser mais fidedigna, é capaz de perceber pequenas variações na PA de forma contí-
nua. Se o paciente apresentar rebaixamento do nível de consciência com incapacidade de
proteger via aérea, deve ser entubado.

A meta de redução da PA deve ser de 25 a 30% nas primeiras 6 a 8 horas e deve haver uma
redução gradual nas próximas 24 a 48 horas para um valor abaixo do percentil 90 de PA.
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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Camip

A via de administração da terapia medicamentosa deve ser intravenosa. Não há nenhum


ensaio clínico randomizado que avalie o manejo da emergência hipertensiva na Pediatria.

No Brasil, a medicação de escolha inicial é o nitroprussiato de sódio. A dose inicial é 0,3mcg/


kg/min e pode ser titulada até 8mcg/kg/min. Essa droga é um vasodilatador venoso e arte-
rial, reduzindo a pré-carga e a pós-carga cardíaca. Tem início de ação imediato e uma meia-
-vida de apenas alguns minutos, ou seja, tem excelente perfil farmacocinético para o mane-
jo fino da PA. O nitroprussiato é metabolizado pelas hemácias em cianeto e pelo fígado em
tiocianato, e excretado pelos rins. Em pacientes com insuficiência renal ou em infusão pro-
longada superior a 24 a 48 horas, pode haver intoxicação por cianeto ou tiocianato. Nesses
casos, o paciente pode apresentar meta-hemoglobinemia, acidose metabólica, alteração
do nível de consciência e convulsão. No entanto, uma revisão da literatura concluiu que o
nitroprussiato de sódio pode ser usado com segurança em pacientes pediátricos críticos
sem a necessidade de dosagem rotineira dos níveis de cianeto.

A medicação de segunda escolha é o esmolol. Trata-se de um betabloqueador endovenoso


de infusão contínua bastante útil nos casos de emergência hipertensiva associados à taqui-
cardia. Por ter efeito inotrópico negativo, não deve ser utilizado em casos de insuficiência
cardíaca descompensada. Tem início de ação em poucos segundos e meia-vida de 10 a
20 minutos. A dose de ataque é 100 a 300mcg/kg em 2 minutos, e a dose inicial contínua
é 50mcg/kg/min titulada em aumentos de 50mcg/kg/min, a cada 10 minutos, até dose má-
xima de 1.000mcg/kg/min. Os pacientes podem apresentar redução importante da FC no
início da infusão. Essa medicação pode induzir a broncoespasmo em pacientes previamen-
te asmáticos.

A hidralazina intravenosa é um vasodilatador arterial direto e deve ser usada após as primei-
ras 6 a 8 horas do manejo inicial da emergência hipertensiva. A dose é de 0,2 a 0,6mg/kg,
máximo de 20mg/dose, e pode ser repetida a cada 4 ou 6 horas. Tem início de ação em 10
a 30 minutos e meia-vida de 4 a 12 horas. É utilizada no desmame das medicações de infu-
são contínua, antes de transicionar para terapia enteral. Efeitos colaterais são taquicardia,
retenção de sódio e síndrome lúpus-like.

Em casos de emergência hipertensiva associada a hipervolemia, pode-se lançar mão de fu-


rosemida intravenosa como terapia adjuvante, 1 a 2mg/kg. Em casos de doença renal crô-
nica dialítica, o nefrologista deve ser contactado para avaliar a necessidade de diálise. Esse
especialista também pode guiar a terapia anti-hipertensiva de manutenção. Algumas das
várias drogas anti-hipertensivas que podem ser usadas em pediatria estão no Quadro 2.

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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 2. Anti-hipertensivos comumente usados em pediatria

Inibidores da enzima conversora de angiotensiva


Inicial: 0,3-0,5 mg/kg/dose
Captopril
Máximo: 6mg/kg/dia
Inicial: 0,08mg/kg/dia a 5mg/dia
Enalapril
Máximo: 0,6mg/kg/dia a 40mg/dia
Bloqueadores do receptor da angiotensina
Inicial: 0,7mg/kg/dia a 50mg/dia
Losartan
Máximo: 1,4mg/kg/dia a 100mg/dia
Betabloqueadores
Inicial: 1-2mg/kg/dia
Propanolol
Máximo: 4mg/kg/dia a 640mg/dia
Inicial: 0,5 a 1mg/kg/dia
Atenolol
Máximo: 2mg/kg/dia a 100mg/dia
Bloqueadores do canal de cálcio
Amlodipina 6-17 anos: 2,5-5mg, uma vez ao dia
Alfa-agonista central
Maiores de 12 anos - inicial: 0,2mg/dia
Clonidina
Máximo: 2,4mg/dia
Diuréticos
Inicial: 0,5-2,0mg/kg/dose
Furosemida
Máxima: 6mg/kg/dia
Inicial: 1mg/kg/dia
Espironolactona
Máximo: 3,3mg/kg/dia a 100mg/dia
Inicial: 1mg/kg/dia
Hidroclorotiazida
Máximo: 3mg/kg/dia a 50mg/dia
Alfa-antagonista periférico
Inicial: 1mg/dia
Doxazosina
Máximo: 4mg/dia
Inicial: 0,05-0,1mg/kg/dia
Prazosina
Máximo: 0,5mg/kg/dia
Vasodilatadores
Inicial: 0,75mg/kg/dia
Hidralazina
Máximo: 7,5mg/kg/dia a 200mg/dia
Menores de 12 anos - inicial: 0,2mg/kg/dia
Máximo: 50mg/dia
Minoxidil
Maiores de 12 anos - inicial: 5mg/dia
Máximo: 100mg/dia

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Capítulo 8 | Emergência hipertensiva
Camip

Conclusão

A emergência hipertensiva deve ser manejada em unidade de terapia intensiva com moni-
torização invasiva de PA.

Na presença de alteração neurológica, a hipertensão arterial secundária à hipertensão intra-


craniana deve ser excluída com exame de imagem.

O nitroprussiato de sódio é a droga de escolha para tratamento da emergência hipertensiva


no Brasil, por ser a medicação disponível que permite a titulação fina da PA.

Deve-se objetivar uma redução lenta da PA de 25 a 30% nas primeiras 6 a 8 horas para
evitar lesão isquêmica secundária.

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186
Cuidados no Pós-Operatório
Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
9
Capítulo 9 das Cardiopatias
Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Congênitas
José Carlos Fernandes
Luisa Zagne Braz
José Carlos Fernandes
Luisa Zagne Braz
Caso clínico

Paciente, sexo masculino, 6 meses, 5 kg, com trissomia do cromossomo 21, é admitido da
unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica em pós-operatório (PO) de correção total de
defeito de septo atrioventricular total (DSAVT), realizada técnica do duplo patch com plastia
das valvas atrioventriculares (AV) direita e esquerda. Anestesista e cirurgião passaram o caso
para equipe de plantão e afirmaram que procedimento foi realizado sem intercorrências, com
tempo de circulação extracorpórea (CEC) de 90 minutos, tempo de anóxia de 75 minutos,
iniciada infusão contínua de milrinone (dose 0,5mcg/kg/min) na saída de bomba, deixados
quatro fios de marca-passo (dois atriais e dois ventriculares), um dreno de mediastino, um
cateter venoso na cava superior, um cateter de pressão arterial na artéria radial direita, e son-
da vesical de demora. Recebeu durante a cirurgia 250mL de hemácias, urinou 60mL.

Na admissão foram instaladas medidas de pressão venosa central (PVC), pressão arterial
invasiva (PAI), monitorização cardíaca, temperatura retal e oximetria de pulso. O dreno de
mediastino foi deixado em selo d’água. Como ainda estava intubada e sedada, por ainda
não ter acordado da anestesia, foi acoplada à ventilação mecânica invasiva (VMI).

Ao exame, estava em MEG, hipocorado 3+, acianótico, anictérico, desidratado de algum


grau (fontanela deprimida, olhos encovados, saliva espessa e urina concentrada no coletor),
sedada, arreativa a manipulação, pupilas isocóricas fotorreagentes e mióticas.

• Frequência cardíaca (FC): 180bpm; frequência respiratória (FR): 30irp; saturação (Sat):
95%; PAI : 60x30 mmHg; pressão de artéria pulmonar (PAP) 8 mmHg; PVC: 4 mmHg.

• Parâmetros da VMI: A/C Peep: 5 Pinsp: 20 Tins: 0,65 FR: 30; fração inspirada de oxigê-
nio (FiO2): 100%; volume corrente: 8mL/kg.

• Ausculta cardíaca: RCR 2T atrito pericárdico.

• Ausculta respiratória: murmúrio vesicular presente bilateralmente, sem ruídos adventícios.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

• Abdome: flácido, depressível, ruídos hidroaéreos ausentes, fígado palpável a 3-4cm do


rebordo costal direito.

• Membros inferiores: pulsos finos, presentes e simétricos, extremidades frias em relação


a temperatura corporal central.

Após avaliação clínica inicial, equipe de enfermagem alertou os médicos da saída de san-
gue vivo pelo dreno de mediastino 100mL em 1 hora.

Conduta inicial

Visto quadro sugestivo de hipovolemia (PVC baixa, sinais de desidratação, PAI baixa). Fei-
tos 10mL/kg de soro fisiológico (SF) 0,9% em 30 minutos e coletados exames de rotina
laboratorial na admissão do PO imediato (POI).

Resultado de exames

Gasometria com pH: 7,28; Bic: 15; BE: -12; pressão parcial de gás carbônico (PCO2): 32;
pressão parcial de oxigênio (PO2): 132; Sat: 93%; lactato arterial: 65; hemoglobina (Hb): 8;
hematócrito (Ht): 24%; plaquetas: 80.000; índice internacional normalizado (INR): 2,0; rTT-
PA: 4,0; CaI: 1,05; magnésio (Mg): 2; potássio (K): 3,1; sódio (Na): 140; glicose: 250.

Interpretação dos exames laboratoriais

Acidose metabólica, hiperglicemia, hipocalcemia, hipocalemia, anemia, plaquetopenia, alte-


ração do coagulograma (principalmente às custas de rTTPA)

Correlação clínica em relação aos exames laboratoriais

Paciente com distúrbio de coagulação e sangramento importante no POI, visto pelo dreno
de mediastino 100mL na primeira hora (20mL/kg), com repercussão hemodinâmica levando
à acidose metabólica lática, anemia e hiperglicemia provavelmente secundária ao estresse.

Condutas

Reposição volêmica e estabilidade hemodinâmica são as condutas iniciais prioritárias no


manejo desse paciente. A transfusão de hemoderivados (hemácias: objetivo Hb > 10; pla-
quetas: objetivo > 100 mil; e plasma: objetivo corrigir o coagulograma) é necessária. Como
a alteração do coagulograma é o aumento do TTPA, uma dose de protamina, afim de re-
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

verter os efeitos da heparina, também deve ser realizada, caso a alteração persista após a
administração do plasma. Corrigir distúrbios eletrolíticos (repor K e Na) e, após reposição
volêmica, se a acidose metabólica permanecer nos exames de controle, repor bicarbonato
também está indicado. Caso a hipotensão persista, apesar da reposição volêmica, o início
de adrenalina, em infusão contínua, auxilia no manejo da hipotensão por possível disfunção
cardíaca associada ao quadro clínico. A equipe de cirurgia deve ser acionada assim que
identificado o sangramento e, caso após reversão dos efeitos da heparina este persistir,
está indicada reabordagem cirúrgica para revisão da hemostasia.

Apresentação

Graças aos avanços nas áreas de CEC, das técnicas cirúrgicas e da terapia intensiva pedi-
átrica nos últimos 50 anos, os cuidados aos pacientes com cardiopatia congênita, mesmo
as mais complexas, evoluíram e apresentam melhores resultados.

Os crescentes avanços ocorreram nas áreas de aprimoramento das técnicas corretivas


e diagnósticas, no maior conhecimento das patologias, nos diagnósticos precoces com
possibilidade de elaboração de estratégias terapêuticas e de intervenções cirúrgicas e
hemodinâmicas. O diagnóstico das cardiopatias tornou-se mais preciso, e as alterações
hemodinâmicas melhor compreendidas, permitindo, assim, um amplo conhecimento das
condições da criança a ser operada e também a prever alterações encontradas no PO, ge-
rando um crescente aumento na expectativa de sucesso e melhoria na qualidade de vida
para esses pacientes.

Este capítulo teve como objetivo chamar atenção para as peculiaridades dos pacientes
pediátricos com cardiopatias congênitas, e abordar as principais complicações e manejo
clínico desta amostra de pacientes no PO de cirurgia cardíaca.

Pré-operatório

Para êxito no PO, são necessários o domínio da fisiopatologia da cardiopatia que será abor-
dada e o conhecimento da condição clínica pré-operatória do paciente. O tipo de defeito
cardíaco, a idade do paciente, a condição clínica e os fármacos utilizados pelo paciente
antes da correção cirúrgica predizem o risco de complicações e determinam as diferentes
condutas a serem empregadas no PO.

A maioria das crianças se beneficia de condutas clínicas pré-cirúrgicas gerando maior esta-
bilidade hemodinâmica e condição nutricional adequada pré-operatória. Estudos demons-
tram melhores resultados em pacientes bem nutridos e clinicamente estáveis.
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

Existem também medidas intra-hospitalares que possibilitam o adiamento e a maior estabi-


lidade clínica para cirurgia, como, por exemplo:

• o uso de prostaglandina endovenosa ajuda a manter o canal arterial (CA) pérvio nas car-
diopatias dependentes de CA com o objetivo de garantir fluxo pulmonar ou sistêmico e/
ou como sítio de mistura do sangue arterial e venoso (Quadro 1).

Quadro 1. Exemplos de cardiopatias dependentes de canal arterial (CA)

Fluxo pulmonar Fluxo sistêmico


Sítio de mistura
dependente de CA dependente do CA

- Atresia pulmonar - Interrupção do arco aórtico - Transposição das


- EP crítica - Coarctação aórtica crítica grandes artérias
- Atresia tricúspide com EP

- Síndrome da hipoplasia do VD - Síndrome da hipoplasia do VE


- Anomalia de Ebstein - Atresia aórtica

CA: canal arterial; EP: estenose pulmonar; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo

• a atriosseptostomia por cateter-balão de Rashkind, procedimento que pode ser realiza-


do à beira leito, guiado por ecocardiografia, ou na sala hemodinâmica. O procedimento
permite uma otimização da mistura entre o sangue venoso sistêmico e pulmonar, bene-
ficiando a oxigenação tecidual. Em lesões complexas, indica-se a atriosseptostomia a
fim de aliviar o átrio direito ou esquerdo, permitindo que o retorno venoso sistêmico ou
pulmonar atravesse o septo interatrial e mantenha uma circulação sistêmica ou pulmonar
efetiva, melhorando o débito cardíaco (Quadro 2).

Quadro 2. Exemplos de cardiopatias com indicação de atriosseptostomia por


balão devido à ausência de comunicação interatrial ou presença de comunicação
interatrial restritiva

Fluxo pulmonar Fluxo sistêmico Sítio de mistura

- Atresia tricúspide - Síndrome da hipoplasia do VE - Transposição das


- Síndrome da hipoplasia do VD - Atresia mitral grandes artérias
- Atresia pulmonar - Atresia aórtica
- Drenagem anômala das veias
pulmonares

VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Após a indicação cirúrgica faz parte do preparo pré-operatório a coleta de exames como
urina tipo 1, hemograma completo, coagulograma, ureia, creatinina, K, Na, sorologias para
HIV e hepatites, radiografia de tórax e eletrocardiograma. Também é prudente reavaliar o
paciente nas 24 horas antes da intervenção com objetivo de assegurar que este não tem
nenhuma outra doença ativa que deva ser melhorada antes da cirurgia.

A atenção pré-operatória objetiva estabilizar o paciente, realizar exames diagnósticos para


melhor compreensão da cardiopatia e, então, indicar o melhor momento e a melhor técnica
para intervenção cirúrgica.

Interoperatório

A técnica cirúrgica utilizada, intercorrências e cuidados durante a operação também são


informações fundamentais nos cuidados PO e devem ser passadas pelo anestesista e pelo
cirurgião para o intensivista na admissão do paciente.

Anestésicos utilizados

Importante informar o tipo de anestesia empregada, se realizado também bloqueio local


com objetivo analgésico PO. Saber os anestésicos e bloqueadores empregados possibilita
melhor manejo álgico e entender possíveis efeitos colaterais, como depressão miocárdica
pelo halotano.

Uso de corticoide

Não existe consenso sobre o assunto, porém alguns autores defendem o uso de corticoide
4 horas antes do ato operatório, com o uso de CEC, no intuito de reduzir a resposta infla-
matória pela redução da produção de mediadores inflamatórios.

Profilaxia antibiótica

Não existe consenso sobre a necessidade de profilaxia antibiótica, porém visto o aumento
da mortalidade dos pacientes que infectam no PO, recomenda-se iniciar 1 hora antes da
incisão, com dose adicional ao final da CEC e manter por 48 horas ou até a retiradas dos
drenos e cateteres de mediastino. Qual o esquema antimicrobiano a ser empregado pode
variar de acordo com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) de cada servi-
ço, de modo geral, utiliza-se cefalosporina de segunda geração (cefuroxima ou cefazolina),
às vezes associada a aminoglicosídeos ou vancomicina nos pacientes que forem mantidos
com o tórax aberto.
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

Técnica cirúrgica realizada


Se cirurgia corretiva ou paliativa, se houve alguma dificuldade técnica, se implantação de
dispositivos (stents, cateter venosos ou arteriais, fios de marca-passo, drenos de mediasti-
no ou tórax), afim de informar quais os parâmetros de monitorização e as alterações hemo-
dinâmicas esperado para cada procedimento realizado.

Tempo de cirurgia

As cirurgias de grande porte e tempo prolongado levam a uma série de alterações metabó-
licas e hormonais, que geram alterações clinicas e laboratoriais no PO.

Tempo de oclusão aórtica

Pode levar à isquemia em alguns órgãos.

Tempo de circulação extracorpórea

Tem como objetivo substituir temporariamente as atividades cardiopulmonares, por meio da


utilização de um conjunto de técnicas e equipamentos capazes de realizar as funções de
bombeamento e oxigenação do sangue, garantindo a perfusão dos tecidos, a manutenção
do metabolismo e a integridade celular. Faz com que o sangue proveniente das veias sis-
têmicas, geralmente das cavas, seja drenado para um oxigenador que oferece oxigênio e
retira gás carbônico, e que o sangue arterializado volte para a raiz da aorta. Durante a CEC,
podemos ter algumas alterações, sendo que todas elas estão relacionadas ao maior tempo
de CEC, são elas:

• hipotermia: tem como objetivo reduzir o metabolismo, proteger o cérebro e o miocár-


dio durante a cirurgia, porém acarreta acentuada perda calórica e alterações sistêmicas,
como hipóxia tecidual, acidose lática e aumento da resistência vascular periférica.
• hemodiluição: diminui as resistências vasculares, sistêmica e pulmonar, além da pres-
são coloidosmótica.
• coagulopatia: pela utilização da heparina e neutralização com a protamina. Ocorrem con-
sumo de fatores de coagulação, destruição ou aderência plaquetária ao tubo, e fibrinólise.
• síndrome da resposta inflamatória sistêmica: ocorre aumento da permeabilidade vas-
cular, com perda transendotelial de líquidos, proteínas e aumento do líquido intersticial.
Pela exposição do sangue nas superfícies não endotelizadas, há ativação de macrófa-
gos, neutrófilos e plaquetas, com liberação de citocinas como o fator de necrose tumoral
e interleucinas, provocando lesão endotelial.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• retenção hídrica: decorrente do aumento da permeabilidade vascular, diminuição da


pressão coloidosmótica do plasma e aumento da renina e do hormônio antidiurético.
Pode chegar a 60% da volemia, com efeito predominante no compartimento intersticial,
levando ao edema, principalmente em nível pulmonar.

Intercorrências transoperatórias

Importante informar, caso haja baixo débito ao sair de perfusão, hipoxemia, alterações de
ritmo, distúrbio hidroeletrolíticos, lesões de estruturas cardíacas, anomalias cardíacas não
verificadas anteriormente e residuais, se houve necessidade de utilizar drogas vasoativas,
dificuldade na intubação, se recebeu hemoderivados e, por fim, o balanço hídrico cirúrgico
e o volume de diurese transoperatória.

Admissão do paciente na unidade de terapia intensiva

A admissão do paciente na UTI começa com a passagem das informações interoperatórias,


antes mesmo que o paciente chegue na unidade, afim de possibilitar que o leito e toda
equipe (médicos, enfermeiros e fisioterapeutas) estejam ciente da condição clínica em que
o paciente chegará e pronta para qualquer intercorrência durante a admissão.

É importante a elaboração de rotinas a serem iniciados ao admitir esse paciente, tanto em


relação ao manejo dos drenos, fios de marca-passo, monitorização invasiva e não invasiva
do paciente, quanto à realização de exames que devem ser coletados para início dos cui-
dados no PO.

Rotina de exames no pós-operatórios

Depende do tipo de correção realizada e da gravidade/condição clínica em que o paciente


é admitido. Recomendam-se a coleta de exames laboratoriais, a realização de radiografia
de tórax e o eletrocardiograma para todos os pacientes na admissão. A partir dos primeiros
exames e de acordo com seu resultados e condição clínica, visto que a supervisão pela
equipe da UTI é contínua, avalia-se a necessidade da coleta de novos exames. Usualmen-
te, nas crianças em PO de cardiopatias complexas, é necessário rever exames a cada 6
horas até sua completa estabilidade hemodinâmica e adaptação clínica. Os principais exa-
mes laboratoriais para manejo no PO são: gasometria arterial, lactato, Hb, Ht, plaquetas,
coagulograma, eletrólitos (principalmente: sódio, potássio, Ca iônico e -), glicemia, ureia e
creatinina. O ecocardiograma não faz parte dos exames de rotina no POI e sua indicação
depende da necessidade de reavaliar a função ventricular, da suspeita de lesões residuais
e para controle do resultado cirúrgico evolutivo.
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

Monitorização clínica no pós-operatório

É possível definir a condição hemodinâmica a partir dos dispositivos de monitorização inva-


sivos e não invasivos, empregados nos cuidados desses pacientes. Todos os pacientes em
PO de cirurgia cardíaca precisam de monitorização básica com: saturação de pulso, tem-
peratura retal ou esofágica, débito urinário, débito dos drenos de mediastino ou pleurais,
monitorização cardíaca por eletrodos, PAI, PVC ou pressão do átrio direito (PAD), saturação
venosa central. Porém os pacientes com cardiopatias complexas, os em baixo débito, ou
com hipertensão pulmonar, ou com risco de isquemia coronariana ou os com defeito resi-
duais têm indicação de monitorização complementar com: pressão de átrio esquerdo (PAE),
pressão de tronco da pulmonar (PAP), avaliação da perfusão coronariana com curva de tro-
ponina, ecocardiografia transesofágico ou transtorácico e até cateterismo de urgência em
caso de suspeita sobre o funcionamento dos shunts sistêmicos pulmonares ou avaliação da
vasculatura pulmonar (Quadro 3).

Quadro 3. Monitorização complementar no pós-operatório

Monitorização Indicação Objetivo

Pressão de átrio esquerdo Disfunção da ventrículo 10-15mmHg


esquerdo

Pressão do tronco da Hipertensão pulmonar Manter <1/2 ou 2/3 da PAM


Artéria pulmonar

Curva de troponina Manipulação da coronária Ser decrescente

Reconstrução da aorta

PAM: pressão arterial média

Manejo clínico inicial

O manejo inicial dos pacientes em PO são semelhantes em relação ao contínuo objetivo


pela estabilidade hemodinâmica. Assim que admitidos existem algumas condutas iniciais a
serem empregadas como as descritas a seguir.

Adequação da pré-carga/volemia

A partir do exame físico minucioso e o auxílio da monitorização hemodinâmica invasiva,


principalmente da PVC ou PAD e da PAE, é possível estimar a volemia dos pacientes no PO.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Nos primeiros dias do PO, a oferta hídrica deve ser limitada a 30 a 50% das necessidades
hídricas diárias, pois há, em geral, retenção líquida com extravasamento para o interstício.
Pequenas alíquotas de 5 a 10mL/kg de SF a 0,9% ou Ringer devem ser dadas com cautela
caso haja suspeita de hipovolemia. Vale lembrar que esse tipo de paciente apresenta-se
mal distribuído, pela resposta inflamatória sistêmica gerada após o estresse cirúrgico, com
alteração da permeabilidade vascular, fazendo com que parte do volume intravascular seja
extravasado para o interstício. Portanto, o uso de coloides como albumina e a reposição de
hemoderivados (Quadro 4), quando indicados, parecem ser mais eficientes para a reposi-
ção volêmica destes pacientes.

Quadro 4. Indicação de hemoderivados no pós-operatório

Hemoderivados Indicação

Hemácias Cardiopatias acianótica: Hb<10 Ht<30


Cardiopatias cianóticas: Hb<14 Ht<40

Plaquetas Plaquetas<50.000
Tempo prolongado de CEC com sangramento ativo

Plasma Coagulograma alterado com sangramento ativo

Crioprecipitado Fibrinogênio baixo com sangramento ativo

Hb: hemoglobina; Ht: hematócrito; CEC: circulação extracorpórea

Importante chamar a atenção que as reposições volêmicas no PO, salvo as situações ex-
tremas, devem ser feitas de forma lenta (20 a 30 minutos) e não em bólus, visto a baixa
complacência miocárdica dos pacientes pediátricos, principalmente dos recém nascidos.

A hipervolemia também pode ser deletéria ao paciente no PO, sobrecarregando as cavida-


des esquerdas e causando congestão pulmonar. Um balanço hídrico rigoroso, associado às
informações oferecias pela monitorização clínica (PVC, PAD e PAE) e débito urinário, auxilia
na vigilância dessa intercorrência.

O débito urinário é bom indicador da perfusão renal e do débito cardíaco. Em crianças pe-
quenas (<25kg) 1 a 2mL/kg/h e nas crianças grandes (>25kg) 50 a 100 mL/h é considerado
adequado. A diurese reduzida devido ao baixo débito cardíaco normaliza após a correção
do problema hemodinâmico. O uso de furosemida pode ser necessário para estimular a diu-
rese. Caso o débito urinário seja insuficiente em pacientes com hipervolemia, sem resposta
ao uso de diuréticos, a indicação precoce de métodos dialíticos é necessária afim de evitar

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

sobrecarregar o sistema cardiovascular. Os casos com tempo prolongado de CEC frequen-


temente apresentam resposta inflamatória sistêmica exacerbada e acidose lática mantida,
sem melhora com medidas clínicas, havendo grande benefício da diálise para clarear os
mediadores inflamatórios e o lactato.

Distúrbios eletrolíticos e metabólicos

Dada a labilidade clínica desses pacientes, alguns distúrbios metabólicos geram maior ins-
tabilidade quando comparados a pacientes sem comorbidades cardíacas. Acidose meta-
bólica, distúrbios do Ca, Mg e K geram maior risco de alterações do ritmo, depressão mio-
cárdica e parada cardíaca nessa amostra de pacientes, sendo necessária a monitorização
rotineira laboratorial desses eletrólitos e da gasometria para intervenções precoces, caso
haja alteração nos resultados, com o objetivo de manter os exames conforme ilustrado no
Quadro 5.

Quadro 5. Resultados eletrolíticos e metabólicos desejados


no pós-operatório

K = 4-5

Mg = 2-2,5

Ca iônico = 1,2 – 1,4

Ph = 7,35-7,45

Bicarbonato = 20-30
K: potássio; Mg: magnésio; Ca: cálcio

Outro distúrbio metabólico que merece atenção especial no paciente em PO é a hiperglice-


mia, pois ocorre com frequência nesses pacientes. A literatura recomenda controle glicêmi-
co rigoroso nos pacientes adultos, visto que estudos demonstraram menor taxa de infecção
com essa conduta, porém, na faixa pediátrica, os estudos ainda não demostraram um bom
custo benefício dessa prática tendo em vista o alto risco de sequelas neurológicas decor-
rentes de hipoglicemia nos pacientes pediátricos, em especial nos menores de 2 meses.

Até o momento, não há consenso sobre o manejo deste distúrbio no PO de cirurgia cardíaca
pediátrica. Recomenda-se, na vigência de hiperglicemia > 200mg/dL, a troca do soro glico-

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

sado (SG) 10% por SG 5% ou por solução fisiológica sem glicose, com medidas seriadas
da glicemia. Assim que o nível glicêmico chegar a 120mg/dL a infusão de SG 5% deve ser
reiniciada, para evitar hipoglicemia. Reserva-se o uso de insulina para crianças diabéticas
ou naquelas que mantenham níveis glicêmicos extremamente altos durante períodos pro-
longados de retirada da infusão de glicose, com acidose metabólica.

Nessas situações raras, o nível sérico da glicemia deve ser monitorado intensivamente, com
medidas seriadas da glicemia, reiniciando a infusão de glicose antes que seu nível sérico
caia abaixo de 100mg/dL. A reposição volêmica deve ser frequente devido à poliúria cau-
sada pela hiperglicemia.

Reaquecimento até temperatura de 36 a 36,5oC

O uso de mantas térmicas pode ser necessário para estabelecer a temperatura fisiológica
no PO. Alguns pacientes podem apresentar hipertermia pós-CEC, e esta deve ser evitada e
combatida em razão da piora hemodinâmica com o aumento da demanda metabólica pela
hipertermia. Em alguns casos, a hipotermia está indicada, como em pacientes com taquiar-
ritmias juncionais; porém na maioria dos casos teremos como objetivo manter a tempera-
tura corporal normal.

Sedação e analgesia

É de extrema importância o controle álgico dos pacientes, afim de evitar agitação com au-
mento da demanda metabólica ou com trauma psicológico no futuro, sendo este sempre
umas das prioridades dos cuidados em terapia intensiva pediátrica. Muitas vezes, o uso de
analgésicos comuns, como dipirona de horário, é o suficiente para controle álgico PO. Po-
rém caso seja insuficiente, o uso de anti-inflamatórios não hormonais pode ser empregado
nos pacientes com função renal adequada e sem distúrbio plaquetário ou de coagulação.
Os opioides também auxiliam no controle álgico, mas devem ser utilizados com cautela por
seus efeitos colaterais, como depressão respiratória e diminuição da motilidade intestinal,
principalmente em crianças pequenas. Já nos adolescentes, o uso das bombas de analge-
sia controlada pelo paciente (PCA) com morfina, muito utilizada na clínica dos adultos, pode
ser empregada com sucesso. Existem relatos de sucesso com o uso de dexmedetomidina
para controle álgico no PO, principalmente em pacientes hipertensos e taquicárdicos, pois,
por ser um alfa-agonista, leva à diminuição da PA e da FC.

Sobre os sedativos, não se indica como rotina seu uso no PO, visto que a extubação é
uma meta a ser alcançada assim que a estabilidade clínica do paciente for alcançada.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

Estudos demonstram melhor sobrevida, menor tempo de internação hospitalar e menor


custo com a extubação precoce. Assim, os sedativos estão reservados às crianças com real
necessidade, como as com necessidade de permanecer em ventilação mecânica ou com
hipertensão pulmonar. Devido à labilidade clínica destes pacientes e os efeitos colaterais
hipotensores destes fármacos, seu uso deve ser cauteloso, objetivando um paciente tran-
quilo com a mínima dose possível dos fármacos. Não existe um consenso sobre o melhor
esquema sedativo a ser utilizado nesses pacientes, variando de acordo com a experiência
de cada serviço, porém, em pediatria, de modo geral, vemos menor labilidade pressórica
com o uso de fentanil e midazolan contínuos, evitando-se os bólus, e a cetamina quando
não houver distúrbios como taquicardia e hipertensão. Hidrato de cloral e propofol, devido
a potenciais alterações da FC e acidose metabólica, respectivamente, devem ser evitados.

Suporte nutricional

Deve ser iniciado assim que houver estabilidade hemodinâmica e trânsito intestinal ade-
quado. A via oral é sempre a de eleição e deve ser liberado 6 horas após a extubação, com
paciente estável e acordado; caso contrário a alimentação por sonda deve ser iniciada. Es-
tudos demonstram menores taxas de infecção e tempo de internação com o início precoce
da alimentação enteral. Caso ocorram comorbidades associadas ou complicações gas-
trintestinais que contraindiquem a alimentação por via enteral por mais de 72 horas, estará
indicado o início de nutrição parenteral caso paciente estável.

Suporte respiratório

Tendo em vista que a principal causa de parada cardíaca na infância é por causa respirató-
ria, a adequada ventilação e oxigenação são prioridades para todos os pacientes da terapia
intensiva. É de grande importância o conhecimento da interação cardiopulmonar e sua re-
percussão nas diversas cardiopatias congênitas (Quadro 6), pois alterações na mecânica
ventilatória podem ter implicações profundas na hemodinâmica, especialmente no PO de
cardiopatias complexas. Não há parâmetros de rotina que devam ser utilizados na VMI, po-
rém alguns cuidados especiais devem ser empregados no paciente com cardiopatia, como,
por exemplo, o uso cuidadoso da pressão expiratória final positiva (PEEP) nos pacientes
com anatomia univentricular. Vale também lembrar que pacientes dependentes de shunt
tipo Blalock-Taussig ou de CA, a estratégia ventilatória visa manter uma Sat de oxigênio
entre 75 a 85% e PCO2 45 a 50 mmHg, com objetivo de aumentar levemente a resistência
pulmonar, prevenir hiperfluxo pulmonar e aumentar o fluxo sanguíneo sistêmico.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 6. Interação cardiopulmonar e repercussão nas cardiopatias

Parâmetros da VMI Repercussão Cardiopatia

Alto valor da PEEP ↓ retorno venoso - Evitar na disfunção de VD


- Evitar nas anastomoses
cavopulmonares

Alto volume corrente ↓ resistência - Indicado nos pacientes com


Alta FiO2 vascular pulmonar hipertensão pulmonar

Baixo volume corrente ↑ resistência - Indicado nos pacientes com fluxo


Baixa FiO2 vascular pulmonar sistêmico dependente do CA ou shunt

VMI: ventilação mecânica invasiva; PEEP: pressão expiratória final positiva; VD: ventrículo direito;
FiO2: fração inspirada de oxigênio; CA: canal arterial

Todos os pacientes devem ficar intubados até função cardíaca e pulmonar estáveis, porém
estudos demonstram benefícios com a extubação precoce, a qual deve ser almejada assim
que houver condição clínica para tal.

Baixo débito cardíaco

O débito cardíaco (DC), quantidade de sangue ejetada pelo coração por minuto, depende
de quatro fatores: contratilidade miocárdica, retorno venoso (pré-carga), resistência à saída
do sangue do ventrículo esquerdo (pós-carga), e da FC. Alterações em qualquer um desses
fatores pode levar à síndrome do baixo débito cardíaco, que pode se manifestar por sudo-
rese fria, sinais de agitação psicomotora, extremidades frias, lábios cianóticos ou pálidos,
pulsos periféricos ausentes ou filiformes, hipotensão e oligúria. Por isso, a avaliação do dé-
bito cardíaco (DC) inclui a observação dos sinais clínicos citados, complementada pela mo-
nitorização contínua do paciente, principalmente pela saturação venosa central de oxigênio
e pelo lactato arterial, podendo também ser diagnosticado pela ecocardiografia a beira leito.
Existem várias causas de baixo débito no PO (Quadro 7); algumas prévias e outra relacio-
nadas com o ato cirúrgico.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
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Quadro 7. Principais causas de baixo débito cardíaco


no pós-operatório (PO)

Condição pré-operatória

Complexidade da cardiopatia

Disfunção sistólica ou diastólica pela cardiopatia

Recém-nascidos peso <2,5kg

Isquemia miocárdica

Arritmias

Hipocalcemia

Sangramento no PO

Tamponamento cardíaco

Ventriculotomia e retalhos extensos utilizados na


correção cirúrgica

Defeitos residuais

Déficit de cortisol

Déficit de hormônio tireoidiano

Tempo prolongado de CEC

CEC: circulação extracorpórea

O tratamento do baixo DC tem como objetivo identificar e corrigir alterações nesses


quatro fatores.

Contratilidade

Podem ocorrer por defeito anatômico ou função cardíaca diminuída no pré-operatório, ven-
triculotomia, cardioplegia, isquemia devido à CEC, tempo de CEC e anestésicos. As car-
diopatias menos complexas e que não cursam com disfunção ventricular e/ou hipertensão
pulmonar raramente causam baixo débito no PO, ao contrário das complexas.

Em crianças, o índice cardíaco tende a ser mais baixo nas primeiras 4 horas após o término
da CEC, o que reflete na deterioração do desempenho miocárdico, que é máxima entre 4 a
12 horas após a operação, tendendo a recuperar após 24 a 72 horas pós-CEC.

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Se a criança não apresenta nenhum distúrbio acidobásico ou metabólico grave, de oxige-


nação ou volemia, analgesia adequada, eutérmica e mantém alteração da contratilidade
miocárdica, está indicado o uso de drogas inotrópicas. A seleção do inotrópico adequado
depende da doença de base, dos efeitos colaterais e da ação desejada. Na maioria das
crianças submetidas a cirurgia cardíaca, o suporte inotrópico deve ser iniciado logo após
o término da CEC, antes do aparecimento de sinais de baixo débito cardíaco. O Quadro 8
ilustra as principais drogas vasoativas (DVA) utilizadas no PO e suas principais indicações
e cuidados, devendo, sempre que possível, ser reforçada a escolha pelo Milrinona após a
publicação do Primacorp Study Group.

Quadro 8. Principais drogas vasoativas (DVA) utilizadas no pós-operatório (PO)

DVA Efeito Indicação Cuidado

↓ DC com disfunção
Dobutamina sistólica ↑VO2
β1++ β2++ α +/-
Dose: 5-20mcg/kg/min ↓ DC com ↑ RVP e Arritmias ++++
↓ PA

<2 – D +++
↓ DC (principalmente em
2-5 – D+++ β1+ ↑VO2
Dopamina recém-nascido)
5-10 – β1+++ β2++ α+ ↑ RVP
Dose: 3-20mcg/kg/min Auxílio na perfusão renal
10-20 – β1+ Arritmias
(doses <3mcg/kg/min)
β2+ α +++

↓ DC com ↓ FC ↓ PA
0,1-0,3 – β1++ β2++ ↑VO2
Choque frio/choque
Adrenalina 0,1-0,5 –β1++ α1 ++ ↑ RVP
séptico
Dose: 0,1-2mcg/kg/min > 0,5 – α1 ++++ Arritmias
↑ Perfusão coronariana

↑↑↑ RVP
Noradrenalina Arritmias
β1++ β2+ α ++++++ ↓ DC com ↓ PA
Dose: 0,1-2mcg/kg/min Sobrecarga do
VE e VD

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
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- Inotrópico ↓ PA
Milrinona Inibidor da - Vasodilatador pulmonar Hipovolemia
Dose: 0,5-1mcg/kg/min fosfodiesterase III e sistêmico ↑ de enzima
- Lusitrópico hepáticas

↓ PA
Hipovolemia
Droga de eleição ↑ de enzima
no PO hepáticas
Meia-vida 4-6h

- Inotrópico ↓ PA
Levosimendana Sensibilizador do cálcio
- Vasodilatador sistêmico Meia vida longa
Dose: 0,1-0,2mcg/kg/min intracelular na ligação
e coronariano >5 dias
por 24-48 horas à troponina C
- Lusitrópico

DC: débito cardíaco; RVP: ; PA: pressão arterial; VO2: volume de oxigênio; VE: ventrículo esquerdo;
VD: ventrículo direito

Quando a terapia medicamentosa é ineficaz com quadro de baixo DC refratário às medidas


clínicas instituídas, o suporte circulatório mecânico é indicado. O dispositivo de assistência
circulatória mais utilizado tem sido a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).
Existe uma crescente utilização da ECMO no choque cardiogênico após cirurgia cardíaca,
inclusive como estratégia traçada no pré-operatório para criança com grave disfunção car-
díaca prévia. A ECMO tem sido utilizada com sucesso e sua indicação tende a ser cada vez
mais precoce nos casos de choque séptico refratário, síndrome do desconforto respiratório,
síndrome de aspiração meconial, suporte PO de cirurgia cardíaca com CEC ou como ponte
para transplante cardíaco e/ou pulmonar.

Na falência ventricular isolada pode-se utilizar o dispositivo de assistência ventricular. Esse


dispositivo pode ser particularmente útil em falência de VE após correção da origem anô-
mala da coronária esquerda. Pacientes com falência biventricular podem ser tratados com
dois dispositivos de assistência ventricular, sem utilizarem a membrana de oxigenação.
Porém esses dispositivos ainda são pouco acessíveis no Brasil.

Frequência cardíaca

As alterações da FC são causas importantes de baixo débito no PO. Podem, para fins didá-
ticos, ser dividas em dois grandes grupos: as taquicardias e as bradicardias.
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Taquicardias

São as alterações mais comuns no PO.

As TSV incluem a taquicardia sinusal, fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia atrial automá-
tica, taquicardia por reentrada nodal, taquicardia juncional (JET), taquicardia por reentrada
do nó AV.

As taquicardias sinusais podem ser secundárias a hipertermia, dor, anemia, uso de drogas
vasoativas, hipovolemia (PVC baixa) ou baixo débito cardíaco secundário à disfunção ven-
tricular ou tamponamento (PVC alta). A identificação da etiologia é crucial para o adequado
tratamento. Pacientes com taquicardia não sinusal podem necessitar de realização do atrio-
grama (usando os fios temporários atriais do marca passo) para sua identificação. As TSV
podem responder a medidas como redução da temperatura e catecolaminas. A amiodaro-
na pode ser útil no controle da fibrilação atrial, flutter e outras TSV que não responderam
ao uso de adenosina. Quando instáveis ou refratárias as TSV necessitam de cardioversão
elétrica. A taquicardia juncional (JET) tem difícil manuseio, pois são pouco responsivas a
medicações e/ou a cardioversão. Podem ser controladas com a redução da temperatura
corporal e correção de distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos, limitar o uso de catecola-
minas e uso criterioso de amiodarona também pode ser útil.

Extrassístoles ventriculares (ESV) podem ser resultado de irritabilidade miocárdica asso-


ciada a hipocalemia, hipocalcemia e hipomagnesemia, podendo ser eliminada pela corre-
ção desses distúrbios. TV persistente ou acompanhada de hipotensão requer cardioversão
elétrica imediata. Correção de distúrbios eletrolíticos devem sempre ser feitas. Se a taqui-
cardia ventricular é persistente, é um sinal ameaçador de colapso cardiovascular iminente
(geralmente secundário a insuficiência coronariana), e a reavaliação de emergência pelo
cirurgião responsável é necessária. O controle de taquiarritmia ventricular pode requerer a
administração de amiodarona.

Bradicardias

São menos comuns no PO e estão frequentemente associadas a lesão estrutural, alterando


a condução do estímulo elétrico cardíaco, no caso das dissociações AV, ou a efeitos colate-
rais de fármacos, como, por exemplo, betabloqueadores, sedativos ou antiarrítmicos.
A dissociação AV resulta em perda do sincronismo AV em 20 a 30% no débito cardíaco.
Os eletrodos epicárdicos temporários são essenciais para estes pacientes. A bradicardia
sinusal pode ser tratada com estimulação atrial ou apenas com suspensão do fármaco
que esteja levando a ela. No bloqueio AV (BAV) de segundo grau, pode-se usar o marca-
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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
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-passo temporário. O BAVT deve ser tratado imediatamente com marca-passo sequencial
AV, podendo-se usar isoproterenol 0,1 a 1mcg/kg/minuto (fármaco com efeito beta-agonis-
ta – principalmente cronotrópico) para aumentar a frequência até que os eletrodos sejam
implantados. A estimulação sequencial (átrio g ventricular) tem vantagem hemodinâmica
pela contribuição atrial ao enchimento ventricular, aumentando em 20 a 30% o DC, além de
inibir ritmos ectópicos atriais ou ventriculares. Se o ritmo sinusal não se estabilizou em 7 a
14 dias, o marca-passo definitivo está indicado.

Pós-carga
Seria a resistência à ejeção do volume sistólico dos ventrículos. As pressões arterial sistê-
mica (PAS) e pulmonar (PAP) são os principais fatores relacionados à pós-carga.

Hipertensão arterial sistêmica

É uma complicação esperada no PO de algumas cardiopatias, como após a correção de


coarctação de aorta, clampeamento de CA e demais cirurgias onde há manipulação do arco
aórtico e aumento do fluxo sistêmico. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) nessas patolo-
gias ocorre por dois mecanismos: pela estimulação dos barorreceptores periaórticos ou pela
acomodação da vasculatura sistêmica, com o aumento do fluxo sanguíneo após a correção.

Devemos ter como objetivo pressão arterial entre 25% acima e 10% abaixo do p50 para a
idade e estatura; não devemos tolerar hipertensão, principalmente no PO de paciente com
disfunção do VE, em razão do risco de sobrecarregar e falir o VE, fora outros riscos, como
ruptura de suturas intracardíacas, gerando lesões residuais, como comunicação intraventri-
cular (CIV), ou extracardíacas, gerando sangramentos.

A HAS no PO pode também ser desencadeada por outros fatores como: dor, hipotermia,
hipo ou hipervolemia, vasoconstrição periférica, descarga simpática relacionada a reação
de despertar após anestesia geral e HAS prévia exacerbada. No controle da HAS, temos
medidas gerais como analgesia, sedação e correção da volemia, além das medidas com
fármacos anti-hipertensivos (Quadro 9).

Quadro 9. Medicamentos anti-hipertensivos utilizados no pós-operatório

Fármaco Dose Indicações: Cuidados

Nitroprussiato 0,5-10mcg/kg/min - Fármaco de eleição para - Risco de meta-


HAS no POI hemoglobinemia
- Via endovenosa - Taquicardia
- Meia vida curta: rápido
início e término de efeito

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Hidralazina 0,1-0,5/kg/dose - Via endovenosa - Taquicardia frequente


- Meia-vida 4-6 horas

Anlodipina 0,1-0,3mg/kg/dia - Meia-vida longa - Longo efeito


- Via enteral vasodilatador

Captopril 1-5mg/kg/dia - Indicado no paciente - Insuficiência renal


com disfunção cardíaca
- Inibe o sistema renina-an-
giotensina-aldosterona
- Via enteral

Propranolol 1-5 mg/kg/dia - Ventrículos - Diminui a resposta


- Hipertróficos cronotrópica
- Disfunção diastólica - Pode levar a BAV e/ou
- Via enteral bradicardia
- Não recomendado como
rotina no PO
- Meia-vida longa

HAS: hipertensão arterial sistêmica; POI: pós-operatório imediato; BAV: bloqueio atrioventricular

Hipertensão arterial pulmonar

Umas das complicações mais dramáticas e temidas no PO por sua alta letalidade é a hiper-
tensão arterial pulmonar (HP). Manifesta-se com aumento agudo da pressão arterial pulmo-
nar a valores suprassistêmico, gerando sobrecarga do VD e diminuído a pré-carga do VE,
com consequente redução do débito cardíaco e queda da saturação. Pode ser desencade-
ada por qualquer fator que estresse o paciente propenso a essa complicação: hipoxemia,
dor, agitação, aspiração traqueal, hipercapnia, hipotermia, acidose, ou uso de inotrópicos
alfa-adrenérgicos.

Ocorre principalmente no PO das cardiopatias de hiperfluxo pulmonar (pacientes com


truncus arteriosus e defeito de septo AV, principalmente naqueles com síndrome de Down)
e na drenagem anômala das veias pulmonares. O risco dessa complicação aumenta nos
pacientes que não foram acompanhados no pré-operatório e com indicação tardia de cor-
reção do defeito. Existem protocolos que defendem a confecção ou o não fechamento de
pequenas CIAs residuais deixadas nesta amostra de paciente, para haver uma via de fuga
(shunt D – E) garantindo o débito cardíaco caso essa complicação ocorra.
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O tratamento da crise de HP tem como objetivo para realização de medidas para diminuir
a pressão pulmonar e prevenir o estímulo da crise. Apesar dos estudos e novos fármacos
disponíveis para terapêutica desses pacientes, essa ainda é uma das complicações mais
dramáticas do PO, com alta mortalidade. A monitorização da PAP e as medidas preventivas
citadas no Quadro 10 estão indicadas nesta amostra de paciente e devem fazer parte da
estratégia traçada para manejo.

Quadro 10. Condutas na hipertensão arterial pulmonar (HP)

Condutas Objetivos

FiO2 100% Vasodilatação pulmonar seletiva

Óxido nítrico 5-20 ppm Vasodilatação pulmonar seletiva

Inotrópico, vasodilatador e com efeito


Milrinona 0,5-1mcg/kg/minuto
lusitrópico. Droga vasoativa de escolha na HP

Causa vasodilatação pulmonar, porém


não seletiva. Utilizar com cuidados no PO.
Sildenafil 2-5mg/kg/dia
Utilizado em casos refratários e/ou com
dificuldade de desmame do NO

Causa vasodilatação pulmonar, porém


não seletiva
Bosentana 3mg/kg/dia Utilizar com cuidados no PO. Droga
Sildenafil 2-5mg/kg/dia nova, utilizada em casos extremos com
refratariedade clínica. Sem evidência para
uso rotineiro

Alcalinização
pH 7,45-7,5
Vasodilatação pulmonar
Bicarbonato > 25
PCO2 30-35

Evitar hipovolemia Garantir a pré-carga do VD

Sedação, Analgesia
Diminuir o estresse e o estimulo a HP
Bloqueio Neuromuscular

Indicado caso falhas das medidas


ECMO
acima citadas.

FiO2: fração inspirada de oxigênio; PO: pós-operatório; NO: oxido nítrico; VD: ventrículo direito; PCO2:
pressão arterial de gás carbônico

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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Pré-carga

Definida como o enchimento diastólico final. Na ausência de lesão valvar AV, a pressão
diastólica final corresponde à pressão média dos átrios, sendo possível controlar a volemia
por meio da PAD e PAE. O valor ideal das pressões dos átrios é que estejam até 15 mmHg,
com zero na linha axilar média, podendo chegar a 18 mmHg, no átrio direito, e 20 mmHg,
no átrio esquerdo, quando houver hipertrofia, hipocontratilidade, obstrução parcial das vias
de saída ventriculares ou hipertensão pulmonar. No PO de CIA ou cardiopatias com grandes
dilatações de átrio direito como na drenagem anômala de veias pulmonares, o átrio direito é
muito complacente, e a PVC oscila entre 5 e 10 mmHg. Nas cirurgias em que há anastomo-
se cavopulmonar ou atriopulmonar, a PVC deve ficar entre 18 e 20 mmHg.

A adequação da volemia é sempre um desafio nos cuidados intensivos ao paciente grave e


deve ser ainda mais cauteloso no paciente em PO.

Não existe consenso em relação à melhor solução para reposições volêmicas no PO, de-
vendo esta ser individualizada a cada caso e com maior atenção nos casos de paciente
com sangramento.

Sangramento

Visto a necessidade da utilização de heparina no paciente em CEC, alterações plaquetárias


e coagulopatia consequentes da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), da CEC e de pos-
síveis acidentes anatômicos da cirurgia podem acontecer. O sangramento deve ser sempre
uma preocupação no PO imediato. Perdas superiores a 10mL/kg na primeira hora e 5mL/
kg/hora por mais de 3 horas consecutivas sugerem causa anatômica cirúrgica e não coa-
gulopatia. Recomenda-se transfundir sempre que perdas >4mL/kg/h com alteração hemo-
dinâmica, independentemente dos resultados de Hb/Ht, o paciente com hemorragia aguda
pode estar hemoconcentrado, gerando um resultado laboratorial falseado. Algumas medi-
das clínicas podem ser realizadas nos pacientes com sangramento ativo até que a equipe
cirúrgica reveja a hemostasia. São elas:

• protamina: reverte o efeito residual da heparina: 0,5-1mg/kg, sendo que 1mg neutraliza
100ui de heparina.

• concentrado de plaquetas: 1unidade/10kg: se plaqueta <50.000 ou sangramento ativo


pós-CEC.

• plasma fresco: 10-20mL/kg.


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Capítulo 9 | Cuidados no pós-operatório das cardiopatias congênitas
Camip

• crioprecipitado: 1 unidade/10kg se fibrinogênio baixo (<150) ou persistência do sangra-


mento após receber plasma.

• medicamentos que previnem a quebra do coágulo de fibrina por formar um


complexo com a plasmina, como: ácido épsilon aminocapróico (dose de ataque:-
100-200mg/kg e depois 100mg/kg de 6/6h) ou ácido tranexamico (10mg/kg de 6/6h)
podem ser utilizados na sequência. Não existe consenso sobre a utilização destes fár-
macos no sangramento do PO.

Importante alertar que frente a um paciente com sangramento, a equipe cirúrgica deve
ser sempre alertada, e as medidas pró-coagulantes devem ser discutidas em todos os
pacientes pós-cirurgias de cardiopatias complexas, principalmente nos com anastomose
cavopulmonar e confecção de circulações shunts dependentes como Blalock-Taussig, em
razão do risco de trombose e obstrução desses shunts. Para tanto é prioridade a estabili-
dade hemodinâmica e a hemostasia do paciente, porém sempre devemos lembrar do risco
dessas dramáticas complicações.

Conclusão

Merece atenção a necessidade de individualizar os cuidados, dominar a fisiopatologia, e


sua interação com as medidas terapêuticas instituídas.

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Camip

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Insuficiência
Capítulo 10 | Insuficiência respiratória 10
Capítulo 10
Respiratória
Insuficiência respiratória

Andréia Imamura
Juliana Ferreira Ferranti Andréia Imamura
Natália Viu Degaspare Juliana Ferreira Ferranti
Natália Viu Degaspare
Caso clínico

Lactente de 2 meses de idade chega ao serviço de emergência com história de 3 dias


de coriza e tosse. Há 1 dia, mãe notou cansaço e mediu um pico de febre de 37,9°C. Ao
exame físico inicial, apresentava-se em regular estado geral, taquidispneico leve, com
sibilos e estertores finos bilaterais, tiragens subdiafragmáticas e intercostais, frequência
cardíaca (FC) de 150bpm, frequência respiratória (FR) de 55ipm e saturação de 92% em
ar ambiente.

Foram tentadas inalações do soro fisiológico e salbutamol com relativa melhora do quadro
clínico, mantido em observação com halo de oxigênio com 8L de oxigênio e 8L de ar com-
primido, saturando 95%.

Após 6 horas, apresentou piora do quadro clínico, com taquidispneia importante, tiragens
subcostais e fúrcula, além de ausculta diminuída em tórax direito. Encaminhado para uni-
dade de terapia intensiva (UTI), foi feita radiografia de tórax que evidenciava atelectasia
em lobo superior direito. Tentado acoplar em CPAP de 5mmHg e fração inspirada de oxi-
gênio (FiO2) de 50%, porém, após 2 horas, mantinha desconforto respiratório importante,
com saturação de 90% e apresentou um episódio de apneia. Foi coletada gasometria ar-
terial, que mostrava pH de 7,20, pressão parcial de oxigênio (paO2) de 55mmHg e pressão
parcial de dióxido de carbono (paCO2) de 65mmHg, sendo optado por intubação.

Questões

1. Quais são os motivos anatômicos e fisiológicos que levam a criança acima a apresentar
maior chance de insuficiência respiratória?

2. Você considera a coleta de gasometria arterial fundamental para o diagnóstico de insu-


ficiência respiratória? E para indicação de intubação orotraqueal?

3. A tentativa de acoplar o lactente ao CPAP foi correta? Justifique.


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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Camip

Apresentação

Os problemas respiratórios constituem as principais causas de internação hospitalar e de


morbimortalidade em crianças. A insuficiência respiratória é a principal causa de parada
cardiorrespiratória (PCR) nas crianças, sobretudo nas abaixo de 1 ano.

Por isso, o reconhecimento precoce dos sinais de desconforto respiratório ou da insufici-


ência respiratória levam ao início da terapêutica mais cedo, evitando-se, assim, a evolução
para PCR.

A insuficiência respiratória pode ser definida como uma incapacidade do sistema respirató-
rio em manter a oxigenação necessária para suprir as necessidades metabólicas teciduais
e a eliminação do gás carbônico.

Tipos de Insuficiência respiratória

A respiração consiste na troca de gases entre o ar ambiente e as células, e na reação intra-


celular do gás oxigênio com moléculas orgânicas produzindo gás carbônico, água e ATP.

A insuficiência respiratória ocorre quando o provimento de oxigênio é inadequado e/ou


quando a eliminação do gás carbônico é insuficiente, levando à sua retenção. Assim, a in-
suficiência respiratória pode ser classificada em:

• Tipo I (hipoxêmica), se desigualdade de ventilação/perfusão em unidades pulmonares


regionais: paO2 baixa e paCO2 normal ou baixa.

• Tipo II (hipercapneica ou ventilatória), que decorre do comprometimento direto da


ventilação: paO2 normal ou baixa e paCO2 elevada.

Após a injúria pulmonar, inicia-se a fase 1, caracterizada pela queda da PaO2. Na fase 2, há
aumento do volume-minuto respiratório, o que mantém PaO2 e queda da PaCO2.

Na fase 3, a PaO2 diminui progressivamente, apesar do aumento do trabalho respiratório, e


há elevação do gás carbônico acima dos níveis normais.

A fase 4 caracteriza-se pela falência respiratória devido à fadiga muscular respiratória, le-
vando à queda da PaO2 e ao aumento progressivo da PaCO2 (Figura 1).

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 1. Comportamento das pressões parciais de oxigênio (PaO2) e gás carbônico (PaCO2)
no sangue, conforme o agravo da insuficiência respiratória

Fisiopatologia

Particularidades anatômicas e fisiológicas presentes nas crianças fazem com que elas te-
nham maior predisposição ao desenvolvimento da insuficiência respiratória.

Fatores anatômicos

A respiração até o quarto a sexto mês de vida é predominantemente nasal. Doenças obs-
trutivas nasais podem levar a grande esforço respiratório e até a apneia.

O volume ocupado pela língua na cavidade oral é maior quando comparado com o do
adulto. Por isso, situações em que ocorre perda do tônus lingual, há queda desta sobre a
orofaringe, causando obstrução à entrada do ar.

A criança tem o occipício mais proeminente do que o adulto, sendo que, quando deitada,
tem a tendência a flexionar o pescoço, dificultando a passagem de ar.

O brônquio fonte direito é mais inclinado na criança, o que a predispõe ao acúmulo de se-
creções, podendo causar atelectasias mais facilmente.

As vias aéreas das crianças são mais curtas, mais estreitas e em menor número que a dos
adultos. Como a resistência ao fluxo de ar é inversamente proporcional à quarta potência do
raio da via aérea, então reduções relativamente pequenas no diâmetro da via aérea resultam
num aumento proporcionalmente maior da resistência ao fluxo de ar e, consequentemente,
do trabalho respiratório nas crianças (Figura 2).

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Camip

Figura 2. Calibre de vias aéreas na criança e no adulto. Edema de apenas 1mm provoca uma
diminuição na luz das vias aéreas da criança, comprometendo a passagem de ar

Em crianças pequenas, a via aérea apresenta um afunilamento logo abaixo das cordas
vocais (subglote). Patologias que acometem esse segmento, como laringites, causam o
aumento na resistência ao fluxo de ar, podendo levar à insuficiência respiratória.

A epiglote em forma de U ou V é mais flácida e posicionada a um ângulo de 45° em relação


à parede anterior da laringe. Isso pode bloquear a passagem de ar, gerando um fluxo mais
turbilhonado.

Uma maior complacência da porção traqueobrônquica favorece ao seu colabamento inspi-


ratório em situações de obstrução de vias aéreas.

A conformação arredondada da caixa torácica dos recém-nascidos e lactentes (diâmetro


anteroposterior igual ao transverso e posição horizontal das costelas) confere uma des-
vantagem à mecânica respiratória, porque ocorre menor elevação das costelas durante a
contração da musculatura intercostal. Com o crescimento da criança, as costelas passam a
assumir posição oblíqua, levando à uma conformação elíptica do tórax.

A maior complacência do tórax leva ao maior esforço na inspiração, para gerar volume cor-
rente adequado.

Nas crianças, o diafragma está inserido numa posição mais alta e horizontal que nos adul-
tos. Isso faz com que a movimentação do diafragma, durante a inspiração e a expansibili-
dade pulmonar, seja menor.

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Há maior tendência à fadiga respiratória, devido à musculatura menos desenvolvida e ao


aumento da FR.

Os poros de Kohn e os canais bronquialveolares de Lambert se desenvolvem com a idade


(2 a 6 anos). As crianças mais novas possuem pouca capacidade de ventilar unidades obs-
truídas ou desfazer atelectasias.

A criança possui menor diâmetro dos alvéolos, com maior tendência ao colapso alveolar
e formação de atelectasias, além de menor número de alvéolos, com menor superfície de
trocas gasosas, levando mais rapidamente à acidose respiratória.

Fatores fisiológicos

As crianças têm taxa metabólica mais alta e, assim, maior consumo de oxigênio. Além dis-
so, apresentam menor capacidade residual funcional (CRF) e menores reservas de oxigê-
nio, o que favorece o desenvolvimento da hipoxemia e da hipóxia tecidual em situações de
agravos respiratórios.

Na criança, o volume crítico de fechamento (volume de ar nas unidades alveolares em que


começa a haver colabamento alveolar) encontra-se dentro da CRF (Figura 3). Assim, duran-
te a expiração, a criança passa a apresentar fechamento de alvéolos, precisando de esforço
extra na inspiração para reabertura desses alvéolos.

Figura 3. Volumes pulmonares e o de fechamento localizado na capacidade residual funcional

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Camip

Dísticos

Volume de reserva inspiratório

Volume de reserva expiratório

Volume corrente

Volume residual

Capacidade inspiratória

Capacidade vital

Capacidade pulmonar total

Capacidade residual funcional

Volume de fechamento

Quando em posição supina, a pressão abdominal passa a empurrar o diafragma e diminui a CRF.

Há uma maior tendência a fazer apneias por dois motivos. Primeiro por menor resposta a
elevação de gás carbônico. Segundo, pelo fato de a hipoxemia no sistema nervoso central
deprimir os movimentos respiratórios. Os recém-nascidos possuem uma imaturidade dos
centros respiratórios, sendo mais suscetíveis a apneias.

Receptores de distensão (receptores “J”) que estimulam a respiração quando há distensão


dos alvéolos estão presentes.

Maior risco a fadiga muscular ocorre pelas crianças apresentarem FR mais elevada do que
o adulto, menor quantidade de fibras musculares tipo 1 (maior resistência a fadiga) e menor
massa muscular.

Nos menores de 6 meses, a hemoglobina fetal (mais ávida por oxigênio) faz com que haja
menor liberação do oxigênio para os tecidos.

Imaturidade imunológica

Causas

A insuficiência respiratória pode ocorrer por diversos fatores. Didaticamente podemos divi-
dir o processo de respiração em três fases: respiração externa, transporte gasoso e respi-
ração interna.
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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Alteração da respiração externa

A respiração externa consiste no movimento do ar internamente para os pulmões (ventila-


ção), na exposição do oxigênio alveolar ao sangue do capilar pulmonar (ventilação/perfu-
são) e na troca gasosa na membrana alvéolo-capilar (difusão).

Ventilação

O controle da ventilação (Quadro 1) ocorre por meio elevação PaCO2 percebida por quimior-
receptores no seio carotídeo e no sistema nervoso central, que determina aumento da FR.

Quadro 1. Controle da ventilação e causas que podem gerar alteração da ventilação

Local Causa

Metabolismo, receptores de distensão, maturidade do centro


Estímulo do sistema
respiratório, drogas depressoras do sistema nervoso central,
nervoso central
coma, trauma, meningites e meningoencefalites

Doenças neuromusculares (síndrome de Guillain-Barré,


Nervo frênico e
miastenia gravis e síndrome Werdnig-Hoffmann), drogas,
estimulação diafragmática
polirradiculoneurite, tétano

Contração diafragmática Fadiga, uso de curare, hérnia diafragmática

Abcesso retrofaríngeo, amigdalite, epiglotite,


Vias aéreas superiores estenose subglótica, corpo estranho, anel vascular,
laringotraqueomalácia

Atelectasias, pneumonias, edema pulmonar não cardiogênico,


escoliose, aumento da pressão abdominal (ascites volumosas,
Expansibilidade torácica
tumores abdominais, hemorragia intra-abdominal, obstrução
do trato gastrintestinal)

Quando ocorre hipoventilação pura, a troca gasosa está preservada, porém o ar não che-
ga ao alvéolo. Dessa forma, podemos determinar se a hipoxemia encontrada é devida à
hipoventilação pura ou a outros mecanismos que afetem os gases sanguíneos por meio
da diferença alvéolo arterial de oxigênio (DA-aO2). A diferença A-aO2 representa as áreas
normalmente subventiladas do pulmão e seu valor normal é de 5mmHg. Valores >15mmHg
representam outras causas que não apenas hipoventilação de hipoxemia. A diferença do
alvéolo arterial de O2 se dá pela fórmula:

PAO2 - PaO2

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Camip

Sendo:

PAO2 = pressão alveolar de oxigênio, que, por sua vez, se dá pela fórmula:

PAO2 = [FiO2 x (Patm - PH2O)] - [PaCO2/R]

PaO2 = pressão arterial de oxigênio (obtida na gasometria arterial.


PaCO2 = pressão arterial de gás carbônico (obtida na gasometria arterial.
R = quociente respiratório (sob estado de equilíbrio, normalmente = 0,8)
Patm = 760mmHg ao nível do ma.
PH2O = 47mmH

Distúrbios ventilação/perfusão

Os distúrbios de ventilação e perfusão (V/Q) são as principais causas de insuficiência res-


piratória na criança (Quadro 2). Relações V/Q baixas são causadas por áreas bem perfun-
didas, porém mal ventiladas, criando efeito shunt. As relações V/Q mais altas são resultado
de áreas bem ventiladas e mal perfundidas, o chamado “espaço morto”.

Quadro 2. Causas de insuficiência respiratória separadas por efeito shunt e espaço morto

Shunt Espaço morto

Cardiopatia de hiperfluxo pulmonar


Estados hiperdinâmicos Diminuição do débito cardíaco esquerdo
Insuficiência cardíaca esquerda Embolia pulmonar
Asma Choque
Bronquiolite Hipertensão pulmonar primária
Pneumonia Enfisema
Síndrome do desconforto respiratório

Difusão

O sangue permanece cerca de 0,75 segundos no capilar pulmonar, tempo em geral sufi-
ciente para que as trocas gasosas ocorram.

O oxigênio e o gás carbônico movem-se pela membrana alvéolo-capilar passivamente por


diferença de gradiente de concentração; em um pulmão normal, esse equilíbrio ocorre em
0,25 segundos. Caso ocorra um aumento na espessura da membrana alveolar (exudato,
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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

por exemplo), demora-se mais para atingir o equilíbrio, porém, o tempo em que o sangue
permanece no capilar é três vezes maior que o necessário. Assim, a hipoxemia está muito
mais relacionada a uma passagem do sangue mais rápida pelo capilar pulmonar (como no
exercício físico), do que ao aumento da espessura da membrana.

Alteração do transporte gasoso

A oferta de oxigênio (DO2) para os tecidos é dependente do débito cardíaco (DC), que im-
pulsiona o sangue para o corpo, e do conteúdo arterial de oxigênio (CaO2). Ela é encontrada
por meio da fórmula:

DO2 = CaO2 x DC x 10

O CaO2 é a maneira como o oxigênio é transportado no sangue, ligado a hemoglobina em


sua maior parte e dissolvido no plasma.

CaO2 = (1,34 x Hb x SatO2) +(0,0031 x PaO2)

Por esse motivo, é fundamental manter uma quantidade adequada de hemoglobina em pa-
cientes em insuficiência respiratória, além de monitorizar a saturação de oxigênio (SatO2).
Como 98% do oxigênio circula ligado a hemoglobina, é importante conhecer os fatores que
deslocam a curva de dissociação da hemoglobina (Quadro 3).

Quadro 3. Fatores que influenciam na curva de dissociação da hemoglobina (Hb).


O desvio para esquerda aumenta a afinidade da hemoglobina com o oxigênio (O2).
O desvio para direita provoca uma diminuição da afinidade, liberando mais oxigênio
para os tecidos

Fatores que diminuem afinidade do O2 Fatores que aumentam afinidade do O2


pela Hb pela Hb

Aumento da temperatura Diminuição da temperatura

Diminuição do pH/aumento da paCO2 Aumento do pH/diminuição da paCO2

Aumento do 2,3 DPG Diminuição do 2,3 DPG

Hemoglobina fetal

PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; 2,3 DPG: difosfoglicerato

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Camip

Alteração da respiração interna

A respiração interna consiste na troca de gases entre os capilares sistêmicos e as células.


Eventos como o choque séptico e a intoxicação por cianeto podem impedir que a célula
capte oxigênio do sangue.

Quadro clínico

Clinicamente, a dificuldade respiratória pode ser identificada inicialmente por taquipneia e/


ou dispneia ou, em casos mais graves, com bradipneia ou apneia. O aumento na FR, de
acordo com a faixa etária (Tabela 1), impõe observação e investigação diagnóstica.

Tabela 1. Frequência respiratória (FR) de acordo com a idade

Idade FR

<2meses <60/min

2–12meses <50/min

1–5 anos <40/min

6–8 anos <30/min

> 18 anos 12/min

Outro dado importante é a interpretação do grau de esforço respiratório caracterizado com


batimento de asa de nariz, movimento de vai-vém com a cabeça, retração de fúrcula es-
ternal, retração subcostal e intercostal, utilização da musculatura acessória da respiração e
movimento paradoxal do abdome.

A presença de gemidos expiratórios indicam colapso alveolar e de pequenas vias aéreas,


que surgem da tentativa de aumento da CRF e de otimizar oxigenação por meio do fecha-
mento da glote na expiração. Sibilância e expiração prolongada apresentam-se em patolo-
gias obstrutivas de vias aéreas inferiores ou em edema pulmonar. Estridores inspiratórios ou
rouquidão surgem em patologias obstrutivas altas.

Ao exame clínico, a importância da verificação da expansibilidade associada à ausculta pul-


monar, com detecção de ruídos adventícios localizados ou difusos, ou sua ausência ajudam
no direcionamento diagnóstico.

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Além disso, outros sintomas podem se apresentar decorrentes da hipoxemia e hipercapnia


(Quadro 4).

Quadro 4. Sinais clínicos decorrentes de hipoxemia ou de hipercapnia

Hipoxemia Hipercapnia

Alterações do comportamento: agitação, Alterações do comportamento: obnubilação


euforia, choro incessante progressiva, torpor e coma

Taquicardia Taquicardia

Taquipneia/taquidispneia Taquipneia/Taquidispneia

Cefaleia Cefaleia

Hipertensão arterial Hipertensão arterial

Sudorese Sudorese

Cianose Pele quente

Rebaixamento do nível de consciência Pulsos amplos


e coma

Parada cardiorrespiratória

A identificação da insuficiência respiratória é clínica. A realização de exames complementa-


res pode ajudar a elucidar a causa do quadro, além de mostrar sinais de gravidade, compli-
cações e colaborar com a monitorização do paciente.

Oximetria de pulso

É um dispositivo não invasivo, que calcula a saturação arterial de oxiemoglobina (SaO2).


Deve ser utilizado sempre que possível na monitorização de pacientes em insuficiência res-
piratória. Como é dependente do pulso, pode haver dificuldade de obter sinal em pacientes
em choque ou parada cardíaca.

Radiografia de tórax

Pode auxiliar na identificação de patologias pulmonares, como pneumonia, pneumotórax


ou corpo estranho.

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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
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Gasometria

A avaliação eficaz da oxigenação e da ventilação pode ser feita por meio da coleta da ga-
sometria arterial, que permite verificar o grau de acidose (metabólica e/ou respiratória), res-
posta ao tratamento aplicado e inferir a fase da insuficiência respiratória se encontra.

Tratamento
O tratamento da insuficiência consiste tanto em suporte de oxigênio quanto no tratamento
da causa que originou o quadro.

As medidas gerais para estabilização da criança consistem em:

• Desobstrução da via aérea: aspiração cuidadosa das vias aéreas ajuda na retirada de
secreções que podem obstruir a passagem de ar.

• Jejum: enquanto criança estiver em insuficiência respiratória, é importante mantê-la


sem se alimentar, pelo risco de aspiração de dieta ou necessidade de evoluir para intu-
bação orotraqueal.

• Hidratação endovenosa: mantém fluidez das secreções.

• Repouso e sedação: diminui o gasto energético, além de diminuir o turbilhonamento de


ar causado por choro.

• Concentrado de hemácias: aumenta o CaO2. Hoje existe uma tendência a estratégia


conservadora de transfundir quando hemoglobina <7,0g/dL, exceto se hipoxemia grave,
cardiopatias cianogênicas ou paciente instável hemodinamicamente.

A oferta de oxigênio pode ocorrer por meio de diversos dispositivos invasivos ou não invasivos:

• Cateter de oxigênio: propicia um acréscimo na FiO2 de 4% a cada 1L/min. É pouco to-


lerado pelas crianças, principalmente em fluxos >2L/min pelo desconforto. Pode causar
ressecamento de vias aéreas, além de poder deslocar mais facilmente.

• Nebulização de oxigênio: propicia uma oferta não confiável de oxigênio e com a des-
vantagem de poder deslocar facilmente.

• Máscara simples: propicia FiO2 de até 60% quando em fluxos de oxigênio de 8L/min.
Em crianças agitadas, é possível deslocar e causar oferta erradica de oxigênio.
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Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Máscara de Venturi: sistema de alto fluxo, que se adapta a uma válvula que permite
entrada de ar ambiente a um fluxo de oxigênio de 100%. Essa mistura determina con-
centrações mais confiáveis de FiO2 de 25 a 50%.

• Máscara com reservatório e reinalação parcial: propicia uma FiO2 entre 50 e 90%,
devido a mistura com ar ambiente.

• Máscara não reinalante com reservatório: propicia uma FiO2 de 100% quando fluxos
de 10 a 15L/min são colocados na bolsa. Essa máscara possui uma válvula incorporada
na porta de exalação para prevenir a entrada de ar ambiente.

• Oxitenda: propicia uma FiO2 de até 60%, dependendo do fluxo de oxigênio e ar ambien-
te misturados. Permite acesso ao corpo da criança, porém, para alimentação e aspira-
ção de vias aéreas, é preciso retirar a tenda. O barulho pode ser incômodo para a crian-
ça, sendo a proteção auricular recomendada.

• Incubadoras: propiciam FiO2 variáveis entre 40 a 80% dependendo do fluxo de oxigênio


conectado. Podem não manter oferta de oxigênio estável, quando abertas para examinar
o recém-nascido.

• Aparelhos de ventilação mecânica: possuem um blender (misturador), que permite a


mistura de oxigênio e ar ambiente, fornecendo FiO2 de 21 a 100%. Podem ser utilizados
para ventilação invasiva ou não invasiva dependendo da interface.

Pontos-chave – messages to take home

1. Quadros respiratórios ainda são as principais causas de internação hospitalar e de mor-


bimortalidade em crianças.
2. Insuficiência respiratória aguda é a principal causa de PCR em crianças. Por isso, o
reconhecimento precoce problema leva ao início da terapêutica, evitando-se, assim, a
evolução para PCR.
3. Insuficiência respiratória aguda ocorre quando o fornecimento de oxigênio é inadequado
e/ou quando a eliminação do gás carbônico é insuficiente, gerando, assim, dois tipos de
insuficiência respiratória aguda: tipo I (hipoxêmica) e tipo II (hipercapneica ou ventilatória).
4. A criança tem particularidades anatômicas e fisiológicas, que fazem com que haja maior
predisposição ao desenvolvimento da insuficiência respiratória.
5. Insuficiência respiratória aguda ocorre devido a diversos fatores. Didaticamente, pode-
mos dividir o processo de respiração em três fases: respiração externa, transporte ga-
soso e respiração interna.
223

223
Capítulo 10 | Insuficiência respiratória
Camip

6. O quadro clínico da insuficiência respiratória aguda é dinâmico e predominantemen-


te clínico. Observa-se inicialmente que a dificuldade respiratória pode ser identificada
como taquipneia e/ou dispneia ou, em casos mais graves, com bradipneia ou apneia.
Além disso, a variação de FR de acordo com a idade impõe observação e investigação
diagnóstica.
7. A realização de exames complementares, como radiografia de tórax e gasometria ar-
terial, pode ajudar a elucidar a causa do quadro, além de mostrar sinais de gravidade,
complicações e colaborar com a monitorização do paciente.
8. O tratamento da insuficiência respiratória aguda consiste tanto em suporte de oxigênio
quanto tratamento da causa que originou o quadro.

Bibliografia

Fisher CJ Jr. Physiology of respiration. Emerg Med Clin North Am. 1983; 1(2):223-39.

Helfaer MA, Nichols DG. Developmental physiology of the respiratory system.

Levitzky MG. Chapter 3. Alveolar ventilation. In: Levitzky MG, ed. Pulmonary physiology. 7th
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Levy RJ, Helfaer MA. Pediatric airway issues. Crit Care Clin. 2000;16(3):489-504.

Rogers MC. Textbook of pediatric intensive care. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996.

Stape A (coord). Manual de normas: terapia intensiva pediátrica. 2 ed. São Paulo: Sarvier; 2009.

224

224
Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria

Síndrome do Desconforto 11
Capítulo 11
Respiratório Agudo
Síndrome do desconforto respiratório agudo em Pediatria
em Pediatria
Adriana Stama Suzuki Daniel
Cintia Tavares Cruz
Eliane Roseli Barreira
Adriana Stama Suzuki Daniel Eliane Roseli Barreira
Juliana Ferreira Ferranti Cintia Tavares Cruz Juliana Ferreira Ferranti

Caso clínico
CJA, 7 anos e 2 meses, sexo feminino, pesando 23kg, previamente hígida, apresentava
tosse produtiva há 3 dias. Avaliada inicialmente pelo pediatra, recebeu orientação para qua-
dro de resfriado com lavagem nasal e inalação com soro fisiológico. Hoje, apresentou piora
importante do estado geral, inapetência e febre de 38,4°C, evoluindo com desconforto res-
piratório. Procurou o pronto-socorro mais próximo. Ao exame, apresentava-se em regular
estado geral, descorada, hidratada, febril (temperatura de 38,9oC), taquicárdica (frequência
cardíaca − FC de 160bpm), com leve taquidispneia (frequência respiratória − FR de 42rpm).
Realizado raio X tórax no pronto-socorro (Figura 1).

Figura 1. Raio X de tórax obtido no pronto-socorro

Ainda no pronto-socorro, evoluiu com piora do desconforto respiratório e gemência, com


tiragem subdiafragmática e de fúrcula, saturação de oxigênio de até 89% em ar ambiente
e 94% com máscara não reinalante, pulsos cheios e tempo de enchimento capilar 3 a 4
segundos. Iniciada ressuscitação volêmica, realizada intubação orotraqueal e encaminhada
à unidade de terapia intensiva (UTI).
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Na UTI, a paciente permaneceu hemodinamicamente estável, recebendo antibioticotera-


pia de amplo espectro e sedação contínua, e sendo mantida bem acoplada em ventilação
mecânica (VM), com parâmetros moderados: pressão inspiratória positiva final (PEEP) de 7,
pressão inspiratória (Pinsp) de 20, fração inspirada de oxigênio − FiO2 de 45%, pressão de
suporte de 18, FR de 18rpm, tempo inspiratório (Ti) de 0,7. Permaneceu estável, com satu-
ração de oxigênio (SatO2) de 97% e pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigê-
nio (PaO2/FiO2) de 320. No terceiro dia de internação, apresentou queda de saturação até
90%, necessitando aumento importante dos parâmetros ventilatórios: PEEP de 12, Pinsp
de 30, FiO2 de 70%, FR de 22rpm e Ti de 0,7. Colhida gasometria arterial que mostrou PO2/
FiO2 de 150. Repetido raio X de tórax (Figura 2).

Figura 2. Raio X de tórax obtido no terceiro dia de internação

De acordo com o caso clínico apresentado e utilizando-se as informações contidas neste


capítulo, responda:

1. Quais os diagnósticos iniciais da paciente caracterizada acima?


2. Qual o diagnóstico mais provável da paciente no terceiro dia da internação em UTI?
3. Como é definida a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)?
4. Como a SDRA é classificada atualmente, segundo os critérios de Berlin?
5. Qual a fisiopatologia da SDRA?
6. Por qual curva de VM é possível avaliar a complacência pulmonar?
7. De acordo com as terapias descritas para SARA, trace o plano terapêutico (enumere de
acordo com a ordem de prioridade de escolha das terapias).
8. Quais os principais riscos relacionados à VM?
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

9. Em que consiste o conceito de ventilação protetora? Como você ajustaria os parâme-


tros da VM dessa paciente?
10. Após os ajustes de VM, a paciente segue estável, bem acoplada ao ventilador, com
SatO2 de 92% e gasometria com pH de 7,29, PCO2 de 52mmHg. Há necessidade de
novo ajuste dos parâmetros de VM? Com qual conceito de estratégia ventilatória você
pode justificar sua resposta?
11. Em que consiste a estratégia de posição prona? Quando está indicada?
12. O que é recrutamento pulmonar? Quando e como deve ser realizado?
13. Como deve ser o manejo volêmico no paciente com SDRA?
14. Quais terapias medicamentosas podem ser utilizadas nos quadros de SDRA e quais
possuem evidência científica que validem seu uso?
15. O que é oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) e quando está indicada nos
casos de SDRA?

Síndrome do desconforto respiratório agudo

A SDRA é decorrente de um insulto à membrana alvéolo-capilar, com aumento da perme-


abilidade capilar pulmonar, edema intersticial e alveolar, com consequente dano alveolar
difuso. A etiologia é múltipla e envolve tanto fatores pulmonares como extrapulmonares.

A fisiopatologia da SDRA é caracterizada pela presença de colapso pulmonar heterogêneo,


principalmente nas áreas posteriores do pulmão. É sabido que as crianças apresentam
maior risco para atelectasias, devido ao menor número de alvéolos pulmonares, menor nú-
mero de poros de Kohn, menor resistência muscular diafragmática, menor calibre das vias
aéreas e maior complacência da caixa torácica.

Desse modo, às áreas de edema e inflamação pulmonar e, eventualmente, de infecção,


somam-se áreas de atelectasia, o que agrava o desbalanço entre ventilação e perfusão,
característico do paciente com SDRA.

Epidemiologia

Embora a epidemiologia da SDRA tenha sido bem caracterizada em adultos, poucos estudos
epidemiológicos pediátricos foram realizados até o momento. Nesses estudos, a prevalência
de SDRA varia de 0,86 a 7,8% dos pacientes internados em UTI, e de 5 a 20% dos pacientes
submetidos à VM, com taxas de mortalidade relatadas entre 14 e 61%. Taxas de mortalidade
mais altas foram relatadas em estudos conduzidos em países em desenvolvimento.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Estudo recente conduzido no Brasil mostrou prevalência de SDRA de 10% nos pacientes
admitidos em UTI pediátrica, chegando a 19,3% entre as crianças submetidas à VM. Nesta
amostra, a mortalidade relacionada à SDRA foi de 24%.
A prevalência e a mortalidade da SDRA observadas em crianças são consistentemente
menores do que aquelas reportadas em adultos. Um dos possíveis fatores para a menor
prevalência da doença na população pediátrica é o subdiagnóstico, sendo que até 73% dos
casos de SDRA recebem o diagnóstico da doença de base, que desencadeou a síndrome.
Outro fator que contribui para o subdiagnóstico é a menor frequência de uso de cateteres
arteriais e de coleta de gasometria, frente ao aumento crescente do uso da oximetria de
pulso para monitorização em crianças internadas na UTI pediátrica.

Definição
Em 1994, a American European Consensus Conference (AECC) estabeleceu pela primeira
vez a uniformização dos critérios diagnósticos de lesão pulmonar aguda (LPA) e SDRA:

• Síndrome clínica de início agudo


• Presença de infiltrado bilateral ao raio X de tórax
• Ausência de edema pulmonar, caracterizada por pressão de capilar pulmonar <18mmHg
ou ausência de sinais clínicos de insuficiência de ventrículo esquerdo
• Relação pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) <300 (LPA),
sendo que pacientes com LPA e PaO2/FiO2 <200 eram classificados como tendo SDRA

O estabelecimento dessa definição permitiu a uniformização dos critérios diagnósticos uti-


lizados em estudos a partir de então, o que permitiu, por sua vez, melhor conhecimento
da epidemiologia, evolução e tratamento da SDRA. Ao melhor conhecimento da doença,
ao longo das últimas duas décadas, no entanto, somaram-se evidências de limitações dos
critérios diagnósticos estabelecidos pela AECC. Visando suprir tais limitações, foi condu-
zida uma revisão dos critérios diagnósticos de SDRA. Este novo consenso, chamado de
“definição de Berlin” estabeleceu os critérios diagnósticos para a doença apresentados
no Quadro 1.

Quadro 1. Critérios diagnósticos da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)


conforme a definição de Berlin

Até 1 semana após insulto clínico conhecido ou aparecimento/piora


Tempo
dos sintomas respiratórios

Opacidades bilaterais, não totalmente explicáveis por efusão pleural,


Imagem radiológica
colapso lobar/pulmonar ou nódulos

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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Insuficiência respiratória não totalmente explicável por falência


cardíaca ou hipervolemia.
Origem do edema Necessidade de avaliação objetiva (por exemplo: ecocardiografia)
para exclusão de edema hidrostático, apenas na ausência de fatores
de risco

- SDRA leve:
200mmHg < PaO2/FiO2 ≤300 com PEEP/CPAP ≥5cmH2O

- Moderada:
Oxigenação
100mmHg < PaO2/FiO2 ≤200 com PEEP ≥ 5cmH2O

- Grave:
PaO2/FiO2 ≤100 com PEEP ≥5cmH2O

PaO2/FiO2: pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio; PEEP: pressão inspiratória positiva
final; CPAP: continuous positive airway pressure

O processo de definição dos critérios diagnósticos de Berlin utilizou como ferramenta uma
metanálise de estudos conduzidos com adultos, sem levar em consideração as peculiarida-
des referentes à faixa etária pediátrica.

Dois estudos pediátricos realizados até o momento falharam em demonstrar o aumento


progressivo de gravidade entre as três categorias de SDRA, tendo sido observados piores
desfechos, como maior mortalidade e menor número de dias livres de VM apenas para
crianças com SDRA grave. Em 2013, de Luca et al. conduziram estudo analisando aplicabi-
lidade da definição de Berlin para faixa etária pediátrica.

A definição não foi validada para a Pediatria, porém permitiu identificar fatores de risco como:
infecção pulmonar, sepse, imunodeficiência congênita, aspiração, politraumatismo, afoga-
mento, tumores, broncodisplasia pulmonar, doença do refluxo gastresofágico e cirurgia.

Diante do desafio da diferenciação da SDRA de adultos e visando a um melhor conheci-


mento nos diversos aspectos da SDRA pediátrica, em 2015 foi publicado o primeiro con-
senso mundial em LPA pediátrica: o Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference
Group (PALICC). Esse consenso procurou responder às particularidades referentes à SDRA
pediátrica, como presença de displasia broncopulmonar, cardiopatias cianóticas, labilidade
da oxigenação em resposta à pressão média de vias aéreas (PmVA) e uso da saturometria
em substituição da PaO2. Os critérios propostos pelo PALICC são mostrados no Quadro 2.
O consenso estabelecido pelo PALLIC instituiu também diretrizes para o manejo da SDRA
pediátrica. Estudos futuros são necessários para determinar o impacto da utilidade dessas
novas diretrizes no diagnóstico e tratamento da SDRA em crianças.

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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Quadro 2. Critérios diagnóstico de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)


pediátrica, de acordo com o Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference Group
(PALICC)

Idade Excluir pacientes com doença pulmonar perinatal

Tempo Até 7 dias após insulto conhecido

Insuficiência respiratória não totalmente explicada por insuficiência


Origem do edema
cardíaca ou sobrecarga hídrica
Imagem de novo infiltrado pulmonar consistente com doença
Raio X
parenquimatosa aguda
Ventilação não Ventilação Invasiva
invasiva
SDRA (sem SDRA leve SDRA moderada SDRA grave
estratificação de
gravidade)
Oxigenação
BiPAP em 4≤IO<8 8≤IO<16 IO ≥16
máscara facial 5≤ISO<7,5** 7,5≤ISO<12,3** ISO≥12,3**
total ou CPAP
≥5cmH2O
PaO2/FiO2 ≤300
SatO2/FiO2 ≤264*

Populações especiais
Os mesmos critérios descritos acima para idade, tempo, origem do
Cardiopatia
edema e imagem radiológica associados à piora aguda da oxigenação
cianótica
não explicável pela doença cardíaca
Os mesmos critérios descritos acima para idade, tempo e origem do
Doença pulmonar edema com imagem radiológica consistente com um novo infiltrado
crônica e piora aguda da oxigenação em relação às condições basais que
preencham os critérios de oxigenação descritos acima*
Os mesmos critérios descritos acima para idade, tempo e origem do
Disfunção
edema com imagem radiológica consistente com um novo infiltrado e
de ventrículo
piora aguda da oxigenação que preencham os critérios de oxigenação
esquerdo
descritos acima, não explicáveis pela disfunção ventricular*

* A estratificação de acordo com IO ou ISO não deve ser utilizada em pacientes com doença
pulmonar crônica em uso prévio de ventilação mecânica habitual ou em crianças com cardiopatia
congênita cianótica;
** usar índices baseados na PaO2 quando disponível. Quando PaO2 não disponível, reduzir FiO2 para
manter SatO2<97% para calcular o ISSO ou relação SatO2/FiO2.
BiPAP: bilevel positive pressure airway; CPAP: continuous positive airway pressure; PaO2/FiO2:
pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio; SatO2: saturação de oxigênio; IO: índice de
oxigenação; ISO: índice de saturação de oxigênio.

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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Tratamento

Uma vez que publicações sobre estudos de manejo da SDRA em crianças são escassas,
algumas opções de tratamento descritas na literatura são baseadas em estudos realizados
em adultos e incluem estratégias de VM, manejo hemodinâmico e terapia medicamentosa.

Ventilação mecânica

Atualmente, não existem dados suficientes para determinar se os diferentes modos ven-
tilatórios (assistido ou controlado) diferem em seus efeitos sobre a morbimortalidade dos
pacientes com SDRA. Recomenda-se o uso de volume corrente (VC) dentro ou abaixo do
VC fisiológico (por exemplo: 5 a 8mL/kg do peso corpóreo ideal). VC mais baixos (3 a 6mL/
kg) podem ser utilizados em pacientes com complacência pulmonar muito reduzida. Reco-
menda-se ainda manter uma pressão de plateau (PPLAT) máxima de 28cmH2O (ou até 29 a
32cmH2O em pacientes com complacência torácica aumentada) e uso de PEEP moderada-
mente alto (10 a 15cmH2O), titulado de acordo com a resposta na oxigenação e os efeitos
hemodinâmicos. O uso de PEEP elevado permite a manipulação da capacidade residual
funcional e diminuição do espaço morto fisiológico, melhorando a ventilação-perfusão e
reduzindo o shunt pulmonar.

A partir do reconhecimento da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (LPIVM),


o uso das estratégias protetoras de ventilação descritas acima tem sido consistentemente
recomendado. Apesar dos efeitos benéficos na morbimortalidade de pacientes com SDRA,
a ocorrência de hipercapnia secundária à ventilação protetora é frequente.

Em pacientes com SDRA moderada a grave, deve-se considerar uma hipercapnia permis-
siva, desde que o pH sanguíneo seja mantido entre 7,15 e 7,30, exceto em pacientes com
condições clínicas em que a hipercapnia está contraindicada. Tais condições incluem aci-
dose metabólica prévia, hipertensão pulmonar ou intracraniana, insuficiência coronariana,
disfunção ventricular grave e arritmias cardíacas.

Embora as estratégias de VM convencional (VMC) sejam eficazes na maioria das crianças,


em alguns pacientes esta pode não garantir a oxigenação e a ventilação adequadas.

A ventilação oscilatória de alta frequência (VOAF) é uma modalidade de resgate amplamente


utilizada no manejo da SDRA. Está indicada em pacientes com SDRA moderada ou grave,
que mantêm hipoxemia em VMC com PPLAT >28cmH2O, sem evidências de complacência
reduzida de caixa torácica.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Nos escassos estudos publicados, observa-se maior benefício do uso da VOAF quando ini-
ciada de forma precoce, ou seja, nas primeiras 24 horas da hipoxemia refratária. As indica-
ções incluem pacientes com SDRA, pneumonia grave, hemorragia pulmonar, deficiência de
surfactante, nos quais a VMC protetora falha e os parâmetros ventilatórios empregados são
considerados lesivos. Estudo brasileiro que investigou o uso da VOAF em crianças com SDRA
sugeriu que a VOAF deve ser indicada em pacientes com SDRA moderada e grave em VMC
cujos parâmetros não mais oferecem ventilação protetora: pico de Pinsp (PIP) >35cmH2O,
com PmVA >15 a 18cmH2O e FiO2≥0,6. Em lactentes, os parâmetros de VMC sugeridos para
início da VOAF são: PmVA≥ 10 a 12cmH2O, FiO2≥0,6 e falha na expansão torácica.

Posição prona

O uso da posição prona em doentes com SDRA baseia-se no recrutamento de unidade


alveolares ventilatório-dependentes, promovendo, assim, melhora do shunt pulmonar. Em-
bora não existam evidências que possam recomendar sua utilização rotineira em crianças,
a posição prona pode ser considerada para pacientes que necessitem de altos valores de
PEEP e FiO2 para manter oxigenação adequada ou em pacientes com SDRA grave, exceto
se houver contraindicações à mudança postural.

Recrutamento pulmonar

O recrutamento pulmonar consiste em manobras que elevam a pressão das vias aéreas, au-
mentando a pressão transpulmonar, com o objetivo de abrir e recuperar os alvéolos colap-
sados, melhorando a troca gasosa. É usado junto das estratégias de ventilação protetora,
havendo evidências de que o recrutamento pulmonar em crianças é seguro e relaciona-se à
melhora da oxigenação, restaurando o volume pulmonar e diminuindo a heterogeneidade de
distribuição do VC em pacientes com SDRA. A restauração da pressão expiratória final e a es-
tabilização dos alvéolos, técnica conhecida como open lung strategy, podem reduzir a LPIVM.

As manobras de recrutamento pulmonar estão indicadas em pacientes em VM com hipo-


xemia refratária, sendo que melhores resultados são observados quando o recrutamento é
realizado precocemente (primeiras 36 a 72 horas após o diagnóstico de SDRA).

Técnicas de recrutamento pulmonar incluem as manobras de insuflação sustentada ou de


aumento e redução progressivos do PEEP. A técnica de aumento progressivo do PEEP, cha-
mada Stepwise Lung Recruitment Maneuver, é descrita no Quadro 3. Esta técnica pode ser
usada com cautela em pacientes com distúrbios de oxigenação graves. Não existem até o
momento evidências que possam recomendar o uso de manobras de insuflação sustentada
em pediatria.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 3. Estratégia de manobra de recrutamento

Condições para recrutamento

Sedação profunda e bloqueio neuromuscular

Estabilidade hemodinâmica

Monitorização contínua de FC, PA, SatO2 e EtCO2

Sistema fechado de aspiração de vias aéreas

Posição prona opcional

Como recrutar

FiO2 de 100%, FR de 10, PC de 15cmH2O, PEEP de 10cmH2O, VC de 6mL/kg, relação inspira-


ção:expiração de 1:1

Aumentar PEEP em 5cmH2O a cada 2 minutos*

Reduzir o PEEP em 5cmH2O a cada 2 minutos

Em aparelhos que possuam o recurso open lung, encontrar o PEEP que correspondeu ao me-
lhor valor de complacência OU

Observar curva de pressão-volume e manter o PEEP 2cmH2O acima daquele


correspondente ao ponto de inflexão inferior da curva

*O PEEP máximo deve ser ajustado de acordo com o tamanho da criança e resposta dos sinais vitais
e PCO2, até o valor máximo de 35cmH2O em adolescentes e adultos.
FC: frequência cardíaca; PA: pressão arterial; SatO2: saturação de oxigênio; Et-CO2: gás carbônico
expirado; FiO2: fração inspirada de oxigênio; FR: frequência respiratória; PC: pressão controlada;
PEEP: pressão inspiratória positiva final; VC: volume corrente

Após o recrutamento, o paciente deve ser mantido em ventilação com PEEP pouco acima
daquela considerado a PEEP ideal, ou seja, maior que a pressão de fechamento crítico
alveolar, de modo a garantir a patência alveolar ao final da expiração. O recrutamento pul-
monar tem como principal benefício a melhora da oxigenação, sendo relatados aumentos
sustentados de até 53% na relação PO2/FiO2 após manobras de recrutamento em crianças.

Complicações relacionadas às manobras de recrutamento incluem instabilidade hemodinâ-


mica, barotrauma, aumento de pressão intracraniana e hipercapnia durante o procedimento.

Apesar das evidências de melhora na oxigenação, os estudos realizados até o momento


não demonstraram impacto do uso de manobras de recrutamento na mortalidade.

É importante lembrar que a desconexão do circuito para aspiração e a manipulação da


criança são importantes causas de colabamento alveolar e redução do volume pulmonar.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Embora ainda não exista consenso sobre o uso de circuitos abertos e fechados de aspi-
ração de vias aéreas em Pediatria, recomenda-se que especial atenção seja dada à aspi-
ração, de modo a evitar a perda de recrutamento durante o procedimento. A instilação de
solução salina não deve ser feita rotineiramente, porém pode ser realizada na presença de
secreções espessas.

Manejo volêmico em pacientes com síndrome do desconforto


respiratório agudo: balanço hídrico cumulativo

Como já citado, a SDRA se caracteriza por aumento da permeabilidade capilar com conse-
quente edema alveolar e intersticial. A reposição hídrica, principalmente quando realizada
de maneira agressiva para estabilização inicial de pacientes com instabilidade hemodinâmi-
ca – situação frequente no paciente com sepse e SDRA –, pode agravar o edema pulmonar.
A oferta hídrica no paciente com SDRA deve ser manejada de modo a garantir o volume
intravascular, a perfusão de órgãos-alvo e a oferta de oxigênio tecidual, evitando balanço
hídrico positivo. Alguns estudos mostram que estratégia hídrica restritiva após a fase de es-
tabilização pode ter impacto na duração da ventilação e sobrevida de pacientes com SDRA,
porém ainda não existem estudos que suportem a aplicação rotineira em Pediatria.

Membrana de oxigenação extracorpórea

A oxigenação através de membrana extracorpórea tem sido utilizada no tratamento de fa-


lência respiratória hipoxêmica aguda desde 1970 como suporte cardiopulmonar prolonga-
do. Seu uso é restrito aos pacientes com quadros graves de SDRA refratária ao suporte
ventilatório convencional com estratégias protetoras. Não existem diretrizes específicas
para indicação de ECMO em crianças com SDRA. De modo geral, deve ser considerada
em casos de insuficiência respiratória de causa reversível ou quando a criança é poten-
cial candidata a transplante pulmonar, após cuidadosa avaliação individual de cada caso.
Melhores resultados estão associados à escolha correta do paciente, ao tempo correto de
introdução do suporte (quanto mais precoce, melhor) e à presença de um centro de ECMO
bem estruturado com equipe treinada e experiente, com relatos de taxas de sobreviva de
até 60% nessas condições.

Terapias medicamentosas

Até o momento, dados publicados na literatura são insuficientes para recomendar o uso
rotineiro de qualquer tratamento medicamentoso na SDRA, sendo que a maioria dos me-
dicamentos avaliados não demonstrou benefícios na redução da mortalidade de pacientes
com SDRA.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Corticoides

Estudos randomizados que analisaram o efeito dos corticoesteroides em pacientes com


SDRA mostraram que, em comparação ao grupo placebo, pacientes que receberam cor-
ticoides apresentaram maior número de dias livres de VM, e melhora de oxigenação, da
complacência pulmonar e do padrão hemodinâmico, porém sem melhora na mortalidade.
Ainda assim, não há evidências suficientes que indiquem uso rotineiro de corticoesteroides
em crianças.

Surfactante exógeno

Apesar do reconhecido papel da deficiência de surfactante na fisiopatologia da SDRA, ain-


da não existem evidências suficientes em literatura que possam recomendar a utilização de
surfactante exógeno no tratamento da SDRA. Estudos são necessários para determinar a
população com provável benefício da reposição de surfactante, bem como a dose e o es-
quema de tratamento recomendados.

Óxido nítrico inalatório

O emprego de óxido nítrico inalatório (NOi) na SDRA é bastante discutido. Uma metanálise
recente mostrou que o uso do NOi não se relacionou à redução de morbidade ou mortali-
dade em adultos com SDRA, independentemente do grau de hipoxemia. Outra metanálise,
que incluiu estudos pediátricos e de adultos, mostrou resultados semelhantes. Dessa forma,
o uso rotineiro de NOi não pode ser recomendado. No entanto, o NOi pode ser considerado
como terapêutica adjuvante em pacientes com hipertensão pulmonar documentada, dis-
função grave de ventrículo direito, ou em casos de SDRA leve como terapêutica transitória
até a realização de ECMO.

Terapias adjuvantes

Sedação
Pacientes com SDRA devem receber mínima dose efetiva de sedação, a fim de promover
melhor tolerância à VM, otimizar a oferta e o consumo de oxigênio, e reduzir o trabalho
respiratório. A titulação dos sedativos deve ser realizada utilizando-se escalas validadas de dor
e sedação para monitorização (vide Capítulo Sedação e Analgesia). A monitorização, a titulação
e o desmame de sedação devem ser idealmente guiados por um protocolo estabelecido em
cada unidade e reavaliados diariamente, atentando-se para o desenvolvimento de tolerância e
aparecimento de sinais de abstinência.
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Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Camip

Bloqueio neuromuscular

Deve ser utilizado, na menor dose efetiva, apenas em casos em que o uso de sedativos é
insuficiente para garantir uma VM efetiva. O uso de sedativos não deve ser descontinuado
quando o bloqueador neuromuscular é indicado.

Nutrição

É de extrema importância a garantia de um plano nutricional adequado, desenvolvido por


equipe especializada, de modo a suprir as necessidades metabólicas diárias do paciente,
manter o crescimento e facilitar a recuperação. Deve-se sempre dar preferência à via en-
teral, quando bem tolerada. Os pacientes devem ser monitorizados periodicamente, com
medidas de peso, altura e pregas cutâneas.

Transfusão de concentrado de hemácias

Em crianças hemodinamicamente estáveis, é recomendada a transfusão de concentrado de


hemácias quando o nível de hemoglobina <7,0g/dL.

Messages to take home – pontos-chave

• A etiologia da SDRA é múltipla e envolve tanto fatores pulmonares como extrapulmonares

• Em 2012, novos critérios diagnósticos foram publicados e são denominados “definição


de Berlin”. A aplicação desse critério em crianças não reproduziu a mesma acurácia, em
relação aos desfechos, como a observada em adultos

• Muitas opções de tratamento descritas na literatura são baseadas em estudos realizados


em adultos e ainda não foram testadas em crianças. Essas opções incluem estratégias
de VM, manejo hemodinâmico e terapia medicamentosa

• A VM protetora utilizando baixo VC e limitação da PPLAT <35cmH2O deve ser realizada em


todos os pacientes com SDRA, a fim de minimizar a LPIVM

• Níveis moderadamente elevados (10 a 15cmH2O) devem ser utilizados precocemente e


titulados de acordo com a oxigenação e a resposta hemodinâmica

• O recrutamento é uma opção terapêutica cujo objetivo consiste em abrir e recuperar os


alvéolos colapsados, melhorando a troca gasosa. Quando indicado em crianças, reco-
menda-se a técnica de aumento e a redução progressivas do PEEP
236

236
Capítulo 11 | Síndrome do desconforto respiratório em Pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Após a fase de ressuscitação, a oferta hídrica deve objetivar a manutenção da perfusão


de órgãos-alvo, evitando-se o balanço hídrico positivo

• O óxido nítrico inalatório e ECMO podem ser utilizados em pacientes selecionados com
SDRA grave. Não existem dados suficientes para recomendar o uso rotineiro de posição
prona, corticosteroides ou surfactante

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Síndrome do Desconforto
Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido 12
Respiratório do
Capítulo 12
Recém-Nascido
Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido

Maurício Magalhães
Marcela Chaves de Mattos Pimenta Bosco Murício Magalhães
Marcela Chaves de Mattos Pimenta Bosco
Lúcia Cândida Soares de Paulo
Lùcia Cândida Soares de Paulo

Caso clínico

Recém-nascido de 28 semanas, sexo masculino, 980g nascido de parto cesárea de urgên-


cia por causas maternas − doença hipertensiva específica da gestação. Na sala de parto,
sob fonte radiante de calor, após os passos iniciais encontrava-se aos 15 minutos de vida
com tônus adequado para idade gestacional, frequência cardíaca (FC) > 100bpm e respira-
ção regular, sem desconforto evidente, saturando 84% em membro superior direito.

Perguntas

1. Qual a conduta inicial? Justifique.

Acoplar o paciente ao Continous Positive Airway Pressure (CPAP) nasal (4 a 6cmH2O e


fração inspirada de oxigênio − FiO2 a menor possível para saturar de 90 a 94%) o mais
precocemente possível, pois a saturação está abaixo do alvo, conforme Diretrizes de
Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira, de 2013.

2. Após sua conduta inicial, o paciente, já na unidade de terapia intensiva (UTI) segue sa-
turando entre 80 e 85% com uma FiO2 40%, associada a um desconforto respiratório
discreto. Neste momento, qual sua conduta? Justifique.

Administrar surfactante exógeno idealmente de forma não invasiva na dose de


100mg/kg, uma vez que a principal hipótese diagnóstica (a síndrome do desconforto
respiratório) não respondeu apenas ao recrutamento alveolar. Caso evolua com piora
do padrão respiratório e/ou instabilidade hemodinâmica indica-se também o suporte
ventilatório invasivo.

3. Qual medida ainda no pré-natal poderia minimizar tal quadro nesse prematuro?

Corticoterapia antenatal.
Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Camip

Revisão da literatura sobre síndrome do desconforto respiratório

Introdução e fisiopatologia

Antigamente chamada de doença da membrana hialina, por suas características histológi-


cas, a síndrome do desconforto respiratório (SDR) permanece como a principal patologia
nos recém-nascidos prematuros, principalmente com o aumento da sobrevida dos prema-
turos extremos e extremo baixo peso. Dentre as crianças, 1% desenvolverá SDR, sendo o
risco inversamente proporcional à idade gestacional; a incidência é de 60 a 80% em recém-
-nascidos menores de 28 semanas e de 15 a 30%, de 32 a 36 semanas.

A SDR é primariamente consequência do prejuízo ou do atraso na síntese de surfactante e


sua secreção, pois tal substância é produzida pelos pneumócitos tipo 2, que se diferenciam
na fase canalicular (a partir de 24 semanas de gestação), contudo com quantidade ade-
quada apenas próximo de 35 semanas; posteriormente, diversos eventos contribuem para
aumentar a gravidade da doença e sua duração (Figura 1).

Figura 1. Fisiopatologia da síndrome do desconforto respiratório. A prematuridade (em especial,


extrema) resulta em deficiência de surfactante e, assim, tende ao colapso pulmonar com consequente
shunt intrapulmonar. As repetidas aberturas e fechamentos dos alvéolos colapsados durante a
respiração (espontânea ou em ventilação) promovem lesão da arquitetura pulmonar com a formação
de debris locais, os quais interferem na função do surfactante. Ocorrem agravamento da hipoxemia e
acidose e, assim, maior necessidade de suporte ventilatório. A presença de canal arterial com shunt
da esquerda para a direita leva a edema seguido de extravasamento intra-alveolar, comprometendo
ainda mais a função do surfactante. PCA: persistência do canal arterial; E: esquerdo; D: direito.
Adaptado de: Pillow JJ, Jobe AH. Respiratory Disorders of the Newborn. In: Taussig LM, Landau LI.
Taussig and Landau’s Pediatric Respiratory Medicine. 2nd ed. Philadelphia: Elsevier; 2008.

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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Dísticos

Prematuridade

Colapso alveolar e shunt intrapulmonar

Asfixia

PCA com shunt EgD

Hipoxemia Acidose

Ventilação mecânica/toxicidade pelo oxigênio

Lesão do pneumócito tipo II

Fluxo sanguíneo pulmonar/edema pulmonar

Acúmulo intra-alveolar (líquidos e proteínas)

Inativação de surfactante

Os principais fatores de risco e fatores protetores para SDR estão listados na Tabela 1.
Atualmente já se sabe que existe também uma predisposição genética.

Tabela 1. Fatores de risco e fatores protetores para síndrome do


desconforto respiratório

Fatores de risco Fatores protetores

Prematuridade Presença de corioaminionite

Baixo peso ao nascer Bolsa rota prolongada

Sexo masculino HAS materna e/ou DHEG

Raça branca Drogadição materna (heroína)

Asfixia perinatal Corticoterapia antenatal

Choque

Hipotermia

Doença hemolítica grave

Diabetes materno

Parto cesárea fora de trabalho de parto

Gestação múltipla

HAS: hipertensão arterial sistêmica; DHEG: doença hipertensiva específica da gestação

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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Camip

Diagnóstico clínico, radiológico e outros

O quadro clínico caracteriza-se por gemência, retração de fúrcula, intercostal e subdiafrag-


mática, batimento de aletas nasais, cianose e aumento da necessidade de oxigênio logo
após o nascimento, classicamente nas primeiras 4 a 6 horas, com melhora após 48 horas
de vida associada à presença de diurese espontânea; o pico da piora ocorre entre 24 e 36
horas, com recuperação na primeira semana, a despeito da manutenção do suporte respi-
ratório por causa das complicações. Tal quadro pode variar significativamente caso a mãe
tenha recebido corticoterapia antenatal e/ou caso tenha sido administrado surfactante e/ou
suporte ventilatório precocemente.

A apneia pode refletir instabilidade térmica ou sepse, mas frequentemente é sinal de hipo-
xemia e falência respiratória. A ausculta pode ser normal ou discretamente diminuída asso-
ciada à crepitação fina bilateralmente.

A radiografia de tórax apresenta um padrão retículo-granular difuso tipo “vidro fosco” sime-
tricamente e broncogramas aéreos; quanto mais grave, maior a opacidade pulmonar (Figu-
ra 2). O pico da piora radiológica encontra-se entre 6 a 12 horas, sendo que, após a admi-
nistração de surfactante, o raio X pode ser normal ou assimétrico caso o mesmo tenha sido
administrado seletivamente. Nos prematuros, o raio X pode ser semelhante aos achados de
displasia broncopulmonar (DBP). A gasometria arterial evidencia hipoxemia, evoluindo com
hipercapnia e acidose metabólica.

Figura 2. Graduação radiológica da síndrome do desconforto respiratório. Radiografias de tórax de


diferentes estágios da doença; da esquerda para direita: síndrome do desconforto respiratório grau 1
com leve infiltrado retículo-granular fino difuso e broncogramas aéreos em região peri-hilar; síndrome
do desconforto respiratório grau 2 com infiltrado moderado, estendendo-se para o parênquima
pulmonar; síndrome do desconforto respiratório grau 3 com infiltrado de moderado a intenso,
permeando todo parênquima pulmonar; e síndrome do desconforto respiratório grau 4 com infiltrado
intenso, levando à perda da silhueta cardíaca e cúpulas diafragmáticas

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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Existem outros exames que podem ser coletados do líquido amniótico como provas de
maturidade pulmonar, assim como a dosagem proteína A do surfactante (SP-A) sérica de
sangue de cordão, ambos desnecessários para o diagnóstico.
O diagnóstico diferencial baseando-se apenas pela clínica inclui: sepse neonatal, hiperten-
são pulmonar persistente, cardiopatias congênitas, hipoglicemia, distúrbios metabólicos e/
ou acidobásicos, hipo/hipertermia, anemia e policitemia, doenças neuromusculares, uso de
drogas, obstrução das vias aéreas superiores, inferiores, meta-hemoglobinemia e dor; con-
siderando-se também a radiografia de tórax, pode haver pneumonia e deficiência congênita
de surfactante.

Tratamento

A principal medida preventiva, quando não é possível evitar o parto prematuro, é cortico-
terapia antenatal para gestantes que evoluem em trabalho de parto prematuro (TPP), com
ou sem bolsa rota (BR) entre 24 e 34 semanas (alguns autores estendem até 36 semanas),
idealmente 24 horas e não mais do que 7 dias antes do parto; podem ser administrados até
2 ciclos. A contraindicação é corioaminionite. É também essencial evitar outros fatores as-
sociados ao agravamento do quadro pulmonar tais como asfixia e hipotermia, entre outros.

Atualmente o tratamento primário resume-se em suporte ventilatório (idealmente não inva-


sivo − VNI), associado ou não à administração de surfactante exógeno.

A VNI pode ser definida como qualquer forma de suporte respiratório que não é entregue via
um tubo endotraqueal. Inclui o modo de pressão contínua nas vias aérea nasal (CPAP nasal)
mais comumente utilizado, e vários tipos de ventilação que entregam dois níveis de pressão
fornecidos por prongs nasais ou máscaras, que são chamados ventilação com pressão po-
sitiva intermitente nasal sincronizada (SNIPPV) ou não (NIPPV). Mais recentemente surgiu o
cateter nasal de alto fluxo como uma alternativa de VNI.

O CPAP nasal melhora a oxigenação por meio da estabilização do volume pulmonar em


recém-nascidos prematuros. De acordo com as Diretrizes de Reanimação Neonatal da
Sociedade Brasileira, de 2013, este é factível e pode ser benéfico em recém-nascidos com
idade gestacional <34 semanas que apresentam FC >100bpm e respiração regular, mas
com desconforto respiratório e/ou saturação de oxigênio abaixo do alvo, logo após o nas-
cimento; os estudos apontam o prong binasal curto como a melhor interface para fornecer
esse tipo de VNI, podendo ser utilizada também a máscara (que recobre apenas nariz e
boca), contudo, não há, até o momento nenhuma evidência das diferenças nos resultados
a longo prazo entre os vários sistemas, como de bolha e de fluxo variável. Recomenda-se
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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Camip

que seja aplicada em sala de parto pela máscara conectada ao ventilador mecânico manual
em T, com pressão expiratória positiva final (PEEP) de 4 a 6cmH2O e fluxo gasoso de 5 a
15L/minuto. Na presença de blender, deve-se ofertar a menor FiO2 possível para manter a
saturação do oxigênio entre 70 e 80% nos primeiros 5 minutos de vida, 80 a 90% entre 5 a
10 minutos de vida e entre 85 e 95% acima de 10 minutos de vida (conforme alvos de sa-
turação pré-ductal estabelecidos pelas Diretrizes de Reanimação Neonatal da Sociedade
Brasileira de 2013). Posteriormente, o nível de CPAP pode ser individualizado.

Os modos de VNI com pressão positiva intermitente (SNIPPV/NIPPV) possibilitam o aumen-


to do volume corrente (VC) e volume-minuto, por meio do acréscimo à PEEP de insuflações
sobrepostas, com pico de pressão definida.

O cateter nasal de alto fluxo tornou-se uma alternativa de VNI viável em bebês prematuros
em alguns centros. Tal sistema possibilita o uso de fluxos elevados, aquecidos e umidifica-
dos, >1L/min, por meio de pequenas cânulas nasais. Existe um número crescente de es-
tudos, entretanto poucos são randomizados e controlados, o que dificulta a comprovação
e a segurança na utilização do sistema como forma alternativa à VNI convencional nessa
população de forma rotineira.

Aos RN que não tenham melhorado apenas com suporte ventilatório não invasivo está in-
dicado a reposição de surfactante, a qual deve ser a mais precoce possível, pois diminui
a mortalidade, incidência de DBP e pneumotórax. A primeira dose é de 100 ou 200mg/kg,
sendo as demais doses (geralmente até três doses, com intervalo de 6 a 8 horas) quando
necessárias, de apenas 100mg/kg; atualmente, pode ser administrado via sonda durante a
ventilação não invasiva, via cânula seguida de extubação ou de forma invasiva. Existem di-
versas apresentações, sendo mais comumente utilizado o porcino (CUROSURF®, 80mg/mL).

O Protocolo de Reposição de Surfactante Exógeno pela Técnica Minimamente Invasiva do


Serviço de Neonatologia da Santa Casa de São Paulo propõe que todo recém-nascido com
diagnóstico clínico e/ou radiológico de SDR, estável em CPAP ≥7cmH2O e FiO2≥30% (nos
recém-nascidos <28 semanas) ou ≥ 35% (nos recém-nascido com 28 a 34 semanas) para
manter saturação, receba surfactante na dose de 100mg/kg, via sonda gástrica número 8
sob laringoscopia direta (previamente marcada na medida da cânula traqueal indicada para
o peso +6 e uma segunda medida, distando da ponta da sonda 1cm (25 a 26 semanas),
1,5cm (27 a 28 semanas), 2cm (29 a 32 semanas) ou 3cm (33 a 34 semanas)), infusão em
1 a 3 minutos, e retirada a seguir. Antes, durante e após o procedimento, o recém-nascido
deve ser mantido em CPAP nasal e monitorizado (saturação e FC). Não é necessário o uso
de sedação e/ou analgesia. Uma segunda dose pode ser administrada via sonda, em re-
cém-nascidos estáveis em CPAP e que necessitem de FiO2≥40%.
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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A intubação fica restrita aos casos de falha da VNI ou em recém-nascidos instáveis. Embora
a ventilação mecânica convencional tenha contribuído decisivamente para a redução da
mortalidade dos recém-nascidos com SDR, os pulmões de um recém-nascido prematuro
de extremo baixo peso são estruturalmente e bioquimicamente imaturos, e vulneráveis a
lesões induzida pela ventilação com pressão positiva, estando esta associada a complica-
ções agudas e a sequelas a longo prazo. Por essas razões é importante evitar ou limitar a
duração do suporte respiratório invasivo por meio de uma ventilação mais protetora nessa
população. Existem diversos modos ventilatórios, sendo mais frequente o uso de ventila-
ção com pressão controlada assisto-controlada (AC) ou ventilação mandatória intermitente
sincronizada (SIMV), sendo preferível a segunda. Os parâmetros iniciais devem ser: pressão
inspiratória ajustada pela expansibilidade torácica e para alcançar o VC adequada entre de
4 a 6mL/kg de peso, PEEP de 4 a 8cmH2O dependendo da gravidade da doença, frequên-
cia respiratória (FR) 40rpm, tempo inspiratório (Ti) 0,25 a 0,40 segundos, pois a constante
de tempo da SDR é curta às custas da complacência diminuída, FiO2 idealmente a menor
possível para obter saturação de oxigênio entre 90 a 94%. Alguns estudos sugerem o uso
de ventilação com volume controlado na tentativa de minimizar o pico de pressão e, assim,
o barotrauma.

A ventilação assistida ajustada neuralmente (NAVA) é um modo ventilatório novo, carac-


terizada por uma ventilação proporcional à demanda do paciente, utilizando a atividade
elétrica do diafragma (AEDI) para controlar o ventilador mecânico, medido por um eletrodo
esofágico específico corretamente posicionado. Esse modo pode ser usado como VMI, as-
sim como VNI. Tem o benefício de melhor interação entre paciente e ventilador, e de utilizar
um menor pico de pressão inspiratória e FR para manter uma menor PaCO2 e uma melhor
complacência, comparada com a ventilação com pressão controlada.

A ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) é um modo ventilatório que utiliza VC


menor do que o volume do espaço morto anatômico (2mL/kg) com frequência bem acima
da fisiológica (5 a 10Hertz, ou seja, 300 a 600 ciclos/minuto). Usa como estratégia o recru-
tamento pulmonar para otimização do volume. Benefícios sobre a ventilação convencional
com uma estratégia semelhante em prematuros extremos com SDR graves não pode ser
satisfatoriamente respondidas pela literatura.

O uso de óxido nítrico inalatório fica reservado para os casos de hipoxemia grave associada
a hipertensão pulmonar.

A depender do caso, faz-se necessário avaliar a necessidade de suporte cardiovascular,


além da correção de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base associados.
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Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
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Prognóstico

O risco é elevado de pneumotórax, pela assistência ventilatória invasiva e DBP, principal-


mente nos recém-nascidos com persistência do canal arterial (PCA) com ou sem infecção.

Pode vir associada à hemorragia peri e intraventricular, assim como leucomalácia periven-
tricular nos prematuros extremos, em especial, menores de 26 semanas.

A mortalidade está em torno de 5 a 10%, sendo também inversamente proporcional à idade


gestacional.

Uma outra complicação grave e rara é a hemorragia pulmonar, quadro que pode ser fatal em
prematuros com SDR e PCA com shunt da esquerda para direita e, entre outros mecanis-
mos associados, após diminuição brusca da pressão pulmonar secundária ao surfactante.

Resumo

• A SDR é a patologia pulmonar mais comum em prematuros

• É primariamente consequência da deficiência de surfactante, mas diversos eventos con-


tribuem para aumentar a gravidade da doença e sua duração

• O fator de risco principal é a prematuridade, enquanto a corticoterapia antenatal é o fator


protetor mais significativo

• Clinicamente caracterizada por desconforto respiratório progressivo desde o nascimen-


to, associada radiologicamente a um padrão retículo-granular difuso tipo “vidro fosco” e
broncogramas aéreos

• O pilar do tratamento é o recrutamento alveolar, idealmente via VNI

• O CPAP nasal está indicado desde a sala de parto em recém-nascido <34 semanas es-
táveis, mas com desconforto respiratório e/ou saturação abaixo do alvo

• O surfactante exógeno deve ser administrado nos casos não responsivos apenas à VNI,
sendo possível a realização de forma minimamente invasiva

• A intubação/ventilação mecânica invasiva fica restrita aos casos refratários à VNI + surfac-
tante e/ou RN instáveis; optar por uma ventilação protetora, assim como desmame precoce

• O risco é elevado de pneumotórax e DBP naqueles que necessitaram de suporte ventila-


tório mais agressivo, além de outras comorbidades possíveis nos prematuros extremos/
extremos baixo peso
248

248
Capítulo 12 | Síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Síndrome de
Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial 13
Capítulo 13
Aspiração Meconial
Síndrome de aspiração meconial

Maurício Magalhães
Marcela Chaves de Mattos Pimenta Bosco Maurício Magalhães
Marcela Chaves de Mattos Pimenta Bosco
Caso clínico

Gestante de 15 anos, primigesta, sem patologias, realizou pré-natal sem intercorrências,


sorologias negativas e cultura para estreptococo do grupo B negativa. Com 41 semanas,
procurou o pronto-socorro com queixa de dor em baixo. Após 16 horas de trabalho de par-
to, bolsa rota artificialmente há 8 horas; encontrava-se exausta em sala de parto. Optou-se
por parto fórceps para alívio materno-fetal. Você recepcionou o recém-nascido hipotônico,
banhado em mecônio e em apneia.

Perguntas

1. Qual sua conduta nesse momento?

Quando o neonato com líquido amniótico meconial fluido ou espesso, logo após o nasci-
mento, não apresenta ritmo respiratório regular e/ou o tônus muscular flácido e/ou a frequ-
ência cardíaca (FC) <100bpm, deve-se realizar a retirada do mecônio residual da hipofarin-
ge e da traqueia sob visualização direta, sob fonte de calor radiante. A aspiração traqueal
propriamente dita é feita por meio da cânula traqueal conectada a um dispositivo para
aspiração de mecônio e ao aspirador a vácuo, com pressão máxima de 100 mmHg. Aspirar
o excesso de mecônio uma única vez; se o recém-nascido permanecer com FC <100bpm,
respiração irregular ou apneia, iniciar a ventilação com pressão positiva.

2. Após sua medida inicial, o paciente evoluiu com melhora do tônus e respiração regular,
saturando 92% em ar ambiente, mas com taquidispneia leve. Qual sua hipótese diagnóstica
e sua conduta inicial?

Síndrome de aspiração meconial (SAM). Monitorizar em unidade de terapia intensiva (UTI)


neonatal (suporte respiratório se necessário, radiografia de tórax, gasometria arterial e/ou
outros exames se necessário).

3. Já na UTI neonatal, esse paciente permanece apenas taquipneico moderado, mas com
cianose de extremidades − oxímetro de pulso em membro superior direito marcando 90% e
251
Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial
Camip

do membro inferior direito, 82%; radiografia de tórax hipertransparente. Qual sua hipótese
diagnóstica e conduta inicial?

Hipertensão pulmonar (HP) persistente por falha da transição da circulação feto-neonatal


por depressão perinatal. Oxigenoterapia e manipulação mínima (avaliar necessidade de su-
porte ventilatório invasivo ou não, sedação e suporte cardiovascular).

Revisão da Literatura sobre síndrome de aspiração meconial

Apresentação e fisiopatologia

A SAM é uma doença respiratória decorrente da aspiração meconial antes, durante ou


imediatamente após o parto. A incidência de líquido amniótico meconial gira em torno de 8
a 20%, sendo maior quanto maior a idade gestacional; em prematuros, ocorre em menos
de 5% dos casos e sugere infecção (em especial por Listeria). Dos recém-nascidos com
líquido amniótico meconial, 20 a 30% nascerão deprimidos e necessitarão de reanimação
em sala de parto, sendo que até 10% destes desenvolverão SAM e, dos acometidos, 5%
apresentarão desfecho fatal.

O mecônio é composto por líquido amniótico deglutido, células epiteliais, lanugo, muco, vér-
nix caseoso, ácidos biliares, minerais, 1-antitripsina e fosfolipase A2. Esse conteúdo intesti-
nal fetal passa para o líquido amniótico durante as primeiras 20 semanas de gestação, sendo
posteriormente descontinuado até 34 semanas, pois ocorre a inervação do esfíncter anal.

A presença de líquido amniótico meconial frequentemente associa-se a algum grau de so-


frimento fetal; assim, alterações no fluxo placentário provocam hipóxia fetal e consequente
centralização da circulação fetal para os órgãos nobres (coração, cérebro e suprarrenal);
ocorre redução do fluxo mesentérico, associada a um aumento da atividade parassimpáti-
ca, levando a hiperperistaltismo (via motilina) e ao relaxamento do esfíncter anal, com con-
sequente liberação de mecônio. Como resposta à hipóxia e à acidose, o feto inicia gasping
profundo intraútero e aspira mecônio para a árvore brônquica. Dependendo da quantidade
aspirada, o mecônio pode bloquear parcialmente as vias aéreas distais e proximais, com
surgimento de zonas de atelectasias e hiperinsuflação, com risco de escape de ar e até
morte por asfixia ou cor pulmonale agudo. O mecônio aspirado promove ainda pneumonite
química e, possivelmente, pneumonia, com consequente inativação do surfactante. A hipó-
xia e acidose também levam à vasoconstrição, o que causa HP persistente (Figura 1).

252

252
Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Aspiração de Líquido Meconial

Figura 1. Fisiopatologia da síndrome de aspiração meconial. Adaptado de: Chapter 74 - Neonatal Respiratory
Disorders. In: Fanaroff and Martin’s Neonatal-Perinatal Medicine. 10th ed. Chicago: Elsevier; 2015

Os fatores de risco para SAM estão listados no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores de risco para síndrome de aspiração meconial

Pós-maturidade*
Sexo masculino
Pequeno para a idade gestacional
Apgar <7
Oligoâmnio
Sofrimento fetal/compressão do cordão umbilical
Insuficiência placentária
Presença de líquido meconial espesso e/ou particulado
* Idade gestacional >41 semanas

Diagnóstico clínico, radiológico e outros

Recém-nascido habitualmente a termo ou pós-termo, e tingido de mecônio, que frequente-


mente nasce deprimido, com desconforto respiratório variável, que pode progredir nas próxi-
mas 12 a 24 horas; é comum a presença de taquipneia e desconforto respiratório evidenciado
pelo uso de musculatura acessória; o tórax pode ter o diâmetro anteroposterior aumentado
às custas do aprisionamento de ar. Pode também haver ausculta com murmúrios vesiculares

253

253
Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial
Camip

diminuídos e estertores rudes. Nos casos graves, há sinais de lesão cerebral por asfixia, como
convulsão e edema cerebral. Sinais de HP persistente também podem estar presentes.

A radiografia de tórax revela tipicamente infiltrados grosseiros, com condensação difusa e


áreas de hiperinsuflação (Figura 2). Frequentemente, observa-se escape de ar associado
com ou sem cardiomegalia secundária à hipóxia.

Figura 2. Radiografia de tórax típica de síndrome de aspiração meconial, denotando infiltrados


grosseiros difusos. Pode haver dissociação clínico-radiológica

A gasometria revela hipoxemia associada à alcalose respiratória, nos casos leves, ou acido-
se respiratória/ mista e hipercapnia, nos casos moderados e graves.

Tratamento

As medidas preventivas mais eficazes são a redução de partos pós-termos e a introdução


de programas de treinamento em reanimação neonatal. Outra medida discutível é a am-
nioinfusão de solução salina ou Ringer Lactato no saco amniótico, na tentativa de repor
líquido nos casos de oligoâmnio, visando reduzir a compressão do cordão umbilical e diluir
o mecônio. A sucção da nasofaringe antes do desprendimento dos ombros e da primeira
incursão respiratória classicamente realizada pelos obstetras não é mais recomenda de roti-
na, pois não muda a evolução daqueles recém-nascidos que apresentaram aspiração fetal.

Para o tratamento primário, as Diretrizes de Reanimação Neonatal de 2013 ainda preco-


nizam apenas para os recém-nascidos não vigorosos ao nascer (FC <100bpm e/ou apneia/
254

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Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

gasping/respiração irregular e/ou tônus flácido), na presença líquido meconial, a aspiração


imediata da hipofaringe e traqueia sob visualização direta com cânula traqueal conectada
ao aspirador de mecônio e sistema de vácuo, uma única vez; persistindo não vigoroso,
seguir os passos da reanimação neonatal com ventilação com pressão positiva (VPP) (vide
Capítulo de Reanimação Neonatal).

Todo recém-nascido com líquido amniótico meconial que evolui com desconforto respirató-
rio precoce deve ser monitorizado em UTI neonatal. De acordo com a necessidade, o supor-
te respiratório requerido pode ser desde oxigênio suplementar até intubação orotraqueal/
ventilação mecânica (VM). O uso do CPAP nasal, principalmente com pressões expiratórias
positivas finais (PEEP) >4-7cmH2O, ainda é controverso na SAM, pois pode aumentar a
retenção de ar e, assim, de ar extrapulmonar. Seu uso está indicado nos casos em que há
necessidade de oxigênio suplementar ≥40%. VM convencional, utilizada em até 30% dos
casos, está indicada nos casos em que há persistência do desconforto respiratório, com
hipoxemia e hipercapnia, baseada em tempo expiratório prolongado e em PEEP baixa para
diminuir o aprisionamento de gás. A ventilação de alta frequência a jato ou oscilatória (VAF)
pode ser empregada nos casos refratários à ventilação convencional e, especialmente, na-
queles com extravasamento de ar. Ambos os suportes ventilatórios necessitam habitual-
mente de sedação/analgesia e, eventualmente, de paralisia.

A ecocardiografia transtorácica deve ser realizada para avaliar a presença e intensidade de


HP, além da necessidade de seu manejo − o óxido nítrico inalatório (NOi); mesmo na au-
sência de sinais ecocardiográficos de HP, indica-se o uso de NOi nos casos hipoxêmicos
refratários à VM ou VAF otimizadas e/ou índice de oxigenação (IO) >20/25.

A inativação do surfactante pode ser superada pela administração de surfactante exógeno,


contudo falta consenso na dose, método e momento ideias para tal, sendo discutido o be-
nefício da lavagem alveolar com surfactante.

O uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), nos centros onde se encontra
disponível, é indicada no tratamento de resgate da SAM grave refratária às demais medidas,
em especial quando IO >40.

Antibioticoterapia está indicada nos casos de febre, alteração do leucograma e piora da


função pulmonar quando não se consegue excluir sepse, uma vez que o risco de infecção
é aumentado na SAM.

Em casos de asfixia perinatal evidente, são essenciais a monitorização e correção adequa-


das dos demais distúrbios associados.
255

255
Capítulo 13 | Síndrome de aspiração meconial
Camip

Prognóstico

O prognóstico final dos recém-nascidos com SAM depende não somente da doença pul-
monar, mas também do insulto asfixiante associado e o tratamento requerido para tal. Vem
acompanhada de alta morbimortalidade neonatal, com risco elevado de asfixia perinatal,
síndromes de escape de ar e pneumonia. Na evolução, existe risco elevado de hiperreativi-
dade brônquica/ asma nos casos graves.

Resumo

• É uma doença respiratória decorrente da aspiração de mecônio antes, durante ou ime-


diatamente após o parto
• A presença de líquido amniótico meconial está frequentemente associada a algum grau
de sofrimento fetal
• É mais frequente em termos ou pós-termos; em prematuros sugere infecção
• O desconforto respiratório é variável com progressão nas primeiras 12 a 24 horas de vida
• A medida preventiva mais apropriada é evitar partos pós-termos e treinamento em reani-
mação neonatal
• Suporte ventilatório desde oxigenoterapia até ventilação invasiva ± NOi, suporte hemodi-
nâmico e surfactante
• Há elevada morbimortalidade neonatal e risco de hiperreatividade brônquica na evolução

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256

256
Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Hupertensão Pulmonar 14
Capítulo 14Persistente Neonatal
Hipertensão pulmonar persistente neonatal

Heiki Mori
Amanda Liberati Cardoso
Heiki Mori
Amanda Liberati Cardoso
Relato de caso

Recém-nascido de AMPM, sexo masculino, nascido de parto cesárea por macrossomia,


idade gestacional (IG) cronológica 40 2/7 semanas, IG à ultrassonografia 38 5/7 e IG New
Ballard 41 4/7, apresentou índice de Apgar 8/9, peso de 3.980g, estatura de 53cm e perí-
metro cefálico de 33,5cm.

Recém-nascido filho de mãe G5 P2 Ab 2 (espontâneos), aos 45 anos de idade, portadora


de diabetes mellitus gestacional com necessidade de uso de insulina NPH. Realizou seis
consultas de pré-natal com sorologias negativas e fez uso de penicilina cristalina durante
a gestação por conta de um abscesso dentário. Pesquisa para Streptococcus do grupo B
realizada no intraparto positiva (resultado posterior ao nascimento). Não realizada profilaxia,
pois a mãe não havia feito o teste e não entrou em trabalho de parto. Paciente com boa
vitalidade, encaminhado ao alojamento conjunto acompanhado de sua mãe.

Hipóteses diagnósticas: recém-nascido termo/ adequado para IG. Filho de mãe diabética
gestacional insulino-dependente.

Apresentou queda da saturação até 90% durante realização do exame de New Ballard, ta-
quipneia e cianose labial, com boa resposta à oxigenioterapia, sendo então encaminhado à
unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal para observação clínica mais rigorosa. Sem so-
pros audíveis até o momento e ausculta pulmonar sem ruídos adventícios, pulsos presentes
e simétricos nos quatro membros.

Admitido na UTI com 14 horas de vida, frequência respiratória (FR) de 96irpm (inspirações
respiratórias por minuto), colhida triagem infecciosa (hemograma, reação em cadeia da poli-
merase – PCR e culturas), iniciado jejum e soro de manutenção e solicitada radiografia tórax.
Não colhido liquor (LCR), pois paciente encontrava-se lábil à manipulação, apresentando
quedas importantes da saturação. Radiografia com área cardíaca aparentemente normal e
mediastino discretamente alargado, exames laboratoriais não indicativos de processo in-
feccioso (escore hematológico de Rodwell de 1). Paciente manteve taquipneia, porém sem
sinais de desconforto respiratório, com saturação >95% com oxigênio a 3L/minuto.
257
Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

Com cerca de 24 horas de vida, foi auscultado sopro cardíaco 2/6+ em bordo esternal es-
querdo médio (BEEM) e hiperfonese da segunda bulha cardíaca. Como paciente mantinha
taquipneia importante (FR >60irpm) e necessidade de oxigênio, optou-se por iniciar conti-
nuous positive airway pressure (CPAP), com pressão expiratória positiva final (PEEP) de 5 e
fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 40%, e foi solicitada nova radiografia de tórax, a qual
apresentou infiltrado em ambas as bases. Evoluiu com saturação persistentemente baixa
(em torno de 60%), apesar do aumento da FiO2, optando-se, então, pela intubação orotra-
queal (IOT). Foi iniciada sedação contínua com midazolam e fentanil, e o recém-nascido
evoluiu com queda da pressão arterial, necessitando de droga vasoativa (dopamina 5mcg/
kg/minuto) e sendo iniciado também óxido nítrico inalatório (NOi) na dose de 20ppm. Foram
solicitados: avaliação da cardiopediatria, novo raio X de tórax, eletrocardiograma (ECG),
ecocardiograma e nova triagem infecciosa. Os parâmetros da ventilação mecânica foram
pressão inspiratória (Pinsp) de 35, PEEP de 6, FR de 46, FiO2 100% e tempo inspiratório (Ti)
0,45 segundos.

Pela cardiopediatria, tínhamos paciente com 36 horas de vida, com sopro sistólico 2/6+ em
BEEM, pulsos presentes e simétricos nos quatro membros. ECG com eixo desviado para
direita e sobrecarga de ventrículo direito (VD), raio X de tórax com área cardíaca normal.
Ecocardiograma com dilatação moderada de câmaras direitas, forame oval pérvio (FOP)
de 2,5mm com shunt esquerda-direita, canal arterial (CA) de 1,2mm, gradiente Ao-TP de
10mmHg, insuficiência tricúspide de grau moderado com estimativa de pressão sistólica do
ventrículo direito (PSVD) de 65mmHg. Aorta ascendente de 7,7mm, descendente de 6mm
e ístmica de 4,2mm. Sugeriu-se repetir exame com 48 a 72 horas de vida, manter NOi e
manter controle de pressão arterial em membros superiores e inferiores.

Paciente evoluiu com piora do quadro clínico (um pico febril de 38,3°C), laboratorial (hemo-
grama com desvio à esquerda, com escore de Rodwell de 3) e radiológico (infiltrado difuso).
Foi iniciada antibioticoterapia com penicilina e gentamicina, aumentada dose da dopamina
para 10mcg/kg/minuto, associada dobutamina e realizada uma dose de surfactante. Não
foi coletado LCR pois paciente mantinha-se lábil à manipulação. Realizado ultrassonografia
transfontanela: sem alterações.

Paciente mantendo quadro grave, com necessidade de parâmetros agressivos na ventila-


ção mecânica, bloqueador neuromuscular em infusão contínua, cateter central e nutrição
parenteral. Ecocardiograma de controle compatível com persistência do padrão fetal.

Por volta do 5º dia de vida, iniciou melhora clínica e laboratorial progressiva (terceiro dia de
antibioticoterapia e de uso de NOi). Posteriormente, evoluiu com melhora progressiva do
quadro, recebendo alta do setor.
258

258
Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Resumo

Paciente apresentou crise de cianose acompanhada de taquipneia e desconforto respiratório


precoce (com menos de 24 horas de vida) no alojamento conjunto e foi encaminhado à UTI.
Evoluiu com quadro grave, necessitando de CPAP nasal e, posteriormente, IOT (durante 9
dias), antibioticoterapia endovenosa por 15 dias, surfactante (três doses), drogas vasoativas,
nutrição parenteral e NOi (durante 7 dias). Foi avaliado pela cardiopediatria e diagnosticado
com hipertensão pulmonar persistente neonatal (HPPN), além de pneumonia congênita. Pos-
teriormente, evoluiu com melhora progressiva do quadro, recebendo alta do setor.

Este capítulo visa responder, de forma sucinta e objetiva, às seguintes perguntas:


O que é HPPN? Por que ocorre? Como suspeitar/reconhecer? Como tratar?

O que é hipertensão pulmonar persistente neonatal

A HPPN é uma situação na qual a resistência vascular pulmonar (RVP) permanece anormal-
mente elevada após o nascimento, resultando em um shunt direita-esquerda. Para poder-
mos compreender melhor, vamos relembrar alguns fatos referentes à circulação pré-natal
(fetal) e pós-natal (adulta) (Figura 1).

Figura 1. Circulação fetal (esquerda) e neonatal (direita). Fonte: Persaud M. Embriologia clínica.
Traduzida da 7ª edição americana. Local: Elsevier;

259

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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

No feto, a circulação sistêmica e a pulmonar ocorrem em paralelo, ou seja, tanto o VD quan-


to o ventrículo esquerdo (VE) ejetam sangue para a aorta e, posteriormente, para a placenta,
órgão responsável pela oxigenação fetal. O VD é dominante nesse período e, portanto, o
sangue é facilmente desviado da direita para a esquerda por meio do forame oval (FO) e do
CA, praticamente não irrigando o pulmão, o qual não participa das trocas gasosas nesse
momento. Após o nascimento, a circulação passa a ocorrer em série. Todo retorno venoso
passa pelo lado direito do coração e encaminha-se ao pulmão, onde ocorre a troca gasosa.
O sangue oxigenado retorna ao lado esquerdo do coração e é bombeado para a circulação
sistêmica, para entregar oxigênio aos tecidos, não ocorrendo mistura entre o sangue arterial
e venoso na circulação adulta.

Porém, durante o nascimento, temos um período em que ocorre uma circulação de transi-
ção, com características tanto da circulação fetal quanto da adulta. A maioria das modifica-
ções ocorre ao nascimento, quando o órgão de troca gasosa modifica-se da placenta para
os pulmões. Sob circunstâncias normais, ocorre uma queda progressiva da RVP, acompa-
nhada de aumento imediato da resistência vascular sistêmica (RVS), que, por sua vez, ocor-
re após o nascimento. A queda dessa relação RVP/RVS resulta em um aumento contínuo
de fluxo sanguíneo pulmonar.

Esse processo de transição depende de diversos fatores. Alguns deles estão relacionados
ao aumento da RVS, tais como retirada da placenta, aumento de catecolaminas associado
ao nascimento e ambiente extrauterino relativamente frio. Fatores relacionados à queda da
RVP são: expansão pulmonar, estabelecimento de ventilação e oxigenação alveolar ade-
quadas e eliminação adequada do líquido amniótico intrapulmonar.

Desse modo, condições que interfiram na queda da relação RVP/RVS promovem persistên-
cia do padrão transicional, resultando em HPPN.

Fisiopatologia: como ela ocorre?

São considerados três os tipos principais de anormalidades que constituem a base da do-
ença: subdesenvolvimento, malformação e má adaptação pulmonar.

Trabalhos têm demonstrado evidências clínica e experimental de que danos à circulação


pulmonar em desenvolvimento podem liberar fator de crescimento vascular endotelial
(VEGF), sinalizando e contribuindo para essa anormalidade.

No subdesenvolvimento, a área de secção transversal da vasculatura pulmonar está dimi-


nuída, resultando em aumento da RVP. Ocorre na hipoplasia pulmonar, na hérnia diafragmá-
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

tica congênita, na malformação cística adenomatosa do pulmão, na agenesia renal, no oli-


godrâmnio acompanhado de uropatia obstrutiva e na restrição de crescimento intrauterino.

Já a malformação é considerada quando os pulmões encontram-se desenvolvidos, po-


rém com espessamento anormal da camada muscular das arteríolas pulmonares e invasão
dessa camada nas vênulas, que normalmente não possuem camada muscular. A matriz
extracelular, nesse caso, também é excessiva. Os mecanismos que estimulam essa mal-
formação são incertos, contudo, parece importante o papel de mediadores vasculares. São
condições associadas à malformação: pós-datismo, presença de mecônio e/ou síndrome
da aspiração meconial (SAM). Nessas desordens, a vasculatura pulmonar não responde ou
responde pouco aos estímulos que normalmente resultam em declínio da RVP, como au-
mento da tensão alveolar de oxigênio.

Condições que promovem perfusão excessiva do pulmão durante o período fetal também
podem predispor a malformações. Elas incluem fechamento prematuro do CA (com anti-
-inflamatórios não esteroidais) ou do FO, alta resistência vascular placentária e drenagem
pulmonar anômala. Por fim, na má adaptação, o leito vascular é desenvolvido normalmente,
porém, condições perinatais adversas provocam uma vasocontrição ativa, interferindo na
queda normal da RVP. São elas: depressão perinatal, doenças do parênquima pulmonar e
infecções bacterianas, especialmente as causadas pelo Streptococcus do grupo B, pois
seus componentes fosfolipídicos promovem uma ativação de mediadores vasculares.

Manifestações clínicas, métodos diagnósticos e diagnósticos


diferenciais: como suspeitar e reconhecer?

A HPPN ocorre geralmente em recém-nascidos a termo, mas também pode ocorrer naque-
les pré-termo tardios (≥34 semanas) e pós-termo (≥42 semanas). O diagnóstico é raro em
recém-nascidos com muito baixo peso (<1.500g). A doença em questão tem relação tanto
com características pré-natais quanto neonatais.

Achados pré-natais associados com HPPN são sinais de asfixia intrauterina e perinatal,
como anomalias cardíacas e presença de mecônio. Uso de antidepressivos inibidores da
recaptação de serotonina (IRSS) durante a segunda metade da gestação tem sido associa-
do a um risco até seis vezes maior de HPPN. Apesar de ser rara em recém-nascidos com
muito baixo peso, a ruptura prematura de membranas ovulares (RPMO) parece ser uma
característica em comum entre HPPN e recém-nascidos com muito baixo peso.
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

Manifestações clínicas

Clinicamente, o paciente apresenta cianose e desconforto respiratório, geralmente nas pri-


meiras 24 horas de vida. Além disso, pode apresentar sinais de estresse intrauterino (líquido
meconial), hiperfonese ou desdobramento da segunda bulha cardíaca, sopro sistólico se-
melhante ao da insuficiência tricúspide e outros problemas pulmonares associados, como
SAM, pneumonia congênita e síndrome do desconforto respiratório (SDR) (Quadro 1). Mais
da metade recebeu nota baixa no escore de Apgar e quase todos necessitaram de interven-
ção na sala de parto (oxigenioterapia, ventilação com pressão positiva − VPP e IOT).

Quadro 1. Manifestações clínicas da Hipertensão pulmonar persistente neonatal

Cianose

Desconforto respiratório precoce

Presença de mecônio (sinais de estresse intrauterino)

Hiperfonese ou desdobramento de segunda bulha

Pode apresentar sopro sistólico semelhante


à insuficiência tricúspide

Outros problemas pulmonares associados:


SAM, pneumonia, SDR, hérnia diafragmática
congênita, hipoplasia pulmonar

SAM: síndrome da aspiração meconial; SDR: síndrome do desconforto respiratório

Métodos diagnósticos

Para nos auxiliar no diagnóstico, temos disponível a oximetria de pulso como método de
triagem, além da gasometria arterial, da radiografia de tórax, do ECG e do ecocardiograma,
sendo este considerado o padrão-ouro.

Oximetria (método de triagem)

Pode apresentar uma diferença >10% entre amostras pré (membro superior direito) e pós-
-ductal (membros inferiores) resultante do shunt direita-esquerda por meio do CA. Impor-
tante: a ausência de gradiente não exclui o diagnóstico de HPPN.
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Gasometria arterial

Apresenta-se tipicamente com pressão parcial de oxigênio (PaO2) <100mmHg em pacientes


recebendo uma FiO2 de 100%.

Radiografia de tórax

Geralmente é normal ou demonstra condições pulmonares associadas (pneumonia e hérnia


diafragmática). A área cardíaca está normal ou discretamente aumentada, e o fluxo pulmo-
nar pode se apresentar normal ou reduzido.

Eletrocardiograma

Tipicamente demonstra sinais de predominância de VD.

Ecocardiograma

Mostra anatomia cardíaca normal com sinais de hipertensão pulmonar. Ao estudo Doppler,
é possível verificar shunt direita-esquerda por meio do FO ou CA.

Diagnósticos diferenciais

Cardiopatias cianóticas

Podem ser distinguidas por meio do ecocardiograma.

Doença do parênquima pulmonar, como pneumonia congênita, taquipneia transitória e SDR.


Normalmente são quadros diferenciados da HPPN pelas manifestações clínicas e pela radio-
grafia de tórax. No entanto, a maioria dos pacientes com HPPN também tem uma doença
pulmonar associada. Nesses casos, o diagnóstico deve ser confirmado com ecocardiograma.

Sepse

Diferenciada por meio das características clínicas, culturas e ecocardiograma. Contudo, a


HPPN pode ocorrer como componente da sepse neonatal.
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

Como tratar?

O tratamento consiste em suporte cardiorrespiratório, uso de vasodilatadores, como o NOi,


e uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), a qual fornece suprimento ade-
quado de oxigênio aos tecidos, enquanto a RVP ainda não diminuiu. Tratamentos específi-
cos, como antibioticoterapia ou surfactante, podem ser necessários.

O índice de oxigenação (IO) é utilizado para avaliar a gravidade da hipoxemia na HPPN e


também para orientar quanto ao momento de intervenção. Pode ser calculado como:

IO = (pressão média de via aérea x FiO2 / PaO2) x 100

Na maioria das vezes em que calculamos o IO, o paciente encontra-se recebendo uma FiO2
de 100% e sob ventilação mecânica. Assim, o índice pode ser facilmente calculado com a
pressão média de via aérea (MAP) e a PaO2. Um índice elevado (≥25) indica falência respira-
tória grave e esse paciente deve ser encaminhado a um centro de referência que disponha
de ventilação de alta frequência, NOi e ECMO. Quando o IO é <25, apenas o suporte inten-
sivo convencional deve ser suficiente.

Oxigênio

Potente vasodilatador pulmonar, que deve ser administrado inicialmente com FiO2 de 100%,
na tentativa de reverter a vasoconstrição pulmonar. No entanto, como a administração de
elevadas concentrações de oxigênio, mesmo por um curto período, podem causar lesões
pulmonares, e como também não há vantagem em manter-se uma PaO2 elevada, a con-
centração de oxigênio deve ser ajustada para manter uma PaO2 alvo entre 50 e 90mmHg
(saturação >90%). Apesar de incomum, a hiperóxia deve ser evitada.

Se não for possível manter a saturação >90%, outras medidas, como, manter concentra-
ções de hemoglobina entre 15 e 16g/dL e otimizar a função circulatória, devem ser toma-
das, a fim de manter uma oxigenação tecidual adequada. Caso essas medidas não sejam
suficientes, intervenções mais agressivas devem ser tomadas (NOi ou ECMO).

Ventilação mecânica

Acidose e hipercarbia aumentam a RVP. Por conta disso, tentamos manter inicialmente a
PaCO2 entre 40 e 45mmHg. Conforme temos uma melhora da ventilação e da oxigenação
do paciente, podemos permitir uma variação entre 40 e 50mmHg. A estratégia ventilatória

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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

depende da presença ou da ausência de doenças do parênquima pulmonar e da resposta


do paciente.

Nos pacientes sem doença do parênquima pulmonar associada, a hipoxemia é causada


mais pelo shunt direita-esquerda do que pelo desequilíbrio entre ventilação e perfusão.
Como resultado, a hipoxemia pode não responder às manobras ventilatórias. Nessas cir-
cunstâncias, estratégias que aumentem a MAP podem dificultar o débito cardíaco e aumen-
tar a RVP. Para minimizar a MAP, podemos utilizar pressões inspiratórias baixas e tempos
inspiratórios curtos.

Em pacientes com doença pulmonar associada ou atelectasias, costuma-se utilizar PEEP


alto para recrutamento dos segmentos atelectasiados, além de manter um volume residual
adequado e uma melhora da ventilação e da oxigenação. Quando são necessários picos
de pressão >28 ou 30cm H2O, geralmente o paciente é colocado sob ventilação de alta
frequência (VAFO). Em um estudo randomizado, foi demonstrado que o uso combinado de
VAFO e NOi foi mais eficaz do que somente VAFO ou NOi isolados, além de apresentar uma
mortalidade menor e menor necessidade de ECMO.

Sedação

Pacientes com HPPN costumam se apresentar dessincronizados com o ventilador, ficando


agitados. A agitação pode aumentar o shunt direita-esquerda e a liberação de catecolami-
nas, aumentando a RVP. Podemos tentar um modo ventilatório com trigger deflagrado pelo
paciente ou um analgésico opioide (morfina ou fentanil). Se, ainda assim, a assincronia e a
hipóxia persistirem, e nenhuma causa específica for ser identificada (isto é, obstrução de via
aérea ou vazamento), então um bloqueador neuromuscular pode ser utilizado. No entanto,
é conveniente evitar sua utilização devido aos potenciais efeitos adversos.

Suporte cardiocirculatório

Sendo a RVP elevada na HPPN, o shunt direita-esquerda pode aumentar em pacientes


com uma RVS diminuída ou baixo débito cardíaco. Assim, o suporte circulatório se faz im-
portante para reduzir o shunt e maximizar a oxigenação tecidual. O alvo de pressão arterial
deve manter-se no limite superior da normalidade, ou seja, pressão arterial média entre 45
e 55mmHg e sistólica entre 50 e 70mmHg – isto porque a pressão de artéria pulmonar em
pacientes com HPPN é muito próxima à pressão sistêmica. Esse alvo pode ser atingido por
meio da manutenção de um volume intravascular adequado, manutenção da concentração
de hemoglobina >15g/dL e uso de vasopressores.

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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

Correção de acidose

Ainda não existem evidências quanto aos benefícios de terapias alcalinizantes em neonatos.
Hiperventilação e/ou infusão de bicarbonato de sódio para manter uma alcalose controlada
não são indicadas, pois uma alcalose persistente está associada a um fluxo sanguíneo ce-
rebral reduzido e dificuldade de liberação de oxigênio pela hemoglobina. Entretanto, a aci-
dose aumenta a RVP e, portanto, a PaCO2 deve ser mantida entre 40 e 50mmHg. Tentativas
de melhorar a acidose metabólica com correções cuidadosas do base excess, se presente,
podem ser consideradas. Bicarbonato de sódio ou acetato de sódio podem ser adicionados
ao soro de manutenção numa dose de 2 a 3mEq/kg/dia.

Surfactante

O uso de surfactante aparentemente não é efetivo quando o diagnóstico de base é a HPPN.


No entanto, deve ser considerado em pacientes com doença pulmonar associada, tais
como SDR e SAM.

Óxido nítrico inalatório

Eficácia

NOi mostrou-se eficaz em melhorar a oxigenação e diminuir a necessidade de ECMO em


recém-nascido termo e pré-termo limítrofes com HPPN grave (IO≥25). Foi demonstrado
que o uso de NOi teve bons resultados nos casos de HPPN grave, entretanto, nos casos de
HPPN leve a moderada, não se mostrou benéfico, ou seja, não diminuiu a mortalidade nem
a necessidade de ECMO.

Mecanismo de ação

O NO endógeno regula o tônus vascular, promovendo um relaxamento da musculatura lisa


vascular. O NO exógeno é um vasodilatador pulmonar seletivo, que age diminuindo a pres-
são arterial pulmonar e a relação pressão arterial pulmonar/pressão arterial sistêmica. O NO
combina-se com a hemoglobina e é rapidamente convertido em meta-hemoglobina e nitra-
to, portanto, praticamente não tem efeito sobre a RVS e sobre a pressão arterial sistêmica.

Toxicidade

Inclui meta-hemoglobinemia resultante de elevadas concentrações de NOi ou metabolis-


mo deficiente, lesão pulmonar relacionada aos crescentes níveis de dióxido de nitrogênio
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

durante a administração e contaminação do ar ambiente. Nos recém-nascidos tratados no


NOi, o tempo de sangramento encontra-se prolongado devido à inibição da função plaque-
tária, entretanto, sangramentos significativos não foram observados até o momento.

Hérnia diafragmática congênita

O uso nos pacientes portadores de hérnia diafragmática congênita não se mostrou bené-
fico. Contudo, devido à melhora da oxigenação em metade dos pacientes testados, o uso
de NOi nesses casos pode ser útil na estabilização e no transporte desses pacientes, e no
início da ECMO.

Recém-nascidos pré-termo

Não há orientação para o uso rotineiro de NOi nesses pacientes. Nesses casos, a insufici-
ência respiratória é um resultado de uma doença pulmonar primária e um desbalanço entre
ventilação e perfusão, devido à deficiência de surfactante. No entanto, HPPN pode ocorrer
em uma pequena parcela de recém-nascidos com muito baixo peso (<1500g), os quais
podem se beneficiar de NOi.

Abordagem

Utilizar em recém-nascido termo ou pré-termo tardio, com insuficiência respiratória (IO≥25),


utilizando suporte ventilatório (convencional ou VAFO). Antes do início do tratamento, deve
ser realizado um eco para confirmar o diagnóstico de HPPN e excluir doenças cardíacas
congênitas. A dose inicial é de 20ppm; doses mais elevadas não foram eficazes e apenas
aumentaram consideravelmente os níveis de meta-hemoglobina e de dióxido de nitrogênio.
A resposta ao NOi é relativamente rápida. Quando o paciente responde à terapia, geralmen-
te encontra-se um aumento de cerca de 20% na PaO2 ou na saturação de oxigênio dentro
de 15 a 20 minutos. O desmame deve ser lento e gradual. Recomendam-se, primeiro, o
desmame do oxigênio até 60% e, então, o desmame progressivo do NOi. Lembrar de dosar
nível sérico de meta-hemoglobina 24 horas após o início da terapia e os níveis de óxido
nitroso no circuito, e de manter controle rigoroso.

Oxigenação por membrana extracorpórea

Aproximadamente 40% dos pacientes com HPPN grave mantêm-se hipóxicos, apesar do supor-
te ventilatório máximo ou da administração de NOi. Nesses casos, a ECMO deve ser considerada.
O objetivo do tratamento é manter uma oxigenação tecidual adequada e evitar lesões pulmonares
decorrentes da ventilação, enquanto aguardamos a queda da RVP e a resolução do quadro.
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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Camip

O critério para indicação de ECMO é um IO persistentemente >40, porém, como na VAFO


as pressões médias de via aérea são maiores, alguns autores consideram esperar até um IO
≥60, quando em uso de VAFO.

A maioria dos pacientes consegue ser desmamada da ECMO em 7 dias, contudo, o perío-
do necessário pode estender-se até 3 semanas nos casos mais graves. Alguns pacientes
podem evoluir com displasia alvéolo-capilar ou hipoplasia pulmonar.

Embora NOi e ECMO tenham melhorado o desfecho de muitas crianças, ainda existem as
que não respondem a essas intervenções. Além disso, são tratamentos caros e que não
estão disponíveis em todos os serviços brasileiros. Por isso devemos considerar alguns
outros vasodilatadores.

Sildenafil

Um inibidor da fosfodiesterase tipo 5, que tem se mostrado um redutor seletivo da pressão


pulmonar, tanto em modelos animais, quanto em humanos adultos. Trabalhos avaliando uso
de sildenafil enteral mostraram redução importante da mortalidade. Já o uso de infusão con-
tínua da medicação, apesar de apresentar melhora do IO, também apresentou diversos efei-
tos colaterais, com necessidade de interrupção do tratamento. Em 2012, o Food and Drug
Administration (FDA) publicou um alerta de que sildenafil NÃO deve ser usado em pacientes
portadores de hipertensão pulmonar arterial. Desse modo, apesar de os estudos se mostra-
rem promissores, o uso de sildenafil não pode ser recomendado em locais que dispõem de
NOi, até que sejam realizados estudos maiores demonstrando sua eficácia e segurança.

Os próximos agentes descritos a seguir têm sido reportados como alternativa ao tratamen-
to da HPPN, porém não podem ser recomendados devido à escassez de estudos compro-
vando sua eficácia e segurança.

Prostaciclina inalatória ou intravenosa

É uma intervenção possível em pacientes que não responderam ao NOi, porém, não é
mais utilizada.

Milrinone

Inibidor da fosfodiesterase tipo 3, mostrou melhora da oxigenação em pacientes refratários


ao tratamento com NOi em uma pequena série de casos. Contudo, três das quatro crianças

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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

tratadas apresentaram hemorragia intraventricular. Portanto, mais estudos são necessários


para comprovar sua segurança.

Bosentana

Antagonista do receptor de endotelina tipo 1, mostrou-se efetivo e seguro a curto-prazo


em um estudo com 47 neonatos com HPPN, em um serviço que não dispunha de NOi ou
ECMO. Foi utilizada a dose de 1mg/kg/dia via gástrica, duas vezes ao dia, comparada com
placebo, e mostrou-se mais eficaz em melhorar o IO e a saturação, além de diminuir o tem-
po de ventilação mecânica.

Pacientes sobreviventes de HPPN grave e/ou tratados com ECMO têm risco aumentado
de desenvolver atraso neuropsicomotor e défice auditivo e, desse modo, devem ter seu
desenvolvimento acompanhado de perto durante toda infância, com intervalos de 6 a 12
meses. Testes auditivos também são recomendados na alta do hospital e com 18 a 24
meses de idade corrigida. O tratamento com NOi aparentemente não aumenta o risco de
resultados adversos.

Messages to take home

A HPPN é uma situação na qual a RVP permanece anormalmente elevada após o nascimen-
to, resultando em um shunt direita-esquerda e, assim, levando à hipoxemia, a qual pode não
responder ao suporte ventilatório convencional.

A HPPN ocorre em recém-nascidos a termo ou pré-termo tardio (≥34 semanas). É causada


por anormalidades da vasculatura pulmonar que incluem subdesenvolvimento, malforma-
ção (isto é, musculatura anormalmente espessa na arteríola pulmonar) e má adaptação
(vasoconstrição anormal que interfere na queda pós natal da RVP).

Pacientes com HPPN geralmente apresentam-se com cianose, desconforto respiratório e


taquipneia nas primeiras 24 horas de vida.

A HPPN pode ser associada com fatores de risco pré-natais (anormalidades cardíacas e
presença de líquido meconial) e com uma variedade de desordens respiratórias primárias,
tais como SAM, pneumonia, SDR, hérnia diafragmática congênita e hipoplasia pulmonar.
Os testes iniciais incluem triagem com oximetria de pulso, que pode demonstrar uma dife-
rença significante (>10%) entre as saturações venosas pré e pós-ductal, e radiografia de tó-
rax, que é tipicamente normal em pacientes sem outra doença pulmonar associada e ECG.

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Capítulo 14 | Hipertensão pulmonar persistente neonatal
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O diagnóstico de HPPN deve ser considerado em qualquer neonato, principalmente nos


recém-nascidos a termo com cianose, e deve ser confirmada por meio de ecocardiograma
(padrão-ouro). Na HPPN, o eco demonstra ausência de alterações anatômicas e presença
de sinais de hipertensão pulmonar, isto é, septo interventricular achatado ou deslocado ou
ainda pressão estimada de artéria pulmonar elevada.

Os diagnósticos diferenciais incluem cardiopatias congênitas cianóticas, doenças pulmo-


nares primárias e sepse.

O manejo da HPPN consiste em suporte cardiorrespiratório, terapia específica para condi-


ções pulmonares associadas e, nos casos mais graves, vasodilatadores pulmonares (NOi) e
ECMO – esta ainda pouco disponível no Brasil.

A abordagem para o tratamento inclui:

• O oxigênio deve ser administrado inicialmente com uma concentração de 100%, na ten-
tativa de reverter a vasoconstrição pulmonar, uma vez que é um potente vasodilatador
pulmonar (Nível de evidência: 1A)
• Subsequentemente, a PaO2 deve ser mantida entre 50 a 90mmHg (saturação >90%)
para minimizar a toxicidade pulmonar do oxigênio. IO é usado para avaliar a gravidade
da hipoxemia e também para determinar se intervenções adicionais são necessárias
(NOi e ECMO)
• Ventilação mecânica deve ser ajustada para manter PaCO2 entre 40 e 45mmHg inicial-
mente, pois a hipercarbia e a acidose aumentam a RVP
• Manutenção de pressão arterial sistêmica adequada, fornecendo volume intravascular
suficiente e uso de inotrópicos
• Nos recém-nascidos termo e pré-termo tardios (≥34 semanas) com HPPN grave, defini-
da como IO ≥25, é recomendado que o NOi seja administrado em uma dose de 20ppm
(Nível de evidência: 1B)
• Como os dados são insuficientes para demonstrar a eficácia e a segurança, não é reco-
mendado o uso enteral de sildenafil, se NOi estiver disponível (Nível de evidência: 1C).
Pode e deve ser considerado em locais com recursos limitados
• Em pacientes com IO ≥40, apesar do uso de NOi e suporte ventilatório máximo, está
recomendado o uso de ECMO (Nível de evidência: 1C)
• Sobreviventes de HPPN grave e/ou ECMO têm risco aumentado de desenvolver atrasos
no desenvolvimento, alterações motoras e défice auditivo e, portanto, devem ter seu
desenvolvimento acompanhado rigorosamente
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Camip

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Asma Aguda Grave
Capítulo 15 | Asma aguda grave
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Capítulo 15
Asma aguda grave

Andrea Reis Ferola


Bianca Lima Zimmer
Andrea Reis Ferola
Domenico Monetta Neto Bianca Lima Zimmer
Domênico Monetta Neto
Caso clínico

História atual

MVJG, 5 anos, pesando 18 kg, procedente de Agudos (SP), deu entrada na unidade de te-
rapia intensiva (UTI) pediátrica de um hospital em crise de broncoespasmo, com história de
tosse e cansaço há 1 dia. Negava febre. Foram realizados inalações e corticoide endoveno-
so no pronto-socorro infantil, porém sem melhora. Foi solicitada vaga de UTI.

Antecedentes

Tia materna com asma; morava com os avós maternos e a mãe, sendo avô e mãe tabagistas.
Possuía cães e gatos no domicílio, e fazia uso frequente de Berotec em inalações em casa.

Exame físico

À admissão na UTI, menor estava hidratado, descorado +/4, acianótico, com desconforto
respiratório moderado, tiragem subcostal, sem outras tiragens e afebril.

Aparelho respiratório: Murmúrio Vesicular presente e simétrico com sibilos difusos; frequ-
ência respiratória (FR) 48irpm, saturação de oxigênio (SatO2) de 90% em ar ambiente e de
95% com cateter de oxigênio.

Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas rítmicas normofo-
néticas, sem sopros; frequência cardíaca (FC) 162bpm e pressão arterial (PA) 108x86mmHg.
Abdome sem alterações.

Extremidades aquecidas, pulsos periféricos presentes e de boa amplitude, tempo de enchi-


mento capilar de 2 segundos.

Glasgow 13-14, sonolento, pupilas isocóricas e fotorreagentes.

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

Hipótese diagnóstica

Estado de mal asmático.

Conduta

A conduta adotada foi a seguinte: (1) cateter nasal de oxigênio 2L; (2) jejum + soro de ma-
nutenção de oferta hídrica (OH) 100%; (3) metilprednisolona 1mg/kg/dose a cada 6 horas;
(4) inalação contínua com fenoterol (2 gotas/kg); (5) sedação com midazolam; (6) fisioterapia
respiratória; (7) coletados exames e solicitado raio X tórax.

Após admissão, paciente evoluiu sem melhora do quadro com a conduta inicial, mantendo
escore Wood 5, feito sulfato de magnésio 50mg/kg e iniciada terbutalina endovenosa (EV)
na dose de 0,5mcg/kg/min após ataque de 10mcg/kg, que foi titulada até 4mcg/kg/minuto.
Em exames admissionais, gasometria arterial: pH de 7,33, pressão parcial de gás carbônico
(PaCO2) de 42,4, pressão parcial de oxigênio (PaO2) de 111,6 SatO2 de 97,8, Bic de 21,9,
potássio (K) 3,5. Hemograma: hemoglobina (Hb) de 12,1, hematócrito (Hto) de 34,6; leucó-
citos 13.440 (N=89,5, L=6,3 e M=4,2). Plaquetas 407.000.

Realizado raio X tórax (Figura 1), que evidenciou hipotransparência não homogênea no
pulmão esquerdo. Iniciada antibioticoterapia com amoxacilina e clavulanato de potássio.

Figura 1. Raio X de tórax à admissão

Na evolução, manteve desconforto respiratório importante com sibilância difusa inspiratória


e expiratória, tiragem intercostal e subdiafragmática, crepitações à esquerda, escore Wood
8, SatO2 em cateter nasal 2L/minuto =92%, FC de 170bpm, FR de 40irpm, expansibilidade
diminuída, sonolência e confusão mental. Gasometria arterial: pH de 7,4 PaCO2 34,3, PaO2
74,9, SatO2 94,9, Bic 20,9 e K 3,4. Optado por aumento da terbutalina contínua até 6mcg/
kg/minuto, colocado em máscara não reinalante de oxigênio.
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Paciente não respondeu à terapêutica administrada e evoluiu com piora do padrão respi-
ratório, febre, batimento de aletas nasais, tiragem subcostal e intercostal pronunciadas e
expiração prolongada. Foi colocado em ventilação mecânica na modalidade não invasiva
(VNI), sem sucesso, optado então por intubação orotraqueal. O procedimento foi realizado
sem intercorrências, paciente mantido com os seguintes parâmetros ventilatórios: A/C PIP
18, pressão positiva expiratória final (PEEP) de 6, FR de 25irpm, fração inspirada de oxigê-
nio (FiO2) 60%, Ti de 0,8, Rel I:E 1:2, trocado antibiótico para cefepime e iniciada sedação
contínua com midazolam e fentanil.

No segundo dia de internação ,paciente mantinha sibilância ao exame físico, com crepita-
ções bilaterais e SatO2 99% em ventilação mecânica invasiva (VMI) A/C-P.

Pressão controlada (PC) de 24, PEEP de 6, tempo inspiratório (TI) de 0,8 segundos, volume
corrente (VC) de 6mL/kg, FiO2 de 0,5 e FR de 25irpm. Modificada sedação para midazolam
e cetamina.

Apresentou extrassístoles sinusais com uso de terbutalina de 2mcg/kg/minuto e FC de


179irpm, em gasometria arterial; pH de 7,27, PaCO2 de 56,1, PaO2 de 51,7, SatO2 de 81,3
e Bic 25,5. Mantidos parâmetros ventilatórios e pausada terbutalina.

Realizado raio X de tórax após intubação orotraqueal (IOT): inalterado (Figura 2).

Figura 2. Raio X de tórax pós-intubação

No terceiro dia de internação, apresentou vários picos febris, taquicardia, FC 180bpm, SatO2
95-98%, ausculta respiratória com crepitações finas difusas, sem sibilância, sem extrassís-
toles. Recebendo terbutalina 2mcg/kg/minuto, evoluiu com broncoespasmo e retenção de
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

gás carbônico pela capnografia. Aumentada terbutalina até 4mcg/kg/minuto; pH de 7,4,


PaCO2 de 48,1, PaO2 de 86, SatO2 de 96,5, Bic de 29,6, com melhora após medida.

Mantido furosemida intermitente durante internação, devido a edema e hipertensão.

No quarto dia de internação evoluiu com melhora progressiva, permitindo suspensão da ter-
butalina. Paciente clinicamente estável, sem sibilância. Em controle de gasometria arterial:
pH de 7,41, PaCO2 de 53,3, PaO2 de 77, SatO2 de 95,3, Bic de 33,4, gás carbônico expirado
(EtCO2) médio de 44.

Após regressão de parâmetros ventilatórios, foi colocado em pressão de suporte e teste


de autonomia de 1 hora com sucesso. Realizada extubação sem intercorrências. Manteve
padrão respiratório satisfatório.

Mantido em cateter de oxigênio, inalação com fenoterol a cada 4 horas. Realizado desma-
me progressivo das medicações sem piora e término do antibiótico após 8 dias.
Alta da UTI pediátrica no nono dia de internação.

Perguntas

1. Quais os fatores de risco na história clínica para exacerbações graves da asma?


2. Qual a fisiopatologia da crise de asma?
3. No caso em questão, quais os sinais de crise de asma grave e o que indica a necessi-
dade de UTI pediátrica?
4. Quais os achados laboratoriais comumente encontrados na crise de asma aguda?
5. A terapêutica inicial empregada foi adequada para o paciente em questão?
6. Quais as recomendações terapêuticas do consenso internacional de asma - o Global
Initiative for Asthma (GINA), publicado em 2014?
7. Baseado na fisiopatologia da asma, qual o mecanismo de ação do fenoterol?
8. Qual a ação do corticoide na crise de asma aguda?
9. Qual a recomendação para utilização de VNI no paciente com asma? Quando conside-
rar falha desta?
10.Quando se decide por IOT no paciente em crise de asma aguda grave?
11.Qual a maneira mais adequada para se ventilar um paciente com patologia obstrutiva?
Por quê?
12.Quais as complicações possíveis da ventilação mecânica no paciente em asma grave?
13.Quando usar antibióticos na crise de asma aguda grave?
14. Qual a vantagem da troca de fentanil por cetamina, como realizado no caso em questão?

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Revisão da literatura

Definição

Asma é uma doença inflamatória crônica das vias respiratórias caracterizada por obstru-
ção reversível dos brônquios decorrente de hiper-reatividade. Denomina-se crise de asma
aguda severa ou crise de asma grave aquela que não responde à terapia convencional com
oxigênio, broncodilatador inalatório e corticosteroides sistêmicos e que evolui para falência
respiratória progressiva.

Essa patologia é uma causa comum de admissão em UTI pediátrica, e crianças com qual-
quer nível de gravidade de asma podem apresentar exacerbações agudas severas. Em re-
latos, um terço das crianças que foram a óbito por exacerbação de asma tinha doença leve
e não foram classificadas como risco alto por nenhum critério. O imediato reconhecimento
dessa situação pelo profissional de saúde e o início precoce da terapêutica adequada con-
tribuem para uma menor morbimortalidade.

Fatores de risco

Os fatores de risco para a exacerbação da asma são: não aderência ao tratamento profi-
lático ou resposta insuficiente ao mesmo; falta da capacidade da família em reconhecer
a severidade da crise; idade menor de 3 anos pela via aérea de pequeno calibre; epi-
sódios anteriores graves de broncoespasmo; alergia alimentar como desencadeante de
broncoespasmo; baixo nível socioeconômico e não acesso aos tratamentos disponíveis;
pacientes portadores de doenças psiquiátricas crônicas, como depressão ou doenças
pulmonares crônicas.

Fisiopatologia

As principais alterações histológicas encontradas em pulmões de pacientes asmáticos são


infiltração de macrófagos e linfócitos, proliferação de fibroblastos, angiogênese, e destrui-
ção tissular. A asma é caracterizada por inflamação e edema da mucosa brônquica, produ-
ção aumentada de muco com obstrução das pequenas vias aéreas e dano epitelial. Esses
fatores levam à redução do calibre brônquico e de uma obstrução das vias aéreas inferiores.
Com a progressão da obstrução das vias aéreas, a expiração se torna um processo ativo e
a inspiração seguinte se inicia antes do término da expiração anterior. Com isso, ocorrem
hiperinsuflação e aprisionamento de ar, além de redução do volume corrente.

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

A obstrução pelo muco é a base das anormalidades nas trocas gasosas e gera áreas que
são perfundidas e não ventiladas, o que se denomina shunt intrapulmonar. Em outras áreas,
o aprisionamento de ar leva à hiperdistensão alveolar e ao colapso de vasos intrapulmo-
nares, gerando áreas ventiladas e não perfundidas, o que é denominado espaço morto. O
padrão alterado de ventilação e perfusão leva à hipoxemia e à acidose, com níveis variáveis
de gás carbônico.

Na crise de asma grave, as alterações de volumes pulmonares e pressões pleurais levam a


interações cardiopulmonares. A hiperinsuflação dinâmica acarreta aumento da resistência
vascular pulmonar e da pós-carga do ventrículo direito. A resposta vascular pulmonar se-
cundária à hipóxia e à acidose contribui para esse processo. As altas pressões pulmonares
negativas na inspiração levam ao aumento da pós-carga de ventrículo esquerdo, e isso
reduz o débito cardíaco. Clinicamente, observa-se exagerada redução na pressão sistólica
na inspiração. A redução da pressão sistólica na inspiração mais que 20mmHg é chamado
pulso paradoxal.

A expressão clínica do processo fisiopatológico na asma aguda severa é a sibilância. Ocor-


re aumento da FR e do esforço muscular na tentativa de compensar a redução de volume
corrente e o aumento da resistência das vias aéreas. A acidose metabólica pode surgir em
consequência do trabalho muscular aumentado e se associa à retenção de gás carbônico,
levando a um quadro de acidose mista, que tem um prognóstico pior. A progressão da hi-
póxia na crise não controlada pode levar à alteração da consciência e à resposta cardiovas-
cular com taquicardia inicial e, depois, bradicardia com hipotensão e consequente choque
com parada cardiorrespiratória.

Aspectos clínicos

Os principais sintomas da asma severa são tosse, sibilância, dispneia e hipoxemia, que
pode ser evidenciada clinicamente por cianose. Os pacientes comumente são sudoreicos
em repouso, têm dificuldade em deitar em supino, e em falar frases completas.

Os casos mais graves têm disfunção cardiovascular; a sonolência e a confusão mental são
sinais de fadiga respiratória iminente. O estado de consciência está diretamente relacionado
ao grau de hipoxemia (Quadro 1). Os sibilos são predominantemente expiratórios pela com-
pressão dinâmica das vias aéreas inferiores, mas pode ser bifásico nas crises mais severas.
O chiado pulmonar assimétrico deve alertar para atelectasias, pneumotórax ou corpo estranho.
O tórax silencioso devido ao fluxo de ar limitado é um sinal de falência respiratória iminente.

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 1. Classificação da intensidade da crise de asma em adultos e crianças

Achado* Muito grave Grave Moderada/leve

Cianose, sudorese
Gerais Sem alterações Sem alterações
e exaustão

Estado mental Agitação e sonolência Normal Normal

Dispneia Grave Moderada Ausente/leve

Frases curtas e
Fala Frases incompletas Frases completas
monosilábicas

Retrações acentuadas
Musculatura Retrações subcostais Retrações intercostais
ou em declínio
acessória acentuadas leves ou ausentes
(exaustão)

Ausentes com MV Ausentes, com MV


Localizados ou
Sibilos localizados ou normal, localizados ou
difusos
difusos difusos

FR iepm** Aumentada Aumentada Normal ou aumentada

FC bpm >140 ou bradicardia <110 ≤110

PFE % melhor
<30% 30-50% >50%
ou previsto

SatO2 ar ambiente <90% 91-95% >95%

PaO2 ar ambiente <60% Ao redor de 60% Normal

PaCO2 ar ambiente

Fonte: Piva JP, Canani SF, Pitrez PMC, Stein RT. Asma aguda grave na criança. Jornal de Pediatria.
1998;74(Supl1):S59-68. Xiao FW, Hong JG. Management of severe asthma exacerbations in children;
World J Pediatr. 2011;7(4):293-301.
* A presença de vários parâmetros, mas não necessariamente de todos, indica a gravidade da crise;
** FR normal em crianças: <2 meses: <60; 2 a 11 meses: <50; 1 a 5 anos: <40; 6 a 8 anos: <30; >8 anos
= adultos. MV: murmúrio vesicular, FR: frequência respiratória, FC: frequência cardíaca, PFE: pico de
fluxo expiratório; SatO2: saturação de oxigênio;, PaO2: pressão parcial de oxigênio; PaCO2: pressão
parcial de gás carbônico.

Há vários escores utilizados na avaliação da severidade da crise de asma aguda em crian-


ças, porém é aconselhável que se use um conjunto de dados para classificar a intensidade
da crise. Os escores se correlacionam adequadamente com a necessidade de hospitaliza-
ção, entretanto, não são efetivos em avaliar risco de progressão da crise ou de hospitaliza-

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

ção prolongada. Para aquelas crianças que colaboram, a medida de pico de fluxo expira-
tório (PEF) é um método confiável. Um ataque severo tem PEF >33% do ideal para idade,
sexo e peso. PEF <50% tem correlação significativa com uso da musculatura acessória na
crise severa. O pulso paradoxal >10mmHg é outro achado clínico correlacionado com se-
vera obstrução de via aérea e fadiga de musculatura respiratória, porém existem trabalhos
não valorizam essa correlação.

Quadro 2. Escore de Wood-Downes

Nota clínica
Característica
0 1 2

<70 em oxigênio
PaO2 OU 70-100 em ar <70 em ar
a 40%
Cianose
Não Em ar ambiente Em oxigênio a 40%

Murmúrio vesicular Normal Desigual Diminuído

Uso de musculatura
Não Moderada Máxima
acessória

Sibilância Não Moderada Intensa

Deprimido
Sensório Normal Coma
ou agitado

Fonte: Paes RFC, Percebo A, Naspitz CK, Solé D. Escores clínicos de gravidade na avaliação da
exacerbação aguda de asma na criança. Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia. 2002;25(1):26-40.
PaO2: pressão parcial de oxigênio

Aspectos laboratoriais e radiológicos

Análise dos gases arteriais

A hipóxia e a hipocapnia são achados iniciais e se correlacionam com os desequilíbrios ven-


tilação-perfusão e com a hiperventilação decorrente da hipoxemia. A transição para normo-
capnia tende a se associar com fadiga respiratória e necessidade de ventilação mecânica. O
grau de hipoxemia pode ser avaliado pela saturação de hemoglobina e/ou gasometria arterial.

A saturação de hemoglobina em ar ambiente <91 a 93% tem correlação com gravidade. A


gasometria arterial está indicada no desconforto respiratório intenso. A oxigenação é me-
lhor avaliada pela relação PaO2/FiO2 e, se <250, reflete grave comprometimento da relação
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

ventilação-perfusão. Nas fases mais avançadas, a acidose lática é reflexo do esforço da


musculatura respiratória, desidratação por perdas insensíveis aumentadas e ingesta redu-
zida, e hipóxia tissular por débito cardíaco reduzido. Nos pacientes críticos, é necessária
a análise de eletrólitos (especialmente o potássio, devido ao uso de beta-adrenérgicos em
grandes doses) e da taxa de hemoglobina, a fim de otimizar a oferta de oxigênio.

Análise hematológica e radiológica

O leucograma tem pouco valor por ser a leucocitose um achado comum em razão do uso
de corticoides, pelo estresse da crise grave e devido ao uso de adrenérgicos. O raio X de
tórax apresenta pouca correlação com a gravidade da crise, mas pode excluir outros diag-
nósticos, como corpo estranho, e auxiliar na identificação de complicações bacterianas,
pneumotórax ou atelectasias.

Tratamento

Oxigênio

A correção da hipoxemia é o ponto fundamental. O uso de cateter nasal ou máscaras fa-


ciais deve manter a saturação de hemoglobina >94% nesses pacientes. É sugerido iniciar
com oferta de oxigênio a 40% com fluxo constante de 4 a 5L/minutos. A avaliação contí-
nua de oximetria de pulso, gases sanguíneos e eletrólitos é mandatória, e sedativos não
devem ser utilizados nos pacientes em ventilação espontânea.

Beta2-agonistas

São os agentes de primeira escolha para alívio rápido da broncoconstrição. Ativam recep-
tores beta2-adrenérgicos, levando a aumento das concentrações de monofosfato ciclíco
de adenosina (AMPc), que inibe a liberação de cálcio intracelular e produz relaxamento da
musculatura lisa brônquica. O uso pode ser contínuo ou intermitente. Na primeira hora, po-
dem ser usados a cada 20 minutos, por três vezes; depois, a cada 1 a 4 horas, de acordo
com a resposta clínica. Os mais usados são salbutamol e fenoterol. Para uso intermitente,
as doses recomendadas de salbutamol são 0,15mg/kg/dose, com máximo de 2,5 a 5mg,
em função da idade e, no uso contínuo, 0,5mg/kg/hora. O uso de aerossol com espaçador
também é possível nas doses de 100 a 400mcg de salbutamol (1 a 4 puffs a cada dose). A
dose recomendada de fenoterol é 0,05 a 0,15mg/kg/dose a cada inalação com máximo de
10 gotas e, para uso contínuo, 0,5mg/kg/h, com mínimo de 10mg e máximo de 20mg/h.
É recomendado diluir em 10mL de soro fisiológico e inalar com fluxo de oxigênio de 5L/
minuto em 1 hora. As reações adversas mais frequentes dos agonistas beta2-adrenérgicos
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

foram taquicardia, tremor e náuseas; estes também podem acarretar aumento do intervalo
QTc no eletrocardiograma, devido à hipocalemia, além de hipotensão e arritmias.

O uso do broncodilatador por via venosa está indicado para pacientes que não respondem
a medicação inalatória. Podem ser usados a terbutalina, com dose de ataque de 10mcg/
kg em 10 minuto, seguida de infusão de 0,1 a 10 mcg/kg/minuto com aumentos de 0,1 a
0,2mcg/kg/minuto a cada 20 a 30 minutos. O uso subcutâneo é possível na ausência de
acesso venoso na dose de 0,25mg, que pode ser repetido a cada 30 a 60minuto se não hou-
ver resposta. Extrema cautela deve ser usada no paciente em risco de isquemia miocárdica,
pois a taquicardia aumenta a demanda de oxigênio pelo miocárdio. Portanto, fluidos são
necessários para equilibrar a ocorrência de taquicardia associada ao uso desses agentes.

Epinefrina

A administração subcutânea pode ser usada na falha ou ausência da medicação inalatória.


Age nos receptores alfa e beta-adrenérgicos e a dose recomendada da solução 1/1.000 é
0,01mL/kg (a dose máxima usada em crianças é menos do que 0,3mL/dose). É recomenda-
da a observação cuidadosa de efeitos cardiovasculares.

Corticoesteroides

O uso sistêmico é o tratamento de primeira linha na exacerbação severa da asma. Os cor-


ticoesteroides agem inibindo a inflamação da via aérea, reduzem a hiperresponsividade
pulmonar, reduzem a produção de muco e normalizam a depuração ciliar na árvore res-
piratória, além de potencializarem os efeitos dos beta2-agonistas. Devem ser usados nos
estágios iniciais. Os esteroides comumente usados são hidrocortisona e metilprednisolona,
com doses recomendadas de 4 a 8mg/kg e 0,5 a 2mg/kg, respectivamente, a cada 4 a 6
horas (máximo de 60mg/dia). O tempo de uso depende da intensidade da crise. Quando a
crise está controlada, podem ser substituídos por prednisona ou prednisolona oral.

Altas doses de corticoesteroides inalatórios ajudam a impedir exacerbações severas da


asma. Evidências recomendam que estes são benéficos se iniciados precocemente, mas
os dados em crianças são inconsistentes para se recomendar a substituição do corticoide
sistêmico pelo inalatório.

Anticolinérgicos

Agem pela inibição de receptores muscarínicos, bloqueiam a interação destes com a ace-
tilcolina e reduzem o monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) intracelular, que impede a
broncoconstrição. Evidências sugerem que são importantes agentes quando associados
aos beta2-agonistas inalatórios. A dose recomendada de brometo de ipatrópio é 250mcg em
crianças <20kg e 500mcg se >20kg e o intervalo de doses é o mesmo dos beta2-agonistas.
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Sulfato de magnésio
É recomendado nas exacerbações de asma aguda. Uma dose inicial reduz o risco de intu-
bação nos pacientes com pouca resposta à medicação inalatória inicial. Inibe a recaptação
de cálcio e relaxa a musculatura lisa da via aérea. A dose recomendada é 25 a 75mg/kg/
dose (máximo 2g/dia) em 20 minutos com vigilância constante pelo risco de hipotensão.
Pode ser usado por 1 a 3 dias.

Xantinas
Agem pela inibição da isoenzima fosfodiesterase, que reduz a degradação celular do AMPc.
Produzem aumento da contratilidade diafragmática, estimulação de catecolaminas endó-
genas, antagonismo as prostraglandinas e inibição de atividade neuronal aferente. Teofilina
deve ser usada em crianças com exacerbação de asma severa com iminente falência res-
piratória ou para aquelas em ventilação mecânica e já recebendo broncodilatadores e anti-
-inflamatórios. A aminofilina também é uma alternativa em pacientes graves sem resposta
aos beta2-agonistas e aos corticoides. A dose da teofilina é 80% da dose da aminofilina.
Uma dose de ataque de 5mg/kg de teofilina ou 6mg/kg de aminofilina em 20 minutos é
necessária para uma concentração terapêutica. Após a dose de ataque, deve ser mantida
uma infusão contínua nas doses adequadas a idade (<6 meses: 0,5mg/kg/hora; 6 meses a
1 ano: 0,85 a 1mg/kg/hora; 1 a 9 anos: 1mg/kg/hora; e em >9 anos: 0,75mg/kg/hora). O uso
de doses intermitentes de aminofilina a cada 6 a 8 hora é uma opção terapêutica. Recomen-
da-se monitorização do nível sérico das xantinas visando a valores entre 10 a 20mcg/mL e
deve ser medido diariamente após a resposta terapêutica ser atingida ou se houver sinais
de toxicidade (taquicardia, ansiedade, vômitos, arritmias, vômitos e convulsões).

Heliox®
É um gás de densidade baixa que, ao ser misturado ao oxigênio, na proporção de 70:30%
Heliox®-oxigênio ou 70:21%, reduz o fluxo turbulento de ar na via aérea, produz um fluxo
laminar e, em consequência, reduz a resistência ao fluxo aéreo. A medicação inalatória na
crise aguda pode ser administrada com Heliox® nos ataques severos de asma. Poucas evi-
dências existem sobre o uso da mistura Heliox® – oxigênio em crianças. Em pacientes em
ventilação mecânica, possibilita redução das pressões de pico, por permitir a descompres-
são dos alvéolos durante a expiração e, assim, reduz a capacidade residual funcional (CRF)
do paciente com asma severa.

Cetamina
É um derivado da penciclidina solúvel em água e biodisponível para uso intramuscular e endo-
venoso. Estudos já avaliaram sua eficácia de ação na crise de asma severa. Sua ação leva à
alteração da mecânica respiratória e ao relaxamento da via aérea. Atua em receptores mediado-
res do broncoespasmo e na cascata da inflamação aguda. Aumenta os níveis de catecolaminas
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
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endógenas inibindo a recaptação de noradrenalina nos neurônios pré-sinápticos do sistema


nervoso simpático e a ação das catecolaminas nos receptores beta2 produz broncodilatação.

A infusão contínua da cetamina é indicada na VMI e VNI. Tem efeitos benéficos com aumen-
to das trocas gasosas e da complacência torácica. Outros mecanismos de ação também
foram propostos e estudos mostram que reduz a necessidade de ventilação mecânica no
broncoespasmo severo. Ainda são necessárias mais avaliações para estabelecer sua eficá-
cia como terapêutica, mas possui ação broncodilatadora potente e pode ser considerada
uma medicação de resgate no status asmático refratário. As doses variam de 0,1 a 2mg/kg
de ataque e infusão contínua variando de 0,15 a 2,5mg/kg/h.

Bloqueadores neuromusculares

Podem ser usados como adjunto na intubação e para prevenir taquipnéia e desincronia no
caso de ventilação invasiva contínua. Seu uso deve ser descontinuado rapidamente pelo
risco de miopatia do paciente grave induzida por esses agentes. Abaixo, o quadro de resu-
mo das medicações (Quadro 3) e fluxograma do manejo da asma (Figura 3).

Quadro 3. Doses de medicações para tratamento das exacerbações de asma em


diferentes idades

Medicações <2 anos 2 a 5 anos >5 anos


2,5mg salbutamol em 2,5mg salbutamol em 2,5 a 5mg salbutamol
inalador a cada 20 inalador a cada 20 em inalador a cada 20
Beta2-agonistas
minutos na primeira minutos na primeira minutos na primeira
de ação curta
hora e, após, a cada 1 hora e, após, a cada 1 hora e, após, a cada 1
a 4 hora s/n a 4 hora s/n a 4 horas s/n
Ipatrópio (uso em
combinação com 250mcg 250mcg 250–500mcg
beta2-agonistas)
Prednisolona VO
Prednisolona VO Prednisolona VO
1-2mg/kg/dia por
1–2mg/kg/dia por 1–2mg/kg/dia por
3–10 dias
Corticoesteroides até 3 dias 3–10 dias
Metilprednisolona EV
sistêmicos Metilprednisolona EV Metilprednisolona EV
0,5–2mg/kg/dia
0,5–2mg/kg/dia 0,5–2mg/kg/dia
a cada 4–6 horas
a cada 4-6 horas a cada 4-6 horas

Fonte: Xiao FW, Hong JG. Management of severe asthma exacerbations in children; World J Pediatr.
2011;7(4):293-301. s/n: ; VO: via oral; EV: endovenos

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 3. Manejo de exacerbações da asma: emergência e cuidados intra-hospitalares.


FEV1: volume expiratório forçado em 1 segundo; O2: oxigênio; FC: frequência cardíaca; UTI: unidade
de terapia intensiva. Fonte: Xiao FW, Hong JG. Management of severe asthma exacerbations in
children; World J Pediatr. 2011;7(4):293-301.

Intubação orotraqueal e sequência rápida de intubação


A ventilação mecânica é recomendada se o paciente continua a deteriorar sua condição
respiratória apesar do tratamento com oxigênio, beta2-agonistas inalatórios e corticosteroi-
des sistêmicos. Previne a exaustão progressiva da musculatura respiratória, reduz o consu-
mo de oxigênio e aumenta o volume pulmonar. Também aumenta a exalação de gás carbô-
nico e o aproveitamento do oxigênio oferecido, melhora a função cardiopulmonar e facilita
remoção de secreção das vias aéreas.

A intubação deve ser realizada com cautela nos pacientes em asma severa. A manipulação
da via aérea nesses pacientes pode acarretar exagerada resposta brônquica e agravar a
obstrução e a hipecarpnia. Um acesso venoso adequado, monitorização não invasiva, e
sedação devem ser providenciados antes do procedimento.

A decisão de intubar um paciente com asma aguda severa é baseada em achados clínicos
(respiração rápida e superficial, sonolência) e em alterações fisiológicas (hipercapnia e hi-
poxemia). A hipercapnia sozinha não é indicação para intubação, entretanto é mandatória
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
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se um paciente apresenta aumento progressivo da PaCO2 associado a acidose severa e


alteração de estado mental

O uso da sequência rápida de intubação (SRI) é a estratégia adequada para acesso seguro
à via aérea com as maiores possibilidades de sucesso. Uma adequada pré-oxigenação nos
pacientes em exacerbações graves de asma pode ser difícil, devido ao alto volume residual
e à CRF. Pode ocorrer tendência de rápida desaturação na SRI nesses pacientes. Devem
ser usadas cânulas com cuff em todas as idades em casos de intubação por crise de asma,

Ventilação mecânica

Ventilação não invasiva

É um método de liberação de pressão contínua na via aérea por meio de modo contínuo
(CPAP) ou em respiração mecânica assistida (BIPAP). Indicado para pacientes que mantêm
aumento do esforço respiratório após uso de broncodilatador endovenoso ou enquanto se
aguarda a máxima eficácia terapêutica da farmacoterapia.

Ajuda a evitar a necessidade de intubação. Em estudos, a VNI reduziu a FR, o uso de mus-
culatura acessória e o desconforto respiratório em crianças.

Seu uso está indicado quando o paciente permanece hipoxêmico, apesar de receber al-
tas concentrações de oxigênio (PaO2 >92% com FiO2 de 25 a 70%) ou com hipercapnia
documentada (PaCO2 45 a 50mmHg), para facilitar o trabalho da musculatura respiratória,
enquanto ocorre adequado efeito terapêutico da medicação, e para facilitar o trabalho res-
piratório nos pacientes com progressão para fadiga muscular.

A VNI fornece suporte fisiológico na asma aguda por diferentes mecanismos de ação:

• A pressão positiva expiratória (EPAP) é somado ao PEEP intrínseco, secundário à


hiperinsuflação, levando ao aumento da pressão negativa, e esta contribui para liberar o
fluxo das vias aéreas centrais
• O efeito broncodilatador do EPAP reduz a resistência da via aérea e facilita o
fluxo expiratório
• A relação ventilação perfusão melhora com uso do EPAP por recrutar áreas obstruídas
com secreção
• O uso do pressão positiva de via aérea inspiratória (IPAP) ou pressão de suporte
possibilita aumento do volume corrente e redução do trabalho respiratório
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Na prática clínica, a VNI apresenta limitações ao uso: a necessidade da colaboração do


paciente; a dificuldade para adequada retirada de secreções; ela dificulta o uso de medica-
ções pela via inalatória e pode causar distensão gástrica com risco de aspiração. As crian-
ças mais velhas podem se sentir claustrofóbicas. O uso de sedação ajuda na tolerância da
VNI, porém cuidado deve ser tomado para não ocorrer inibição dos reflexos de proteção da
via aérea e depressão respiratória.

Ventilação mecânica invasiva

Os objetivos do suporte ventilatório na crise de asma severa são: reduzir o trabalho respira-
tório imposto pelo aumento da resistência de vias aéreas e pela hiperinsuflação, e possibili-
tar descanso da musculatura; fornecer adequada oxigenação; e possibilitar suficiente troca
gasosa até a obstrução da via aérea ser revertida.

Para alcançar estes objetivos, é necessário evitar atelectasias, barotrauma e volutrauma.


A prevenção e o tratamento das atelectasias são possíveis com o uso de PEEP adequado,
que recruta unidades pulmonares atelectásicas, e fisioterapia respiratória. Portanto, em pa-
cientes asmáticos, recomenda-se que a PEEP seja, no mínimo, dois terços do auto-PEEP
e, se necessário recrutar áreas colabadas, podem ser necessários valores maiores de PEEP,
sempre com o cuidado de lembrar que existem áreas pulmonares distendidas. A maioria
dos pacientes permanece bem com PEEP entre 3 e 8cmH2O. Deve se avaliar com atenção
se o PEEP extrínseco não excede o intrínseco ou auto-PEEP. Este deve ser reduzido se
ocorrerem efeitos adversos como a hiperinsuflação dinâmica.

A obstrução das vias aéreas inferiores torna necessário um tempo expiratório prolongado;
por isso, recomenda-se, em pacientes asmáticos, ventilação com relação inspiração/expi-
ração de, no mínimo, metade podendo chegar a um terço. Não é recomendada a redução
do tempo inspiratório, pois isso impede a distribuição homogênea do ar nos pulmões. Des-
se modo, é necessário reduzir a FR de pacientes com asma em ventilação mecânica para
atingir adequada relação inspiração/expiração. Pode ser necessária a sedação ou mesmo a
curarização para atingir esse objetivo.

Para permitir a manutenção de um volume-minuto mínimo e para uso de FR mais baixa,


pode ser necessário volume corrente maior que o habitual (entre 8 e 10mL/kg ) e, para isso,
podem ser necessárias pressões inspiratórias mais altas. No intuito de evitar barotrauma
decorrente da pressão elevada, deve se aceitar PaCO2 mais elevadas e pH mais baixo que
o normal. Essa estratégia é a hipercapnia permissiva ou hipoventilação controlada. Em geral
devem-se evitar picos de pressão inspiratória >35mmHg.

O objetivo da hipercapnia permissiva é reduzir o risco de barotrauma e hiperinsuflação usan-


do o menor pico de pressão possível e o menor volume corrente possível (sempre >6mL/kg ).
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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Camip

Embora acidose com hipercapnia possa estar associada com maior morbidade, PaCO2 pró-
xima a 70mmHg e um pH próximo a 7,25 podem ser seguros e confortavelmente tolerados
na maioria dos pacientes, desde que os níveis de gás carbônico não aumentem rapida-
mente. Um aumento lento na PaCO2 permite mecanismos adaptativos intracelulares para
acomodar o pH em queda. Importante lembrar que existem contraindicações a ventilação
hipercápnica e que estas incluem hipertensão intracraniana, função miocárdica alterada e
acidose metabólica coexistente (por exemplo: doença renal).

Medidas de suporte

Administração de fluidos

Muitos pacientes asmáticos são hipovolêmicos inicialmente, e o risco de hipotensão é maior


na ventilação mecânica, pelo uso de sedativos e agentes paralisantes. O volume intravascular
deve ser otimizado, porém a hiper-hidratação deve ser evitada pelo risco de edema pulmonar.

Sedação

É útil para promover sincronia com a ventilação e minimizar o risco de barotrauma. Vários
agentes podem ser usados, porém a cetamina é a droga de escolha para sedação, por suas
propriedades broncodilatadoras e pelos efeitos sedativos. Pode ser usada em infusão con-
tínua em pacientes com VMI ou VNI na asma severa.
O uso de sedativos narcóticos e benzodiazepínicos também é adequado nos pacientes em
ventilação invasiva na asma.

Bloqueio neuromuscular

É efetivo em reduzir taquipneia e o dessincronismo na ventilação mecânica dos pacientes


sedados e intubados. Devem ser descontinuados assim que possível, pelo risco de miopa-
tia com o uso associado de corticoesteroides.

Monitorização

A verificação constante da ausculta pulmonar fornece informações importantes quanto a


aeração, tempo de exalação e presença de pneumotórax ou atelectasias por assimetria
de ruídos pulmonares. Na UTI, deve ser instalada monitorização contínua de eletrocardio-
grama, FR, PA não invasiva e SatO2 com oximetria contínua. Nas crianças em ventilação
mecânica, um cateter central arterial e outro venoso são necessários para monitorização
hemodinâmica, além de um cateter vesical, para adequada avaliação de volume urinário.
288

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Capítulo 15 | Asma aguda grave
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Ventilação Mecânica
Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
16
Capítulo 16
Ventilação mecânica

Albert Bousso
Albert Bousso
Apresentação

A ventilação mecânica (VM), ou suporte ventilatório, consiste na utilização de um ventilador


pulmonar artificial para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou
crônica agudizada. Basicamente, a VM é empregada visando à melhora ou à manutenção
das trocas gasosas pulmonares, ou seja, correção da hipoxemia e/ou da acidose respirató-
ria associada à hipercapnia.

Assim como na ventilação espontânea (VE), os gases adentram o sistema respiratório de


forma cíclica na VM pulmonar, mantendo intervalos para que o volume inspirado seja exala-
do passivamente. A diferença fundamental entre a VE e a VM é que a entrada de gases via
ventilador gera uma pressão intratorácica positiva.

Classificação

Atualmente, classifica-se o suporte ventilatório em dois grandes grupos: ventilação mecâ-


nica invasiva e ventilação não invasiva.

Em ambas as modalidades, utiliza-se pressão positiva nas vias aéreas para garantir a ven-
tilação artificial. Porém, a forma de liberação dessa pressão é distinta, pois enquanto na
ventilação invasiva utiliza-se uma prótese introduzida na via aérea – um tubo oro ou nasotra-
queal, ou ainda uma cânula de traqueostomia –, na ventilação não invasiva, utiliza-se uma
máscara como interface entre o paciente e o ventilador artificial.

Princípios

A VM faz-se por meio da utilização de aparelhos que, intermitentemente, insuflam as vias


respiratórias com volumes de ar (volume corrente – VC). O movimento do gás para dentro
dos pulmões ocorre devido à geração de um gradiente de pressão entre as vias aéreas su-
periores e o alvéolo, podendo ser conseguido por um equipamento que diminua a pressão
alveolar (ventilação por pressão negativa) ou que aumente a pressão da via aérea proximal
(ventilação por pressão positiva).
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Camip

Na prática clínica, a ventilação com pressão positiva tem maior aplicabilidade, razão pela
qual iremos focar apenas nessa modalidade.

Indicações

Os critérios para aplicação de VM variam de acordo com os objetivos que se querem alcan-
çar. Em situações de urgência, especialmente quando o risco de vida não permite boa ava-
liação da função respiratória, a impressão clínica é o ponto mais importante na indicação de
VM, auxiliada por alguns parâmetros de laboratório (Quadro 1).

Quadro 1. Indicações para início do suporte ventilatório

Indicações Exemplos

Reanimação Parada cardiorrespiratória

Hipoventilação e apneia Pacientes com lesão do centro respiratório,


intoxicação por drogas, embolia pulmonar e
obesidade mórbida

Insuficiência respiratória/ hipoxemia Doença pulmonar prévia, síndrome do


desconforto respiratório agudo

Falência mecânica do aparelho respiratório Fraqueza muscular/doenças neuromusculares/


paralisia, comando respiratório instável
(trauma craniano, acidente vascular encefálico
e intoxicação exógena)

Prevenção de complicações respiratórias Pós-operatório de cirurgia de abdome


superior, torácica de grande porte,
deformidades torácicas e obesidade mórbida

Redução do trabalho muscular respiratório e Situações que elevam a frequência respiratória


fadiga muscular e diminuem o volume corrente com
consequente fadiga muscular

Instabilidade cardiocirculatória severa Choque

Após reanimação cardiopulmonar Parada cardiorrespiratória

Em síntese, pode-se dizer que a VM é aplicada em várias situações clínicas em que o pa-
ciente desenvolve insuficiência respiratória, sendo incapaz de manter valores adequados de
oxigênio e gás carbônico sanguíneos e, com isso, determinando uma alteração de diversos
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

indicadores respiratórios, como a diferença alvéolo-arterial de oxigênio [(PA-a)O2] e a rela-


ção pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2).

Hipoxemia com gradiente aumentado indica defeito nas trocas alvéolo-capilares (insufi-
ciência respiratória hipoxêmica). Já a hipoxemia com gradiente normal é compatível com
hipoxemia por hipoventilação alveolar (insuficiência respiratória ventilatória).

Na insuficiência respiratória, o suporte ventilatório consegue contrabalançar essas altera-


ções, permitindo uma melhor relação ventilação/perfusão, aumentando a ventilação alveo-
lar, aumentando o volume pulmonar, otimizando a capacidade residual funcional pulmonar,
reduzindo o trabalho muscular respiratório com diminuição do consumo de oxigênio sistê-
mico e miocárdico, diminuindo a pressão intracraniana e estabilizando a parede torácica.
Assim, o princípio do ventilador mecânico é gerar um fluxo de gás que produza determinada
variação de volume, com variação de pressão associada. As variações possíveis para essa
liberação de fluxo são enormes e, com o progresso dos ventiladores microprocessados, as
formas de visualizar e controlar o fluxo, o volume e a pressão estão em constante aprimo-
ramento. Cada vez mais, a equipe da unidade de terapia intensiva está exposta a diferentes
formas de apresentação e análise de parâmetros respiratórios fornecidas pelo ventilador,
sofisticando as decisões clínicas.

Atualmente, a maior parte dos ventiladores artificiais apresenta telas em que se podem
visualizar as curvas de volume, fluxo e pressão ao longo do tempo. Assim, são discutidas
as definições das modalidades ventilatórias usando esquemas representativos das curvas.

Assistência ventilatória

O ciclo respiratório

Para fins didáticos, o ciclo respiratório, durante a ventilação com pressão positiva, nas vias
aéreas, pode ser dividido em quatro fases:

1. Fase inspiratória: o respirador deve insuflar os pulmões do paciente, vencendo as pro-


priedades elásticas e resistivas do sistema respiratório. Ao final da insuflação pulmonar,
uma pausa inspiratória pode ainda ser introduzida, prolongando-se a fase, de acordo
com o necessário para uma melhor troca gasosa.
2. Mudança da fase inspiratória para a expiratória: o ventilador deve interromper a fase ins-
piratória (após a pausa inspiratória, quando ela estiver sendo utilizada) e permitir o início
da fase expiratória; é o que se chama de ciclagem, dispondo-se hoje de ciclagem por
critérios de pressão, fluxo, volume e tempo.
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Camip

3. Fase expiratória: o ventilador deve permitir o esvaziamento dos pulmões, normalmente,


de forma passiva.
4. Mudança da fase expiratória para a fase inspiratória: essa transição pode ser desenca-
deada pelo ventilador ou pelo paciente. É o que se chama de ciclo respiratório, dispon-
do-se, entre outros, de mecanismos de disparo por tempo, pressão ou fluxo.

Na observação do ciclo respiratório mecânico (Figura 1), uma série de parâmetros ventila-
tórios pode ser identificada e é comentada a seguir.

Figura 1. Ciclo respiratório

• VC: volume de gás movimentado durante uma respiração. Em condições fisiológicas de


repouso, o VC normal é de 6 a 8mL/kg de peso ideal.

• Frequência respiratória (FR): número de incursões respiratórias que o paciente apre-


senta por minuto. Valores fisiológicos variam conforme a faixa etária.

• Volume minuto (VE): volume total de gás mobilizado durante 1 minuto. É calculado pela
fórmula VM = VC x FR.

• Tempo inspiratório (TI): tempo que leva para a inspiração se completar. Geralmente,
gira em torno de um terço do ciclo respiratório.

• Tempo expiratório (TE): tempo gasto para a expiração se completar. Geralmente, gira
em torno de dois terços do ciclo respiratório.

• Fluxo inspiratório: volume de gás que passa pela via de saída inspiratória do ventila-
dor, na unidade de tempo. Corresponde à velocidade com que o gás entra no paciente,
expressa em litros por minuto.
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Pico de pressão inspiratória (PIP): maior valor de pressão atingido durante a inspira-
ção do VC, durante um ciclo de VM. Valores excessivos, geralmente além de 35cmH2O,
podem levar a traumas associados à VM, tais como pneumotórax e pneumomediastino.

• Pausa inspiratória: período curto de tempo, correspondente à oclusão da via de saída


expiratória, do respirador, impedindo temporariamente o início da expiração. É um meca-
nismo empregado para prolongar o TI.

• Pressão de platô: valor da pressão das vias aéreas, medida no momento da pausa
inspiratória. Admite-se que seja o parâmetro que melhor reflita as pressões alveolares no
momento do término da insuflação pulmonar. Valores muito altos de pressão de platô,
geralmente além de 35cmH2O, associam-se à lesão pulmonar induzida pela VM.

• Pressão expiratória (PE): pressão observada nas vias aéreas, ao final da expiração. Ha-
bitualmente, ela cai a zero, sendo denominada, então, pressão expiratória (ZEEP), mas
podem ser feitos ajustes nos ventiladores para que ela atinja valores positivos (PEEP).

• Pressão expiratória positiva final (PEEP): aplicação, nas vias aéreas, de uma pressão
positiva, constante, ao final da expiração. Sua aplicação tem por finalidade reduzir os
distúrbios das trocas gasosas, permitindo aos pacientes a administração de uma menor
FiO2. Admite-se que seus efeitos terapêuticos se devam à abertura de pequenas vias
aéreas e espaços alveolares colabados, ou ainda às suas repercussões hemodinâmicas.

• FiO2: conteúdo de oxigênio na mistura gasosa, administrada ao paciente. Pode variar


entre 0,21 e 1,0. Vale a pena lembrar que o uso de oxigênio em frações inspiradas, ele-
vadas, além de 0,6, por longos períodos de tempo, pode levar à lesão tóxica pulmonar.

Mecanismos de ciclagem dos aparelhos

As maneiras pelas quais os ventiladores são projetados para interromper a fase inspiratória
e dar início à fase expiratória recebem o nome de modos de ciclagem do respirador.

• Ciclagem a tempo a transição inspiração/expiração ocorre após um período de tempo


prefixado e ajustável no ventilador. É o padrão comumente encontrado nos ventiladores
infantis (geradores de pressão não constante) e na ventilação com pressão controlada
(gerador de pressão constante). Nessas duas situações, o VC não pode ser diretamente
controlado, sendo uma consequência do TI, programado, assim como da pressão apli-
cada e da impedância do sistema respiratório.

• Ciclagem a volume: o final da fase inspiratória ocorre quando é atingido um volume


pré-ajustado de gás, comumente sinalizado por um fluxômetro, localizado no circuito
inspiratório do aparelho. Esse tipo de ventilação não permite um controle direto sobre as
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
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pressões geradas em vias aéreas, o que faz com que muitos desses ventiladores incor-
porem uma válvula de segurança nos sistemas de alarme de pressão, capaz de abortar a
fase inspiratória sempre que a pressão ultrapassar determinados níveis.

• Ciclagem a pressão: o final da fase inspiratória é determinado pelo valor de pressão


alcançado nas vias aéreas. Quando a pressão atinge o valor prefixado e ajustável, in-
terrompe-se a inspiração, independentemente do TI gasto para atingir aquela pressão.
Tais ventiladores são suscetíveis às variações de complacência e resistência do sistema
respiratório, podendo ocorrer uma drástica redução de VC na vigência, por exemplo, de
um broncoespasmo.

• Ciclagem a fluxo: o fim da fase inspiratória ocorre a partir do momento em que o fluxo
inspiratório cai abaixo de níveis críticos, independentemente do tempo transcorrido ou do
volume liberado para o paciente. A grande característica dessa forma de ciclagem é que
permite ao paciente exercer um controle efetivo sobre o tempo e o pico de fluxo inspira-
tório, e ainda sobre seu VC. A escolha do nível crítico de fluxo que desativa a fase inspira-
tória varia de ventilador para ventilador e também depende da faixa etária do paciente.

Os ciclos ventilatórios mecânicos podem ser iniciados tanto pelo paciente quanto pelo ven-
tilador. Pelo paciente, o início do ciclo se dá a partir do estímulo respiratório gerado pelo
centro respiratório. Esse ciclo é denominado assistido, já que o paciente controla a FR.
Quando os ciclos mecânicos são deflagrados pelo ventilador a partir de uma FR previamen-
te programada, denominam-se os ciclos de controlados.

Modos de ventilação mecânica

Modos convencionais

Ventilação mecânica controlada

Nessa modalidade, a FR é constante e predeterminada. O ventilador inicia a inspiração


seguinte após um tempo estipulado, estabelecido a partir do ajuste do comando da FR (Fi-
gura 2). Na maioria dos ventiladores, quando se ativa o comando de ventilação controlada,
todos os demais mecanismos de disparo e o comando de sensibilidade ficam desativados.

Esse modo ventilatório está indicado para pacientes com mínimo ou nenhum esforço res-
piratório, por disfunção do sistema nervoso central como, por exemplo, na síndrome de
Guillain-Barré ou em casos de intoxicação exógena por drogas. Também é utilizado quan-
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

do a respiração está suprimida intencionalmente devido à anestesia, sedação ou bloqueio


neuromuscular. Ainda se mostra útil em situações em que o esforço inspiratório negativo é
contraindicado, como em alguns casos de traumas torácicos graves.

A ventilação controlada também pode ser administrada numa forma limitada, por pressão.
Nessa modalidade, denominada pressão controlada, os parâmetros respiratórios são igual-
mente constantes e previamente estabelecidos pelo aparelho. Dá-se preferência a essa mo-
dalidade, quando desejamos limitar as pressões inspiratórias máximas no circuito e o risco
do surgimento de barotrauma, bem como na vigência de pulmões pouco complacentes. No
entanto, como o parâmetro primário, determinante do final da inspiração, é uma pressão
preestabelecida, o VC pode sofrer indesejáveis variações, em função da presença de secre-
ções respiratórias e alterações da complacência torácica.

Figura 2. Ventilação mecânica controlada. A frequência respiratória é determinada e


não ocorre esforço respiratório do paciente

Ventilação assistida/controlada

O ventilador permite um mecanismo misto de disparo da fase inspiratória por tempo ou


pressão. Enquanto o disparo por pressão é ativado pelo esforço inspiratório do paciente
(assistido), o disparo por tempo é deflagrado pelo aparelho (controlado), funcionando como
um mecanismo de resgate, que é ativado apenas quando o ciclo assistido não ocorre, ga-
rantindo uma frequência mínima (Figura 3). Sempre que se utiliza a modalidade assistida/
controlada (A/C), o comando do ventilador chamado sensibilidade é acionado, devendo-se
optar por um valor dentro de uma escala fornecida pelo aparelho em questão. O ajuste da
sensibilidade consiste no controle do nível de esforço inspiratório, necessário para acionar
a fase inspiratória.
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Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
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Figura 3. Ventilação mecânica assistida/controlada. O paciente recebe um número estipulado de


incursões respiratórias e pode desencadear ciclos mecânicos, assistidos, adicionais. Observe a
deflexão negativa, quando o paciente realiza um esforço respiratório

A ventilação A/C está indicada em situações em que o estímulo neural respiratório (drive)
é normal, embora os músculos respiratórios não estejam totalmente aptos para o trabalho
como, por exemplo, em pacientes recuperando-se de anestesias. Essa modalidade também
costuma ser empregada quando o drive respiratório é normal, mas os músculos respiratórios
estão insuficientes para empreender todo o trabalho respiratório necessário como, por exem-
plo, nos quadros de insuficiência respiratória com complacência pulmonar muito diminuída.

Ventilação mandatória intermitente

Alguns ventiladores permitem a combinação dos modos assistido/controlado com perí-


odos de VE. No ventilação mandatória intermitente (IMV), o paciente recebe um número
fixo e predeterminado de ciclos mecânicos. Nos intervalos das respirações mandatórias,
o paciente pode iniciar respirações espontâneas, cujos volumes estão na dependência do
grau de esforço respiratório do indivíduo (Figura 4A). Os ciclos espontâneos podem ser
auxiliados por alguns dispositivos que permitam uma ventilação muito similar à ventilação
em ar ambiente, ou mesmo serem auxiliados por um certo nível de pressão contínua de vias
aéreas (CPAP) ou pressão de suporte (PSV).

A chamada ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) difere do IMV pelo fato
de, ao invés do ciclo mandatório ser administrado a um tempo preciso, independentemen-
te da fase do ciclo respiratório do paciente, o ventilador fornece o ciclo no momento de es-
forço respiratório do doente. Para tanto, o ventilador monitora os esforços respiratórios
dos indivíduos periodicamente, dentro de uma janela de tempo. Dentro dessa janela, no
momento do esforço inspiratório do paciente, é desencadeada uma inspiração. Caso o pa-
ciente não inspire, é fornecida uma ventilação mandatória, dentro do tempo preestabelecido
(Figura 4B). O SIMV é um mecanismo mais vantajoso, pois evita que o aparelho inicie um fluxo
inspiratório num momento em que o paciente poderia estar expirando num ciclo espontâneo.
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(A)

(B)
Figura 4. (A) Ventilação mandatória intermitente (IMV). A respiração mandatória pode coincidir com
períodos de ventilação espontânea. (B) Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV).
A ventilação mandatória ocorre em sincronia com a respiração espontânea do paciente

Pressão positiva contínua nas vias aéreas


Nesse tipo de ventilação, o doente respira espontaneamente por meio do circuito pressurizado
do aparelho, de tal forma que uma certa pressão positiva, definida quando do ajuste do respi-
rador, é mantida praticamente constante durante todo o ciclo respiratório (Figura 5). Para ser
utilizado, esse método necessita de doentes com capacidade ventilatória mantida, geralmente
sendo empregado em pacientes com patologias parenquimatosas puras, de pouca gravidade e/
ou no processo de desmame. É uma técnica utilizada com a finalidade de aumentar a capaci-
dade residual funcional pulmonar e melhorar a oxigenação arterial, com poucos efeitos sobre as
trocas do gás carbônico. A aplicação de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP, sigla
do inglês continuous positive airway pressure) pode ser feita inclusive em pacientes extubados,
por meio de máscaras acopladas a dispositivos mecânicos especiais.

Figura 5. Pressão positiva contínua nas vias aéreas. O paciente respira espontaneamente durante todo
o ciclo, com pressão positiva, aplicada ao longo das vias aéreas. IPAP: ; EPAP:
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Pressão de suporte

É um modo de VM que consiste na aplicação de níveis predeterminados de pressão po-


sitiva e constante nas vias aéreas do doente, apenas durante a fase inspiratória de ciclos
espontâneos (Figura 6) . O objetivo do fornecimento dessa pressão seria reduzir o trabalho
dos músculos inspiratórios (preservando a musculatura respiratória), mas, ficando ainda a
cargo do doente o controle do tempo, fluxo e volume inspiratórios, assim como da própria
frequência respiratória.

Figura 6. Ventilação com pressão de suporte. O paciente recebe um incremento de pressão durante
a inspiração pelo fornecimento de um alto fluxo inspiratório de gás. PEEP: pressão expiratória
positiva final

Nesse modo obrigatoriamente assistido, o ventilador necessita reconhecer o início de uma


inspiração espontânea para ativar a PSV. Para que o respirador note o momento em que o
doente finaliza sua inspiração espontânea, convencionou-se programar os aparelhos para
interromper a PSV assim que o fluxo inspiratório caia abaixo de determinados níveis críticos
− geralmente ao redor de 25% do valor máximo daquela incursão.

Ventilação com duplo comando

Existem, conforme o respirador disponível, inúmeros modos de ventilação que permitem


o controle simultâneo da pressão e do VC, ciclo a ciclo. A nomenclatura para denominar
esses modos varia de acordo com o ventilador utilizado, mas genericamente são denomi-
nados de modos de gerenciamento duplo. Nesses modos, geralmente, estabelece-se um
VC predeterminado com um fluxo variável e uma meta de pressão. O ventilador estima a
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relação volume/pressão em cada respiração e isso permite que a pressão de pico possa
variar de respiração a respiração.
Diversas são as modalidades de VM por pressão positiva atualmente disponíveis. A escolha
do modo mais adequado para uma determinada situação está na dependência das carac-
terísticas clínicas do paciente, do tipo de respirador disponível, e da experiência da equipe
médica e paramédica com seu manuseio.

Desmame da ventilação mecânica

Os pacientes ventilados mecanicamente devem ser retirados do ventilador tão logo seja
possível, já que existem várias complicações associadas ao uso da VM (Quadro 2). É im-
portante considerar que o processo de retirada da VM também não é isento de complica-
ções. O processo de transição da VM para a VE é denominado de desmame.

Quadro 2. Algumas complicações da ventilação mecânica

Origem Complicação

Lesões traumáticas na boca, intubação seletiva, extubação


Relacionadas à presença
acidental, lesões traqueais em razão do excesso de pressão do
do tubo endotraqueal
cuff e infecção

Relacionadas à Ruptura alveolar, barotrauma, diminuição do retorno venoso


pressão positiva e do débito cardíaco

Distensão gástrica, toxicidade pelo oxigênio, aumento da pressão


Gerais
intracraniana, desequilíbrio acidobásico e ansiedade

O processo de retirada do respirador se inicia, em princípio, logo que o paciente tenha sido
intubado. Uma vez atingidas as condições clínicas e os parâmetros aceitáveis (Quadro 3)
para a possível extubação, o paciente deve ser submetido a testes diários de prontidão,
para verificar se, de fato, o paciente está em condições de ser extubado. Este teste de
prontidão pode ser realizado mantendo-se o paciente, por exemplo, consciente ou minima-
mente sedado, em CPAP com PSV por um período de 30 a 120 minutos, avaliando-se os
sinais vitais, saturometria e as características do esforço respiratório do doente. Uma vez
aprovado no teste de prontidão, o paciente pode ser extubado.

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Quadro 3. Condições para considerar o desmame da ventilação mecânica

Parâmetro Nível

Evento agudo que motivou a VM Reversibilidade ou controle do processo

Presença de estímulo (drive) respiratório Sim

Avaliação hemodinâmica Correção ou estabilização do débito cardíaco

Drogas vasoativas ou agentes sedativos Sem drogas ou em doses mínimas

Equilíbrio acidobásico pH >7,3

PaO2 >60mmHg numa FiO2 ≤0,4 e PEEP


Troca gasosa pulmonar
≤8cmH2O

Balanço hídrico Sem sobrecarga hídrica ou hipovolemia

Valores normais para sódio, potássio, cálcio, fós-


Equilíbrio eletrolítico
foro e magnésio

Sem programação para intervenção cirúrgica ou


Procedimento cirúrgico breve
procedimento que necessite de anestesia

Tosse Eficaz

PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; PEEP: pressão parcial positiva final

Em caso de falha (identificada pela presença de sinais de desconforto respiratório), o pa-


ciente deve reiniciar a VM na modalidade anterior ou naquela que oferecer mais conforto,
por um período de 24 horas para repouso da musculatura.

Caso o desmame evolua satisfatoriamente, o paciente deve ser extubado e mantido sob
oxigenoterapia por máscara. Recomenda-se também um período curto de pausa alimentar
após a extubação, uma vez que pode haver necessidade de reintubação, o que aumentaria
o risco de aspiração.

Se o paciente conseguir se manter em VE durante pelo menos 48 horas após a interrupção


da VM, considera-se que a extubação foi realizada com êxito.

Durante o processo de desmame ventilatório a continuidade do cuidado da equipe de en-


fermagem e de fisioterapia favorece o sucesso da transição, bem como reduz a ocorrência
de complicações.
302

302
Capítulo 16 | Ventilação Mecânica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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304

304
Monitorização
Capítulo 17 | Monitorização respiratória
17
Capítulo 17 Respiratória
Monitorização respiratória

Carolina Valente Rizzo


Evelyn Hilda Diaz Altamirano
Carolina Valente Rizzo
Nelio de Souza
Evelyn Hilda Diaz Altamirano
Nelio de Souza
Caso clínico

Paciente de 6 anos de idade foi admitido na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica
devido a estado de mal asmático. Foi colocado em ventilação pulmonar mecânica (VPM)
invasiva em SIMV, com fluxo de 16L/minuto, pressão inspiratória (Pinsp) de 18cmH2O, pres-
são expiratória positiva final (PEEP) de 5cmH2O, fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 40%
e frequência respiratória (FR) de 20irpm.

A gasometria arterial mostrou pH de 7,39, pressão parcial de gás carbônico (PaCO2) de


57mmHg e pressão parcial de oxigênio (PaO2) de 80mmHg. O raio X de tórax demonstrou
um adequado posicionamento da cânula orotraqueal e nenhuma mudança significativa em
relação ao raio X prévio.

Na observação da monitoração da mecânica respiratória, observando as curvas de fluxo,


pressão e volume, notou-se auto-PEEP de 12cmH2O, com queda de saturação e aumento
do gás carbônico na capnografia. A taxa do fluxo inspiratório foi diminuído para 12L/minuto
e a auto-PEEP foi corrigida.

Discussão

A auto-PEEP ou PEEP intrínseca é definida como a persistência não intencional de uma pres-
são alveolar positiva, ao final da expiração, devido à presença de um volume pulmonar expi-
ratório final maior do que a capacidade residual funcional prevista. Ocorre quando o tempo
expiratório é insuficiente para a exalação completa do volume corrente (VC) fornecido.

A consequência da auto-PEEP não reconhecida inclui comprometimento hemodinâmico,


aumento do trabalho respiratório e barotrauma pulmonar. Tem sido demostrado que a auto-
-PEEP pode ocorrer em 30% dos pacientes sob VPM.

A curva de fluxo expiratório deve ser monitorada e, caso o fluxo não retorne à base antes
do fornecimento do próximo ciclo respiratório, indica a presença de auto-PEEP.

305
Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

Perguntas

1. O que pode interferir na mensuração da oximetria de pulso?

2. Como a capnografia pode nos auxiliar durante a VPM?

3. Quais outros métodos de monitorização ventilatória à beira do leito?

4. Como diagnosticar auto-PEEP por meio das curvas de VPM?

5. No que isso seria útil durante a VPM?

6. Qual outras informações as curvas de VPM podem nos fornecer?

Monitorização respiratória

Oximetria de pulso

Karl Von Vierordt introduziu a oximetria de pulso em 1875, baseando-se na modificação da


luz vermelha ao atravessar um braço garroteado.

É uma ferramenta útil e universal em todas as unidades de terapia intensiva e de emergên-


cia, que, na década de 1970, revolucionou o campo da monitorização não invasiva.

Mede a saturação da hemoglobina continuamente usando técnicas baseadas nos princí-


pios da plestimografia (determina a amplitude do pulso e a forma da onda de pulso) e da
espectrofotometria (analisa transmissão de luz através dos tecidos).

Até meados do anos 1980, os co-oxímetros eram capazes de medir as frações de hemo-
globina reduzida (HHb), oxiemoglobina (O2Hb), carboxiemoglobina (COHb), metemoglobi-
nemia (MetHb), sulfemoglobina (SHb), com o emprego de seis comprimentos de onda.

Modelos atuais medem absorvência luminosa em até 128 comprimentos de onda, o que
aumenta a precisão dos aparelhos, minimiza a interferência de substâncias indesejadas e
permite a detecção de maior número de substâncias.

A oxímetria de pulso avalia o comportamento de absorção da O2Hb e da hemoglobina reduzi-


da em relação a dois comprimentos de onda – em geral, 660nm (luz vermelha) e 940nm (infra-
vermelha), medindo a razão de transmissão luminosa pulsátil em um leito vascular (Figura 1).
306

306
Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 1. Comprimento de onda da oximetria de pulso

Para fornecer uma medida contínua da oxigenação arterial analisando a luz que atinge o
fotodetector, o oxímetro de pulso possui dois componentes.

O primeiro é o componente basal (CB), com uma transmitância constante ao longo do


tempo, originária do conjunto de elementos não pulsáteis, formados por tecidos, capilares,
sangue venoso e pele.

O segundo componente é pulsátil (CP), decorrente do fluxo fásico de sangue arterial no leito
tecidual, que muda de intensidade no tempo, em sincronia com o ciclo cardíaco. Durante a
sístole, há um aumento do volume do sangue, o que promove maior absorção da luz, com
decréscimo correspondente na transmitância; durante a diástole, quando diminui o volume
sanguíneo, há aumento proporcional na intensidade da luz transmitida.

Dessa maneira, forma-se a curva da oximetria de pulso, vista na Figura 2.

Figura 2. Onda de plestimografia. PaO2: pressão parcial de oxigênio

307

307
Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

Os aparelhos hoje disponíveis têm precisão de 95% de confiança com variação de 4% para
leituras de saturação >70%. Quando a saturação >90%, e a perfusão é satisfatória, o desvio
padrão é >1%, porém, quando a saturação cai de 70%, a precisão torna-se comprometi-
da. Isso se deve à dificuldade de se obterem dados confiáveis de calibração em humanos
durante hipoxemia extrema.

Alguns fatores podem impedir as leituras acuradas do oxímetro de pulso: MetHb, COHb,
hiperbilirrubinemia, anemia e policitemia, luminosidade do ambiente, pulso venoso aumen-
tado, coloração da pele, esmalte, piora da perfusão, interferência eletromagnética, posicio-
namento inadequado e a calibração do aparelho.

Capnografia

A capnografia indica a quantidade de gás carbônico que é eliminada dos pulmões. Indireta-
mente, reflete a produção de gás carbônico pelos tecidos e o transporte de gás carbônico
para os pulmões pelo sistema circulatório. Por causa disso, a capnografia é uma técnica
importante, não invasiva e direta, que fornece informações sobre a produção de gás carbô-
nico, perfusão pulmonar e ventilação alveolar, padrões de respiração, bem como a elimina-
ção do gás carbônico do circuito de anestesia e ventilação pulmonar.

É um método rápido e confiável para detectar situações de ameaça a vida do paciente e que
possam causar sequelas. Seu uso permite a detecção precoce de eventos críticos, como a
intubação esofageana, a desconexão do circuito do respirador, a avaliação da posição do
tubo endotraqueal, a não patência da via aérea, a falha ventilatória, o colapso cardiovascu-
lar e as aberrações na ventilação/perfusão.

O capnômetro é um aparelho que mede e mostra numericamente os valores de gás carbô-


nico expirado, enquanto o capnógrafo mostra a forma da onda do gás carbônico expirado.
A técnica utilizada pelos capnógrafos disponíveis no nosso meio é a de absorção de luz
infravermelha, de comprimento de onda 4,3um pelo gás carbônico: maior absorção de luz,
maior a concentração de gás carbônico na mistura analisada.

Podem ser utilizados dois tipos de sensores: os laterais (sidestream) têm uma bomba de
pressão negativa, que aspira uma pequena amostra do gás expirado e a transmite para uma
câmara de absorção infravermelha, através de um tubo capilar; os centrados (mainstream)
na via aérea principal são incorporados ao circuito da via aérea e contêm uma inserção
especial que permite que a luz infravermelha passe através da via aérea artificial. O maior
problema dos sensores laterais é a condensação de água e o muco na tubulação, que po-
dem levar a medidas errôneas.
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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

O capnograma é o valor fornecido pelo capnógrafo, apresenta a concentração de gás car-


bônico e pode ser representado em função do tempo ou do volume do gás expelido (Figu-
ra 3). A interpretação é realizada em três quatro etapas. A primeira etapa inicia em zero e
representa o gás do espaço anatômico (fase I). Na segunda, ocorre um aumento rápido na
medida em que o gás alveolar se mistura com o espaço morto (fase II). Com a continuação
da expiração, a curva da PaCO2 desenvolve um platô, que corresponde à fase de equilíbrio,
que representa a saída do gás alveolar (fase III) , que termina abruptamente com o início
de uma nova inspiração (fase IV). O valor de pico atingido é chamado de PetCO2 e é bem
aproximado do valor de CO2 alveolar.

Figura 3. Capnografia normal. PaCO2: pressão parcial de gás carbônico

Com os valores obtidos no capnograma, é possível identificar alguns problemas que podem
ocorrer com o paciente.

Em pacientes portadores de doenças pulmonares obstrutivas, a capnografia apresenta au-


mento progressivo e constante de gás carbônico, não existindo a fase do platô (Figura 4).

Figura 4. Capnografia de um paciente obstrutivo


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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

Figura 5. Redução abrupta do petCO2, decorrente de desconexão de circuito ou apneia

Figura 6. Redução de petCO2 decorrente de escape aéreo ou obstrução no circuito

Figura 7. Elevação progressiva de petCO2 decorrente de hipoventilação

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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As principais causas de alterações de petCO2 estão expostas no Quadro 1.

Quadro 1. Principais causas de alterações de petCO2

Aumento de petCO2 Diminuição de petCO2

Hipoventilação Hiperventilação

Aumento súbito no débito cardíaco Diminuição súbita de débito cardíaco

Redução da perfusão pulmonar


Administração de bicarbonato de sódio
e consumo de oxigênio

Estados metabólicos, como sepse


Hipotermia
e tireotoxicose

Desconexão do ventilador

Vazamento no circuito

Mecânica respiratória

A avaliação da mecânica respiratória auxilia os pacientes que possuem tempo prolongado


na ventilação mecânica, pois avalia a força dos músculos respiratórios, a mecânica torácica
e o drive respiratório.

Complacência

A complacência é resultante da variação de volume que ocorre dentro dos pulmões pela
alteração de uma determinada pressão. Podem-se analisar dois aspectos da complacência:
a estática e a dinâmica.

Complacência estática

É a medida da pressão na via aérea necessária para equilibrar os pulmões e a caixa torácica
no fim da inspiração após a entrada do volume inspiratório, menos a quantidade de PEEP
necessária para manter o sistema expandido. A medida da pressão de platô (Pplatô), que é
obtida no modo de volume controlado (VCV), fluxo inspiratório constante (onda quadrada)
associado a uma pausa inspiratória de 1 a 2 segundos. Para tanto, é necessário que o pa-
ciente esteja sedado e curarizado. A complacência estática leva em consideração todas as
forças que se opõem ao pulmão e a caixa torácica, e pode ser representada pela fórmula:

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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

C est = VC / Pplatô – PEEP

São valores normais em pediatria:

• Recém-nascidos: de 2 a 4mL/cmH2O

• Lactentes: de 5 a 10mL/cmH2O

• Crianças: de 15 a 50mL/cmH2O

Resistência

A medida de resistência é importante para identificar a condição em que o fluxo de ar trafega


pelas vias aéreas. Se existe uma resistência aumentada, isso significa que o fluxo passa com
maior lentidão pelas vias aéreas, podendo comprometer a ventilação e a oxigenação. Nessa
situação devemos rever o ajuste no ventilador e se o tubo traqueal está adequado ao tamanho
da criança. Também ajuda a avaliar se a criança está tendo resposta ao broncodilador em
caso de broncoespasmo. A resistência é a variação de pressão com variação de fluxo. O fluxo
é definido como variação de volume na unidade de tempo e expresso pela fórmula:

Fluxo = VC/Tempo inspiratório


Resistência (Raw) = Pressão de pico - Pplatô / Fluxo insp - Pausa insp

Os valores de referência (a monitorização não é muito precisa quando existe escape de ar


pela cânula):

• Neonatos: de 20 a 40cmH2O/L/seg

• Crianças: de 10 a 20cmH2O/L/seg

Constante de tempo

A constante de tempo (Ct) se dá pelo produto entre a resistência e a complacência do


pulmão. Quantificar o valor da Ct é útil para verificar a medida de transferência de pressão
dos circuitos do ventilador para as vias aéreas proximais do paciente e o seu equilíbrio nos
alvéolos. O tempo expiratório deve ser no mínimo de três a cinco Ct para que possa haver
adequada exalação do ar inspirado:

Constante de tempo = Complacência x Resistência

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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Curvas de fluxo

As curvas de fluxo que costumam ser avaliadas são a representação gráfica de fluxo x tem-
po e fluxo x volume. O fluxo expiratório é usado para determinar o VC, o que é essencial
na monitorização do volume-minuto e no cálculo da complacência do sistema respiratório.

Curva de fluxo x temp

O padrão de fluxo é geralmente constante (curva de fluxo de forma quadrada), embora ou-
tros padrões de fluxo, como o ascendente, o descendente e o desacelerante, possam ser
programados. A forma da curva de fluxo na pressão controlada é desacelerante, porém, nas
patologias em que existe limitação do fluxo inspiratório, ocorre um processo de desacelera-
ção mais lento dessa curva e ela se assemelha a curva de fluxo constante ou quadrada. A fase
inspiratória apresenta fluxo graficamente positivo e a expiratória, fluxo graficamente negativo.

Figura 8. Fluxo x tempo normal

No aprisionamento de ar no gráfico fluxo x tempo, pode-se detectar que o tempo expirató-


rio não está adequado. A correção deve ser feita pelo ajuste de FR, do tempo inspiratório,
do tempo expiratório ou da relação I:E.

Auto-PEEP

Auto-PEEP, ou hiperinsuflação dinâmica, ocorre quando o intervalo de tempo entre a inspira-


ção não é suficiente para restabelecer o equilíbrio das pressões do sistema respiratório, ou
seja, uma pressão positiva intrapulmonar permanece em razão de um tempo expiratório insu-
ficiente. Alguns fatores, como tempo expiratório curto, FR elevada e aumento do trabalho res-
piratório do paciente, levam à presença do auto-PEEP, que pode acarretar danos a condição
hemodinâmica do paciente. Uma das formas de monitorar é por meio da curva fluxo-tempo.
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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

Figura 9. Fluxo x tempo auto-PEEP

Curva pressão x tempo

A complacência é expressa por uma variação de volume para uma determinada variação de
pressão. A complacência estática é determinada pela Pplatô, enquanto a dinâmica é deter-
minada por meio da pressão inspiratória (Ppico). Na modalidade pressão controlada (PCV),
com a manutenção da pressão inspiratória máxima (Pimax) durante a inspiração, a curva
assume um aspecto quadrado. Nessa modalidade, a Ppico é similar a Pplatô.

Figura 10. Pressão x tempo na modalidade pressão controlada

Na modalidade VCV (Figura 11), há uma Ppico gerada pela ascensão súbita da Pinsp,
seguida de Pplatô, estabelecida quando o fluxo inspiratório é igual a zero e formada pela
redistribuição do VC e do relaxamento de estresse.

Figura 11. Pressão x tempo na modalidade volume controlado

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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quando o paciente recebe ventilação pelo VCV, quanto maior a resistência pulmonar, maior
a diferença entre Ppico e a Pplatô. Quanto menor a resistência, menor a diferença entre
Ppico e Pplatô.

Curva volume x tempo

Avalia a alteração do VC durante a mudança de parâmetros e modos ventilatórios. Apresen-


ta aspecto triangular e é semelhante nos modos PCV e VCV.

Figura 12. Volume x tempo

Observa-se a presença de fugas aéreas, quando os volumes expiratórios são menores que
os inspiratórios, além do aprisionamento aéreo, quando o volume expiratório não consegue
alcançar a linha de base por causa de uma nova inspiração.

Figura 13. Volume x tempo. Presença de fugas aéreas

Figura 14. Volume x tempo. Aprisionamento de ar


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Capítulo 17 | Monitorização respiratória
Camip

Messages to take home

• Oximetria de pulso mede a saturação da hemoglobina

• Avalia o comportamento da absorção da O2Hb e da hemoglobina reduzida

• MetHb, COHb, anemia, esmalte, coloração da pele, entre outros, impedem a leitura acu-
rada do oxímetro de pulso

• Capnografia indica a quantidade de gás carbônico eliminada pelos pulmões

• Capnômetro mede e mostra numericamente os valores de gás carbônico exalado

• Capnógrafo mostra a onda de gás carbônico expirado

• Com os valores obtidos no capnograma, é possível identificar alguns problemas que


podem ocorrer com o paciente durante a VPM
• Cálculo de mecânica respiratória:

Cest = VC / Pplato - PEEP


R= Ppico - Pplato / Fluxo insp - pausa insp
Ct = Cest x R

• Por meio da curva fluxo x tempo, identifica-se auto-PEEP, que ocorre quando o intervalo
de tempo entre a inspiração não é suficiente para reestabelecer o equilíbrio das pressões

• Na curva volume x tempo, vemos a presença de fuga aérea, que é quando o volume ex-
piratório é menor que o inspiratório. Também identificamos o aprisionamento de ar, que é
visto quando o volume expiratório não consegue alcançar a linha de base

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Estado de Mal Epilético
Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
18
Capítulo 18
em Pediatria
Estado de mal epiléptico em pediatria

Ivan Pollastrini Pistelli


Thaisa Longo Mendes
Ivan Pollastrini Pistelli
Thaisa Longo Mendes
Estado de mal convulsivo em pediatria

Caso clínico

MSL, 2 anos, previamente hígido, procurou a emergência pediátrica com história de febre
entre 38 e 39,5°C há 24 horas, associada à tosse e à coriza hialina. Há 20 minutos, em vi-
gência de febre, o menor passou a apresentar quadro de movimentos tônico-clônicos invo-
luntários em membros superiores e inferiores, salivação e perda de consciência.

À entrada na unidade, apresentava, além dos movimentos descritos, temperatura de 39,7°C,


frequência cardíaca de 165bpm, pressão arterial de 115/55mmHg, com liberação esfincte-
riana, glicoteste de 105mg% e oximetria de 88% em ar ambiente. Paciente não contactuava
com o meio ambiente e o restante do exame clínico geral foi normal.

Foi iniciada administração de oxigênio a 5L/minuto por máscara facial, monitorização contí-
nua da frequência cardíaca, da oximetria de pulso, e foi obtido rapidamente acesso venoso
periférico, sendo administrada uma dose de diazepam 0,2mg/kg intravenosa. A criança
parecia melhorar da crise convulsiva quando, então, em 2 minutos retornou com os mo-
vimentos tônico-clónicos, recebendo a segunda dose de diazepam; após mais 2 minutos,
melhorou, com a cessação da crise.

Discussão

Paciente apresentando primeira crise convulsiva em vigência de febre, sem história prévia
de malformações, traumas ou outras alterações. Encontrava-se entre os 6 meses e 5 anos
de idade, fase típica da vida em que é encontrada a crise convulsiva febril. O paciente per-
maneceu quase 30 minutos em crise convulsiva generalizada, caracterizando um quadro de
estado de mal convulsivo (EMC), porém respondeu bem ao tratamento após a administra-
ção de duas doses de benzodiazepínico, com cessação da crise convulsiva.

Esta criança realizou pesquisa do quadro infeccioso. Evidenciado hemograma com discreta
leucopenia, com linfocitose relativa e valor da proteína C-reativa (PCR) normal.

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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Camip

Optou-se pela observação clínica de um provável quadro de virose. Não foram realizados
exames de imagem ou coleta de liquor.

Na enfermaria de observação, a criança se manteve bem, com recuperação do nível de


consciência e acompanhamento clínico. Recebeu avaliação de neuropediatra que, diante
da melhora clínica, sem novas crises, por ser primeira crise associada à febre, optou por
manter a criança sem medicações anticonvulsivantes posteriormente.

Os familiares foram orientados quanto a necessidade de medicação antitérmica sempre


que iniciar aumento de temperatura, e que retornassem à emergência caso apresentasse
nova crise, e a criança foi encaminhada ao ambulatório de pediatra para reavaliação, orien-
tações e acompanhamento.

A apresentação inicial dessa criança com crise convulsiva febril, desenvolvendo um EMC
não é frequente, mas, em decorrência da frequência das crises convulsivas febris, pode ser
uma apresentação encontrada em salas de emergência pediátrica.

Definições

Crise convulsiva ou epiléptica

Episódios de disfunção cerebral com uma determinada duração de ação, resultante de uma
descarga elétrica anormal e excessiva, localizada no sistema nervoso central.

Estado de mal convulsivo ou epiléptico

Conforme Appelton et al. (2008), pode ser definido como “uma crise convulsiva que se
prolonga (EMC contínuo) ou crises convulsivas sucessivas que se repetem sem que ocor-
ra a recuperação do nível de consciência do paciente entre as crises, por um período
maior de 20 a 30 minutos”. As características do EMC são crises convulsivas prolongadas
e/ou repetitivas em breves intervalos de tempo, que produzem uma condição convulsiva
fixa e duradoura.

As crises convulsivas são o resultado de uma disfunção cerebral, geralmente temporária,


causada por descargas elétricas anormais, excessivas, de um grupo de neurônios, ocorren-
do de forma espontânea ou secundária a eventos adversos, como febre, distúrbios hidro-
eletrolíticos, metabólicos ou mesmo um quadro encefalítico (Figura 1).

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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 1. Tipos de crises convulsivas

Dísticos

Crises

Parciais

Simples

Complexa

Com evolução secundária para generalizadas

Generalizadas

Ausência (pequeno mal)

Crises tônico-clônicas (grande mal)

Crises tônicas

Crises clônicas e mioclônicas

As crises convulsivas são geralmente do tipo generalizada (tônica, clônica ou tônico-clô-


nica). Raramente o EMC ocorre por crises parciais focais, ausência ou crises mioclônicas.

Em recém-nascidos e lactentes, pode ocorrer persistência de crises aparentemente focais


prolongadas ou repetitivas, com ou sem alteração do nível de consciência e geralmente
com aumento da frequência cardíaca, o que também pode configurar um EMC no eletroen-
cefalograma (EEG).

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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Camip

Etiologia

As crises convulsivas podem estar associadas a alterações de ordem estrutural ou funcional


do parênquima cerebral. A definição da causa básica da crise convulsiva em crianças é de
suma importância, pois o melhor prognóstico está associado ao tratamento dessa causa.

Em crianças pequenas, menores de 2 anos de idade, quase 80% dos casos estão relacio-
nados a crises febris ou a causas sintomáticas agudas.

Podemos classificar as síndromes convulsivas de acordo com a etiologia das crises:

• Criptogenéticas: ocorre na ausência de lesão estrutural desencadeante no sistema


nervoso central ou de fatores precipitantes ou disfunções sistêmicas. Esse diagnóstico é
feito por exclusão de outras causas e trata-se de epilepsia provavelmente sintomática

• Sintomática remota: ocorre em pacientes com lesões anteriores do sistema nervoso


central, quando há maior risco de ocorrência de crises convulsivas, como no
traumatismo craniencefálico (TCE), acidente vascular encefálico (AVE), encefalopatia
crônica não evolutiva (ECNE), meningites e má formação cerebral, incluindo, nesta
categoria, crianças com diagnóstico prévio de epilepsia sintomática

• Idiopática: na ausência de lesões do sistema nervosos central, presença de crises bem


definidas, idade dependente, padrão eletroencefalográfico definido, com presença de
forte contexto genético envolvido

• Crise aguda sintomática: precipitada por um evento externo, que desencadeia a crise
epiléptica. Decorrente de um processo agudo, que afeta o sistema nervosos central,
pode ser uma lesão aguda ou uma disfunção metabólica sistêmica, como, por exemplo,
meningite, intoxicação exógena ou abstinência de drogas. O não reconhecimento da
doença de base pode causar danos maiores que a própria crise convulsiva. Corrigindo-
se a causa básica, a chance de recorrência das crises é muito pequena

• Crise febril: a causa da convulsão está relacionada à elevação brusca da temperatura,


sem outros fatores desencadeantes. Essas crises não aparecem na ausência de febre. A
crise convulsiva febril geralmente ocorrem no período entre 6 meses a 5 anos de idade.

Em crianças menores de 2 anos, com crises epilépticas prolongadas, predominam as crises


desencadeadas por febre ou as sintomáticas agudas. As criptogenéticas e as sintomáticas
remotas predominam em crianças maiores.
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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Outras causas de EMC, porém menos frequente em crianças, são o lúpus eritematoso sis-
têmico (LES), com acometimento cerebral, infecção por herpes-vírus, tireotoxicose, crise
hipertensiva, suspensão abrupta de analgésicos e sedativos, toxicidade e abstinência.

A suspensão abrupta de uso de anticonvulsivante, em criança convulsiva anteriormente


medicada, é um fator importante em pediatria de EMC.

Incidência de estado de mal convulsivo

O EMC acomete em torno de 17 a 23 crianças por 100 mil habitantes e é mais frequente em
crianças menores de 5 anos de idade. Quanto menor a criança, maior a possibilidade de
causas orgânicas desencadear as crises convulsivas.

O EMC é a urgência neurológica mais frequentemente observada em unidade de emergência ou


terapia intensiva pediátrica. O diagnóstico precoce e a instituição de tratamento imediato são
importantes para evitar prolongamento do quadro e aparecimento de sequelas neurológicas.

Fatores desencadeantes

Diversas situações clínicas podem desencadear o EMC, como meningites (bacterianas ou


virais), encefalites, traumas cranianos, hipóxia cerebral, distúrbios metabólicos e eletrolí-
ticos, intoxicações exógenas, tumores do sistema nervoso central, doenças vasculares,
suspensão abrupta do uso de medicamentos anticonvulsivantes e encefalopatias crônicas
(evolutivas ou não evolutivas), como mostra o Quadro 1.

Quadro 1. Fatores desencadeantes de crises convulsivas

Reações
Exposição
Oxigenação Abstinência adversas a
Infecções do Distúrbios Destruição do a drogas ou
Febre alta insuficiente do Outras doenças após utilização medicamentos
cérebro metabólicos tecido cerebral substâncias
cérebro excessiva de receita
tóxicas
obrigatória

Intoxicação por
Hipoparatireoi- Álcool (grandes
Insolação AIDS monóxido de Tumor cerebral Eclampsia Álcool Ceftazidima
dismo quantidades)
carbono

Níveis altos
Fluxo sanguíneo
de açúcar ou Traumatismo Encefalopatia Medicamentos
Infecção Malária inadequado Anfetaminas Clorpromazina
de sódio no craniencefálico hipertensiva para dormir
para o cérebro
sangue

Níveis baixos de
açúcar, cálcio,
Afogamento Hemorragia Lúpus
Meningite magnésio Cânfora Tranquilizantes Imipenemo
parcial intracraniana eritematoso
ou sódio no
sangue

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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Camip

Insuficiência Acidente
Sufocação
Raiva renal ou vascular Cloroquina Indometacina
parcial
hepática cerebral

Acidente
Overdose de
Sífilis Fenilcetonúria vascular Meperidina
cocaína
cerebral

Tétano Chumbo Fenitoína

Pentilenote-
Toxoplasmose Teofilina
trazol

Encefalite viral Estricnina

A convulsão febril é uma crise que ocorre nos primeiros momentos de um quadro infeccioso
febril, no qual uma doença inflamatória do sistema nervoso central pode ser excluída. Geral-
mente, ocorre em crianças entre os 6 meses a 5 anos de idade, é frequentemente isolada e
benigna, sem comprometer a evolução neurológica da criança. A primeira convulsão febril,
típica, sem outras causas, não necessita de tratamento continuado, pois a incidência de
recorrência é pequena e, se houver, devem ser procuradas outras causas, podendo neces-
sitar de tratamento anticonvulsivante. Temos conhecimento que alguns fatores podem pre-
cipitar as crises convulsivas, tal como: privação do sono, transtornos eletrolíticos ( ↓ cálcio e
↓ magnésio), sedação excessiva, transtornos emocionais, álcool ou drogas, entretenimento
(video game e computador), alcalose, entre outras.

Fisiopatologia

A lesão neuronal consequente ao EMC decorre de crises convulsivas prolongadas, provo-


cando lesão local, a nível celular, com hipermetabolismo e aumento do consumo de adeno-
sina trifosfato (ATP), efeitos sistêmicos como hiper ou hipoventilação, e lesões decorrentes
de ações de medicamentos ou drogas.

O EMC pode resultar em lesão cerebral por meio de: aumento do consumo de oxigênio cere-
bral em até 300%, que pode resultar em hipóxia cerebral, e esta é responsável pela maioria
das complicações do EMC; aumento do fluxo sanguíneo cerebral (em até 900%) inicial-
mente, como tentativa de compensar a hipóxia; acidose respiratória, consequente à rigidez
muscular e à hipertonia durante as crises, dificultando a difusibilidade de oxigênio e de elimi-
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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

nação de dióxido de carbono pelos pulmões; distúrbios autonômicos, com elevada liberação
de catecolaminas (taquicardia, hipertensão arterial inicial e liberação de esfíncteres − perda
de urina); alterações respiratórias, como contração muscular, acúmulo de secreções em vias
aéreas superiores (VAS), constrição brônquica decorrente de descarga autonômica exage-
rada, levando à acidose respiratória; edema pulmonar e extravasamento de líquido transca-
pilar; alterações renais por rabdomiólise, mioglobinúria, hipotensão e redução da pressão
arterial; hipoglicemia, por consumo excessivo de glicose associada à liberação de insulina;
hipertermia severa, pela atividade muscular excessiva; elevação de células liquóricas de até
20 células/m3 e hiperproteinorraquia, por quebra da barreira hematoencefálica. Com o pas-
sar do tempo, teremos hipotensão arterial, hipertermia e queda do fluxo sanguíneo cerebral.

Classificação

A classificação depende do tipo de crise convulsiva predominante no quadro clínico apre-


sentado. Podemos classificar didaticamente em:

• Generalizado convulsivo: tônico-clônico, tônico, clônico e mioclônico


• Generalizado não convulsivo: ausência típica e atípica
• Parcial: crises parciais contínuas, aura contínua, límbico ou psicomotor

Tratamento

O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível, como forma de minimizar
as sequelas neurológicas e melhorar o prognóstico do paciente. Quanto maior o tempo da
criança em EMC, maior a chance de refratariedade do quadro.

São medidas gerais para tratamento do EMC:

• Decúbito lateral horizontal


• Posicionar a cabeça para expor as vias aéreas superiores
• Aspirar as secreções
• Oxigenação por máscara ou cateter nasal
• Passar sonda nasogástrica para descomprimir o estômago (para evitar a aspiração para
as vias aéreas) e preparar para intubação, se necessário
• Providenciar acesso venoso, iniciar reposição volêmica e colher exames laboratoriais.
• Observar evolução das convulsões e registrar sua duração
• Monitorar sinais vitais (frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e
temperatura) e oximetria de pulso
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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Camip

Terapêutica antipirética, quando a temperatura >38,0°, se faz por meios físicos, com com-
pressas frias, e dipirona (10 a 20mg/kg), intramuscular ou intravenosa.

A terapêutica anticonvulsivante deve ser iniciada sempre que as crises convulsivas durarem
mais que 10 minutos. É realizada com os medicamentos descritos a seguir.

Diazepam

Droga de grande disponibilidade e rápida absorção. O problema desse medicamento é a


grande incidência do retorno às crises convulsivas, devido à sua meia-vida curta.

A dose administrada deve ser de 0,2 a 0,4mg/kg, intravenosa lentamente (1mg/minuto) ou


até cessar a crise. Persistindo as crises, repetir o diazepam após 10 a 15 minutos, nessa
mesma dose por até três vezes. Dose máxima total: 1mg/kg.

Difenil-hidantoina (fenitoína)

Persistindo o EMC, usar difenil-hidantoína 15 a 25mg/kg/ataque, meio intravenoso em bó-


lus. Iniciar com 15mg/kg intravenoso e, se necessário, repetir mais duas doses de 5mg/kg,
até atingir um total de 25mg/kg. Diluir em soro fisiológico. Velocidade de infusão 1mg/kg.
Cuidado para não infundir no subcutâneo (o que pode causar necrose). Dose máxima 1g/
kg. Não tem boa ação no período neonatal.

Fenobarbital sódico

Persistindo as crises, usar fenobarbital sódico (em solução aquosa), 15 a 20mg/kg/dose,


intravenoso lento, diluído em soro fisiológico. Pode ser repetida, em intervalos de 15 a 30
minutos, uma dose de 5mg/kg, até atingir o total máximo de 30mg/kg. O fenobarbital sódico
intravenoso pode causar depressão respiratória, hipotensão arterial e bradicardia.

Midazolan

Persistindo as crises, esta indicada a introdução do midazolan contínuo, dose de ataque


de 0,2 a 0,5mg/kg intravenoso e manutenção contínua de 0,2 a 4,0mg/kg/hora intravenoso.
Em doses baixas, pode ser possível o uso do midazolan sem intubação orotraqueal (IOT)
e ventilação pulmonar mecânica (VPM). Na necessidade de uso de dose elevada e/ou pre-
sença de depressão respiratória, apneia ou queda de saturação, devemos proceder a IOT e
colocar o paciente em VPM.

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Capítulo 18 | Estado de mal epilético em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Tiopental (Thionembutal)

Se as crises não cederem com midazolan contínuo intravenoso em altas doses, suspender
seu uso e introduzir o Tiopental intravenoso.

A dose de ataque deve ser 5mg/kg intravenoso em bólus e, se persistirem as crises, manter
contínuo e iniciar com 10ug/kg/minuto intravenoso e aumentar até cessarem as crises (po-
dendo chegar a mais de 200 ug/kg/minuto).

O Tiopental em doses moderadas e altas (geralmente acima de 40ug/kg/min) tem efeito car-
diotônico negativo, podendo o paciente nessa situação necessitar de reposição volêmica
(expansão) e posterior introdução de um agente inotrópico (dopamina, dobutamina, noradre-
nalina ou adrenalina) intravenoso contínuo, para manter pressão arterial e o débito cardíaco.

O uso do Tiopental por vários dias pode levar ao seu acúmulo em tecido gorduroso, poden-
do persistir sua ação por dias após sua interrupção. O EEG pode se apresentar até mesmo
isoelétrico quando uso de doses elevadas de Tiopental , pois ocorre uma grande redução
do metabolismo neuronal e consequente redução da atividade cerebral.

Exames complementares:

A criança em EMC deve ser submetida a alguns exames de rotina.

Laboratorial

Glicemia, sódio, potássio, ureia, creatinina, cálcio, magnésio, fósforo, hemograma, gasome-
tria arterial e de líquor cefalorraquidiano (LCR), provas de função hepática, coagulograma,
triagem toxicológica (quando houver suspeita).

Eletroencefalograma

A realização de um EEG pode ser importante nas crianças que apresentem um EMC agudo,
sem antecedentes, podendo ajudar na determinação de uma desorganização focal ou ge-
neralizada e que influenciar no tipo de tratamento a ser instituído para o paciente.

Embora EMC não convulsivo possa ocorrer, não há evidências suficientes para recomendar
o EEG para confirmar este estado. O EEG pode ser útil se um caso de pseudoestado epi-
léptico estiver sendo suspeitado.

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Tomografia de crânio e ressonância nuclear magnética

Estudos com tomografia de crânio mostraram uma média de 49% de achados anormais (pre-
sença de edema cerebral, atrofia ou infarto cerebral e infecção, por exemplo). Em estudos de
ressonância nuclear magnética, o número de alterações encontradas foi ainda maior. Por isso,
esses exames de neuroimagem, devem ser considerados quando clinicamente indicados ou
se a etiologia dos achados do EEG, como áreas de inatividade, indicações de crise epilepti-
forme focal ou generalizado, lentificação do traçado, entre outros, forem encontrados.

Prognóstico

No EMC são fatores determinantes de:

• Morbidade: a duração do quadro. Quanto maior o tempo para sair das crises, maior a
possibilidade de sequelas neurológicas e de óbito

• O tipo e a dose anticonvulsivante utilizados: a via de administração do medicamento


e o reconhecimento clínico do estado do paciente

• Mortalidade: em diversos estudos pediátricos a mortalidade varia de 3 a 5% e


está relacionada com a etiologia, pois a maior mortalidade e índice de sequelas
neurológicas ocorre quando o EMC é causado por uma condição aguda (infecção ou
trauma, por exemplo)

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329
Camip

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Morte Encefálica
Capítulo 19 | Morte encefálica
19
Capítulo 19
Morte encefálica

Clarice Peixoto de Sousa


Natália Viu Degaspare
Clarice Peixoto de Sousa
Natália Viu Degaspare
Caso clínico

Paciente do sexo masculino, 11 anos, com história de queda do skate seguida de perda da
consciência. Levado em carro próprio ao serviço de emergência.

Exame neurológico à entrada no pronto-socorro evidenciava apenas escoriações em mem-


bros e hematoma subgaleal à direita. Encontrava-se em escala de coma de Glasgow de 3
com pupilas médio-fixas. Restante do exame físico sem alterações. Realizada intubação,
sendo, então, encaminhado para tomografia computadorizada (TC), que evidenciou fratura
occipitoparietal direita, hemorragia subaracnoide, hematoma epidural frontal esquerdo e
edema cerebral difuso, com sinais de herniação uncal bilateral. Avaliado pela neurocirurgia
que, pelo quadro clínico do paciente, não houve indicação cirúrgica, sendo então o paciente
encaminhado para unidade de terapia intensiva (UTI), para cuidados intensivos.

Na UTI, o paciente evoluiu com hipotensão, hipotermia, hipernatremia com diurese abun-
dante. Foi levantada hipótese de morte encefálica (ME).

Questões

1. Considerando o caso em questão e pensando na hipótese de ME, descreva como seria


comprovado esse diagnóstico.
2. Que dados da história clínica podem interferir no diagnóstico de ME?
3. Uma vez comprovada a ME, descreva os cuidados com o potencial doador.

Apresentação

O conceito de morte envolve aspectos científicos, históricos, religiosos e legais. Para a civili-
zação ocidental, durante anos, a morte foi considerada a parada dos batimentos cardíacos,
porém, ao longo da evolução tecnológica, outros aspectos foram incorporados devido à cons-
tatação de pacientes que mantinham batimentos cardíacos, apesar de enorme dano cerebral.
Sendo o encéfalo um integrador das atividades dos demais sistemas, ao longo do tempo foi se
aceitando o fato de que a ausência de atividade encefálica significa a ausência de vida.

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Capítulo 19 | Morte encefálica
Camip

ME é a parada total e irreversível de todas as funções encefálicas (cérebro e tronco encefá-


lico), que equivale à morte do indivíduo, tanto cientificamente quanto legalmente.

Nas UTIs, é cada vez mais comum nos depararmos com pacientes em ME, sendo funda-
mental seu reconhecimento, diagnóstico e, se necessário, manutenção das funções fisioló-
gicas, pela possibilidade de doação de órgãos.

Histórico

Desde o final do século XIX, tiveram início os primeiros relatos de pacientes com aumento
súbito de pressão intracraniana, parada respiratória e continuidade de batimentos cardíacos.

Com o aprimoramento da terapia intensiva, foi observado que muitos pacientes seguiam
com funções vitais sustentadas por ventiladores e medicações, porém sem apresentar ati-
vidade cerebral. Os primeiros relatos científicos foram produzidos na França, em 1959, com
a descrição de 23 pacientes em coma depaseé (coma irreversível), hipotensão, ausência de
reflexos de tronco e eletroencefalograma (EEG) isoelétrico.

Em 1967, a realização do primeiro transplante cardíaco na África do Sul em um paciente


com ME, em que foram desligados os aparelhos e aguardada a cessação de batimentos
cardíacos para só então retirar o órgão, mostrou a necessidade de se criarem critérios e leis
a respeito da ME.

Porém, apenas em 1968, com a publicação do relatório do Comitê ad hoc da Faculdade


de Medicina de Harvard, que definia critérios para coma irreversível e um novo conceito
de ME, é que se iniciaram formulações de leis em diversos países para regulamentar essa
condição.

Ao longo do tempo, foram modificados os critérios originais de 1968, como a introdução do


teste de apneia, a possibilidade da presença de reflexos medulares e outros testes comple-
mentares, além do EEG, para diagnóstico de ME.

A American Academy of Neurology publicou, em 1995, seu protocolo para o diagnóstico


de ME, sendo que grande parte das diretrizes mundiais, inclusive a brasileira, são basea-
das na americana.

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Capítulo 19 | Morte encefálica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Aspectos legais

No Brasil, a história do transplante e da ME caminham juntos. Em 1997, a lei 9.434/1997


considerava a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo para fins de transplante.

O Art. 3º diz que a retirada deve ser precedida de diagnóstico de ME, constatada pela uti-
lização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de
Medicina (CFM). Para isso, o CFM publicou a resolução 1.480, de 21 de agosto de 1997,
que definia tais critérios.

De acordo com o Art. 13 da lei 9.434/1997, é obrigatório que todo Estado tenha uma Cen-
tral de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO). No Estado de São Paulo,
houve uma descentralização do processo, com a criação de Organizações de Procura de
Órgãos (OPOs).

A doação de órgãos deve ser autorizada por cônjuge ou familiares até segundo grau, maio-
res de idade e firmada em documento com duas testemunhas. Quanto à retirada de órgãos
de pessoa juridicamente incapaz, esta pode ser feita desde que permitida expressamente
por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais. Quanto às pessoas não identificadas,
é vedada a retirada de órgãos ou de partes do corpo.

Antes de iniciada a retirada dos órgãos e tecidos, a Declaração de Óbito deve ser forneci-
da em situações de morte natural. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em
decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de
verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver
para fins de transplante ou terapêutica somente pode ser realizada após a autorização do
patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em
relatório de necrópsia.

Critérios para abertura do protocolo de morte encefálica

Para iniciar o protocolo de ME, o paciente deve preencher alguns critérios bem estabeleci-
dos. Antes de tudo, a causa do coma deve ser conhecida e irreversível.

Devem ainda ser excluídas condições clínicas que possam interferir no exame neurológico
do paciente, como: distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos graves, alterações hormonais
causadoras do coma, hipotermia, hipotensão e, finalmente, intoxicação exógena ou uso de
drogas sedativas e bloqueadores neuromusculares (Tabela 1).

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Capítulo 19 | Morte encefálica
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Tabela 1. Meia-vida e tempo para início do protocolo, de acordo com a droga

Medicamento Meia-vida Iniciar o protocolo em


Benzodiazepínicos
Midazolam 2,5 horas 8 horas
Diazepam 3 horas (DU) – 30 h (IC) 90 horas (DU) – 168 horas (IC)
Opioides
Morfina 4 horas 12 horas
Fentanil 3,5 horas 12 horas
Barbitúricos
Tiopental 10 horas 18 horas (DU) – 180 horas (IC)
Fenobarbital 80 horas 240 horas
Alfa-agonistas centrais
Clonidina 9 horas 24 horas (DU) – 48 horas (IC)
Dexmedetomidina 2 horas 5 horas (DU) – 10 horas (IC)
Anestésicos inalatórios
Halotano 15 horas 37 minutos (DU) – 75 minutos (IC)
Isoflurano 10 horas 25 minutos (DU) – 50 minutos (IC)
Sevoflurano 12 horas 30 minutos (DU) – 1 hora (IC)
Bloqueadores neuromusculares
Succinilcolina 10 minutos 25 minutos (DU) – 50 minutos (IC)
Pancurônio 1 hora 2,5 horas (DU) – 5 horas (IC)
Atracúrio 30 minutos 75 minutos (DU) – 2,5 horas (IC)
Cisatracúrio 40 minutos 100 minutos (DU) – 3,5 horas (IC)
Vecurônio 50 minutos 2horas (DU) – 4 horas (IC)
Rocurônio 40 minutos 100 minutos (DU) – 3,5 horas (IC)
Outras medicações
Etomidato 3 horas 7,5 horas
Cetamina 4 horas 10 horas
Propofol 30 minutos minutos u 6 horas (se uso >10 dias)
Recomenda-se aguardar três vezes a meia-vida da medicação para iniciar o exame ou, em alguns
casos, avaliar se a dosagem sérica de tal droga encontra-se abaixo do nível terapêutico.
DU: dose única; IC: infusão contínua. Fonte: Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
Resoluções tomadas em reunião da equipe de captação realizada em 21 de julho de 2014.

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Capítulo 19 | Morte encefálica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A comunicação aos familiares no início do procedimento para a verificação da ME é obri-


gatória, sendo admitida a presença de médico de confiança da família durante o processo.
No caso de famílias sem recursos financeiros, é de obrigação do Sistema Único de Saúde
(SUS) oferecer um profissional para tal, se a família assim o desejar.

Diagnóstico de morte encefálica

O diagnóstico de ME é estabelecido após a realização de exames clínicos e complementa-


res com intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias (Tabela 2).

Tabela 2. Intervalo entre os testes clínicos de acordo com a faixa etária

Idade Intervalo entre os testes clínicos (horas)

7 dias a 2 meses incompletos 48

2 meses a 1 ano incompleto 24

1 ano a 2 anos incompletos 12

Acima de 2 anos 6

Fonte: Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução CFM n° 1.480, de 21 de agosto de 1997.
Determina os procedimentos para a determinação de morte encefálica. Diário Oficial da União, 21 de
agosto de 1997;1:18227

A imaturidade do sistema nervoso central (SNC) da criança determina critérios mais rígidos
para comprovação da ME. Quanto menor a criança, maiores intervalos entre as provas clí-
nicas são necessários.

O diagnóstico de ME só é possível a partir do 7º dia de vida e a resolução 1.480/1997 do


CFM não determina a partir de que idade pode ser diagnosticada ME em um recém-nas-
cido prematuro. Os exames clínicos devem ser realizados por médicos diferentes e não
vinculados à equipe de transplantes. O decreto 2.268 explicita que pelo menos um dos
exames neurológicos seja realizado por neurologista ou neurocirurgião, porém a resolução
1.480/1997 do CFM não faz menção a essa obrigatoriedade. Parece consenso que a ne-
cessidade do especialista não deve atrasar ou inviabilizar o diagnóstico de ME. Em caso
de dúvidas ou dificuldade diagnóstica, e havendo disponibilidade de um profissional, um
neurologista deve ser consultado.
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Camip

Provas clínicas

Coma aperceptivo

Com o paciente completamente descoberto, expondo os quatro membros, devem-se rea-


lizar estímulos externos, principalmente álgicos. O estímulo doloroso deve ser realizado na
face, utilizando a região supraorbitária ou a articulação temporomandibular. Estímulo sobre
o esterno ou nos mamilos não é o mais adequado, pois não testa vias do tronco encefálico.
O teste é considerado positivo se não houver resposta aos estímulos realizados.

Sinais de reatividade medular, como reflexos osteotendinosos, cutâneo-abdominal, cutâneo


plantar, ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos flexores de retirada, podem estar presentes
e não descartam o diagnóstico de ME.

Ausência de reflexos do tronco encefálico

• Reflexo pupilar (nervos II e III): ausência de contração pupilar à estimulação luminosa


por 10 segundos. O reflexo consensual também está ausente. Atenção aos casos de
trauma ocular ou de face, histórico de cirurgia oftálmica ou uso de midriáticos tópicos.

• Reflexo córneo palpebral (nervos V e VII): ausência de contração palpebral após


estimulação da córnea com chumaço de algodão ou a ponta de uma gaze.

• Reflexo óculo-cefálico – “olhos de boneca” (nervos III, IV, VI, VIII): ausência de
movimentação ocular ao se mover a cabeça (lateral, flexão e extensão). A resposta
normal é o movimento dos olhos de forma conjugada em direção oposta ao movimento
da cabeça. Essa prova não deve ser realizada em caso de instabilidade cervical.

• Reflexo oculovestibular – prova calórica (nervos III, IV, VI, e VIII): otoscopia prévia
deve ser realizada para certificar ausência de obstrução do canal auditivo ou perfuração
timpânica. O paciente deve estar em posição neutra e a cabeceira elevada a 30º.
Injetam-se 50mL de NaCl 0,9% a 0°C através de uma sonda. A infusão deve ser lenta,
com uso de seringa ou equipo. Deve-se, então, observar por 2 minutos se ocorre
movimentação ocular após infusão do soro. O teste deve ser repetido no lado oposto
após intervalo de 5 minutos.

• Reflexo da tosse (nervos IX e X): ausência de tosse após movimentação da cânula


orotraqueal ou aspiração das vias aéreas.
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Teste de apneia

O centro respiratório está localizado no bulbo e é estimulado com a diminuição do pH do


líquido cefalorraquidiano induzida por uma acidose respiratória.

O teste de apneia verifica o estímulo do centro respiratório à hipercapnia, e seu objetivo é


avaliar a integridade da região ponto-bulbar.

É importante ressaltar que, caso o paciente apresente quaisquer sinais de instabilidade


como hipotensão, hipóxia ou arritmia, o teste dever ser imediatamente interrompido.

As etapas do teste de apneia são as seguintes:

1. Pré-oxigenar o paciente com oxigênio a 100% por 10 minutos

2. Coletar uma gasometria arterial inicial (deve mostrar hiperóxia e pressão parcial de gás
carbônico − paCO2 entre 35 e 45 mmHg)

3. Desconectar o ventilador e introduzir um cateter de oxigênio com fluxo de 6L/minuto na


traqueia ao nível da carina

4. Observar atentamente a presença de movimentos respiratórios por 10 minutos

5. Coletar gasometria arterial

6. Reconectar paciente ao ventilador

O teste é considerado positivo para ME caso não existam esforços respiratórios e a gaso-
metria obtida ao fim do teste apresente paCO2 ≥ 55mmHg.

Se paCO2 <55mmHg, o teste é inconclusivo. Uma gasometria pode ser colhida no início do
teste, pois alguns autores defendem que o teste pode ser considerado positivo se houver
um aumento de 20mmHg no valor basal de paCO2.

Exame Complementar

O exame complementar tem como objetivo demonstrar a ausência de atividade elétrica ou


metabólica cerebral ou a ausência de perfusão sanguínea no cérebro.

Pode ser realizado entre as provas clínicas, porém nunca deve iniciar o processo de verifi-
cação de ME.
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Camip

A indicação do tipo de exame e da necessidade de sua repetição é dependente da faixa


etária, conforme exposto na Tabela 3.

Tabela 3. Exame complementar de acordo com a faixa etária do potencial doador

Idade Exame complementar

7 dias a 2 meses incompletos 2 EEG com intervalo de 48 horas

2 meses a 1 ano incompleto 2 EEG com intervalo de 24 horas

Qualquer; se EEG, realizar 2 exames com intervalo


1 ano a 2 anos incompletos
de 12 horas

Acima de 2 anos Qualquer

EEG: eletroencefalograma. Fonte: Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução CFM n° 1.480, de
21 de agosto de 1997. Determina os procedimentos para a determinação de morte encefálica. Diário
Oficial da União, 21 de agosto de 1997;1:18227

O EEG detecta a atividade elétrica cerebral. Foi o primeiro método usado para corroborar o
diagnóstico de ME e é o mais usado até hoje. O EEG isoelétrico é compatível com o diag-
nóstico de ME.

O Doppler transcraniano vem sendo cada vez mais utilizado no diagnóstico de ME. Esse
exame avalia o fluxo sanguíneo cerebral e tem como vantagem poder ser realizado ao lado
do leito do paciente.

A arteriografia cerebral é considerada padrão-ouro entre os exames complementares na


ME. Um exame demonstrando ausência de perfusão encefálica após a injeção de contraste
nas artérias carótidas e vertebrais é típico de ME. Apresenta como desvantagens a neces-
sidade de transporte do paciente para a sala cirúrgica e o uso de contraste, o que pode
interferir na função renal do paciente.

A cintilografia cerebral demonstra a circulação sanguínea através da injeção de radioisó-


topo tecnécio 99m. Como desvantagem, há a necessidade de remoção do paciente até o
local adequado para realização do exame.

A resolução 1.480/1997 do CFM ainda faz referência, como possíveis exames complemen-
tares, a monitorização da pressão intracraniana, a TC com xenônio, a tomografia por emis-
são de pósitrons e a extração cerebral de oxigênio.
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Conduta após o término do protocolo de morte encefálica

O diagnóstico de ME é feito após a realização de todas as etapas do protocolo.

A hora do óbito que deve constar na declaração de óbito deve ser a do momento da con-
clusão da última etapa do protocolo de ME.

Nesse momento, deve ser preenchido o Termo de Declaração de Morte Encefálica (TDME)
que é enviado para a CET. A notificação dos casos de ME é compulsória às centrais de
notificação, independente do paciente em questão ser ou não um potencial doador. O
diagnóstico deve ser explicado à família pela equipe médica, e dúvidas devem ser escla-
recidas.

No caso de um potencial doador, uma entrevista de solicitação de doação de órgãos e


tecidos para transplante é realizada. A entrevista tem como objetivo oferecer todas as in-
formações e suporte necessários para a tomada de decisão familiar em relação à doação.
É importante que o contato estabelecido com a família seja baseado na transparência, na
empatia e no apoio emocional.

Deve-se sempre respeitar e aceitar a decisão dos familiares, além de oferecer apoio durante
todo o processo, independentemente da decisão tomada. Em casos de negativa familiar ou
havendo contraindicação para a doação de órgãos, o suporte avançado de vida deve ser in-
terrompido, conforme previsto na resolução 1.826/2007 do CFM. O médico não é obrigado
a ter autorização da família para essa ação, porém é recomendada cautela nesse momen-
to, procurando-se respeitar as diversas opiniões, evitando-se, assim, embates e desgaste
emocional de ambas as partes.

Manutenção do potencial doador de órgãos


Visando à minimização das perdas de potenciais doadores e ao aumento da qualidade e
da efetivação de transplantes, é de suma importância a tomada de medidas clínicas para a
manutenção do potencial doador.

A partir do diagnóstico de ME, é recomendada a retirada de órgãos para transplante, ide-


almente, no prazo de até 12 a 24 horas. Durante esse intervalo, é essencial prevenir as
disfunções orgânicas.

Dentre os cuidados que devem ser tomados do momento do diagnóstico da ME até a cap-
tação dos órgãos, incluem-se: estabilização hemodinâmica, correção do défice de oxige-
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Camip

nação, prevenção da hipotermia, monitorização e correção de distúrbios metabólicos (em


especial hipernatremia), correção de distúrbios da coagulação, tratamento e alterações en-
dócrinas, renais e hepáticas, tratamento de infecções bacterianas e a correção de qualquer
outra alteração orgânica reversível.

Além dos cuidados gerais citados, existem ainda recomendações órgão-específicas, a de-
pender do que se deseja transplantar.

Conclusão

A ME já é aceita na comunidade científica há mais de 40 anos e no Brasil, apesar de ter um


dos protocolos mais exigentes para o diagnóstico de ME, ainda se enfrenta uma grande
dificuldade no entendimento dessa condição.

A suspeita clínica deve ser feita por qualquer profissional que atenda o paciente, sendo a
CNCDO logo comunicada ou OPO para auxílio no diagnóstico e manejo. Ao ser confirmada,
uma entrevista familiar, realizada por profissionais com experiência, pode ajudar no entendi-
mento e tornar o paciente um possível doador.

Apesar de estarem intimamente ligados, ME e transplante de órgãos não devem ser confun-
didos. O diagnóstico de morte é um direito do indivíduo e de sua família, além de importante
na gestão de leitos de UTI.

Messages do take home

• ME é a parada total e irreversível de todas as funções encefálicas (cérebro e tronco


encefálico), que equivale à morte do indivíduo, tanto cientificamente quanto legalmente

• O diagnóstico de ME é um direito do paciente e da família, e deve ser suspeitado em


qualquer paciente em coma arresponsivo

• Deve-se iniciar o protocolo de ME quando paciente estiver em coma de causa conhecida


e irreversível, sem alterações que possam interferir no exame neurológico

• Realizar as provas clínicas e exames complementares de acordo com a idade


do paciente

• Quando confirmada a ME, preencher o protocolo e comunicar a OPO, para avaliar


potenciais doadores
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Capítulo 19 | Morte encefálica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Bibliografia
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nível em: http://www.abto.org.br/abtov03/upload/file/CursoMorteEncefalica.pdf
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Brasil. Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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Brasil. Lei n° 10.2011, de 23 de março de 2001. Altera os dispositivos da Lei no 9.434, de 4
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Camip

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Traumatismo Craniencefálico 20
Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança

Capítulo 20
na Criança
Traumatismo craniencefálico na criança

Bianca Mello Luiz


Priscila Corrêa Rodrigues Bianca Mello Luiz
Priscila Corrêa Rodrigues
Caso clínico

Uma criança de 3 anos de idade, previamente hígida, é levada ao pronto-socorro pelos


pais após cair da escada de casa de uma altura de aproximadamente 3 degraus, e bater a
cabeça no chão.

Após a queda chorou imediatamente, porém se tornou menos responsiva durante o trajeto
para o hospital e apresentou ainda um episódio de vômito.

Na emergência, ao ser examinada pelo médico plantonista, abria os olhos após estímulo
doloroso, falava palavras incompreensíveis e retirava o braço quando estimulada.

Qual o diagnóstico dessa criança? Como podemos classificá-lo?

Traumatismo craniano craniencefálico (TCE) fechado grave (Glasgow 3 a 8).

Qual a preocupação imediata nesse tipo de trauma?

A criança foi intubada com sucesso após sequência rápida de intubação com controle da
coluna cervical.

Enquanto estava sendo preparada para tomografia computadorizada (TC) apresentou movi-
mentos extensores dos membros, aumento de pressão arterial (PA) para 150x95mmHg (PA
média – PAM de 112mmHg) e diminuição da frequência cardíaca para 55bpm.

O que provavelmente está acontecendo com essa criança?

Provável inchaço cerebral, com aumento progressivo da pressão intracraniana (PIC) e, con-
sequentemente, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral (FSC).

Como reconhecer aumento da pressão intracraniana?

Foi obtida TC de crânio. Na transferência para unidade de terapia intensiva (UTI), teve aumento
súbito da PA e movimentos descoordenados de membros, recebeu uma dose de diazepam.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Camip

Qual a maior preocupação no momento?

A principal preocupação frente a um caso de traumatismo craniencefálico (TCE) é prevenir


a lesão secundária, o que requer monitorização e tratamento imediatos, e evitar fatores de
pior prognóstico neurológico, como hipertermia, hipóxia e hipotensão.

Qual a próxima intervenção? Quais terapias podem ser usadas para


tratar aumento de pressão intracraniana?

O ideal é que haja sempre monitorização da PIC e da pressão de perfusão cerebral (PPC).
No caso de hipertensão intracraniana, ainda podem ser usados: solução hipertônica, ma-
nitol, barbitúrico, hiperventilação e até hipotermia, porém o tratamento deve ser individuali-
zado – paciente a paciente.

Apresentação

A injúria cerebral secundária ao CE é a principal causa de mortalidade e morbidade em


crianças de todo o mundo.

Acidentes de trânsito, quedas, agressões (homicídios) e trauma relacionado à atividade


esportiva são as causas mais comuns de TCE. A maior taxa de morbidade e mortalidade é
observada em crianças menores de 4 anos de idade, pontuação menor na escala de coma
de Glasgow inicial, coagulopatia, hiperglicemia e hipotensão.

A morbimortalidade associada ao TCE pediátrico tem diminuído significativamente nas últi-


mas duas décadas devido a avanços no diagnóstico, monitorização e terapêutica.

Felizmente, a maioria dos traumatismos cranianos é classificada como leve (84%) e não
está associada à injúria cerebral ou a sequelas a longo prazo.

A American Academy of Pediatrics descreveu critérios objetivos de inclusão e exclusão para


considerar uma lesão de menor grau de gravidade (Quadro 1)
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 1. Critérios adotados pela American Academy of Pediatrics para definir um


traumatismo craniencefálico fechado como de gravidade leve

Critérios de inclusão Critérios de exclusão

Estado mental normal no exame inicial Trauma múltiplo

Ausência de achados neurológicos anormais


Perda da consciência mais prolongada
ou focais

Nenhuma evidência ao exame físico de fratura


Evidência ou suspeita de trauma cervical
de crânio

Perda da consciência < 1 minuto Suspeita de trauma craniencefálico intencional

Pode haver um episódio convulsivo História de diátese hemorrágica ou disfunção


imediatamente após o trauma neurológica

Pode ter vomitado após o trauma

Pode apresentar outros sinais e sintomas


(como cefaléia e letargia)

A rápida identificação e estabilização da criança com TCE grave é essencial para o manejo
inicial de condições que contribuem para lesão secundária (hipoxemia e hipotensão, por
exemplo) . Exames de imagem, usualmente a TC de crânio, é altamente sensível para iden-
tificar injúria cerebral, que necessita intervenção.

Casos moderados e graves requerem monitorização intensiva e acompanhamento com


equipe multidisciplinar. A transferência do paciente para local onde é possível cuidados e
monitorização intensivos é um fator determinante na sobrevida desses pacientes.

Classificação/manifestações clínicas

A injúria cerebral traumática é classificada como leve, moderada e grave baseada na escala
de coma de Glasgow inicial (incluindo a adaptada para a faixa etária pediátrica) (Quadro 2).

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Camip

Quadro 2. Escala de coma de Glasgow

Escore Resposta Resposta modificada para lactentes

Abertura ocular

4 Espontâneo Espontâneo

3 Ao estímulo verbal Ao estímulo verbal

2 Ao estímulo doloroso Ao estímulo doloroso

1 Ausente Ausente

Melhor resposta motora

6 Obedece comando Movimentação espontânea

5 Localiza dor Localiza dor (retirada ao toque)

4 Retirada ao estímulo doloroso Retirada ao estímulo doloroso

Flexão ao estímulo doloroso Flexão ao estímulo doloroso


3
(postura descorticada) (postura descorticada)

Extensão ao estímulo doloroso Extensão ao estímulo doloroso


2
(postura descerebrada) (postura descerebrada)

1 Ausente Ausente

Melhor resposta verbal

5 Orientado Balbucia

4 Confuso Choro irritado

3 Palavras inapropriadas Choro à dor

2 Sons inespecíficos Gemido à dor

1 Ausente Ausente

Traumatismo craniencefálico severo: escala Glasgow 3 a 8; traumatismo craniencefálico moderado:


escala Glasgow 9 a 12; traumatismo craniencefálico leve: escala Glasgow 13 a 15

É importante ressaltar que crianças com menos de 2 anos de idade com qualquer grau de
TCE devem ser cuidadosamente avaliadas, inclusive com fundoscopia, e que devem ser
pesquisados outros sinais que possam identificar maus tratos.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Lesão cerebral traumática leve: escala de coma de Glasgow 13 a 15

Quadro clínico evoluiu com ausência de sinais neurológicos focais. Mortalidade <1%.

Dentro da classificação de TCE leve, está a concussão, que é definida como défice transi-
tório de função secundário a uma lesão e que pode ser adicionalmente qualificada tendo-se
como base a perda de consciência.

Lesão cerebral traumática moderada: escala de coma de Glasgow 9 a 12

Após a avaliação inicial todos são submetidos à TC e internados para observação. A chance
de lesão intracraniana pode chegar a 40%, e a necessidade de intervenção cirúrgica a 10%.

A observação nas primeiras 48 horas deve ser rigorosa, preferencialmente em UTI.

Lesão cerebral traumática grave: escala de coma de Glasgow ≤8

Há necessidade de monitorização da PIC, suporte intensivo e acompanhamento multidisciplinar.

Fisiopatologia

Fatores anatômicos

Diferenças anatômicas tornam as crianças particularmente mais suscetíveis ao trauma de


crânio e a certos tipos de lesões a ele associadas.

Na criança, a cabeça proporcionalmente maior em relação ao corpo e o maior conteúdo


de água do encéfalo associado ao processo de mielinização incompleto favorecem lesões
por mecanismos de aceleração-desaceleração, com consequente cisalhamento de vasos e
neurônios, resultando em hemorragias e lesão axonal difusa (LAD).

A calota craniana mais complacente nos lactentes é mais suscetível a deformidades e fratu-
ras, sendo comuns lesões assintomáticas ou ocultas, assim como lesões diretas no encé-
falo causadas no momento do impacto (lesões por golpe).

Em contrapartida, a presença de fontanelas e de suturas cranianas ainda abertas permite


aos lactentes maior tolerância aos aumentos de PIC.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Camip

Lesão primária
A fisiopatologia da injúria cerebral grave envolve dois insultos: lesão primária e lesão secundária.

Lesão primária é a lesão direta do parênquima cerebral decorrente do trauma em si, produ-
zida no momento do impacto como consequência do traumatismo direto sobre o cérebro
ou por forças de aceleração ou desaceleração, agindo na substância branca. Na criança, ao
contrário dos adultos, as alterações tendem a ser difusas.

São exemplos de lesões primárias: lesões no couro cabeludo: contusões, hematomas, lacerações.

Fraturas de crânio ocorrem em 8 a 41% dos TCE em crianças, sendo as lineares as mais
comuns. Não implicam obrigatoriamente em lesão neurológica, mas demonstram a impor-
tância da força de impacto. Todo paciente com fratura deve ser submetido à TC de crânio

Equimose retroauricular ou de mastoide, equimose periorbital, hemotímpano, otorragia,


otoliquorreia, sinorragia e sinoliquorreia são sinais de fraturas da base do crânio.

Concussão é o termo utilizado quase como sinônimo de TCE leve. O que caracteriza o qua-
dro é a presença de confusão mental, com ou sem amnésia. A confusão dura menos de 1
hora, e o paciente se recupera completamente.

Contusão corresponde a lesões necro-hemorrágicas de parênquima, secundárias a choque


do encéfalo contra estruturas ósseas. Podem ser focais ou difusas. São observadas em 20 a
30% dos TCE graves. Pode ocorrer no polo craniano oposto ao impacto (lesão contragolpe).

Hematoma extradural é uma coleção de sangue entre a calota e a dura-máter. Geralmente


ocorre na região temporal, por laceração das artérias meníngeas. Em geral, progride rapida-
mente e pode causar Hipertensão Intracraniana – HIC. Clinicamente, é caracterizada pelo inter-
valo lúcido. Na TC, observa-se imagem em forma de lente biconvexa hiperatenuante (Figura 1).

Figura 1. Hematoma extradural

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

O hematoma subdural corresponde a coleção de sangue entre a dura-máter e o encéfalo.


Costuma ocorrer devido ao estiramento e à ruptura das veias corticais, que drenam para
os seios venosos. Geralmente, há lesão parenquimatosa cerebral associada, que provoca o
coma logo no momento do traumatismo. Na tomografia observa-se imagem em forma de len-
te côncavo-convexo hiperatenuante, geralmente associada com edema cerebral (Figura 2).

Figura 2. Hematoma subdural

Hematoma intraventricular pode aparecer como lesão isolada e raramente persiste por mais
de 2 semanas em virtude da diluição do sangue no líquor. Pode ser causa de febre e levar
à hidrocefalia obstrutiva.

A hemorragia subaracnóidea acompanha com frequência o TCE e sua correlação com pior
prognóstico não está confirmada em pediatria. Pode levar a sinais e sintomas de irritação
meníngea e tardiamente à hidrocefalia.

LAD ocorre quando uma força de aceleração/desaceleração é aplicada ao cérebro, provo-


cando cisalhamento e lesão axonal com características distributivas. Esse tipo de lesão leva
à rápida perda da consciência e, frequentemente, à postura de descerebração ou decorti-
cação. A tomografia geralmente é normal; nos casos mais graves pode revelar pequenas
hemorragias encefálicas. Não há tratamento específico, apenas medidas de suporte

Lesões secundárias

É a cascata de reações fisiológicas e bioquímicas que ocorre após o trauma primário, po-
dendo levar à perda da autorregulação encefálica e ao surgimento ou agravamento do in-
chaço cerebral difuso. Diferencia-se da lesão primária por ser potencialmente tratável e
passível de prevenção.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Pode ser exacerbada pela liberação de neurotransmissores excitatórios e envolve a eleva-


ção da concentração intracelular de cálcio e potássio, e a formação de radicais livres.

Os eventos secundários podem ou não ser agravados por agressões secundárias, que exa-
cerbam a lesão cerebral e pioram o prognóstico.

As principais agressões secundárias são: hipotensão (PA sistólica abaixo do percentil 5 para
idade), hipóxia, hipercapnia, hipocapnia, anemia, febre, hipo ou hiperglicemia, distúrbios hi-
droelétroliticos e acidobásicos, sepse ou pneumonia, e coagulopatia. Hipotensão e hipóxia
são os fatores mais importantes e, quando ocorrem nas fases iniciais do atendimento, são
fatores de risco independentes de pior prognóstico.

A lesão cerebral secundária frequentemente tem natureza isquêmica. As alterações do FSC


e de sua autorregulação, associados à resposta inflamatória (adesão de neutrófilos ao en-
dotélio, ação de citocinas, produção de radicais livres com lesão endotelial e peroxidação
lipídica das membranas) aumentam ainda mais a vulnerabilidade encefálica à isquemia. Es-
sas alterações prejudicam os mecanismos compensatórios de manutenção do FSC, fazen-
do com que mudanças sistêmicas, que normalmente não provocariam isquemia, passem a
desencadeá-la na presença de TCE.

Hipertensão intracraniana (HIC)

A HIC ocorre quando há aumento de volume no compartimento intracraniano, causando


uma desproporção volume-continente, com consequente aumento pressórico.

Valores considerados normais em lactentes são de 8 a 10mmHg e, em crianças maiores e


adultos, são <15mmHg. Elevações da PIC breves, com retorno à pressão normal em menos
de 5 minutos, são insignificantes.

O limiar para instituir tratamento para HIC utilizado na maioria dos estudos pediátricos é de
20mmHg por mais de 5 minutos; no entanto, dados obtidos por meio do exame clínico fre-
quente, monitorização de variáveis fisiológicas, PPC e exames radiológicos devem ajudar
na interpretação dos valores de PIC e nas decisões terapêuticas.

A maioria dos pacientes vítimas de TCE com alterações tomográficas irá desenvolver HIC
nos dias subsequentes ao trauma, sendo que o pico de pressão acontece nos 3 primeiros
dias na metade dos pacientes, e após o quinto dia em 25% deles.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Após TCE, uma série de alterações fisiológicas pode levar ao aumento na PIC: aumento do
volume de qualquer um dos componentes intracranianos; perda da autorregulação entre fluxo
sanguíneo cerebral (FSC) e atividade metabólica; aumento na produção de Líquido céfalorra-
quidiano – LCR em resposta a hiperemia cerebral; hipercapnia ou hipóxia, que podem gerar va-
sodilatação e aumento do FSC; e edema cerebral. O edema cerebral, por sua vez, pode ser va-
sogênico (movimento de água da vasculatura para o espaço extravascular; caracteriza-se por
quebra na barreira hematoencefálica); citotóxico (aumento de água no intracelular em resposta
a um gradiente osmótico); intersticial (em razão do aumento da pressão hidrostática liquórica).

O termo “brain swelling” é utilizado para descrever o aumento global do encéfalo, geralmen-
te associado a HIC, seu mecanismo é descrito como consequente ao aumento do volume
sanguíneo encefálico, e não ao aumento de água por quebra de barreira hematoencefálica

Após uma lesão cerebral, mecanismos compensatórios agem com o objetivo de manter a PIC
normal. Aproximadamente 30% da capacidade de diminuição do volume intracraniano é repre-
sentada pelo LCR, que pode ser deslocado para o espaço espinhal subaracnoide ou reabsorvido.

Os achados clínicos nos pacientes com HIC variam desde exame neurológico normal até
sinais inequívocos de comprometimento do sistema nervoso central. São sinais que podem
estar presentes: hemorragia retiniana; papiledema; macrocefalia; hidrocefalia; paralisia do
III, IV ou VI par de nervos cranianos, sendo a do II a mais frequente; alteração do nível de
consciência; hemiparesia, hiperreflexia e hipertonia; hipertensão arterial sistêmica (HAS),
bradicardia e depressão respiratória (tríade de Cushing) são sinais tardios.

Fluxo sanguíneo cerebral

O cérebro tem pouca capacidade de armazenar energia e apresenta um metabolismo aeró-


bio dependente da manutenção de um FSC contínuo. Em adultos, o FSC é mantido normal-
mente na faixa de 50mL/100g de tecido/minuto, e em crianças em torno de 100mL/100g de
tecido/minuto, igualando-se ao fluxo do adulto por volta dos 10 anos de idade.

O FSC é influenciado por diversos fatores interdependentes, como demanda metabólica


cerebral, viscosidade sanguínea, resistência vascular cerebral, pH, níveis de pressão parcial
de oxigênio (PO2) e pressão parcial de gás carbônico (PCO2), e pela manutenção de uma
PPC adequada.

PaO2 e pressão de dióxido de carbono (PaCO2) têm papéis bem estabelecidos no fluxo san-
guíneo cerebral FSC. Quedas da PaO2 causam vasodilatação na tentativa de manter a ofer-
ta de oxigênio cerebral. Hipercapnia também leva à vasodilatação e ao aumento do FSC,
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Camip

enquanto a hipocapnia reduz o fluxo. Mudanças no FSC ocorrem segundos após aumento
ou diminuição na PCO2. Pode se considerar que, para cada variação de 1mmHg na PCO2,
haverá uma variação de 1 a 3% no FSC no mesmo sentindo.

Normalmente o cérebro é capaz de manter um FSC constante por meio de um mecanismo


conhecido como autorregulação.

Autorregulação

É o ajuste do FSC à atividade metabólica, primariamente por meio de alterações na resis-


tência vascular cerebral. Essas alterações podem manter o FSC constante, enquanto a PAM
encontra-se em determinada faixa (adultos 50 a 150mmHg). Fora dessa faixa, os mecanis-
mos compensatórios falham e pode ocorrer perfusão inadequada ou excessiva.

Nos casos de TCE grave, os mecanismos de autorregulação em resposta às mudanças da


PAM estão alterados. A perda total da autorregulação faz com que a PIC se eleve ou dimi-
nua, de acordo com a elevação ou diminuição da PAM.

Pressão de perfusão cerebral

Corresponde à diferença entre a PAM e a PIC, podendo ser expressa pela equação:

PPC = PAM - PIC

Em situações normais, a PPC é autorregulada pelo FSC e acoplada à taxa metabólica cerebral.

Em adultos, varia de 50 a 70mmHg; em crianças, os valores ainda não foram bem estabelecidos.

Recomenda-se manter PPC>40mmHg em crianças com TCE grave. Quando a PPC cai para
abaixo do nível crítico, em razão de hipotensão ou aumento da PIC pode ocorrer isquemia.
Não há estudos que comprovem que PPC supranormal reduza a morbimortalidade.

Abordagem ao traumatismo craniencefálico moderado e grave

Abordagem inicial

O atendimento inicial das crianças com TCE segue as diretrizes do Advanced Trauma Life
Support® (ATLS®) e do Pediatric Advanced Life Support® (PALS®), quais sejam:
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• A (Airway): abordagem das vias aéreas com controle da coluna cervical

• B (Breathing): ventilação e oxigenação adequadas

• C (Circulation): circulação com controle de hemorragia

• D (Disability): exame neurológico: Glasgow, pupilas

• E (Exposure): exposição e controle da temperatura

Crianças com TCE grave necessitam de monitorização contínua do nível de consciência,


padrão respiratório e controle hemodinâmico. Basicamente, o manejo visa manter estável o
fluxo sanguíneo cerebral FSC e garantir boa oxigenação para proporcionar recuperação do
tecido cerebral.

Avaliação e abordagem secundárias


Após estabilização do paciente, deve-se realizar exame físico detalhado, colher história ob-
jetiva e realizar exames complementares, tendo como objetivo a procura de alterações que
possam contribuir para a morbimortalidade dos pacientes. Deve-se encaminhar o paciente
ao setor de imagem, para realização de TC crânio e coluna cervical, e providenciar a trans-
ferência para UTI e/ou abordagem cirúrgica.

Exames complementares
A existência de fratura é um fator de risco para a presença de lesões intracranianas, entre-
tanto sua ausência não exclui a possibilidade de haver lesão (PROtiped 23). Admite-se a
realização de radiografia de crânio em algumas situações clínicas em crianças menores de
2 anos.

TC é o exame de maior utilidade na fase aguda, pela rapidez da realização e pelas informa-
ções que é capaz de fornecer.

Nos casos de TCE moderado e grave, a TC de crânio deve ser realizada o mais rapidamente pos-
sível, para avaliação de edema cerebral e possíveis lesões que necessitem intervenção cirúrgica.

Nos últimos anos, têm-se estudado regras de predição clínica para a realização de TC de
crânio em crianças com lesão cerebral. Uma das regras mais recentes é a da Pediatric
Emergency Care Applied Research Network (PECARN), um estudo multicêntrico publicado
em 2009, que tem como objetivo identificar quais crianças com trauma de crânio teriam
risco baixo de lesões cerebrais traumáticas que tivesse importância clínica e, portanto, não
necessitariam de TC de crânio.

A ressonância magnética (RM) de crânio deve ser reservada para o diagnóstico de pacien-
tes cujo quadro clínico não é consistente com os achados da TC de crânio (Figura 3).
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Camip

Figura 3. Fluxograma para a realização de tomografia computadorizada (TC) de crânio em crianças


menores de 2 anos (A) e ≥2 anos (B). ECG: escala de coma de Glasgow. Adaptado de: Kuppermann
N, Holmes JF, Dayan PS, Hoyle JD Jr, Atabaki SM, Holubkov R, Nadel FM, Monroe D, Stanley
RM, Borgialli DA, Badawy MK, Schunk JE, Quayle KS, Mahajan P, Lichenstein R, Lillis KA, Tunik
MG, Jacobs ES, Callahan JM, Gorelick MH, Glass TF, Lee LK, Bachman MC, Cooper A, Powell
EC, Gerardi MJ, Melville KA, Muizelaar JP, Wisner DH, Zuspan SJ, Dean JM, Wootton-Gorges SL;
Pediatric Emergency Care Applied Research Network (PECARN). Identification of children at very
low risk of clinically-important brain injuries after head trauma: a prospective cohort study. Lancet.
2009;374(9696):1160-70. Erratum in: Lancet. 2014;383(9914):308

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Monitorização no traumatismo craniencefálico


A experiência clínica e os trabalhos científicos têm mostrado um prognóstico mais favorável
nas crianças com TCE que nos adultos. De forma geral, as taxas de mortalidade do TCE
grave em Pediatria variam, entre os trabalhos publicados, de 10 a 50%. Essa ampla variação
deve-se, em parte, à diferença dos métodos e dos critérios de seleção utilizados, bem como
às diferenças inerentes a cada serviço de referência, ou seja: a gravidade dos pacientes, o
atendimento pré pré-hospitalar, os recursos disponíveis, entre outros. É esperado que, em
centros terciários ou de referencia referência para trauma, por exemplo, essa taxa seja maior.
A presença de hipertensão intracraniana, hiperglicemia e distúrbios de coagulação sanguí-
nea estiveram relacionados, em alguns estudos, com um pior prognóstico de crianças com
TCE grave, assim como algumas lesões intracranianas, como o edema e o ingurgitamento
cerebral difuso, o hematoma subdural, a hemorragia subaracnóidea e a lesão axonal difusa.

A avaliação do doente com TCE por uma equipe treinada é responsável pela diminuição da
taxa de mortalidade, sendo essa redução tanto mais relevante quanto mais especializado
for o centro que avalia o doente. Assim sendo, cada doente deve ser avaliado por uma
equipe multidisciplinar cuja intervenção se estende por três domínios: pré-hospitalar, hos-
pitalar e pós-hospitalar. Quanto mais rápida a abordagem do doente e a transferência para
um centro especializado, melhor o prognóstico do paciente. Parece óbvio entender que um
atendimento rápido e eficiente dessas vítimas por muitas vezes muda o prognóstico neuro-
lógico desses doentes, portanto é imprescindível investir nesse atendimento primário.

A monitorização do paciente neurológico grave consiste em identificar, por meio do exame


físico e da monitorização invasiva, sinais de alerta, ou seja, que indiquem hipertensão intra-
craniana e diminuição de perfusão cerebral, que requerem tratamento imediato sob risco de
evolução para morte cerebral. Todo o cuidado é direcionado para evitar a lesão secundária,
ou seja, piorar ou amplificar ainda mais os danos já causados.

Monitorização da pressão intracraniana (PIC)


A pressão intracraniana normal é de cerca de 4 mmHg. Em situações de lesão cerebral,
como trauma ou isquemia, a maioria das referências tolera pressões em torno de 20 mmHg.

Valores acima desse são de extrema gravidade e requerem tratamento imediato, a fim de se
evitar herniação do tecido cerebral, comprometendo o tronco encefálico.

Toda avaliação frente a um caso de TCE se inicia por um exame neurológico minucioso, vi-
sando avaliar possíveis leões de tronco ou raízes nervosas. É importante avaliar o tamanho
e a simetria das pupilas, bem como a sua reação à luz (possíveis lesões do terceiro e quarto
nervos). Pupilas dilatadas e arreativas indicam lesão do tronco. Assimetria (anisocoria) indi-
ca lesão unilateral, de modo geral.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Posturas como decorticação (flexão de membros superiores e extensão de membros inferio-


res) e descerebração (extensão de membros superiores e inferiores) indicam comprometimen-
to progressivo do tronco e, geralmente, estão associadas a um pior prognóstico neurológico.

Medida da pressão intracraniana

Há algumas maneiras conhecidas de medir a PIC ou supor sua medida. Uma forma é a intro-
dução intracerebral de cateteres ligados a transdutor que permitem medidas contínuas da PIC.
Em geral, é de baixo custo e sensível, sendo colocado no ventrículo lateral, permitindo que
essa conduta seja diagnóstica e terapêutica, sendo possível drenagem de liquor se necessário.

Como desvantagem desse método temos o alto índice de infecção, variando na literatura
entre 7 e 40%. Há controvérsia na literatura quando ao tempo de permanência desses dis-
positivos. Em geral, podem ser mantidos por até 5 dias, porém há relatos de permanência
maior, caso necessário (Figura 4).

Outro tema por vezes controverso é com relação aos critérios para colocação de cateter
para medida de PIC. Em geral esse dispositivo está indicado em casos de tomografia com-
putadorizada de crânio alterada ou em casos de tomografia craniana normal, porém com
sinal de alerta extremos de idade, alteração de pressão arterial ou postura motora anômala).

A PIC em geral tem como alvo ser mantida abaixo de 20 mmHg por meio de sedação, hi-
perventilação leve (PCO2 em torno de 35 mmHg) e uso de manitol (0,25-1,0 gr/kg) em bólus.
Por vezes são usadas medidas adicionais, como hiperventilação entre 30 e 50 mmHg ou
sedação com barbitúricos.

Figura 4. Esquema ilustrativo do posicionamento dos cateteres: (A) subdural; (B) extradural e (C)
ventricular. Adaptado de Aucoin et al.

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Cateter bulbo jugular

A medida da saturação de oxigênio por meio de cateter localizado na veia jugular, na altura
do bulbo, permite avaliar situações de isquemia. Valores abaixo de 55% indicam necessi-
dade de oxigênio por parte dos tecidos, geralmente indicando isquemia de causa global
(hipóxia, hipotensão ou anemia) ou cerebral (herniação).

É um bom método, porém com algumas limitações, pois fatores locais podem alterar essa
medida sem que isso signifique necessariamente um sofrimento cerebral importante. Exem-
plos: vasoespasmo, contusão, pequenos infartos, etc. O cateter tem diâmetro de 4F, ou
seja, (muito fino) e, assim como o cateter para medida de PIC, também deve ser trocado a
cada 5 dias, de forma geral.

Figura 5. Técnica do cateterismo bulbo jugular

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Outros métodos e propostas promissoras

A medida da tensão de oxigênio através por meio de cateter intraparenquimatoso avalia a


saturação da hemoglobina nos tecidos (o valor normal é de 40 mmHg). É um método sensí-
vel, que permite a utilização de vários cateteres ao mesmo tempo, sendo possível comparar
áreas íntegras com áreas lesadas (Figura 6).

Figura 6. Sensor para medida do oxigênio tissular

Outro método promissor é a microdiálise, que consiste na passagem intraparenquimatosa


de um cateter (0,6 mm), o qual permite a infusão de uma solução de Ringer Lactato que é
reabsorvida pelo próprio cateter (Figura 7).

O líquido permite a coleta de lactato, piruvato, glicerol, glicose e glutamato. Uma relação
lactato/piruvato aumentada (valor normal 23 +/- 4) indica isquemia nos tecidos analisados.

Figura 7. (A) Esquema de funcionamento da extremidade distal de um cateter de diálise e (B) controle
radiológico pós-inserção de cateter de diálise

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Tratamento

Avaliação inicial do paciente vítima de traumatismo craniencefálico

A tríade história clínica, exame físico e exame neurológico formam o pilar para a avaliação
clínica inicial do paciente vítima de TCE e permitem que o mesmo seja classificado quanto
ao risco de desenvolver uma lesão neurológica permanente ou que a lesão já desenvolvida
seja agravada. Em um primeiro momento frente ao paciente devem ser seguidas as diretri-
zes do Advanced Trauma Life Support (ATLS/)/Pediatric Advanced Life Support (PALS), a fim
de padronizar o atendimento a esses doentes.

A abordagem inicial deve ser toda direcionada de forma a não agravar as lesões secundá-
rias ao trauma, ou seja, aquelas que decorrem após um período de tempo de já ocorrido o
trauma craniano, as quais são associadas a elevadas taxas de morbimortalidade.

Após seguida a sequência de atendimento segundo o PALS – Pediatric Advaced Life Su-
pport, uma nova abordagem deve ser feita visando a à realização de uma história clínica
e um exame clínico mais detalhados, após depois da estabilização do doente ou simulta-
neamente à realização da primeira abordagem. A maioria dos pacientes vítimas de TCE
possuem possui outras lesões associadas (fraturas ósseas, lesões abdominais, e lesões
medulares), daí a importância dessa segunda abordagem minuciosa.

Com relação aos exames de imagem indicados a esses pacientes, a Tomografia Computo-
rizada (TC) ainda continua sendo o método de eleição para a avaliação do paciente com do
TCE na urgência. A radiografia (RX) do crânio tem ainda indicação quando não é possível
a realização da TC para o diagnóstico de fraturas ósseas (a presença de fratura óssea em
radiografia RX aumenta o risco de hematoma intracraniano) ou presença de corpos estra-
nhos que sejam radiopacos. A utilização de Ressonância Magnética (RM) e da Angiografia
Cerebral cerebral ainda é limitada em contexto de urgência pelo tempo necessário à sua re-
alização, por sua disponibilidade reduzida e pelo pouco impacto nas decisões terapêuticas
a tomar na urgência, porém, fora desse cenário, são bastante úteis e utilizadas.

Os principais objetivos nessa abordagem inicial do paciente vítima de TCE a são a preven-
ção da hipóxia, e da hipotensão, o controle da pressão intracraniana (manter valores < 20
mm Hg) e a intervenção neurocirúrgica quando indicada. Após um período de estabilização,
os pacientes de risco devem ser admitidos no setor de terapia intensiva (escala de Glasgow
GCS ≤ 12 ou GCS = de 13, porém com TC de crânio alterada).
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Figura 8. Abordagem inicial frente a um paciente com traumatismo craniencefálico (TCE).


ATLS®: Advanced Trauma Life Support®; PIC: pressão intracraniana; TC: tomografia
computadorizada; NaCl: cloreto de sódio

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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Suporte ventilatório, sedação e analgesia

Pacientes com TCC grave (escala de Glasgow < 8) devem ser intubados e mantidos em
ventilação mecânica. Evitar hipercapnia nesses pacientes, pois sua ação vasodilatadora
pode aumentar a pressão intracraniana.

A sedação adequada diminui a dor, ansiedade e agitação, reduzindo o metabolismo cere-


bral, diminuindo o consumo de oxigênio e facilitando a ventilação mecânica, devendo ser
sempre otimizada.

Suporte hemodinâmico

Os paciente vítimas de TCE normalmente apresentam também instabilidade hemodinâmica


por diversos mecanismos, como hipovolemia, trauma do miocárdio e instabilidade vascular.

A própria lesão cerebral em si pode propiciar a perda da capacidade de autorregulação vas-


cular, sendo imprescindível um controle hemodinâmico absoluto nesses pacientes.

Estudos demonstraram que a pressão sanguínea sistólica > 90 mmHg no tratamento inicial e
na reanimação do paciente está associada com melhor prognóstico, pois a manutenção de
uma pressão arterial adequada significa a manutenção de uma perfusão cerebral adequada.

A hipotensão deve ser evitada e tratada prontamente para evitar a redução do FSC a níveis
abaixo do suportável pelo tecido cerebral.

A hipertensão também apresenta efeitos lesivos no paciente traumatizado, devendo ser


evitada. Em geral, busca-se uma pressão venosa central em torno de 5 a 10 mmHg, sendo
utilizadas, para isso, soluções isotônicas de cristaloides ou coloides. Se necessário, ponde-
rar a necessidade de uso de agente vasoativo para manutenção de pressão arterial (e, logo,
PPC) adequada.

Caso o paciente não esteja sendo monitorizado com cateter de medida de PIC, ponderar
o tratamento da hipertensão, a menos que a pressão arterial media esteja acima de 120
mmHg, pois a pressão sanguínea sistêmica elevada pode estar mantendo o FSC. Para o
tratamento da hipertensão, a infusão de betabloqueadores de curta ação está indicada,
pois eles não causam vasodilatação cerebral, quando comparados com nitratos e bloque-
adores de canais de cálcio, e consequentemente, não causam aumento do volume sanguí-
neo cerebral ou da PIC.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Manejo da HIC

Constitui o principal ponto a ser levado em conta frente a um caso de TCE, pois seu manejo
inadequado pode comprometer o prognóstico neurológico do paciente irreparavelmente.

O compartimento intracraniano é relativamente fixo, sendo composto de massa encefálica,


líquido cefalorraquidiano e sangue. O volume desses conteúdos mantém uma pressão na
caixa craniana, ou seja, a PIC. Traumas alteram esse equilíbrio, fazendo com que a PIC
também sofra alterações.

A PPC pode ser calculada por meio da seguinte fórmula:

PPC = PAM – PIC

Frente a um paciente com TCE, é preciso agir de forma a manter essa PPC adequada, evi-
tando-se a isquemia cerebral.

É definido como um valor aceitável uma PPC > 60 mmHg no paciente com TCE. Valores de
PPC abaixo de 60 mmHg em pacientes com TCE sugerem isquemia cerebral e estão asso-
ciados a maiores taxas de mortalidade e sequelas tardias.

Para obter o controle adequado da PIC e da PPC, usamos recursos como a redução
do metabolismo cerebral, sedação, hiperventilação, terapia hiperosmolar e procedi-
mentos cirúrgicos.

Hiperventilação

O principal fator que determina o calibre dos vasos cerebrais é a PaCO2. A redução da
PaCO2 causa vasoconstrição, reduzindo o volume sanguíneo cerebral e, consequentemen-
te, reduzindo a PIC. Porém, deve ser usado com cautela, pois pode provocar isquemia ce-
rebral quando não realizada de forma adequada e com a monitorização necessária.

Deve-se buscar manter a SaO2 ≥ 90% ou a PaO2 ≥ 60 mmHg. Uma PaCO2 em torno 30 a
35 mmHg pode ser usada em um primeiro momento em pacientes com aumento da PIC,
valores menores são reservados para pacientes com quadro de PIC refratária a todos os
outros tratamentos.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Solução hipertônica

É um dos principais tratamentos utilizados no manejo do aumento da PIC após um TCE. Devi-
do ao seu efeito rápido, é indicada nos casos com aumento agudo da PIC. A substância mais
conhecida e mais largamente utilizada é o manitol, que possui ação rápida e boa eficácia.

O manitol também estabiliza o gradiente de concentração entre o plasma e as células cere-


brais, reduzindo o edema cerebral, drenando a água através por meio da barreira hemato-
encefalica, para o compartimento vascular.

A dose de manitol no TCE é de 0,7 g/kg; entretanto alguns protocolos defendem o uso de
altas doses de manitol, acima de 1,4 g/kg, porém sem evidências que comprovem o uso
em altas doses. Doses repetidas de manitol devem ser realizadas com muito cuidado, pois
a osmolalidade > 320 mOsm/L está associada a efeitos colaterais em nível neurológico e
renal, exigindo monitorização adequada. Outras possíveis complicações do uso do manitol
são a depleção do volume intravascular excessivo, hipotensão e hipercalemia.

Existem outras soluções hipertônicas que podem ser utilizadas que também funcionam
reduzindo o edema cerebral ou mover a água de dentro para fora das células e, consequen-
temente, reduzindo a PIC. Devem ser reservadas para os casos em que não há resposta
com o uso do manitol.

Hipotermia

A hipotermia é reservada para os casos de TCE grave e está associada à melhora da sobre-
vida após o trauma.

Porém, deve ser reservada aos casos que não respondem aos outros tratamentos existen-
tes e não como tratamento de primeira escolha.

Barbitúricos

O uso desses medicamentos pode ser bastante eficaz e seu sucesso, ao reduzir a PIC, ocorre
devido à a redução do metabolismo cerebral, redução do FSC e inibição dos radicais livres.

No entanto, deve-se levar em conta os efeitos adversos dessas medicações, como, princi-
palmente, hipotensão.

Durante o uso dessas substâncias está indicada a monitorização contínua com eletroence-
falograma, a fim de titular a dose ideal, visando minimizar possíveis complicações de seu
uso excessivo, como parada cardíaca ou hipercalemia.
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Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
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Anticonvulsivantes

Seu uso não está indicado na fase aguda quando se trata de pacientes que não apresen-
taram convulsão, porém sempre individualizar o tratamento caso a caso, ponderando risco
de convulsão X efeito colateral da medicação.

O Quadro 3 descreve os principais fármacos usados na sequência do atendimento ao pa-


ciente com TCE na prática clínica.

Quadro 3. Fármacos mais comumente usados no atendimento do paciente com


traumatismo craniencefálico

Fármaco Dose Observação

Bólus de 0,01–0,05mg/kg por infusão


Midazolan contínua de 0,02–0,1mg/kg/hora Usar a menor dose efetiva
(0,3–1,5ug/kg/minuto)

Aumentar para 0,3mg/kg/hora a


Porpofol 0,3mg/kg/hora cada 15 minutos até dose desejada
(máximo 3mg/kg/hora)

Contraindicado em casos de
Fentanil 25–50ug dose ou infusão contínua
hipertensão intracraniana

Contraindicado na insuficiência
Fenobarbital 30–120mg/dia
respiratória sem ventilação mecânica

Morfina 2,5–5mg/dose a cada 4 horas 5-35mg/hora em infusão contínua

Não usar se osmolalidade sérica


Manitol 0,5–1g/kg (média de 0,7 g/kg)
>340mOsm/L

Ataque de 15–20mg/kg.
Fenitoína Pode causar hipotensão e choque
Manutenção de 300-400mg/dia

Procedimento cirúrgico

Relembrando que a caixa craniana é um compartimento fechado composto de massa ence-


fálica, sangue e liquor, a descompressão cirúrgica é o modo mais efetivo de se diminuir a PIC.
Isso pode ser feito por meio da drenagem externa dos ventrículos e da craniotomia descom-
pressiva. Os procedimentos devem ser feitos em local adequado e com equipe bem treinada.
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Figura 9. Tratamento da hipertensão intracraniana. PIC: pressão intracraniana; PPE: ; TC: tomografia
computadorizada; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; EEG: eletroencefalograma

Conclusão

O TCE é uma situação corriqueira na prática médica e requer padronização no atendimen-


to, além de condutas rápidas a fim de diminuir os danos cerebrais, os quais devem ser
reconhecidos precocemente pelo médico ainda no atendimento primário, com o objetivo
diminuir a incidência de lesões neuronais secundárias ao trauma, pois são essa lesões que
ditam o prognóstico neurológico final do paciente com TCE.
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Messages to take home

• TCE é uma das principais causas de lesão grave e sequela neurológica em pediatria

• O diagnóstico precoce e a classificação conforme sua gravidade constituem a chave


para a boa condução do caso, assim como o rápido atendimento especializado a esses
paciente, com uma equipe preparada

• Prevenir lesão secundária é uma preocupação que deve estar presente durante todo o
atendimento da criança com TCE grave, pois são lesões “que podem ser prevenidas”
que ditam o prognóstico neurológico final

• O atendimento inicial segue as diretrizes do ATLS e PALS

• A TC de crânio é o exame mais indicado e deve ser feito o mais rapidamente possível
após estabilização do paciente

• No tratamento específico é fundamental o manejo da hipertensão intracraniana por meio


de monitorização criteriosa, mantendo FSC e PPC, prevenindo fatores que exacerbam a
lesão secundária, como hipotensão, hipóxia, hipertermia e descontrole glicêmico

Bibliografia

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366

366
Capítulo 20 | Traumatismo craniencefálico na criança
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

rological Surgery; American Association of Neurological Surgeons/Congress of Neurological


Surgeons; Child Neurology Society; European Society of Pediatric and Neonatal Intensive
Care; Neurocritical Care Society; Pediatric Neurocritical Care Research Group; Society of
Critical Care Medicine; Paediatric Intensive Care Society UK; Society for Neuroscience in
Anesthesiology and Critical Care; World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care
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367
Camip

368
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda

Insuficiência 21
Insuficiência renal Renal Aguda
Capítulo 21
aguda

Patrícia Freitas Góes


Priscila Correa Rodrigues
Patrícia Freitas Góes
Priscila Correa Rodrigues
Caso clínico

Criança de 1 ano e 3 meses, sexo masculino, previamente hígida, procurou pronto atendi-
mento com história de há 5 dias ter iniciado quadro de diarreia e dor abdominal. Há 1 dia,
mãe referia palidez e, hoje, aparecimento de sangue nas fezes com diminuição da diurese.
Mãe referiu peso seco de 10 kg e estatura de 75 cm. Ao exame criança em regular estado
geral, descorada ++/4, desidratada de algum grau, taquipnéica leve, afebril, com edema
bipalpebral. Frequência cardíaca (FC) 150, pressão arterial (PA) 110x60mmHg; saturação
(Sat) 98% em ar ambiente. Aparelho cardiovascular com bulhas rítmicas, normofonéticas
em dois tempos sem sopros. Pulsos periféricos finos com tempo de enchimento capilar > 3
segundos; ausculta pulmonar normal; abdome distendido, ruídos hidroaéreos aumentados,
doloroso à palpação, descompressão brusca negativa sem visceromegalias; irritabilidade,
sem sinais de comprometimento meníngeo; edema em membros inferiores.

Iniciada monitorização, obtido acesso venoso periférico, realizada expansão com solução
fisiológica num total de 40mL/kg. Apresentou melhora da perfusão periférica e da taqui-
cardia, mas sem diurese. Coletados exames laboratoriais e solicitada vaga de unidade de
terapia intensiva (UTI) para melhor monitorização.

Exames iniciais com hemoglobina (Hb) 7,5 g/dL, 19.000 leucócitos/mm3 e 60.000 plaque-
tas/mm3, ureia 150 mg/dL, creatinina 2,0 mg/dL, sódio 129 mEq/L, potássio 5,3mE/L, pH
7,21, bicarbonato 8 mEq/L, reticulócitos 2,5%, desidrogenase lática (DHL) 900U/L; urina 1
com pH 5,5, proteinúria ++, cilindrúria ++, sódio urinário de 35 mEq/L.

Na UTI, criança evoluiu com oligúria (diurese < 0,5mL/kg/h), anasarca, aumento de PA e
aumento progressivo dos níveis de ureia (220 mg/dL) e creatinina (2,3 mg/dL). Recebeu
concentrado de hemácias devido à Hb de 6,5 g/dL, sendo iniciada restrição hídrica e te-
rapia com diurético (furosemida 2 mg/kg/dia) sem melhora da diurese e da hipertensão.
Foi indicada terapia de substituição renal (TSR).
369
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Questões

1. Esse paciente pode ser classificado como tendo insuficiência renal aguda (IRA) pré-renal ou
IRA intrínseca? Quais critérios laboratoriais poderiam ser utilizados para diferenciá-las?
2. Com base no quadro clínico e laboratorial, qual a provável etiologia para a insuficiência
renal apresentada pelo paciente?
3. A indicação de TSR está correta? Qual o método dialítico indicado? Justifique.

Apresentação

IRA é um termo genérico para uma diminuição abrupta e sustentada na função renal re-
sultando em retenção de resíduos nitrogenados (ureia e creatinina) e não nitrogenados.
Dependendo da gravidade e da duração da disfunção renal, esse acúmulo é acompanhado
de distúrbios metabólicos, como acidose metabólica e hipercalemia, mudanças no balanço
de fluidos corpóreos e efeitos em outros órgãos e sistemas. A IRA é uma situação comum
em pediatria, de alto custo e acarreta alta morbidade e mortalidade. Como é uma situação
que frequentemente pode ser prevenida, a identificação de pacientes de risco e a instituição
de medidas preventivas são cruciais para obtenção de um desfecho favorável. O rápido
reconhecimento e tratamento da IRA podem prevenir uma perda irreversível dos néfrons1.

Definições

A definição de IRA em adultos e crianças tem sido bastante variável. Em 2004, o grupo
Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI) desenvolveu o critério RIFLE para definição de IRA,
sendo Risk para risco de disfunção renal, Injury para lesão renal, Failure para falência renal,
Loss para perda da função renal e End-stage para estágio final de doença renal. As três
primeiras categorias (Risk, Injury e Failure) organizam o grau de IRA baseado na amplitude
de aumento da creatinina sérica (ou diminuição da taxa de filtração glomerular − TFG) e/ou
diminuição no débito urinário.

1
Nota do revisor: Recentemente, o termo insuficiência renal aguda (IRA) vem sendo sido substituído por lesão
renal aguda (LRA) ou injúria renal aguda. IRA enfatiza falência renal, o que nem sempre está presente. Os avanços
na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos demonstram que, na verdade, a disfunção renal é um proces-
so de natureza dinâmica, em constante progressão e transição. Devido a falhas no conceito tradicional de IRA,
denotando diagnóstico impreciso e heterogêneo, e às evidências na literatura que pequenas mudanças no ritmo
de filtração glomerular demonstram impacto importante na evolução e no seguimento clínico, a denominação mais
apropriada é o de LRA, a qual passou a ser vista como um espectro de diferentes acometimentos de gravidade
progressiva, demonstrando-se associação entre a gravidade do comprometimento renal e a morbimortalidade de
pacientes em UTI pediátrica.

370

370
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As duas últimas categorias (Loss e End-stage) definem respectivamente, perda da função


renal temporária ou permanente após IRA. Em 2007, foi desenvolvida e validada uma versão
pediátrica modificada do critério RIFLE (pRIFLE) (Quadro 1).

Quadro 1. Critérios Risk, Injury, Failure, Loss, End-Stage (RIFLE) e Risk, Injury, Failure,
Loss, End-Stage pediátrico (pRIFLE)

RIFLE pRIFLE

TFG Débito urinário TFG Débito urinário

Aumento da
creatinina ≥ 1,5 <0,5mL/kg/h x CCE** diminuído <0,5mL/kg/h x
Risk
vez ou diminuição 6 horas em 25% 8 horas
da TFG* ≥25%

Aumento da
creatinina
<0,5mL/kg/h x CCE diminuído <0,5mL/kg/h x
Injury ≥2 vezes ou
12 horas em 50% 16 horas
diminuição da TFG
≥50%

Aumento da
creatinina ≥
3 vezes ou
CCE diminuído
diminuição da <0,3mL/kg/h x 24 <0,5mL/kg/h x
em 75% ou
Failure TFG ≥75% ou horas ou anúria x 24 horas ou anúria
CCE <35mL/
creatinina > 4mg/ 12 horas x 12 horas
min/1,73m2
dL (aumento
agudo >0,5 mg/
dL)

Falência
persistente =
completa perda da
Falência
função renal > 4
Loss persistente > 4
semanas (definida
semanas
pela necessidade
de TSR > 4
semanas)

371

371
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Falência
persistente =
doença renal em Falência
End-stage estágio final > 3 persistente > 3
meses (definida meses
como necessidade
de TSR > 3 meses)

*Caso não apresente TFG de base, considerar 75mL/min/1,73m2;


**CCE obtido pela fórmula de Schwartz; caso não apresente valor de base, considerar 100mL/
min/1,73m2. TFG: taxa de filtração glomerular; CCE: clearance de creatinina estimado; TSR: terapia de
substituição renal

Também em 2007, a Acute Kidney Injury Network (AKIN) propôs pequenas modificações
no critério RIFLE e, em 2012, uma diretriz internacional desenvolvida pela Kidney Disease
Improving Global Outcomes (KDIGO) harmonizou RIFLE, pRIFLE e AKIN em uma definição
uniformizada (Quadro 2).

Quadro 2. Definição e classificação de insuficiência renal aguda segundo Risk, Injury,


Failure, Loss, End-Stage pediátrico (pRIFLE), Acute Kidney Injury Network (AKIN) e
Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO)

pRIFLE AKIN KDIGO

Débito Débito Débito


Estágio CrS Estágio CrS Estágio CrS
urinário urinário urinário

Aumento da
Aumento CrS
CrS ≥
≥ 0,3mg/dL
< 0,5mL/kg/ 0,3mg/dL < 0,5mL/kh/ <0,5mL/kg/
Diminuição de em 48 horas
Risk hora por I ou aumento hora por I hora por 6 a
25% do CCE ou aumento da
8 horas da CrS ≥ ≥ 6 horas 12 hora
CrS ≥1,5–1,9
150–200% em
vez
≤48 horas

<0,5mL/kg/ Aumento < 0,5mL/kg/ Aumento da <0,5mL/kg/


Diminuição de
Injury hora por II da CrS > hora por II CrS 2,0–2,9 hora por
50% do CCE
16 horas 200–299% ≥12 horas vezes 12 horas

Aumento da
Aumento CrS
CrS ≥ 300%
Diminuição de < 0,5mL/ < 0,3mL/kg/ ≥ 3 vezes ou < 0,5mL/kg/
ou CrS ≥
75% do CCE kg/hora por hora por ≥ CrS > 4 mg/ hora por 24
4mg/dL com
Failure ou CCE 24 horas ou III 24 horas ou III dL ou se horas ou <
um aumento
<35mL/ anúria x 12 anúria < 18 anos, 0,3mL/kg/h
absoluto ≥
min/1,73m2 horas ≥12 horas CCE <35mL/ por 12 horas
0,5mg/dL ou
min/1.73 m2
início de TSR

CrS: creatinina sérica; CCE: clearance de creatinina estimado; TSR: terapia de substituição renal

372

372
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Epidemiologia e fisiopatologia
As causas de IRA podem ser divididas em três categorias: pré-renal, renal ou intrínseca e
pós-renal (Quadro 3). Na forma pré-renal, existe um aumento reversível na concentração
sérica de ureia e creatinina, resultante da diminuição da perfusão renal, levando a uma di-
minuição na TFG. A IRA pós-renal ocorre devido à obstrução do sistema coletor urinário
por massas intrínsecas ou extrínsecas. Os pacientes remanescentes têm a forma de IRA,
na qual, estruturas do néfron, como glomérulos, túbulos, vasos ou interstício são afetados.

Quadro 3. Classificação e causas de insuficiência renal aguda (IRA)

Hemorragia
Desidratação por perdas gastrintestinais e urinárias (diarreia,
Hipovolemia vômitos e diabetes insipidus)
Aumento de perdas insensíveis (queimaduras)
Aumento de perdas para terceiro espaço (sepse)
Anti-inflamatórios não hormonais
IRA
pré-renal Inibidores da enzima de conversão
Antagonista de receptores da angiotensina 2
Hipoperfusão renal Insuficiência cardíaca congestiva
Choque cardiogênico
Choque distributivo (anafilaxia, sepse)
Oclusão arterial ou estenose da artéria renal
Lesão hipóxico-isquêmica
Necrose tubular aguda Nefrotoxicidade por drogas
Toxinas endógenas e exógenas
Nefropatia por ácido
úrico e síndrome de
lesão tumoral
Nefrite Intersticial
IRA Aguda
Glomerulonefrites
Síndrome hemolítica urêmica
Lesões vasculares Trombose de veia e artéria renais
Necrose cortical
Hipoplasia renal e
displasia renal
Uretral: válvula de uretra posterior, fimose
IRA Vesical: bexiga neurogênica, tumores
Uropatia obstrutiva
pós-renal
Ureteral: obstrução bilateral dos ureteres ou obstrução
unilateral em rim único, nefrolitíase

373

373
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Insuficiência renal aguda pré-renal

Lesão renal pré-renal ocorre quando o fluxo sanguíneo para os rins é diminuído devido uma
condição de hipovolemia verdadeira ou redução no volume sanguíneo efetivo circulante,
causando hipoperfusão renal.

Uma vez que os rins são intrinsecamente normais, a lesão pré-renal é reversível, logo que o
fluxo sanguíneo e a condição hemodinâmica são restaurados para níveis normais.

Lesão pré-renal prolongada pode resultar em lesão renal intrínseca.

Insuficiência renal aguda pós-renal

Nefropatia obstrutiva se apresentando como IRA é relativamente infrequente, porém seu


rápido reconhecimento e a intervenção podem resultar em melhora ou resolução completa
da função renal.

Sequelas importantes de IRA pós-renal são diurese pós-obstrutiva e acidose tubular renal
hipercalêmica. Uma vez que a obstrução é desfeita, o débito urinário pode aumentar muito,
e alguns pacientes podem ficar depletados de volume, necessitando de monitorização e
ajuste da volemia e do estado eletrolítico durante essa fase diurética. O desenvolvimento
de acidose tubular hipercalêmica é lento e gradual na maioria dos casos, e a anormalidade
tende a desaparecer após a correção da obstrução.

Insuficiência renal aguda renal ou intrínseca

A maior causa de IRA é a necrose tubular aguda (NTA), correspondendo a cerca de 70 a


90% dos casos de IRA, enquanto o restante é causado por vasculites, glomerulopatias agu-
das e nefrites intersticiais, como síndrome de lise tumoral, nefropatia por ácido úrico, nefrite
intersticial aguda, glomerulonefrite rapidamente progressiva e lesões vasculares como sín-
drome hemolítica urêmica (SHU) (Quadro 3).

A IRA pré-renal e a NTA podem ocorrer como sequência do mesmo processo fisiopatológi-
co e, juntas, respondem por mais de 75% de todas as causas de IRA. No passado, acredi-
tava-se que a recuperação da lesão hipóxico-isquêmica e nefrotóxica da NTA era completa,
com retorno da função renal para o normal. Estudos recentes, porém, têm mostrado que a
recuperação pode ser parcial e que esses pacientes apresentam alto risco para desenvolver
lesão renal crônica posterior.
374

374
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A NTA é causada por uma lesão renal isquêmica ou nefrotóxica, que pode resultar de vários in-
sultos renais distintos, configurando uma entidade histopatológica e fisiopatológica específica.

Como a NTA corresponde a causa mais frequente de IRA, sua fisiopatologia será descrita
a seguir.

Dois componentes são importantes na patogênese da lesão hipóxico-isquêmica: o vascular


e o tubular. O componente vascular contribui com vasoconstricção intrarrenal e queda na
pressão de filtração glomerular, e o componente tubular contribui com obstrução tubular,
extravasamento transtubular do filtrado e inflamação intersticial. Outras causas, como lesão
celular, apoptose e lesão celular pós-reperfusão também estão envolvidas.

No componente vascular, o balanço de estímulos vasoconstrictores (angiotensina II, trom-


boxano A2, prostaglandinas, leucotrienos C4 e D4, endotelina I e adenosina) e vasodilata-
dores (óxido nítrico) podem estar envolvidos na patogênese da IRA hipóxico-isquêmica.

Após a isquemia e a reperfusão, algumas mudanças morfológicas ocorrem nos túbulos


proximais, incluindo perda da polaridade celular, perda da borda em escova e redistribui-
ção das integrinas e da bomba de sódio/potássio (Na/K ATPase) para a superfície apical da
célula. Essas modificações prejudicam a manutenção do citoesqueleto e o funcionamento
dos epitélios transportadores. Cálcio e radicais livres formados durante o processo de re-
perfusão também têm papel nessas mudanças morfológicas participando, em linha final,
da necrose celular e da apoptose. Células viáveis e não viáveis são lançadas para o lúmen
tubular, resultando na formação de plugs intraluminais, podendo levar à obstrução e con-
tribuindo para a diminuição da TFG. O descolamento de células da membrana basal leva à
formação de grandes lacunas no epitélio tubular. Combinada à micro-obstrução dos túbu-
los por células desgarradas e restos celulares, essas aberturas facilitam a passagem direta
de fluidos para o interstício, ou retrodifusão. Esse extravasamento de fluidos para o inters-
tício promove edema intersticial, levando a um aumento na pressão hidrostática intersticial
e obstrução de outros túbulos, contribuindo para agravar o processo.

Em pacientes com sepse e disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, a ativação da respos-


ta infamatória, incluindo aumento na produção de citoquinas e radicais livres, ativação de
polimorfonucleares (PMN), e aumento na expressão de moléculas de adesão de leucócitos,
também está envolvida na patogênese da IRA. Associado a esses fatores, pacientes com
sepse e disfunção de múltiplos órgãos e sistemas apresentam-se, também, com hipovole-
mia relativa decorrente das alterações hemodinâmicas secundárias ao processo infeccioso
sistêmico, além da presença de microtrombos resultantes da coagulação vascular sistêmi-
ca, contribuindo como adjuvantes na patogênese da IRA.
375

375
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

A NTA também pode ser causada por nefrotoxicidade, ou seja, lesão tóxica direta nas cé-
lulas tubulares. Medicações associadas com IRA incluem os antibióticos aminoglicosídeos,
anfotericina B, agentes quimioterápicos, aciclovir, acetaminofen e meios de contraste intra-
vascular. Outros medicamentos têm sido implicados menos frequentemente.

Das causas vasculares de IRA, a SHU é a mais comum em pediatria. SHU é uma microan-
giopatia trombótica e é caracterizada por três principais sintomas: anemia hemolítica não
imune com eritrócitos fragmentados, trombocitopenia e IRA, indicada pelo aumento na cre-
atinina sérica.

A forma clássica de SHU é a associada à diarreia, primariamente desencadeada por um


quadro infeccioso com a produção de toxinas Shiga e serotoxinas (Escherichia coli ente-
rohemorrágica, Shigella desinteriae e Citrobacter) ou seguida a infecções graves por Strep-
tococcus pneumoniae. SHU clássica é a forma mais comum de IRA na infância, corres-
pondendo a mais de 90% dos casos de SHU. A forma atípica da SHU apresenta-se sem
pródromos de diarreia e sua patogênese não é completamente esclarecida, mas geralmente
se encontra associada a defeitos na via alternativa do complemento. A SHU atípica ocorre
esporadicamente ou na forma familiar, sendo nessa última uma possível associação com
herança autossômica dominante ou autossômica recessiva. Esta forma é menos comum,
correspondendo a 5 a 10% dos casos de SHU e mostra um pior prognóstico.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas da IRA decorrem da redução abrupta das funções fisiológicas re-
nais, acarretando prejuízo na excreção de produtos nitrogenados e perda da capacidade de
regular o balanço de água e eletrólitos, além de perda da regulação do equilíbrio acidobásico.

IRA pode se manifestar na forma oligúrica, na qual o fluxo urinário é < 1mL/kg/hora, ou na
forma não oligúrica, onde o fluxo urinário pode ser normal ou até aumentado.

O acúmulo dos produtos nitrogenados, como ureia e outras toxinas urêmicas, pode levar ao
quadro clínico de uremia, uma das manifestações mais graves da IRA. As manifestações da
uremia incluem anorexia, náuseas e vômitos, neuropatia periférica e anormalidades do sis-
tema nervoso central, como letargia, convulsões e coma, além de disfunções plaquetárias
com risco de sangramento, pericardite e derrame pericárdico.

A perda da capacidade de regular o balanço de água e eletrólitos pode levar à retenção de


fluidos, com o desenvolvimento de hipertensão e edema, incluindo edema agudo de pulmão.
Se o balanço positivo de água predominar em relação ao de sódio, podem ocorrer hiponatre-
376

376
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

mia e edema intracelular, com graves alterações neurológicas. A IRA compromete também a
excreção de outros eletrólitos podendo levar a sintomas decorrentes da hipercalemia, hiper-
fosfatemia, hipocalcemia e acidose metabólica, relatados em capítulos específicos.

No paciente de terapia intensiva, esses sinais e sintomas normalmente são multifatoriais, o


que torna sua avaliação ainda mais difícil.

Diagnóstico

O diagnóstico de IRA envolve a realização de uma história clínica e exame físico detalhados,
avaliação de exames laboratoriais sanguíneos e urinários, e exames de imagem.

Exame de urina e índices urinários

Muitas medidas de parâmetros urinários, incluindo concentração de sódio urinário, osmo-


laridade urinária, fração de excreção de sódio e potássio, têm sido propostas para ajudar a
diferenciar lesão pré-renal de lesão renal intrínseca.

A fração de excreção de sódio (FENa) é calculada dividindo-se a carga excretada de sódio


pela carga filtrada de sódio e multiplicando-se o resultado por 100, com o resultado expres-
so em porcentagens:

FENa = (UNa x PCr) / (PNa x UCr) x 100

FENa = fração de excreção de sódio; UNa = concentração urinária de sódio;


PCr = concentração plasmática de creatinina; PNa = concentração plasmática de sódio;
UCr = concentração urinária de creatinina

Os valores de sódio urinário, bem como FENa e a osmolaridade urinária são utilizados para
diferenciar lesão pré-renal de renal em pacientes com função renal tubular inicialmente nor-
mal. Recém-nascidos com imaturidade de função tubular e crianças com doença renal
preexistente podem ter dificuldade na utilização destes índices. O uso de diuréticos tam-
bém pode alterar esses valores. O Quadro 4 indica alguns índices urinários normalmente
utilizados para diferenciar IRA pré-renal e renal.

A presença de sangue, proteína ou de ambos, assim como células e cristais no exame de


urina, pode sugerir etiologia inflamatória.

377

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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Quadro 4. Índices urinários

IRA pré-renal IRA

Uroanálise Cilindros hialinos Anormal

Densidade urinária >1.020 <1.020

Na urinário <20mEq/L >20mEq/L

FENa <1% >2%

FEureia <35 >35

Osmolaridade urinária >350mosmol/L <350mosmol/L

IRA: insuficiência renal aguda; Na: sódio; FENa%: fração de excreção de sódio;
FEureia: fração de excreção de ureia

Ureia e creatinina plasmáticas

Sob condições de baixa perfusão renal, como na IRA pré-renal, a concentração sanguínea
de ureia sofre aumento desproporcional devido à ávida absorção de água e sódio no túbulo
proximal, enquanto a taxa de creatinina plasmática eleva-se como uma fração não linear.
Se a hipoperfusão persistir e a situação evoluir para IRA, as concentrações plasmáticas de
ureia e creatinina continuam altas e tendem a se elevar ainda mais. No entanto, a despro-
porção entre as concentrações de ureia e creatinina tendem a desaparecer.

O parâmetro laboratorial mais utilizado para a definição de insuficiência renal é a medida da


concentração plasmática de creatinina, apesar dessa medida não distinguir entre IRA e crônica.

A creatinina é produzida pelos músculos de forma constante, sendo eliminada principalmen-


te por filtração glomerular. No entanto, a dosagem de creatinina plasmática é um método
pouco sensível para diagnosticar diminuição da filtração glomerular, pois a creatinina plas-
mática só se elevará de forma inequívoca quando a TFG for <50% do normal, transforman-
do-o em um marcador tardio. Mais ainda, a produção e a liberação da creatinina podem ser
altamente variáveis. Diferenças na idade, sexo, variação na dieta e na massa muscular (por
exemplo desnutrição) podem resultar em variações significativas no nível basal de creatini-
na sérica. Além dessas peculiaridades, a função renal pode apresentar variações diárias no
curso da IRA, e, portanto, a concentração de creatinina sérica não reflete apuradamente a
TFG em condições de IRA que ainda não alcançou o equilíbrio. A concentração da creatini-
na plasmática também pode ser prejudicada por variações do método laboratorial utilizado.
378

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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Valores estimados da depuração da creatinina podem ser calculados por meio da fórmula
de Schwartz (quando utilizado o método colorimétrico para dosagem da creatinina plamá-
tica) (Figura 1).

TFG estimada (mL/min/1,73m2) = kL/PCr

Constante k para cálculo da TFG

Idade Valor de k

Baixo peso ao nascimento durante o primeiro ano de vida 0,33

Recém-nascido de termo durante o primeiro ano de vida 0,45

Crianças e adolescentes meninas 0,55

Adolescentes meninos 0,70

Figura 1. Fórmula de Schwartz original para o cálculo estimado da taxa de filtração glomerular (TFG).
k: constante; L: altura (cm); PCr: creatinina plasmática (mg/dL)

Biomarcadores

Estabelecer o diagnóstico precoce de IRA muitas vezes é difícil, uma vez que muitos casos
inicialmente são assintomáticos ou apresentam sintomas inespecíficos. O diagnóstico se
baseia em marcadores funcionais, como a creatinina sérica e, como visto anteriormente,
são indicadores tardios e pouco confiáveis de IRA.

Estudos têm mostrado que o diagnóstico e o tratamento precoces por meio de biomar-
cadores, iniciados antes mesmo do aumento da creatinina sérica, acarretam em melhor
prognóstico para pacientes com IRA, evitando muitas vezes a progressão para doença
renal crônica e a necessidade de terapia dialítica. Biomarcadores de IRA são capazes de
diagnóstico precoce, estratificação de risco e prognóstico podendo representar um grande
avanço no tratamento de pacientes vulneráveis.

Substâncias produzidas endogenamente podem ser utilizadas como marcadores de insufi-


ciência renal e no diagnóstico precoce da IRA. O Neutrophil Gelatinase-Associated Lipocalin
(NGAL), a interleucina 18, o Kidney Injury Molecule 1 (KIM1 ) e a cistatina C são algumas
delas. Suas condições atuais de uso encontram-se indicadas no Quadro 5.
379

379
Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Quadro 5. Condição atual dos novos biomarcadores para detecção precoce de


insuficiência renal aguda (IRA) em várias situações clínicas

Bypass
Nefropatia Sepse Transplante
Biomarcador Amostra cardio- Método
por contraste e UTI renal
pulmonar

12-24 horas
2 horas 4 horas após 48 horas
NGAL Urina pós ELISA
após bypass contraste antes da IRA
transplante

2 horas 2 horas após 48 horas


NGAL Plasma – ELISA
após bypass contraste antes da IRA

12-24 horas
4-6 horas 48 horas
IL-18 Urina – pós ELISA
após bypass antes da IRA
transplante

12-24 horas
KIM-1 Urina – – – ELISA
após bypass

12 horas
8 horas após 48 antes Dade-
Cistatina C Plasma após by variável
contraste da IRA Behring
pass

UTI: unidade de terapia intensiva; ELISA: enzyme-linked immunosorbent assay; NGAL: Neutrophil
Gelatinase-Associated Lipocalin; IL-8: Interleucina 8; KIM-1: Kidney Injury Molecule 1

NGAL

Expresso em vários tecidos humanos. Corresponde a uma lipoproteína induzida precoce-


mente pelos rins após lesão isquêmica ou nefrotóxica. Apresenta aumento significante e
precoce no sangue e urina após lesão renal.

KIM-1

Glicoproteína transmembrana tipo 1 supraexpressada nas células epiteliais do túbulo proxi-


mal, na vigência de lesão renal isquêmica ou tóxica.

Apresenta elevação precoce em crianças submetidas à bypass cardiopulmonar e, em estu-


dos em adultos, está associado a maior necessidade de diálise, além de maior mortalidade.

Interleucina-18

Citoquina pró-inflamatória que é induzida e clivada no túbulo proximal, facilmente detectada


na urina pós-IRA isquêmica. Em transplante renal, é um marcador preditivo de rejeição. Pode
se influenciada por covariáveis existentes, como endotoxemia e alterações imunológicas.
380

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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Cistatina C

Inibidor de proteinase produzida por células nucleadas. É facilmente filtrada pelos gloméru-
los e reabsorvida pelas células tubulares proximais e não é secretada. Em pacientes criti-
camente doentes, elevação de 50% nos níveis séricos de cistatina C prediz IRA 1 a 2 dias
antes da elevação da creatinina. É primariamente um marcador sensível de redução da TFG
e não um marcador direto de dano tubular renal. Pode ser influenciada por sexo, idade,
peso, anormalidades na função tireoidiana e elevação da proteína C-reativa.

Exames de imagem

Um grande número de estudos radiológicos pode ser utilizado para avaliar os pacientes
com IRA. Esses testes são usados sozinhos ou em associação para a elucidação diagnós-
tica e orientação terapêutica.

Ultrassonografia de rins e vias urinárias deve ser realizado em todos os pacientes com qua-
dro de insuficiência renal de etiologia desconhecida. Esse exame pode documentar a pre-
sença de um ou dois rins, delimitar o tamanho renal e pesquisar o parênquima renal. Rins pe-
quenos e/ou com perda da delimitação córtico-medular são indicativos de insuficiência renal
crônica (IRC), enquanto rins de tamanho normal ou aumentado com córtex preservado são
fortemente sugestivos de IRA. A ultassonografia é particularmente útil, também, para diag-
nosticar obstrução do trato urinário, evitando complicações alérgicas e tóxicas dos meios de
contrastes utilizados em métodos mais invasivos, além de diagnosticar oclusão de grandes
vasos renais. Doppler renal pode ser usado para avaliar o fluxo vascular renal em múltiplas
doenças, como trombose de veia renal, infarto renal e estenose de artéria renal.

Radiografia simples de abdome, tomografia computadorizada, ressonância magnética e


outros exames mais complexos, como cintilografia com radioisótopos, arteriografia e veno-
grafia também são utilizados e podem ser fundamentais para esclarecimento diagnóstico.

Prevenção e tratamento

A estratégia mais efetiva em prevenir IRA inclui adequação da hidratação, manutenção de PA


média em níveis apropriados para a idade e a diminuição da exposição a agentes nefrotóxicos.
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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Tratamento clínico

Fluidos

O primeiro passo para tratar IRA pré-renal e NTA consiste em adequar a volemia. O reconhe-
cimento da hipovolemia e a administração precoce de fluidos são essenciais para reversão
da IRA pré-renal. A escolha do tipo de fluido intravenoso não afeta a morbimortalidade dos
pacientes, podendo ser utilizado solução coloide ou cristaloide. O uso de coloide sintético
deve ser evitado pelo aumento da incidência de IRA e da necessidade de TSR após ressus-
citação fluídica com o uso dessas soluções. Após restituída a volemia, o balanço hídrico
deve ser monitorizado rigorosamente para evitar sobrecarga hídrica. Estudos em adultos e
crianças, consistentemente mostram que pacientes com balanço hídrico acumulado ele-
vado no início da TSR, apresentam maior mortalidade, com valores mantidos mesmo após
ajustes para outras comorbidades. Em pacientes com IRA, um maior grau de sobrecarga
hídrica no início da TSR, também prediz pior recuperação da função renal a longo prazo,
com manutenção da dependência da terapia dialítica.

Diuréticos

A IRA oligúrica está associada com piores resultados quando comparado a IRA não oligú-
rica. Não existem dados, entretanto, que suportem que a transformação da IRA oligúrica
para a não oligúrica melhore estes resultados, acarretando melhor impacto na sobrevida ou
recuperação da função renal.

Os diuréticos podem facilitar o manejo clínico desses pacientes uma vez que podem au-
mentar o débito urinário, permitindo a administração de fluidos, nutrição e medicações
intravenosas com menor rigor de restrição hídrica, além de auxiliarem no manejo da so-
brecarga hídrica. Diuréticos de alça podem ser administrados de forma intermitente ou por
infusão contínua.

Drogas vasoativas

Em pacientes de terapia intensiva, drogas vasoativas são utilizadas para adequar o débito
cardíaco e tratar hipotensões refratárias a fluidos, visando manter uma pressão de perfusão
renal adequada. A droga a ser escolhida depende da situação clínica em questão, podendo
ser utilizado a dobutamina, adrenalina, noradrenalina ou dopamina.

Dopamina em doses baixas (2,5-3,0 mcg/kg/minuto) não se mostrou efetiva em prevenir ou


atenuar a IRA. Estudos randomizados utilizando placebo ou dopamina em doses baixas não
mostraram evidência de melhora na função renal, no número de pacientes de requereram
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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

diálise, na mortalidade e no tempo de permanência hospitalar entre os dois grupos, não


sendo recomendada, com essas doses, no manejo dos pacientes com IRA.

Prevenção de nefropatia induzida por contraste

O termo “lesão renal aguda induzida por contraste” é utilizado para pacientes que desen-
volvem IRA seguida da exposição de meio de radiocontraste intravascular. Esse termo é
amplamente utilizado na literatura e usualmente define um aumento na creatinina sérica ≥
0,5 mg/dL ou um aumento de 25% no valor de base em até 48 a 72 horas do procedimento
radiológico. Em uma minoria dos casos, o pico de aumento da creatinina sérica pode ocor-
rer até 5 dias após a exposição ao contraste. A maioria dos estudos mostra que pacientes
que desenvolvem lesão renal aguda induzida por contraste apresentam maior tempo de
hospitalização e aumento da mortalidade.

Existem várias estratégias farmacológicas (expansão parenteral com solução salina isotôni-
ca ou solução de bicarbonato de sódio), uso de N-acetilcisteína (NAC) oral, descontinuação
de anti-inflamatórios não hormonais e não farmacológicas (uso da menor dose possível
do meio de contraste, meio de contraste isosmolar ou com baixa osmalaridade, intervalo
mínimo entre os exames com contraste de 48 a 72 horas) para prevenir lesão renal aguda
induzida por contraste. Estudos recentes sugerem que, das muitas estratégias existentes,
apenas a expansão volumétrica parenteral, diminuição da dose do contraste, utilização de
contrates isosmolares ou com baixa osmolaridade, estão relacionados com desfechos fa-
voráveis na prevenção de lesão renal.

Os fluidos que têm sido testados na prevenção da lesão renal aguda induzida por con-
traste são solução salina isotônica (0,9%) e solução isotônica de bicarbonato de sódio
(154mmol/L) sem definição consistente de qual solução é superior.

A maioria dos estudos recomenda administrar 1,0 a 1,5mL/kg/hora de fluido intravenoso


por 3 a 12 horas antes e 6 a 12 horas após a exposição ao meio de contraste, podendo-
-se utilizar solução salina isotônica (0,9%) ou solução de bicarbonato de sódio isotônica
(154mmol/L). A solução isotônica de bicarbonato de sódio pode ser alcançada adicionan-
do-se 154mL de bicarbonato de sódio a 8,4% (1mmol/mL) a 846mL de solução de glicose
a 5%. Para procedimento de urgência pode ser utilizado bólus de 3mL/kg de solução isotô-
nica de bicarbonato de sódio ou soro fisiológico 0,9% uma hora antes da administração do
contraste, seguido de infusão de 1mL/kg/h nas 6 horas após o procedimento.

NAC é um composto com propriedades antioxidantes e vasodilatadoras. Existe grande he-


terogeneidade de resultados entre os estudos, com resposta conflitante em relação ao seu
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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

uso na prevenção da nefropatia induzida por contraste, na mortalidade ou necessidade


de TSR. Levando-se em conta, entretanto, alguns resultados potencialmente benéficos, o
baixo risco de efeitos adversos e o baixo custo da droga, o KDIGO, em 2012, sugeriu o uso
de NAC via oral associado a fluidoterapia com solução salina isotônica/solução de bicarbo-
nato de sódio isotônica em pacientes com alto risco de lesão renal induzida por contraste.
A dose recomendada de NAC via oral é de 40mg/kg a cada 12 horas (quatro doses) para
pacientes com menos de 30kg e 1.200mg via oral a cada 12 horas (quatro doses) para pa-
cientes maiores que 30kg.

Tratamento clínico dos distúrbios eletrolíticos e acidobásicos

O tratamento clínico da acidose metabólica, hipercalemia, hiponatremia, hiperfosfatemia


será abordado em capítulos específicos.

Terapia de substituição renal

A TSR está indicada quando as consequências clínicas da IRA ameaçam a sobrevivência


imediata do indivíduo e/ou não respondem ao tratamento clínico convencional (Quadro 6).
Estudos atuais sugerem que a instituição precoce da TSR em pacientes gravemente doen-
tes com IRA e sobrecarga hídrica diminuem a mortalidade e o tempo de diálise.

Quadro 6. Indicações da terapia de substituição renal

Alterações acidobásicas hidroeletrolíticas refratárias ao tratamento clínico:


acidose metabólica, hipercalemia e hipervolemia
Uremia com sangramento, encefalopatia ou pericardite
Anúria
Intoxicações
Erro inato do metabolismo
Suporte nutricional

A TSR consiste na depuração sanguínea por meio de membranas semipermeáveis naturais


(peritônio) ou extracorpóreas (filtros de hemodiálise e hemofiltração), aplicada em substitui-
ção à função renal. A diálise permite a remoção de substâncias tóxicas e de fluidos a fim de
manter o equilíbrio acidobásico, eletrolítico e volêmico do organismo.

As modalidades básicas de TSR incluem diálise peritoneal (DP), hemodiálise intermitente


(HD) e TSR contínua (TSRC) (Quadro 7). A escolha de cada modalidade depende das ca-

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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

racterísticas específicas de cada paciente, assim como das vantagens e desvantagens de


cada método, objetivos específicos desejados, habilidade do operador e disponibilidade de
recursos institucionais.

Independente da modalidade escolhida, a intervenção necessita ser o mais precoce possível,


sendo essencial para o prognóstico dos pacientes. A indicação tardia da TSR está relacionada
com maior tempo de hospitalização e de duração da TSR, além de aumento na mortalidade.

Quadro 7. Modalidades de terapia de substituição renal

Modalidade Vantagens Desvantagens

- Eficiência limitada no clareamento


de substâncias e na ultrafiltração
- Sem necessidade de acesso vascular
- Hiperglicemia
- Sem anticoagulação
- Risco de acidente na passagem do
Peritoneal - Método contínuo
cateter como sangramento, perfuração
- Método simples e disponível
- Risco de peritonite
- Menor instabilidade hemodinâmica
- Contraindicado em cirurgias
abdominais recentes de grande porte

- Necessidade de acesso venoso


calibroso
- Método complexo
- Depende da disponibilidade
de equipamentos e de equipe
técnica treinada
HD - Alta eficiência no clareamento de - Usualmente com necessidade de
intermitente moléculas pequenas anticoagulação
- Moderada eficiência na
ultrafiltração
- Maior risco de instabilidade
hemodinâmica
- Risco em pacientes com
hipertensão intracraniana

- Necessidade de acesso venoso


- Método contínuo calibroso
- Controle preciso da taxa de - Usualmente com necessidade de
ultrafiltração anticoagulação
TSRC
- Alta eficiência no clareamento de - Método complexo
moléculas médias e pequenas - Depende da disponibilidade
- Menor instabilidade hemodinâmica de equipamentos e de equipe
técnica treinada

HD: hemodiálise; TSRC: terapia de substituição renal contínua

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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Camip

Messages to take home

IRA é um termo genérico para uma diminuição abrupta e sustentada na função renal resul-
tando em retenção de resíduos nitrogenados (ureia e creatinina) e não nitrogenados. O rápi-
do reconhecimento e tratamento da IRA podem prevenir uma perda irreversível dos néfrons.

Em 2004, o ADQI desenvolveu o critério RIFLE para definição de IRA. Em 2007, foi desen-
volvida e validada uma versão pediátrica modificada do critério RIFLE (pRIFLE). Também
em 2007, a AKIN propôs pequenas modificações no critério RIFLE.

As causas de IRA podem ser divididas em três categorias: IRA pré-renal, IRA ou intrínseca
e IRA pós-renal.

Lesão renal pré-renal ocorre quando o fluxo sanguíneo para os rins é diminuído devido a
uma hipovolemia verdadeira ou devido a uma redução no volume sanguíneo efetivo circu-
lante causando hipoperfusão renal.

O rápido reconhecimento e intervenção da nefropatia obstrutiva pode resultar em melhora


ou resolução completa da função renal.

A maior causa de IRA é a NTA, correspondendo a cerca de 70 a 90% dos casos de IRA.
A NTA é causada por uma lesão renal isquêmica ou nefrotóxica, que pode resultar de
vários insultos renais distintos, configurando uma entidade histopatológica e fisiopato-
lógica específica.

IRA pode se manifestar na forma oligúrica, na qual o fluxo urinário é < 1mL/kg/hora, ou na
forma não oligúrica, podendo o fluxo urinário ser normal ou até aumentado.

O acúmulo dos produtos nitrogenados, como ureia e outras toxinas urêmicas, pode levar ao
quadro clínico de uremia. A perda da capacidade de regular o balanço de água e eletrólitos
pode levar a retenção de fluidos, com o desenvolvimento de hipertensão e edema, incluin-
do edema agudo de pulmão. A IRA compromete também a excreção de outros eletrólitos
podendo levar a sintomas decorrentes da hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia e
acidose metabólica.

O diagnóstico de IRA envolve a realização de uma história clínica e exame físico detalhados
complementados pela avaliação de exames laboratoriais sanguíneos e urinários (exames
de urina e índices urinários, ureia e creatinina plasmáticas) e biomarcadores, e exames de
imagem (ultrassonografia, raio X simples de abdome, tomografia computadorizada, resso-
nância magnética e cintilografia com radioisótopos).
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Capítulo 21 | Insuficiência renal aguda
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A estratégia mais efetiva em prevenir IRA inclui adequação da hidratação, manutenção de PA


média em níveis apropriados para a idade e a diminuição da exposição a agentes nefrotóxicos.

A TSR está indicada quando as consequências clínicas da IRA ameaçam a sobrevivência


imediata do indivíduo e/ou não respondem ao tratamento clínico convencional. A TSR con-
siste na depuração sanguínea através de membranas semipermeáveis naturais (peritônio)
ou extracorpóreas (filtros de hemodiálise e hemofiltração), aplicada em substituição à fun-
ção renal. A diálise permite a remoção de substâncias tóxicas e de fluidos a fim de manter
o equilíbrio acidobásico, eletrolítico e volêmico do organismo. As modalidades básicas de
TSR incluem DP, HD e TSRC.

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388
Distúrbios
Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos 22
Capítulo 22
Hidroeletrolíticos
Distúrbios hidroeletrolíticos

Luiza Ghizoni
Tarsila Toyofuku Luiza Ghizoni
Olberes Vitor Braga de Andrade Tarsila Toyofuku
Olberes Vitor Braga de Andrade
Cenário clínico 1

Paciente de 7 anos, sexo masculino, previamente hígido, deu entrada no pronto-socorro


com quadro de cefaleia, febre e vômitos de evolução há 1 dia. Ao exame, encontrava-se
prostrado e sonolento, com propedêutica cardiopulmonar normal, abdome normal, rigi-
dez de nuca presente, com sinais de Lasegue e Kernig positivos; havia poucas petéquias
em membros inferiores e pulsos estavam presentes e simétricos, tempo de enchimento
capilar (TEC) de 1 a 2 segundos, frequência cardíaca (FC) 140bpm, pressão arterial (PA)
80/40mmHg. Com a hipótese de meningite/meningicoccemia, foram iniciadas medidas de
suporte e antibioticoterapia com ceftriaxone. Coletados exames inicias e liquor, que foram
compatíveis com a hipótese diagnóstica, sendo solicitada internação em unidade de te-
rapia intensiva (UTI). Na evolução, o paciente apresentou piora significativa, com rebaixa-
mento do nível de consciência e necessidade de intubação orotraqueal, piora da perfusão
periférica e choque refratário a volume, sendo necessária adrenalina para manutenção de
pressão arterial e da perfusão tissular. Constatou-se também oligúria (<0,5mL/kg/h) por um
período de 20 horas.

Exames de entrada na UTI evidenciaram pH de 7,17; pressão parcial de gás carbônico


(PaCO2) de 45mmHg; bicarbonato (HCO3) de 17mEq/L; BE de -8; pressão parcial de oxi-
gênio (PaO2) 98mmHg; saturação de oxigênio (SatO2) de 96%; Na+ de 140mEq/L; K+ de
3,6mEq/L, Cl- de 98mEq/L, Cai de 0,9mmol/L,mg++ de 1,8mg/dL, lactato de 11mg/dL, ureia
de 70mg/dL; creatinina de 0,9mg/dL e albumina de 3,8g/dL.

Em relação aos exames, observou-se acidose mista (metabólica e respiratória), pois a PaCO2
encontrada encontrava-se acima do esperado: 33,5 ± 2 [(17 x 1,5) + 8]. Para avaliar a aci-
dose metabólica, procedeu-se ao cálculo do ânion gap (AG), o qual encontrava-se elevado:
Na - (HCO3 + Cl) = 140 - (17 + 98) = 25. Configurou-se acidemia metabólica de AG aumen-
tado, provavelmente pela acidemia lática, evidenciada pelos níveis elevados de lactato.st

O sódio encontrava-se dentro dos limites de normalidade e o potássio aparentemente tam-


bém estava, porém devemos lembrar de corrigir os níveis séricos de potássio conforme o pH
(na acidemia, para cada redução de 0,1 do pH, há um aumento relativo de 0,5 a 0,6mEq/L
do potássio sérico), conforme será revisado posteriormente. Assim, na presente situação, o
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

Kreal é próximo de 2,5mEq/L. Por conseguinte, há hipocalemia moderada. O cálcio iôni-


co também está baixo. Na vigência de acidemia, o cálcio iônico se eleva (0,12mmol/L ou
0,46mg/dL para cada 0,1 de redução do pH). Desta forma, este paciente também apresenta
hipocalcemia significativa. Os distúrbios de potássio e cálcio estão frequentemente presen-
tes em pacientes criticamente doentes, principalmente em situações de sepse e choque.
Observa-se também lesão renal aguda (LRA), pelo aumento das escórias nitrogenadas as-
sociada à oligúria e, pelos critérios Risk, Injury, Failure, Loss, End-Stage pediátrico (pRIFLE)
e Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) 2012, classifica-se a LRA em injúria
e estágio II, respectivamente.

Na UTI, o paciente foi acoplado à ventilação mecânica com ajustes dos parâmetros a fim de
manter oxigenação adequada e corrigir o distúrbio respiratório. Mantido em jejum com soro
de manutenção seguindo a regra de Holliday-Segar para as necessidades basais diárias de
volume e sódio (3mEq/Kcal), potássio 40mEq/L, suplementação de cálcio (1mEq/Kg/dia) e
magnésio (0,3mEq/Kg/dia). Associada sedação com fentanil e midazolam, mantido antimi-
crobiano, e tituladas as drogas vasoativas.

Após 3 dias de evolução, com maior estabilidade hemodinâmica, melhora da perfusão tis-
sular e redução das drogas vasoativas, ainda sob ventilação mecânica, o paciente evoluiu
com crise convulsiva tônico-clônica generalizada com duração de 3 minutos e melhora após
infusão de diazepam endovenoso. Procedida coleta de exames laboratoriais para descartar
causas metabólicas e encaminhado do paciente para tomografia computadorizada (TC) de
crânio, para avaliar possíveis complicações da meningite. TC de crânio não apresentou alte-
rações e os exames laboratoriais eram os seguintes: pH de 7,38; PaCO2 de 41mmHg; HCO3
de 23mEq/L; PaO2 de 120mmHg; SatO2 de 97%; Na de 118mEq/L; K de 4,0mEq/L; Cl de
99mEq/L; Cai de 1,24mmol/L; ureia de 20mg/dL; creatinina de 0,4mg/dL; lactato de 2,5mg/
dL. Foi observado também que, apesar de melhora das escórias nitrogenadas, o paciente
mantinha balanço hídrico positivo, com diurese de 0,5 a 1mL/kg/hora.

Qual é a possível explicação para esse episódio de crise convulsiva? Qual é o distúrbio
hidroeletrolítico presente? Quais os principais diagnósticos diferenciais para o mesmo e
como refinar a investigação?

Distúrbios do sódio

O sódio é o íon mais importante do espaço extracelular, e a manutenção do balanço hídrico


e a homeostase entre os líquidos intra e extracelulares dependem de sua regulação. Em
última análise, admite-se que a maioria dos distúrbios do sódio, na verdade, correspondem
a um distúrbio da água. A natremia é mantida pelo organismo em níveis estreitos (135 a
390

390
Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

145mEq/L) e é o principal determinante da osmolalidade plasmática (Osm estimada = 2 x


Na + glicose/18 + ureia/6). Apresenta também uma íntima relação com a manutenção do
equilíbrio acido-base. Diversos mecanismos estão envolvidos em seu controle como os-
morreceptores, barorreceptores, mecanismos renais e extrarrenais.

O rim possui um papel central na homeostase do sódio e da água e, neste balanço, estão
envolvidos principalmente o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), o hormônio
antidiurético (HAD), o peptídeo natriurético atrial (PNA), e o controle renal de concentração
e diluição urinárias, com participação do mecanismo contracorrente multiplicador, alça de
Henle, túbulo coletor e hipertonicidade medular. O SRAA é estimulado pelo volume arterial
efetivo baixo e a aldosterona age no túbulo distal, estimulando a reabsorção de sódio e água,
com consequente aumento da excreção de K+ e H+. O PNA tem ação contrária à aldosterona,
sendo que, com a distensão da parede atrial, há sua liberação, resultando em aumento da
natriurese e inibição da aldosterona. O HAD é produzido pela neuro-hipófise, em resposta ao
aumento da osmolalidade plasmática em sensores hipotalâmicos e age nos ductos coletores,
estimulando sinalização celular, resultando em polimerização e transporte das aquaporinas
para a membrana apical, as quais promovem a reabsorção renal de água livre.

Por sua importante ação no controle da osmolalidade sérica, os distúrbios do sódio podem
levar a lesões graves e irreversíveis do sistema nervoso central. As alterações bruscas da
osmolalidade podem levar à desidratação das células cerebrais ou ao edema cerebral, que
podem causar graves danos ao sistema nervoso central.

Hiponatremia

A hiponatremia pode ser definida classicamente como uma concentração de sódio sérico
abaixo de 135mEq/L. É o distúrbio hidroeletrolítico mais comum em pacientes hospitaliza-
dos e está associada com o aumento no tempo de permanência hospitalar, necessidade
de internação em UTI, custo financeiro e mortalidade. A hiponatremia leva à diminuição da
osmolalidade do espaço extracelular e ao movimento de líquidos do espaço extracelular
para o intracelular, resultando no edema das células.

As principais causas de hiponatremia estão citadas na figura 1, entre as quais pode-se dar
destaque para a infusão de soro hipotônico em pacientes hospitalizados. Em pediatria,
utiliza-se, frequentemente, para cálculo do soro de manutenção, a regra de Holliday-Segar,
a qual define que a necessidade diária de sódio equivale a 3mEq/Kcal/dia. Todavia, na prá-
tica, quando elaborado, este soro apresenta tonicidade bastante inferior à tonicidade plas-
mática e, consequentemente, cria-se um ambiente propício para o desenvolvimento de hi-
ponatremia. Os pacientes internados por diversas condições patológicas, pós-operatórios
391

391
Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

e utilização de inúmeras drogas promovem secreção não osmótica do HAD, aumentando


consideravelmente o risco de hiponatremia intra-hospitalar.

Figura 1. Classificação e principais causas de hiponatremia.


ATR: acidose tubular renal; LRA: lesão renal aguda; ICC: insuficiência cardíaca congestiva;
DRC: doença renal crônica; HAD: hormônio antidiurético; SSIADH: secreção inapropriada do
hormônio antidiurético

Em situações de hiperproteinemia e hiperlipidemia, pode haver pseudo-hiponatremia com


osmolalidade sérica normal, a qual é causada por uma leitura errônea pelo laboratório quan-
do a técnica utilizada é a fotometria de chama. A pseudo-hiponatremia também pode estar
presente em situações em que a osmolalidade sérica está aumentada, sendo a hipergli-
cemia a condição relacionada mais comum, mas pode ocorrer também durante a admi-
nistração de contraste iodado hiperosmolar. Neste caso, ocorre saída de água do líquido
intracelular (LIC) para o extracelular (LEC) numa tentativa de equilibrar a osmolalidade entre
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

os dois espaços, diluindo, dessa forma, o sódio sérico. Com a correção da glicemia, o só-
dio volta aos valores basais sem que nenhuma outra medida seja tomada. A fórmula mais
utilizada para estimar o sódio sérico corrigido em um estado de hiperglicemia é a de Katz:
Na+corrigido= Na+mensurado + [1,6 x (glicose - 100)/100].

Os sintomas de hiponatremia são inespecíficos e estão relacionados com as alterações


no sistema nervoso central. Os mais comuns incluem náuseas, vômitos, cefaleia, letargia,
diminuição dos reflexos osteotendíneos, alterações cardiovasculares, convulsões e coma,
entre outros. Estes sinais, muitas vezes, não são vistos antes do sódio sérico estar abaixo
de 125mEq/L.

Dentre os principais diagnósticos diferenciais de hiponatremia estão a síndrome de se-


creção inapropriada do HAD (SSIADH) e a síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS). A
primeira possui maior prevalência em pacientes hospitalizados e caracteriza-se por elevada
secreção de HAD na ausência de estímulo osmótico ou hipovolêmico. A segunda é caracte-
rizada por quadro de hiponatremia acompanhada por um aumento paradoxal da excreção
renal de sódio e desidratação, em pacientes com doença ou comprometimento do sistema
nervoso central.

A SSIADH é caracterizada pela hiponatremia (<135mEq/L), hiposmolalidade plasmática


(<275mOsm/kg H2O), osmolalidade urinária inapropriadamente elevada (>100mOsm/kg),
sódio urinário >20 a 25mEq/L, euvolemia (secundária às adaptações regulatórias), na au-
sência de utilização de diuréticos. Deve-se afastar insuficiência renal e disfunções adrenais
ou tireoidianas. Diversas são as causas dessa síndrome, e elas podem estar relacionadas
com o aumento da produção endógena do HAD (hipotálamo ou fonte ectópica) ou exógena,
por meio do excesso de administração de HAD ou de seus análogos. Dentre as causas en-
dógenas, estão: patologias diversas do sistema nervoso central, sejam elas infecciosas, he-
morrágicas, isquêmicas ou tumorais; uso de algumas medicações como a ciclofosfamida,
vincristina, antipsicóticos e antidepressivos, analgésicos, opiáceos etc.; além de doenças
pulmonares, como pneumonia, bronquiolite, tuberculose, fibrose cística, pós-operatórios,
entre diversas outras causas.

O tratamento da SSIADH envolve restrição hídrica entre 60 a 80% das necessidades basais,
reservando a reposição de sódio apenas para os casos avançados de depleção corporal de
sódio. A hiponatremia sintomática severa com convulsões/coma deve ser corrigida com so-
lução de cloreto de sódio (NaCl) 3%, evitando-se o aumento acima de 10 a 12mEq/L nas 24
horas, devido ao risco de síndrome de desmielinização osmótica. Alternativamente, agentes
que inibem a osmolalidade urinária resultando em efeito aquarético, como os diuréticos de
alça ou que inibem diretamente o efeito do HAD no duto coletor, tais como a demecloci-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

clina, podem ser usados (estes não aprovados em pediatria). Os antagonistas do receptor
da vasopressina (vaptans), como o conivaptan e tolvapatan, foram também recentemente
aprovados em subgrupos de pacientes adultos e em casos de hiponatremia crônica euvo-
lêmica e hipervolêmica, insuficiência cardíaca e em alguns casos refratários específicos. Na
faixa pediátrica, não há aprovação de seu uso até o momento.

Na SCPS, acompanhada da hiponatremia, evidenciam-se poliúria e desidratação, com bai-


xa osmolalidade sérica, e osmolalidade urinária e sódio urinário elevados (>20mEq/L). Di-
versos são os fatores fisiopatológicos que podem estar implicados, e acredita-se que o
estímulo de alguma patologia do sistema nervoso central leve a uma supressão do sistema
simpático e excreção aumentada de peptídeo natriurético cerebral e/ou atrial (BNP/ANP),
os quais culminam com supressão do SRAA, natriurese aumentada, poliúria e hipovolemia,
os quais contribuem para o aumento da secreção de HAD, perpetuando a hiponatremia. O
tratamento incluiu tratamento da causa etiológica, reposição volêmica e de sal, além do uso
de fludrocortisona (0,05 a 0,1mg duas vezes ao dia), que possui importante ação mineralo-
corticoide. Seu uso requer controle regular de K+ pelo risco de hipocalemia.

Voltando ao cenário clínico previamente descrito, consideramos que o episódio convulsivo


do paciente na sequência do caso possa ser atribuído principalmente ao distúrbio do sódio,
embora outros fatores também poderiam estar implicados. Dando seguimento a avaliação
da hiponatremia e elaborando os diagnósticos diferenciais que podem explicá-la, pode-se
supor, inicialmente, que a administração de soro elaborado segundo a regra de Holliday-
-Segar e, portanto, hipotônico, pode estar relacionada à gênese do distúrbio. Associada a
ela, o paciente teve uma agressão ao sistema nervoso central pela meningite, com risco de
SSIADH e SCPS. Além de o primeiro ser mais frequente, o paciente apresenta redução da
diurese e status euvolêmico, que também são compatíveis com a síndrome de secreção
inapropriada do HAD. Para auxiliar no diagnóstico, foram coletados sódio urinário e osmo-
lalidade urinária, os quais estavam aumentados.

Foi instaurada restrição hídrica para 60% do basal e, como o paciente apresentou manifesta-
ção clínica grave de hiponatremia, foi procedida a correção do sódio com salina a 3%, lenta-
mente e com cuidado para limitar a elevação do sódio abaixo de 8 a 12mEq/L em 24 horas.
Além disso, a concentração de sódio do soro foi aumentada para o equivalente a 136mEq/L.

O tratamento das hiponatremias, em geral, depende da presença de sintomas, da gravidade


da hiponatremia e da osmolalidade sérica, do tempo de início do quadro (aguda vs. crô-
nica), da presença de alterações hemodinâmicas, da volemia e também da etiologia. Nas
condições em que há hiponatremia hipovolêmica, a restituição da volemia com salina iso-
tônica constitui a medida terapêutica adequada. O fluido inicial de escolha em um pacien-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

te hemodinamicamente instável é sempre isotônico independentemente do valor do sódio


sérico. Uma vez que a estabilidade hemodinâmica é conseguida, a correção do sódio deve
ser iniciada. Essa envolve a identificação do fator etiológico e a correção do mesmo. Nos
quadros de hiponatremia hipervolêmica relacionada à etiologia hipervolêmica com retenção
hídrica, a abordagem envolve a restrição hídrica, o uso de diuréticos de alça e, em alguns
casos, a terapia dialítica.

Deve-se ressaltar que não existem diretrizes bem estabelecidas e com evidências para o
tratamento da hiponatremia em crianças, existindo grande variabilidade quanto a alguns
aspectos da correção terapêutica desse distúrbio.

Se há hiponatremia sintomática, devemos administrar solução salina 3%, em que 1mL equi-
vale a 0,5mEq (para o preparo do NaCl 3%, podemos diluir 15mL de NaCl 20% em 85mL
de água destilada). Considerando que a porcentagem média de água corpórea total de uma
criança corresponda a 70% do peso, alguns autores extrapolam que a infusão de 0,7mEq/
kg/hora de NaCl 3% (1,4mL/kg/h) corresponderia a uma velocidade de aumento de sódio
de aproximadamente 1mEq/L/h, assumindo perdas concomitantes de fluido isotônico, por-
tanto, variável e dependente da perda simultânea de sódio.

Nos quadros agudos (<48 horas) e sintomáticos apresentando sintomas leves, a infusão
de NaCl 3% deve respeitar velocidade máxima de infusão de 1 a 2mEq/L/hora ou 2 a 4mL/
kg/h) em 4 horas. Nos casos agudos e com sintomas graves (convulsão, coma e alto risco
de herniação tentorial e óbito), a infusão de NaCl 3% deve respeitar a velocidade máxima
de infusão de 3 a 5mEq/L/hora ou 6 a 10mL/kg/h). Nos casos de hiponatremia sintomática
grave e encefalopatia hiponatrêmica, alguns autores consideram a infusão endovenosa em
bólus de 2mL/Kg de NaCl 3% em 10 minutos (máximo de 100mL) com repetição da infusão
em uma a duas vezes, até os sintomas melhorarem. No entanto, muitos autores consideram
não ultrapassar 5mEq/kg/hora de solução salina a 3% nos quadros agudos.

Nos casos de hiponatremia crônica (> 48 horas ou duração desconhecida) e sintomática, na-
queles casos leves, a infusão de solução salina a 3% deve respeitar 0,5mEq/L/hora ou 1mL/
kg/hora em 4 horas. Nos casos sintomáticos e graves, a infusão de solução salina a 3% deve
respeitar 1 a 2mEq/L/hora ou 2 a 4mL/kg/hora em 4 horas. Em relação à velocidade de infu-
são, muitos autores consideram não ultrapassar 2,5mEq/kg/hora nos casos crônicos.

A quantidade de sódio a ser reposta também pode ser calculada pela seguinte fórmula:

mEq de Na+= (Naesperado - Naecontrado) x 0,6 x peso (kg)

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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

Podemos considerar o Naesperado como 125 na maioria dos casos. No entanto, alguns auto-
res consideram o alvo de 120 para o Naesperado nos casos crônicos. Alguns autores orientam
infundir 50% do valor obtido na primeira hora, nos casos sintomáticos, e o restante a ser
ofertado uniformemente nas 24 horas seguintes, na forma de solução de manutenção. Lem-
brar que a hiponatremia sintomática, raramente ocorre quando a concentração sérica de
sódio encontra-se >120mEq/L.

Considerando a grande variabilidade de tratamento dos casos de hiponatremia, em todos


os casos, devemos lembrar que para que a correção seja segura, deve-se respeitar uma
velocidade de 10 a 12mEq/L (0,5mEq/h) em 24 horas. Alguns autores consideram mais
adequado até 8mEq/L/24 horas. As reavaliações laboratoriais e da estratégia terapêutica
utilizadas são imprescindíveis em todos os casos (controles laboratoriais em 1 a 2 horas),
principalmente durante períodos de necessidade de correção rápida.

Deve-se cessar a infusão de salina hipertônica nos casos de: resolução de sintomas (pa-
ciente alerta, consciente, respondendo aos comandos e resolução da cefaleia ou náuseas);
aumento agudo do sódio sérico de 10mEq/L nas primeiras 5 horas ou obtenção de sódio
sérico de 130mEq/L.

Devemos considerar diuréticos de alça em casos de hipervolemia e com objetivo de ação


aquarética. O furosemide, inibindo a Na+-K+-2Cl-, estabelece um aumento de oferta de flui-
do para o duto coletor, além de hipotonicidade da medula renal, o que leva à redução da
ação do HAD, aumento do débito urinário e da perda de água livre. Esse efeito aquarético
pode ser obtido em casos graves e selecionados (por exemplo SSIADH e situações de hi-
pervolemia). A reposição concomitante e controlada de volume com solução salina isotôni-
ca em casos específicos e controlados, também resulta em aumento do sódio sérico. Nos
casos de resolução dos sintomas, a terapia deve ser direcionada conforme a etiologia e a
doença de base.

A principal complicação da correção excessivamente rápida da hiponatremia é a síndrome


da desmielinização osmótica (mielinólise pontina e extrapontina). A elevação rápida do só-
dio e o subsequente aumento da osmolalidade sérica levam à movimentação da água do
meio intracelular para o extracelular, reduzindo seu volume e evoluindo com encolhimento
dos axônios, lesando suas conexões com a bainha de mielina. O quadro surge alguns dias
após a correção rápida do distúrbio e da encefalopatia hiponatrêmica (padrão bifásico), cur-
sando com sintomas neurológicos, como mutismo, disartria, confusão mental, convulsões,
paraparesia, disfagia, quadriplegia espástica, paralisa pseudobulbar, ataxia e coma.

A ressonância nuclear magnética é o exame de imagem de escolha. Vale lembrar que as


lesões podem aparecer até 1 mês após o início dos sintomas, e um exame de imagem nor-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

mal não exclui um diagnóstico clínico inicial. Não há tratamento específico, mas há relatos
de melhora com gamaglobulina, plasmaferese e corticosteroides, sugerindo a presença de
componentes imunológicos envolvidos na fisiologia do quadro.

Nos casos de hiponatremia crônica assintomática, devemos tratar a condição primária rela-
cionada e a doença de base.

Hipernatremia

A hipernatremia ocorre quando o sódio sérico encontra-se acima de 145mEq/L, todavia


há referências que definem hipernatremia como >150mEq/L. Isso ocasionará aumento da
osmolalidade sérica e, consequentemente, transporte de água do intracelular para o ex-
tracelular, fazendo com que mesmo em condições de desidratação, o intravascular esteja
preservado, minimizando os sinais clínicos dessa condição.

Esse distúrbio resulta basicamente de três mecanismos: baixo aporte hídrico, excesso de
oferta de sal, e perda de água livre ou de fluidos diluídos, com maior quantidade de água em
relação ao sal. As principais causas estão descritas no Quadro 1. Recém-nascidos, lacten-
tes e pacientes portadores de neuropatias são particularmente propensos a esse distúrbio.

Quadro 1. Causas de hipernatremia

Erro no preparo de fórmulas lácteas

Excesso de bicarbonato de sódio

Afogamento por água salgada


Excesso de sódio
Intoxicação intencional com sal

Solução salina hipertônica endovenosa

Hiperaldosteronismo

Diabetes insípido central ou nefrogênico

Déficit de água Aumento das perdas insensíveis

Ingestão inadequada

Perdas gastrintestinais

Déficit de água e sódio Perdas cutâneas (queimaduras)

Perdas renais

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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
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A hipernatremia na presença de hipervolemia geralmente está relacionada com sobre-


carga de sal, a qual pode ser por excesso de salina hipertônica, apresentando, em geral,
UNa >20mEq/L; ou por causas endógenas, como o hiperaldosteronismo primário e a síndro-
me de Cushing, em que há aumento da reabsorção renal de sódio, demonstrando, em geral,
UNa <20mEq/L. Nas condições de hipernatremia hipovolêmica, encontram-se a diminuição
da oferta ou ingestão de água, perdas (diarreia, diuréticos) e o diabetes insípido nefrogênico
e central.

O quadro clínico varia de acordo com a etiologia associada e o paciente pode se apresentar
com sinais clínicos de desidratação. Lembrar que como a osmolalidade sérica está aumen-
tada, esses sinais podem ser pouco exuberantes. Há irritabilidade, alterações do nível de
consciência, letargia, avidez por água, hipertonia muscular, hiperreflexia e confusão mental.
Devido à hiperviscosidade do sangue, fenômenos trombóticos podem ocorrer.

Após estabelecimento da hipernatremia, o organismo lança mão de mecanismos para pro-


teção celular de desidratação, principalmente no sistema nervoso central, com a produção
de osmóis idiogênicos pelos neurônios, que aumentam a osmolalidade intracelular para que
esta seja equivalente a essa “nova” osmolalidade plasmática. Este mecanismo é completa-
mente estabelecido após cerca de 48 horas do início das alterações de osmolalidade plas-
mática e, a partir deste período, denomina-se hipernatremia crônica. Isso é importante pois,
para correção do distúrbio primário, a oferta de água livre deve ser lenta e gradual, para que
haja tempo de adaptação do organismo à queda progressiva da osmolalidade, à medida
que se corrige o sódio. Quando essa regra não é respeitada, há risco de edema cerebral.

O tratamento visa à restauração da volemia e da osmolalidade dos líquidos corporais, obje-


tivando uma queda de não mais que 10mEq/L no sódio sérico em 24 horas, com certo grau
de permissividade em condições criticamente agudas e sintomáticas. Para tal, calcula-se o
défice de água livre e existem diversas fórmulas disponíveis, dentre elas, a seguinte:

Déficit de água livre (DAL) em litros = peso corporal (kg) x 0,6 x (1 - 145 / Naencontrado)

Tal forma é equivalente a cerca de 3 a 4mL/kg para cada 1mEq/L de sódio acima de 145mEq/L.
Outra fórmula prática:

DAL (mL) = 4mL x peso (kg) x (Naatual - 145)

Desta forma, 4 mL/kg de água livre deve ↓ 1mEq/L de Na+. A oferta basal de sódio e potás-
sio deve ser oferecida normalmente, acrescida do déficit de água, que deve ser feita em 48
horas. Outros distúrbios eletrolíticos devem ser corrigidos, tais como a hipocalcemia. Caso
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

haja hipovolemia com instabilidade hemodinâmica, expansões com 10 a 20mL/kg de soro


fisiológico 0,9% devem ser realizadas até estabelecimento de estabilidade.

Além do DAL, programado para 48 a 72 horas, administra-se uma solução de manutenção


acrescida de eventuais perdas extras (diarreia, febre, vômitos, berço aquecido, sondas etc.).
Reavaliação clínica e controles laboratoriais devem ser realizados obrigatoriamente e perio-
dicamente para reajustes necessários. Sempre que possível, deve-se proceder à oferta por
via oral/enteral, propiciando ajustes eletrolíticos e osmolares mais fisiológicos, reduzindo a
possibilidade de erros e iatrogenias.

Em casos críticos, com hipernatremia > 200mEq/L e acidose metabólica grave, a terapia
dialítica deve ser a opção terapêutica. No caso de diabetes insipidus central, além de estra-
tégias de reposição hídrica, administra-se o acetato de desmopressina (DDAVP). Nos casos
de diabetes insipidus nefrogênico, além de redução programada e lenta da osmolalidade
com oferta de soro hipotônico, programa-se restrição de sal, tiazídicos com amiloride e in-
dometacina em casos selecionados. Como já referido, nos casos de desidratação grave e
instabilidade hemodinâmica, a prioridade é a infusão de cristaloide até estabilização hemo-
dinâmica. Vale ressaltar que também não há uniformidade e nem consenso com evidências
no tratamento da hipernatremia na infância.

Distúrbios do potássio

O potássio é o principal cátion intracelular que regula a excitabilidade e a contratilidade


muscular. Além disso, ele é essencial na síntese proteica e na manutenção do equilíbrio
ácido-base. Sua concentração intracelular é aproximadamente 150mEq/L, sendo mantida
pela bomba Na+/K+ ATPase, e sua concentração plasmática varia entre 3,5 e 5,5mEq/L. A
excreção do potássio ocorre pelo suor, por perdas gastrintestinais e pelos rins, sendo estes
últimos seus principais reguladores. O potássio é livremente filtrado pelos glomérulos e a
maior parte é reabsorvida nos túbulos proximais. Nos túbulos distais, sua excreção é regu-
lada pela aldosterona. São estímulos para aumento da excreção renal de potássio: aldos-
terona, alto fluxo urinário, glicocorticoides, alta oferta de sódio ao néfron distal, diuréticos
de alça e tiazídicos. Nas células, a Na+/K+ ATPase estimula o influxo de potássio para seu
interior, e de sódio para o plasma. Existem alguns estímulos que aumentam ou diminuem
esse influxo, como a insulina e os beta-agonistas, que estimulam a ação da Na+/K+ ATPase
e, consequentemente, reduzem os níveis séricos de potássio. Na presença de distúrbios
ácidos-bases, o potássio sofre uma troca com os íons hidrogênio funcionando como um
sistema tampão. Frente à acidose metabólica, o potássio sai da célula em troca com o
H+; na alcalose metabólica acontece o contrário. Vale ressaltar que os valores plasmáticos
representam os valores extracelulares, e não seu valor global. Deve-se corrigir seus níveis
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
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séricos de acordo com o pH, a fim de minimizar erros em sua interpretação. Para cada 0,1
de queda de pH, o potássio real deve ser reduzido em 0,5 a 0,6mEq/L, e para cada 0,1 de
aumento de pH, o potássio real deve aumentar em 0,3 a 0,4mEq/L.

Hipocalemia

A hipocalemia é um achado frequente, principalmente em pacientes internados, sendo ca-


racterizada pela concentração sérica de potássio menor que 3,5mEq/L. Apesar de ser geral-
mente assintomática, a hipocalemia relaciona-se com alterações das membranas celulares,
podendo evoluir com distúrbios de condução nervosa e muscular, sendo os quadros mais
graves, aqueles que evolvem as células do miocárdio. As principais causas de hipocalemia
estão listadas no Quadro 2 e estão relacionadas às perdas renais, extrarrenais e aos des-
vios transcelulares.

Quadro 2. Principais causas de hipocalemia

Uso de diuréticos tiazídicos ou de alça

Acidose tubular renal

Síndrome de Fanconi

Síndrome de Bartter
Perdas renais
Fase poliúrica da LRA

Cetoacidose diabética

Hiperaldosteronismo e síndrome de Cushing

Anfotericina B, aminoglicosídeos etc.

Diarreia
Perdas extrarrenais
Perdas cutâneas (mucoviscidose) etc.

Alcalemia

Movimentos transcelulares Insulina

Terbulatina, salbutamol, adrenalina etc.

LRA: lesão renal aguda

Nos músculos, a hipocalemia provoca hiperpolarização de suas células tornando-as mais


refratárias à excitação neural, e provocando fadiga, hiporreflexia, fraqueza muscular, câim-
bras, mialgia, falência da musculatura respiratória, rabdomiólise, constipação e íleo para-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

lítico. Nas células miocárdicas, a hipocalemia leva a um prolongamento da repolarização,


refletido no eletrocardiograma por aumento do intervalo QTc, baixa amplitude da onda T,
aparecimento de onda U, baixa amplitude do QRS e depressão do segmento ST.

O tratamento varia de acordo com os níveis séricos de potássio, devendo ser rápido e efeti-
vo quando o médico se depara com hipocalemia grave e sintomática. As causas do distúr-
bio devem ser direcionadas pela história clínica. Procede-se com o tratamento da doença
de base e com a reposição de potássio conforme a Quadro 3. Um eletrocardiograma (ECG)
deve ser realizado na urgência para avaliar se há repercussões eletrocardiográficas.

Quadro 3. Tratamento da hipocalemia

Aumentar oferta na dieta e/ou administrar


potássio na dose de 2mEq/kg/dia divididos
em 2 a 4 vezes ao dia
Hipocalemia leve (K+ 3 - 3,5mEq/L)

KCl xarope 6% (1mL= 0,8mEq); Slow K®


(1 comprimido = 8mEq)

Ofertar potássio na dose de 4 a 6mEq/kg/dia ou


Hipocalemia moderada (K+ 2,5 - 3mEq/L) aumentar a oferta no soro de manutenção para
40mEq/L

Infusão endovenosa de potássio, 0,2 a 0,6mEq/


kg/h em 2 a 6 horas (KCl 19,1%; 1mL =
Hipocalemia grave
2,5mEq). Deve-se diluir em soro fisiológico
(K+ < 2,5mEq/L ou alterações eletrocardio-
e respeitar a concentração de 40mEq/L em
gráficas ou sintomatologia compatível)
acesso venoso periférico e 80-120mEq/L em
acesso venoso central

Hipercalemia

A maioria dos autores considera hipercalemia quando os níveis séricos de potássio estão
acima de 5,5mEq/L, sendo considerados graves, níveis acima de 6,5mEq/L ou com re-
percussão eletrocardiográfica. Devemos lembrar que, no período neonatal, valores de até
6,0mEq/L são considerados normais. As principais causas de hipercalemia estão relacio-
nadas ao aumento da oferta de potássio, redução da excreção deste ou movimentos trans-
celulares, com aumento do transporte de potássio do intra para o extracelular. Elas estão
citadas no Quadro 4.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
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Quadro 4. Principais causas de hipercalemia

- Via oral ou parenteral


Aporte elevado
- Pós-transfusão sanguínea

- Hipoaldosteronismo
- Imaturidade tubular em neonatos
- Lesão renal aguda e doença renal crônica
- Hiperplasia adrenal congênita
- Pseudohipoaldosteronismo
Diminuição na excreção
- IECA (captopril, enalapril etc), BRA2
(losartan, valsartan,etc), diuréticos
Medicamentos
poupadores de potássio, ciclosporina,
antiinflamatórios não hormonais), etc.

- Rabdomiólise
- Síndrome de lise tumoral
- Necrose tecidual
Movimentos transcelulares
- Medicamentos (betabloqueadores, di-
Acidemia gitálicos, e bloqueador neuromuscular
despolarizante, como a succinilcolina)

IECA: inibidor da enzima conversora da angiotensina;


BRA2: bloqueadores dos receptores da angiotensina 2

A hipercalemia, em grande parte das vezes, é assintomática, ou pode cursar com sintomas
inespecíficos como câimbras, contrações musculares, parestesias, fasciculações, mialgia,
arreflexia, disritmias cardíacas, precordialgia, náuseas, vômitos, mal-estar e até morte sú-
bita. As alterações eletrocardiográficas, em geral, variam de acordo com a gravidade de
hipercalemia, porém isto não é uma regra. As principais alterações eletrocardiográficas es-
peradas são ondas T apiculadas e redução do QTc por encurtamento da onda T, quando os
níveis séricos de potássio estão entre 6,5 a 7mEq/L; alargamento do QRS, aumento de am-
plitude e largura da onda P; o intervalo QTc pode ser maior que o normal, quando o potássio
sérico está entre 7 e 8mEq/L; podemos observar fusão do QRS-T, fibrilação ventricular e
assistolia, quando o K+ > 8mEq/L.

O tratamento consiste em identificar e remover os fatores causais e reduzir a oferta de po-


tássio, até normalização do quadro, e iniciar as medicações para redução dos níveis plas-
máticos de potássio, as quais estão descritas no Quadro 5. Se houver alterações impor-
tantes do eletrocardiograma, deve-se administrar gluconato de cálcio 10%, numa dose de
0,5 a 1 mL/kg (máximo de 20mL), em infusão lenta e sob monitorização eletrocardiográfica,
com a função de estabilização de membrana. Essa medida não irá reduzir os níveis séricos
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
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de potássio, e deve ser realizada concomitantemente ao tratamento efetivo para correção


da hipercalemia. Ela pode ser repetida, conforme a necessidade.

Quadro 5. Tratamento da hipercalemia

Identificar e remover os fatores causais

Solução polarizante: diluir 0,5g/kg de dextrose + 1 UI de insulina


regular para cada 5g de dextrose; administrar EV em 30 a 60 minutos

Agonista beta-adrenérgico: diluir 4 mcg/kg de terbulatina em 5mL de


Redistribuir o potássio
água destilada e administrar lentamente

Bicarbonato de sódio: 1 a 2mEq/kg EV (solução de NaHCO3 8,4%:


1mEq=1mL com diluição apropriada)

Resina de troca (Sorcal®): 1g/kg via oral ou retal a cada 6 horas


(máximo 30g/dose); usar com cautela em neonatos pelo risco de
enterocolite necrotizante.
Aumentar a eliminação
Evitar por via retal em neonatos
de potássio
Diuréticos de alça: por exemplo: furosemida 1mg/kg/dose,
se houver diurese

EV: via endovenosa

Cenário clínico 2

Paciente de 4 anos, sexo masculino, em tratamento de indução de leucemia linfocítica agu-


da, com último ciclo de quimioterapia finalizado há 7 dias. Apresentava queixa de náusea,
vômitos, inapetência, astenia, tosse e dispneia, sendo encaminhado ao serviço de emer-
gência. A mãe negava febre e, quando questionada, relatava redução do volume urinário,
porém, como o paciente estava ingerindo pouca água, não deu importância.

Objetivamente apresentava-se em mau estado geral, prostrado porém orientado, descora-


do, hidratado, com discreto edema periorbitário e de membros inferiores, afebril, acianótico,
anictérico e com sinais de desconforto respiratório. FC de 140 bpm, FR de 50 mpm, PA
de 100 x 60mmHg, e SatO2 de 90% em ar ambiente. Ausculta cardíaca sem alterações e
pulmonar com estertores subcrepitantes em bases. Abdome flácido, discretamente dolo-
roso a palpação, sem massas palpáveis ou sinais de irritação peritoneal. Pulsos presentes
e simétricos. Laboratorialmente, paciente apresentou pancitopenia (hemoglobina de 7,0g/
dL, hematócrito de 26%, leucócitos de 1.200/mm3 e plaquetas de 60.000/mm3), acide-
mia metabólica (pH de 7,25, pCO2 de 30mmHg, HCO3 de 15mEq/L), hipernatremia (Na+ de
148mEq/L), hipercalcemia (K+ de 6,2mEq/L), hipocalcemia (Cai de 0,9mmol/L), hiperfosfate-

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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

mia (PO4 de 6,3mg/dL), hiperuricemia (ácido úrico de 16,1mg/dL), LRA (ureia de 230mg/dL e
creatinina de 3,5mg/dL) e DHL de 860 UI/dL. Raio x de tórax com aumento de área cardíaca
e sinais de congestão pulmonar.

Qual a principal hipótese diagnóstica para explicar os distúrbios hidroeletrolíticos presen-


tes? Estaria relacionada com o tratamento quimioterápico do paciente? Quais as possibili-
dades terapêuticas para tal situação?

Distúrbios do cálcio e do fósforo

O cálcio constitui o principal mineral do esqueleto e é um dos cátions mais abundantes


no organismo, representando cerca de 2% do peso corporal. Quanto à sua distribuição
corpórea, 99% encontra-se no tecido ósseo e apenas 1% em partes moles e no fluido
extracelular, sendo metade ligado às proteínas plasmáticas, enquanto a outra porção en-
contra-se em sua forma iônica. O cálcio iónico é o melhor indicador da atividade fisiológica,
sendo importante para a manutenção do potencial de membrana, a contração muscular, a
regulação dos sistemas de coagulação e do complemento, além de papel como cofator de
diversas reações enzimáticas, entre outras funções. A homeostase do cálcio se dá por meio
do intercâmbio contínuo entre seu principal reservatório, o esqueleto, e o meio extracelular,
associada ao balanço entre a absorção intestinal e a excreção renal deste.

A concentração plasmática de cálcio é um dos parâmetros mais rigidamente controlados no


organismo, resultante principalmente da interação entre o paratormônio (PTH), a vitamina D
e a calcitonina.

O fósforo, por sua vez, também apresenta concentração significativa na composição do te-
cido ósseo, além de sua forma iônica no plasma. O fósforo varia sua concentração plasmá-
tica de forma não tão rigorosa quanto ao do cálcio iônico, apresentando variações do nível
sérico de acordo com a faixa etária, o sexo, a dieta, o pH e o ritmo circadiano. Assim como
o cálcio, possui um balanço interno entre o tecido mineral ósseo e o fluido extracelular, e
um balanço externo, cujo equilíbrio é baseado na absorção intestinal e na excreção renal.

O calcitriol estimula a absorção intestinal de fósforo e o PTH apresenta ação fosfatúrica. Da


homeostase do balanço do fósforo, também participam hormônios chamados fosfatoninas,
sendo a principal delas o fator de crescimento de fibroblasto 23 (FGF-23), as quais também
agem nas células tubulares renais, aumentando a excreção de fósforo, por meio de meca-
nismos diferentes do PTH. O FGF-23 pode estar aumentado já nas fases iniciais da doença
renal crônica e está associado ao hiperparatireoidismo e à progressão da doença renal crô-
nica. O Quadro 6 traz os valores de referência dos níveis séricos de cálcio e fósforo.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 6. Valores de referência de cálcio total, cálcio iônico e fósforo

Cálcio total* 8,5-10,2mg/dL 2,1-2,5mmol/L

Cálcio iônico 4,5-5,6mg/dL 1,1-1,3mmol/L

Fósforo** 2,3-4,5mg/dL 0,8-1,4mmol/L

* Entre 0–3 meses de idade: 8,8–11,3mg/dL;


** variável de acordo com a faixa etária: 0–3 meses: 4,8–7,4mg/dL; 1–5 anos: 4,5–6,5mg/dL; 6–12 anos:
3,6–5,8mg/dL; 13–20 anos: 2,3–4,5mg/dL

Hipocalcemia

As concentrações séricas de cálcio devem ser mantidas constantes e, conforme citado


previamente, estão sob regulação de um sistema de homeostase envolvendo o PTH e seu
receptor cálcio-sensível, a vitamina D, a calcitonina, além da influência também de outros
fatores externos como o fósforo e o magnésio.

A hipocalcemia tem como principais fatores etiológicos a falência de algum dos componen-
tes destes sistemas. O Quadro 7 traz as principais causas de hipocalcemia.

Quadro 7. Principais causas de hipocalcemia

Aplasia ou hipoplasia de paratireoides associada a síndromes genéticas


Pós-tireoidectomia e pós-paratireoidectomia
Deficiência ou resistência à vitamina D
Pseudohipoparatireoidismo
Hipomagnesemia (causando redução e resistência ao PTH)
Doença renal crônica
Hiperfosfatemia
Alcalose respiratória aguda
Pancreatite
Queimaduras, sepse
Deficiência ou alteração da ativação de vitamina D
Insuficiência dietética, síndrome nefrótica, síndrome de má-absorção intestinal, uso de
fenitoína, doenças renais, insuficiência hepática, rabdomiólise, etc.
Drogas: bifosfonados; glucagon, mitramicina, EDTA, protamina, colchicina, teofilina,
cinacalcet; quelantes de cálcio (citrato, fosfato); fenitoína (conversão de vitamina D em seu
metabólito inativo), cisplatina, aminoglicosídeo, cimetidine, etileno glicol, bloqueadores
-adrenérgicos, etc.
Asfixia perinatal, prematuridade, síndrome do desconforto respiratório, filhos de
mães diabéticas, terapia com bicarbonato, exsanguineotransfusão, hipomagnesemia,
hipoparatireoidismo neonatal transitório etc.

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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

Em pacientes gravemente enfermos, a hipocalcemia é frequente e pode estar relacionada


ao quadro de sepse, em que há um desequilíbrio entre os fatores reguladores, tais como
PTH e calcitonina. O precursor da calcitonina (procalcitonina) está aumentado nos quadros
de sepse e é um marcador para processos infecciosos. Na sepse também pode ocorrer
redução da liberação ou insensibilidade periférica ao PTH. Estudos em animais evidenciam
que a correção da hipocalcemia nos pacientes críticos, melhora a perfusão tecidual e a
pressão arterial, com redução da mortalidade.

No período neonatal, observa-se a hipocalcemia transitória do neonato, a qual está re-


lacionada a fatores maternos (deficiência de vitamina D, uso de antiepilépticos e diabe-
tes gestacional), e fatores do recém-nascido, como prematuridade, baixo peso, retardo de
crescimento intrauterino, anóxia neonatal, sepse, síndrome do desconforto respiratório e
hiperbilirrubinemia. Pode surgir precocemente, nas primeiras 72 horas de vida, e sem pro-
duzir sintomas, ou tardiamente, por resistência renal ao PTH devido imaturidade, evoluindo
posteriormente com resolução espontânea.

O hipoparatireoidismo deve sempre ser lembrado, constituindo umas das principais causas
de hipocalcemia, a qual vem associada à hiperfosfatemia. A deficiência de vitamina D pode
ser causada por fatores nutricionais ou por redução da exposição solar, bem como em sín-
dromes disabsortivas ou com perdas renais de vitamina D, como na síndrome de Fanconi
e na síndrome nefrótica. A hipovitaminose também pode ser consequência do excesso de
metabolização da 25-OH-vitamina D nas doenças hepáticas, em uso de fenobarbital pela
interação com o citocromo P450, e pela redução ou deficiência de sua ativação no tecido
renal, como na doença renal crônica e nos raquitismos vitamina D-dependentes.

Observa-se também hipocalcemia relacionada à hipomagnesemia, quando esta condição


promove resistência dos órgãos-alvo à ação do PTH. A hipocalcemia também pode estar
relacionada à pancreatite, em que há precipitação de cálcio no tecido pancreático e outros
fatores não completamente elucidados; situações de rápida remoção do cálcio iônico da
circulação, como por exemplo na alcalemia, em que o cálcio aumenta sua afinidade pela al-
bumina e há redução de sua fração livre; ou em situações de hiperfosfatemia, com a rápida
formação de fosfato de cálcio e depósito ósseo em tecidos moles; uso de citrato parente-
ral; síndrome da “fome óssea”, observada após longos períodos de reabsorção óssea; uso
de bifosfonados; furosemida; carcinoma medular de tireoide com produção de calcitonina,
entre outras condições.

A investigação é baseada na história e em exame clínico do paciente, os quais devem dire-


cionar a provável etiologia e os exames laboratoriais a serem solicitados. Além da dosagem
sérica de cálcio total e iônico, auxiliam na investigação a dosagem de fósforo e magnésio sé-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

ricos, PTH, 25-OH-vitamina D e 1-25(OH)2vitamina D, fosfatase alcalina, análise gasométrica,


função renal, amilase, enzimas e função hepática, albumina e avaliação de cálcio urinário. De-
vemos considerar que, na alcalose há aumento da ligação do cálcio às proteínas, reduzindo o
cálcio ionizado (~0,12mmol/L ou ~0,46mg/dL para cada elevação de 0,1 do pH).

A presença de manifestações clínicas secundárias à hipocalcemia depende da severidade


da mesma e da velocidade de instalação. A principal sintomatologia é a irritabilidade neu-
romuscular devido às alterações de potencial das membranas celulares. Essas manifesta-
ções podem variar desde parestesia e tetania leve de extremidades até crises convulsivas,
broncoespasmo, laringoespasmo, hipotensão, falência cardíaca e arritmias. A hipocalcemia
pode também causar sintomas psiquiátricos com instabilidade de humor ou sintomas de-
pressivos. Os sinais clássicos ao exame físico são o sinal de Trousseau, em que há espas-
mo cárpico após insuflação do manguito do esfigmomanômetro acima da pressão arterial
sistólica, e o sinal de Chvostek, com espasmo facial após percussão do trajeto do nervo
facial em região pré-auricular.

Também pode-se observar papiledema, entre outras várias manifestações sistêmicas, de-
pendendo da etiologia. O EGC pode evidenciar aumento do intervalo QT corrigido (o normal
é de 0,44 segundos) e inversão da onda T.

O tratamento da hipocalcemia baseia-se na reposição deste elemento, a qual deve ser en-
dovenosa nos casos graves e com manifestações clínicas agudas, ou oral, em pacientes
assintomáticos e com hipocalcemia leve. A terapêutica também deve ser dirigida primaria-
mente para o controle dos fatores etiológicos ou outras condições associadas ao distúrbio
(por exemplo: alcalose respiratória). A reposição endovenosa deve ser realizada com 0,3 a
0,6mL/kg de gluconato de cálcio a 10% (máximo de 10mL/dose), conforme a gravidade,
sob diluição com soro fisiológico ou glicosado pelo risco de flebite e administrado lenta-
mente, entre 10 e 30 minutos, com monitoração cardíaca devido ao risco de bradicardia e
assistolia. Pode ser repetida, se necessário. Outra opção é a infusão de cloreto de cálcio
10% (0,2mL/kg, máximo de 5mL), entretanto, devido à sua hiperosmolalidade, há maior
risco de lesão tissular, devendo ser utilizado preferencialmente em veia central, se possível.

A infusão com gluconato de cálcio é preferida devido ao menor índice de complicações


com essa preparação (menor hiperosmolalidade quando comparada ao cloreto de cálcio),
entretanto, em pacientes com insuficiência hepática, o cloreto de cálcio pode ser uma me-
lhor opção, devido à necessidade do gluconato requerer o metabolismo hepático para sua
ionização. A infusão parenteral elevará o cálcio por um período variável de 2 a 3 horas,
sendo que os níveis inicialmente atingidos, começam a se reduzir após 30 minutos da dose
em bólus endovenosa. Desta forma, além do tratamento da doença de base, devemos
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

considerar a introdução de solução de manutenção com 0,5 a 1mEq/kg/dia de cálcio, ou


conforme o quadro, a suplementação oral. Alguns autores, em casos críticos, orientam a
infusão parenteral contínua de 1-3mg/kg de cálcio elementar. Se houver hipomagnesemia,
esta também deve ser corrigida com 0,2mL/kg de sulfato de magnésio a 50% em 20 a 30
minutos. Na presença de hiperfosfatemia, todos os esforços devem ser feitos para redução
dos níveis de fosfato sérico devido ao risco de precipitação e deposição metastática de
sais de fosfato-cálcio durante infusão de cálcio endovenoso (maior risco com produto Cat
x P >55mg/dL). A precipitação endovenosa concomitante com cálcio também pode ocorrer
com preparados contendo bicarbonato, sulfato e citrato. Se o paciente apresentar hipocal-
cemia leve e assintomática, esta deve ser tratada com suplementação oral de carbonato
de cálcio, preferencialmente, longe das refeições, em 4-6 doses divididas. Doses de cálcio
elementar: no neonato de 50-150mg/kg/dia (máximo de 1g/dia); no lactente e na infância de
40 a 75mg/kg/dia. Quando a causa da hipocalcemia for o hipoparatireoidismo ou a defici-
ência de vitamina D, o paciente deve receber suplementação vitamínica, devendo esta ser
feita com calcitriol dependendo da doença de base.

Há estudos com PTH humano recombinante, porém ainda sem aprovação para uso no
hipoparatireoidismo. O Quadro 8 apresenta as principais formulações de cálcio para uso
endovenoso e oral.

Quadro 8. Principais formulações de cálcio (Ca) para uso endovenoso e oral

Gluconato de cálcio 10% 1mL = 8,9mg de Ca elementar (~0,45mEq/mL)


Cloreto de cálcio 10% 1mL = 27,3mg de Ca elementar (~1,36mEq/mL)

Carbonato de cálcio 1g = 400mg de Ca elementar (~20mEq)


Carbonato de cálcio solução 10% 100mg/mL de cálcio (40mg de Ca elementar)
Acetato de cálcio 1g = 250mg de Ca elementar (~12,7mEq)

Hipercalcemia

A hipercalcemia constitui situação clínica relativamente comum e resulta do desequilíbrio


entre a disponibilização de cálcio na corrente sanguínea por meio do aumento de sua ab-
sorção intestinal ou da reabsorção óssea e/ou da redução da excreção renal. As principais
causas são a administração iatrogênica de excesso de cálcio, o hiperparatireoidismo e as
doenças oncológicas, por aumento da reabsorção óssea nos locais de metástase e síndro-
me paraneoplásica com produção de análogos do PTH (PTH-rP). Demais causas de hiper-
calcemia estão citadas no Quadro 9.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 9. Principais causas de hipercalcemia

Aumento da ingestão de cálcio associada à suplementação de vitamina D

Síndrome leite-álcali (ingestão massiva de cálcio e vitamina D)

Aumento da
Doenças granulomatosas crônicas, por conversão extrarrenal de 25(OH)
absorção intestinal
D em 1,25(OH)2D

Sarcoidose, tuberculose, poliangeíte granulomatosa (Wegener),


histoplasmose etc.

Hiperparatireoidismo

Adenoma, hiperplasia da paratireoide, neoplasia endócrina múltipla I,


neoplasia endócrina múltipla IIA, etc.

Aumento da Neoplasias e doenças oncológicas com produção de PTHrP


reabsorção óssea
Metástases ósseas

Hipertireoidismo

Imobilização prolongada etc.

Diuréticos tiazídicos
Redução da
excreção renal
Hipercalcemia hipocalciúrica familiar etc.

Feocromocitoma

Insuficiência adrenal

Rabdomiólise
Miscelânea
Nutrição parenteral

Síndrome de Williams

Drogas: lítio, GH, intoxicação por alumínio etc.

A acidose também pode levar à hipercalcemia por aumento da fração ionizada causada
pelo estímulo do hidrogênio à redução da ligação com a albumina. Além disso, o tecido
ósseo faz parte dos mecanismos de tamponamento, liberando cálcio e fósforo na corrente
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

sanguínea. Quadros crônicos de acidose metabólica podem levar à desmineralização óssea


e a fraturas patológicas.

A investigação, assim como na hipocalcemia, deve considerar os dados de história e exame


físico, incluindo a análise sérica do cálcio total, cálcio iônico, fósforo, fosfatase alcalina, fun-
ção renal, albumina, gasometria, PTH, vitamina D e cálcio urinário. A ultrassonografia dos
rins e das vias urinárias pode evidenciar litíase ou nefrocalcinose. Outros exames podem ser
direcionados para investigação etiológica, dependendo de cada situação.

Os pacientes apresentam-se, em geral, assintomáticos, podendo se queixar de fraqueza,


fadiga, anorexia, depressão, febre, dor abdominal inespecífica, constipação, artralgia, dores
ósseas, poliúria e polidipsia. Hipercalcemia severa pode ocasionar pancreatite, confusão
mental, alucinações e psicose, entre outras manifestações neurológicas. Em raros casos,
convulsões e coma. Em situações prolongadas podem determinar nefrolitíase, redução da
volemia (por diminuição da reabsorção renal de sódio e água) e LRA.

O tratamento deve ser direcionado para a doença de base, objetivando a redução da cal-
cemia, o aumento da excreção renal de cálcio e a redução da reabsorção óssea e absorção
intestinal desse mineral (Quadro 10). Para aumentar a calciúria, deve-se promover hipe-
ridratação e expansão volêmica com solução salina isotônica (em pacientes graves, até
200mL/kg/dia), observando que a excreção renal de cálcio está relacionada com a de sódio,
associando-se diurético de alça (furosemide, 1mg/kg cada 3 a 6 horas). Os corticosteroides
agem suprimindo a absorção intestinal de cálcio e a formação extrarrenal de calcitriol.

Cloroquina e hidroxicloroquina bloqueiam a produção periférica de calcitriol, assim como


o cetoconazol, que também pode ser utilizado no tratamento de hipercalcemia induzida
pelo calcitriol.

Em casos de neoplasia, o uso de bifosfonados na hipercalcemia (pamidronato, etidronato


etc) constitui medida eficiente, bloqueando a osteólise osteoclástica, além de apresentarem
efeito antitumoral com redução das metástases. A calcitonina também pode ser utilizada
em combinação, apresentando ação calciúrica associada. Entre estas medicações, a calci-
tonina apresenta ação mais rápida, entretanto seu efeito é mediano e transitório. O nitrato
de gálio é uma droga emergente potencial para o tratamento de hipercalcemia induzida por
neoplasia. O tratamento dialítico deve ser considerado em pacientes com sintomas severos
e refratários aos tratamentos descritos.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 10. Tratamento da hipercalcemia

Hidratação Soro fisiológico 0,9% - 200mL/kg/dia ou 3 L/m2 /24 horas endovenoso

Diurético de alça Furosemida 1mg/kg por via endovenosa a cada 3–8 horas

5–10 U/Kg por via endovenosa seguida por manutenção de 4 U/kg por
Calcitonina
via endovenosa ou subcutânea a cada 12 a 24 horas

Pamidronato 1mg/kg/dia, máximo 60 =mg; diluir em soro fisiológico


Bifosfonados
para 12mg/100mL e infundir em 4 horas

Na hipercalcemia crônica relacionada com ativação extrarrenal de


Corticosteroides
vitamina D

Terapia dialítica em casos de hipercalcemia severa


e/ou associação com insuficiência renal

Hipofosfatemia

Assim como o cálcio, o fósforo apresenta menos de 1% de seu estoque corporal no líquido
extracelular, com a proporção de 65% do fósforo plasmático na forma de fosfolípides, cerca
de 10% ligado à albumina e o restante como íon fosfato. Os valores de fosfatemia variam de
acordo com a faixa etária, sendo proporcionalmente mais altos quanto menor a faixa etária.
A principal causa de hipofosfatemia em pacientes internados são as trocas deste íon do
plasma para o ambiente intracelular.

Outros mecanismos descritos são a redução da absorção intestinal de fósforo e o au-


mento da sua excreção urinária. As principais causas de hipofosfatemia são apresenta-
das no Quadro 11.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

Quadro 11. Principais causas de hipofosfatemia

Infusão de glicose, insulina e realimentação na desnutrição


Influxo de fósforo
Crescimento tumoral
para o intracelular
Síndrome da “fome óssea”

Nutricional
Redução da absorção
Uso de antiácidos

Hiperparatireoidismo

PTHrP

Raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X

Raquitismo hipofosfatêmico autossômico dominante

Perdas renais Síndrome de Fanconi

Doença de Dent

Expansão volêmica com fluidos intravenosos

Diuréticos de alça e tiazídicos

Outras tubulopatias

Deficiência ou resistência à vitamina D


Multifatorial
Sepse etc.

As trocas de fósforo para o interior das células podem ser observadas durante a infusão
de glicose ou insulina no tratamento de cetoacidose diabética ou no processo de reali-
mentação em desnutridos, em que as demandas de fósforo no intracelular aumentam, e
este é mobilizado do plasma. Isso também é descrito em doenças neoplásicas em que o
crescimento celular acelerado aumenta a necessidade de fósforo, e na síndrome da “fome
óssea”, em que há ampla atividade dos osteoblastos e formação óssea.

A reabsorção tubular de fosfato é em torno de 85%, sendo sua maior porção reabsorvida no
túbulo contorcido proximal. Perdas urinárias são evidenciadas na síndrome de Fanconi, em
que há disfunção tubular proximal global, associada à acidose metabólica, hipocalcemia, hi-
pocalemia, proteinúria tubular, glicosúria na ausência de hiperglicemia e hipouricemia, entre
outros achados. As perdas renais também estão elevadas no hiperparatireoidismo, pela ação
fosfatúrica do PTH e nos raquitismos hipofosfatêmicos quando há perda renal de fósforo.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As manifestações clínicas dependem da etiologia, severidade e do tempo de instalação.


Cronicamente, podemos observar sinais e sintomas de raquitismo, além de fraqueza e atro-
fia muscular. A hipofosfatemia leve e moderada, em geral, traz poucas repercussões clíni-
cas, e, se severa, está associada à rabdomiólise, anemia hemolítica, disfunção leucocitária
e plaquetária, distúrbios neurológicos com alteração de nível de consciência, delirium, cri-
ses convulsivas e até coma. A hipofosfatemia grave pode estar associada à falência respi-
ratória, com aumento do índice de insucesso durante o desmame da ventilação mecânica,
além de disfunção miocárdica.

Para a investigação, devem-se levar em conta a história clínica, os fatores de risco e os


antecedentes mórbidos de cada paciente, complementada com exames laboratoriais, in-
dividualizados para cada cenário. Em geral, a gasometria, função renal, eletrólitos (princi-
palmente o cálcio total e ionizado), urina I, sedimento urinário e a avaliação da fração de
excreção renal de fósforo são importantes ferramentas no diagnóstico diferencial. Avalia-
ções hormonais específicas podem ser necessárias para diferenciação dos diversos tipos
de raquitismo.

A maior parte dos casos de hipofosfatemia não exige medidas bruscas de correção, princi-
palmente se o distúrbio estiver associado a trocas com o fluido intracelular. A terapia com
reposição endovenosa de fósforo está indicada para os pacientes com hipofosfatemia grave
(≤1mg/dL ou 0,3mmol/L), criticamente doentes, intubados ou com sequelas de hipofosfate-
mia, como rabdomiólise e anemia hemolítica e naqueles casos de hipofosfatemia moderada
(1,0 a 2,5mg/dL ou 0,3 a 0,8mmol/L) que estiverem sob ventilação mecânica. A reposição
oral é indicada para os demais casos. São poucos os relatos farmacológicos em pediatria,
sendo em geral, extrapolados da literatura de adultos. Em geral, o fosfato endovenoso
deve ser reposto na dose de 0,08 a 0,33mmol/kg/dose em infusão contínua por um período
de 4-6 horas, lembrando que este é incompatível com soluções que contenham cálcio ou
magnésio, devido ao risco de precipitação. Outra forma de correção considera 5-10mg/
kg de fosforo endovenoso por 6 horas, com repetição, se necessário. A solução de fosfato
deve ser diluída em SG5% ou soro fisiológico, em uma proporção de 50mL para cada 1mL
de solução de fosfato endovenosa. Complicação da excessiva repleção de fósforo inclui
calcificação metastática e nefrocalcinose (especialmente na presença de hipercalcemia e
insuficiência renal). A reposição por via oral/enteral deve ser individualizada com oferta de
30 a 90mg/kg/dia de fosfato, em quatro a cinco doses divididas, utilizando-se preparações
comerciais disponíveis, formulações farmacêuticas padronizadas hospitalares ou formula-
ções orais de manipulação contendo sais de sódio/potássio e fosfato. Devemos considerar,
entre os possíveis efeitos adversos, a intolerância oral e diarreia. Durante a correção, con-
troles periódicos de fósforo, cálcio, potássio e gasométricos são indicados. O Quadro 12
traz as principais formulações de fósforo para uso oral e endovenoso.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

Quadro 12. Formulações de reposição de fósforo para uso oral e endovenoso

Formulação Composição Especificação

Uso oral

- Fosfato dibásico: 136 g


1mL: 40mg de
Xarope de fosfato - Ácido fosfórico: 58,5 g
fósforo elementar
- Veículo edulcorante qsp: 1.000mL

- Fosfato de sódio monobásico: 130mg


- Fosfato de sódio dibásico
1 comprimido: 250mg de
Fosfato (comprimidos) (anidro): 852mg
fósforo elementar
- Fosfato de potássio monobásico: 155mg
- Excipiente qsp: 1 cp

- Fosfato de sódio monobásico: 11,55 g


- Fosfato de sódio dibásico (anidro): 55,6 g
1mL: 15mg de fósforo - Xarope simples: 300mL
Solução fosfatada
elementar - Solução conservante 2g: 10mL
- Essência de groselha: 1mL
- Água destilada qsp: 1.000mL

Uso parenteral/endovenoso:

Fosfato ácido de
1mL=2mEq de fosfato, 2mEq de potássio e 1,1mMol de fósforo
potássio (2mEq/mL)*

* Observar que 1mEq de fosfato da solução contém 31mg de fósforo elementar (0,032mEq=1mg).
Considerar formulações específicas com composição diferenciada, conforme farmácia e
instituição hospitalar

Hiperfosfatemia
A doença renal crônica é a principal causa de hiperfosfatemia sustentada, agravando-se
com a progressiva redução da taxa de filtração glomerular, principalmente pela redução da
excreção renal deste íon. Agudamente, a hiperfosfatemia é o resultado de processos de
intensa lise celular, como a rabdomiólise e a síndrome da lise tumoral (SLT).

Outros fatores etiológicos estão relacionados com o excesso de ingestão ou reposição de


fósforo para o tratamento de hipofosfatemia, intoxicação por vitamina D, hipoparatireoidis-
mo, pseudohipoparatireoidismo e hipertireoidismo.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A SLT se apresenta como hiperfosfatemia associada à hiperuricemia e à hipercalemia, e


LRA aguda secundária à nefropatia pelo ácido úrico e pela precipitação de cálcio e fósforo
no parênquima renal. Outros critérios clínicos e laboratoriais podem estar presentes. Com
o advento da rasburicase, versão recombinante da enzima urato-oxidase, houve importante
redução na incidência desta condição patológica. Quando identificada, dependendo do grau
de hiperfosfatemia e disfunção renal, associados principalmente à hipocalcemia sintomática,
hipercalemia e/ou distúrbios cardíacos, a terapia dialítica deve ser prontamente iniciada.

A investigação dos pacientes com hiperfosfatemia deve ser individualizada e o tratamento


depende da severidade e da etiologia. Se a função renal for preservada e houver aumento
leve ou moderado de fosfato, apenas a restrição dietética é suficiente para restabelecer os
níveis séricos normais. Para os casos graves ou associados à insuficiência renal, deve-se
promover hidratação endovenosa se não houver necessidade de restrição hídrica pela do-
ença renal. Utilizam-se também quelantes gastrintestinais de fósforo, tais como carbonato
de cálcio, sevelamer ou o hidróxido de alumínio. O último deve ser evitado em uso prolon-
gado e em pacientes renais crônicos pelo risco de intoxicação por alumínio. Nos casos
refratários inicia-se a terapia dialítica.

De volta ao nosso cenário clínico e munidos das informações revisadas, podemos observar
que o paciente acima evoluiu com uma importante e grave complicação pós quimioterapia,
a síndrome de lise tumoral. Esta é decorrente da maciça lise de células neoplásicas, com
consequente aumento sérico dos eletrólitos que estão em grande quantidade no meio in-
tracelular. A hiperuricemia leva ao depósito destes cristais no parênquima renal e LRA, com
oligúria, uremia, acidose metabólica, entre outras manifestações. Uma frequente forma de
apresentação desta condição é como o paciente acima, com síndrome urêmica e edema
agudo de pulmão. O tratamento é feito com rasburicase, uma versão recombinante da enzi-
ma urato oxidase que reduz o nível sérico de ácido úrico, além do tratamento dos distúrbios
eletrolíticos associados, com reposição de cálcio, medidas para redução de potássio, que-
lantes de fosfato e terapia dialítica, que no caso acima já estaria indicada.

Distúrbios do magnésio

O magnésio é o segundo cátion mais prevalente no ambiente intracelular, com aproxima-


damente 60% de sua concentração no tecido ósseo e somente 1% no espaço extracelular
(60% ionizado, 30% ligado às proteínas, principalmente albumina e 10% associado aos
ânions séricos). Este cátion é um importante cofator de diversas reações enzimáticas e par-
ticipa da estabilização das membranas e da condução dos estímulos neuronais. O balanço
de magnésio é basicamente determinado por um complexo equilíbrio entre a absorção
intestinal, trocas ósseas e excreção renal. Embora não exista nenhum hormônio diretamen-
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

te envolvido em sua regulação, a sua absorção intestinal pode ser aumentada através da
ação da vitamina D, do PTH e pelo aumento da absorção de sódio. O magnésio presente
no tecido ósseo funciona como um reservatório, porém apenas após longos períodos de
hipomagnesemia é que este começa a ser mobilizado do esqueleto para a circulação san-
guínea. Frente a isso, alterações nos níveis séricos de magnésio são controladas através de
variações na taxa de reabsorção renal, de tal forma que em situações de patologias renais
os distúrbios do magnésio podem ser mais evidentes.

A absorção intestinal é cerca de um terço do magnésio ingerido, ocorrendo principalmente


no intestino delgado através de difusão passiva e por um sistema de transportador para-
celular saturável. Nos rins, diferente dos demais íons, o magnésio tem pequeno percentual
reabsorvido no túbulo contorcido proximal (15-20%) e no túbulo distal (5-10%), sendo que
65-75% de sua reabsorção é realizada por difusão paracelular na porção espessa ascen-
dente da alça de Henle, favorecida pelo gradiente eletroquímico resultante da reabsorção
de sódio e cloro, e controlada pelas proteínas das tight junctions claudina-16 (paracelina-1)
e claudina 19. No túbulo distal, a reabsorção ocorre por via transcelular, através do canal
TRPM6. Sob dieta normal, a fração de excreção de magnésio é de 3-5%, sendo que o rim
apresenta a habilidade de redução para < 1% em situações de perdas extra-renais de mag-
nésio. Em condições de hipermagnesemia, hipercalcemia, acidose metabólica, hipofosfate-
mia e com o uso de diuréticos de alça há redução de sua fração de reabsorção.

Hipomagnesemia
A hipomagnesemia é um distúrbio relativamente comum em pacientes hospitalizados, princi-
palmente em ambiente de terapia intensiva. É causada principalmente por redução da inges-
tão de magnésio, perdas pelo trato gastrintestinal ou por meio de perdas renais. O Quadro
13 apresenta as principais causas de hipomagnesemia. As perdas pelo trato gastrintestinal
ocorrem em situações de diarreia, esteatorreia e síndrome disabsortiva. As perdas pelos
vômitos também são importantes, porém de forma menos significativa que na diarreia. O
uso prolongado de inibidores de bomba de prótons, em associação com diuréticos, tam-
bém é descrito como causa de hipomagnesemia, com mecanismos não completamente
elucidados, sendo reversível após suspensão da medicação. As perdas renais podem estar
aumentadas devido a vários mecanismos intrínsecos ou adquiridos. No Quadro 13 estão ci-
tados alguns dos medicamentos envolvidos no aumento da exceção renal de magnésio. Nos
pacientes com diabetes mellitus descompensada, a hipomagnesemia é bastante frequente
pelo aumento das perdas renais, sendo essa perda revertida com o melhor controle da gli-
cemia. As causas familiares e genéticas de hipermagnesiúria são, em geral, diagnósticos de
exclusão, quando se comprova o aumento da excreção renal de magnésio, afastando outras
causas secundárias. Podemos destacar a hipomagnesemia familiar com hipercalciúria e ne-
frocalcinose, a hipomagnesemia isolada autossômica dominante e autossômica recessiva,
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

e as síndromes de Bartter e Gitelman, ambas autossômicas recessivas. A síndrome de Gi-


telman é causada pela mutação nos cotransportadores sódio-cloro sensíveis aos tiazídicos,
causando além de hipomagnesemia, natriurese, alcalose metabólica hipocalêmica e hipocal-
ciúria. Na síndrome de Bartter, a hipomagnesemia é menos evidente, ocorrendo mais nos ti-
pos III e IV dos cinco tipos conhecidos atualmente. Na síndrome de Bartter, além de alcalose
metabólica hipocalêmica, observa-se hipercalciúria e nefrocalcinose.

Quadro 13. Principais causas de hipomagnesemia

Diarreia
Doença inflamatória intestinal,
doença celíaca, fibrose cística,
linfangiectasia intestinal, pós-
Doenças
operatórios de ressecção intestinal
gastrintestinais Síndromes disabsortivas
Pancreatite
Desnutrição
Hipomagnesemia associada à
hipocalcemia
Anfotericina, cisplatina, ciclosporina,
tacrolimo, diuréticos de alça,
Medicamentos diuréticos tiazídicos, manitol,
aminoglicosídeos, dopamina,
pentamidina etc
Hipercalcemia
Síndrome de Gitelman, síndrome de
Perdas renais Bartter, Hipomagnesemia familiar
com hipercalciúria e nefrocalcinose,
Doenças genéticas
hipomagnesemia autossômica
dominante, hipomagnesemia
autossômica recessiva
Hipoparatireoidismo
Hipertireoidismo
Diabetes tipo I e II
Restrição da oferta de cálcio na dieta
Outros Síndrome da “fome óssea”
Grande queimado

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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

A hipomagnesemia, em geral, não causa sintomas, porém quando grave, está associada
à hipocalcemia, a qual pode ser sintomática, ou apresentar os mesmos sintomas, mesmo
na ausência de hipocalcemia, como tremores, tetania, convulsões e os sinais de Chvostek
e Trousseau. As alterações eletrocardiográficas da hipomagnesemia são o achatamento
da onda T e o prolongamento do segmento ST, além de torsades des pointes (taquicardia
ventricular polimórfica). As manifestações cardíacas são mais significativas em pacientes
com cardiopatia prévia. O diagnóstico etiológico é feito com base na história e na situação
clínica de cada paciente. A avaliação de fração de excreção de magnésio (FEMg) auxilia na
diferenciação das perdas renais das demais causas. Ela deve ser calculada pela fórmula
abaixo, na ausência de suplementação de magnésio. Em vigência de hipomagnesemia deve
estar abaixo de 2%. Nesta condição, a FEMg acima de 4–5%, sugere perda renal deste íon.
Os demais exames devem ser solicitados de acordo com a suspeita clínica.

FEMg = (UMg x PCr) / ([0,7 x PMg] x UCr) x 100

O tratamento da hipomagnesemia é realizado com a reposição de magnésio por via paren-


teral nos casos graves ou por via oral para aqueles leves e prolongados. Para pacientes
com função renal preservada, o sulfato de magnésio deve ser administrado na dose de 25
a 50mg/kg (0,05 a 0,1mL/kg da solução a 50%), em 15 a 60 minutos, sob monitorização,
podendo repetir a dose após 6-8 horas. A concentração e a velocidade de infusão não
devem exceder 200mg/dL e 150mg/min, respectivamente, devido ao risco de hipotensão,
depressão respiratória e arritmias. Os pacientes com insuficiência renal devem receber do-
ses menores e, em casos de bloqueio atrioventricular há contraindicação relativa. Existem
diversas preparações para uso oral, como o gluconato de magnésio (5,4mg de magné-
sio/100mg), o óxido de magnésio (60mg de magnésio/100mg), o sulfato de magnésio (10mg
de magnésio/100mg) e o pidolato de magnésio (130mg de magnésio elementar/10ml, onde
1mL=1,0mEq)

Hipermagnesemia

A principal causa de hipermagnesemia é o excesso de oferta, por meio de administração


de medicamentos contendo magnésio, principalmente em situações de insuficiência renal.
Em geral, existem mecanismos eficientes na regulação da absorção intestinal de magnésio
e na eliminação renal do excesso, porém quando há associação com insuficiência renal, es-
tes mecanismos não são eficientes. O aumento da magnesemia também pode ocorrer em
outras condições como hipercalcemia, hipocalciúria familiar, hiperparatireoidismo primário,
cetoacidose diabética, intoxicação por lítio e na síndrome da lise tumoral. Em neonatos,
pode estar relacionada com a infusão materna de sulfato de magnésio para o tratamento
de pré-eclâmpsia.
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Os sintomas geralmente estão ausentes até que o magnésio plasmático esteja acima de
4,5mg/dL. Este excesso inibe a acetilcolina nas junções neuromusculares, produzindo hipo-
tonia, hiporreflexia e fraqueza, além de depressão, letargia, rubor facial e hipotensão através
de efeito vasodilatador. As alterações eletrocardiográficas associadas são: prolongamento
dos intervalos P-R, QRS e Q-T, podendo evoluir para bloqueio atrioventricular total, bradi-
cardia e parada cardíaca. Nos pacientes com função renal preservada, em geral, rapida-
mente consegue-se eliminar o excesso de magnésio através do aumento da hidratação en-
dovenosa associada aos diuréticos de alça e restrição da oferta. Em situações graves, com
manifestações neurológicas e cardíacas, o uso de 100mg/kg de gluconato de cálcio a 10%,
endovenoso, em 5 a 10 minutos, é uma solução transitória. Para os casos de insuficiência
renal ou de refratariedade, a terapia dialítica pode ser necessária. Em neonatos, pode-se
utilizar também a exsanguineotransfusão.

Messages to take home

• Os distúrbios hidroeletrolíticos são comuns em situações críticas e emergência,


contribuindo para o aumento da mortalidade
• Nos diagnósticos diferenciais de hiponatremia, lembrar da utilização de soro hipotônico
e da SSIADH (principalmente em ambiente hospitalar) e da SCPS associada a patologias
do sistema nervoso central
• O tratamento da hiponatremia leva em conta a abordagem dos casos sintomáticos,
tendo cuidado para não ultrapassar a variação de 8 a 12mEq/L em 24 horas
• A hipernatremia está relacionada, principalmente com a redução da ingestão de água
livre ou com a perda de fluídos hipotônicos como no diabetes insipidus. O tratamento
também envolve tratar a doença de base e a correção da hipernatremia deve ser feita
através da administração de água livre, com dose definida inicialmente pelo cálculo do
défice de água livre
• Os distúrbios séricos do potássio devem levar em consideração o pH sanguíneo.
• A hipocalemia é causada por perdas renais (diuréticos, tubulopatias, hiperaldosteronismo
etc.) ou extrarrenais (por exemplo gastrintestinais) de potássio; o tratamento é feito por
meio da reposição oral ou endovenosa deste íon
• As causas de hipercalemia resultam da oferta excessiva, redução da excreção (como
no hipoaldosteronismo e na insuficiência renal), e em translocações celulares (como na
lise celular). Seu tratamento envolve resinas de troca, medicamentos que estimulem a
Na/K ATPase, o aumento do influxo do potássio para o interior das células e aumento da
excreção por meio de diuréticos ou terapia dialítica
• Os distúrbios de cálcio são frequentes em pacientes internados e estão relacionados
com o desequilíbrio de seus fatores reguladores, PTH, vitamina D e calcitonina
• A hipocalcemia é tratada através da reposição oral ou endovenosa e a hipercalcemia
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Capítulo 22 | Distúrbios hidroeletrolíticos
Camip

deve ser tratada com hiperidratação, furosemida, corticosteroides, calcitonina, bifosfo-


natos e terapia dialítica, conforme a doença de base e gravidade clínica
• As principais causas de hipofosfatemia estão relacionadas às carências nutricionais,
consumo em situações de influxo para o intracelular (por exemplo: crescimento tumoral)
e perdas renais de fosfato
• A hiperfosfatemia é, em geral, atribuída às situações de lise celular ou redução da excre-
ção renal de fosfato. O tratamento também abrange a hidratação, redução da oferta e
uso de quelantes por via oral, além da terapia dialítica em casos graves
• A hipomagnesemia é geralmente assintomática e negligenciada, entretanto apresenta
importância fisiológica em pacientes críticos, associado-se com hipocalcemia e hipoca-
lemia secundárias e manifestações cardíacas e neuromusculares

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Camip

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Distúrbios
Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
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Capítulo 23 Acidobásicos
Distúrbios acidobásicos

Luiza Ghizoni
Thamara Sigrist
Luiza Ghizoni
Olberes Vitor Braga de Andrade
Thamara Sigrist
Olberes Vitor Braga de Andrade
Caso clínico

Paciente de 4 anos, sexo feminino, deu entrada no pronto-socorro trazida por sua mãe,
apresentando rebaixamento do nível de consciência e taquidispneia. Mãe relatava que a
paciente era saudável, e que durante o dia tinha passado bem, brincando à tarde toda na
casa da avó, portadora de diabetes melitus e hipertensão arterial, e que após retorno para
sua casa evoluiu com dor abdominal, náusea, vômitos, taquipneia e sonolência progressiva.
Na entrada, observava-se paciente em mau estado geral, sonolenta, escala de Glasgow 12,
corada, hidratada, temperatura 37,9oC, frequência cardíaca (FC) de 140bpm, frequência
respiratória (FR) de 50ipm, pressão arterial (PA) de 100/60mmHg, saturação de oxigênio
97% em ar ambiente, auscultas cardíaca e pulmonar normais, abdome flácido, indolor, ex-
tremidades sem edema, pulsos presentes. Não havia sinais de trauma. Além das medidas
iniciais do atendimento de emergência, procedeu-se à coleta de exames gerais e de amos-
tras de sangue e urina para exame toxicológico. Exames do paciente: gasometria arterial:
pH de 7,50; pressão parcial de gás carbônico (PaCO2) de 20mmHg; bicarbonato (HCO3) de
16mEq/L; pressão parcial de oxigênio (PO2) de 97mmHg; saturação de oxigênio (SatO2) de
93%; sódio (Na) de 145mEq/L; potássio (K) de 4,0mEq/L; cloro (Cl) de 100mEq/L; ureia de
60mg/dL; creatinina de 0,9 mg/dL; glicemia capilar de 50 mg/dL; e albumina de 4,2 g/dL.

Quais é sua principal hipótese diagnóstica? Qual é o distúrbio acidobásico presente nesta
gasometria? Quais são os métodos de avaliação deste distúrbio para que sua etiologia
seja elucidada?

Introdução

Para assegurar um ambiente ótimo para as funções celulares e o bom funcionamento dos
diversos aparelhos e sistemas, há de se manter uma fina regulação da concentração dos
íons hidrogênio nos fluídos do organismo. Essa concentração é medida por meio do pH,
que significa potencial hidrogeniônico, uma escala logarítmica que mede o grau de acidez,
neutralidade ou alcalinidade de uma determinada solução. Para nossos fluídos corporais,
os valores de pH devem estar entre 7,35 e 7,45.
423
Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

O metabolismo celular produz ácidos que devem ser neutralizados, a fim de preservar o pH
ou, em outras palavras, manter estável a concentração do íon hidrogênio, uma vez que o
organismo requer um limite estreito para essa concentração.

Graves alterações do equilíbrio acidobásico são potencialmente críticas, especialmente


quando se desenvolvem rapidamente. Tais anormalidades podem causar diretamente vá-
rias disfunções orgânicas. Algumas manifestações clínicas podem incluir edema cerebral,
fraturas, decréscimo da contratilidade miocárdica, vasoconstrição pulmonar e vasodilata-
ção sistêmica, dentre outras.

Normalmente, os produtos de dissociação e de ionização estão em equilíbrio. O metabolis-


mo de gorduras e carboidratos origina o gás carbônico e a água. Ao observar a reação de
Hasselbach, percebe-se que se o gás carbônico não fosse eliminado pela respiração, a re-
ação se deslocaria no sentido de produção do ácido carbônico (H2CO3), que se dissociaria
e aumentaria a quantidade de hidrogênio no organismo, resultando em acidose:

CO2 + H2O n H2CO2 n H+ + HCO3-

A primeira linha de defesa contra alterações da concentração de [H+] é o tamponamento quími-


co por ácidos e bases fracos. Um tampão pode ser definido como uma substância que se liga
de modo reversível ao H+. A reação de tamponamento pode ser expressa do seguinte modo:

Tampão + H+ n HTampão

Assim, o H+ livre combina-se com um tampão para formar um ácido fraco. Com isso, quan-
do a concentração de H+ aumenta, a reação é desviada para a direita e quando diminui,
desloca-se para a esquerda.

Os principais sistemas de tampão são bicarbonato, fosfato, ossos, hemoglobina, (Hb) pro-
teínas plasmáticas e intracelulares. Estes são os primeiros a iniciar sua ação neutralizadora.
Posteriormente, começam a regulação pelo sistema respiratório e, de forma ainda mais
tardia, o controle renal dos distúrbios acidobásicos (DAB).

A produção de gás carbônico e, consequentemente, de ácido carbônico parece desempenhar


um desafio à homeostasia do pH, devido às enormes quantidades de gás carbônico produzi-
das, decorrentes do metabolismo celular. Deste modo, o gás carbônico produzido nos tecidos
é tamponado transitoriamente pela Hb dos eritrócitos. Esse tampão é transportado para os pul-
mões, para que seja feita a eliminação do ácido volátil, enquanto os íons H+ são reincorporados
na água. A taxa de remoção de gás carbônico é diretamente dependente da taxa de ventilação
424

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

e esta é regulada pelo pH e pelos níveis de PaCO2 detectados pelo centro respiratório localiza-
do no bulbo e ponte, no sistema nervoso central. Quando a concentração de íons hidrogênio
do sangue está elevada (pH baixo-acidose), o centro respiratório induz à taquipneia, aumen-
tando a eliminação do gás carbônico. Ao contrário, quando a concentração de íons hidrogênio
está baixa (pH elevado-alcalose), o centro respiratório diminui a frequência dos estímulos à
respiração reduzindo a eliminação do gás carbônico na tentativa de corrigir o pH do sangue.

Os rins controlam o equilíbrio acidobásico ao regularem e excreção urinária de bicarbonato e H+.


Apesar de ser o terceiro componente na linha de defesa contra alterações do equilíbrio acidobá-
sico, levando horas a dias para agir, é o mais duradouro de todos os mecanismos regulatórios.

Tradicionalmente, os DAB são explicados por meio do sistema ácido carbônico-bicarbona-


to. Essa relação é descrita por meio da equação de Henderson-Hasselbach. Porém, esse
método falha em explicar os prováveis mecanismos causais nos extremos dos distúrbios
fisiológicos. Por isso, diversos estudos têm sido feitos na tentativa de encontrar novos mé-
todos para aprimorar a interpretação dos DAB. O cálculo da diferença de íons fortes é um
desses métodos. Há mais de um século, Henderson utilizou a teoria das espécies de carbo-
no para propor o balanço acidobásico no sangue. Em seguida, Hasselbalch criou uma fór-
mula simples para descrever esse equilíbrio. Desde então, a equação de Henderson-Has-
selbach e o excesso de base (BE, sigla do inglês base excess) são utilizados para descrever
os distúrbios do equilíbrio acidobásico no sangue. Apesar de suas limitações, este método
permanece amplamente utilizado, por sua fácil aplicação na análise da acidose metabólica
(ACM), principalmente em pacientes que não estão com múltiplas disfunções orgânicas. A
avaliação clássica e tradicional de avaliação dos DAB utiliza os seguintes parâmetros: pH,
PaCO2, bicarbonato, BE e ânion gap (AG) ou intervalo aniônico.

pH é o logaritmo negativo da concentração de íons hidrogênio livres, sendo definido pela ra-
zão entre a PaCO2 e o bicarbonato plasmático. Seu valor normal situa-se entre 7,35 e 7,45.
O pH é calculado pelas fórmulas:

pH = [6,10 + log (HCO3- / PaCO2 x 0,030)]

pH = - log (H+) = - log (3,98 x 10-8) = - (0,60 - 8,0) = 7,4

Do ponto de vista prático, realçamos o conhecimento da equação de Henderson, modifi-


cada por Kassirer e Bleich:

[H+] = 24 . PaCO2 / [HCO3-]

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

A PaCO2 representa a pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial e é regulada pela
ventilação pulmonar. Seus valores normais variam entre 35 e 45mmHg.

BE, descrito em mEq/L, é obtido pela multiplicação do desvio do bicarbonato (BIC) a partir
do valor médio de 22,9mEq/L e por fator igual a 1,2. Um valor inferior a -5mEq/L é indicati-
vo de ACM. Um problema associado ao cálculo do BE é que ele varia com alterações dos
eletrólitos e da albumina.

Um decréscimo de 1g/dL na albumina sérica diminui em 3,7 mEq/L o BE. Outra limitação é
que o BE não define se a acidose for causada por lactato, cetoácidos, hipercloremia ou uma
combinação desses. Ele pode ser calculado por meio da seguinte fórmula:

BE = 0,9287 x [(BIC - 24,4)] + (14,83 x pH - 7,4)]

O princípio físico-químico da eletroneutralidade estabelece que a soma das cargas positivas


dos cátions equivale à soma das cargas negativas dos ânions. Na prática clínica, somente
os principais eletrólitos dos sangue são considerados, ou seja, sódio, cloro e bicarbonato,
sendo que os demais íons não são mensurados nessa avaliação, pois possuem pouca repre-
sentatividade e sua variação é pequena. Observou-se que, no cálculo da diferença entre os
ânions e cátions mensuráveis, há um hiato aniônico, ou seja, uma maior quantidade de ânios
não mensuráveis, em relação aos cátions não mensuráveis, equivante a aproximadamente
12mEq/L ±4, conforme exemplificado da Figura 1. A isto se denominou “ânion gap”, que é a
diferença entre as cargas positivas e as cargas negativas normalmente medidas no plasma:

AG = [Na+] - ([Cl-] + [HCO3-])

Figura 1. Ânion gap (AG) no plasma. (A) O AG é a diferença entre a concentração de Na+ e a soma das
concentrações de Cl- e HCO3-. (B) A adição de um ácido (por exemplo, ácido láctico) leva à queda da
-
concentração de HCO3 ,que é substituído por um ânion (por exemplo: lactato), e o AG aumenta. (C) Em
-
situações de perda de HCO3, a concentração de HCO3 cai, mas como nenhum novo ânion é adicionado,
o AG permanece normal. Adaptado de Halperin ML, Goldstein MB, Kamel KS.. Fluid, electrolyte and acid-
base physiology. A problem-based approach. 4. ed. Philadelphia:. Saunders Elsevier; 2010

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Considerando que o hiato aniônico corresponde aos ânions não mensuráveis, concluímos
que este é constituído pelas proteínas plasmáticas (principalmente a albumina), pelo sulfa-
to, fosfato e ácidos orgânicos (lático, cítrico e úrico).

Dentre essas substâncias, a albumina é a que tem maior representatividade, constituindo o


principal componente do AG. Por essa razão, em situações de hipoalbuminemia, o AG está
reduzido. Esse fato pode interferir na interpretação correta do hiato aniônico, uma vez que
este pode se apresentar dentro dos valores normais, mesmo em pacientes com ACM de
hiato aniônico elevado e hipoalbuminemia.

Para evitar interpretações equivocadas, é conveniente corrigir o hiato aniônico em paciente


com albumina sérica baixa:

AGcorrigido = AGencontrado + 0,25 x (44 - albumina em g/L)]

O cálculo do AG é útil para fins diagnósticos. Valores de AG plasmático maiores do que o


normal indicam a presença de um ou mais ânions anormais não medidos no plasma. Por
-
exemplo, em pacientes com acidose láctica, o H+ reage com o HCO3 e, consequentemente,
ocorre queda da concentração plasmática de HCO3, que é substituído pelo ânion lactato,
-
levando ao aumento do AG. Por outro lado, em situações de perda primária de HCO3 , ocor-
re queda da concentração desse no plasma, mas nenhum novo ânion é adicionado, e o AG
permanece normal. Ressalta-se que valores de AG acima de 20mEq/L indicam a presença
de ACM, independente do pH e da concentração de HCO3- no plasma.

Avaliação e abordagem dos distúrbios acidobásicos

Reconhecimento do estado acidobásico

Devemos inicialmente, avaliar qual anormalidade é primária e quais são secundárias, ba-
seadas no pH (observar o direcionamento do pH para identificar a desordem primária). Se
pH <7,4, pode existir acidose respiratória ou metabólica primárias. Se o pH >7,4, existe a
possibilidade de alcaloses metabólica ou respiratória primárias. Interpretamos consideran-
do os valores normais da PaCO2, do bicarbonato e do BE padrão (SBE em mmol/L, este
considerado normal entre -5 e +5). Na sequência, devemos calcular a compensação espe-
rada dos DAB primários (Quadro 1). Se o pH, PaCO2 e HCO3- não correspondem às regras
de compensação esperada, poderemos estabelecer a presença de um distúrbio misto, caso
não existam erros na coleta ou nos dados. Em situações de acidemia ou alcalemia severas,
em geral, DAB múltiplos aditivos estão presentes.
427

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

Quadro 1. Principais distúrbios acidobásicos e resposta compensatória esperada

Distúrbio Resposta
Distúrbio pH Regra esperada
primário compensatória

Acidose J [H+]
metabólica
K K PaCO2 PaCO2 = (BIC x 1,5) + 8 + 2
K [HCO3-]

Alcalose K [HCO3-]
metabólica
J J PaCO2 [PaCO2] = 0,6 - 0,7 x [BIC]
K [H+]

Acidose Aguda: [BIC] = 0.1 x [PaCO2]


K J PaCO2 J [HCO3-]
respiratória
Crônica: [BIC] = 0.3 - 0,35 x [PaCO2]

Alcalose Aguda: [BIC] = 0,2 x [PaCO2]


J K PaCO2 K [HCO3-]
respiratória
Crônica: [BIC] = 0,5 x [PaCO2]

Em relação ao caso clínico com pH 7,50, PaCO2 20mmHg e HCO3 16mEq/L, observamos
alcalemia (pH > 7,45) respiratória primária. Como mecanismo compensatório, para redução
do pH, os rins promovem redução da reabsorção de bicarbonato. Como a história é aguda
-
(< 24 horas), esperamos redução de 2mEq/L de HCO3 para cada redução de 10mmHg da
PaCO2. Devido à redução de 20mmHg da PaCO2 (40-20), o bicarbonato esperado seria de
20±2mEq/L (24-4). Como o bicarbonato encontrado encontra-se abaixo do esperado, adi-
cionamos o diagnóstico de ACM primária, ou seja, estamos diante de um distúrbio misto.

Acidose metabólica

Os DAB são frequentemente observados em terapia intensiva pediátrica, sendo a ACM co-
mumente associada às patologias primárias ou ocorrendo como resultado de complicações
secundárias dos pacientes internados em situações críticas.

A acidemia metabólica é caracterizada por redução do pH sanguíneo (pH < 7,35) como
resultado do acúmulo de ácidos não voláteis ou perda de bicarbonato sérico. Sua compen-
sação se dá pela redução da PaCO2: PaCO2 esperado = (1,5 x BIC) + 8 ± 2. As principais
causas de ACM estão descritas no Quadro 2.
428

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 2. Causas de acidose metabólica

Acidose láctica

Cetoacidose (diabética,
Acúmulo de ácidos alcoólica)

Intoxicação por metanol,


etilenoglicol, salicilato
Ânion gap aumentado
(>16mEq/L; em geral >20mEq/L) Uremia e doença renal crônica

Rabdomiólise maciça

Hiperbilirrubinemia

Acidose metabólica tardia do


recém-nascido

Gastrintestinal (diarreia, íleo


e fístulas)
Perda direta de bicarbonato
Urinária (acidose tubular
renal proximal, uso de
acetazolamida)

Baixa excreção de NH4+

Cetoacidose com cetonúria


Perda indireta de bicarbonato excessiva
Ânion gap normal (12±4mEq/L)
Inalação de cola
(intoxicação por tolueno)

Ingestão de HCl, NH4Cl

Administração intravenosa de
grandes volumes de NaCl

Hipoaldosteronismo

Anfotericina B

A ACM se desenvolve quando ocorrem acúmulo de ácidos no organismo e retenção de


ânions no plasma (ACM com AG aumentado) ou em decorrência da perda direta ou indireta
de HCO3- (ACM com AG normal).

Voltando ao caso clínico, para refinamento da avaliação da ACM presente, o seguimento


consiste no cálculo do AG, o qual deve ser corrigido pela albumina. Nesta situação temos
Na de 145mEq/L, HCO3 de 16mEq/L, Cl de 100mEq/L, logo o AG = 145 - (16 + 100) = 29,
429

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

e não há correção para albumina, pois esta encontra-se dentro dos limites de normalidade.
Logo, estamos frente a um quadro de ACM de AG aumentado. Qual o próximo passo de
nossa investigação?

Acidose metabólica com ânion gap aumentado

No caso de ACM de AG elevado, existe adição ou retenção primária de cargas ácidas (H+)
ao sistema, como ocorre na acidose lática, intoxicações exógenas, insuficiência renal e
cetoacidose diabética etc. Dessa forma, há necessidade de elevação de cargas aniônicas
para manutenção da eletroneutralidade, sem necessidade de alteração do cloro sérico. As-
sim, AG elevado reflete o aumento de ânions não mensuráveis (principalmente ácidos orgâ-
nicos). O aumento da produção de ácidos orgânicos pode resultar do excesso da atividade
de uma via metabólica normal (por exemplo: produção de ácido láctico durante a hipóxia)
ou do metabolismo de substâncias tóxicas (por exemplo: metanol e etilenoglicol).

Na ACM pelo acúmulo de ácidos, o aumento do AG acima de 12mEq/L deve ser propor-
cional à queda da concentração plasmática de HCO3- . Isso constitui uma importante fer-
ramenta para o refinamento da investigação dos DAB, levando em consideração que, nas
diversas situações clínicas, pode haver mais de um distúrbio presente. Para tal, procede-se
ao cálculo do ΔAG/ΔBIC, o qual habitualmente varia entre 1 e 2 (na acidose lática, esta
relação situa-se em 1,6). Caso essa variação (ΔAG/ΔBIC) não seja proporcional e haja um
aumento do AG mais importante do que a queda de bicarbonato (ΔAG > ΔBIC ou ΔAG/ΔBIC
> 2), existe a associação dessa acidose de AG aumentado, com alcalose metabólica, pois
os níveis de bicarbonato estão acima do esperado. Em contrapartida, se o aumento do AG
for menor do que a queda de bicarbonato (ΔAG < ΔBIC ou ΔAG/ΔBIC < 1), existem dois
processos promovendo ACM com mecanismos fisiopatológicos distintos, um por adição
de ácidos (AG aumentado) e outro por perda de bicarbonato (AG normal). Nessa segunda
situação, observa-se que o bicarbonato apresentou queda maior do que a prevista.

Voltando ao nosso cenário clínico, observamos uma ACM de AG aumentado (AG = 29). De-
vemos, então, avaliar o cálculo do ΔAG/ΔBIC.

Nessa situação o ΔAG = 29 - 12 = 17 e o ΔBIC = 24 -16 = 8, logo o ΔAG/ΔBIC = 2,12. Ou


seja, a queda do bicarbonato não foi proporcional ao aumento de AG, evidenciando que há
um terceiro distúrbio associado aos anteriores: alcalose metabólica, provavelmente relacio-
nada ao quadro de vômitos. Posteriormente, veremos que podemos estratificar a alcalose
metabólica em salino-sensível e salino-resistente.
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Em nosso cenário clínico, a identificação de determinação ACM com aumento do AG, le-
vanta a suspeita de intoxicação exógena, por exemplo devido à ingestão inadvertidamente
excessiva de ácido acetilsalicílico, associada à adição de ácidos na corrente sanguínea
devido um distúrbio mitocondrial.

No seguimento da investigação do paciente com suspeita de intoxicação exógena, outra


ferramenta que se pode utilizar é o gap osmolar, o qual é calculado pela diferença entre a
osmolaridade real (medida pelo osmômetro) e a osmolaridade estimada (calculada pela fór-
mula: 2 x Na + glicose/18 + ureia/6). Pode-se observar que o cálculo da osmolaridade esti-
mada leva em consideração apenas estes três elementos, sódio, glicose e ureia, como con-
tribuintes para a osmolaridade plasmática. Se houver a adição de alguma substância com
poder osmótico no plasma, como na intoxicação por metanol, etileno glicol, entre outras,
a osmolaridade estimada se manterá inalterada, porém, quando aferida pelo osmômetro,
esta será maior e, consequentemente, haverá uma diferença, caracterizando um gap osmo-
lar (osmolaridade real – osmolaridade calculada) > 10mOsm/L, o que corrobora a hipótese
de intoxicação exógena por determinados agentes com poder osmótico. A intoxicação por
salicilato faz parte do grupo em que não há aumento do gap osmolar. Esta hipótese foi con-
firmada pelos exames toxicológicos, com nível sérico de salicilato de 90mg/dL, e a paciente
foi tratada com cuidados intensivos e infusão de bicarbonato de sódio, apresentando boa
evolução clínica.

Acidose metabólica com ânion gap normal

Na ACM de AG normal ou hiperclorêmica, existe perda primária de bicarbonato (por exem-


plo, diarreia e acidose tubular renal) sem existir adição de cargas ácidas. Assim, o organis-
mo compensa a eletroneutralidade, em alguns casos, aumentando a reabsorção de cloreto
pelo túbulo renal.

A perda direta de HCO3- pode ocorrer via trato gastrointestinal (p. ex., diarréia) ou pela urina
(por exemplo: acidose tubular renal proximal ou uso de acetazolamida). A perda indireta
de HCO3- ocorre em situações com baixa excreção de NH4 (por exemplo: acidose tubular
+

renal distal e insuficiência renal).

A expansão rápida de volume com soro fisiológico intravenoso pode produzir “acidose di-
lucional”, uma vez que há retenção de Cl-.

A Figura 2 resume a avaliação e investigação das acidoses metabólicas.


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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

Figura 2. Abordagem diagnóstica das acidoses metabólicas. Adaptado de Halperin ML, Goldstein
MB, Kamel KS.. Fluid, electrolyte and acid-base physiology. A problem-based approach. 4. ed.
Philadelphia:. Saunders Elsevier; 2010.
PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; AG: ânion gap; HCO3: bicarbonato;
TGF: taxa de filtração glomerular

Existem vários tópicos controversos quanto ao tratamento da ACM, porém há uniformida-


de que devemos tratar e controlar a doença de base ou fator predisponente. É de grande
importância a eliminação da causa básica e uma condição ventilatória adequada. De forma
geral, utiliza-se bicarbonato por via intravenosa, particularmente nas situações de acidemia
metabólica de AG normal (perda primária de bicarbonato), quando pH sérico < 7,1 e/ou
bicarbonato plasmático < 10mEq/L, em condições hemodinâmicas, hidratação e de venti-
lação adequadas.

Considerações especiais devem ser feitas na cetoacidose diabética, quadros de compro-


metimento pulmonar, tubulopatias (acidose tubular renal), insuficiência renal, parada cardior-
respiratória, período neonatal, situações específicas de intoxicação, erros inatos do meta-
bolismo etc. Apesar dos efeitos conhecidos da acidemia, discute-se seu papel protetor nas
células sob hipoxemia e os riscos da alcalemia, consequente à intervenção medicamentosa.

Na acidose de AG elevado, em especial na acidose láctica, cetoacidose diabética e na res-


suscitação cardiopulmonar, o uso do bicarbonato de sódio não demonstra benefícios, além
dos potenciais efeitos adversos, sendo restrita sua indicação. Na cetoacidose diabética,
considera-se a administração de bicarbonato com pH < 6,9 ou bicarbonato < 5mEq/L, ape-
sar de hidratação e insulinoterapia ou comprometimento cardiovascular grave. Na parada
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

cardiorrespiratória, considera-se sua administração em casos de reanimação prolongada,


com ventilação e compressão torácica efetivas e utilização de adrenalina. Outras indica-
ções específicas são determinadas intoxicações com finalidade de alcalinização urinária
ou redução de arritmia cardíaca, como nos casos de intoxicação por metanol, metformina,
salicilatos, fenobarbital etc.

Para calcular a dose de bicarbonato a ser administrada utiliza-se a fórmula:

Bic = [ Bicesperado – Bicencontrado ] x peso (kg) x 0,3

Em que, em geral, adota-se BICesperado como 15mEq/L, por ser mais seguro quanto à com-
pensação respiratória. Outra forma de calcular a dosagem de bicarbonato é por meio do
valor de BE:

Bic = BE x 0,3 x peso (kg)

O BE é um valor calculado, derivado da pressão parcial de gás carbônico e do pH arterial,


assumindo um conteúdo normal de água, eletrólitos e albumina, o que torna sua interpreta-
ção mais sujeita a erros.

Devemos utilizar solução de bicarbonato endovenoso, o mais iso-osmolar possível (cerca


de 1,5%), utilizando diluições necessárias, de acordo com a apresentação oferecida (3, 8,4
ou 10%, contendo 0,36, 1 e 1,2mEq/L, respectivamente). Idealmente, deve ser administrado
em via central ou diluído com água destilada. Dependendo da gravidade, utilizamos metade
da dose calculada, administrada entre 1 ou 4 horas, exceto na parada cardiorrespiratória,
após o que, nova coleta gasométrica e reavaliação clínica se tornam necessárias. O volume
infundido e a quantidade de sódio oferecida simultaneamente devem ser considerados. Se
existir insuficiência renal aguda ou hiperosmolaridade como em situações de hipernatremia,
deve ser considerada a possibilidade de método dialítico.

É importante lembrar que a administração de bicarbonato de sódio resulta na produção de


gás carbônico e água e, portanto, deve-se garantir ventilação adequada para que o gás
carbônico produzido seja eliminado apropriadamente pelos pulmões.

Ressalta-se a importância da adequação do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo tecidual


para diminuir a PaCO2 e minimizar o tamponamento de H+ pelas proteínas intracelulares.
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

Deve-se considerar também que um dos mecanismos de compensação da ACM é a troca


transcelular de K+ e H+, em que o primeiro vai para o extracelular em troca do segundo, para
minimizar a queda de pH. Logo, quando se procede à correção da acidose com a infusão
de bicarbonato, este tampão é desfeito e o K+ retornará para o intracelular, reduzindo seus
níveis séricos. Dessa forma, deve-se estar atento à possível evolução com hipocalemia as-
sociada e acrescentar K+ na solução, caso haja necessidade. Além da hipopotassemia, os
riscos da correção de bicarbonato incluem hipocalcemia, correção rápida de hiponatremia
crônica com desmielinização osmótica, acidose paradoxal do sistema nervoso central, so-
brecarga cardiovascular, edema agudo de pulmão, entre outas.

A PaCO2 venosa (coletada preferencialmente da veia braquial ou da veia femoral) pode ser
útil para monitorar o fluxo sanguíneo tecidual, que é considerado adequado quando a dife-
rença entre a PaCO2 venosa e a PaCO2 arterial situa-se abaixo de 10mmHg.

Alcalose metabólica

Alcalemia é estabelecida quando pH arterial está acima de 7,45 e alcalose metabólica é


definida como o processo patológico que leva à redução da concentração sanguínea de hi-
drogênio iônico, com aumento do bicarbonato sérico. Diversos mecanismos podem levar a
essa situação, como perda excessiva desses íons hidrogênio, adição de bases e contração
da volemia, mantendo-se HCO3- constante.

O principal mecanismo compensatório constitui redução da frequência respiratória, a fim


de aumentar a PaCO2 em 0,7mmHg para cada 1mEq/L de aumento de HCO3-, todavia a
compensação respiratória nunca ultrapassa PaCO2 de 55 a 60mmHg.

O paciente pode apresentar alcalose respiratória concomitante, se o PaCO2 estiver abaixo


do esperado, ou acidose respiratória, se acima, caracterizando, assim, um distúrbio misto.

Outros mecanismos de tamponamento são celulares, com Na+/K+, trocas entre Cl-/ HCO3,
e aumento da ligação do cálcio iônico com albumina, reduzindo sua fração livre.

As principais causas de alcalose metabólica estão descritas no Quadro 3. Em crianças,


esse distúrbio é mais frequentemente secundário aos vômitos ou ao uso de diuréticos.
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 3. Diagnóstico diferencial das alcaloses metabólicas

Perdas gastrintestinais: vômitos, alto débito via sonda nasogátrica


Salino-sensível
Uso de diuréticos (tiazídicos ou diuréticos de alça)
(UCl < 20mEq/L;
Pós-hipercapnia
habitualmente < 15 mEq/L)
Fibrose cística

Hiperplasia adrenal (deficiência de 11β-hidroxilase e 17α-hidroxilase)

Adenoma adrenal

Uso de glicocorticoides

Hipertensão renovascular
Salino-resistente
Tumor secretor de renina
(UCl > 20-25mEq/L;
Síndrome de Cushing
habitualmente > 40 mEq/L)
Síndrome de Bartter

Síndrome de Gitelman

Síndrome de Liddle

Administração de base (pós transfusão sanguínea, por exemplo)

As alcaloses metabólicas podem ser classificadas em salino-sensíveis e salino-resistentes,


de acordo com o valor de cloro urinário (Quadro 3). No primeiro grupo, há depleção de vo-
lume intravascular, associada com perdas de sódio e potássio e, principalmente, de cloro,
sendo necessária a restituição da volemia e reposição de cloro para sua correção. Quando
avaliado, o cloro urinário está abaixo de 20mEq/L (em geral, < 15mEq/L). Nessas situações
de hipovolemia, há redução da taxa de filtração glomerular, com estímulo a uma maior rea-
bsorção no túbulo proximal de sódio e bicarbonato, além de ativação do sistema renina-an-
giotensina-aldosterona, o que leva ao aumento da excreção de íons hidrogênio no túbulo
distal, a fim de aumentar a reabsorção de sódio, para restituir a euvolemia. O potássio se
desloca para o intracelular em troca dos íons hidrogênio, como mecanismo tampão, porém
sua excreção renal está aumentada pela ação da aldosterona.

Em nosso cenário clínico, o cloro urinário resultou em 7mEq/L, configurando quadro de


alcalose metabólica salino-sensível, provavelmente relacionado ao quadro de vômitos. Em
contraste, os pacientes com alcalose metabólica salino-resistente em que o cloro urinário
é maior que 20 a 25mEq/L (em geral, > 40mEq/L), não há melhora após administração de
volume. Nesse grupo, encontram-se etiologias que podem cursar associadas com hiperten-
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

são e nas quais há aumento primário de renina, angiotensina ou aldosterona, culminando


com aumento da excreção de hidrogênio pelo túbulo distal e alcalose metabólica.

Os pacientes em uso prolongado de diuréticos de alça ou portadores de tubulopatias asso-


ciadas a alcalose metabólica, como a síndrome de Bartter e Gitelman, apresentam perda renal
excessiva de sódio, cloro e água, levando a um hiperaldosteronismo secundário. Por fim, a ad-
ministração de bases em excesso também constitui uma das causas de alcalose metabólica sa-
lino-resistente, e pode ser observada em pacientes pós-transfusão de hemoderivados, os quais
são anticoagulados com citrato, que é metabolizado em bicarbonato pelos hepatócitos, além
de administração excessiva de bicarbonato para correção de acidose, entre outras situações.

Os sintomas de alcalose metabólica são, em geral, relacionados com a doença de base que
ocasionou o distúrbio, como hipovolemia, desidratação e letargia. A hipocalemia secundá-
ria a alcalose também pode se manifestar com sintomas inespecíficos até arritmias graves.
A alcalemia também leva à redução do cálcio iônico, o qual aumenta sua fração ligada a
albumina, e isso pode ocasionar parestesia e tetania.

A investigação deve ser direcionada pelo quadro clínico, seguida da avaliação dos mecanismos
compensatórios e cálculo da PaCO2 esperada, para que se identifique se há algum distúrbio res-
piratório associado. A dosagem do cloro urinário, conforme revisado, auxilia na classificação e
no diagnóstico diferencial. O tratamento deve ser direcionado para a causa base que ocasionou
o DAB, lembrando da reposição de volume com soro fisiológico nas causas salino-sensíveis. O
tratamento da hipocalemia e hipocalcemia associadas também pode ser necessário.

Acidose respiratória

A acidose respiratória é definida por aumento da PaCO2 (>45mmHg) e da concentração de H+


no plasma, decorrente do desequilíbrio entre a produção de gás carbônico pelo metabolismo
e sua eliminação pelos pulmões. Recentemente, a forma tecidual de acidose respiratória tem
sido enfatizada, revelada pela PaCO2 venosa elevada em amostra de sangue proveniente da
veia braquial ou da veia femoral, que reflete a PaCO2 capilar e celular. Alguns minutos após o
aumento agudo da PaCO2, há pequeno aumento da concentração plasmática de HCO3-, em
decorrência do tamponamento intracelular de H+ e da saída de HCO3- do meio intracelular
em troca de Cl-. Na acidose respiratória crônica, que é estabelecida após 24 horas, a acide-
mia resultante da hipercapnia prolongada leva à compensação renal desse distúrbio, com
aumento da excreção de NH4+ e reabsorção indireta de HCO3-. Além disso, há otimização da
reabsorção proximal de HCO3-, contribuindo para a elevação da concentração plasmática
do mesmo. Ressalta-se que a hipercapnia persistente desde poucas horas já causa aumento
da concentração de HCO3- no líquido cefalorraquidiano, restaurando parcialmente seu pH. A
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

correção abrupta da hipercapnia crônica, por exemplo, pela ventilação mecânica (VM), alcali-
niza o líquido cefalorraquidiano, podendo causar crises convulsivas, além de levar à alcalose
metabólica sistêmica, que pode persistir por vários dias. As principais causas de acidose
respiratória aguda e crônica estão descritas no Quadro 4.

Quadro 4. Causas de acidose respiratória

Obstrução das vias aéreas


Aspiração de corpo estranho ou vômitos
Broncoespasmo, laringoespasmo e epiglotite
Depressão do centro respiratório
Intoxicação por barbitúricos, opiáceos, anestesia geral
Traumatismo cranioencefálico, herniação tentorial
Causas agudas Distúrbios neuromusculares
Polirradiculoneurite, miopatia hipocalêmica, miastenia grave e drogas
Paralisia periódica, hipocalemia, hipofosfatemia, tétano e botulismo
Distúrbios restritivos e de difusão
Insuficiência cardíaca e edema pulmonar
Asma grave e exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica
Pneumotórax e hemotórax
Obstrução das vias aéreas
Enfisema pulmonar
Fibrose cística
Broncodiaplasia pulmonar
Depressão do centro respiratório
Tumor do sistema nervoso central, obesidade grave
Distúrbios neuromusculares e da caixa torácica
Lesões medulares e esclerose múltipla
Causas crônicas
Miopatias e paralisia diafragmática
Cifoescoliose grave
Distúrbios restritivos e de difusão
Fibrose intersticial e doença pulmonar obstrutiva crônica
Ascite grave, obesidade extrema
Malformação congênita
Hérnia diafragmática, cardiopatia cianótica
Ventilação pulmonar mecânica

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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

As manifestações clínicas incluem ansiedade, sudorese, alterações visuais, palidez, confu-


são mental, sonolência, tremores, estupor e coma, dependendo da gravidade e do tempo
de instalação. Hipertensão intracraniana pode estar presente em casos graves. Taquipneia,
taquicardia, arritmias cardíacas, assim como episódios de hipotensão podem estar presen-
tes, enquanto cor pulmonale e edema periférico podem se instalar nos casos crônicos.

Deve-se investigar a presença de doença pulmonar crônica pela anamnese e por exame
físico. A análise da gasometria deve levar em consideração a PaCO2 em relação ao estado
acidobásico e a resposta fisiológica esperada, determinando se o quadro está compensado
ou não, e a possibilidade de um distúrbio misto. A Figura 3 exemplifica a abordagem diag-
nóstica do paciente com acidose respiratória.

Figura 3. Abordagem diagnóstica do paciente com acidose respiratória.


HCO3: bicarbonato; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico.
Adaptado de: Halperin ML, Goldstein MB, Kamel KS.. Fluid, electrolyte and acid-base physiology.
A problem-based approach. 4. ed. Philadelphia:. Saunders Elsevier; 2010

O tratamento visa suprimir a causa etiológica e abordar a hipercapnia e a hipoxemia. A


utilização de bicarbonato de sódio na acidose respiratória aguda, na ausência de ACM
concomitante, é especulada naqueles casos de acidemia grave (pH < 7,1), particularmente
naqueles pacientes asmáticos que necessitam de VM.
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Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Nos pacientes sob VM convencional e acidose respiratória, os parâmetros devem ser re-
vistos como adequação da pressão inspiratória, volume corrente e frequência respiratória,
visando à ventilação alveolar satisfatória. Estratégia terapêutica especial deve ser conside-
rada nos casos de ventilação de alta frequência oscilatória. Nos casos de exacerbação da
hipercapnia crônica, deve-se reduzir a PaCO2 gradativamente, considerando-se aceitáveis,
valores de 45 a 60mmHg, desde que o pH se encontre nos limites da normalidade. Nos
casos de cronicidade, usualmente não há necessidade de correção do pH na hipercapnia
grave, devido à efetividade da compensação renal.

Alcalose respiratória

Alcalose respiratória é a condição em que o PaCO2 arterial está inadvertidamente abaixo de


35mmHg ou abaixo do esperado para compensação de uma ACM. O pH arterial pode estar
acima de 7,45, caracterizando alcalemia, ou dentro da normalidade, quando há compensa-
ção pelos sistemas tampão. O principal mecanismo compensatório é renal, com redução do
bicarbonato em 2mEq/L para cada 10mmHg de queda de PaCO2. O aumento da excreção
renal de ácido pelos túbulos proximal e distal se eleva progressivamente, até que após 2 a
3 dias esta atinge sua capacidade máxima (compensação crônica), com redução em torno
de 5mEq/L de bicarbonato para cada 10mmHg de queda de PaCO2.

A alcalose metabólica tem como principal etiologia a hiperventilação, e uma variedade de


estímulos podem aumentar o drive respiratório. A hipoxemia é uma importante causa de
taquipneia, e pode ser secundária às pneumopatias como pneumonia, asma, edema pul-
monar, tromboembolismo pulmonar, síndrome de angústia respiratória aguda (SARA), pneu-
motórax, entre outras; obstrução das vias aéreas como no laringoespasmo; cardiopatias
cianogênicas; anemia severa e intoxicação por monóxido de carbono. As patologias pul-
monares inicialmente se apresentam com alcalose respiratória para tentar otimizar a oxi-
genação, porém a evolução da doença de base associada à fadiga da musculatura leva à
insuficiência respiratória, redução da taquipneia e acidose respiratória.

A hiperventilação, na ausência de penumopatia ou hipóxia tissular, pode aparecer em do-


enças do sistema nervoso central em que há lesão do centro respiratório. São exemplos de
causas: meningite, encefalite, trauma, sangramento ou isquemia e tumor de sistema nervoso
central. A intoxicação por salicilato, que foi citada em nosso cenário clínico, além de causar
ACM, pode desencadear alcalose respiratória por estimulação direta do centro respiratório.

Existem outras condições que também cursam com alcalose respiratória independente dos
mecanismos anteriormente citados, como dor, estresse, ansiedade, febre, insuficiência he-
pática, uso de catecolaminas, entre outras. Pacientes em VM comumente se apresentam
439

439
Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Camip

em alcalose metabólica, pois o controle pelo centro respiratório encontra-se suprimido.


Nestes, há necessidade de reajuste dos parâmetros ventilatórios de acordo com os valores
de PaCO2.

A apresentação clínica e os sintomas variam de acordo com a doença de base. Alcalose


respiratória aguda pode se manifestar com palpitações, dor torácica, turvação visual, ton-
tura e parestesia. Os sintomas relacionados ao sistema nervoso central se devem à vaso-
constrição cerebral e à consequente redução do fluxo sanguíneo pela hiperventilação; a
parestesia pode ocorrer pela redução do cálcio ionizado em situação de alcalemia.

O diagnóstico é feito pela gasometria arterial, associada ao cálculo do bicarbonato espera-


do para avaliar se o distúrbio é simples ou misto, e o refinamento também deve ser direcio-
nado pela suspeita clínica, assim como o tratamento. Em pacientes em VM convencional,
pode-se reduzir a frequência respiratória, reduzir a pressão de pico e o gap entre pressão
inspiratória e PEEP, além de reduzir o tempo inspiratório.

Messages to take home

• Considerar sempre o cenário clínico e determinar qual anormalidade é primária e quais


são secundárias, baseadas no pH, bicarbonato, PaCO2 e nos mecanismos de compen-
sação esperada dos distúrbios
• Frente a ACM, calcular o AG, lembrando de corrigi-lo pela albumina sérica. Nos casos de
AG aumentado, calcular o ΔAG/ΔBIC, pois pode haver outros distúrbios associados
• As causas de ACM de AG aumentado estão relacionadas à “adição de ácidos”, enquan-
to que, nas acidoses de AG normal (hiperclorêmica), há perdas renais ou gastrintestinais
de bicarbonato. Na alcalose metabólica, considerar a histórica clínica, os níveis pressóri-
cos e o UCl para classificação deste distúrbio em salino-sensível ou salino-resistente

Nota dos autores

Utilizamos, neste capítulo, a abordagem fisiológica tradicional, a qual considera a PaCO2 e


o HCO3- como fatores de ajustes independentes para determinação do pH ou da [H+]. O íon
H+ é central nessa abordagem. Nessa visão tradicional, por meio da análise do pH, HCO3-,
PaCO2 e das equações de Henderson-Hasselbach e Henderson modificada por Kassirer e
Bleich, é possível descrever e quantificar os distúrbios respiratórios e acidobásicos, sen-
do estes complementados pelo BE (ou do SBE), AG sérico e ΔAG/ΔHCO3-. Existe outra
abordagem, denominada teoria de Stewart ou abordagem físico-química quantitativa, a qual
considera a água como uma fonte inesgotável de íons H+, fornecendo os íons hidrogênio por
440

440
Capítulo 23 | Distúrbios acidobásicos
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

meio de dissociação ou de recomposição: H2O n H+ + OH-. Assim, os íons H+ (pH) e o HCO3-


consistem em variáveis dependentes, podendo ser gerados ou consumidos por mudanças
na dissociação da água para estabelecer um balanço requerido de eletroneutralidade, equilí-
brio dissociativo e conservação de massa. Stewart estabeleceu três variáveis independentes
que afetam a concentração da [H+] no plasma: a SID (sigla do inglês strong ion difference), a
PaCO2 e os ácidos fracos não voláteis (ATOT). A concentração das variáveis dependentes (H+
[pH) e o HCO3-] se modificam somente em função das variáveis independentes.

A avaliação e a abordagem dos distúrbios respiratórios, ventilatórios e de oxigenação apresen-


tam considerações específicas, as quais não foram possíveis serem abordadas neste capítulo.

Bibiografia

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442

442
Capítulo Terapia Nutricional na
Capítulo 24
24 || Terapia
Terapia nutricional
nutricional na
na criança
criança gravemente
gravemente doente
doente
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
24
Criança
Capítulo 24
Capítulo 24
Gravemente Doente
Capítulo
Terapia 24
nutricional na criança gravemente doente
Terapia
Terapia nutricional na
nutricional na criança
criança gravemente
gravemente doente
doente
Artur
Artur Figueiredo
Figueiredo Delgado
Delgado
Artur Figueiredo Delgado
Caso
Caso clínico
Caso clínico
Artur Figueiredo Delgado
clínico
Menino
Menino de de 6
6 anos
anos com
com quadro
quadro dede meningococcemia
meningococcemia e e meningite
meningite foi
foi internado
internado na
na unidade
unidade dede
Menino
terapia de 6 anos
intensiva com
(UTI) quadro
com de
grave meningococcemia
instabilidade e meningite
hemodinâmica e foi internado
hipotensão na
não unidade de
responsiva
terapia intensiva (UTI) com grave instabilidade hemodinâmica e hipotensão não responsiva
terapia
à intensiva (UTI) instituída
com grave instabilidade hemodinâmica e hipotensão não responsiva
à reparação
reparação volêmica
volêmica instituída na na primeira
primeira hora.
hora. Em
Em vista
vista do
do quadro
quadro de de choque
choque séptico
séptico foi
foi
à reparação
intubado e volêmica
colocado instituída
em na
ventilação primeira
mecânica hora.
comEm vista do
parâmetros quadro
de de choque
suporte. séptico
Iniciou-se a foi
ad-
intubado e colocado em ventilação mecânica com parâmetros de suporte. Iniciou-se a ad-
intubado
ministraçãoe colocado em ventilação mecânica comque parâmetros de suporte. Iniciou-se a ad-
ministração de de noradrenalina
noradrenalina em em infusão
infusão contínua,
contínua, que rapidamente
rapidamente necessitou
necessitou de
de aumento
aumento
ministração
da de noradrenalina em infusão contínua, que rapidamente necessitou de aumento
da dose.
dose. Após
Após 3 3 horas,
horas, o o paciente
paciente melhorou,
melhorou, com
com estabilização
estabilização clínica
clínica ee dependência
dependência de de no-
no-
da dose.
radrenalinaApós 3 horas, o paciente melhorou, com estabilização clínica e dependência de no-
radrenalina de 0,5mcg/kg/minuto. Houve melhora perfusional e da pressão arterial. Após 24
de 0,5mcg/kg/minuto. Houve melhora perfusional e da pressão arterial. Após 24
radrenalina
horas foram de 0,5mcg/kg/minuto.
possíveis as reduções Houve
de melhora perfusional
noradrenalina, para dose emínima,
da pressãoe arterial.
dos Após do
parâmetros 24
horas foram possíveis as reduções de noradrenalina, para dose mínima, e dos parâmetros do
horas foram possíveis
ventilador. as reduções de noradrenalina, para dosecompreendeu
mínima, e dos parâmetros do
ventilador. AA antibioticoterapia,
antibioticoterapia, queque se
se iniciou
iniciou na
na primeira
primeira hora,
hora, compreendeu a a administração
administração
ventilador.
de A antibioticoterapia, Foique se iniciouutilizada
na primeira hora, compreendeu a administração
de ceftriaxona
ceftriaxona (100mg/kg/dia).
(100mg/kg/dia). Foi também
também utilizada corticoterapia
corticoterapia para
para oo choque
choque séptico.
séptico.
de ceftriaxona (100mg/kg/dia). Foi também utilizada corticoterapia para o choque séptico.
A
A noradrenalina
noradrenalina foi
foi suspensa
suspensa nono quarto
quarto dia
dia de
de internação,
internação, o o paciente
paciente foi
foi mantido
mantido com
com soro
soro
A
de noradrenalina foi suspensa no quarto dia de internação, o paciente foi mantido com soro
de manutenção em veia periférica. No quinto dia, institui-se a administração de terapia nu-
manutenção em veia periférica. No quinto dia, institui-se a administração de terapia nu-
de manutenção
tricional mínima em
com veia periférica.
dieta poliméricaNocompleta
quinto dia, institui-se
1cal/mL, de a administração
forma intermitentedeeterapia
por nu-
sonda
tricional mínima com dieta polimérica completa 1cal/mL, de forma intermitente e por sonda
tricional mínima com
nasogástrica. dieta polimérica completa 1cal/mL, de forma intermitentevômitos,
e por sonda
nasogástrica. OO paciente
paciente apresentou
apresentou distensão
distensão abdominal
abdominal moderada,
moderada, semsem vômitos, e e a
a
nasogástrica.
dieta foi O paciente
suspensa. Foi apresentou
instalado distensão
cateter venoso abdominal
central em moderada,
veia subclávia sem
e vômitos,
iniciada e a
terapia
dieta foi suspensa. Foi instalado cateter venoso central em veia subclávia e iniciada terapia
dieta foi suspensa. Foi(TNP)
nutricional instalado cateter venoso central em veia subclávia e iniciada terapia
nutricional parenteral
parenteral (TNP) total.
total.
nutricional parenteral (TNP) total.
Houve
Houve significativa
significativa melhora
melhora do
do quadro
quadro e eoo paciente
paciente foi
foi extubado
extubado no no sexto
sexto dia
dia de
de internação,
internação,
Houve
recebendosignificativa melhora do quadro e o paciente foi extubado no sexto dia de internação,
recebendo TNP exclusiva (não foi reiniciada a terapia nutricional enteral – TNE). No
TNP exclusiva (não foi reiniciada a terapia nutricional enteral – TNE). No nono
nono
recebendo
dia de TNP
internação exclusiva
evoluiu (não
com foi
piorareiniciada
clínica, a terapia
febre nutricional
elevada e enteral
hiperemia – TNE).
pericateter No nono
venoso,
dia de internação evoluiu com piora clínica, febre elevada e hiperemia pericateter venoso,
dia de internação
sendo evoluiu com piora clínica, febre elevada e hiperemia pericateter venoso,
sendo isolado
isolado Staphylococcus
Staphylococcus coagulase
coagulase negativo
negativo em
em hemocultura
hemocultura periférica.
periférica. Foi
Foi retirado
retirado o
o
sendo
cateter,isolado
suspensaStaphylococcus
a TNP e coagulase
introduzida negativo em
vancomicina comhemocultura
melhora periférica.
clínica após Foi
48 retiradoNo
horas. o
cateter, suspensa a TNP e introduzida vancomicina com melhora clínica após 48 horas. No
cateter,
décimo suspensa a TNP e introduzida vancomicina com melhora clínica após 48 horas.veia
No
décimo dia,
dia, foi
foi reintroduzida
reintroduzida dieta
dieta polimérica
polimérica completa
completa por
por sonda
sonda associada
associada à à TNP
TNP por
por veia
décimo dia, foi reintroduzida
periférica. dieta polimérica completa por sonda associada à TNP por veia
periférica. Houve
Houve melhora
melhora significativa
significativa e,
e, no
no 12º
12º dia
dia de
de internação,
internação, foi foi dado
dado alta
alta da
da UTI.
UTI. O
O
periférica.
paciente Houve
apresentou melhora significativa
deterioração e, no
nutricional 12º dia de
significativainternação,
neste períodofoi dado
com alta
perda da
de UTI. O
peso,
paciente apresentou deterioração nutricional significativa neste período com perda de peso,
paciente
redução apresentou deterioração nutricional significativa neste período com perda de peso,
redução da da circunferência
circunferência muscular
muscular dodo braço
braço e e da
da prega
prega tricipital.
tricipital.
redução da circunferência muscular do braço e da prega tricipital.
Questões
Questões
Questões
1.
1. Quais
Quais as
as complicações
complicações da
da subnutrição
subnutrição hospitalar
hospitalar e
e consequente
consequente deterioração
deterioração do
do
1. Quais
estadoas complicações da subnutrição hospitalar e consequente deterioração do
nutricional?
estado nutricional?
estado nutricional?
2.
2. Quais
Quais as
as principais
principais indicações
indicações da
da TNP?
TNP? Quais
Quais as
as principais
principais vias
vias de
de acesso?
acesso?
2. Quais as principais indicações da TNP? Quais as principais vias de acesso?
443
443
443
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

3. Quais as principais indicações da terapia nutricional enteral (TNE)? Quais as principais


vias de acesso?

4. Quais as principais complicações da TNE?

Apresentação
A nutrição adequada na criança gravemente doente deve fornecer substratos para a ma-
nutenção do metabolismo/composição corpórea, função imune e recuperação da situação
clínica que motivou a internação. A subnutrição do paciente gravemente doente, associada
ou não à doença de base, sabidamente impacta negativamente na recuperação, podendo
aumentar a morbimortalidade e prolongar a internação hospitalar, com custos crescentes.
Ao longo dos últimos 30 anos, a prevalência de subnutrição em crianças internadas em te-
rapia intensiva se manteve praticamente inalterada, em torno de 20 a 30%, e cerca de 40%
das crianças hospitalizadas desenvolvem o quadro de subnutrição durante a doença aguda
ou crônica. Dados recentes associam o pior resultado de recuperação com a deprivação
proteicocalórica cumulativa. Associações foram relatadas entre piora aguda do estado nu-
tricional, diminuição da eficiência da função respiratória, défice na cicatrização, disfunção
imune e gastrintestinal. A subnutrição é comum na admissão hospitalar e tende a se inten-
sificar durante o período de internação. Crianças têm uma taxa metabólica basal alta e uma
limitada reserva de energia e alguns grupos de doenças têm maior risco de desenvolver
subnutrição, como os cardiopatas e os grande queimados.

A falta de pesquisas sistemáticas e ensaios clínicos em crianças dificulta a elaboração de


diretrizes baseadas em evidências nessa faixa etária, e a extrapolação de dados de literatu-
ra para adultos críticos não é desejável em crianças gravemente doentes.

Risco para subnutrição


A doença pode aumentar a demanda metabólica durante a resposta ao estresse, numa fase
em que a oferta de nutrientes pode estar limitada. Muitas das alterações metabólicas que ocor-
rem no paciente gravemente doente são comuns em várias situações clínicas como: politrauma,
sepse ou outras ocasiões em que ocorra a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS).

O prolongamento da resposta inflamatória exerce um efeito deletério no estado nutricional


do paciente. O estado nutricional e o sistema imune têm influência mútua. As ações do
sistema imune exercem potencialmente uma influência negativa no estado nutricional, e as
alterações na oferta de nutrientes modulam a intensidade de várias atividades do sistema
imune. Estudos experimentais e observações clínicas revelaram que, em muitos aspectos,
a resposta imune pode ser modificada pela melhora da ingesta proteica em geral, de ami-
noácidos específicos, lipídios e micronutrientes.
444

444
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Embora a terapia nutricional não possa ainda reverter ou prevenir a magnitude dessa res-
posta, a incapacidade de avaliar e fornecer nutrientes adaptados durante essa fase resulta
em piora de deficiências já existentes e aumento da morbidade. Por outro lado, o excesso
de oferta de nutrientes também impacta negativamente na população de crianças grave-
mente doentes, sendo este risco elevado, inclusive, em crianças obesas.

Na criança gravemente doente, o perfil hormonal e de citocinas é único e caracterizado por


elevação nos níveis séricos de insulina, glucagon, cortisol, catecolaminas e citocinas pró-
-inflamatórias (fator de necrose tumoral-alfa - TNF-α, interleucina 6 - IL6, interleucina 1-beta
- IL1-β). As citocinas agem de forma apócrina, parácrina e endócrina e modificam várias ati-
vidades do sistema imune (proliferação celular, quimiotaxia e mudança de classe de anticor-
pos). As citocinas também estimulam a síntese de potentes moléculas oxidantes (peróxido
de hidrogênio, óxido nítrico, radical hidroxil, ácido hipocloroso e ânions superóxidos), que
podem romper a integridade celular do microrganismo invasor. Os processos bioquímicos
intracelulares e extracelulares de um paciente infectado são alterados, assegurando que o
sistema imune receba nutrientes, por meio de processos endógenos, para a manutenção
do trabalho metabólico.

O aumento dos hormônios contrarreguladores induz à resistência à insulina e ao hormônio


do crescimento, resultando em catabolismo dos estoques de proteína, hidratos de carbono
e gorduras, com a finalidade de fornecer substratos e energia, essenciais para suportar o
estresse metabólico.

A degradação proteica resulta em aumento dos aminoácidos livres que são utilizados para
síntese de proteínas de fase aguda (proteína C-reativa – PCR e pré-albumina) e para proces-
sos cicatriciais, com os aminoácidos remanescentes sendo utilizados na neoglicogênese.
O fornecimento de proteínas e glicose nessa fase frequentemente diminui a taxa de perdas
de proteínas e melhora a síntese das mesmas. Ocorre também o aumento da oxidação de
ácidos graxos, que não é minimizada pela oferta de glicose e coloca a população de re-
cém-nascidos e prematuros em especial risco de deficiência de ácidos graxos essenciais.

Estimativas da necessidade de energia

O gasto energético (GE) estimado pelas várias equações disponíveis pode superestimar
ou subestimar as necessidades de energia, sendo frequente a superestimativa, no caso de
crianças gravemente doentes que, diferentemente dos adultos, podem não apresentar uma
resposta hipermetabólica acentuada pós-trauma, por exemplo. Sedação, diminuição das
perdas insensíveis e a transitória ausência de crescimento implicam também numa redução
do GE.
445

445
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

O ideal para as crianças gravemente doentes, quando possível, é medir o GE por meio da
calorimetria indireta – que verifica o oxigênio consumido (VO2) e o gás carbônico produzido
(VCO2). A razão VCO2/VO2, chamada quociente respiratório (QR), é parcialmente determina-
da pelo tipo de substrato utilizado. Um QR <0,85 indica oferta inadequada de nutrientes, e
QR > 1 indica oferta excessiva de nutrientes. O tipo de substrato responsável pelos valores
> 1 é o carboidrato e pode impactar numa intolerância respiratória à oferta de nutrientes e
à dificuldade da retirada de ventilação mecânica. Porém, este dado não deve ser utilizado
isoladamente para guiar a oferta de substratos, devendo ser associado a outros marcado-
res, incluindo os inflamatórios de fase aguda. O custo elevado da análise metabólica por
calorimetria indireta impede sua utilização rotineira na maioria das UTI.

Não se recomenda utilizar o GE estimado para crianças gravemente enfermas – pois todas
as equações (Harris-Benedict, Caldwell-Kennedy, Schofield, FAO/WHO, Maffeis, Fleisch,
Kleiber, Dreyer e Hunter) são inadequadas, como têm demonstrado vários estudos de nível
III; mas, se as utilizarmos, nunca associar o fator de estresse.

Avaliação nutricional
A subnutrição hospitalar é um importante fator de risco para aumentar a morbidade, a taxa
de letalidade, o tempo de internação e o custo final do tratamento. O impacto da hospita-
lização na deterioração do estado nutricional é difícil de ser mensurado, mas a suspensão
inadvertida da TNE ou TNP pode levar a um aporte significativamente menor, com deterio-
ração adicional da condição nutricional.

A avaliação do estado nutricional no momento da admissão na UTI pediátrica é crítica para


a identificação das crianças em alto risco para deterioração adicional e permite o planeja-
mento e a otimização da terapia nutricional. O diagnóstico nutricional é geralmente baseado
em medidas objetivas, incluindo a quantificação da ingestão oral, alterações recentes de
peso, outras mensurações antropométricas, determinação da imunidade celular, indicado-
res bioquímicos e análise da composição corpórea.

Existem falhas em se aferir o peso na UTI, muitas vezes arraigadas ao conceito antigo de
não se mobilizar o paciente crítico.

Devemos obter: peso, estatura, circunferência do braço e prega do tríceps. Tais mensura-
ções são utilizadas, embora com potenciais erros, classicamente como indicadores princi-
pais para a classificação nutricional. Métodos de composição corporal, que podem melhor
estimar a massa magra como a bioimpedância e o DEXA, não estão completamente valida-
dos para a criança gravemente doente e podem ser de execução difícil. Todos os métodos
devem ser interpretados à luz do momento clínico como a presença de edema, diurese,
sobrecarga de líquidos etc.
446

446
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Podemos também avaliar o pool de proteínas viscerais, as proteínas de fase aguda e o


balanço nitrogenado. A albumina sérica de meia-vida longa (14 a 20 dias) não reflete ne-
cessariamente o estado nutricional e frequentemente mudanças no estado de hidratação
(sepse, trauma, alterações hepáticas etc.). Já a pré-albumina (meia-vida de 24 a 48 horas)
reflete agudamente as mudanças no estado nutricional de forma mais adequada. Proteínas
de fase aguda, como a PCR, aumentam rapidamente na fase aguda da SRIS (em 12 a 24
horas), e este aumento é diretamente proporcional à severidade da resposta inflamatória. As
proteínas viscerais deveriam ser avaliadas concomitantemente às proteínas inflamatórias,
para que seus valores pudessem ser mais adequadamente interpretados.

Terapia nutricional parenteral

A TNP pode ser uma eficiente terapêutica na oferta precoce adequada de macro e mi-
cronutrientes, em fases da doença em que há dificuldade total ou parcial de utilização do
trato digestório.

A TNP tem como objetivos recuperar ou manter o estado nutricional, e promover o cresci-
mento. Está indicada no paciente subnutrido ou em risco de desnutrição, quando o trato
gastrintestinal estiver comprometido por doença ou algum tipo de tratamento, ou se a via
enteral for insuficiente para suprir as necessidades nutricionais. A TNP é utilizada, principal-
mente, nos pacientes desnutridos crônicos, naqueles com risco de subnutrição por doença
aguda ou em pós-operatório complicado, na síndrome de má absorção intestinal e no tra-
tamento do recém-nascido pré-termo.

O Quadro 1 resume as indicações e contraindicações (em sua maioria relativas) mais frequentes.

Quadro 1. Terapia nutricional parenteral: indicações e contraindicações

Indicações Contraindicações

Vômitos incoercíveis Trato gastrintestinal com função preservada

Diarreia grave Instabilidade hemodinâmica

Íleo adinâmico Distúrbios metabólico-eletrolíticos graves

Obstrução intestinal completa

Fístula digestiva/ Perfuração intestinal

447

447
Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

Em geral, a TNP não está indicada em pacientes com função adequada de intestino delga-
do, que poderiam receber aporte calórico e proteico com o uso de dietas especializadas.
As formulações para a TNP devem atender as necessidades nutricionais e metabólicas in-
dividuais estimadas para cada paciente. As quantidades de nutrientes podem variar depen-
dendo da função orgânica, do metabolismo e da velocidade de crescimento.

O momento de início da TNP depende da condição clínica e da idade do paciente. No re-


cém-nascido pré-termo, a ausência de aporte nutricional por mais de 24 horas pode ser
extremamente prejudicial, e a TNP deve ser iniciada no primeiro dia. Se possível, a TNP
deveria estar associada à TNE, principalmente se esta é administrada em volumes mínimos.

Soluções com concentração de glicose até 12% devem ser infundidas, preferencialmente,
em veias periféricas. Se superiores a 12%, devem ser administradas por veia central, op-
tando-se pelo uso de cateteres de material pouco trombogênico, de silicone ou poliuretano.

A TNP periférica pode suprir as necessidades nutricionais total ou parcialmente em crian-


ças impossibilitadas de ingerir ou absorver nutrientes por via oral ou enteral, ou quando o
acesso venoso central não for disponível. As crianças impossibilitadas de receber nutrição
pelo trato digestório, cujas necessidades não sejam supridas pela via parenteral periférica,
devem receber TNP por via central com maior concentração e aporte total de nutrientes.

A recomendação é de troca do acesso venoso periférico a cada 48 horas, mesmo na ausên-


cia de flebite, para permitir a recuperação mais breve da veia e sua posterior reutilização. As
veias superficiais, devido ao seu baixo fluxo, podem apresentar esclerose e flebite durante
a infusão de soluções hipertônicas ou, ainda, extravasamento da solução e consequente
lesão do tecido subcutâneo e formação de abscessos.

A osmolaridade máxima tolerada por veia periférica é de 900mOsm/L. Devido ao efeito ve-
noprotetor dos lipídios, a osmolaridade total das soluções com esses nutrientes pode ser
um pouco maior, tendo menor risco de causar tromboflebite.

Em soluções de concentrações mais elevadas, quando as necessidades hídricas e nutricio-


nais não são atingidas pela via periférica ou na perspectiva do uso prolongado de nutrição
parenteral, o acesso venoso central é preferido. Pode ser obtido por punção ou dissecção
de vaso periférico calibroso (veia basílica, cefálica ou jugular externa) ou vaso profundo
(veia jugular interna, subclávia ou femoral) progredindo-se o cateter até a posição central
da conexão da veia cava superior ou inferior com o átrio direito. O cateter utilizado deve
ser preferivelmente de silicone ou de poliuretano, e o acesso venoso, de uso exclusivo para
nutrição parenteral.
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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Os pacientes que recebem TNP com a utilização de cateteres venosos centrais periferica-
mente inseridos (PICC) apresentam menores taxas de infecção relacionada ao cateter. Essa
é uma forma útil para administrar TNP com um cateter de única via, que tem fino calibre
e não possibilita o uso para outras funções, como, por exemplo, a monitorização hemodi-
nâmica. As contraindicações de uso incluem dermatite, celulite, queimaduras no local de
inserção ou nas proximidades ou trombose venosa prévia ipsilateral. Estes cateteres devem
ser instalados com técnica totalmente asséptica. Os cateteres umbilicais têm elevado risco
de infecção, quando associados ao uso de TNP, devendo ser evitados.

A incompatibilidade entre os íons cálcio e fosfato implica basicamente em dois riscos: a


infusão de cristais de fosfato de cálcio, podendo ocasionar embolia pulmonar devido à infu-
são com precipitados, e a oferta insuficiente de cálcio e fósforo - aspecto crítico tratando-se
do recém nascido pré-termo.

São fatores a considerar para garantir a solubilidade ou compatibilidade total entre cálcio e
fósforo: os sais de fosfato devem ser adicionados inicialmente, deixando os sais de cálcio
para o final do preparo da formulação; dar preferência ao gluconato de cálcio, frente ao clo-
reto de cálcio, como fonte de cálcio em terapia intravenosa contendo fosfato, visto que os
sais de cloreto de cálcio se dissociam mais extensivamente; a intersecção entre as concen-
trações de cálcio e fosfato deve ser abaixo da típica curva de solubilidade; a simples forma
de fosfato de cálcio não deve ser usada como critério único para avaliar a compatibilidade,
pois a avaliação deve incluir todas as fontes de nutrientes utilizadas; o pH mais baixo be-
neficia a solubilidade. Concentrações finais mais altas de glicose e mais baixas de gordura
favorecem a queda do pH.

Quanto mais alta a concentração de aminoácidos, menor a probabilidade de precipitação


de CaHPO4, pois alguns aminoácidos sequestram Ca2+, podendo formar complexos está-
veis. Deve-se utilizar a forma orgânica de fosfato como prevenção do risco de precipitação
cálcio-fosfato.

Preparações de nutrição parenteral 3 em 1 (com lipídeos), por serem opacas, podem mas-
carar a presença de precipitados. É preferível a utilização de preparações 2 em 1 (sem mis-
tura com lipídeos na mesma solução) para neonatos e lactentes jovens.

O bicarbonato de sódio reage com cálcio, formando carbonato de cálcio, que é insolúvel.
Se houver indicação de algum agente alcalinizante é recomendável utilizar acetato de sódio
ou acetato de potássio. O ácido ascórbico é uma vitamina altamente instável utilizada em
alguns casos em quantidades suprafisiológicas (acima de 2000mg/dia), devido à sua ati-
vidade antioxidante. O ácido ascórbico é rapidamente reduzido na presença de oxigênio,
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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

formando ácido oxálico, que, por sua vez é bastante reativo com cálcio, formando o sal
insolúvel oxalato de cálcio. Assim, o uso de ácido ascórbico, em altas concentrações, deve
ser administrado separadamente da nutrição parenteral.

No recém-nascido de baixo peso, em cujo sistema antioxidante não está completamente


desenvolvido, a probabilidade de desenvolver doenças pulmonares crônicas aumenta com
a atividade de radicais livres. A TNP exposta à luz gera peróxidos que contribuem para
aumento na carga oxidante. Estudos sugerem que a fotoproteção da nutrição parenteral
reduziria em 30% a incidência de displasia broncopulmonar em recém-nascidos pré-termo.
A concentração de vitaminas na formulação está intimamente relacionada à quantidade de
peróxidos. Formulações destinadas aos neonatos contêm, em geral, doses de vitaminas
proporcionalmente mais elevadas comparadas às de adultos, além da baixa velocidade de
infusão para administração da nutrição parenteral, motivo a mais para promover a fotopro-
teção das bolsas.

Os últimos estudos relativos à TNP versus TNE precoce mostram que a primeira não agrega
um risco maior de infecção e, consequentemente, são terapias equivalentes quando bem
aplicadas (nível I e II de evidência). TNP não é indicada para pacientes com trato gastrintes-
tinal íntegro (grau A de recomendação).

A maioria dos protocolos enfatiza os benefícios do início com TNE precoce, na situação
de trato digestório funcionante. A maior desvantagem é que insuficiente oferta de macro e
micronutrientes pode ocorrer, levando à deterioração do estado nutricional. A TNP facilita a
administração precoce de nutrientes adequados para a condição do paciente gravemente
doente. A eficácia da TNP é dependente da ausência de efeitos adversos, incluindo ade-
quação de controle glicêmico (hiperglicemia é muito comum). A suplementação nutricional,
com TNP combinada com a TNE, pode ser uma alternativa efetiva para atingir os 100% dos
objetivos calóricos e proteicos, principalmente nos primeiros dias de internação, quando a
TNE pode ser insuficiente.

Dentre os pacientes que vêm aumentando a necessidade de utilizar TNP, destacam-se os


recém-nascidos pré-termo que recebem ou não TNE mínima.

A monitorização laboratorial deve ser realizada mais frequentemente após a instalação ini-
cial da TNP. A glicemia deve ser controlada conforme os incrementos da velocidade de
infusão de glicose; após estabilização desta, a glicosúria eventualmente pode auxiliar como
controle. A hiperglicemia é a complicação mais comum da TNP no paciente em SIRS/sepse.

O Quadro 2 resume as principais complicações (causas e tratamento/prevenção) relacio-


nadas à TNP.
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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 2. Complicações relacionadas à terapia nutricional parenteral

Complicação Causa Tratamento/prevenção

Relacionada ao cateter - Procedimento - Seguir protocolos para técnica de


- Inserção - Precipitado na solução inserção manipulação e uso de
cateter venoso central
- Obstrução mecânica - Coágulo
- Trombose - Hiperosmolalidade
- Flebite/extravasamento

Sepse - Contaminação - Seguir protocolos para técnica de


- Relacionada ao cateter inserção manipulação e uso de
cateter venoso central
- Relacionada à solução
- Via exclusiva para infusão da NP

Metabólicas - Hiper ou hipoglicemia - Controlar níveis glicêmicos


- Glicose - Variações das - Monitorizar eletrólitos e
- Eletrólitos necessidades ajustar oferta
- Uremia - Excesso de oferta - Monitorizar ureia e creatinina
proteica - Reduzir a oferta
de aminoácidos

Hepáticas - Excesso de oferta - Dosar triglicérides e


- Colestase, aumento de lipídica enzimas hepáticas
enzimas hepáticas - Reduzir a oferta lipídica,
introduzir novas emulsões
lipídicas, nutrição enteral

Hematológicas - Excesso de oferta - Hemograma seriado


- Trombocitopenia, lipídica - Suspender temporariamente
eosinofilia, hemólise lipídeos
- Reintroduzir após normalização

Respiratórias - Excesso de oferta - Reduzir oferta de glicose


- Aumento do de carboidratos - Aumentar oferta lipídica
gás carbônico e proteica

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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

Terapia nutricional enteral: indicações e uso

A TNE demonstrou-se útil na terapêutica do paciente gravemente doente, com o desen-


volvimento de novas tecnologias de produção, conservação, administração e composição
quanto aos mais variados nutrientes.

O conceito de que o alimento constitui importante estímulo para manter a função e a estru-
tura intestinal da mucosa, liberando secreções pancreáticas, biliares e fatores hormonais é
fundamental; além de possibilitar melhor oferta de nutrientes, menor custo e menor risco de
infecções e lesões hepáticas, fazendo com que a via digestiva seja cada vez mais utilizada.

Com base nos conceitos de que o jejum prolongado causa atrofia da mucosa intestinal,
rompendo a integridade imunológica do trato gastrintestinal e aumentando o risco de trans-
locação bacteriana, o alimento constitui importante estímulo para manter a função e a es-
trutura intestinal da mucosa, liberando secreções pancreáticas, biliares e fatores hormonais.

A introdução precoce da alimentação enteral tem sido cada vez mais enfatizada e utilizada
nos pacientes infectados e com sepse. Entende-se por TNE um conjunto de procedimentos
terapêuticos empregados para a manutenção ou recuperação do estado nutricional do pa-
ciente, por meio de nutrição enteral.

A nutrição enteral consiste na administração, por meio de sondas ou estomias digestivas,


de uma dieta líquida contendo macro e micronutrientes, para pacientes com trato digestório
funcionante, que não querem, não podem ou não devem se alimentar por boca.

A Portaria Federal 337, que regulamenta a TNE, define nutrição enteral como “alimento para
fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de
composição definida ou estimada, especialmente formulada e elaborada para uso por son-
das ou via oral, industrializado ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou
complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas neces-
sidades nutricionais, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando à síntese ou
manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas”.

A TNE apresenta várias vantagens fisiológicas, metabólicas, de segurança e de custo/be-


nefício em relação à TNP. Normalmente, está indicada quando houver risco de desnutrição,
ou seja, quando a ingestão oral for inadequada para prover de dois terços a três quartos
das necessidades diárias nutricionais; e quando o trato digestório estiver total ou parcial-
mente funcionante.
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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As principais situações em que ocorre indicação de TNE na criança são:

• Trato gastrintestinal íntegro: prematuridade, insuficiência respiratória, doenças


catabólicas (câncer, sepse e grandes queimaduras), doenças neurológicas (anorexia,
incoordenação da deglutição e encefalopatias desmielinizantes)

• Alterações do trato gastrintestinal: diarreia crônica e desnutrição, fibrose cística,


doenças inflamatórias intestinais, insuficiência pancreática e biliar, condições cirúrgicas
(intestino curto, fístulas e preparo para cirurgias).

Condições clínicas especiais – doenças metabólicas congênitas

Para o sucesso da TNE, dois aspectos de grande importância devem ser considerados:
a via de acesso a ser escolhida e o tipo de dieta a ser ofertado. A dieta mais adequada é
aquela que se adapte às necessidades específicas da criança, de acordo com sua doença
e suas condições clínicas de digestão e absorção. Assim, para a seleção de uma formula-
ção, é necessário o conhecimento das necessidades específicas do paciente, bem como
da composição exata da fórmula. A escolha da dieta depende, principalmente, da idade do
paciente, doenças associadas e função do trato digestório.

O leite materno é dieta nutricionalmente completa, preferencialmente utilizado em recém-


-nascidos e lactentes. Após 1 ano de idade, há grande variedade de dietas poliméricas
completas. Pode-se ainda incrementar a dieta com uso de módulos de proteínas, carboi-
dratos e emulsões lipídicas. Dietas com elevada osmolalidade podem levar ao retardo do
esvaziamento gástrico, distensão abdominal, vômitos e diarreia.

As dietas especiais (em geral industrializadas) são compostas, em geral, por polímeros de
glicose; óleos vegetais e TCM; proteínas derivadas do leite de vaca ou da soja; acrescidas
de vitaminas, minerais, oligoelementos e nutrientes condicionalmente essenciais. Geral-
mente são isentas de lactose e sacarose, e apresentam-se sob a forma de pó para recons-
tituição; líquidas semiprontas para uso (latas ou frascos) e prontas para uso (o chamado
sistema fechado).

As sondas oro e nasoenterais podem ser posicionadas na região gástrica, no duodeno ou


jejuno, por meio da técnica manual, radiológica e endoscópica. A técnica manual é a mais
utilizada para o posicionamento da sonda no estômago, pela facilidade do método e baixo
custo. Alguns recursos, como distensão gástrica por meio de injeção de ar ou o uso de me-
dicações pró-cinéticas, podem facilitar a transposição pilórica da sonda. A técnica radioló-
gica com o auxílio da fluoroscopia é muito útil, quando se necessita o posicionamento da
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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Camip

sonda, além da terceira porção do duodeno. A técnica endoscópica consiste em atar um fio
na porção distal da sonda e, com o auxílio da pinça de biópsia, transporta-se a sonda até a
porção desejada, sob visão direta. Essa técnica é a mais aplicada quando há estreitamen-
tos e estenoses do esôfago. Existem várias técnicas de estomias, entre elas a mais difun-
dida universalmente é a técnica endoscópica desde a sua descrição pela primeira vez por
Gauderer e Ponsky em 1980. As estomias são indicadas quando o tempo de TNE for longo,
em geral superior a 2 meses, embora essa conduta dependa da aceitação do paciente, dos
familiares, da experiência do serviço e dos aspectos psicológicos e éticos.

Conclusões

A terapia nutricional é essencial para a homeostase metabólica da criança gravemente do-


ente, gerando adequação de substratos energéticos e regeneração tecidual. A imunidade é
relacionada ao estado nutricional e a integridade do sistema imune depende de aporte de
macro e micronutrientes.

A escolha da terapia nutricional deve levar em consideração as necessidades do paciente


em vista da intensidade da resposta inflamatória.

Messages to take home

A subnutrição é comum na admissão hospitalar e tende a se intensificar durante o período


de internação.

A avaliação do estado nutricional no momento da admissão na UTI pediátrica é crítica para


a identificação das crianças em alto risco para deterioração adicional, e permite o planeja-
mento e otimização da terapia nutricional.

A TNP facilita a administração precoce de nutrientes adequados para a condição do pa-


ciente gravemente doente.

A TNE apresenta várias vantagens fisiológicas, metabólicas, de segurança e de custo/be-


nefício em relação à TNP.

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Capítulo 24 | Terapia nutricional na criança gravemente doente
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Utilização de
Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva 25
Hemoderivados
Capítulo 25
Utilizaçãoem TerapiaemIntensiva
de hemoderivados terapia intensiva

Patrícia Resende Areias de Araújo


Priscilla de Oliveira Cavalheiro Patrícia Resende Areias de Araújo
Priscila de Oliveira Cavalheiro
Caso Clínico

Paciente JL, 1 ano, 8kg, antecedente de atresia de vias biliares, sem realização prévia de
Kasai, submetido a transplante hepático intervivos, tendo o pai como doador. Apresentou,
durante intraoperatório, sangramento importante durante anastomose de artéria hepática,
necessitando, para estabilização hemodinâmica de 80mL/kg de concentrado de hemácias
(CH), 60mL/kg de plasma e oito unidades de plaquetas, além de infusão de baixas doses
de noradrenalina.

Admitido em unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica evoluindo nas primeiras horas com
sangramento importante de drenos cirúrgicos, mantendo instabilidade hemodinâmica. Após
resultados de exames: hemoglobina (Hb) 8,0g/dL; plaquetas 10.000/mm3; Razão Normaliza-
da Internacional (INR) 3,0; tempo de reptilase (RT) 2,8; fibrinogênio 90mg/dL. Frente ao caso
clínico, plantonista optou por realizar novas transfusões: 10mL/kg de CH, 10mL/kg de plas-
ma e 2UI de plaquetas, além de titular noradrenalina. Logo após o término das transfusões,
paciente evoluiu com piora ventilatória importante, necessitando de aumentos significativos
de parâmetros ventilatórios, com saída de espuma rósea em aspiração traqueal. Realizado
raio X de tórax e identificada opacidade pulmonar bilateral, com gasometria arterial com
relação pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) inferior a 300.

Questões

1. Quando está indicada a transfusão de CH, plasma, plaquetas e crioprecipitado?


2. Quais são as possíveis reações adversas relacionadas à transfusão de hemoderivados?
3. Qual a definição de transfusão maciça?
4. O que significa TRALI? Qual o seu tratamento?
5. Existe alguma indicação específica para o uso de componentes de
hemoderivados modificados?

Apresentação
A transfusão de hemoderivados para tratamento de pacientes criticamente enfermos esteve
presente durante séculos, porém apenas no início dos anos 1900, por meio de testes de
compatibilidade e tipagem sanguínea, além de métodos de separação e armazenamento dos
hemocomponentes, é que se tornou um método convencional na prática médica. Aproxima-
457
Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

damente 15 milhões de unidades de CH são transfundidas anualmente nos Estados Unidos


e 85 milhões mundialmente. Apesar de ter como objetivo o aumento da concentração de Hb
e, assim, do transporte de oxigênio, devem-se avaliar cuidadosamente os riscos, tais como:
mortalidade, duração do tempo de ventilação mecânica, infecção e reações transfusionais.

Ainda assim, a transfusão de CH é frequente na UTI pediátrica: recentemente, foi des-


crito por Bateman et al. que 49% das internações em UTI pediátrica com duração maior
do que 2 dias recebem, pelo menos, uma transfusão sanguínea. Dados apontam que a
transfusão de CH e sangue total corresponde a 63% do total de transfusões, plasma a
20%, plaquetas a 9%, crioprecipitado a 5% e granulócitos a 3%. A seguir, abordamos as
indicações, os riscos e as estratégias transfusionais. No Quadro 1, estão as principais
indicações dos hemocomponentes.

Quadro 1. Hemocomponentes e indicações

Hemocomponente Objetivo/indicação Alvo

Concentrado - Aumento da oferta de oxigênio


Hb < 7g/dL
de hemácias para os tecidos

- Deficiência de fatores de coagu-


lação com risco de sangramento
ou sangramento ativo - Volume de 10 a 15mL/kg
Plasma fresco
- CIVD - Não há alvo de correção de
congelado
- Transfusão maciça INR/RT
- Uso de anticoagulantes orais
com sangramento severo

- Profilática com plaquetas


< 10.000/ mm3
- Plaquetas < 50.000/mm3
- Prevenção ou tratamento de
com sangramento ativo ou que
sangramento agudo secundário
Plaquetas serão submetidos a procedimen-
a plaquetopenia
tos invasivos
- Defeito plaquetário qualitativo
- Plaquetas < 100.000/mm3
em vigência de procedimento
neurocirúrgicos

- Hipofibrinogenemia em CIVD ou
transfusões maciças
Crioprecipitado - Fibrinogênio < 100mg/dL
- Deficiência de fator VIII
- Doença de von Willebrand

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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

- Neutropenia ou defeito
qualitativo de granulócitos - Contagem de neutrófilos < 500
Granulócitos com infecção bacteriana ou em número absoluto
fúngica grave sem resposta às - 1x1010 polimorfonucleares/m2
terapêuticas convencionais

Hb: hemoglobina; CIVD: coagulação intravascular disseminada;


INR/RT: Razão Normalizada Internacional/tempo de reptilase

Concentrado de hemácias
É obtido por meio da centrifugação de uma bolsa de sangue total e da remoção da maior
parte do plasma. Sua indicação se insere na perspectiva de tratar ou prevenir a inadequada
liberação de oxigênio aos tecidos. Apesar disso, não necessariamente essa melhora é ve-
rificada, pois a própria estocagem do CH pode levar a mudanças estruturais, que, por sua
vez, levam ao prejuízo da sinalização do óxido nítrico (NO), acarretando em uma desregu-
lação da microvasculatura.

Em relação às indicações, existe um grupo especial de crianças com idade inferior a 4 me-
ses com indicações específicas: hematócrito (Ht) <20% com contagem baixa de reticuló-
citos e anemia sintomática (taquicardia, taquipneia e baixa ingesta alimentar), e Ht <30% e
algumas das seguintes condições:

• Uso de cateter nasal de oxigênio

• Uso de ventilação mecânica (ventilação mandatória intermitente sincronizada – SIMV/


Pressão positiva contínua com MAP inferior a 6cmH2O)

• Presença de taquicardia e/ou taquipneia importantes

• Presença de apneia ou bradicardia

• Baixo ganho ponderal

Para Ht <35%, quando uso de ventilação mecânica (SIMV/pressão positiva contínua com
MAP entre 6 e 8 cmH2O).

Ht <45% quando ECMO e doença cardíaca congênita cianogênica.

Para outras situações, as indicações se aproximam daquelas de adultos e, quando se cogi-


ta a transfusão de CH, deve-se lembrar da grande capacidade de adaptação/compensação
da anemia nesses pacientes.

Em muitos trabalhos, podemos encontrar referências em relação à prática de transfusão


liberal versus restritiva, sendo que ainda não há consenso em relação à qual prática seria a
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

mais adequada, pois não há uma definição de qual seria o valor ideal de Hb para o paciente
criticamente enfermo. Constata-se que pacientes que receberam maior quantidade de he-
moderivados em pós-operatório de cirurgia cardíaca apresentam pior desfecho, porém não
é claro sua correlação direta com o nível de Hb utilizado para a indicação de transfusão,
podendo ser multifatorial. Da mesma forma, para pacientes com implementação de política
restritiva de transfusão (sepse e cirurgias no geral), uma ausência de malefício, em relação
à política liberal, foi demonstrada.

Alguns pacientes podem requerer uma política mais liberal em relação à transfusão de CH,
situações essas como: necessidade de oxigênio suplementar ou ventilação mecânica; pre-
sença de cardiomiopatia; instabilidade hemodinâmica; necessidade de uso de drogas va-
soativas (DVA); e sangramento ativo.

Dessa forma, uma atuação baseada apenas em um objetivo de valor de Hb não deve ser
instituída como boa prática clínica, devendo ser analisado todo o contexto em que o pa-
ciente se insere. Para aqueles que, após o julgamento clínico, ainda necessitem de transfu-
são, 10mL/kg de peso corpóreo resulta em uma elevação da taxa de Hb em 1g/dL.

Plasma fresco congelado

Consiste na porção acelular do sangue obtida por centrifugação a partir de uma unidade
de sangue total e da transferência em circuito fechado para uma bolsa satélite. Contém os
fatores II, V, VII, VIII, IX, X e XI. Por convenção, cada mililitro de plasma tem 1UI de atividade
de fatores de coagulação.

A dose depende do peso e da condição clínica do paciente, podendo ser de 10 a 20mL/kg, o


que aumenta em 20 a 30% os níveis dos fatores de coagulação do paciente. Se usado para
repor algum fator de coagulação específico, deve-se dar atenção ao tempo de meia-vida
do próprio, pois isso pode levar à transfusão de maiores volumes e em intervalos regulares.

As principais indicações são: sangramento ou risco de sangramento causado por deficiên-


cia de múltiplos fatores de coagulação; suporte no tratamento de coagulação intravascu-
lar disseminada (CIVD); terapia de substituição de fatores de coagulação específicos (por
exemplo: fatores V e IX); sangramento severo causado pelo uso de anticoagulantes orais
(varfarina) ou necessidade de reversão urgente de anticoagulação; transfusão maciça com
sangramento por coagulopatia (trauma grave); e púrpura trombocitopênica (PTT) – líquido
de reposição na plasmaférese.
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Plaquetas
Hemocomponente que pode ser obtido de uma dupla centrifugação de uma unidade de
sangue total, que é técnica menos dispendiosa, porém necessita de diversos doadores para
obtenção de volume adequado. Ou pode ser obtido por aférese, técnica mais cara, mas
com maior rendimento e necessitando de um único doador.

A indicação de transfusão de plaquetas em pacientes criticamente doentes pode ter


como finalidade:

• Terapêutica: sangramento agudo clinicamente significante ou presença de trombocitopenia

• Profilática: prevenção de risco de sangramento

São indicadas para: paciente com plaquetas abaixo de 10.000/mm3 para prevenção de he-
morragia espontânea; pacientes com plaquetas abaixo de 50.000/mm3 com sangramento
ativo, profilaxia na realização de procedimentos invasivos e portadores de doença plaque-
tária qualitativa; pacientes com plaquetas abaixo de 100.000/mm3 que serão submetidos
a procedimento neurocirúrgicos; e pacientes com contagem plaquetária normal que apre-
sentam sangramento ativo com disfunção plaquetária (doença plaquetária congênita, uso
crônico de aspirina ou uremia, por exemplo).

Indicações com considerações especiais são feitas em casos em que a transfusão de pla-
quetas se reserva a sangramento ativo com risco de morte: trombocitopenia induzida por
heparina; PTT trombótica; síndrome hemolítica urêmica; PTT idiopática; trombocitopenia
associada a anticorpos antiplaquetários; e CIVD.

Quando indicada a transfusão de plaquetas, deve-se administrar uma unidade para cada
10kg de peso do paciente, ou seis a oito unidades por metro quadrado de superfície cor-
pórea. A efetividade da transfusão de plaquetas deve ser avaliada pela monitorização do
sangramento na transfusão terapêutica e pelo aumento na contagem de plaquetas na trans-
fusão profilática.

Crioprecipitado
Componente obtido a partir de uma fração do plasma fresco congelado, rico em fator VIII,
fator de von Willebrand, fator XIII, fibrinogênio e fibronectina. Suas principais indicações
são: hipofibrinogenemia na transfusão maciça ou na CIVD;

Hipofibrinogenemia em pacientes com sangramento ativo ou que serão submetidos a pro-


cedimentos invasivos; deficiência de fator VIII com sangramento ativo ou pacientes que se-
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

rão submetidos a procedimentos invasivos, na ausência do concentrado industrial; pacien-


tes com doença de von Willebrand com sangramento ativo que não respondem ou não têm
indicação de DDAVP, quando não dispuserem de concentrado de fator de von Willebrand;
e sangramento em crianças pequenas com hemofilia A, com crioprecipitado de doador es-
pecífico, na ausência de fator VIII recombinante.

Granulócitos

Trata-se de suspensão de granulócitos em plasma obtidos por aférese. Estudos demostram


uso limitado, sendo mais prevalente como coadjuvante no tratamento de sepse em neonatos.

Indicações: neonatos ou crianças com neutropenia ou disfunção de granulócitos com


sepse bacteriana não responsivos ao tratamento padrão; neonatos ou crianças neutropê-
nicas com infecção fúngica não responsivas ao tratamento padrão; paciente neutropêni-
cos (neutrófilos < 500) com hipoplasia mieloide de recuperação provável; e portadores de
disfunção de neutrófilos (por exemplo: doença granulomatosa crônica durante processo
infeccioso grave).

A dose que deve ser administrada está diretamente correlacionada com a sua eficácia:

• Neonatos: ≥1x109 polimorfonucleares/kg/transfusão em 10 a 15 mL/kg/transfusão

• Crianças maiores e adultos: ≥1x1010 polimorfonucleares/m2

• Usualmente, em adultos, utiliza-se a dose 2-3x1010 polimorfonucleares/transfusão

Como os granulócitos carregam alta carga de linfócitos, é obrigatória sua irradiação para
prevenir a doença enxerto contra hospedeiro e, de preferência, que haja compatibilidade
HLA entre o doador e receptor, para evitar aloimunização e reações transfusionais.

Riscos e eventos adversos associados à transfusão


de hemoderivados

A transfusão de hemoderivados proporciona diversos benefícios ao paciente, mas é um


evento irreversível com potenciais riscos ao receptor.

É definido como reação transfusional qualquer evento que ocorra em consequência de


transfusão sanguínea, durante ou após sua administração.
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As reações transfusionais podem ser classificadas como agudas ou tardias, imunológicas


e não imunológicas. Entende-se por agudas as reações que surgem até 24 horas após a
transfusão e por tardias as que ocorrem após 24 horas (Quadros 2 e 3).

Quadro 2. Reações transfusionais agudas

Hemolítica aguda
Febril não hemolítica
Imunológicas
Reação alérgica leve e anafilaxia
TRALI
Hemolítica
Não imunológicas Infecciosa
Sobrecarga volumétrica

Quadro 3. Reações transfusionais tardias

Hemolítica
Aloimunização
Imunológicas Imunomodulação
Reação doença versus hospedeiro
Púrpura pós-transfusional
Infecciosa
Não imunológicas
Sobrecarga de ferro

O risco de complicações aumenta proporcionalmente com a frequência das transfusões e


a gravidade do paciente que requer grandes volumes de hemoderivados. Estima-se que
metade dos pacientes politransfundidos apresentarão reações transfusionais. Pacientes
que necessitam de transfusão de múltiplas unidades de hemoderivados podem cursar com
distúrbios metabólicos, como hipercalemia (principalmente naqueles com antecedente de
insuficiência renal), alcalose metabólica, hipocalcemia e hipocloremia (devido ao acúmulo
de citrato). Essas complicações são encontradas mais em pacientes com falência hepática
e naqueles submetidos ao transplante hepático.

Reação hemolítica aguda

As reações hemolíticas agudas podem ser imunomediadas, quando ocorre destruição dos
eritrócitos do doador pelos anticorpos do receptor. Em geral relaciona-se à incompatibili-
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

dade ABO, ocorrida por identificação errada de hemocomponente, erro na identificação da


amostra ou instalação de componente em paciente inadequado. Ocorre ativação do sis-
tema complemento, com hemólise intravascular aguda. Estima-se que ocorra em 0,016%
das transfusões de CH, sendo fatal em 0,003%. As reações hemolíticas agudas também
podem ser ocasionadas por alterações químicas ou mecânicas do hemocomponente (como
pressão excessiva sobre a solução ou aquecimento inadequado).

Os sinais e sintomas são agudos, podendo ser de intensa gravidade. São eles: náuseas ou
vômitos; dor subesternal ou torácica aguda; alterações de nível de consciência; dispneia,
hipotensão e taquicardia; diáteses hemorrágicas; oligúria/anúria; CIVD; dor no local da infu-
são; febre e calafrios; e prurido e urticária.

Em pacientes na UTI pediátrica, com uso de sedação contínua, ou anestesiados em pro-


cedimento cirúrgico, pode ocorrer dificuldade na identificação dessas reações, devendo-se
suspeitar quando ocorre hipotensão inexplicável, hemoglobinúria ou sangramentos em um
curto espaço de tempo após a transfusão. Uma vez existindo a suspeita de reação hemolítica
aguda, deve-se interromper imediatamente a transfusão, coletar amostras de sangue pós-
-transfusional e da bolsa, para realização de testes imunoematológicos e culturas, e iniciar
tratamento clínico, com as seguintes recomendações: verificar se o componente solicitado
foi adequadamente administrado ao paciente desejado; infusão de cristaloide objetivando
hidratação adequada e manutenção da diurese > 2 mL/kg/h; controle da CIVD, com adminis-
tração de hemocomponentes; estabilidade hemodinâmica com uso de DVA quando neces-
sário; hemodiálise em casos graves; e exames laboratoriais seriados até resolução clínica.

Reação hemolítica tardia

A reação hemolítica tardia imunomediada ocorre com maior frequência em comparação a


aguda. Estima-se que ela ocorra em 0,025% das transfusões. Pacientes já sensibilizados por
transfusões anteriores entram em contato com o antígeno e apresentam uma resposta imune
secundária, com elevação de anticorpos e hemólise de 2 a 10 dias após a transfusão, cursan-
do com queda da concentração de Hb (sem sangramentos), hemoglobinúria, icterícia e altera-
ções laboratoriais sugestivas de hemólise (Coombs positivo e aumento de DHL e bilirrubinas).

Não requer tratamento clínico específico e cerca de 35% dos pacientes são assintomáticos,
porém deve-se prestar especial atenção na compatibilidade para futuras transfusões.

Reação febril não hemolítica

A ocorrência de febre durante a infusão de CH é o efeito adverso mais comum, ocorrendo


em 1% dos casos. Está relacionada à presença de citoquinas inflamatórias provenientes
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

da lise de leucócitos do doador e de antígenos antileucocitários. As reações são autolimi-


tadas e o risco de apresentar reação febril não hemolílica em futuras transfusões não está
aumentado. O tratamento inclui excluir reações hemolílicas agudas e infecção (bacteremia),
além da administração de antitérmicos. Futuras reações podem ser prevenidas com o uso
de componentes desleucotizados.

Reação alérgica leve e anafilaxia

Reações alérgicas como aparecimento de prurido, rash cutâneo e lesões urticariformes po-
dem acontecer em decorrência da existência de anticorpos contra proteínas do plasma do
doador. Não requer existência de transfusão anterior, sendo mais comuns durante a infusão
de plasma e plaquetas. O tratamento consiste na administração de anti-histamínicos. O uso
de componentes lavados em transfusões subsequentes pode prevenir novos episódios.

Pode ocorrer quadro anafilático, com o surgimento de sintomas, como broncoespasmo,


hipotensão, dor abdominal e náuseas, evoluindo para quadro clínico extremamente grave
se não forem instituídas medidas clínicas imediatas. A infusão deve ser interrompida ime-
diatamente, e o uso de DVA pode ser necessário para estabilização hemodinâmica. Nas
transfusões futuras, devem-se utilizar componentes lavados com administração prévia de
corticoides. Trata-se de uma reação IgE mediada, muito comum em pacientes com defici-
ência de IgA (cerca de 0,13% da população dos Estados Unidos).

Complicações infecciosas

Os vírus representam grandes vilões quando se trata de infecções adquiridas por transfu-
são. No Brasil, todo sangue de doador é testado para a presença de anticorpos para HIV
(anti-HIV 1 e 2), hepatites B e C (anti-HCV e anti-HBc) e anticorpos para HTLV 1 e 2, além de
testes sorológicos para sífilis e doença de Chagas. Quando há contaminação, geralmente
se deve ao fato de o doador estar no período que chamamos de janela imunológica, ou seja,
no período em que os exames não conseguem detectar a positividade do doador.

O citomegalovírus (CMV) tem especial importância quando se fala em transfusão de pa-


cientes imunodeprimidos (oncológicos ou submetidos a transplantes de órgãos sólidos). Os
mesmos devem receber componentes desleucotizados e com sorologia negativa para CMV.

Nos dias atuais, a contaminação bacteriana dos hemocomponentes tem se tornado um


fator de risco importante para infecções transmitidas por transfusões. Os Gram-positivos
de nossa flora habitual, como Staphylococcus epidermides e Staphylococcus aureus, repre-
sentam, com maior frequência, os microrganismos presentes em infecções transmitidas por
transfusão de plaquetas.
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

Transmissão de bactérias Gram-negativas é mais rara, e mais comumente resulta de uni-


dades coletadas de doadores com bacteremia assintomática, e está mais relacionada à
transfusão de CH.

Quando há uma suspeita, deve-se interromper a administração, coletar amostras da bolsa


e do paciente para culturas, e avisar prontamente o serviço de banco de sangue, para evitar
que outros pacientes sejam expostos a componentes derivados do sangue do doador.

Transfusões relacionadas à sobrecarga volumétrica

A sobrecarga volumétrica relacionada a transfusões pode ocorrer em pacientes pediátri-


cos, embora seja mais comum na população adulta (em torno de 1%). É causa comum de
edema pulmonar, principalmente em pacientes com disfunção cardíaca e renal. As manifes-
tações podem ocorrer ao final ou em torno de 6 horas após a infusão, sendo os principais
sintomas dispneia, ortopneia, taquicardia e hipertensão arterial, entre outros.

O uso de diuréticos, como a furosemida, deve ser considerado na presença de sinais de


hipervolemia, assim como na prevenção para pacientes com alto risco (comprometimento
cardíaco importante). Nestes, a velocidade de infusão do hemocomponente deve ser redu-
zida pela metade.

Sobrecarga de ferro

Ocorre devido à necessidade de repetidas transfusões em pacientes portadores de doenças


crônicas (como hemoglobinopatias, por exemplo), acarretando no acúmulo de ferro nos teci-
dos, principalmente coração, pâncreas e fígado, e culminando em lesão de órgão. Para esses
pacientes, o recomendado seria o uso de quelantes de ferro: desferoxamina e deferiprona.

Doença do enxerto contra hospedeiro

Entidade grave, que ocorre pela transfusão de linfócitos do doador em um paciente que não
reconhece essas células como non-self ou não tem a capacidade de as destruir. Esses lin-
fócitos, portanto, iniciam uma agressão ao tecido receptor. Uma forma de prevenção seria a
utilização de componentes irradiados para os pacientes com alto risco de desenvolvimento
de doença do enxerto contra hospedeiro.

Imunomodulação relacionada à transfusão

Trata-se de efeito imunomodulador relacionado à transfusão de CH. Estudos demonstram


prejuízo da resposta imune em pacientes que receberam múltiplas transfusões, aumentan-
do o risco de infecção intra-hospitalar e sepse em paciente na UTI.
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Hill et al., em 2003, demonstraram aumento significativo do risco de infecção intra-hospita-


lar em pacientes vítimas de trauma após transfusões de CH.

O exato mecanismo pelo qual a transfusão de CH induz à imunomodulação relacionada


à transfusão não está esclarecido. Acredita-se que danos ocorridos durante o armazena-
mento de CH sejam responsáveis por hemólise na microvasculatura e baço, iniciando uma
cascata de eventos que resultam em respostas pró-inflamatórias e inibição do processo de
imunomodulação antimicrobiano. Diversos estudos comprovam a relação entre o tempo de
armazenamento do CH e a prevalência de sepse.

TRALI

Desde 2003, a principal causa de morbimortalidade em pacientes submetidos à transfusão


está relacionada à lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI, sigla do inglês
transfusion-related acute lung injury). A TRALI é definida como lesão pulmonar aguda que se
desenvolve durante ou em até 6 horas após o evento transfusional de uma ou mais unida-
des de hemocomponentes, não atribuível a outro fator de risco para lesão pulmonar aguda.
É comumente associada com múltiplas transfusões.

Lesão pulmonar aguda

Instalação aguda, cursando com hipoxemia (relação PaO2/FiO2 < 300), opacidade pulmonar
bilateral em radiografia de tórax e ausência de hipertensão atrial esquerda.

São fatores de risco para lesão pulmonar aguda: choque séptico; sepse sem hipotensão;
aspiração de conteúdo gástrico; quase afogamento; CIVD; contusão pulmonar; pneumonia
que necessite de suporte intensivo; overdose de drogas que requeiram suporte intensivo;
fratura de ossos longos ou pelve; queimados; e bypass cardiopulmonar.

Fisiopatologia da lesão pulmonar aguda associada à transfusão

Ocasionado pela transfusão de hemocomponentes contendo anti-HLA ou anti-HNA que re-


conhecem antígenos cognatos no componente transfundido, se estabelece uma cascata in-
flamatória neutrofílica, alterando a permeabilidade/barreira alvéolo-capilar, de maneira bas-
tante similar à que ocorre em outros eventos desencadeadores da síndrome do desconforto
respiratório (SDRA). Além disso, as plaquetas também têm participação ativa no desenvol-
vimento dessa fisiopatologia, por meio da sua interação com os neutrófilos. Porém, esses
anticorpos não são detectados em todos os casos diagnosticados com TRALI, apesar de
forte evidência de que este seja o mecanismo responsável. Acredita-se que lipídios biologi-
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

camente ativos também possam estar envolvidos, pela ação de quebra dos produtos que
compõem a membrana celular de fosfolípides, que ocorrem no armazenamento prolongado
do hemoderivado. Dessa forma, leva-se a crer que eventos multifatoriais estão envolvidos
na gênese dessa entidade, incluindo fatores também do próprio paciente.

Fatores de risco transfusionais

Três fatores de risco estão fortemente relacionados ao desenvolvimento de TRALI: plasma


ou sangue total feminino; grande quantidade de anticorpo HLA classe II; e grande volume
de anti-HNA.

Fatores de risco do paciente

• Níveis altos de interleucina 8 (IL-8): marcador inflamatório que leva a um acréscimo na


mortalidade, levando a uma ativação neutrofílica, com alteração do endotélio pulmonar.
Além disso, a própria cascata inflamatória pode levar ao upregulation do HLA classe II
nas células apresentadoras de antígenos (macrófagos e células dendríticas), com nova
ativação neutrofílica.

• Choque: lesão tecidual, alteração endotelial e de células imunes

• Cirurgia hepática (sobretudo em transplante)

• Abuso crônico de álcool: níveis reduzidos de antioxidantes como a glutationa, redução


de fagocitose de células em apoptose e aumento da resposta inflamatória pulmonar

• Balanço hídrico positivo: mais propensos à edema pulmonar

• Pressão inspiratória superior a 30 cmH2O

• Tabagismo

Manifestações clínicas

Usualmente, é uma entidade subestimada, devido à dificuldade de se estabelecer um diag-


nóstico preciso. De maneira geral, uma forte suspeita deve ser aventada frente a um caso
com achados clínicos compatíveis com lesão pulmonar aguda, sem outro fator de risco para
o desenvolvimento de SDRA, durante ou 6 horas após o evento transfusional. Alguns sinais
clínicos seriam dispneia, taquipneia, hipoxemia, infiltrado pulmonar bilateral em radiografia
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

de tórax, edema fluido em aspiração endotraqueal de pacientes intubados, ausência de


evidência de sobrecarga hídrica ou disfunção cardíaca como a principal causa de edema
pulmonar, febre ou hipotermia e hipo ou hipertensão.

Diagnóstico

Não existe uma ferramenta única que possibilite o diagnóstico preciso de TRALI. Normal-
mente, seu diagnóstico é feito frente a uma forte suspeita clínica, auxiliado pela exclusão de
outras comorbidades que poderiam levar a SDRA. Dessa forma, como utensílios comple-
mentares, pode-se usar o ecocardiograma (excluir disfunção cardíaca e estimar sobrecarga
hídrica); peptídeo natriurético cerebral (BNP) que de forma semelhante, pode auxiliar na
exclusão de causa cardíaca); análise de proteínas do fluido do edema pulmonar, contagem
de leucócitos (é observada uma leucopenia transitória associada ao surgimento de TRALI);
e pesquisa de anticorpos.

Tratamento

Não existe tratamento específico. Na maior parte dos casos, é autolimitado e associado com
melhor prognóstico do que outras causas de lesão pulmonar aguda. Assim que é feito o
diagnóstico, medidas de suporte devem ser instituídas, como pausar a transfusão do hemo-
derivado se ainda esta estiver em curso, oxigênio suplementar (avaliar necessidade de venti-
lação mecânica, com estratégia de baixo volume corrente), balanço hídrico rigoroso, monito-
rização hemodinâmica e uso de DVA e expansores se necessário. A prática de administração
de glucocorticoide não tem evidência para TRALI, devido ao seu curso autolimitado.

Componentes modificados

Componente lavado

Elementos obtidos de sucessivas lavagens com solução isotônica de cloreto de sódio, com
o objetivo de eliminar a maior parte do plasma. Pode sofrer esse processo CH e plaquetas.
As indicações seriam: presença de reação alérgica e pacientes deficientes de IgA com his-
tória prévia de reação anafilática durante transfusões anteriores

Componente irradiado

Irradiação do hemocomponente com gama na dose de 2500cGy, com a finalidade de pre-


venir a doença do enxerto contra hospedeiro associada à transfusão, causada pela enxertia
e pela expansão clonal dos linfócitos do doador em receptores susceptíveis. Podem sofrer
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Capítulo 25 | Utilização de hemoderivados em terapia intensiva
Camip

esse processo CH e plaquetas. É indicado para: transplante de medula óssea e órgãos


sólidos; portadores de linfomas, leucemia mieloide aguda e anemia aplástica em uso de
imunossupressores; receptores de componentes de doadores parentes de primeiro grau;
transfusões intrauterinas; prematuros (< 28 semanas) e/ou de baixo peso (1.200g); por-
tadores de imunodeficiências congênitas graves; exsanguineotransfusões; pacientes em
tratamento com fludarabina, análogos da purina, cladribine, deoxicoformicina; e receptor de
concentrado de plaquetas HLA compatíveis.

Componente filtrado ou desleucotizado

Por meio da utilização de filtros, retirada quase que completa dos leucócitos (99%), poden-
do sofrer esse processo o CH e as plaquetas. É indicado para hemoglobinopatias, anemias
hemolíticas hereditárias, história de duas reações febris não hemolíticas, síndromes de imu-
nodeficiências congênitas, transplante de medula óssea (diminuir a taxa de aloimunização
HLA), anemia aplástica, leucemia mieloide aguda, doenças onco-hematológicas até escla-
recimento diagnóstico, prevenção de infecção por CMV nas seguintes condições:

• Paciente HIV positivo com sorologia negativa para CMV


• Candidato a transplante de órgãos e medula óssea, se doador e receptor foram
negativos para CMV
• Transfusão intrauterina
• Gestantes com sorologia não reativa ou desconhecida para CMV
• Recém-nascidos prematuros e de baixo peso (1.200g) de mães CMV negativas ou com
sorologia desconhecida.

Transfusão maciça

Pode ser definida como a administração aguda de volume superior a uma vez e meia a vole-
mia do paciente, ou, ainda, como a reposição com sangue estocado equivalente ao volume
sanguíneo total de um paciente, em 24 horas. O volume sanguíneo é equivalente a 75mL/
kg (cerca de 10UI em um indivíduo adulto). Outras definições: reposição de sangue corres-
pondente a uma volemia (75mL/kg) ou superior em 24horas; reposição equivalente a 50%
da volemia corporal de sangue em 3 horas; e perda de 1,5mL de sangue por kg/minuto, em
pelo menos 20 minutos.

Essa medida é instituída em casos de grave instabilidade hemodinâmica, devido a choque


hemorrágico, com possíveis consequências, como hipocalemia associada à alcalose meta-
bólica (conversão de citrato em bicarbonato), hipocalcemia, hipo ou hiperglicemia, hipona-
tremia, e coagulopatia dilucional, quando apenas realizada transfusão de CH.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Messages to take home

Transfusão de hemoderivados é uma prática comum no ambiente de terapia intensiva.


É estimado que acima de 40% dos pacientes recebem uma ou mais unidades de CH.

As indicações de transfusão de CH podem variar de acordo com o estado clínico do pacien-


te, não havendo um valor alvo de Hb. Contudo, algumas indicações parecem ser consenso,
como instabilidade hemodinâmica (por exemplo: por choque hemorrágico), oferta inade-
quada de oxigênio aos tecidos com choque, Hb <7g/dL.

As indicações precisas de transfusão de plasma são ainda menos precisas, mas algumas
situações clínicas merecem atenção: sangramento ativo em cenário de alteração de fatores
de coagulação, transfusão maciça de CH, previamente a situações de intervenção cirúrgica
com risco de sangramento ou com pouco risco de sangramento, mas no qual o paciente
apresente anormalidades da coagulação.

As indicações de transfusão de plaquetas são: contagem <10.000/mm3 como profilaxia de


sangramentos, contagem <50.000/mm3 com sangramento ativo ou profilaxia de procedi-
mentos invasivos e <100.000/mm3 que serão submetidos a procedimento neurocirúrgicos.
A principal indicação de transfusão de crioprecipitado é a hipofibrinogenemia secundária à
transfusão maciça e na CIVD (com fibrinogênio <100mg/dL), quando o paciente apresentar
sangramento ativo ou for submetido a procedimento invasivo.

A transfusão de hemoderivados não é isenta de efeitos colaterais, podendo, em algumas


vezes, apresentar reações adversas graves. Sua utilização deve-se basear em diretrizes,
avaliando os potenciais riscos e benefícios ao paciente.

A transfusão de componentes modificados (lavados, irradiados e desleucotizados) visa minimi-


zar os efeitos colaterais e as reações adversas relacionadas à administração de hemoderivados.

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Capítulo 26 | Sepse
Sepse 26
Capítulo 26
Sepse

Andrea Maria Cordeiro Ventura


Daniela Carla de Souza
Andrea Maria Cordeiro Ventura
Daniela Carla de Souza
Caso clínico

Lactente (1 ano), sexo feminino, previamente saudável, natural e procedente de São Paulo,
com queixa de dor em região do pescoço. Mãe achou que criança tinha dor de garganta há
4 dias. Evoluiu com febre (38,6º C) e inapetência. Procurou a Assistência Médica Ambulato-
rial (AMA) 2 dias após o início dos sintomas, sendo feita hipótese de parotidite e orientado
sintomáticos. Houve persistência da febre, piora do edema e iniciou desconforto respira-
tório. Retornou ao AMA 1 dia depois, sendo orientada a manter sintomáticos e aguardar
evolução. Como apresentava piora do desconforto respiratório, procurou pronto-socorro no
mesmo dia. Apresentava ainda queixa de três episódios de vômitos, urina de cheiro forte e
escura, sem urinar há algumas horas e só queria dormir.

Exame físico de admissão no pronto-socorro: regular estado geral, descorada, anictérica,


cianótica em ar ambiente.

Sinais vitais: frequência cardíaca (FC) de 176bpm; frequência respiratória (FR) de 48 rpm;
pressão arterial (PA) de 67x45mmHg; temperatura axilar: 39,2º C; saturação de oxigênio
(SatO2) de 62% em ar ambiente 92% com oxigênio.

Cabeça e pescoço com edema e hiperemia em região cervical bilateral, maior à esquerda. Otos-
copia normal. Oroscopia com dificuldade de visualização por limitação da abertura da boca.

Aparelho respiratório: desconforto respiratório importante com retração de fúrcula, estridor


inspiratório, tiragem intercostal e subdiafragmática. Murmúrio vesicular presente com ester-
tores finos em bases bilateralmente.

Aparelho cardiovascular com bulhas rítmicas sem sopros, tempo de enchimento capilar de
4”, pulsos periféricos finos, pulsos centrais presentes.

Sistema nervoso: escala de coma de Glasgow 9, sonolenta mas reativa, sem sinais de irri-
tação meníngea.
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Capítulo 26 | Sepse
Camip

Perguntas

1. Com base nos dados do caso clínico, qual o diagnóstico da criança?


2 Qual a conduta imediata deve ser tomada nesse caso?
3. Alguma conduta pode ter comprometido a evolução da doença?

Apresentação

Sepse, ou resposta sistêmica do organismo à infecção, representa uma das principais do-
enças da faixa etária pediátrica, consome parcela substancial dos recursos financeiros das
unidades de terapia intensiva (UTI) e é uma causa comum de óbito, sendo considerada um
problema de saúde pública.

Hoje, sabe-se que a sepse é um processo complexo e dinâmico, que acomete um grupo
heterogêneo de pacientes. Pode ser causada por diversos patógenos, os quais, por sua
vez, podem invadir diferentes sítios no organismo. Essa doença pode se apresentar por
meio de uma variedade de sinais e sintomas, que são inespecíficos, e podem variar de in-
tensidade entre os indivíduos e em um mesmo indivíduo, durante o curso agudo da doença.
Essa condição clínica denominada sepse pode evoluir para estágios mais complexos e
graves, que, na verdade, representam um continuum da sepse e que, se não reconhecidos
e tratados precocemente, podem resultar em disfunção de múltiplos órgãos e, eventual-
mente, em morte.

Apesar de sua importância e gravidade, dados a respeito de sua epidemiologia são escas-
sos e incompletos, variando entre os diversos países e regiões, principalmente entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento, e na população pediátrica. Em geral, os estudos a
respeito da epidemiologia de sepse em crianças envolvem poucos pacientes, com doenças
específicas; poucos são multicêntricos e adotam diferentes definições e critérios diagnós-
ticos. Parte da dificuldade se deve à falta de consenso em relação à nomenclatura e à va-
riabilidade da apresentação clínica da sepse e seus estágios evolutivos. Sepse, ainda hoje,
representa um desafio para os médicos.

Epidemiologia

Frequência: incidência e prevalência


Nos Estados Unidos, Hartman et al., utilizando bancos de dados de registro de alta hospita-
lar de sete Estados (Healthcare Cost and Utilization Project – HCUP), estimaram que, entre
1995 e 2005, a prevalência de sepse na população pediátrica aumentou 60%. Em 2005,
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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

ainda nos Estados Unidos, ocorreram mais de 75 mil hospitalizações por sepse grave em
pacientes menores de 20 anos, com incidência de 0,89 caso para cada 1.000. Segundo
Watson et al., a incidência dessa enfermidade tem crescido na faixa etária pediátrica, prin-
cipalmente devido ao aumento da população de risco, como recém-nascidos prematuros e
de baixo peso, e maior sobrevida dos pacientes com doenças de base.

Também nos Estados Unidos, tanto Balamuth et al. quanto Ruth et al. reportaram dados
epidemiológicos de sepse pediátrica com base em banco de dados de sistemas nacionais
de informação de hospitais pediátricos. Os dois estudos utilizaram os mesmos critérios
diagnósticos para identificar sepse na população pediátrica e observaram grande variação
em sua prevalência. Balamuth et al. observaram que a prevalência da doença em crianças
pode variar até sete vezes, dependendo da estratégia utilizada para identificar os casos de
sepse (0,45% quando utilizou o código para sepse do ICD-9-CM versus 3,1% quando utili-
zou o código para infecção + disfunção orgânica do ICD-9-CM). Ruth et al. estimaram que,
nos Estados Unidos, a prevalência de sepse em UTI pediátrica foi de 7,7%, variando de
3,1%, quando usou os códigos para sepse grave e choque séptico do ICD-9-CM, até 6,2%,
quando usou uma estratégia combinada (código para infecção + pelo menos um código
disfunção orgânica, também referente ao ICD-9-CM). Ruth et al. relacionaram a “elevada”
prevalência de sepse ao elevado porcentual (74%) de pacientes com alguma comorbidade.
Nos dois estudos americanos, os autores observaram que um pequeno porcentual de pa-
cientes sépticos foram identificados pelos dois critérios diagnósticos utilizados.

O estudo SPROUT avaliou a prevalência de sepse grave na população pediátrica em 128


UTI pediátricas de 26 países. Das 6.925 crianças envolvidas, 569 preencheram critérios
diagnósticos de sepse grave de acordo com International Pediatric Sepsis Consensus Con-
ference (IPSCC) – prevalência de 8,2%; intervalo de confiança de 95% (IC95%) 7,6-8,9%.
Nesse estudo, a prevalência variou entre as diversas regiões estudadas (p<0,001): América
do Norte com 7,7% (IC95%: 7,6-8,9%), Europa com 6,2% (IC95%: 5,0-7,6%), Austrália e
Nova Zelândia com 6,8% (IC95%: 4,4-9,8%), Ásia com 15,3% (IC95%: 11,7-19,5%), Amé-
rica do Sul com 16,3% (IC95% 12,1-21,3%) e África com 23,1% (IC95%: 13,5-35,2%).
Vale ressaltar que a maioria das UTI pediátricas envolvidas no estudo estava localizada em
países desenvolvidos.

A falta de consenso em relação às definições de sepse pediátrica é um grande problema


quando se analisam dados epidemiológicos. Até 2004, várias definições foram usadas e
grupos heterogêneos de pacientes foram envolvidos nos estudos que avaliaram a epide-
miologia da doença, levando a uma variabilidade em sua incidência.
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Capítulo 26 | Sepse
Camip

Mesmo após a publicação, em 2005, dos critérios diagnósticos de sepse em crianças,


dados epidemiológicos dessa doença ainda variam bastante, uma vez que a frequência
da doença depende das definições e dos critérios diagnósticos adotados, da população
estudada (idade, sexo, predisposição genética e país), do desenho do estudo (prospectivo
ou retrospectivo), da base de dados utilizada e da época da coleta. Ainda hoje, comparar
dados epidemiológicos de sepse pediátrica representa um desafio.

Independente de todas as dificuldades associadas ao diagnóstico e às definições de sepse


na população pediátrica, é fato que tem ocorrido um aumento da prevalência dessa doença
na população infantil, sobretudo relacionada, entre outros fatores, à maior sobrevida dos
recém-nascidos prematuros e de baixo peso e a pacientes com patologias de base.

Embora os dados da literatura demonstrem grandes variações na prevalência de sepse,


no geral, as características clínicas e demográficas das crianças com sepse são bastante
semelhantes nos diversos estudos. Segundo Watson et al., a idade é o principal fator deter-
minante da epidemiologia da sepse em crianças, principalmente nas mais jovens. Nos Es-
tados Unidos, os lactentes representaram o grupo de maior risco, com chances dez vezes
maiores de apresentar sepse do que as crianças mais velhas. Naquele país, a prevalência
de sepse foi maior nos meninos, até a idade de 10 anos. No nosso estudo, observamos um
predomínio nos lactentes (50% das crianças com sepse tinham menos de 1 ano de idade)
e mais discretamente no do sexo masculino. A maioria dos pacientes sépticos é admitida
na UTI pediátrica por razões clínicas, apresenta alguma comorbidade e o principal sítio de
infecção é o sistema respiratório.

Mortalidade

Apesar de numerosos esforços para melhorar o diagnóstico e o tratamento da sepse pedi-


átrica, tais como o fluxograma de tratamento de sepse grave e choque séptico em crianças
proposto pela American College of Critical Care Medicine (ACCM)/Pediatric Advanced Life
Support (PALS), a Global Pediatric Sepsis Initiative e a campanha Sobrevivendo a Sepse, a
mortalidade por sepse ainda permanece elevada. O problema é mais grave em países em
desenvolvimento, onde a baixa taxa de cobertura vacinal e precárias condições sanitárias
estão associadas com maior incidência e mortalidade por doenças infeciosas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2010, ocorreram cerca de 7,6
milhões de óbitos em crianças menores de 5 anos de idade. A maioria (60%) ocorreu em
países em desenvolvimento. Apesar da evolução das vacinas e antibióticos, essas mortes
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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

decorreram de doenças infecciosas de fácil prevenção, como pneumonia grave (14,1%;


1,071 milhão de óbitos/ano), diarreia grave (9,9%; 0,751 milhão de óbitos/ano) e malária
grave (7,4%; 0,564 milhão de óbitos/ano). A OMS usa o adjetivo “grave” para qualificar
o estado de crianças que apresentam sinais e sintomas de hipoperfusão tecidual, como
acidose ou hipotensão (ou ambas), ou seja, sinais de sepse grave e choque séptico. Uma
vez que a sepse é a via comum final desses quadros infecciosos, podemos afirmar que ela
é a principal causa de óbito em crianças em países em desenvolvimento. Aqueles dados
demonstram que a sepse grave em crianças tem impacto importante no sistema de saúde,
apesar dos avanços no desenvolvimento de vacinas e antibióticos.

Nas últimas décadas, avanços no tratamento da sepse pediátrica resultaram em queda


significativa da mortalidade nessa faixa etária. Essa diminuição é atribuída ao uso precoce
de antibióticos, à ressuscitação fluídica precoce e agressiva, e à ampla divulgação dos flu-
xogramas de tratamento de sepse grave e choque séptico em crianças. No entanto, sepse
ainda é a principal causa de óbito na infância e se observa ampla variação na mortalidade
por esse mal na população infantil. Nos Estados Unidos, a mortalidade por sepse em crian-
ças é de cerca de 10%. Embora os estudos demonstrem avanços no prognóstico da sepse
pediátrica, naquele país, em 1995, a sepse grave foi responsável por 7% do total de óbitos
de crianças, representando a quarta causa de óbitos em lactentes menores de 1 ano de
idade e a segunda em crianças maiores de 1 ano. Em 2005, a sepse grave foi responsável
pelo óbito de cerca de 10 mil crianças americanas.

Em regiões fora dos Estados Unidos, mesmo após a publicação em 2002, em vários
idiomas, dos parâmetros de prática clínica para suporte hemodinâmico a pacientes pedi-
átricos e neonatais em choque séptico, a mortalidade de crianças ainda atinge números
bastante elevados, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Na Amé-
rica Latina, dados a respeito da mortalidade por sepse em crianças são limitados. Nessa
região, a mortalidade por sepse grave e choque séptico varia, podendo atingir taxas tão
elevadas quanto 67%.

No estudo SPROUT, a mortalidade por sepse grave na UTI pediátrica foi de 24% e variou
entre as diferentes regiões estudadas (América do Norte: 21%; Europa: 29%; Austrália e
Nova Zelândia: 32%; Ásia: 40%; América do Sul: 11% e África: 40%; p=0,004). Embora
alguns autores tenham observado associação entre o nível de desenvolvimento socioe-
conômico (renda per capita, Índice de Desenvolvimento Humano e taxa de analfabetismo
funcional materno) e a mortalidade por sepse, o estudo SPROUT não observou diferença
na mortalidade por sepse entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (23% versus
29%; p= 0,23).
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Capítulo 26 | Sepse
Camip

De acordo com dados da World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies
(WFPICCS), a mortalidade por sepse na infância varia conforme o nível socioeconômico de
cada região e com a aderência aos pacotes de tratamento de sepse.

Em países em desenvolvimento, em que a adesão aos pacotes de tratamento foi menor,


a mortalidade por sepse grave e choque séptico foi de 30%, enquanto nos desenvolvidos
foi de 11%. Vários estudos atribuíram a elevada mortalidade ao atraso no diagnóstico e à
baixa adesão aos protocolos de tratamento de sepse grave e choque séptico. Wang et al.
associaram a elevada mortalidade aos atrasos no diagnóstico (tempo médio entre o início
dos sintomas e o diagnóstico de sepse de 4,2 +- 4,8 dias), na admissão hospitalar (ocorrida
em média no terceiro dia de doença) e no início do tratamento (em 98,2% dos pacientes
com sepse, a demora foi, em média, de 2 horas para início o tratamento com antibióticos).

Além de fatores socioeconômicos e educacionais, características próprias dos indivíduos


podem influenciar na mortalidade por sepse.

Em crianças, a idade, o sexo, a presença de imunodeficiência, de doença crônica, espe-


cificamente de doença hematológica e a presença de choque e de disfunção sistêmica de
múltiplos órgãos (DMOS) já foram associadas à maior mortalidade por sepse.

Definições

Em sendo a sepse uma doença dinâmica e complexa, de fisiopatologia desconhecida até


poucos anos atrás, de apresentação clínica variada e inespecífica, que acomete um grupo
heterogêneo de pessoas, não é fácil uma definição simples desse mal.

A síndrome, atualmente chamada sepse, já teve muitas definições ao longo de sua história.
Apesar dos avanços nas definições de sepse na população adulta, até o início de 2004, não
havia consenso em relação às definições de sepse pediátrica.

O PALS e o fluxograma para tratamento de pacientes pediátricos e neonatais em choque


séptico publicado em 2002 definiram choque séptico como a presença de febre ou hipoter-
mia e taquicardia, e mais cinco sinais de hipoperfusão (alteração do estado mental, enchi-
mento capilar lento maior que 2 segundos ou enchimento capilar rápido, pulsos periféricos
reduzidos ou oscilantes, extremidades frias e débito urinário reduzido). Esses fluxogramas
introduziram os conceitos: choque quente e frio, choque compensado, choque descom-
pensado ou hipotensivo, choque refratário à fluidoterapia, choque resistente à dopamina/
refratário a fluidos, choque resistente à catecolamina e choque refratário.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Somente em 2005, os membros da International Pediatric Sepsis Consensus Conference


publicaram definições exclusivas para a faixa etária pediátrica.

Elas foram baseadas nos conceitos atuais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica
(SRIS) e sepse para a população adulta, nas definições pediátricas de sepse de diversos
autores e nos escores de disfunção orgânica usados em adultos e em crianças.

Considerando que cada faixa etária pediátrica apresenta variações fisiológicas dos sinais
vitais e também características individuais, como agentes infecciosos e fatores predispo-
nentes, a infância foi dividida em seis faixas etárias: recém-nascidos, neonatos, lactentes,
pré-escolar, escolar, adolescente e adulto jovem (Quadro 1).

Os autores expõem que as definições propostas representam uma “ferramenta em constru-


ção”, que ainda merece maior refinamento e aprimoramento. As definições pediátricas de
SRIS, sepse, sepse grave e choque séptico propostas pela IPSCC em 2005 estão apresen-
tadas no Quadro 2.

Quadro 1. Grupos estágios pediátricos para definição de sepse e seus estágios evolutivos

Classificação Idade

Recém-nascido 0 a 7 dias

Neonato > 7 dias até 1 mês

Lactente > 1 mês a 1 ano

Pré-escolar 2 a 5 anos

Escolar 6 a 12 anos

Adolescente e adulto jovem > 13 < 18 anos

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Camip

Quadro 2. Definição de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), sepse,


sepse grave e choque séptico de acordo com os critérios da International Pediatric
Sepsis Consensus Conference – PCCM, 2005

Presença de pelo menos dois dos quatro critérios abaixo, sendo


SRIS um dos quais deve ser a alteração de temperatura ou do número
de leucócitos.

Temperatura central
(retal, vesical, oral ou cateter >38,5º ou <36º C
central)

Frequência cardíaca média > 2 desvios padrão acima do normal


para a idade, na ausência de estímulos externos, uso crônico
de medicações ou estímulo doloroso OU elevação persistente e
inexplicada por período superior a ½ a 4 horas OU bradicardia
Taquicardia (para crianças <1 ano) definida como frequência cardíaca média
< percentil 10 para idade, na ausência de estímulo vagal exter-
no, uso de bloqueadores beta-adrenérgicos ou doença cardíaca
congênita ou queda persistente e não explicada por período
maior que ½ hora.

Frequência respiratória média >2 desvios padrão para a ida-


de OU necessidade de ventilação mecânica para uma doença
Taquipneia
aguda não relacionada a doença neuromuscular de base ou
pós-anestésico.

De acordo com a faixa etária (exceto leucopenia secundária a


Leucocitose ou leucopenia
quimioterapia) OU > 10% de formas jovens

Infecção suspeita ou comprovada (por cultura positiva, colora-


ção de tecido ou teste de reação em cadeia de polimerase) cau-
sada por qualquer agente OU síndrome clínica associada à alta
probabilidade de infecção. Evidência de infecção inclui achados
Infecção
positivos no exame clínico, exame de imagem ou testes labora-
toriais (por exemplo: leucócitos em líquidos estéreis, radiografia
compatível com pneumonia, rash petequial ou purpúrico ou
púrpura fulminante)

SRIS na presença de, ou como resultado de infecção suspeita


Sepse
ou confirmada.

Sepse + disfunção cardiovascular OU SDRA* OU sepse + 2 ou


Sepse grave mais das demais disfunções orgânicas (renal, hematológica,
neurológica, hepática)

Choque séptico Sepse + disfunção cardiovascular

Variáveis fisiológicas e laboratoriais específicas para cada faixa etária.


*SDRA: pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio <200mmHg, infiltrado pulmonar
bilateral na radiografia de tórax, início agudo e falta de evidência de insuficiência cardíaca esquerda.
SDRA: Síndrome do desconforto respiratório agudo.

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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Diferente das definições de sepse para a população adulta, as quais foram elaboradas para apri-
morar o diagnóstico precoce da doença à beira do leito e, dessa forma, possibilitar a imediata in-
tervenção terapêutica, as definições de sepse pediátrica não foram desenvolvidas para utilização
na prática clínica e sim para fins de pesquisa. Apesar disso, as definições atuais propostas pela
IPSCC são frequentemente usadas na prática clínica diária em UTI pediátrica de todo o mundo.
Mais importante, elas formam a base para o desenvolvimento das diretrizes de tratamento da
sepse pediátrica. Novos estudos são necessários para avaliar sua aplicabilidade na beira do leito.

Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico de sepse em crianças depende de uma forte suspeita do médico, uma
vez que os sinais e sintomas dessa doença são inespecíficos. Como a própria definição
diz, devemos suspeitar de sepse na criança que apresenta sinais de reposta inflamatória
associados à história de infecção. Salientamos que, na infância, os sinais inflamatórios de
taquicardia e taquipneia podem estar presentes, mesmo na ausência de inflamação, por
exemplo, quando a criança chora. O médico deve valorizar esses sinais no contexto da his-
tória clínica de infecção e diante de uma criança que não aparenta bom estado geral.

O diagnóstico clínico de sepse consiste na alteração da temperatura (temperatura central


>38,5º C ou <36º C), alteração de FC, FR e na contagem do número de leucócitos no con-
texto de um quadro infeciosos. Os valores dos sinais vitais nas diferentes faixas etárias
pediátricas são apresentados no Quadro 3.

Quadro 3. Sinais vitais e variáveis fisiológicas específicos de cada faixa etária (valores
inferiores de frequência cardíaca (FC), número de leucócitos e pressão arterial sistólica
(PAS) são referentes ao P5 e valores superiores de FC, frequência respiratória (FR) ou
número de leucócitos são referentes ao P95.

FC (bpm) Contagem de
PAS
Grupo etário Taquicardia FR, rpm leucócitos
(mmHg)
Bradicardia leucócitos x 103/mm3

0 a 1 semana > 180; < 100 > 50 > 34 < 65

1 semana a 1 mês > 180; < 100 > 40 > 19,5 ou < 5 < 75

1 mês a 1 ano > 180; < 90 > 34 > 17,5 ou < 5 < 100

2 a 5 anos > 140 – NA > 22 > 15,5 ou < 6 < 94

6 a 12 anos > 130 – NA > 18 > 13,5 ou < 4,5 < 105

13 a < 18 anos > 110 – NA > 14 > 11 ou < 4,5 < 17

NA: não aplicável

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Capítulo 26 | Sepse
Camip

Ressaltamos que o exame clínico é útil na identificação precoce dos pacientes com quadros
sépticos e na conduta terapêutica inicial. Apesar de ser pouco específica, a avaliação dos sinais
clínicos é mandatória e facilmente aplicável em qualquer ambiente do sistema de saúde. Deve
ser a abordagem inicialmente empregada na avaliação do paciente com suspeita de infecção.

Fisiopatologia
A sepse se desenvolve a partir de uma resposta do organismo a um microrganismo, que pode
ser vírus, bactérias ou fungos. Células do sistema imune inato (primeira linha de defesa celular
do organismo) são responsáveis pelo reconhecimento, opsonização, ativação das cascatas do
complemento e coagulação, fagocitose, ativação de mediadores pró-inflamatórios e apoptose.

Essas ações são mediadas por receptores de reconhecimento (pattern recognition recep-
tors), que se ligam a estruturas encontradas na superfície dos microrganismos.

Os receptores do tipo Toll (TLRs) são uma das mais importantes famílias de receptores de
reconhecimento. A ativação desses receptores dá início a complexas cascatas de transdu-
ção de sinal ainda não completamente esclarecidas, que, em última análise, levam à trans-
crição do fator nuclear -B, que, por sua vez, é um importante regulador da expressão de
mediadores pró-inflamatórios.

TLRs são encontrados primariamente em macrófagos, monócitos e células dendríticas, ou


seja, nas três células sentinelas da resposta imune inata que internalizam e destroem os
microrganismos. Monócitos e macrófagos apresentam os antígenos processados desses
microrganismos para os linfócitos T circulantes, ativando a resposta imune adaptativa.

A resposta imune adaptativa é altamente antígeno-específica e requer a apresentação do


antígeno pelas células da imunidade inata.

Essa segunda onda da resposta imune inclui a ativação de células B com produção de an-
ticorpos e geração de linfócitos T citotóxicos e células T Natural Killer, o que vai completar
a morte do microrganismo com clareamento pelo sistema retículo endotelial.

As células T ativadas regulam a resposta imune via produção de citocinas (linfócitos CD4)
e por citotoxicidade (linfócitos CD8). Células T CD4 podem se diferenciar em diversos sub-
tipos de células T, dependendo do ambiente de citocinas em que essas células foram ati-
vadas. Por exemplo: na presença de citocinas pró-inflamatórias, as células CD4 irão se
diferenciar em linfócitos TH1 que, por sua vez, induzem à produção de outras citocinas
pró-inflamatórias, como interferon, perpetuando a resposta pró-inflamatória.

Já uma resposta predominante anti-inflamatória (TH2) ocorre quando células CD4 são ati-
vadas em um ambiente de citocinas anti-inflamatórias.

A resposta TH2 leva à produção de citocinas anti-inflamatórias. Linfócitos T reguladores vão


expressar uma resposta anti-inflamatória mediada por inibição direta de outras células do
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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

sistema imune e produção de fator de transformação do crescimento beta (TGF-β) e inter-


leucina 10 (IL-10) (Quadro 4).

Quadro 4. Elementos da resposta imune inata e adaptativa e respectivas funções

Resposta imune inata Resposta imune adaptativa

Fagocitose:
Produção de ACs:
- Monócito, macrófago
- Células B, células
- Leucócitos PMN
plasmáticas
- Células dendritícas

Apresentação de antígenos:
Morte por citotoxicidade:
- Monócito, macrófago
Elementos - Linfócitos CD8
- Células dendritícas
celulares
Elementos Produção de quimiocinas
celulares e citocinas:
Morte por citotoxicidade:
- Linfócitos CD4
- Células Natural Killer
- Células TH1
- Leucócitos PMN
- Células TH2
- Células T reguladoras

Produção de quimiocinas
e citocinas
Quimiocinas
Todos Elementos
Citocinas
Quimiocinas não celulares
Elementos Imunoglobulinas
Citocinas
não celulares
Complemento

PMN: polimorfonucleares; AC: anticorpos

As citocinas e quimiocinas liberadas vão dar início a uma sequência de outros eventos
bioquímicos, que resultam em liberação da fosfolipase A2, fator ativador de plaquetas,
liberação de produtos da ciclo-oxigenase, complemento e outras citocinas. O papel de
citocinas e quimiocinas é o de manter a comunicação entre os dois braços da resposta imune.

Quando falamos de uma determinada citocina, é importante considerar que suas ações
dependem do tipo celular específico em que estão atuando.

Dessa forma, uma citocina pode ser tanto anti quanto pró-inflamatória. Quiminocinas, tais
como IL-8, atuam estimulando a migração celular para uma região inflamada (Quadro 5).
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Capítulo 26 | Sepse
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Quadro 5. Citocinas e suas ações principais

Ação Citocinas Células produtoras Ações

Febre, vasodilatação, ativação


IL-1b Monócitos/macrófagos de células T, monócitos e
macrófagos

Monócitos/macrófagos Febre, vasodilatação,


TNF- Células T (TH1), apoptose, ativação de células
Células Natural Killer T, monócitos e macrófagos

Ativação de células T e
IL-18 Macrófagos
monócitos
Pró-
Ativação de células
inflamatórias IL-12 Macrófagos, células dendríticas
Natural Killer

Células T (TH1), Ativação de monócitos e


IFN-γ
células Natural Killer macrófagos

Aumento da produção, e
promoção do crescimento
GM-CSF Células T, macrófagos e ativação de monócitos,
macrógafos, PMNs e células
dendríticas

Inibição da ativação e
Monócitos/macrófagos
IL-10 proliferação de monócitos
Células T (TH2 e reguladoras)
e macrófagos

Monócitos Inibição da ativação de


TGF-β
Anti- Células T (TH2 e reguladoras) monócitos e macrófagos
inflamatórias Inibição de monócitos e
IL-13 Células T (TH2) macrófagos e produção
e citocinas

Hepatócitos Inibição da IL-1 por bloqueio


IL-1ra
Monócitos/macrófagos PMNs do receptor da IL-1

Promove resposta de fase


Monócitos/macrófagos, aguda (ação pró-inflamatória),
Mistas IL-6
Endotélio vascular e ativação do eixo adrenal
(ação anti-inflamatória)
IL: interleucina; TNF- : fator de necrose tumoral alfa; IFN-γ: interferon-gama; GM-CSF: fator estimulador
de colônia granulócito macrófago; TGF-β: fator de transformação do crescimento beta; PMN: células
polimorfonucleares

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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Observa-se, no Quadro 4, que as diversas citocinas possuem efeito de retroalimentação,


regulando a liberação, ativação e proliferação das células da imunidade inata e adaptativa.
Quando um insulto pró-inflamatório ocorre, o paciente expressa uma variedade de sinais
e sintomas que constituem a SIRS. Casos mais graves de hiperinflamação resultam de um
exagero da resposta imune a um determinado insulto.

Espera-se que uma reposta compensatória anti-inflamatória ocorra visando ao equilíbrio


(resposta anti-inflamatória compensatória – CARS, sigla do inglês compensatory anti-in-
flammatory response syndrome). Os mediadores anti-inflamatórios atuam regulando nega-
tivamente os TLRs, suprimindo a inflamação e as respostas imunes deletérias. De forma
semelhante, a SIRS se faz uma regulação da CARS. A persistência de um estado anti-infla-
matório leva à imunoparalisia (Figura 1).

Figura 1. Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS),


resposta anti-inflamatória compensatória (CARS) e homeostase

Com base em estudos conduzidos em gêmeos idênticos e pessoas adotadas, foi possível
determinar que fatores genéticos são importantes determinantes da suscetibilidade à morte
por doenças infecciosas.

Polimorfismos nos genes das citocinas podem determinar a concentração de citocinas pró
e anti-inflamatórias e influenciar na reposta do indivíduo à infecção, que pode variar de um
estado hiperinflamatório (levando a sepse, choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos)
ou um estado hipoinflamatório (morte por infecção não controlada).

As interações entre as diversas células envolvidas na resposta imune com as citocinas e a


cascata de eventos metabólicos da sepse estão ilustradas na Figura 2.
487

487
Capítulo 26 | Sepse
Camip

Figura 2. Fisiopatologia da sepse. NO: óxido nítrico; SDRA: síndrome do desconforto respiratório
agudo; IRA: insuficiência renal aguda; CIVD: coagulação intravascular disseminada ;
DMOS: disfunção sistêmica de múltiplos órgãos

Os mecanismos envolvidos nas principais disfunções orgânicas são multifatoriais e encon-


tram-se citados no Quadro 6.

488

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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 6. Mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas principais disfunções orgânicas

Disfunção
Mecanismos fisiopatológicos Consequências clínicas
orgânica

- Inflamação TNF-α, IL-1, e IL-6


- NO, endotelina 1
- Insuficiência circulatória - Baixo débito cardíaco
- Desregulação autonômica - Hiporesponsividade a
Miocárdica
- Depressão miocárdica intrínseca catecolaminas exógenas
segundo disfunção mitocondrial e - Distúrbios de ritmo
estresse oxidativo, dowregulation
adrenérgica, disfunção miofibrilar

- Lesão endotelial
- Disfunção dos sistema arginina-
vasopressina
- Liberação de mediadores inflamatórios
com ação vasodilatadora (TNF-α,
interferon gama e IL 1 g aumento
do cGMP
Macrocirculatória/ - Hiperpolarização da musculatura lisa - Hipotensão refratária
vasoplegia vascular por h concentração plasmática - DMOS
de íons H+ e lacatto e i de ATP levando
a ativação de canais de K+ sensíveis ao
ATP g refluxo de K g hiperpolarização
da célula e fechamento dos canais
de Ca++
- Liberação de substâncias
vasodilatadoras como NO

- Redução da deformidade de hemácias e


aumento da viscosidade
- Aumento do porcentual de neutrófilos
ativados com menor deformidade e
aumento da agregação leucocitária por
upregulation de moléculas
de adesão
- Ativação da cascata de coagulação com
- Inadequada utilização de oxigênio,
deposição de fibrina e formação
apesar de aumento da oferta
de microtrombos
(disóxia) devido a distúrbios na
Microcirculatória - Perda dos mecanismos autorregulatórios
extração de oxigênio
- Aumento da perfusão de grandes shunts
- Shunts atrioventriculares
arteriovenosos
- DMOS
- Aumento da permeabilidade
microvascular com formação
de edema
- Alteração do glicocálix (camada de
glicosaminoglicanos que contém
várias substâncias como ATIII, SOD) g
favorecendo a adesão de hemácias e
plaquetas

- Redução da atividade dos diferentes


complexos da cadeia transportadora
Mitocondrial - Hipóxia citopática g DMOS
de elétrons causada por mediadores
inflamatórios, NO

489

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Capítulo 26 | Sepse
Camip

- Ativação da cascata da coagulação


mediada pelo fator tissular-FT
(expressão do FT por LPS, TNF-α, - Sangramento por consumo
IL-1 causa ativação do fator VII, V, X de fatores
g geração de trombina e deposição e
fibrina), conforme Quadro 4

- Disfunção das vias de anticoagulação


mediada por redução da síntese de ATIII, - Microangiopatia trombótica
Coagulação proteína C e S; inativação da proteína C

- Defeitos na fibrinólise causado por


ativação da célula endotelial por
citocinas pró-inflamatórias g liberação
do PAI-1 (inibidor da ativação do
plasminogênio) - Ambiente pró-coagulante

- Ativação plaquetária por citocinas pró-


inflamatórias e endotoxina

- Aumento da demanda metabólica leva


a necessidade de aumento do volume
minuto
- Lesão pulmonar direta (por exemplo: - Hipoxemia
Respiratória pneumonia como foco da sepse), - Acidose respiratória
levando à redução da complacência - Aumento VO2
pulmonar e efeito shunt
- Lesão pulmonar indireta (por exemplo:
SDRA)

- Lesão por isquemia-reperfusão


- Insulto inflamatório direto - Distúrbios eletrolíticos
- Estresse oxidativo - Sobrecarga de volume e balanço
Renal - Microtrombose pelo distúrbio hídrico positivo
de coagulação - Distúrbios de coagulação
- Disfunção da célula endotelial pela uremia
- Apoptose

- Rompimento da barreira
hematoencefálica como consequência
da interação entre mediadores
- Redução do nível de consciência
inflamatórios e endotélio vascular
- Isquemia
cerebral
- Hemorragia
- Composição anormal dos
Cerebral - Microtromobose
neurotransmissores do sistema
- Microabcessos
reticulado ascendente
- Leucoencefalopatia necrosante
- Redução do fluxo sanguíneo cerebral e
multifocal
extração de oxigênio
- Edema cerebral secundário à isquemia-
reperfusão e estresse oxidativo

TNF-α: fator de necrose tumoral alfa; IL: interleucina; NO: óxido nítrico; DMOS: disfunção múltipla de
órgão sistêmicos ; ATP: adenosina trifosfato; SOD: superóxido dismutase ; VO2: consumo de oxigênio;
SDRA: síndrome do desconforto respiratório agudo

490

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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quando discutimos a fisiopatologia da sepse e DMOS, grande parte da literatura médica


disponível é baseada em estudos de pacientes adultos. No entanto, importantes diferenças
de desenvolvimento devem ser levadas em consideração na abordagem do paciente pedi-
átrico em sepse. No Quadro 6, estão citadas as principais.

Tratamento

O tratamento do choque séptico será abordado em capítulo específico. Neste capítulo,


oferecemos uma visão geral do tratamento do paciente com sepse, com ênfase na ressus-
citação volêmica e uso de antibiótico.

Medidas iniciais

As condutas iniciais à admissão de um paciente com sepse incluem:

• Manter a permeabilidade da via aérea.


• Oferecer oxigênio: deve ser fornecido inicialmente a 100% por meio de dispositivo de
alto fluxo (cânula nasal de alto fluxo) ou pressão positiva contínua via cateter nasal
(CPAP) ou intubação traqueal.
• Estabelecer o acesso venoso ou intraósseo: o melhor acesso é o mais rápido. De acordo
com as recomendações da American Heart Association: “Limite o tempo gasto em
obter um acesso venoso, que se não puder ser alcançado rapidamente, estabeleça um
acesso intraósseo (IO). Durante ressuscitação cardiopulmonar ou tratamento do choque,
estabeleça um acesso intraósseo imediatamente”.
• Restabelecer a volemia circulante efetiva: iniciar com infusão de cristaloide (soro
fisiológico ou ringer lactato) 20mL/kg em bólus, repetindo, se necessário, até atingir um
volume mínimo de 60 mL/kg, de acordo com a resposta clínica: melhora da perfusão, do
pulso, da PA e da diurese. Reavaliação frequente para detecção de sinais de congestão
venosa sistêmica (hepatomegalia, turgência jugular) ou pulmonar (estertores, infiltrado
alveolar e/ou intersticial a radiografia de tórax, piora do padrão respiratório).
• Correção dos distúrbios metabólicos e acidobásicos associados: é importante manter
uma homeostase metabólica.
• Reposição de glicose: a hipoglicemia pode ter consequências neurológicas catastróficas
quando não rapidamente diagnosticada e tratada. Se os níveis plasmáticos de glicose
estão baixos de 60mg/dL, deve ser realizada correção rápida por meio da infusão de
0,5–1g/kg de glicose.
• Correção de cálcio: a hipocalcemia é um coadjuvante da disfunção cardíaca, uma vez
que é responsável pelo acoplamento excitação-contração das células musculares em
especial da célula muscular cardíaca. A reposição de cálcio visa correção do cálcio
491

491
Capítulo 26 | Sepse
Camip

iônico. A correção pode ser alcançada pela infusão de gluconato ou cloreto de cálcio. O
cloreto de cálcio produz níveis de cálcio mais altos e de melhor disponibilidade, portanto
deve ser a forma preferível. A dose recomendada é de 10 a 20mg/kg (0,1-0,2ml/Kg de
cloreto de cálcio a 10%).
• Início precoce de antibióticos: na abordagem da sepse (Figura 1), os antibióticos
devem ser administrados durante a primeira hora da identificação de sepse grave,
independente da coleta de culturas. A escolha do agente antimicrobiano deve se
basear na faixa etária, provável foco da infecção, padrão de resistência antimicrobiana
da comunidade e do serviço hospitalar, estado imune prévio do paciente, assim como
presença de comorbidades.

Objetivos do tratamento

Em cada etapa do tratamento o paciente deve ser reavaliado com o objetivo de manter:
• Tempo de enchimento capilar ≤2 segundos
• Pulsos periféricos normais sem diferenças entre os pulsos centrais e periféricos
• Extremidades aquecidas
• Débito urinário > 1mL/kg/h
• Estado mental normal
• PA adequada para idade (Quadro 3)
• FC adequada para idade (Quadro 3)
• SvcO2 (saturação venosa central de oxigênio) >70%, se o cateter venoso central
estiver disponível
• Pressão de perfusão adequada para idade, se presença de cateter venoso central

Os demais aspectos do tratamento da sepse grave não responsiva a volume serão aborda-
dos no capítulo de choque.

Messages to take home

• A sepse é uma das principais doenças da infância, sendo causa comum de internação
e óbito em UTI pediátrica e consome parcela substancial dos recursos financeiros
destinados para a saúde. É considerada um problema de saúde pública em expansão.
• Dados epidemiológicos de sepse são importantes para aprofundar o conhecimento da
frequência e evolução da sepse em diferentes regiões e países e, com isso, melhorar a
alocação de recursos e o prognóstico da doença.
• O diagnóstico de sepse é iminentemente clínico e depende de uma suspeita do médico.
• O diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para o prognósticos das
crianças com sepse.
492

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Capítulo 26 | Sepse
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Uso Racional de
Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas 27
Antimicrobianos em
Capítulo 27
Crianças
Uso Gravemente
racional de antimicrobianos Enfermas
em crianças gravemente enfermas

Eduardo Juan Troster


Heloisa Helena de Souza Marques
Eduardo Juan Troster
Juliana Ferreira Ferranti Heloisa Helena de Souza Marques
Juliana Ferreira Ferrantu
Caso clínico

Paciente do sexo feminino, 7 anos de idade com antecedente pessoal de epidermólise


bolhosa. Deu entrada no pronto atendimento com história relatada pela mãe de adinamia,
mal-estar geral, tremores e sinais flogísticos em membro superior esquerdo. Antecedente
de diversas internações por infecções de pele, sendo a última há 2 meses.

Sinais vitais da entrada: pressão arterial (PA) 80x40mmHg, frequência cardíaca (FC) 170bpm,
frequ6encia respiratória (FR) 28irpm, saturação de oxigênio (SatO2) 95% ar ambiente, tem-
peratura 38,5°C.

Levada à sala de emergência, obtido acesso venoso periférico, iniciada ressuscitação volê-
mica e prescrita antibioticoterapia empírica

Qual/quais antibióticos mais adequados para a terapia empírica?

Paciente transferida à unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica, checados dados da


internação anterior com culturas de desbridamento de pele positivas para Kleibsiella pneu-
moniae resistente a quinolonas, cefalosporinas de segunda e terceira gerações e Staphylo-
coccus aureus resistente à meticilina (MRSA).

Devemos modificar o esquema instituído previamente? Ou, por se tratar de novo quadro
infeccioso, devemos aguardar novas culturas com resultado previsto para 72 horas?

Perguntas

1. O que são antimicrobianos?


2. Qual é a importância do uso racional de antimicrobianos?
3. Quais critérios podem ser usados para o uso de antimicrobianos?
4. O que é resistência bacteriana e como ela surge?
5. Como decidir o tempo de duração do tratamento?
6. Como fazer o controle do uso de antimicrobianos?
7. Qual a importância das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH)?
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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Camip

Introdução

Os antibióticos são considerados como uma das principais descobertas do século 20. Na
era pré-antibiótico, as doenças infecciosas eram responsáveis por grande parte da mortali-
dade e morbidade. Havia uma preocupação na realização de procedimentos invasivos pelo
risco de infecção. No entanto, o milagre teve vida curta. O uso errático e irresponsável de
agentes antimicrobianos resultou no desenvolvimento de resistência às drogas de inúmeros
microrganismos, culminando, por sua vez, na morte por causa de infecções hospitalares.

Como as infecções apresentam risco de vida, os antibióticos são instrumentos que salvam
vidas comparáveis como a ventilação mecânica, diálise e outros dispositivos de suporte
avançado de vida. Aumentam a sobrevida e a qualidade de vida. No entanto, devem ser
usados com cuidado. Mais de 70 a 80% das prescrições de antibióticos são feitas prova-
velmente sem necessidade.

Mais de 60% dos pacientes internados recebem pelo menos um antibiótico durante a inter-
nação. Na UTI, o uso de antibióticos ocorre dez vezes mais do que em áreas não críticas,
devido a vários fatores: gravidade da doença, procedimentos invasivos, dispositivos de
monitorização, como cateteres e sondas, ventilação mecânica invasiva, quebra de barreira
da mucosa e/ou pele, desnutrição, uso de corticoide, uso de anti-histamínicos anti-H2 e
abuso de antibioticoterapia.

Os antimicrobianos são substâncias que atuam sobre microrganismos, inibindo seu cres-
cimento ou causando sua destruição. É a segunda classe de droga mais usada, sendo
responsável por 20 a 50% das despesas hospitalares. São amplamente prescritos em aten-
dimentos ambulatoriais e também como automedicação. Sua ampla utilização pode afetar
de forma significativa não somente a microbiota do paciente que o utiliza, mas também a
ecologia microbiana dos outros pacientes, além de predispor o paciente a efeitos colaterais.
Nos Estados Unidos, segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), uma em
cada cinco visitas ao departamento de emergência por reação a drogas foi devida ao uso
de antibióticos.

Um dos maiores problemas enfrentados pela comunidade médica nos últimos anos é o
desenvolvimento e o aumento da resistência ao uso dos antimicrobianos e decorre de seu
uso indiscriminado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o CDC estima que, a cada ano, 2
milhões de pessoas adquiram infecções bacterianas graves com resistência a um ou mais
antibióticos. O surgimento de microrganismos resistentes é cada vez mais evidente em in-

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

fecções relacionadas à assistência à saúde e, atualmente, observa-se também o aumento


da presença da resistência em infecções adquiridas na comunidade.

Vários mecanismos estão envolvidos no desenvolvimento da resistência e são explicados


mais adiante neste capítulo. Já a propagação desses microrganismos resistentes pode se
dar por meio da transmissão de pessoa a pessoa, com higiene inadequada de mãos por
exemplo, além do contato de superfícies contaminadas. Outro fator importante é a trans-
missão por outras fontes ambientais para os humanos, como alimentos – animais criados
para consumo humano são tratados com antibióticos e podem desenvolver bactérias re-
sistentes que podem permanecer na carne não preparada adequadamente consumida
pela população.

Entre as possíveis ameaças com o surgimento da resistência, observa-se que, dentre as


bactérias Gram-positivas, as quais são importantes agentes de infecção adquiridos em ser-
viços de saúde (por exemplo: Staphylococcus coagulase negativa – SCN, Staphylococcus
aureus e Enterococcus spp), tem aumentado a incidência de SCN e S. aureus resistentes
à oxacilina (meticilino resistente a S. aureus – MRSA). Também é um problema crescente a
existência de S. aureus e Enterococcus resistentes à vancomicina (VRE). Além disso, dentre
as bactérias Gram-negativas, como, por exemplo, Escherichia coli, Klebsiella spp., Pseudo-
monas aeruginosa e Acinetobacter spp., também houve aumento da resistência aos antimi-
crobianos de amplo espectro normalmente utilizados, como as cefalosporinas de terceira
geração, carbapenêmicos e quinolonas.

A resistência antimicrobiana de um serviço pode influenciar no desfecho do paciente, com


aumento de morbimortalidade, assim como na alocação de recursos de um serviço. Desse
modo, a fim de minimizar o surgimento da resistência, deve-se evitar a prescrição desne-
cessária de antibióticos, conhecer a microbiota do serviço e seu perfil de sensibilidade aos
antimicrobianos, otimizar seu uso, conhecer a importância das CCIH e respeitar as estraté-
gias para prevenção da resistência aos antimicrobianos.

Atualmente, a tendência é denominar antimicrobianos dois tipos de produtos:

• Antibióticos: antimicrobianos produzidos por microrganismos (bactérias, fungos, actino-


micetes); por exemplo: penicilinas

• Quimioterápicos: antimicrobianos sintetizados em laboratório; por exemplo: sulfas


e quinolonas
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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
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Princípios gerais da terapia antimicrobiana

O princípio básico da terapia anti-infecciosa é a determinação do agente causal da infecção


e de sua suscetibilidade aos antimicrobianos. Como regra, o diagnóstico de infecção deve
ser embasado em resultados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais.

Indicações de tratamento

Ao iniciar um tratamento com um antimicrobiano, deve-se ter em mente o tipo de terapia


que guia sua indicação:

• Terapia definitiva: indicada para infecção/doença comprovada e no caso das infecções


bacterianas, segundo antibiograma. Deve ser restrita às infecções bacterianas. Deve ser fei-
ta uma busca ativa da etiologia por meio da coleta de secreções, fluídos, exsudatos, cultura
e antibiograma, testes sorológicos. Baseados nos resultados, devemos escolher um antibi-
ótico de espectro estreito, menos tóxico, de fácil de administração e de custo baixo.

• Terapia empírica: deve ser restrita a situações críticas, quando não há tempo para iden-
tificação e isolamento da bactéria, e existe uma evidência forte de sua existência, como
choque séptico, paciente imunodeprimido com infecção sistêmica grave, febre sem
sinais localizatórios, leucocitose e aumento da proteína C-reativa (PCR).

• Terapia profilática: dirigida para a prevenção de infecções específicas em pacientes


suscetíveis com alto risco de progressão grave.

Identificação do agente etiológico


Sempre, ao prescrever um antimicrobiano, deve ser realizada investigação laboratorial, a
fim de guiar a terapia com antibiograma e possibilitar descalonar o tratamento para me-
dicações de menor espectro e que induzam menos à resistência bacteriana. A utilidade
de exames gerais, como hemograma, e provas de fase aguda e coletas específicas de
hemoculturas, métodos imunológicos (sorologias, entre outras) ajudam a definir o estado
infeccioso e sua extensão.

Seleção da terapia com antibióticos


Devemos seguir algumas etapas para escolher de uma forma melhor.

Etapa 1

No início do tratamento, ainda sem o direcionamento adequado de culturas e outros exames,


predizer que microrganismo causa a infecção com base no local da infecção (Quadro 1).
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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 1. Terapêutica empírica inicial para crianças com suspeita de infecção


bacteriana grave

Doença/ Terapia Duração do tratamen-


Local Etiologia
síndrome empírica to/ comentários*

Staphylococcus - Considerar a retirada


aureus, estafilo Imunodeprimido: do cateter e a co-
coagulase negati- vancomicina + bertura para fungos
Infecção relacio- vo, bacilos entéri- cefepime quando clinicamente
Sistêmico
nada a cateter cos Gram-negati- ou indicado
vos, incluindo piperacilina/ - Sempre ajustar o
Pseudomonas, tazobactan + AG esquema após os re-
Candida sultados de culturas

- Pneumococo:
Streptococcus 10–14 dias
pneumoniae, - Meningococo e hemó-
Meningite Neisseria Ceftriaxona + filo: 7 dias
(criança > 1 mês) meningitidis e vancomicina1 - Vancomicina em locais
Haemophilus com elevada prevalên-
influenza cia de pneumococo
resistente à penicilina

Staphylococcus - 10–21dias: depende


epidermidis, do patógeno e da
Shunt
Staphylococcus resposta
Sistema ventrículo- Vancomicina +
aureus, - Revisão e/ou remoção
nervoso peritoneal cefepime
Enterobacteriace- do shunt necessária
central infectado
ae, Propionobac- para bom resultado
terium acnes terapêutico

Staphylococcus
aureus,
Vancomicina +
estafilococo coa-
Meningite cefepima
gulase-negativo,
após trauma ou - Tende a ser mais lon-
bacilos aerobicos
penetrante ou ceftadizima go: 14–21 dias
Gram-negativos
pós-neurocirurgia ou
(incluindo Pseu-
meropenem
domonas aerugi-
nosa)

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Camip

- 10 dias
- Considerar vírus e
influenza, segundo da-
dos epidemiológicos,
Streptococcus sazonalidade
pneumoniae, Penicilina crista- - Organismos atípicos
Streptococcus lina mais comuns em
Pneumonia
grupo A, Sta- ou crianças > 5 anos
> 1 mês e
phylococcus ampicilina - Considerar cobertu-
< 5 anos
aureus, micoplas- Alternativa: ra antiestafilocócica
ma, Chlamydia ceftriaxona (oxacilina ou clindami-
pneumoniae cina) se doença grave
e achados sugestivos
de Staphylococcus
aureus (derrame pleu-
ral e cavitação)
Trato
Ampicilina + clari-
respiratório Streptococcus
tromicina
pneumoniae,
ou - 7–10 dias
Streptococcus
azitromicina - Considerar vírus e
Pneumonia grupo A, Sta-
Alternativa: cef- influenza, segundo
> 5 anos phylococcus
triaxona + claritro- dados epidemiológi-
aureus, micoplas-
micina cos, sazonalidade
ma, Chlamydia
ou
pneumoniae
azitromicina

Polimicrobiana:
anaeróbios da
cavidade oral Ceftriaxona + clin-
Pneumonia (bacteroides e damicina - Sempre ajustar após
aspirativa Fusobacterium), Alternativa: mero- resultados de culturas
Streptococcus sp, penem
Staphylococcus
aureus, Klebsiella

- 4–6 semanas
Válvula nativa
Penicilina G - Logo que possível,
(incluindo doença
ou ajustar segundo
congênita cardí-
ceftriaxona + agente identificado em
aca)
gentamicina hemoculturas
Streptococcus
Endocardite ou - Se enterococo, gen-
viridans, Strep-
Oxacilina + genta- tamicina somente na
tococcus sp,
micina primeira semana de
Enterococcus,
ou tratamento
Staphylococcus
Sistema vancomicina
aureus
cardiovascular

Válvula prostética - 4–6 semanas


Staphylococcus - O uso concomitante
aureus, estafi- de rifampicina pode
lococo coagu- Vancomicina + ser interessante nos
lase negativo, gentamicina casos de infecção por
Enterococcus, estaficoco por sua ca-
Streptococcus sp, pacidade de penetrar
Gram-negativos no biofilme bacteriano

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Clostridium diffi-
Colite Metronidazol - 10 dias
cile

- 10–14 dias
- Indicação prioritária
para crianças < 3
meses, presença de
Salmonela Ceftriaxona5 bacteremia, compro-
metimento do estado
geral, nas hemoglobi-
nopatias e imunode-
primidos

Ceftriaxona
Alternativas: azi-
Shigella - 5 dias para disenteria
Diarréia tromicina
ou quinolonas

- Raramente indicado
Cefotaxima, ami-
exceto se bacteremia,
Yersinia cacina, SMX/TMP,
infecção extraintesti-
quinolonas
nal e imunodeprimidos

- Imunocompetente 5–7
Campylobacter Azitromicina dias, imunodeprimido
14 dias

Escherichia coli,
Enterococcus, - 4–7 dias (ajustar caso
Bacteroides spp, Ampicilina + cef- a caso; pode ser mais
Clostridium sp, triaxona longo)
Infecções
Peptostreptococ- ou cefepime + - Para pacientes com
intra-abdominais
cus, Pseudomo- metronidazol infecções associa-
(incluindo
nas aeruginosa, ou das aos cuidados de
apendicite)
Staphylococcus piperacilina-tazo- saúde, considerar
aureus, outros bactam cobertura para estafilo
bacilos Gram-ne- meticilino-resistente
gativos

Escherichia coli, Ampicilina + gen-


Enterobacteria- tamicina
Trato urinário Pielonefrite - 7–14 dias
cea, Proteus sp, ou
Enterococcus sp Ceftriaxona

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Camip

Staphylococcus
- 21 dias (endovenoso)
aureus, Estrepto-
- No adolescente
coco do grupo A, Oxacilina
também considerar
Artrite séptica Streptococcus ou
Neisseria gonorrho-
pneumoniae, Kin- clindamicina
eae, acrescentar
gella kingae
ceftriaxona
(< 4 anos)
Staphylococcus
- 4–6 semanas
aureus, Estrepto-
Sistema Oxacilina - A clindamicina como
coco do grupo A,
osteoarticular ou droga única é ineficaz
Streptococcus sp,
clindamicina contra Kingella, acres-
Kingella kingae
centar amoxicilina
(<4 anos)
Osteomielite
Relacionada com
Acrescentar
lesão penetrante
ceftazidima
em planta do pé,
ou
acrescentar Pseu-
outra droga
domonas
antipseudomonas
aeruginosa
Oxacilina
Staphylococcus
ou
aureus, Strepto-
Celulite Cefalotina
coccus
ou
pyogenes
Cefazolina
Streptococcus - 10 dias
pneumoniae, - Avaliar indicação TC
Haemophilus Ceftriaxona crânio para determinar
influenza (não ou extensão ou não da
tipável), cefotaxima + lesão intracraniana
Celulite orbitária
Moraxella catar- oxacilina - Considerar cobertu-
rhalis, Staphylo- ou ra antiestafilocócica
coccus aureus, clindamicina (oxacilina ou clinda-
Streptococcus micina), se porta de
pyogenes entrada for a pele
Pele e Streptococcus
subcutâneo pyogenes, - 10–14 dias
Streptococcus sp, - Se secundária a trau-
Celulite Ceftriaxona
Staphylococcus ma local e não asso-
peri-orbitária ou
aureus, Haemo- ciada a sinusite, tratar
(pré-septal) cefotaxima
philus influenza como celulite por
(não tipável), Mo- estrepto/estafilo
raxella catarrhalis
Streptococcus
pyogenes, Sta- Oxacilina +
- 10–14 dias ou mais a
phylococcus au- clindamicina +
depender da evolução
reus, Clostridium aminoglicosídeo
Fasciíte - Abordagem cirúrgica
perfringens, ou
necrosante precoce é fundamen-
Clostridiium sp, Piperacilina/
tal para um bom resul-
Bacteroides sp, tazobactam +
tado terapêutico
Prevotella spp., clindamicina
Gram-negativos
Fontes: American Academy of Pediatrics (AAP). In: Pickering LK, Baker CJ, Kimberlin DW, Long SS (ed.). Red Book: 2012 Report of the
Committee of Infectious Diseases. Elk Grove Village, IL: APA; 2012; Bradley JS, Nelson JD. Nelson’s Pediatric Antimicrobial Therapy.
20. ed. American Academy Pediatrics; 2014; Mcmillan JA, Lee CKK, SIbeery GK, Carroll KC. The Harriet Lane Handbook of pediatric
antimicrobial therapy. 2. ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. AG: aminoglicosídeo; Sulfametazol trimetropin: ; TC: Tomografia crânio.

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
gravemente enfermas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Por exemplo: a meningite geralmente é causada por Neisseria meningitidis, Streptococcus


do grupo B, Haemophilus influenzae do tipo B e Streptococcus pneumoniae. As bactérias S.
aureus e Streptococcus pyogenes causam celulite, osteomielite e artrite piogênica.

Etapa 2

Considerar o mecanismo de defesa e o status imunológico do paciente. O status imunológi-


co do paciente pode ser avaliado inicialmente na anamnese e no exame clínico. Por exem-
plo, no paciente imunocompetente com a pele e/ou a mucosa íntegras, os microrganismos
são mais previsíveis.

Deve-se estar atento à suspeita de imunodeficiências primárias, identificando quando hou-


ver história familiar, infecções recorrentes ou persistentes, infecções com agentes incomuns
ou infecções graves com agentes de baixa virulência. Os pacientes imunocomprometidos
apresentam um espectro etiológico que pode variar de acordo com a patologia de base.
Por exemplo, pacientes com anemia falciforme estão mais sujeitos a infecções graves por
germes encapsulados. Outro grupo de importância crescente é aquele dos que receberam
transplante de órgãos e tecidos, e atenção especial deve ser dada à essa população.

Etapa 3

Considerar a idade do paciente.

O amadurecimento imunológico da criança, o histórico vacinal e a exposição a diferentes


patógenos podem influenciar no perfil etiológico e, com isso, ajudar a direcionar a terapia.
Exemplo disso é o recém-nascido, que está protegido devido à transmissão transplacentá-
ria de IgG.

Meningite em lactente jovem (< 3 meses) é causada por Streptococcus do grupo B e E.


coli. Lactentes não imunizados e expostos em creches se colonizam com S. pneumoniae
parcialmente resistente à penicilina, exigindo doses mais elevadas de amoxicilina. Escola-
res expostos a S. pyogenes estão mais associados com faringites estreptocócicas do que
lactentes. Adolescentes têm maior risco de artrite por Neisseria gonorrhoeae.

Etapa 4

Realizar um teste diagnóstico.

Deve ser feito todo o esforço para diagnosticar a etiologia de uma infecção.
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A coloração com o Gram pode ajudar para incluir antibiótico, mas não serve para excluir.
As provas de antígenos podem ajudar no diagnóstico laboratorial de infecções causadas
por bactérias, micobactérias, vírus, fungos e parasitas. No entanto, falta a tecnologia para
determinar a suscetibilidade aos medicamentos específicos. A realização de culturas, asso-
ciadas a antibiograma, é de suma importância para direcionar o tratamento e evitar o uso
de antibióticos de largo espectro desnecessariamente.

Etapa 5

Considerar a suscetibilidade aos antibióticos de patógenos suspeitos.

As bactérias desenvolvem mecanismos diferentes de ter resistência aos antibióticos. Por


isso, a resistência depende do local com suas práticas diferentes de usar antibióticos, bem
como ao hospital que a criança está internada. Daí, a importância de verificar antibiograma
anual daquele serviço.

Etapa 6

Considerar propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos antimicrobianos.

Existem algumas técnicas para avaliação da sensibilidade aos agentes antimicrobianos que
devem ser utilizadas após seu isolamento. Por exemplo, a preparação de diluições seriadas
e com concentrações decrescentes de antimicrobianos em um meio de cultura, que permita
o crescimento bacteriano. Quando se observa um tubo com o conteúdo límpido, isso de-
monstra que o crescimento bacteriano foi inibido, representando a concentração inibitória
mínima (CIM, ou mais conhecida com sua sigla em inglês MIC, minimum inhibitory concen-
tration), também expressada como a menor concentração de antimicrobiano capaz de inibir
o crescimento bacteriano, e é expressa em microgramas por mililitro (mcg/mL).

O antimicrobiano escolhido deve ter um nível acima do MIC no local de ação. Existem ou-
tros métodos também conhecidos, como o método de difusão de disco e o E-test (baseado
em uma fita com diferentes concentrações de antibióticos inserida em uma placa com cul-
tura da bactéria a ser testada).

O volume de distribuição do antimicrobiano sofre grande influência de propriedades físi-


co-químicas, como peso molecular, grau de ionização, ligação às proteínas e solubilidade
lipídica. Agentes lipofílicos (como as fluoroquinolonas) tipicamente têm um grande volume
de distribuição com grande penetração tissular e intracelular. Alternativamente, agentes
hidrofílicos distribuem-se primariamente no espaço extracelular. Com isso, um volume de
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distribuição aumentado foi demonstrado para aminoglicosídeos, betalactâmicos e glico-


peptídeos em pacientes criticamente enfermos. O volume de distribuição também varia
conforme a idade da criança, sendo maior em recém-nascidos e lactentes, em relação aos
adolescentes. No paciente gravemente enfermo, o volume de distribuição pode também
sofrer alterações pela produção de endotoxinas pelas bactérias que podem estimular a
produção de mediadores endógenos que podem afetar o endotélio vascular levando tanto
à vasoconstrição quanto à vasodilatação com má distribuição do fluxo sanguíneo, dano en-
dotelial e aumento da permeabilidade capilar. Com relação aos efeitos farmacodinâmicos,
temos que as diferentes classes de antimicrobianos agem em locais diferentes (Quadro 2
e Figura1).

Quadro 2. Locais de ação dos antimicrobianos

Local de ação Classe de antibióticos

Betalactâmicos
Penicilinas
Cefalosporinas
Monobactam
Parede celular
Carbepenem
Glicopeptídeos
Vancomicina
Teicoplamina

Polimixina
Membrana celular
Colistin

Macrolídeos
Clindamicina
Ribossomos
Aminoglicosídeos
Rifampicina

Metronidazol
Ácidos nucleicos
Sullfametaxozol-Trimetoprim

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
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Figura 1. Mecanismos de ação dos antimicrobianos. Fonte: Mota LM, Vilar FC, Dias LBA, Nunes TF,
Moriguti JC. Uso racional de antimicrobianos. Medicina (Ribeirão Preto). 2010;43(2):164-72.

Etapa 7

Considerar o objetivo a ser atingido.

Para infecções leves, a taxa de cura de 70 a 80% é aceitável; por exemplo: impetigo. Para
infecções com risco de lesão de órgãos, uma taxa de cura de 80 a 90% é aceitável; por
exemplo: otite média aguda e pielonefrite. Para uma infecção grave, como, por exemplo,
meningite bacteriana ou choque séptico num paciente neutropênico, a taxa de cura deve
ser de 100%.

Etapa 8

Considerar as decisões terapêuticas empíricas e definitivas separadamente.

Para suspeita de infecções sérias, a antibioticoterapia ampla e com doses altas deve ser se-
lecionada como terapia empírica. A escolha de terapia empírica está associada com menor
mortalidade e menor permanência hospitalar.

Exemplos: vancomicina com cefalosporinas de terceira geração para meningite bacteriana;


ampicilina com cefalosporinas de terceira geração para meningite neonatal para cobertura
de Listeria monocytogenes, Streptococcus do grupo B e E. coli; antibiótico contra P. aerugi-
nosa, bacilo Gram-negativo e S. aureus em pacientes com neutropenia febril.
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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
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O tratamento definitivo deve ser feito na presença do resultado da cultura.

Essa abordagem terapêutica tem como vantagem poder aumentar a eficácia na erradicação
da bactéria e, na eficácia clínica, com menor toxicidade, menor pressão seletiva para resis-
tência, além de reduzir o custo.

Por exemplo, uma terapia inicial empírica com agente carbapenêmico contra uma pneu-
monia associada com ventilação mecânica pode mudar para uma terapia definitiva com
cefotaxima se o agente for uma Klebsiella suscetível, ao invés de uma P. aeruginosa.

Etapa 9

Considerações especiais.

Sempre informar-se sobre a presença prévia de alergia ao medicamento. Além disso, fazer
a opção por um medicamento mais barato da mesma eficácia.

• Como escolher o antimicrobiano?


A escolha do antimicrobiano e a dosagem dependem de: suscetibilidade; combinação de
antimicrobianos; monitorização de níveis séricos; atividade do antibiótico no sítio de ação
(sistema nervoso central, trato urinário, ossos, abcessos etc.); considerações farmacológi-
cas (recém-nascidos, ajustes de doses em pacientes com falência renal, hepática etc.)

• O que fazer quando houver mais de um antimicrobiano adequado?


Dentre os possíveis antibióticos efetivos, deve-se sempre escolher com base em:
menor toxicidade; via de administração mais adequada; menor indução de resistência;
penetração em concentração eficaz no sítio da infecção; melhor posologia; menor custo

Tempo de tratamento

O tempo de tratamento antimicrobiano é variável de acordo com a resposta clínica inicial e


o foco infeccioso. Geralmente, a duração varia de 7 a 14 dias. No entanto, situações como
osteomielites agudas e endocardites demandam tempo de tratamento de 4 a 6 semanas.

Em infecções com presença de abscesso, o tratamento antimicrobiano é indeterminado enquan-


to houver coleção, que deve ser drenada. O tempo de tratamento ideal é aquele menor possível.

Recentemente, na literatura, observa-se uma tendência à redução do tempo de tratamen-


to, adequando a antibioticoterapia à resolução adequada do quadro infeccioso. Em uma
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recente revisão, observou-se que um tempo mais curto de terapêutica (não mais do que 7
dias) foi efetivo para cura clínica, cura microbiológica e sobrevida. Essa conduta tem como
principal objetivo o controle da emergência da resistência bacteriana.

Falhas no tratamento

A falha terapêutica pode ser multifatorial e denota falha ao antimicrobiano prescrito. Devem
ser observados:

• Cobertura inadequada, fato que pode ser reduzido se a escolha do agente ocorrer de
acordo com espectro e mecanismos de ação específicos

• Níveis séricos inadequados: se a instituição tiver acesso ao monitoramento de nível séri-


co, ele deve ser realizado

• Posologia inadequada: doses baixas e intervalos irregulares de antibiótico podem levar à


ausência de resposta ao tratamento e induzir a maior risco de resistência

• Antimicrobiano empírico sem ação contra a bactéria causadora da infecção: a razão


mais comum para que isso ocorra é a negligência ao resultado das culturas e antibio-
grama, e o desconhecimento da epidemiologia dos agentes mais comuns para determi-
nado foco infeccioso

• Presença de abscessos e tecidos necróticos: nesses casos, além da terapia medicamen-


tosa, desbridamentos de tecidos necróticos e drenagem de abscessos ajudam na resolu-
ção da infecção

• Antimicrobiano prescrito para causas não infecciosas: outras doenças, além de farmaco-
dermia, são diferenciais de quadros infecciosos, pois podem causar febre

• Doenças causadas por vírus: as infecções virais causam febre, e são importantes o co-
nhecimento da história natural da doença e a associação a outros exames laboratoriais
que possam ajudar a confirmar a infecção

Resistência

Dentro desse contexto, um grande problema enfrentado pela comunidade médica é o au-
mento da resistência das bactérias aos agentes antimicrobianos. A negligência e a compla-
cência no uso dos antimicrobianos são grandes agentes para esse aumento.

Alguns fatores podem contribuir para a resistência antimicrobiana. A Organização Mundial


de Saúde demonstrou que muitos antimicrobianos não são usados corretamente para tratar
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algumas infecções, além de serem usados por tempo inadequado e com doses incorretas,
tanto em países industrializados e em países emergentes. Regiões superlotadas, ambientes
hospitalares e de cuidado também lotados podem propagar com mais facilidade infecções
por bactérias resistentes. Além disso, o aumento de populações de risco, como imuno-
comprometidos, a realização mais ampla e frequente de intervenções médicas invasivas,
e o tempo maior de sobrevida de pacientes crônicos também serviram para amplificar o
problema. O volume de uso de antimicrobianos profiláticos ou terapêuticos também é um
fator conhecido no aumento da resistência. Como não podemos impedir o uso de antimi-
crobianos, a seleção criteriosa do antimicrobiano e da duração da terapia, como também
sua indicação apropriada, são fatores importantes para diminuir a indução de resistência.

É importante ressaltar, então, que a probabilidade de infecção por germe resistente depen-
de da presença de fatores de risco específicos como o uso prévio de antibióticos, epide-
miologia da instituição, condição imunológica do paciente e o tempo de internação.

As bactérias podem ser resistentes a um determinado antimicrobiano em razão da resistên-


cia intrínseca, por meio de algum mecanismo natural; ou por desenvolverem mecanismos
que tornam a medicação menos efetiva, tratando-se de resistência adquirida.

Para adquirir resistência, a bactéria deve alterar seu DNA, o que pode ocorrer de duas formas:

• Indução de mutação do DNA nativo

• Introdução de um DNA externo, chamados genes de resistência, que podem ser transfe-
ridos entre gêneros ou espécies diferentes de bactérias

A resistência aos agentes antimicrobianos pode se dar por vários mecanismos, conforme
exposto a seguir.

Alteração de permeabilidade

Ter a permeabilidade limitada constitui uma propriedade da membrana celular externa de


lipopolissacarídeo das bactérias Gram-negativas. A permeabilidade da membrana se deve
à presença de proteínas especiais, as porinas, que estabelecem canais específicos pelos
quais as substâncias podem passar para o espaço periplasmático e, em seguida, para o
interior das células. Essa característica é responsável pela resistência intrínseca dos bacilos
Gram-negativos à penicilina, eritromicina, clindamicina e vancomicina, e pela resistência da
P. aeruginosa ao trimetropin. Essa estratégia pode ser usada pelas bactérias na aquisição
de resistência.
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Alteração do sítio de ação do antimicrobiano

A alteração do local-alvo em que atua determinado antimicrobiano, de modo a impedir a


ocorrência de qualquer efeito inibitório ou bactericida, constitui um dos mais importantes
mecanismos de resistência. As bactérias podem adquirir um gene que codifica um novo
produto resistente ao antimicrobiano, substituindo o alvo original. Como, por exemplo, S.
aureus resistente à oxacilina e estafilococo coagulase negativa adquiriram um gene capaz
de produzir uma proteína de ligação da penicilina (PBP ou PLP) resistente aos betalactâmi-
cos, que é suficiente para manter a integridade da parede celular durante o crescimento,
quando outras PBPs essenciais são inativadas por antibimicrobianos betalactâmicos. De
outro modo, um gene recém-adquirido pode atuar para modificar um alvo, tornando-o me-
nos vulnerável a um determinado antimicrobiano. Assim, um gene transportado por plasmí-
deo ou por “transposon” codifica uma enzima que pode inativar os alvos ou alterar a ligação
dos antimicrobianos.

Mecanismo enzimático

O mecanismo de resistência mais importante e frequente é a capacidade de degradação


dos antimicrobianos por enzimas. Esse processo ocorre da seguinte forma: as betalactama-
ses são capazes de hidrolisar a ligação amida presente no anel betalactâmico, destruindo,
assim, o local em que os betalactâmicos ligam-se às PBPs bacterianas e por meio do qual
exercem seu efeito antibacteriano. Muitas betalactamases diferentes já foram descritas.
Essas enzimas são codificadas em cromossomos ou sítios extracromossômicos por meio
de plasmídeos ou “transposon”, podendo ser produzidas de modo constitutivo ou ser indu-
zidas. A resistência do S. aureus à penicilina é mediada por uma betalactamase induzível,
codificada por um plasmídeo. Para isso, já foram criados betalactâmicos capazes de se
ligarem de modo irreversível às betalactamases, dessa forma, inibindo-as. Alguns antimi-
crobianos, como o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam foram combinados com
as penicilinas para restaurar sua atividade, a despeito da presença de betalactamases em
estafilococos e hemófilos.

Nas bactérias Gram-negativas, o papel das betalactamases na resistência bacteriana é


complexo: existem inúmeras enzimas; muitas delas inativam vários antimicrobianos be-
talactâmicos; os genes que codificam as betalactamases estão sujeitos a mutações que
expandem a atividade enzimática e que são transferidos facilmente.

Também, as betalactamases dos Gram-negativos são secretadas no espaço periplasmáti-


co, no qual atuam em conjunto com a barreira de permeabilidade da parede celular externa,
produzindo resistência clinicamente significativa a antimicrobianos.
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As betalactamases de espectro estendido (ESBL), mediadas por plasmídeos, inativam as


cefalosporinas de terceira geração e os monobactâmicos como ocorre em cepas de Kle-
bsiella pneumoniae. As betalactamases mediadas por cromossomos são produzidas em
baixos níveis por P. aeruginosa, Enterobacter cloacae, Serratia marcescens e outros baci-
los Gram-negativos. Quando esses microrganismos são expostos a antimicrobianos be-
talactâmicos, são induzidos a altos níveis de betalactamases, produzindo resistência às
cefalosporinas de terceira geração, cefamicinas e combinações de betalactâmicos/ácido
clavulânico ou sulbactam.

Bomba de efluxo

O bombeamento ativo de antimicrobianos do meio intracelular para o extracelular, quer


dizer, seu efluxo ativo, também pode produzir resistência bacteriana a determinados antimi-
crobianos. Por exemplo, a resistência às tetraciclinas codificada por plasmídeos em E. coli
deriva desse processo.

A Figura 2 apresenta um resumo ilustrativo dos mecanismos de resistência.

Figura 2. Resumo dos mecanismos de resistência bacteriana. Fonte: Uso racional de antimicrobianos
e a resistência microbiana [Internet]. [cited 2015 Aug 31]. Avialable from: http://www.anvisa.gov.br/
servicosaude/controle/rede_rm/cursos/atm_racional/modulo1/res_outros.htm

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Como controlar o uso dos antimicrobianos?

Com o uso indiscriminado desses agentes e o aumento da resistência, muitos esforços têm
sido feitos para tentar diminuir o problema. Um exemplo importante foi o reconhecimento
das CCIH, tornadas obrigatórias em todos os hospitais pelo Ministério da Saúde, em junho
de 1983. É uma das tarefas dessas comissões o controle do uso de antimicrobianos.

Esse controle pode ser feito de forma diferenciada pelo tipo de instituição ou pela disponi-
bilidade de recursos para o controle.

É importante que haja um acompanhamento das drogas administradas em cada caso de


modo a impedir o uso inadequado

O uso incorreto ou abusivo de antimicrobianos induz à resistência e a reações adversas, e


provoca gastos desnecessários

A CCIH precisa conhecer todos os casos que estão em uso de antimicrobianos. O controle
por meio da CCIH pode ser realizado em duas modalidades.

Modalidade de controle SEM RESERVA terapêutica (rotina)

A equipe médica pode prescrever qualquer antimicrobiano disponível no hospital preen-


chendo, no primeiro dia, um formulário de requisição informando a localização do paciente,
a finalidade e a duração prevista de uso da droga. Com isso, a CCIH irá avaliar a adequação
da prescrição.

Opcionalmente, a ficha pode ser preenchida somente para alguns antimicrobianos selecio-
nados dentre o total disponível no hospital

Modalidade de controle COM RESERVA terapêutica

A prescrição de antimicrobianos selecionados entre os mais caros, mais tóxicos e mais


indutores de resistência tem sua continuidade condicionada à concordância da CCIH após
as primeiras 48 horas.

A duração da profilaxia pode ser outro critério de restrição: a farmácia suspende o forneci-
mento do antimicrobiano após o tempo previamente estipulado pela CCIH.
Outras medidas podem ser benéficas no controle do uso dos antimicrobianos e na tentativa
de redução de resistência. Dentre elas, é importante a educação continuada da equipe mé-
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dica para a prescrição desses agentes. Também de grande importância é monitorar regu-
larmente o perfil de resistência/sensibilidade dos germes aos antimicrobianos padronizados
no hospital, incluindo a análise evolutiva de cada germe na instituição, além de sugestões
para a antibioticoterapia empírica nas situações mais comuns; incentivar o conhecimento
da equipe sobre o volume e o custo vs. benefício de antimicrobianos; e manter protocolos
de rotina de antibioticoprofilaxia clínica e cirúrgica. Além disso, manter rotinas de tratamen-
to de patologias infecciosas mais comuns e padronizar antimicrobianos usados no hospital
também podem ter grande impacto.

Bibliografia

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Capítulo 27 | Uso racional de antimicrobianos em crianças
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Camip

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516
Infecção Hospitalar em
Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica 28
Terapia Intensiva Pediátrica
Capítulo 28
Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica

Laura Fonseca Darmaros


Eliane Roseli Barreira Laura Fonseca Darmaros
Eliane Roseli Barreira
Caso clínico

Lactente de 6 meses, masculino, é admitido unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica


por quadro de tosse e desconforto respiratório progressivos há 3 dias, precedidos por 2
dias de febre (38º C) e sintomas de vias aéreas superiores. Apresentava antecedente de in-
ternação em enfermaria pediátrica por diarreia causada por rotavírus, com alta 7 dias antes
da internação atual. Ao exame inicial, apresentava sinais de desconforto respiratório grave
associado à sibilância difusa, sendo intubado e submetido à passagem de cateter venoso
central por falta de acesso periférico. A pesquisa de vírus respiratórios resultou positiva
para vírus sincicial respiratório.

Três dias após a admissão, o paciente apresentou piora do padrão febril, aumento das se-
creções e necessidade de aumento dos parâmetros ventilatórios. O raio X de tórax revelou
novo infiltrado parenquimatoso em região para-hilar à direita. O hemograma mostrou leuco-
citose com desvio à esquerda. Duas hemoculturas coletadas no dia da piora, na via central
e em veia periférica, resultaram positivas para Staphylococcus aureus meticilino-resistente.
O paciente evoluiu com quadro de choque séptico e síndrome do desconforto respiratório
agudo, sendo tratado com drogas vasoativas, antibioticoterapia de largo espectro e an-
tifúgico, introduzido por infecção do trato urinário por Candida parapsilosis. Evoluiu com
melhora lenta, recebendo alta da UTI 28 dias após a admissão.

Baseado no quadro clínico apresentado acima, responda às seguintes perguntas:

1. Como classificam-se, quanto à origem, as duas infecções iniciais (diarreia e bronquiolite


por vírus sincicial respiratório) apresentadas pelo paciente?
2. Como classifica-se, quanto ao tipo e à origem, a pneumonia desenvolvida no terceiro dia
de internação?
3. Quais são os microrganismos mais prováveis como agentes etiológicos dessa pneumonia?
4. A infecção por S. aureus pode ser considerada infecção de corrente sanguínea relacio-
nada a cateter?
5. Como classificam-se as infecções de corrente sanguínea intra-hospitalares? Quais são
os agentes etiológicos mais frequentes?
517
Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

6. Qual a importância das infecções do trato urinário entre as infecções hospitalares em


UTI pediátrica?

7. Quais as medidas que podem ser tomadas para evitar as infecções mais comuns em
UTI pediátrica?

Apresentação
Infecções hospitalares são relacionadas à assistência à saúde que ocorrem em pacientes ad-
mitidos no hospital por 48 horas ou mais. Infecções que desenvolvem-se até 1 mês após a alta
também podem ter origem intra-hospitalar. As infecções hospitalares representam um grave
problema em UTI pediátricas, não apenas por sua frequência, mas também pela gravidade de
suas consequências. É sabido que crianças constituem uma população de risco aumentado
para o desenvolvimento de infecções, graças à imaturidade do sistema imune relacionada à
faixa etária. Na criança gravemente doente, às particularidades do sistema imune somam-se
ainda a frequência aumentada de doenças debilitantes e as situações relacionadas à imuno-
deficiência, tratamentos com drogas imunossupressoras, uso frequente de antimicrobianos
de largo espectro e de dispositivos invasivos, o que torna essa população particularmente
suscetível ao desenvolvimento de infecções relacionadas à assistência à saúde.

Estudos conduzidos em países desenvolvidos relatam que as infecções hospitalares correm


em 9 a 21% das crianças internadas em UTI pediátricas. Existem poucos dados referentes
à epidemiologia das infecções relacionadas à assistência à saúde em crianças gravemente
doentes em países em desenvolvimento. Independentemente da região estudada, sabe-se
que as infecções hospitalares acarretam uniformemente aumento da morbidade, da morta-
lidade, do tempo e dos custos de internação em crianças gravemente doentes. Estima-se
que cada episódio de infecção relacionada aos serviços de saúde aumentem os custos
hospitalares em US$16.000,00 a 30.000,00 por paciente.

Etiologia
Agentes etiológicos
Vários agentes etiológicos podem causar infecção hospitalar em crianças gravemente do-
entes, afetando diferentes sítios, de acordo com as características de suscetibilidade e pre-
sença de fatores de risco. Os sítios de infecção mais frequentes em pacientes internados
em UTI pediátricas são pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), a infecção do
trato urinário e a infecção de cateter venoso.

Essas infecções são discutidas em detalhes a seguir. Uma lista dos agentes etiológicos
causadores de infecção hospitalar em UTI pediátricas, assim como os principais fatores de
risco e sítios de infecção causados por estes agentes, está no Quadro 1.
518

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 1. Principais agentes etiológicos, fatores de risco e sítios de infecção hospitalar


em unidade de terapia intensiva pediátrica

Espécie Fator de risco Sítio de infecção

Pós-cirúrgico - Infecção de ferida cirúrgica

Neutropenia - Infecção de corrente sanguínea

Staphylococcus Ventilação mecânica - Pneumonia associada à ventilação


aureus
- Infecção de cateter venoso central
Dispositivos invasivos - Meningite
- Peritonite por cateter de diálise

- Pneumonia/pneumonia associada
Recém-nascidos à ventilação
- Infecção de corrente sanguínea
Staphylococcus
- Infecção de cateter venoso central
coagulase negativo
Dispositivos invasivos - Meningite
- Peritonite por cateter de diálise

Pós-cirurgia cardíaca - Endocardite

Grandes queimados - Infecção de pele e tecidos moles


Streptococcus
pyogenes Pós-cirúrgicos - Infecção de sítio cirúrgico

Antibioticoterapia de largo
- Infecção de corrente sanguínea
espectro

Enterococcus sp - Infecção relacionada a cateter central


Dispositivos invasivos - Infecção urinária relacionada à
sonda vesical

Neutropenia - Infecção de corrente sanguínea

Ventilação mecânica - Pneumonia associada à ventilação


Enterobacterias
Hepatopatia - Infecções intra-abdominais
(E. coli, Klebsiella,
Enterobacter etc.) Nefropatias - Infecção de trato urinário

- Pneumonia, infecção de
Recém-nascidos
corrente sanguínea

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519
Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

Neutropenia - Infecção de corrente sanguínea

Pseudomonas
Ventilação mecânica - Pneumonia
aeruginosa

Queimaduras Infecção de pele e tecidos moles

Antibioticoterapia de largo
- Infecção de corrente sanguínea
espectro

Acinetobacter spp Queimaduras - Infecção de pele e tecidos moles

- Infecção de cateter venoso central


Dispositivos invasivos
- Meningite

Antibioticoterapia atual
Clostridium difficile - Diarreia
recente Imunodepressão

Antibioticoterapia de largo - Infecção de corrente sanguínea


espectro - Esofagite

- Infecção relacionada a cateter central


Dispositivos invasivos - Infecção urinária relacionada à
sonda vesical
Candida sp

Neutropenia - Infecção de corrente sanguínea

Ventilação mecânica - Pneumonia associada à ventilação

HIV - Infecções de mucosas

Rotavírus Lactentes - Diarreia

Vírus sincicial
Lactentes - Bronquiolite
respiratório

520

520
Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Tipos de infecção
Pneumonia associada à ventilação
Definição e importância

É definida como pneumonia que ocorre em pacientes que estão sob ventilação mecânica
(VM) por 48 horas ou mais. É a segunda infecção hospitalar mais comum em UTI pediátri-
cas, sendo superada apenas pelas infecções do trato urinário. Está associada ao aumento
da morbidade e à maior duração da VM em crianças, sendo a principal razão para o início
de antibióticos empíricos em UTI pediátricas.

A PAV ocorre em 7 a 30% dos pacientes em VM, com taxas de mortalidade variando de
20 a 75% nos diversos estudos. Nos Estados Unidos, a incidência de PAV varia de 4 a 7
episódios por 1.000 dias de VM, enquanto que, em países em desenvolvimento, as taxas
de incidência são significativamente mais elevadas, variando entre 16,1 a 89 episódios por
1.000 dias de VM.

Fisiopatogenia e fatores de risco

A PAV se dá pela invasão de microrganismos nas vias respiratórias e infecção do parênqui-


ma pulmonar. Esses microrganismos podem se originar de fontes endógenas ou exógenas.
As principais causas endógenas compreendem a aspiração de microrganismos que coloni-
zam a naso e a orofaringe, fluido gástrico ou secreção traqueal (ST). Fontes de contamina-
ção exógenas incluem as mãos dos profissionais de saúde, os circuitos de ventilação e o
biofilme de tubos endotraqueais.

Os principais fatores de risco para PAV em crianças incluem: síndromes genéticas, trans-
porte fora da UTI pediátricas, reintubação, uso prévio de antibióticos, dieta enteral contínua,
broncoscopia, uso de drogas imunossupressoras, bloqueadores neuromusculares, imuno-
deficiência, aspiração de conteúdo gástrico, doença pulmonar obstrutiva crônica, uso de
pressão positiva expiratória final (PEEP), corticosteroides e anti-histamínicos. Embora o uso
de bloqueadores H2 aumente o risco de colonização bacteriana da mucosa gástrica e do
estômago, estudos realizados com adultos mostraram que a inclusão de profilaxia de úlcera
de estresse com bloqueador H2 em um bundle de prevenção de complicações associadas
à VM reduziu a incidência de PAV. O papel dos bloqueadores H2 na prevenção ou risco de
PAV em crianças ainda não está bem estabelecido.

Critérios diagnósticos

O diagnóstico de PAV requer uma combinação de critérios radiológicos, clínicos e labora-


toriais. Os critérios diagnósticos adotados pelo Centers for Disease Control and Prevention
(CDC) estão mostrados nos Quadros 2 e 3.
521

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

Quadro 2. Critérios para diagnóstico de pneumonia associada à ventilação mecânica


em crianças menores de 1 ano

Crianças menores de 1 ano


2 ou mais raio X* seriados com pelo menos um dos seguintes critérios:
• Infiltrado novo ou progressivo e persistente
• Consolidação
Sinais radiológicos
• Infiltrado novo ou progressivo e persistente
• Cavitação
• Pneumatoceles (< 1 ano)
Piora das trocas gasosas (por exemplo, queda de saturação de oxigênio
< 94%), maior necessidade de oxigênio ou aumento da demanda de
ventilação e três dos seguintes:
• A instabilidade da temperatura sem outra causa reconhecida
• Leucopenia (<4.000CB/mm3) ou leucocitose (>15.000CB/mm3) e
deslocamento para a esquerda (>10%)
Sinais e sintomas • Aparecimento de secreção purulenta, ou mudança no caráter de
clínicos escarro, ou aumento de secreções respiratórias, ou aumento das
necessidades de aspiração
• Apneia, taquipneia, batimentos de aletas nasais com retração da
parede torácica ou gemência
• Chiado, estertores ou roncos
• Tosse
• Bradicardia (<100 batimentos/min) ou taquicardia (>170 batimentos/min)
Pelo menos um dos seguintes:
• Crescimento positivo em hemocultura não relacionado à outra fonte
de infecção
• Crescimento de cultura positiva no líquido pleural
• Cultura quantitativa positiva de um espécime do TRI minimamente
contaminados - por exemplo: BAL (≥104UFC/mL) ou espécime
escovar protegido (≥103UFC/mL)
Resultados
• ≥5% de BAL obtido de células contendo bactérias intracelulares no
microbiológicos
exame microscópico direto (por exemplo, coloração de Gram)
• Exame histopatológico mostra pelo menos um dos seguintes critérios
para pneumonia: formação de abscesso ou focos de consolidação
com acúmulo intenso PMN em bronquíolos e alvéolos, cultura
quantitativa positiva do parênquima pulmonar (≥104UFC/g de
tecido), ou evidência de invasão de hifas fúngicas ou pseudo-hifas no
parênquima pulmonar
* Um raio X na ausência de doença cardiopulmonar subjacente. CB: células brancas;
TRI: trato respiratório inferior; LBA: lavado broncoalveolar; UFC: unidades formadoras de colônias;
PNM: polimorfonucleares.

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 3. Critérios para diagnóstico de pneumonia associada à ventilação mecânica


em crianças de 1 a 12 anos

Crianças maiores de 1 ano até 12 anos

2 ou mais raios X seriados* com pelo menos um dos seguintes critérios:


• Infiltrado novo ou progressivo e persistente
Sinais radiológicos • Consolidação
• Cavitação
• Pneumatoceles (<1 ano)

Pelo menos três dos seguintes critérios:


• Febre (>38,4º C) ou hipotermia (<36,5º C)
• Leucopenia (<4.000) ou leucocitose ( 15.000)
• Aparecimento de ST purulenta ou mudança no aspecto da ST ou au-
Sinais e
mento na quantidade de ST ou maior necessidade de aspirações
sintomas clínicos
• Aparecimento ou piora da tosse, dispneia, apneia ou taquipneia
• Estertores ou roncos
• Piora da oxigenação (SatO2 < 94%, maior necessidade de
oxigênio, aumento de parâmetros ventilatórios)

Pelo menos um dos seguintes critérios:


• Hemocultura positiva não relacionada a nenhuma outra fonte
de infecção
• Cultura de líquido pleural
• Cultura de amostra de secreção do TRI com contaminação mínima
(por exemplo: LBA, escovado etc.)
Resultados
• células obtidas por LBA contendo bactérias intracelulares ao
microbiológicos
exame direto
• Exame histopatológico com pelo menos um dos seguintes:
• Abscesso ou consolidação com intenso acúmulo de PMN nos bron-
quíolos e alvéolos
• Cultura quantitativa positiva do parênquima pulmonar
• Invasão do parênquima por hifas ou pseudo-hifas

* Um raio X na ausência de doença cardiopulmonar subjacente. ST: secreção traqueal; SatO2: saturação
de oxigênio; TRI: trato respiratório inferior; LBA: lavado broncoalveolar; PMN: polimorfonucleares.

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

Classificação e etiologia

A PAV pode ser classificada de acordo com o momento de seu aparecimento em precoce
(quando ocorre nas primeiras 96 horas de hospitalização) e tardia (quando ocorre após o
quarto dia de internação). A pneumonia de início precoce é frequentemente causada por
agentes de causadores de infecção comunitária, como Moraxella catarrhalis, Haemophilus
influenzae e Streptococcus pneumoniae. Os agentes causadores de pneumonia de início tar-
dio são bacilos Gram-negativos e S. aureus. Os vírus (por exemplo, influenza A e B ou vírus
sincicial respiratório) podem causar PAV de início precoce ou tardio, enquanto as leveduras,
fungos, Legionella e Pneumocystis jirovecii são geralmente patógenos de pneumonia tardia.

Diagnóstico microbiológico

Diversos exames microbiológicos podem ser usados para o diagnóstico etiológico da PAV,
sendo que, até o momento, nenhum exame se mostrou ideal em termos de acurácia e facti-
bilidade. Os exames utilizados para o diagnóstico microbiológico da PAV incluem: a cultura
e a histologia do tecido pulmonar, a cultura de ST, o lavado broncoalveolar (LBA), o lavado
broncoalveolar não broncoscópico (LBA-nB) e o escovado brônquico. A densidade micro-
biológica, a sensibilidade e a especificidade de cada um desses métodos diagnósticos
estão no Quadro 4.

Quadro 4. Valores de corte, sensibilidade e especificidade dos diversos métodos de


diagnóstico microbiológico de pneumonia associada à ventilação mecânica

Valor de corte Sensibilidade (%) Especificidade (%)

ST: >105UFC/mL 31–69 48–100

LBA-nB: >104UFC/mL 11–90 43–100

LBA: >104UFC/mL 16–63 76–100

Escovado: >103UFC/mL 24–81 50–95


ST: secreção traqueal; LBA: lavado broncoalveolar; LBA-nB: lavado broncoalveolar não broncoscópico

Dentre estes, a cultura do aspirado traqueal merece melhor discussão, pois, além de ser
o método mais acessível e amplamente utilizado para investigação microbiológica da PAV
em nosso meio, é também o mais discutível e que apresenta menor acurácia. As principais
vantagens relacionadas ao método incluem facilidade, segurança, baixo custo e possibili-
dade da realização de exames repetidos. Apesar da alta sensibilidade, a especificidade do
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

método é bastante baixa, e não permite diferenciar entre infecção e colonização das vias
aéreas inferiores por agentes patogênicos. A monitorização repetida da cultura do aspirado
traqueal permite acompanhar o padrão de colonização das vias aéreas por patógenos intra-
-hospitalares, como S. aureus e Pseudomonas aeruginosa, colonização esta que precede à
infecção. O papel da cultura do aspirado traqueal como guia para escolha antimicrobiana,
no entanto, ainda não está esclarecido. A cultura quantitativa do aspirado traqueal aumenta
a acurácia na distinção entre colonização e infecção das vias aéreas (quando crescimento
de >105UFC, sigla para unidades formadoras de colônia), às custas de perda de sensibilida-
de em comparação à cultura qualitativa.

Prevenção

As estratégias de prevenção de PAV devem abordar os seguintes aspectos: medidas gerais,


prevenção da aspiração de secreções, prevenção de colonização bacteriana do trato diges-
tivo e prevenção da contaminação dos equipamentos de suporte ventilatório.

São medidas gerais: vigilância ativa da ocorrência de PAV; adesão às medidas de higiene
das mãos; uso de ventilação não invasiva sempre que possível; redução da duração da VM;
avaliação diária da prontidão para extubação; medidas educativas sobre importância e es-
tratégias de prevenção de PAV para toda a equipe de saúde.

A prevenção da aspiração de secreções é feita por meio de: manutenção constante de


decúbito elevado em 30 a 45° durante todo o período de VM (menos se essa posição fot
formalmente contraindicada); alimentação enteral, se necessário em gotejamento contínuo
ou por sonda pós-pilórica, para evitar a superdistensão gástrica e aspiração de secreções;
aspiração de secreções subglóticas, por meio do uso de cânulas traqueais com dispositivo
de aspiração das secreções da região subglótica em pacientes intubados com cânulas tra-
queais a partir do diâmetro 6.0; e manutenção da pressão de insuflação do cuff da cânula
traqueal, sendo mantida uma pressão mínima de 20cmH2O e não ultrapassando o valor de
segurança de 30cmH2O.

A prevenção da colonização do trato aerodigestivo é feita por meio de: descontaminação


oral - em adultos, a higiene oral com clorexidina, associada ou não à escovação de dentes,
relaciona-se à redução de 40% na chance de desenvolver PAV (até o momento não exis-
tem estudos pediátricos avaliando o efeito da descontaminação oral na ocorrência de PAV
em crianças); redução da acidez gástrica, embora bem estabelecido em adultos, o papel
dos redutores de acidez gástrica não tem evidência na literatura pediátrica. No entanto, a
prevenção de úlcera de estresse é incluída na maioria dos estudos que aplicaram bundles
de prevenção de PAV em crianças; intubação orotraqueal é preferencial, pois a intubação
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

nasotraqueal aumenta o risco de sinusite, com consequente aumento do risco de aspiração


pulmonar de secreções contaminadas provenientes dos seios paranasais.

Tratamento

O tratamento empírico da PAV deve compreender antibioticoterapia de largo espectro com


cobertura para S. aureus e P. aeruginosa, levando em consideração também a flora micro-
biana e o padrão de sensibilidade local. Sempre que possível, o espectro deve ser reduzido
frente aos resultados de cultura e o padrão do antibiograma.

Infecção de corrente sanguínea e infecção relacionada ao cateter

As infecções de corrente sanguíneas (ICS) estão entre as infecções hospitalares mais preva-
lentes e de maior gravidade. Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 30.100 pacientes
admitidos em UTI desenvolvam ICS anualmente, causando impacto significativo na morbi-
mortalidade e nos custos das internações hospitalares.

Os dispositivos intravasculares são indispensáveis na prática médica em UTI, e as infec-


ções relacionadas aos cateteres intravasculares (IRC) são um dos principais causadores de
ICS intra-hospitalar. A incidência de ICS varia de forma importante, conforme a dimensão
e a organização do sistema hospitalar, e as características dos pacientes, como gravidade,
diagnóstico de base e idade. Estima-se que cerca de 60% das bacteremias hospitalares
estejam associadas a algum dispositivo intravascular, e que a ICIV ocorra em 3 a 15% de
todos os cateteres centrais instalados. Nos Estados Unidos, calcula-se que 25 mil casos de
infecções sanguíneas associadas a cateteres centrais ocorram anualmente em crianças e
adultos gravemente doentes, com taxas de mortalidade variando de 12 a 25%. De acordo
com o Sistema de Vigilância de Infecção Nosocomial (NNISS, sigla do inglês National No-
socomial Infection Surveillance System), a incidência de ICS associada a cateteres em UTI
pediátricas no período de 1995 a 2000 foi de 7,7 infecções por 1.000 dias de cateter. No
Brasil, a prevalência relatada de ICS em UTI varia entre 10,6 e 16,7%.

Definição

A ICS pode ser primária ou relacionada à presença de cateter intravascular (IRC).

Segundo as diretrizes do CDC de 2015, a ICS primária define-se como uma infecção san-
guínea confirmada laboratorialmente não secundária a uma infecção em outro sítio.
526

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A ICS confirmada laboratorialmente deve preencher os seguintes critérios:

• Uma ou mais hemoculturas positivas para um patógeno não relacionado a infecção em


outro sítio OU
• Para patógeno comensal, o mesmo microrganismo obtido em duas ou mais hemocultu-
ras coletadas em ocasiões diferentes

ASSOCIADA a pelo menos um dos seguintes sinais e sintomas:

• Febre (>38ºC)
• Calafrios
• Hipotensão OU

Em crianças menores que 1 ano de idade, menos um dos seguintes:

• Febre (>38ºC)
• Hipotermia (<36ºC)
• Apneia
• Bradicardia

As IRC são definidas pela confirmação laboratorial (hemocultura) e marcadores clínicos de


infecção, quando não há outro foco identificado a não ser o cateter central. Para a definição
de caso de IRC é necessário que o cateter tenha sido introduzido, no mínimo, 2 dias antes
do início da infecção (sendo o dia de inserção considerado como dia 1). O diagnóstico de
IRC pode ser realizado no máximo até 2 dias depois da extração do cateter.

Segundo Garcia et al. (2003), a IRC inclui três categorias: colonização do cateter, infecções
locais ou infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter:

• Colonização: crescimento significativo de um microrganismo em cultura quantitativa


(≥100UFC) ou semiquantitativa (≥15UFC) da ponta do cateter, sendo que esse fenômeno
não implica bacteremia e nem requer tratamento antimicrobiano
• Infecções locais: incluem a flebite e a infecção do túnel (em cateteres tunelizados), cujos
sintomas são endurecimento ou eritema, aumento da temperatura local e dor ao redor
do sítio de inserção do cateter em cerca de 2cm em torno do ponto de exteriorização,
com ou sem isolamento de microrganismo. Podem ou não estar associadas a sintomas
de infecção, tais como febre e secreção purulenta no sítio de inserção
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

• ICS relacionada ao cateter: deve apresentar ao menos uma das seguintes condições:
• Cultura positiva da ponta do cateter (≥15UFC em seu extremo distal, por método semi-
quantitativo, ou ≥100UFC de cultivo quantitativo) com identificação do mesmo micror-
ganismo no sangue OU
• Hemoculturas quantitativas simultâneas do dispositivo e por venopunção periférica,
com uma razão ≥4:1 na contagem de microrganismos (sangue do cateter:sangue peri-
férico) OU
• Tempo diferencial até detectar o crescimento bacteriano de ao menos 2 horas entre
hemoculturas obtidas por cateter e hemoculturas periféricas, medidas somente em
laboratórios que dispõem de sistemas automatizados de hemocultura.

Fisiopagenia

A fisiopatogenia das IRC envolve a presença de um agente infeccioso, um veículo de inocu-


lação e a quebra de barreira cutânea.

Os mecanismos de colonização do dispositivo intravascular dão-se de duas maneiras: por


meio da superfície externa ou pela luz do cateter. A colonização extraluminal ocorre nas pri-
meiras 2 semanas, quando as bactérias ganham a corrente sanguínea após terem aderido
ao biofilme formado na superfície externa do dispositivo. Após esse período, a colonização
da via intraluminal prevalece como fonte de bactérias para ocorrência de ICS. A coloniza-
ção bacteriana intraluminal pode ocorrer por manipulação inadequada do dispositivo, como
soro, medicações e nutrição parenteral (NPP).

Outra via menos comum de colonização do dispositivo se dá por disseminação hematogê-


nica a partir de outro foco.

Fatores de risco

A incidência de IRC varia consideravelmente de acordo com tipo e material do cateter,


local de inserção, frequência de manipulação, fatores relacionados aos pacientes (tipo de
doença e gravidade da mesma), fatores predisponentes de formação de biofilme e tipo de
solução infundida.

O material utilizado na fabricação dos cateteres influencia diretamente na ocorrência de


complicações. Estudos in vitro demonstram que cateteres intravasculares compostos por
Teflon® ou poliuretano apresentam menor índice de complicações infecciosas que os de
cloreto de vinil ou polietileno.
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Cateteres tuneilizados apresentam incidência de infecção de corrente sanguínea inferior


comparados aos não tuneilizados. Este fator se deve à presença de cuff na porção terminal,
que impede a migração de microrganismos devido à proliferação celular que promove veda-
ção e selamento natural entre a pele e o cateter na parte proximal. Dispositivos de lúmen úni-
co apresentam menor risco de infecção que os de múltiplos lúmens, pois estes sofrem mais
manipulação, têm diâmetro maior e necessitam de pequena incisão na pele para inserção.

A influência do local no risco de infecções por cateteres relaciona-se, em parte, ao risco


de tromboflebite e à densidade da flora cutânea local. Os cateteres inseridos na subclávia
apresentam menor risco de complicações infecciosas que os inseridos nas veias jugular e
femoral. Em pacientes pediátricos, não está comprovado o risco maior de infecção associa-
da à cateterização da veia femoral.

O biofilme se desenvolve quando glicoproteínas do hospedeiro, como fibronectina, fibrino-


gênio e colágeno, revestem a superfície do dispositivo, formando uma camada de subs-
trato que propicia a aderência de microrganismos e proteção contra células de defesa do
indivíduo. Em cateteres de curta permanência, a formação de biofilme na superfície externa
ocorre em período inferior a 10 dias; nos de longo permanência, esse período se estende
por 30 dias. Os microrganismos presentes no biofilme são frequentemente resistentes aos
antibióticos, dificultando o tratamento da infecção.

Pacientes nos extremos de idade (<1 ano e >60 anos) e com imunodeficiências, com infecção
em outra localização e com neoplasias apresentam risco aumentado de desenvolver IRC.

A contaminação de soluções endovenosas, devido à técnica de preparo inadequada, acar-


reta risco de infecções.

Considera-se a nutrição parenteral como risco para ocorrência de infecção de corrente san-
guínea, pois é um excelente meio de cultura e possibilita precipitação na superfície do dis-
positivo, o que aumenta a colonização, principalmente se infundida junto de outras soluções.

Etiologia

O perfil microbiológico das ICS tem apresentado mudanças nas últimas décadas, especial-
mente devido ao uso indiscriminado de antimicrobianos e do uso aumentado de dispositivos
vasculares. Os microrganismos mais frequentemente isolados em ICS são Staphylococcus
coagulase negativo; S. aureus, P. aeruginosa, Echerichia coli e Candida sp. Os S. coagulase
negativo são responsáveis por cerca de 30 a 40% das IRC. Dentre eles, Staphylococcus
epidermidis corresponde aproximadamente a 60% dos casos, devido à sua capacidade de
aderir aos cateteres plásticos, principalmente PVC.
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

Tratamento

A obtenção de hemocultura positiva demanda o início de antibioticoterapia empírica, pois


a introdução tardia do tratamento antimicrobiano associa-se ao aumento da mortalidade. A
escolha dos antibióticos deve levar em conta o sítio da infecção, o perfil microbiológico e
de sensibilidade microbiana do serviço, e a gravidade do paciente.

Em paciente graves e instáveis, é imperativo que o cateter seja removido o quanto antes
e obtido novo acesso central em outro sítio para administração de drogas vasoativas e
de antibióticos. A troca do cateter por fio-guia não é recomendada. Em paciente estáveis,
recomendam-se a retirada do cateter central, e a utilização de acesso periférico para ad-
ministração de antibióticos e outras medicações. A passagem de um novo acesso central
deve ser adiada até a obtenção de hemocultura negativa ou até pelo menos 48 horas após
a retirada do cateter.

Estratégias para prevenção de infecções relacionadas a cateteres

Vários estudos demonstram que a aplicação conjunta de medidas preventivas por meio de
pacote de medidas (bundles) reduziu as ICS relacionadas a cateter de modo consistente
e duradouro. Esses pacotes de medidas podem incluir vigilância constante, educação da
equipe, treinamento do time de inserção e de cuidados com o cateter e estratégias de pre-
venção de ICS. É importante salientar que, para garantir melhores resultados, é necessário
que haja alta adesão a todas as medidas do bundle e que as diretrizes propostas sejam apli-
cadas conjuntamente e de maneira uniforme para todos os pacientes, tornando-se podero-
sa ferramenta para cultura de segurança do paciente. Medidas detalhadas para prevenção
de IRC podem ser consultadas nas diretrizes do CDC de 2011 (Guidelines for the Prevention
of Intravascular Catheter-Related Infections).

Infecção do trato urinário

A infecção do trato urinário relacionada à cateterização (ITU-RC) é a complicação mais fre-


quentemente relatada em pacientes submetidos à sondagem vesical de demora. A ITU-RC
é a causa mais frequente de infecção hospitalar em pacientes internados em UTI e associa-
-se ao aumento da morbidade, do tempo de internação, dos custos e ao desenvolvimento
de resistência bacteriana. Dados do National Healthcare Safety Network (NHSN) relatam
incidência de 5 casos de ITU-RC para cada 1.000 dias de cateterização vesical nos Estados
Unidos. Em países em desenvolvimento, são relatadas taxas de incidência de três a cinco
vezes às observadas em países desenvolvidos.
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Critérios diagnósticos

A ITU-RC sintomática é definida pela presença de um ou mais sintomas sugestivos de ITU,


como febre ≥38ºC, urgência urinária ou dor suprapúbica, associada à urocultura com cres-
cimento de >105UFC/mL de qualquer microrganismo ou urocultura com >103 e <105UFC/
mL associada à piúria. Pacientes com < 105UFC/mL, assintomáticos e sem piúria devem ser
considerados como tendo bacteriúria assintomática.

Etiologia

Os agentes etiológicos mais frequentemente relatados são as bactérias Gram-negativas enté-


ricas e outros agentes colonizadores da flora perineal, como Candida sp. e Enterococcus sp.

Tratamento

Frente a um paciente sintomático com forte suspeita de ITU-RC, recomenda-se tratamento


empírico com antimicrobianos com ampla cobertura de agentes Gram negativos e adequa-
ção da antibioticoterapia baseada nos resultados de cultura e antibiograma.

Prevenção

Várias medidas são sugeridas para a prevenção da ocorrência de ITU-RC, dentre elas:

• Limitar o uso de sonda vesical de demora a pacientes nas seguintes condições:


pacientes submetidos a cirurgias por anestesia geral; monitorização de débito urinário
em pacientes com instabilidade hemodinâmica e pacientes com retenção urinária.
Nos demais pacientes, a indicação deve ser cuidadosamente avaliada
• Monitorizar diariamente a possibilidade de retirada da sonda
• Considerar uso de outros mecanismos de monitorização de débito urinário, como saco
coletor de urina ou coletor externo do tipo uripen
• Utilizar técnica asséptica e equipamento estéril para cauterização vesical, incluindo o
uso de lubrificante estéril e de uso único
• Garantir uma boa fixação da sonda e do sistema coletor, evitando movimentação desnecessária
• Manter o fluxo urinário desobstruído
• Manter o saco coletor de urina abaixo do nível da bexiga
• Incluir a higiene do meato uretral na rotina de cuidados diários
• Evitar a desconexão entre o cateter e o saco coletor de urina. Quando necessária a
troca do sistema coletor, esta deve ser feita após desinfecção local com antissépticos
utilizando-se luvas estéreis
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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Camip

Outras infecções

Outras causas de infecção hospitalar em crianças internadas em UTI pediátrica incluem as


infecções de sítio cirúrgico, infecções gastrintestinais e as infecções virais. Dentre as infec-
ções gastrintestinais, destacam-se aquelas causadas por vírus, como o rotavírus, adenoví-
rus e norovírus, e as infecções causadas por C. difficile em pacientes previamente expostos
a antibióticos. Outros vírus que assumem papel importante na ocorrência de infecções hos-
pitalares são o vírus da hepatite B e C (transmitidos por meio de transfusão, diálise, inje-
ções, endoscopia), o vírus sincicial respiratório, o citomegalovírus, os vírus da gripe, herpes
simplex e varicela-zóster, HIV e, recentemente, o vírus Ebola.

Prevenção das infecções hospitalares

Medidas preventivas constituem o elemento-chave do controle de infecções hospitalares


em UTI. Vários elementos contribuem para essa prevenção:

• Um serviço ativo de vigilância e controle de infecções intra-hospitalares


• Educação contínua e vigilância da higiene das mãos
• A estrutura física, incluindo a planta hospitalar
• Higiene ambiental
• Descontaminação eficaz de materiais reutilizáveis
• Políticas e protocolos de controle de infecção hospitalar bem definidos
• Isolamento de pacientes com doenças transmissíveis ou colonizados por
agentes multirresistentes
• Cuidado e vigilância de dispositivos invasivos
• Adequação da antibioticoterapia empírica à flora hospitalar e descalonamento
de antibióticos a partir do resultado de culturas

Especial atenção deve ser dada à educação da higiene das mãos, por ser esta a medi-
da mais eficaz na prevenção da ocorrência de infecções hospitalares. Medidas educativas
continuadas devem dar ênfase aos cinco momentos de higienização das mãos:

1. Antes do contato com o paciente


2. Antes da realização de procedimentos
3. Após exposição a materiais biológicos
4. Após o contato com o pacientes
5. Após contato com equipamentos ao redor do paciente

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Capítulo 28 | Infecção hospitalar em terapia intensiva pediátrica
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Messages to take home

• Infecções hospitalares são aquelas que se desenvolvem após 2 dias de internação.


Infecções que se desenvolvem até 1 mês após a alta também podem ter origem
intra-hospitalar
• As infecções hospitalares são responsáveis por alta morbimortalidade em pacientes em
UTI e por significativo aumento de custos hospitalares
• As infecções hospitalares mais frequentes em UTI pediátrica são: ITU, pneumonia
associada à ventilação e infecções relacionadas a cateter
• O tratamento empírico das infecções hospitalares deve ser baseado no padrão da
flora bacteriana local e reajustado após resultados de culturas e do padrão de
sensibilidade antimicrobiana
• As infecções virais são causa frequente de admissão em UTI pediátrica e podem ser
transmitidas a outros pacientes
• Um sistema ativo de vigilância e diretrizes claras de prevenção e tratamento são
fundamentais na prevenção da ocorrência de infecções hospitalares e da disseminação
de microrganismos multirresistentes, prevenindo a mortalidade e reduzindo os custos de
internação na criança gravemente doente

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Camip

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Grande Queimado
Capítulo 29 | Grande queimado 29
Capítulo 29
Grande queimado

Andréa Hiromi Imamura


Sérgio Massaru Horita Andréa Hiromi Imamura
Sérgio Massaru Horita
Caso clínico

Paciente de 5 anos, masculino, admitido no pronto-socorro infantil 1 hora após sofrer quei-
madura por explosão de garrafa de álcool 70% quando uma churrasqueira estava sen-
do acesa. Ao exame físico: mau estado geral, choroso, irritado, pressão arterial (PA) de
74x29mmHg, frequência cardíaca (FC) de 150bpm, frequência respiratória (FR) de 42ipm,
saturação do oxigênio (SatO2) de 96%. Apresentava em face e pescoço lesão esbranquiça-
da e edema inclusive bipalpebral; tórax, abdômen anterior e MMSS, área esbranquiçada e
eritema ao redor e algumas bolhas; MMII com bolhas esparsas.

Perguntas

1. Como podem ser classificadas as queimaduras?

2. Como calculamos a superfície corpórea queimada (SCQ)?

3. Como deve ser feita a abordagem do paciente queimado? Como proceder à


ressuscitação volêmica?

4. Quais os principais cuidados com o paciente queimado?

5. Como manejar a dor no paciente queimado?

Apresentação

A ocorrência de queimaduras na população pediátrica vem recebendo atenção crescente


nos últimos anos, com aumento progressivo do número de consultas em caráter de emer-
gência e de internações decorrentes das mesmas, além da alta morbidade relacionada às
complicações precoces e tardias desses acidentes. Estima-se que cerca de 50 mil interna-
ções anuais nos Estados Unidos ocorram devido às queimaduras, sendo metade delas re-
feridas a centros especializados em queimados. Desse número de pacientes, mais de 4.500
óbitos são verificados por ano, sendo as queimaduras a quarta causa de morte por causas
externas não intencionais nos Estados Unidos. Apesar de a maioria das queimaduras ser
isenta de complicações mais graves, as lesões mais extensas são grandes desafios do pon-
to de vista clínico devido à resposta fisiológica ao trauma e às complicações associadas.
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Capítulo 29 | Grande queimado
Camip

Em geral, lesões por queimaduras afetam grupos mais vulneráveis, como pacientes em extremos
de idade, com algum tipo de deficiência e em grupos socioeconômicos menos favorecidos.

Apesar de a mortalidade por lesões decorrentes de queimaduras ter diminuído como resul-
tado dos avanços no cuidado das queimaduras e implementação de medidas preventivas,
crianças com lesões graves requerem tratamento intensivo e usualmente apresentam cicatri-
zes e deficiências por muitos anos. A rápida identificação e tratamento das lesões associadas
às queimaduras, a ressuscitação fluídica e a rápida transferência de crianças graves para
centros de tratamento de queimados melhoram a sobrevida e reduzem as complicações.

Classificação da queimadura

A gravidade da queimadura depende de uma série de fatores: etiologia, profundidade, ex-


tensão, localização, idade da vítima e comorbidades.

A profundidade da queimadura é caracterizada por graus ou pela descrição qualitativa da


espessura da queimadura. Didaticamente, utiliza-se a classificação de primeiro grau para a
queimadura apenas da epiderme (exemplo, queimadura solar); segundo grau, com acome-
timento da epiderme e parcialmente da derme; e terceiro grau quando ocorre comprometi-
mento total da derme.

As queimaduras de primeiro grau não são computadas quando do cálculo da superfície


corpórea acometida e não requerem tratamento específico ou especializado. São carac-
terizadas pela pele seca, hiperemia que clareia à digitopressão e dor. As queimaduras de
segundo grau de profundidade parcial superficial são reconhecidas pela presença de lesões
úmidas, róseas ou com hiperemia moteada, com bolhas nas primeiras 24 horas.

As queimaduras de segundo grau de espessura parcial profunda mostram lesões pálidas,


céreas, úmidas, com bolhas, que não clareiam à digitopressão. Não são dolorosas, mas
ainda mostram percepção à pressão superficial. As queimaduras de terceiro grau mostram
lesões peroladas, escurecidas, secas, inelásticas, sem bolhas e sem clareamento à digito-
pressão. Não são dolorosas, pois há destruição de raízes nervosas.

A hipoperfusão tecidual ou a infecção secundária podem aumentar a profundidade inicial


de uma queimadura.

A extensão das queimaduras é expressa por meio de porcentagem da SCQ. Para o cálculo,
não se computam as queimaduras superficiais (primeiro grau). Quando houver dúvida da
profundidade da lesão, deve-se considerar o grau mais grave.
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Capítulo 29 | Grande queimado
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Em adultos a “regra dos nove” oferece uma estimativa rápida da área queimada. Cada
membro inferior representa 18%, cada membro superior representa 9%, o tronco anterior e
posterior representam 18% cada um e a cabeça representa 9%.

A Figura 1 esquematiza a “regra dos nove”.

Figura 1. Regra dos nove para cálculo de superfície corpórea queimada. Fonte: Ministério da Saúde.
Cartilha para tratamento de emergências das queimaduras; 2012.

Outro método lança mão do cálculo por meio da palma da mão. Seria útil quando as lesões
são pequenas e não contínuas.

A palma da mão, incluindo os dedos, corresponderia aproximadamente a 1% da superfície


corpórea do adulto ou da criança, enquanto que a palma da mão sem os dedos correspon-
deria a 0,5%.

Um método mais acurado para ser utilizado em adultos e crianças é a tabela modificada de Lun-
d-Browder (Figura 2), que leva em conta as alterações corpóreas conforme a faixa etária.

As modificações principais são relativamente a cabeça e membros inferiores.


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Figura 2. Tabela de Lund-Browder para cálculo de superfície corpórea queimada.


Adaptado de: Herndon DN, editor. Total Burn Care. WB Saunders; 1996.

A American Burn Association (ABA) classificou como queimadura grave (Quadro 1): queima-
dura maior que 20% da superfície corpórea em crianças menores que 10 anos , queimadura
de terceiro grau maior que 10 % da superfície corpórea, queimadura de locais que podem
ter comprometimento funcional ou estética importante, queimadura elétrica, e queimaduras
complicadas por trauma, lesão por inalação e comorbidades.

Quadro 1. Queimadura grave, segundo a classificação da American Burn Association

• Queimadura > 25% SC em pacientes entre 10 e 40 anos (exclui queimadura superficial)

• Queimadura > 20% SC em pacientes menores de 10 anos e maiores de 40 anos


(exclui queimadura superficial)

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Capítulo 29 | Grande queimado
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Queimadura terceiro grau >10 % da SC

• Queimaduras de olhos, orelhas, face, mãos, pés ou períneo que podem resultar em
alteração funcional ou estética

• Queimadura por corrente elétrica de alta voltagem

• Queimadura complicada por trauma importante ou lesão inalatória

• Queimadura em pacientes com comorbidade grave (exclui queimadura superficial)

SC: superfície corpórea

A ABA ressalta a importância de atendimento especializado às vítimas e estabeleceu crité-


rios de indicação de encaminhamento a centro especializado, expressos no Quadro 2.

Quadro 2. Queimaduras que devem ser encaminhadas a centro especializado em


queimaduras segundo a American Burn Association

• Queimadura de segundo grau >10% da SC em qualquer idade


• Queimaduras que envolvam face, mão, pé, genitália, períneo, pescoço ou grande articulação
• Queimadura de terceiro grau em qualquer idade
• Queimaduras causadas por eletricidade em qualquer idade
• Queimaduras químicas
• Lesão por inalação
• Queimadura em pacientes em qualquer idade com problemas médicos preexistentes
ou não, que poderiam complicar os cuidados, prolongar a recuperação ou influenciar
na mortalidade
• Qualquer paciente com queimaduras e trauma concomitante no qual a queimadura
apresenta maior risco de morbidade ou mortalidade
• Crianças queimadas sendo tratadas em hospital sem pessoal qualificado ou
equipamentos para o cuidado do caso
SC: superfície corpórea

Atendimento de urgência

A criança vítima de queimadura grave deve passar por avaliação sistematizada, seguindo as
etapas do suporte pediátrico avançado de vida.
A avaliação inicial das vias aéreas deve procurar por indícios de lesão por queimadura. O
quadro é evidente na presença de desconforto respiratório alto com estridor, rouquidão, hi-
persalivação e disfagia. É importante descartar presença de corpo estranho. Outros indícios
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Capítulo 29 | Grande queimado
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de lesão de vias aéreas são: queimadura de face ou boca, chamuscamento de vibrissas


nasais e escarro com resíduos carbonáceos. Na presença de quadro evidente, a opção
deve ser por intubação precoce, evitando maior dificuldade no procedimento pela distorção
pelo edema. Sugere-se que o procedimento seja realizado pelo médico mais experiente da
equipe. A presença do cirurgião pode ser valiosa, se houver necessidade de traqueostomia.

Respiração

A respiração pode estar deprimida por trauma associado, pela ação de medicação seda-
tiva aplicada no tratamento pré-hospitalar ou por intoxicação por monóxido de carbono
ou cianeto. Queimadura circular do tórax ou abdômen pode levar à restrição ventilatória.
Em todos os casos, deve-se ofertar oxigênio em alta concentração inicialmente. Na sus-
peita de intoxicação por monóxido de carbono a oferta de oxigênio deve ser mantida por
tempo prolongado.

Circulação

Queimaduras graves extensas podem levar à depressão miocárdica com choque após al-
gumas horas, se houver sinais precoces de choque, lesões associadas sempre devem ser
descartadas. Acidentes por corrente elétrica de alta voltagem podem levar a arritmias car-
díacas com comprometimento hemodinâmico.

A história do acidente deve ser a mais completa possível, constando: horário, se foi pre-
senciado, tipo de acidente (escaldadura, líquido inflamável, fogo, químico, elétrico), local
(fechado ou aberto) e trauma associado. No acidente por escaldadura, o tipo de líquido,
se mais viscoso, pode determinar queimaduras mais profundas. No acidente por fogo, é
importante saber se ocorreu em local fechado e se havia presença de substâncias que
liberam cianeto, como seda, poliuretanos, poliacrilonitrilas, náilon, resinas de melamina e
plásticos. Nos acidentes elétricos por corrente de alta voltagem, a possibilidade de trauma
é grande, além da presença de fraturas por contração muscular e mioglobinúria por lesão
muscular. Devem ser pesquisadas doenças preexistentes, vacinação antitetânica, alergias
e tratamento pré-hospitalar. Abuso deve ser suspeitado se a história com os responsáveis
trouxer dados inconsistentes.

O exame físico deve ser completo com aferição dos sinais vitais e, especialmente, do peso,
parâmetro que será utilizado para cálculo do volume de reposição.
Os parâmetros da oximetria de pulso devem ser analisados criteriosamente em casos com
suspeita de intoxicação por monóxido de carbono.
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Alteração do nível da consciência pode estar presente, causada por choque, hipóxia, in-
toxicação por monóxido, intoxicação por cianeto, trauma craniano associado ou sedativo.
A caixa torácica deve ser avaliada na busca por sinais de trauma. Além dos sinais de des-
conforto respiratório alto, podem estar presentes outros sinais como retração subcostal e
diafragmática, gemência e sibilos por lesão inalatória.

Avaliação da queimadura
A queimadura deve ser avaliada na sua localização, extensão e profundidade.

Um dos órgãos que merece especial atenção é o olho. Avaliação da córnea deve ser feita
antes que o edema palpebral impeça o exame detalhado. Queimadura circular de membros
exige exame constante do pulso distal e da perfusão periférica para diagnóstico precoce de
síndrome compartimental. Queimadura circular de tórax pode levar a restrição ventilatória
importante. Em lesões por corrente elétrica, muitas vezes não se distinguem os locais de
entrada ou saída da corrente elétrica na pele; essas lesões não podem ser utilizadas como
parâmetro da gravidade do quadro. A lesão na queimadura por corrente elétrica de alta vol-
tagem é profunda, pois a resistência à passagem da corrente elétrica é maior em osso, mús-
culos e vasos com maior transformação da energia elétrica em energia térmica. Padrões
simétricos de queimaduras em membros ou marcas bem definidas sugerem lesões inten-
cionais. A extensão das queimaduras deve ser calculada por meio da tabela modificada de
Lund-Browder. Queimaduras superficiais de primeiro grau não devem entrar no cálculo.

A avaliação laboratorial deve compreender hemograma, eletrólitos, gasometria com cálculo


do ânion gap, ureia, creatinina, creatinoquinase, urina tipo I e mioglobina, se disponível. Em
suspeita de intoxicação por monóxido de carbono a dosagem de carboxihemoglobina pode
orientar a terapêutica. Em suspeita de intoxicação por cianeto, o cálculo do ânion gap e a
dosagem de lactato podem definir a necessidade de terapêutica específica. Em lesões ina-
latórias, a radiografia de tórax pode se inicialmente mostrar normal. Na suspeita de trauma
associado, a complementação radiológica se impõe.

Tratamento inicial
Um acesso venoso calibroso deve ser obtido inicialmente; se houver dificuldade, o acesso
intraósseo é a opção até a passagem de cateter venoso central.

A oferta de oxigênio em alta concentração é necessária até avaliação de possível lesão


inalatória ou de intoxicação por monóxido de carbono. A intubação, se necessária, deve
ser realizada sob sedação com medicações que levam a menor risco de comprometimento
hemodinâmico como etomidato ou cetamina.

A sondagem vesical é necessária para controle do débito urinário.


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Capítulo 29 | Grande queimado
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Ressuscitação fluídica

Várias fórmulas foram estudadas para cálculo do volume na ressuscitação fluídica. A fórmu-
la mais utilizada é a de Parkland − 4mL/kg/% SCQ nas primeiras 24 horas, não se incluin-
do áreas com queimadura de primeiro grau (Quadro 3). A metade deve ser infundida nas
primeiras 8 horas e a metade restante em 16 horas. A solução mais utilizada é a de Ringer
lactato, cuja composição eletrolítica se aproxima à do plasma. Além do volume calculado
de Ringer lactato, deve-se ofertar a necessidade hídrica basal nas 24 horas, com oferta de
glicose. O uso de coloides deve ser evitado nas primeiras 24 horas. Pacientes com lesão
inalatória podem necessitar de mais volume − até 40% a mais.

Quadro 3. Fórmula de Parkland

4mL x peso x %SCQ

Metade nas primeiras 8 horas

Metade nas outras 16 horas

%SCQ: porcentagem de superfície corpórea queimada, exclui 1º grau

A fórmula de Parkland pode fornecer estimativas incorretas do volume necessário em pa-


cientes com queimaduras graves e profundas, lesão inalatória, lesão elétrica e em pacientes
com atraso na ressuscitação. Por outro lado, infusão de volume em excesso pode levar a
edema pulmonar, derrame pleural, derrame pericárdico, síndrome compartimental abdomi-
nal, síndrome compartimental de membros e agravamento das lesões de queimadura, além
do maior risco de síndrome de desconforto respiratório agudo, infecção e morte.

A adequação da ressuscitação fluídica muitas vezes é difícil de ser avaliada. Os parâme-


tros tradicionais são diurese maior que 1mL/kg/h, pressão arterial média normal e níveis de
lactato e excesso de base normais. Medidas indiretas do débito cardíaco e da volemia por
meio de ecocardiografia podem trazer mais informações.

Controle da dor

O controle da dor no paciente queimado representa um grande desafio desde o atendimen-


to inicial até a fase de reabilitação. A dor de queimadura é provavelmente uma das formas
de dor aguda mais difícil de se tratar. Não é só o tipo de dano tecidual que pode gerar níveis
elevados de dor; o cuidado da ferida e as terapias podem também gerar dor que pode ser
equivalente ou superior à experimentada pelo doente na ocasião da lesão. A dor, além de
ser uma fonte de sofrimento imediato em pacientes, pode interferir nos cuidados e ser cau-
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Capítulo 29 | Grande queimado
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

sa de aumento no tempo de internação. Além disso, a quantidade de dor experimentada


por crianças internadas com queimaduras parece estar associada a longo prazo com es-
tresse pós-traumático e sofrimento emocional. Como tal, há razões práticas e humanitárias
para controle agressivo da dor no paciente queimado.

O dano tecidual no local da queimadura é o mecanismo predominante de dor desses pa-


cientes. A temperatura ambiente em torno de 30°C pode trazer um pouco de conforto ao
paciente. O tratamento farmacológico com opioides potentes, ansiolíticos e outros agentes
(por exemplo: cetamina) constitui a primeira linha de terapia de controle da dor.

Opioides

Agonistas opioides são os analgésicos mais utilizados no tratamento da dor da queimadu-


ra, em parte porque são potentes; os benefícios e os riscos de sua utilização são familiares
para a maioria da equipe. Opioides proporcionam um certo grau de sedação dose-depen-
dente que pode ser vantajoso durante os procedimentos e nos cuidados com as feridas. O
largo espectro de opioides disponíveis para utilização clínica também fornece flexibilidade
de dosagem, de vias de administração e tempo de ação.

A via de administração de opioides é uma questão importante em pacientes queimados −


com a principal escolha da via de administração é baseada na gravidade da queimadura. A
via intramuscular é evitada por causa da necessidade de repetidas de injeções dolorosas e
por causa da absorção variável causada pelas alterações compartimentais dos fluídos e da
perfusão muscular em pacientes com queimaduras agudas, particularmente aqueles sub-
metidos à reanimação do choque.

Doses recomendadas: morfina 0,1mg/kg cada 2 a 4 horas ou fentanil 0,5 a 1mcg/kg cada
1 a 2 horas.

A analgesia controlada pelo paciente (PCA) com opioides intravenosos pode oferecer ao
paciente com queimadura um método eficaz para a obtenção de analgesia mais flexível.

E, por fim, por via oral, a administração de opioides é particularmente vantajosa naqueles
pacientes sem acesso intravenoso.

Analgésicos não opioides

Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), o paracetamol e a dipirona, apesar de analgé-


sicos leves quando usados sozinhos, podem atuar sinergicamente aos opioides. Devido à
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Camip

inibição da agregação de plaquetas, o uso de AINEs deve ser evitado em situações em que
o risco de hemorragia é um problema, no caso em queimaduras graves.

Antidepressivos e anticonvulsivos foram propostos como potenciais agentes analgésicos


para dor de queimadura com base em seus mecanismos de ação conhecidos em outros
estados de dor (por exemplo, dor neuropática), mas ainda não há uma definição de uso es-
pecífico em dor de queimaduras. Como a dor neuropática pode ocorrer em pacientes com
queimaduras cicatrizadas, esses agentes podem ter aplicação específica nesses casos.

Ansiolíticos

Sabe-se que a ansiedade pode piorar a dor aguda. Por isso, constitui-se uma prática co-
mum o uso de drogas ansiolíticas em combinação com analgésicos opioides. A ansiedade
antecipatória experimentada por pacientes queimados, antes e durante o desbridamento,
justifica a utilização dos ansiolíticos como pré-medicação. Há relatos que dose baixa de
benzodiazepínicos reduz significativamente os relatos de dor ao tratamento de feridas.

Cetamina

É um antagonista não competitivo dos receptores NMDA. Pode ser usado para sedação
consciente durante o curativo em pacientes com queimadura. Induz a um estado de anes-
tesia dissociativa com doses intravenosas de 1mg/kg. Oferece, como principal vantagem, a
manutenção dos reflexos de proteção das vias aéreas, da pressão arterial e da frequência
cardíaca. Na ocorrência de alucinações, principal efeito adverso, a administração concomi-
tante de benzodiazepínico ou propofol pode amenizar esse efeito.

Em metanálise de cetamina em baixas doses e de uso pós-operatório de opioides, con-


cluiu-se que há uma redução de até um terço da dose total administrada.

A cetamina também foi eficaz como medicação de resgate em caso de dor menos respon-
siva aos opioides e parece promover alguma ação na redução da hiperalgesia.

Agonista alfa-2

Possuem a propriedade de estimular as vias descendentes inibitórias da dor, além dos


efeitos sedativos e anti-hipertensivos. A clonidina é habitualmente prescrita para crianças e
adultos. A dexmedetomidina tem ação de menor duração que a clonidina e é mais seletiva
para receptores alfa-2.

Em crianças não há protocolo estabelecido.


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Capítulo 29 | Grande queimado
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Lesão inalatória
Lesão inalatória é um termo não específico referente à lesão direta ao sistema respiratório
(vias aéreas e parênquima pulmonar) ou à toxicidade sistêmica secundária à absorção de
substâncias. É classificada em quatro categorias: lesão de vias aéreas superiores, lesão de
vias aéreas inferiores, lesão parenquimatosa e toxicidade sistêmica. Deve sempre ser sus-
peitada com lesões térmicas de face ou história de exposição prolongada a gases tóxicos
em ambiente fechado. A lesão de vias aéreas superiores deve ser excluída por visão direta
ou indireta. Mais comumente a obstrução de vias aéreas superiores é secundária à anasar-
ca relacionada à ressuscitação de grandes queimados. A lesão de subglote e de parênqui-
ma pulmonar geralmente é secundária a toxinas ou partículas inaladas que geram processo
inflamatório importante. A exceção é o vapor de água que pode ultrapassar os mecanismos
protetores de vias aéreas superiores e alcançar o parênquima com lesão térmica direta.
A broncoscopia pode auxiliar no diagnóstico, mas não prediz a extensão real da lesão. A
ventilação mecânica deve ser utilizada com parâmetros protetores com volume corrente 5 a
7mL/kg, prevenção de barotrauma e pressão inspiratória menor que 30cmH2O.

Estudo inicial com inalação com heparina e n-acetilcisteína mostrou redução da mortalida-
de em crianças com lesão inalatória, sendo utilizada em alguns serviços.

Óxido nítrico pode ser utilizado na suspeita de vasoconstrição pulmonar secundária, mas
deve ser suspenso se não houver resposta nas primeiras horas. Há relato de que os níveis
de óxido nítrico já estão aumentados na lesão inalatória, e a perda resultante da vasocons-
trição hipóxica pode piorar o desbalanço ventilação-perfusão.

Na suspeita de intoxicação por monóxido de carbono, os sinais clínicos se correlacionam


com o nível de carboxihemoglobina.

O oferta de oxigênio deve ser mantida em altas frações, até resolução dos sintomas e nor-
malização do nível de carboxihemoglobina. A meia-vida da carboxihemoglobina é de 250
minutos se o paciente estiver sob ar ambiente; com o uso de oxigênio a 100%, a meia-vida
cai para 40 a 60 minutos.

A intoxicação por cianeto produz uma inibição reversível da oxidase do citocromo c, com ini-
bição da oxigenação celular e anóxia tissular. O diagnóstico é clínico, pois a análise do nível
sérico do cianeto não é realizada rotineiramente. O diagnóstico pode ser sugerido por acidose
com anion gap aumentado, lactato sérico elevado ou saturação venosa mista de oxigênio
elevada. A terapêutica é realizada com administração de hidroxicobalamina 70mg/kg em 15
minutos. A hidroxicobalamina interfere no resultado de uma série de dosagens laboratoriais.

Não existe um consenso em relação a indicação de traqueostomia precoce em crianças


com queimaduras graves.
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Camip

Cuidados locais com a queimadura

O processo de cicatrização das feridas por queimadura é influenciado diretamente pela


gravidade da lesão (extensão, profundidade e localização), agente causador, presença de
infecção e estado nutricional.

As queimaduras de primeiro grau em geral melhoram rapidamente (por volta de 5 dias), de-
pendendo da extensão, sendo indicada apenas a utilização de hidratantes tópicos.

As queimaduras de segundo grau podem ser superficiais ou profundas. A recuperação de-


pende da profundidade atingida e do acometimento por infecção local ou sistêmica. Assim,
queimaduras classificadas a princípio como segundo grau podem aprofundar na presença
de infecção local.

A cobertura de feridas por queimaduras traz uma série de benefícios ao paciente – protege
a ferida de traumas posteriores e/ou infecção, além de propiciar conforto e alívio da dor e
auxiliar na cicatrização da mesma. Após a abordagem inicial e lavagem da queimadura com
solução salina, uma série de curativos e dispositivos pode ser utilizada no tratamento local
da queimadura:

• Sulfadiazina de prata 1%: recomendada para queimaduras de segundo e terceiro


graus, com a finalidade de desbridar tecidos necróticos e de combate de infecção local.
Efetivo contra bactérias Gram-negativas (Escherichia coli, Enterobacter, Klebsiella sp e
Pseudomonas aeruginosa) e Gram-positivas (Staphylococcus aureus) e fungos (Candida
albicans). Como efeito colateral, pode levar à leucopenia transitória. Idealmente, deve ser
trocada duas vezes ao dia, devido à oxidação da prata. Seu uso combinado com nitrato
de cério leva a formação de uma camada de sais de cálcio sobre a ferida, servindo como
barreira contra bactérias.

• Ácidos graxos essenciais (AGE): compostos de ácido linoleico, ácido caprílico,


vitamina A, vitamina E e lecitina de soja. Têm ação de modulação inflamatória e
imunológica, alterando as funções leucocitárias e acelerando o processo de granulação
tecidual. São utilizados diretamente sobre as lesões ou embebido em gazes estéreis,
sendo necessárias trocas a cada 24 horas.

• Pomadas enzimáticas (colagenase): têm ação desbridante enzimático, estimulando a


formação de tecido de granulação e posterior reepitelização.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

• Papaína: agente natural retirado do látex do mamão papaia; tem propriedade proteolíti-
ca, resultando em desbridamento químico.

• Carvão ativado: utilizado em feridas com sinais de infecção, absorvendo o exsudato da


lesão e diminuindo o odor fétido.

Os substitutos temporários de pele são úteis no tratamento de queimaduras superficiais e


na cobertura da pele, enquanto aguarda-se a enxertia de pele definitiva. Tem como maiores
benefícios a redução da área exposta e a frequência de troca dos curativos. Por outro lado,
são de custo elevado e não são recomendados para queimaduras profundas. Podem ser
de origem animal, sintéticas ou híbridas, tendo como principais propriedades: elasticidade,
aderência, transporte de vapor de água, baixa antigenicidade, capacidade hemostática e
ação antibacteriana.

Os desbridamentos para retirada de tecidos desvitalizados são feitos em queimaduras de


segundo e terceiro graus, pois a presença do tecido necrótico favorece o desenvolvimento
de infecção. O tecido necrótico constitui fonte de nutrientes para bactérias que necessitam
de pouco oxigênio para sobreviver.

Escarotomia pode ser necessária nas queimaduras circulares ou extensas com restrição da
circulação de extremidades ou restrição da expansibilidade torácica ou abdominal.

Suporte nutricional
O suporte nutricional deve ser iniciado em 24 a 48 horas após internação, podendo ser
ofertado por sonda gástrica ou enteral. A via enteral é a preferencial. A vantagem da sonda
enteral é o menor risco de aspiração com a mobilização e realização de curativos, e permi-
tindo diminuição do tempo de jejum para procedimentos cirúrgicos.

Fórmulas são utilizadas para o cálculo da necessidade calórica, de acordo com a porcen-
tagem de SCQ. Geralmente, as fórmulas superestimam as necessidades. A fórmula do Gal-
veston Shriner Burns Institute é uma das utilizadas (Quadro 4).

Quadro 4. Cálculo da necessidade calórica: fórmula de Galveston Shriners Burns Institute

Idade (anos) Calorias (kcal/dia)

0–1 2.100 Kcal/m² + 1.000 Kcal/m² SCQ

1–11 1.800 Kcal/m²+ 1.300 Kcal/m² SCQ

12–18 1.500 Kcal/m²+ 1.500 Kcal/m² SCQ

SCQ: superfície corpórea queimada

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Camip

Não há uma nutrição padrão para crianças com queimaduras. A dieta deve ser rica em
glicose, proteína e aminoácidos, e pobre em gordura com presença de ácidos graxos insa-
turados. Suplementação de glutamina em pequenos estudos mostrou diminuição de infec-
ção, tempo de internação e mortalidade. Seu uso parece ser benéfico. Não há dados para a
suplementação de alanina. Atenção especial deve ser dada na suplementação de vitaminas
e oligoelementos.

Resposta hipermetabólica

A resposta hipermetabólica ocorre alguns dias após a queimadura grave e pode persistir
por meses. A causa não foi inteiramente esclarecida, havendo aumento persistente na se-
creção de catecolaminas, glicocorticoides, glucagon e dopamina, com indução de hiper-
metabolismo e catabolismo subsequente. Várias vias são afetadas, mas duas são particu-
larmente mais afetadas: metabolismo da glicose com resistência à insulina e hiperglicemia;
e o metabolismo das gorduras com lipólise aumentada.

A hiperglicemia em pacientes queimados está associada a aumento da frequência de infec-


ções, sepse, catabolismo, hipermetabolismo e mortalidade. A lipólise e o aumento sérico de
ácidos graxos livres contribuem para aumento da morbidade e mortalidade após queimadu-
ra grave por infiltração gordurosa de vários órgãos.

O tratamento da resposta hipermetabólica consiste em suporte nutricional adequado, con-


trole glicêmico, debridamento e cobertura precoce das feridas, aumento da temperatura
ambiente (30°C), fisioterapia precoce e farmacoterapia.

Dentre as medicações utilizadas no controle da resposta hipermetabólica estão analgési-


cos, esteroides anabolizantes (oxandrolona), insulina e betabloqueadores (propranolol).

A oxandrolona é um análogo da testosterona que aumenta a síntese de proteína muscular,


reduz a perda de peso e promove cicatrização. Seu uso em crianças com queimaduras
implicou em menor tempo de internação, aumento de peso e benefícios em longo prazo.

O controle da glicemia com o uso da insulina, visando níveis entre 110 a 150 mg/dL, mostrou
melhora da cicatrização, efeito anabólico e diminuição na incidência de sepse e infecção.
O propranolol tem ações anti-inflamatórias e anticatabólicas, diminui a hiperglicemia, dimi-
nui o hipermetabolismo com menor acúmulo de gordura e menor perda óssea. Sua efetivi-
dade na diminuição da mortalidade em queimaduras graves é incerta, mas teste multicên-
tricos estão em andamento.
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Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Infecção

A infecção é a causa mais comum de morte após lesão por queimadura. A perda da proteção
da pele íntegra, a internação prolongada, a necessidade de procedimentos invasivos como
cateter venoso central, intubação, ventilação mecânica e sondagem vesical, antibioticote-
rapia prolongada e procedimentos cirúrgicos aumentam o risco de infecção hospitalar. O S.
aureus é agente principal nos primeiros dias, e a P. aeruginosa é mais comum após 7 dias.

O diagnóstico da infecção da lesão de queimadura por vezes é difícil. A observação fre-


quente pode detectar alterações de cor, exsudato e sensibilidade além do aumento da
profundidade. A separação precoce das escaras das queimaduras é um sinal importante.
A Pseudomonas produz em exsudato amarelo ou verde, evoluindo com lesões escuras e
bolhas, e destruição de tecidos adjacentes. A cultura quantitativa da biópsia é indicativa de
infecção se maior que 105 colônias/grama de tecido. A cultura por swab é um teste pobre,
mas pode ajudar na identificação do agente etiológico.

O diagnóstico de sepse requer definições além daquelas propostas pela Campanha de


Sobrevivência à Sepse. Os parâmetros indicativos de síndrome de resposta inflamatória
sistêmica (SIRS) estão invariavelmente presentes em qualquer paciente com queimadura
grave, devido ao quadro de hipermetabolismo, portanto o diagnóstico de SIRS é irrelevante
para pacientes com queimaduras graves.

A ABA produziu um consenso para a definição de sepse em adultos e crianças queimados.


Para o diagnóstico são necessários três dos critérios do Quadro 5.

Quadro 5. Critérios de sepse no paciente queimado (American Burn Association):


três critérios são necessários

Temperatura > 39°C ou < 36,5°C

Adulto: > 110bpm

Taquicardia progressiva
Criança: 2 desvio padrão acima de 85% da
frequência cardíaca máxima para a idade

Adulto: > 25rpm

Taquipneia progressiva
Criança: 2 DP acima de 85% da frequência
respiratória máxima para a idade

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Camip

Adulto: < 100.000


Trombocitopenia (não aplicável até 3 dias
pós ressuscitação inicial) Criança: < 2DP abaixo do valor médio para
a idade

Glicemia não tratada > 200mg/dL

Resistência à insulina: > 7 U/h para adultos


Hiperglicemia
ou resistência à insulina significativa (25% de
aumento da demanda de insulina ao longo das
24 horas)

Distensão abdominal

Intolerância à alimentação enteral (residual de


Incapacidade de continuar alimentação 150mL/h em crianças ou duas vezes o tempo
enteral em 24 horas de alimentação em adultos

Diarreia incontrolável (2.500mL/dia para


adultos ou 400mL/dia para crianças)

Cultura positiva para infecção OU

É necessário infecção documentada: Fonte de tecido patológico identificado OU

Resposta clínica aos antibióticos

Outros focos importantes de infecção no paciente queimado são o cateter venoso central,
sistema respiratório e sistema urinário. O diagnóstico dessas infecções segue os mesmos
critérios utilizados normalmente em outros pacientes.

Conclusão

O atendimento adequado de crianças com queimaduras graves é essencial para diminuir


a morbidade e mortalidade. A identificação da gravidade e da extensão da queimadura
determina a remoção da criança para unidade de terapia intensiva ou para unidades espe-
cializadas no tratamento de queimaduras. A ressuscitação fluídica inicial é parte crucial do
atendimento. Cuidados posteriores como tratamento das lesões, prevenção e tratamento
das infecções, nutrição adequada e cuidados com a síndrome hipermetabólica auxiliam na
recuperação mais rápida do paciente.
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Capítulo 29 | Grande queimado
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

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Capítulo 30 | Afogamento
Afogamento 30
Capítulo 30
Afogamento

Maria Lucia de O. Saraiva Lobo


Felippe Nagata Otoch
Maria Lucia de O. Saraiva Lobo
Felippe Nagata Otoch
Caso clínico

MM, 2 anos, sexo feminino, foi encontrada pelos pais submersa em piscina na casa das
avós durante festa de aniversário do tio. Retirada da água inconsciente, levada imediata-
mente ao serviço de emergência mais próximo, com chegada ao pronto atendimento 5
minutos após ser encontrada.

À avaliação inicial, a paciente encontrava-se arresponsiva, em apneia e pulsos centrais não


palpáveis. Levada à sala de emergência e iniciada reanimação cardiopulmonar conforme
protocolo da American Heart Association (AHA). Após intubação orotraqueal (IOT) e venti-
lação com pressão positiva, compressões torácicas, obtenção de acesso venoso e admi-
nistração de adrenalina, apresentou retorno de sinais vitais e foi transferida a unidade de
terapia intensiva (UTI) pediátrica em escala de coma de Glasgow (ECG) mantida igual a 3.

Na UTI, paciente mantida sob monitorização da frequência cardíaca, oximetria de pulso e


pressão arterial, coleta de exames laboratoriais gerais, controle de temperatura e glicemia
capilar. Acidose metabólica inicial corrigida após reposição fluídica com soro fisiológico e
manutenção de adrenalina sob infusão contínua; obtido cateter venoso central e cateter
para monitorização invasiva de pressão arterial.

Procedeu-se ao restabelecimento gradual da temperatura corporal normal e à infusão de


soro de manutenção de forma a manter a normoglicemia; mantida sob baixos parâmetros
de ventilação mecânica.

Após 24 horas de internação, paciente apresentou nova instabilidade hemodinâmica, com


queda de pressão arterial e aumento de marcadores de necrose miocárdica. Realizado ecocar-
diograma à beira do leito, que mostrou fração de ejeção de ventrículo esquerdo igual a 50%;
iniciada dobutamina com normalização do débito cardíaco e normalização da pressão arterial.

No terceiro dia de internação, paciente evoluiu febril, com aumento de proteína C-reativa,
piora importante de infiltrado bilateral ao raio X tórax e necessidade de aumento de parâ-
metros ventilatórios. Coletadas culturas – sangue e secreção traqueal – e iniciada antibioti-
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

coterapia com ceftriaxone + vancomicina. Apesar de antibioticoterapia de amplo espectro e


tentativa de ventilação protetora, paciente apresentou necessidade de aumentos progressi-
vos de parâmetros ventilatórios, sem boa resposta. Evoluiu a óbito no quinto dia de interna-
ção na UTI, com deterioração importante da função pulmonar, escala de coma de Glasgow
mantida igual a 3 durante toda a internação.

Questões

1. No caso acima, quais fatores epidemiológicos coincidem e quais são discordantes dos
dados de literatura?

2. No processo de afogamento, quais os principais mecanismos de lesão tecidual?

3. Quais as particularidades na condução da parada cardiorrespiratória do indivíduo


afogado em relação ao guideline da AHA?

4. Quais as prioridades do tratamento para o paciente vítima de afogamento?

5. Quais fatores do caso clínico são associados a mau prognóstico neurológico a longo prazo?

Definição

No ano de 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu afogamento como o pro-
cesso de insuficiência respiratória causada pela submersão ou imersão em líquidos. O pro-
cesso de afogamento começa com a insuficiência respiratória causada quando a via aérea
de um indivíduo é inserida dentro da superfície de um líquido (submersão) ou quando um
líquido é derramado na face (imersão). Se a pessoa é resgatada em qualquer momento e o
processo de afogamento é interrompido, não levando a óbito, é, então, classificado como
afogamento não fatal. Se o óbito ocorre em qualquer tempo em decorrência do afogamen-
to, é definido como afogamento fatal. Deve-se classificar em afogamentos com testemu-
nhas e sem testemunhas, pelo valor prognóstico dessas informações. A classificação mais
aceita na atualidade foi proposta por Utstein, em 2003.

Qualquer submersão ou imersão na qual o indivíduo é resgatado e não apresenta descon-


forto respiratório deve ser classificada como resgate na água, e não como afogamento.
Termos como “quase afogamento”, “afogamento seco e molhado”, “afogamento primário e
secundário”, afogamento ativo e passivo”, “insuficiência respiratória de início tardio” devem
ser evitados para uniformização de pesquisas e melhor comparação entre centros.
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Epidemiologia

De acordo com a OMS, 0,7% do total de mortes mundiais é devido a afogamentos não
intencionais, totalizando mais de 500 mil óbitos anualmente (8,4/100 mil). Como muitos
desses óbitos não são classificados como afogamento não intencional na Classificação
Internacional de Doenças, existe grande possibilidade de esse número subestimar a quan-
tidade real de mortes por afogamento.

No mundo, afogamentos são a principal causa de morte em meninos entre 5 a 14 anos de


idade e a segunda principal causa de morte em crianças entre 1 a 4 anos de idade. Países
subdesenvolvidos tendem a ter mortalidades mais elevadas que países desenvolvidos. A
mortalidade em nações na África (14,2/100 mil) e na América Central é 10 a 20 vezes maior
que no Estados Unidos. Países como China e Índia têm grandes taxas de mortalidade (8,5
e 10,2 óbitos por 100 mil respectivamente) e dados mostram que países subdesenvolvidos
e em desenvolvimento seriam responsáveis por 97% do total de mortes. Dados brasileiros
indicam que afogamentos são a segunda maior causa de óbitos em crianças de 1 a 4 anos,
totalizando 260 mil internações hospitalares por ano.

Entre os principais fatores de risco para o afogamento estão o sexo masculino, a idade me-
nor que 14 anos, o uso de álcool, a baixa renda, a educação inadequada, a residência em
área rural, a exposição à água, o comportamento de risco e a falta de supervisão. Pessoas
com epilepsia têm risco de afogamento de 4 a 13 vezes maior que aqueles sem epilepsia.
Estima-se que o risco ajustado por exposição para afogamento seja mais de 200 vezes
maior que de acidente automobilístico.

Dados americanos mostram predomínio de afogamento em indivíduos do sexo masculino


em praticamente todas as faixas etárias. A proporção entre sexo feminino e masculino é
de 12 em lactentes e de 1:10 em adolescentes. Indivíduos com menos de 20 anos foram
responsáveis por 83% dos atendimentos de emergência e 57% eram crianças de zero a 4
anos. A fatalidade de vítimas de afogamento não intencional é uma das mais altas encon-
tradas entre os acidentes com um óbito a cada seis atendimentos de emergência, sendo
muito mais alta que a encontrada em acidentes automobilísticos (1/150) e quedas (1/19 mil).

Os lugares onde ocorrem os afogamentos variam conforme a faixa etária e o acesso local
a fontes de recursos hídricos. Enquanto em lactentes a maioria das ocorrências se dão em
ambiente doméstico, como piscinas, banheiras e baldes, em crianças menores de 5 anos,
a maioria dos casos se dá em piscinas. Conforme o aumento da faixa etária, a incidência
de afogamentos em lugares de água fresca cresce gradativamente, porém acidentes em
piscinas continuam com importância.
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

Afogamentos em banheiras e hidromassagens são importantes em lactentes, tendo sua im-


portância diminuída em faixas etárias mais velhas. Fatores importantes, como a presença de
sucção, aumentam muito o risco de afogamento. A maioria das ocorrências nesses disposi-
tivos estão associadas a pais que superestimam a capacidade da criança, e a episódios de
lapsos na atenção do cuidador (mesmo que por segundos) ou ao cuidado de alguma outra
criança mais velha como supervisora. Afogamentos em baldes são importantes pela possível
presença de produtos químicos, que podem exacerbar a piora pulmonar quando aspirados.

O uso de álcool e outras drogas ilícitas aumenta significativamente o risco de afogamento,


tanto por piora da coordenação motora, quanto por aumento de comportamento de gran-
des riscos pelo embriagado. Adultos intoxicados também tendem a ter menor capacidade
de supervisionar crianças em atividades aquáticas. De 10 a 50% dos adolescentes com
afogamentos têm níveis presentes de álcool no sangue.

Indicadores de fatalidade mostram apenas uma parte do problema relacionado ao afoga-


mento, visto que sequelas neurológicas podem contribuir a longo prazo com morbidades
significativas. Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou afogamentos
não fatais como uma das principais causas de sequelas a longo prazo e estimou que, anu-
almente, sejam perdidos, em indivíduos menores de 15 anos, 8,3 milhões de anos/sequela
nas vidas dos afetados.

Estima-se que os gastos com afogamentos sejam de U$ 273.000.000 por ano nos Estados
Unidos e U$228.000.000 no Brasil. A cada óbito por afogamento, são observados 14 aten-
dimentos de emergência e 4 internações hospitalares.

Fisiopatologia

O processo de afogamento inicia-se quando a via aérea do indivíduo está envolvida por
fluidos (presença de líquido em via aérea pode levar a deglutição ou cuspe desse líquido);
nesse momento, a vítima do afogamento inicia pausa respiratória. Em questão de aproxi-
madamente 1 a 2 minutos, o drive respiratório fisiológico ocasiona respiração involuntária
espontânea que leva líquido à via aérea e à reflexo de tosse além de, possivelmente, desen-
cadear laringoespasmo. Experimentos com animais registram que em até 10% dos casos
em afogamentos não se veem líquidos no pulmão após o óbito, levando a acreditar que o
laringoespasmo seja o fator determinante nesses casos.

Caso a pessoa não seja socorrida, inicia-se aspiração líquida, levando à hipóxia (estudos
em animais mostram um declínio de 6mmHg de pressão parcial de oxigênio – PaO2 por mi-
nuto), que rapidamente leva à perda de consciência e a apneia. A atividade cardíaca, inicial-
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

mente em taquicardia, evolui para bradicardia, atividade elétrica sem pulso e assistolia em
questão de minutos. Em situações raras, como hipotermia ou afogamento em águas com
temperaturas muito baixas, esse processo pode durar até 1 hora.

O evento hipóxico-isquêmico será determinante para a lesão de órgãos e de sua duração


e severidade dependerá o quadro clínico de lesão de órgãos-alvo. Após ressuscitação, a
reperfusão inicia outra cascata de reações químicas, que levam à lesão de órgãos-alvo. O
cérebro é particularmente suscetível a essa sequência de eventos, com hipóxia e isquemia
seguidos de reperfusão. Lesões do sistema nervoso central são as principais causas de
morbidade e mortalidade e, atualmente, acredita-se que se iniciam após aproximadamente
5 minutos de afogamento.

Crianças menores conseguem prender respiração por fração menor de tempo (10 a 20 se-
gundos) e muitas vezes se afogam em silêncio e sem pedir socorro.

Alterações de sistema nervoso central

O cérebro tem reserva mínima de nutrientes e precisa de fluxo sanguíneo contínuo para o
aporte de nutrientes. Após aproximadamente 2 minutos de anóxia, depletam-se o ATP neu-
ronal necessário para atividade metabólica e gradientes iônicos, desencadeando cascata
fisiopatológica, que levará à morte celular e à apoptose.

Fluxo sanguíneo cerebral desregulado pode persistir após a reanimação. O desacoplamen-


to da regulação do fluxo sanguíneo cerebral das necessidades metabólicas aumenta o po-
tencial de danos ao sistema nervoso central visto que o fluxo sanguíneo pode continuar
reduzido, e as necessidades metabólicas aumentam após a lesão isquêmica inicial.

Lesão cerebral de reperfusão pode ocorrer devido à liberação de glutamato e outros amino-
ácidos excitatórios, que irão aumentar o influxo de cálcio e sódio para o citoplasma celular,
levando à injúria e à morte cerebral.

Após a parada cardiorrespiratória, pode ocorrer edema cerebral por diversas causas, como
edema vasogênico e por inchaço astrocitário, com acúmulo de água e sódio. Acidose, hi-
percalemia e ácido araquidônico também aumentam inchaço de astrócitos.

Edema cerebral severo pode aumentar a pressão intracraniana (PIC), afetando a pressão de
perfusão cerebral e, assim, aumentando a hipóxia tecidual.
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

Alterações pulmonares
A aspiração pulmonar ocorre na maioria das vítimas de afogamento, mas em pequenos
volumes; laringoespasmo pode ocorrer em pequena parte das vítimas. O conteúdo aspi-
rado pode variar a evolução clínica do paciente. Conteúdo gástrico, água do mar salina
hipertônica, substâncias químicas e outros podem causar obstrução das vias aéreas ou
lesão pulmonar, alterando a evolução clínica. Alguns pacientes com aspiração de grandes
quantidades de líquidos podem ter pior prognóstico.

O manejo da lesão pulmonar não muda com água doce ou salgada. Enquanto a água salgada
é hipertônica (aproximadamente salina 3%), ao ser aspirada atrai fluídos intersticiais e intra-
vasculares para o alvéolo, além de inativar o surfactante. Água doce hipotônica também lava
o surfactante, levando à instabilidade e a atelectasias alveolares. Em ambas as situações, há
hipoxemia severa, alterações V/Q, aumento do shunt intrapulmonar e diminuição da compla-
cência pulmonar. A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) pode ocorrer tardia-
mente nos pacientes afogados, dificultando ainda mais a condução do quadro respiratório.

Outros sistemas afetados


Classicamente, dividia-se o afogamento em água doce e água salgada, com diferentes
fisiopatologias para ambos. No afogamento em água doce, ocorre absorção de água para
corrente sanguínea, acarretando em hipervolemia, hemodiluição e hemólise. No afogamen-
to em água salgada, ocorre hemodiluição, hipovolemia e aumento de eletrólitos. Estudos
mostraram, porém, que, para que ocorram alterações de volemia, deve ocorrer aspiração
de, no mínimo, 11mL/kg e 22mL/kg para alterações de eletrólitos. Como a média de aspi-
ração nos afogados não passa de 3 a 4mL/kg, atualmente não se considera diferença na
volemia ou distúrbio de eletrólitos devido ao líquido ingerido, principalmente naqueles que
sobrevivem o suficiente para chegar em algum serviço de saúde.

Episódios de afogamento graves muitas vezes evoluem com quadros graves de disfunção
cardíaca. Tanto o débito cardíaco quanto o conteúdo arterial de oxigênio podem estar re-
duzidos, diminuindo drasticamente a oferta tecidual de oxigênio. Hipóxia miocárdica, dimi-
nuição na pré-carga e acidose metabólica podem causar diminuições de volume sistólico
e piorar o débito cardíaco. Hipertensão pulmonar e falência do ventrículo esquerdo podem
levar à falência do ventrículo direito. Todas essas alterações hemodinâmicas podem levar à
piora da oferta tecidual de oxigênio, piorando ainda mais a hipóxia tecidual.

Alterações com insuficiência renal aguda, lesão hepática e coagulação intravascular dis-
seminada podem ser decorrentes da lesão hipóxico-isquêmica, agravando ainda mais o
quadro do paciente grave afogado.
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Resgate e reanimação dentro da água


Técnicas de salvamento seguras incluem chegar ao indivíduo vítima de afogamento com
um objeto, como uma barra, uma toalha ou um galho de árvore. É essencial ligar para o
serviço de emergência médica. Se consciente, a pessoa deve ser trazida a terra e o Suporte
Básico de Vida deve ser iniciado o quanto antes. Para uma pessoa que está inconsciente, a
reanimação ainda dentro da água pode aumentar a probabilidade de um desfecho favorável
em cerca de três vezes, quando comparada ao tempo de trazer a pessoa a terra. Indivíduos
afogados com parada somente respiratória em geral apresentam boa resposta depois de
algumas respirações de resgate. Se não houver resposta, deve-se assumir que o indivíduo
está em parada cardíaca e ele deve ser levado o mais rapidamente possível à superfície
seca, onde a reanimação cardiorrespiratória pode ser iniciada.

Ressuscitação inicial na terra

O restabelecimento da oxigenação, ventilação e circulação adequados são as prioridades


na reanimação do paciente vítima de afogamento. Ao resgatar um indivíduo da água, o so-
corrista deve tentar mantê-lo em posição vertical, enquanto mantém a via aérea aberta, o
que ajuda a prevenir vômitos e aspiração de água e conteúdo do estômago.

O indivíduo que se afogou deve ser posicionado em posição supina, com o tronco e a ca-
beça no mesmo nível, e devem-se avaliar sua responsividade e suas incursões respiratórias.
Assim que possível, a via aérea deve ser limpa de quaisquer materiais estranhos de modo a
evitar obstrução ou aspiração.

Se o indivíduo está inconsciente, porém respirando, a posição de recuperação – decúbito late-


ral – deve ser usada. Se não estiver respirando, ventilações de resgate são essenciais. Diferen-
temente da parada cardíaca primária, o afogamento pode levar a padrão de gasping ou apneia,
enquanto há batimento cardíaco, e o indivíduo pode necessitar somente de ventilações.

Parada cardíaca em situações de afogamento acontece primariamente devido a falta de


oxigênio. Por essa razão, deve-se seguir a tradicional sequência de reanimação: via aérea,
incursões respiratórias e circulação (ABC) para a reanimação, iniciando com cinco ventila-
ções de resgate ao invés de duas, uma vez que a água nas vias aéreas pode interferir na
expansão alveolar efetiva, seguidas por 30 compressões torácicas, continuadas por duas
ventilações de resgate e 30 compressões até que sinais de recuperação apareçam, ou o
socorrista esteja exausto, ou que o suporte avançado de vida esteja disponível. Assim que
possível, oxigênio suplementar deve ser administrado de preferência sob pressão positiva e
fração inspirada de oxigênio (FiO2) 100%.
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

A complicação mais frequente durante a tentativa de ressuscitação é a regurgitação de con-


teúdo do estômago, que ocorre em mais de 65% das pessoas que requerem respirações de
resgate somente e em 86% daquelas que requerem reanimação cardiopulmonar. Esforços
para expulsar água da via aérea por meio de compressões abdominais ou posicionando a
pessoa de cabeça para baixo devem ser evitados, pois atrasam o início das ventilações e
aumentam o risco de vômito, com aumento significativo na mortalidade.

Cuidados avançados pré-hospitalar

Devido à ampla variação de apresentações clínicas em caso de afogamento, um sistema


de classificação de seis estágios pode ajudar a estratificar risco e guiar intervenções. Szpil-
man et al., após análise de 1.831 ocorrências, propuseram um fluxograma de estratificação
de gravidade, sugestão de encaminhamento e proposta de manejo clínico para paciente
adultos vítimas de afogamento (Figura 1). É recomendável, porém, que todas as vítimas
pediátricas de submersão sejam hospitalizadas ou observadas durante pelo menos 6 a 12
horas, mesmo que estejam assintomáticas na admissão ao pronto-socorro.

Um indivíduo com lesão pulmonar pode inicialmente ser capaz de manter oxigenação ade-
quada por meio de frequência respiratória anormalmente alta e ser tratado pela adminis-
tração de oxigênio por máscara facial a 15L de oxigênio por minuto. Intubação precoce e
ventilação mecânica são indicadas quando o indivíduo mostra sinais de deterioração ou
fadiga. Uma vez intubado, a maioria dos indivíduos consegue ser oxigenada e ventilada
efetivamente. Embora secreção secundária à edema pulmonar importante possa aparecer
no tubo endotraqueal, aspiração pode levar a distúrbios da oxigenação e deve ser balan-
ceada contra a necessidade de ventilação e oxigenação. Provedores de cuidados pré-hos-
pitalares devem assegurar oxigenação adequada para manter saturação arterial entre 92
e 96% enquanto a expansão torácica adequada também é assegurada. Ventilação com
pressão expiratória final positiva (PEEP) deve ser iniciada o mais rapidamente possível para
melhorar a oxigenação.

Acesso venoso periférico é a via preferencial para a administração de drogas no cenário


pré-hospitalar. Acesso intraósseo é uma via alternativa.

Se a hipotensão não for corrigida pela oxigenação, infusão rápida de cristaloide deve ser
administrada, independente de água salgada ou doce ter sido aspirada.

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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Figura 1. Esquema de estratificação de risco, sugestão de encaminhamento de pacientes e tratamento, e sobrevida, segundo grau de gravidade.
Fonte Szpilman D. Near-drowning and drowning classification: a proposal to stratify mortality based on the analysis of 1,831 cases. Chest.

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1997;112(3):660-5.

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Capítulo 30 | Afogamento
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Avaliação e tratamento no hospital

A IOT é indicada tão logo seja possível, caso haja persistência de apneia, hipoventilação ou
de desconforto respiratório, assim como se houver instabilidade hemodinâmica ou rebaixa-
mento do nível de consciência. Em pacientes com edema pulmonar importante ou aspira-
ção, a aplicação de PEEP é fundamental, e diuréticos devem ser evitados.

Concomitantemente, deve-se avaliar o estado cardiovascular da criança, com avaliação de


frequência e ritmo cardíacos, pressão arterial, temperatura e perfusão de órgãos. Enchi-
mento capilar lento, extremidades frias ou estado mental alterado são potenciais indicado-
res de choque. Pode ser necessária a administração de solução intravascular de um bólus
de Ringer lactato ou soro fisiológico, em alíquotas de 10 a 20mL/kg e drogas vasoativas.
Acesso venoso deve ser obtido tão rapidamente quanto possível; a colocação de cateter
intraósseo muitas vezes configura-se como medida salvadora.

A epinefrina em geral é a droga inicial de escolha, e pode ser administrada via endotraqueal
caso nenhum acesso intravenoso esteja disponível; deve ser titulada para pressão arterial
e perfusão.

Em crianças com parada cardíaca após submersão, o primeiro ritmo registrado é assistolia
em 55%, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular em 29% e bradicardia em 16%.
Para os casos de fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) sem pulso, a des-
fibrilação elétrica (inicialmente 2J/kg seguida por 4J/kg) é necessária.

Uma vez que a via aérea esteja garantida, a oxigenação tenha sido otimizada, a circulação
estabilizada e uma sonda nasogástrica inserida, isolamento térmico deve ser instituído. Isso
deve ser seguido pelo exame físico, raio X de tórax e gasometria arterial. A acidose meta-
bólica ocorre na maioria dos pacientes e é geralmente corrigida pelo esforço espontâneo do
paciente para aumentar o volume/ventilação minuto, ou pelo aumento de volume minuto,
ou do pico de pressão inspiratória (~35cmH2O) no ventilador. Uso de bicarbonato de sódio
de rotina não é recomendado. Devem-se obter informações sobre o resgate, as atividades
de reanimação e as comorbidades prévias. O afogamento pode ser desencadeado por uma
lesão ou condição médica, como trauma, convulsões ou arritmia cardíaca, e tais condições
podem afetar decisões quanto o tratamento.

Se a pessoa permanece arresponsiva sem uma causa óbvia, investigação toxicológica e


tomografia computadorizada da cabeça e cervical devem ser realizadas.
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Na unidade de terapia intensiva

Todos os pacientes admitidos na UTI devem ter uma monitorização da frequência cardíaca,
oximetria de pulso, medida regular da pressão arterial sistêmica e a realização de um eletro-
cardiograma. Deve-se ter a medida do débito urinário e da pressão venosa central, e monito-
rizar a função renal e os níveis de enzima cardíaca e muscular. Os suportes pulmonar, cardio-
vascular e neurológico são prioritários, assim como o controle da temperatura e da glicemia.

Suporte pulmonar

Todas as crianças devem ser observadas em relação à progressão ou não da insuficiência


respiratória. Hipóxia refratária, piora da hipercapnia ou aumento do trabalho respiratório
indicam a necessidade de intubação traqueal e suporte ventilatório.

Na UTI, o suporte ao paciente vítima de afogamento é semelhante ao necessário a pacien-


tes com SDRA, e as diretrizes para o tratamento da SDRA devem ser seguidas. O volume
corrente e a frequência respiratória devem inicialmente objetivar PaCO2 35 a 40mmHg de
forma a proteger da lesão pulmonar, e a hiperventilação aguda ou agressiva são prejudiciais.
A PEEP inicial pode ser em torno de 5, com aumentos progressivos conforme necessidade.
O edema pulmonar após afogamento ocorre devido à SDRA e não por sobrecarga fluídica;
dessa forma, deve ser tratado com PEEP e não diuréticos, já que, em geral, esses pacientes
são hipovolêmicos e talvez requeiram ressuscitação fluídica isotônica.

Uma vez que a lesão pulmonar é causada por uma agressão temporária e localizada, os pacien-
tes com desconforto respiratório secundário a um episódio de afogamento tendem a se recu-
perar mais rapidamente que os pacientes com SDRA, e sequelas pulmonares tardias são raras.

É aconselhável não iniciar o desmame da ventilação mecânica antes de 24 horas, mesmo


que a troca gasosa pareça estar adequada (PaO2/FiO2 > 250), pois a lesão pulmonar local
pode não ter se resolvido suficientemente e o edema pulmonar pode recorrer com necessi-
dade de reintubação e aumento do tempo de internação e morbidade. Há pouca evidência
relacionada ao uso do glicocorticoide para redução da lesão pulmonar; talvez ele tenha um
efeito benéfico para o broncoespasmo, mas deve ser considerado somente após falha de
broncodilatadores. Terapêuticas experimentais podem ser utilizadas como administração
de surfactante exógeno e óxido nítrico inalatório.

A pneumonia é frequentemente diagnosticada erroneamente na fase inicial devido ao apa-


recimento precoce de água nos pulmões. Numa série de casos hospitalizados, somente
12% dos indivíduos resgatados de afogamento tiveram pneumonia e necessitaram de tra-
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

tamento com antibióticos. A administração profilática de antibióticos tende a selecionar


bactérias mais agressivas e resistentes. É mais indicada a monitorização diária de febre,
leucocitose mantida, infiltrado pulmonar novo ou persistente, e cultura de secreção traqueal
de aspirados diários. A broncoscopia tem sua indicação para monitorização em pacientes
selecionados quanto à infecção pulmonar e, em raras ocasiões, para limpeza terapêutica
de rolhas de secreção ou de material sólido. A associação de pneumonia após afogamento
adiciona uma taxa maior de mortalidade. Contudo a utilização profilática de antibiótico não
provou ser benéfica. Quando há evidência clínica de infecção, deve-se iniciar imediatamen-
te uma cobertura antibiótica de amplo espectro e fazer coleta de material para culturas –
sangue e aspirado traqueal.

O início precoce de pneumonia pode ser devido à aspiração de água contaminada/ poluída,
de flora endógena ou de conteúdo gástrico. Aspiração de água de piscina raramente resulta
em pneumonia. O risco de pneumonia aumenta com a ventilação mecânica prolongada e
pode ser detectada entre o terceiro e quarto dias de internação, quando o edema pulmonar
praticamente se resolveu. Pneumonia é frequentemente relacionada a patógenos nosoco-
miais; uma vez feito o diagnóstico, terapia empírica com antibioticoterapia de amplo espec-
tro com cobertura para Gram positivo e Gram negativo mais prováveis deve ser instituída, e
a terapia definitiva instituída, uma vez que os resultados das culturas e testes de sensibilida-
de estejam disponíveis. Infecções por fungos e anaeróbios devem ser consideradas, porém
pode-se aguardar resultado das culturas para cobertura.

Em alguns pacientes, a deterioração da função pulmonar é tão grave que leva à necessi-
dade do uso de membrana de oxigenação extracorpórea para oxigenação adequada. Para
esses pacientes criticamente doentes, surfactante artificial, óxido nítrico inalatório e ventila-
ção parcialmente líquida com perfluorocarbonos estão sob estudo, porém nenhum desses
tratamentos pode ser recomendado no momento.

Suporte cardiovascular

Na maioria dos indivíduos que foram resgatados de situações de afogamento, a circulação


adequa-se após oxigenação, infusão rápida de cristaloides e restauração da temperatura
corporal normal. Não há evidência que favoreça o uso de fluidoterapia específica, diuréticos
ou restrição hídrica em indivíduos que tenham sido resgatados de afogamento em água
salgada ou doce.

O objetivo do suporte cardiovascular é manter o fornecimento adequado de oxigênio. Trata-


mento inclui ressuscitação fluídica adequada e suporte inotrópico, caso a função cardíaca
esteja alterada. Pode ser necessária a monitorização hemodinâmica invasiva para o manejo
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

correto da falência cardiovascular, com cateter de artéria pulmonar ou sistemas de medida


contínua de débito cardíaco, pela análise do contorno de pulsos arterial. Se a reposição
volumétrica com a infusão de cristaloide falhar para restaurar a adequação hemodinâmica,
o ecocardiograma pode ajudar a informar decisões quanto ao uso de agentes inotrópicos,
vasopressores ou ambos.

Suporte neurológico

Caso a escala de coma de Glasgow seja menor que 8 ou haja convulsões, realizar a intu-
bação orotraqueal (IOT) para proteção de via aérea e instituição de ventilação mecânica,
mantendo o paciente com uma hiperventilação leve, com PaCO2 entre 30 a 35mmHg nos
pacientes com evidência de edema cerebral.

Sequelas neurológicas permanentes são o desfecho mais preocupante em indivíduos que


foram reanimados após episódio de afogamento. Pacientes comatosos ou com deteriora-
ção neurológica devem ser submetidos a avaliação e cuidados intensivos; os objetivos são
atingir valores normais para glicose, PaO2 e dióxido de carbono, e evitar quaisquer situa-
ções que aumentem o metabolismo cerebral. Hipotermia induzida com temperatura central
mantida entre 32º a 34ºC por 24 horas pode ser neuroprotetor.

A terapêutica do edema cerebral inclui avaliação e tratamento da PIC, mas as medidas mais
importantes na UTI são dirigidas para prevenir a lesão cerebral secundária, devido a hipó-
xia, acidose, hipotensão, hipertermia, hiperglicemia, convulsão não controlada e sobrecarga
de volume. O tratamento deve incluir a correção de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido bá-
sicos, manutenção da normotermia e glicemia em valores normais.

Controle agressivo das convulsões para diminuir o consumo cerebral de oxigênio deve ser
realizado, e a fenitoína é o anticonvulsivante de escolha; se sinais hipertensão intracraniana,
são recomendados hiperventilação leve, elevação da cabeceira a 30º e sedação adequada.

Controle da temperatura

Em alguns casos, hipotermia reflete um período de submersão prolongado e um prognósti-


co reservado. Por outro lado, em alguns casos, a hipotermia precoce é um fator importante
pelo qual sobreviver sem sequelas neurológica é possível. Relatos recentes mostram desfe-
chos favoráveis com a indução terapêutica de hipotermia após a reanimação, apesar de um
prognóstico predito ruim. O paradoxo da reanimação após afogamento é que um indivíduo
hipotérmico necessita ser aquecido inicialmente para ser efetivamente reanimado mas, então,
talvez se beneficie da hipotermia terapêutica induzida após a reanimação bem-sucedida.
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Capítulo 30 | Afogamento
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Controle da glicemia

A avaliação da glicemia deve ser feita no local do afogamento e monitorada regularmente,


com objetivo de manter a normoglicemia, uma vez que tanto a hiperglicemia quanto a hipo-
glicemia são consideradas prejudiciais ao cérebro lesionado.

As soluções que não contêm dextrose devem ser administradas inicialmente na maioria
das situações, com avaliações repetidas da glicemia sérica, a fim de evitar hipoglicemia
não reconhecida. Em caso de hipoglicemia, 0,5 a 1g/kg de dextrose intravenosa deve ser
administrada como solução a 10 ou 25% no máximo, e a infusão contínua de solução que
mantenha a normoglicemia deve ser instituída.

Embora alguns dados sugiram que a correção da hiperglicemia com insulina traga benefí-
cios, seu uso após eventos pediátricos hipóxico isquêmicos ainda não pode ser recomen-
dado. Na fase de manutenção, em pacientes com concentração sérica de glicose normal,
deve-se reiniciar a administração adequada de líquidos de manutenção com dextrose por
infusão contínua com o objetivo de manter a normoglicemia.

Outras complicações

Uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica após reanimação tem sido reportada em
indivíduos que foram salvos de afogamento, porém isso não deve ser erroneamente inter-
pretado como infecção.

Sepse e coagulação intravascular disseminada são complicações possíveis nas primeiras


72 horas pós-reanimação. Insuficiência ou falência renal é rara, porém podem ocorrer como
resultado de anóxia, choque, mioglobinúria ou hemoglobinúria.

Prognóstico

As circunstâncias do incidente, a duração da submersão, a velocidade do salvamento e a


eficácia dos esforços de ressuscitação são os principais determinantes da evolução clínica
e da recuperação de uma vítima de submersão.

Avaliação inicial e ressuscitação


A ressuscitação cardiopulmonar realizada por testemunhas é feita em apenas 40 a 60%
dos afogamentos. Nas vítimas de afogamento que recebem ressuscitação cardiopulmonar
realizada por testemunha, 50 a 80% sobrevivem à alta hospitalar; esses pacientes frequen-
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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

temente não têm parada cardíaca prolongada e a maioria responde rapidamente aos esfor-
ços de ressuscitação, com retorno dos sinais vitais normais na chegada ao pronto-socorro.
Vários algoritmos têm sido sugeridos para prever a evolução do paciente afogado precoce-
mente na sala de emergência. O paciente mais difícil de ser estimado é aquele que chega
inconsciente na sala de emergência. Apesar de dar uma previsão adequada do prognóstico
e desfecho de um grupo de pacientes, esses algoritmos não são totalmente acurados, pois
paciente julgados com mau prognóstico na avaliação inicial podem evoluir sem sequelas,
assim como o oposto.

Pacientes hospitalizados após afogamento tendem a ter prognósticos ou muito bons (sem
nenhuma sequela) ou muito ruins (morte ou sequelas neurológicas graves), com poucos
evoluindo para estados intermediários. Pacientes com tempo total de submersão menor
que 5 minutos têm chance de 91% de sobrevida sem sequelas neurológicas e 87% dos
pacientes têm alta na mesma condição com ressuscitação cardiopulmonar menor que 10
minutos. Já pacientes com submersão maior que 10 minutos e ressuscitação maior que 25
minutos tiveram sequelas neurológicas graves em 93% e 100% dos casos, respectivamen-
te. Nesse estudo, todas as crianças com submersão maior que 25 minutos foram a óbito.

A avaliação da escala de coma de Glasgow tem uso limitado na predição de recuperação.


Enquanto escores Glasgow menores que 6 na admissão tendem a boas respostas, os me-
nores que 5 tendem a ter prognóstico pior.

A avaliação da progressão neurológica nas primeiras 48 a 72 horas após admissão parece


ter correlação melhor com o prognóstico neurológico da criança que a escala de coma de
Glasgow na admissão. Crianças que recuperam nível de consciência nas primeiras 48 horas
após a admissão tendem a ter poucas sequelas neurológicas quando comparadas àquelas
que não recuperam nível de consciência.

Alguns estudos na faixa etária pediátrica usaram o PRISM (Pediatric Risk of Mortality Score)
para guiar prognóstico e tratamento de vítimas de afogamentos. PRISM menor que 8 pode-
ria ter alta poucas horas após admissão. Valores abaixo de 16 (representa uma mortalidade
de 16% em uma UTI geral) sobreviveram sem nenhuma sequela. Paciente com valores
acima de 24 tiveram 100% de desfechos desfavoráveis (sequelas neurológicas graves ou
óbito). PRISM entre 17 a 23 tinha desfecho desfavorável em 33% dos casos.

Com a melhora das técnicas ventilatórias e o manejo intensivo, o dano pulmonar pode ser
tratado com sucesso na maioria dos pacientes. No entanto, estima-se que o prognóstico
neurológico é reservado se o paciente se apresenta comatoso ao departamento de emer-
gência; variáveis como idade, tempo de submersão, pH sérico e temperatura corporal não
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

se mostraram como indicadores confiáveis de prognóstico. A necessidade de reanimação


cardiopulmonar continuada no hospital, parada cardiorrespiratória superior a 25 minutos,
pupilas fixas e dilatadas, convulsões, escala de coma de Glasgow menor ou igual a 5, ‘fla-
cidez’ e fluxo sanguíneo cerebral reduzido na ausência de hipotermia também significam
prognóstico reservado. A hipotermia influencia no desfecho favoravelmente mesmo após
submersão prolongada, contudo não é garantia de ausência de sequela neurológica.

Prevenção
Devido às trágicas consequências ao paciente afogado, estratégias efetivas de prevenção
são os principais instrumentos, com impacto em mortalidade e morbidade a longo prazo. O
médico tem fator essencial na informação e auxílio para que tais medidas sejam implanta-
das. Em 2010 a American Academy of Pediatrics (AAP) lançou dois artigos com recomen-
dações sobre prevenção (Quadro 1). Outras iniciativas foram realizadas para prevenção de
afogamentos, como a World Conference on Drowning Prevention, em 2011, em que um co-
mitê aprovou 16 frases de impacto sobre “segurança própria” e “segurança do outro” com
o objetivo de diminuir os afogamentos em atividades aquáticas recreacionais a céu aberto.

Quadro 1. Medidas preventivas contra afogamento

• Colocação de cercas de isolamento para piscinas residenciais


• Supervisão das crianças em atividades aquáticas por adultos sóbrios responsáveis
• Remoção de brinquedos da área da piscina após nadar
• Não utilizar coberturas flexíveis para piscina
• Utilizar alarmes de portas, alarmes de piscina ou travas automáticas de portas
• Realizar projetos ambientais de instalações aquáticas que incluam boias, dispositivos salva
vidas e marcadores que delimitem áreas para natação
• Uso de dispositivos de flutuação pessoal por adultos e crianças
• Nadar somente em locais com salva vidas treinados
• Saber as condições climáticas e previsão meteorológica do local antes de sair de barco
ou nadar
• Pacientes e pais devem receber orientações preventivas com relação a afogamento durante
consultas médicas
• Aulas de natação para crianças maiores de 4 anos
• Pais e adolescentes devem receber instruções de reanimação cardiopulmonar
• Adolescentes devem ser orientados quanto ao aumento do risco de afogamento associado ao
uso de álcool e drogas
• Pediatras devem receber orientações formais sobre prevenção de afogamento durante seu
treinamento na residência

Fonte: American Academy of Pediatrics


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Capítulo 30 | Afogamento
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Messages to take home

• Os afogamentos são classificados somente em afogamento fatal e não fatal, e


nomenclaturas como “quase afogamento”, “afogamento primário” e “afogamento
secundário”, entre outras, não devem ser utilizadas

• Faixas etárias diferentes são suscetíveis a diferentes fatores de risco e medidas de


prevenção devem ser individualmente pensadas para cada situação

• A lesão tecidual ocorre por hipóxia mantida, posteriormente agravada pela isquemia e,
após a ressuscitação, pela reperfusão tecidual

• À admissão na UTI, os pacientes devem ser mantidos sob monitorização de sinais vitais
e o tratamento baseia-se no suporte e tratamento das complicações; a otimização do
prognóstico neurológico deve ser um dos pilares do manejo clínico

• Apesar de diversos fatores estarem associados a mau prognóstico, não há critério


conhecido definidor de desfecho neurológico

• Estratégias de prevenção de afogamento são, até o momento, as intervenções com


maior impacto em mortalidade e morbidade a longo prazo.

Bibliografia

Szpilman D, Bierens JJ, Handley AJ, Orlowski JP. Drowning. N Engl J Med.
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Capítulo 30 | Afogamento
Camip

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Intoxicações Agudas
Capítulo 31 | Intoxicações agudas
31
Capítulo 31
Intoxicações agudas

Sergio Massaru Horita


Sergio Massaru Horita
Caso clínico

Adolescente de 14 anos é encontrada pelos pais em seu quarto extremamente sonolenta,


vomitando grânulos escuros, com respiração ruidosa e perda fecal e urinária. Pais relatam
problemas familiares com história de briga com namorado há 1 dia. A adolescente estava
sozinha em seu quarto há cerca de 2 horas. Ao exame físico a paciente se encontra coma-
tosa, vômitos repetidos, pupilas mióticas, taquidispneica, com salivação intensa, ausculta
pulmonar com broncospasmo e roncos intensos.

Perguntas

1. Em qual síndrome toxicológica esse caso se enquadra?

2. Existe indicação de lavagem gástrica e de carvão ativado?

3. Qual o antídoto indicado?

4. Qual a conduta após a resolução do quadro de intoxicação?

Apresentação

As intoxicações permanecem como causa frequente de atendimento em pronto-socorro


pediátrico. Em 2011, nos Estados Unidos, foram relatados 2.334.0042 casos de exposição
a substâncias tóxicas, sendo 26,4% dos casos tratados em uma unidade de saúde. Ocor-
reram em casa 93,2% dos casos. Embora mais de 50% dos relatos tenham sido de crian-
ças menores de 6 anos, elas foram responsáveis por somente 1,5% das fatalidades. As
substâncias mais frequentemente envolvidas nessa faixa etária foram produtos de cuidados
pessoais, analgésicos e substâncias domiciliares de limpeza. Em adolescentes, 23,75%
das intoxicações foram intencionais.

O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) coletou dados de


21 centros de intoxicação no Brasil em 2010, com registro de 96.238 casos de intoxicação.
Ocorreram em crianças abaixo de 5 anos 22,4% dos casos, responsáveis por 10,2% dos
440 óbitos (foram inclusos casos de picadas por animais peçonhentos). As substâncias
envolvidas mais frequentemente nessa faixa etária foram medicamentos, produtos domis-
sanitários e produtos químicos industriais.
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

Diagnóstico

As intoxicações se constituem em eterno desafio para o pediatra, pois nem sempre a histó-
ria é clara e são inúmeros os produtos tóxicos e os consequentes quadros clínicos.

Intoxicação deve sempre ser aventada em crianças com alterações de nível de consciência,
convulsões, comprometimento hemodinâmico ou respiratório ou distúrbios metabólicos
sem causa claramente definida.

Os responsáveis ou acompanhantes devem ser questionados sobre a acessibilidade de


substâncias tóxicas no domicílio ou sobre onde a criança esteve presente nas horas prece-
dentes. Antecedentes patológicos e de uso de medicamentos pela criança e pelos familia-
res devem ser investigados. Quando o tóxico é conhecido, devem ser questionados sobre
a quantidade ingerida, o tempo decorrido da ingestão, se ela foi acidental ou intencional, e
se pode haver outra substância envolvida. Em caso de escolares, o uso de drogas de abuso
deve ser descartado.

O exame físico completo pode sugerir o agente etiológico da intoxicação. Deve-se procurar
por alterações de pele (temperatura, cor, odor e estado de hidratação), boca (hálito, lesões
mucosas e salivação), olhos (conjuntivas, pupilas e movimentos oculares externos), sistema
nervoso (nível de consciência, escala de coma e tônus muscular), cardiocirculatório (fre-
quência e ritmo cardíacos, perfusão periférica e pressão arterial) e respiratório (frequência
respiratória e ausculta).

O Quadro 1 mostra as principais manifestações clínicas das intoxicações, correlacionan-


do-as com as substâncias.

Quadro 1. Manifestações clínicas das intoxicações

Pele

Cianose não res-


ponsiva a oxigênio Nitratos, nitritos, fenacetina, benzocaína e sulfonas
(metemoglobinemia)

Vermelhidão Monóxido de carbono, cianeto, ácido bórico e anticolinérgicos

Sudorese Anfetaminas, LSD, cocaína, organofosforados e barbitúricos

Pele seca Anticolinérgicos

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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Bolhas Barbitúricos e monóxido de carbono

Icterícia Acetaminofen, cogumelos, tetracloreto de carbono, ferro e fósforo

Púrpura Aspirina, dicumarínicos e picada de cobra

Temperatura

Hipnóticos sedativos, etanol, monóxido de carbono, fenotiazínicos,


Hipotermia
antidepressivos tricíclicos e clonidina

Anticolinérgicos, salicilatos, fenotiazínicos, antidepressivos tricíclicos,


Hipertermia
cocaína, anfetaminas e teofilina

Pressão arterial

Hipertensão Simpatomiméticos, organofosforados, anfetaminas e penciclidina

Narcóticos, hipnóticos sedativos, antidepressivos tricíclicos, fenotiazinicos,


Hipotensão
clonidina, betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio

Frequência cardíaca

Digitálicos, hipnóticos sedativos e betabloqueadores e bloqueadores de


Bradicardia
canais de cálcio

Anticolinérgicos, simpatomiméticos, anfetaminas, álcool, aspirinas,


Taquicardia
teofilina, cocaínas e antidepressivos tricíclicos

Anticolinérgicos, antidepressivos tricíclicos, organofosforados, cianeto,


Arritmias
teofilina, fenotiazínicos, digitálicos, betabloqueadores e monóxido de carbono

Membranas mucosas

Secas Anticolinérgicos

Salivação Organofosforados e carbamatos

Lesões orais Corrosivos

Lacrimejamento Cáusticos, organofosforados e gases irritantes

Respiração

Deprimida Álcool, narcóticos, barbitúricos e hinóticos sedativos

Taquipneia Salicilatos, anfetaminas e monóxido de carbono

Kussmaul Metanol, etilenoglicol e salicilatos

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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

Sibilância Organofosforados

Pneumonia Hidrocarbonetos

Edema pulmonar Aspiração, salicilatos, narcóticos e simpatomiméticos

Sistema nervoso central

Antidepressivos tricíclicos, cocaína, fenotiazínicos, anfetaminas, cânfora, anti-


Convulsões
histamínicos, chumbo, salicilatos, isoniazida, organofosforados e estricnina

Narcóticos ( com exceção de meperidina e loperamida), barbitúricos


Miose
fenotiazínicos, organofosforados, diazepam e cogumelos

Anticolinérgicos, simpatomiméticos, cocaína, antidepressivos tricíclicos,


Midríase
metanol e LSD

Fasciculação Organofosforados

Difenilhidantoína, barbitúricos, carbamazepina, penciclidina, monóxido de


Nistagmo
carbono e etanol

Hipertonia Anticolinérgicos, fenotiazínicos e estricnina

Mioclonus/
Anticolinérgicos, fenotiazínicos e haloperidol
rigidez

Anticolinérgicos, fenotiazínicos, simpatomiméticos, metaqualona, álcool,


Delírio/psicose
penciclidina, LSD, maconha, cocaína, heroína e metais pesados

Álcool, anticolinérgicos, hipnóticos sedativos, organofosforados, narcóticos,


Coma
monóxido de carbono, antidepressivos tricíclicos, salicilatos e barbitúricos

Hipotonia/
Organofosforados, carbamatos e metais pesados
paralisia

Sistema gastrintestinal

Vômitos/diarreia/ Ferro, fósforo, metais pesados, lítio, cogumelos, fluoreto, organofosforados


dor e arsênico

Fonte: Cantwell GP, Weisman RS. Poisoning. In: Roger’s Handbook of Pediatric Intensive Care. 4th ed.
Philadelphia: Lippincot Willams & Wilkins: 2009. p. 73-88.

Sinais e sintomas que sugerem intoxicações específicas são agrupadas e classificadas


como “toxíndromes” ou síndromes toxicológicas, auxiliando na identificação da possível
substância tóxica. O Quadro 2 mostra as principais “toxíndromes”.
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 2. Síndromes toxicológicas (toxíndromes)

Sintomas Substâncias

Atropina, anti-histamínicos,
Boca seca, rubor facial,
antiparkinsonianos,
desorientação, íleo paralítico,
Anticolinérgica antidepressivos tricíclicos,
hipertermia, retenção urinária,
antiespasmódicos, midriáticos,
taquicardia e midríase
plantas da família das solanáceas

Sudorese, lacrimejamento,
salivação, aumento das Organofosforados, inseticidas,
Anticolinesterásica secreções brônquicas, miose, carbamatos, fisostigmina e
bradicardia, fasciculações algumas espécies de cogumelos
musculares

Depressão respiratória,
depressão neurológica, miose, Derivados opiáceos, loperamida
Narcótica
bradicardia, hipotensão e e difenoxilato
hiporreflexia

Depressão neurológica
(sonolência, torpor e coma) Barbitúricos, benzodiazepínicos
Depressiva
depressão respiratória, cianose, e etanol
hiporreflexia e hipotensão

Midríase, hiperrreflexia,
Cocaína, anfetamínicos,
distúrbios psíquicos, hipertensão,
Simpatomimética descongestionantes nasais,
taquicardia, piloereção,
cafeína e teofilina
hipertermia e sudorese

Distúrbio de equilíbrio, de
movimentação, hipertonia, Fenotiazínicos, butirofenonas,
Extrapiramidal distonia orofacial, mioclonias, lítio, metoclopramida e
trismo, opistótono e fenciclidina
parkinsonismo

Acetanilida, azul de metileno,


Cianose de pele e de mucosas, dapsona, doxorrubicina,
Metemoglobinemia confusão mental e depressão fenazopiridina, nitratos,
neurológica nitrofurantoína, piridina,
sulfametoxazol e sulfonas

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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

A “toxíndrome” narcótica resulta da estimulação de receptores opioides por opioides na-


turais, como morfina e codeína, ou por opioides sintéticos como oxicodona, hidromorfona,
tramadol e fentanil. É caracterizada pela tríade depressão respiratória, miose e diminuição
da consciência. A miose pode não estar presente na intoxicação por tramadol ou meperidi-
na ou em intoxicações mistas. Bradicardia, hipotensão e hipotermia são comuns. Diminui-
ção do peristaltismo intestinal e retenção vesical podem acontecer. Propoxifeno, meperidi-
na e tramadol podem causar convulsões. A infusão rápida de fentanil em altas doses pode
causar rigidez torácica com comprometimento da ventilação.

A “toxíndrome” depressiva se caracteriza por depressão neurológica, com sonolência, torpor


e coma, e por depressão respiratória, com cianose e apneia nos casos mais graves. É cau-
sada por benzodiazepínicos, barbitúricos, carisoprodol, hidrato de cloral, etanol e baclofen.

A “toxíndrome” simpatomimética é causada por estimulantes, como cocaína, metanfeta-


mina e cafeína, e medicações como pseudoefedrina e metilfenidato. É caracterizada por
taquicardia, hipertensão, taquipneia, hipertermia, excitação e diaforese.

A “toxíndrome” colinérgica é causada por classes diferentes de medicações, incluindo an-


ti-histamínicos, antiespasmódicos, midriáticos, antidepressivos e antiparkinsonianos. A
progressão e a severidade dos efeitos colinérgicos estão relacionados à dose. Em doses
pequenas, ocorre secura de mucosa oral e da pele, em doses moderadas ocorrem anidro-
se, midríase e taquicardia. Em doses maiores, efeitos anticolinérgicos centrais aparecem,
incluindo ataxia, agitação, delírio e coma.

As “toxíndromes” anticolinérgica e a simpatomimética compartilham sinais comuns, como


taquicardia, midríase, retenção urinária e hipertermia. Detalhes como pele seca e quente e
peristaltismo diminuído na toxíndrome anticolinérgica, pele sudoreica e fria, e peristatismo
exacerbado na toxíndrome simpatomimética permitem a diferenciação.

A “toxíndrome” anticolinesterásica ou colinérgica é causada pela ingestão de inseticidas


organofosforados ou carbamatos, fisostigmina ou de algumas espécies de cogumelos. Ca-
racteriza-se por sudorese, lacrimejamento, salivação, aumento de secreções brônquicas,
e incontinência fecal e urinária. Bradicardia, broncospasmo, secreção brônquica intensa e
hipotensão são sinais de gravidade e demandam tratamento imediato com atropina. A esti-
mulação nicotínica leva a fasciculações e à fraqueza muscular com insuficiência ventilatória.

A “toxíndrome” extrapiramidal é causada por fenotiazínicos, butirofenonas e lítio. A meto-


clopramida merece especial atenção como causadora dessa “toxíndrome”.

Mesmo em doses terapêuticas, a metoclopramida pode determinar, em crianças, quadro


aparentemente dramático, caracterizado por distúrbio de equilíbrio e movimentação, hi-
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

pertonia com presença do sinal da roda denteada, distonia orofacial com desvio lateral da
cabeça e desvio ocular, trisma e opistótono, porém com a consciência preservada.
A metemoglobinemia se caracteriza por cianose não responsiva ao oxigênio, sem sinais evi-
dentes de desconforto respiratório. Em casos graves, ocorrem confusão mental e depressão
neurológica. É causada por azul de metileno, anilina, nitrato, nitrofurantoína, piridina e sulfas.

Abordagem inicial da criança intoxicada


Como em toda emergência, a manutenção da permeabilidade das vias aéreas, da respira-
ção e da circulação é prioritária. A monitorização da frequência cardíaca, da pressão arterial,
da saturação de oxigênio e da glicemia capilar deve ser prontamente instituída. Intubação
pode ser necessária em situações como respiração irregular por depressores do sistema
nervoso central, desconforto respiratório por inalação de gases tóxicos ou broncoaspira-
ção, lesão de vias aéreas por cáusticos ou necessidade de lavagem gástrica. A hipotensão
deve ser rapidamente corrigida com expansão com soro fisiológico, antídotos específicos
podem ser necessários na intoxicação por betabloqueadores, bloqueadores de canais de
cálcio ou digoxina. Se não houver resposta ao volume, drogas vasoativas são utilizadas. A
dopamina geralmente não é efetiva nas intoxicações. Adrenalina e dobutamina são mais
efetivas quando há depressão miocárdica induzida pela toxina. A hipoglicemia deve ser
prontamente corrigida. Convulsões devem ser controladas inicialmente com uso de ben-
zodiazepínicos. Difenil-hidantoína deve ser evitada nos casos de intoxicação, pois pode
exacerbar efeito arritmogênico e depressor do miocárdico de algumas substâncias tóxicas.

A coleta de exames deve englobar eletrólitos, glicemia, gasometria com cálculo do ânion
gap, lactato, função hepática com coagulograma e função renal. Nível sérico específico
pode ser útil nos casos de intoxicação por acetaminofen, digoxina, anticonvulsivantes, ferro
sérico, salicilato, monóxido de carbono, teofilina e para metemoglobinemia.

Medidas para diminuir a exposição ao tóxico incluem lavagem da pele e dos olhos, quando
afetados, lavagem gástrica, administração de carvão ativado e irrigação intestinal.

A lavagem gástrica não deve ser utilizada de maneira rotineira. Estudos experimentais e clí-
nicos demonstraram eficácia duvidosa. A indicação da lavagem gástrica estaria reservada
para ingestão de substâncias extremamente tóxicas, com risco grande de vida, até 1 hora
após ingestão.

A lavagem gástrica está contraindicada quando houver perda dos reflexos de vias aéreas
superiores (a não ser que o paciente esteja intubado), ingestão de cáusticos, ingestão de
hidrocarbonetos ou risco de sangramento digestivo por doença subjacente. A técnica con-
siste na passagem de sonda nasogástrica calibrosa e, com o paciente em decúbito lateral
esquerdo, realizar a lavagem em alíquotas de 10mL/kg de soro fisiológico (adolescentes
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

200 a 300mL) até se obter líquido drenado claro. Complicações importantes incluem hipó-
xia, disritmias, laringospasmo e perfuração do trato gastrintestinal.

A administração de carvão ativado 1g/kg (máximo de 50g) tem sua eficácia maior quando
feita até 1 hora após a ingestão. É ineficaz para adsorção de ferro, álcool, pesticidas e hidro-
carbonetos. Para evitar o risco de aspiração deve ser feita somente em crianças com vias
aéreas protegidas. Doses múltiplas de carvão ativado podem ser benéficas na ingestão de
fenobarbital, teofilina e carbamazepina.

A irrigação intestinal é feita com polietilenoglicol administrado por via oral ou por sonda
gástrica, até que o efluente retal esteja claro. Teria sua eficácia na ingestão de ferro, metais
pesados, comprimidos de liberação lenta ou entérica e pacotes de drogas ilícitas.

Métodos para aumentar a eliminação dos tóxicos incluem alcalinização urinária, hemodiá-
lise e hemoperfusão. A alcalinização urinária, por meio da manutenção do pH urinário em
torno de 7,5, é utilizada na intoxicação por ácidos fracos como salicilatos e barbitúricos.

A hemodiálise deve ser considerada nas intoxicações graves quando há benefício clínico
com a remoção mais rápida do tóxico em relação à eliminação natural, quando há uma clara
relação entre concentração sérica e toxicidade e quando a toxina pode ser retirada em gran-
de quantidade com o método. As toxinas altamente dialisáveis geralmente têm baixo peso
molecular, não se ligam à proteínas de maneira significativa e têm baixo volume de distribui-
ção. Essas características estão presentes nas toxinas responsáveis pelas indicações mais
frequentes de hemodiálise: salicilato, álcoois, lítio e teofilina. Outras toxinas que podem ser
removidas por hemodiálise com são ácido valproico, barbitúricos e metotrexato. A hemofil-
tração contínua tem taxa de remoção da toxina menor e pode ser utilizada no paciente com
instabilidade hemodinâmica, que não tolera a hemodiálise. A hemoperfusão é uma opção à
hemodiálise e é eficaz para intoxicação por teofilina, carbamazepina e ácido valproico.

A infusão de emulsão lipídica está sendo estudada como tratamento de pacientes hemo-
dinamicamente instáveis intoxicados por medicações lipofílicas. A dose é de 1,5mL/kg de
emulsão lipídica a 20% em 1 minuto, podendo ser repetida em 5 minutos. Esse tratamento
tem sido utilizado em intoxicações graves por verapamil, betabloqueadores, antidepressi-
vos tricíclicos e bupivacaína.

O contato com um Centro de Intoxicação é sempre importante por contar com profissionais
especializados e atualizados, que podem dar a melhor orientação. A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) disponibiliza o serviço Disque-Intoxicação pelo telefone 0800-
722-6001. A ligação é gratuita e interliga 35 centros presentes em 19 Estados do Brasil.
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Intoxicações mais frequentes


Acetaminofen
O acetaminofen é um analgésico presente em muitas casas e pode causar lesão hepática
importante quando ingerido em doses maiores que 150mg/kg por crianças ou maiores que
7,5g por adultos. A absorção é rápida com pico em 4 horas.

O quadro de intoxicação por acetaminofen se divide em quatro estágios. O primeiro dura


de 12 a 24 horas e cursa sem sintomas ou com sintomas leves como náusea, vômitos e
anorexia. A ausência de sintomas não é indicativa de quadro leve ou ausente. O segundo
estágio se caracteriza pela resolução dos sintomas. Com 36 horas, iniciam-se elevação de
transaminases e bilirrubinas, prolongamento do tempo de protrombina e retorno dos sin-
tomas, alcançando seu pico no terceiro estágio, por volta do terceiro ao quarto dia. Pode
ocorrer insuficiência hepática fulminante com encefalopatia e sangramentos. No quarto es-
tágio, ocorre a recuperação, em 8 a 10 dias.

O nível sérico de acetaminofen deve ser obtido 4 a 24 horas pós ingestão e comparado no
nomograma de Rumak-Mathew (Figura 1). A correlação do nível sérico com o tempo pós-
-ingestão prediz o risco de lesão hepática e necessidade de tratamento.

Figura 1. Nomograma de Rumak-Mathew

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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
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O tratamento é feito com acetilcisteína. Pode ser administrada até 24 horas pós-ingestão,
porém tem maior efetividade se administrada nas primeiras 8 horas. Três esquemas são su-
geridos no Quadro 3. A eficácia do tratamento por via oral pode ser alterada se o paciente
recebeu carvão ativado.

Quadro 3. Tratamento da intoxicação por acetaminofen com acetilcisteína

- Dose inicial 140mg/kg


Oral (72 horas)
- 17 doses de 70mg/kg a cada 4 horas
- Dose inicial 150mg/kg em 60 minutos
Intravenosa (21 horas) - A seguir 50mg/kg em 4 horas
- A seguir 100mg/kg em 16 horas
- Dose inicial 140mg/ kg em 60 minutos
Intravenosa (48 horas)
- 12 doses de 70mg/kg em 60 minutos a cada 4 horas

Ferro

A ingestão de sais de ferro pode determinar quadros graves, conforme a quantidade ingeri-
da. A ingestão de menos de 20mg de ferro elementar por quilo cursa sem sintomatologia. Já
a quantidade de 20 a 60mg por quilo pode determinar sintomas graves. Quantidade maior
que 60mg/kg leva à intoxicação grave.

De 30 minutos a 6 horas após ingestão, surgem sintomas gastrintestinais, como vômitos,


diarreia, hematêmese ou hematoquesia. Pode ocorrer uma estabilidade latente por 12 a 24
horas. Ocorrem, então, acidose metabólica, choque, alteração hepática e renal, e hemor-
ragia pulmonar. De 2 a 6 semanas após a ingestão, podem ocorrer obstrução intestinal,
estenose pilórica e cirrose.

Lavagem gástrica e irrigação intestinal devem ser consideradas; o uso de carvão ativado é
ineficaz. Nível sérico 6 horas pós-ingestão acima de 500mcg/dL indica intoxicação grave,
demandando uso de quelante, a deferoxamina.

Cáusticos

A ingestão de cáusticos causa a lesão de gravidade variável no trato gastrintestinal. Os


cáusticos alcalinos, por causarem necrose de liquefação, levam à maior penetração e lesão
da mucosa gastrintestinal. Os cáusticos ácidos, por causarem necrose de coagulação, limi-
tam a penetração em planos profundos, levando à maior lesão do estômago.
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A criança pode apresentar lesões de mucosa oral e pele, sialorreia, disfagia, dor retroesternal,
vômitos e sangramento. Desconforto respiratório sugere lesão de vias aéreas ou aspiração pul-
monar. A ausência de lesões orais não descarta ingestão de cáusticos. A ingestão de água sa-
nitária, geralmente uma solução de hipoclorito de sódio, raramente leva a lesões importantes.

A lavagem gástrica está contraindicada. O uso de corticoides e antibiótico profilático


é controverso.

Em crianças sintomáticas, está indicada a endoscopia digestiva nas primeiras 24 horas,


para avaliação do grau das lesões, para passagem de sonda nasogástrica para alimentação
enteral e para servir de guia para possível dilatação.

A ingestão de baterias pode levar a liberação de metais pesados e substâncias cáusticas


com lesão importante de mucosa gastrointestinal. É necessário realizar radiografia pos-
teroanterior e perfil para sua localização. Está indicada endoscopia para sua retirada se a
bateria estiver no esôfago, se a bateria permanecer mais de 48 horas no estômago ou se a
criança apresentar sintomas abdominais.

Etanol
Além das bebidas alcoólicas, o etanol está presente em perfumes, produtos de limpeza,
antissépticos e colutórios. A ingestão leva a ataxia, fala arrastada, hipotensão, bradicardia,
depressão respiratória, nistagmo e coma. Nível sérico acima de 50mg/dL implica em risco
importante. A ingestão de 1g/kg de etanol eleva o nível em cerca de 100mg/dL. Níveis tó-
xicos podem ser obtidos com a ingestão de 10 a 15mL/kg de cerveja (5% de álcool) ou de
4 a 6mL de vinho (14% de álcool) ou de 1 a 2mL/kg de aguardente (40% de álcool). Lava-
gem gástrica não mostrou benefício na intoxicação por etanol. Carvão ativado é ineficaz.
O tratamento consiste na manutenção dos parâmetros vitais, correção da desidratação e
hipotensão e em controle da glicemia e dos distúrbios metabólicos.

Pesticidas
Os organofosforados e carbamatos inibem a colinesterase com consequente estimulação
colinérgica. Os carbamatos são os principais componentes do “chumbinho”, pesticida ma-
nipulado artesanalmente e vendido de maneira clandestina. A ingestão leva a sudorese,
lacrimejamento, salivação, aumento das secreções brônquicas, miose, bradicardia, fasci-
culações, tremores musculares, convulsão e coma.

A descontaminação da pele e das mucosas é importante. Lavagem gástrica pode ser reali-
zada se a ingestão for recente e se as vias aéreas estiverem protegidas. Deve se lembrar de
que os organofosforados podem ter como solvente hidrocarbonetos. Na sequência rápida
para intubação, deve se evitar o uso da succinilcolina, dando preferência ao rocurônio.
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583
Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

A reversão do quadro é feita com atropina 0,05mg/kg, dose inicial. A dose em dobro pode
ser repetida após 3 a 5 minutos. As doses são administradas até reversão dos sintomas pul-
monares, isto é, diminuição das secreções e reversão da broncoconstricção. A pralidoxima,
atualmente indisponível em nosso meio, é utilizada na intoxicação por organofosforados e
facilita a reativação da colinesterase. A dose é de 25 a 50mg/kg em 30 minutos, seguido de
infusão contínua de 10 a 20mg/kg/h.

Alguns raticidas são feitos com dicumarínicos de longa duração, antagonistas da vitamina
K. A principal sintomatologia da intoxicação é o sangramento, que pode surgir já nas primei-
ras 12 horas se a intoxicação é grave.

É necessário controle do coagulograma e administração de vitamina K parenteral se houver


sintomas ou alteração do exame.

Monóxido de carbono

O monóxido de carbono se liga a hemoglobina com afinidade 200s vezes maior que o
oxigênio, levando a um desvio para esquerda da curva de dissociação da hemoglobina.
O monóxido de carbono também se liga a citocromos (alterando metabolismo oxidativo),
mioglobina (toxicidade para músculo cardíaco e esquelético) e guanilciclase (aumento dos
níveis de óxido nítrico). Esses efeitos farmacológicos causam sintomas no sistema nervo-
so central (cefaleia, confusão, convulsão e coma), no coração (arritmia, isquemia, infarto,
assistolia) e no músculo esquelético (rabdomiólise e insuficiência renal). Níveis baixos de
carboxihemoglobina (<15%) causam sintomas leves, como náusea e cefaleia, enquanto
que níveis de 60 a 70% são fatais. A oximetria de pulso superestima a saturação arterial de
oxigênio na presença de carboxihemoglobina, portanto deve sempre ser comparada com
a gasometria arterial. O tratamento da intoxicação por monóxido de carbono se baseia na
suplementação de oxigênio e suporte cardiovascular. A meia-vida da carboxihemoglobina é
de 320 minutos em ar ambiente, de 40 a 80 minutos em 100% de oxigênio e de 20 minutos
em 100 % de oxigênio em presso de 2.5 a 3 atmosferas. A terapia com oxigênio hiperbárico
teria sua indicação na redução de sequelas neurológicas nos quadros mais graves.

Cianeto

A intoxicação por cianetos deve ser aventada em pacientes vítimas de queimadura em lo-
cais fechados e com lesão inalatória, em pacientes sob uso prolongado de nitroprussiato
de sódio ou em pacientes com sintomas após ingestão de mandioca ou de broto de bambu
pouco cozidos. O cianeto se liga ao citocromo oxidase, levando a sua inibição com prejuízo
da fosforilação oxidativa e consequente desvio do metabolismo aeróbio para o metabolismo
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584
Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

anaeróbio. Apesar da oferta normal de oxigênio para a célula, esta não consegue utilizá-lo
devido a esta hipóxia citotóxica. Surge, então, acidose metabólica com anion gap aumen-
tado às custas do lactato. O paciente apresenta alterações neurológicas (cefaleia, confu-
são, coma e convulsões), cardíacas (taquicardia e hipertensão inicialmente, depois choque),
respiratórias (taquipneia, edema pulmonar), hepática (necrose hepática), renal (insuficiência
renal progressiva ) e de pele ( cor vermelho cereja depois cianose). O antídoto preferencial
é a hidroxicobalamina, precursor da vitamina B12, que vai se ligar ao cianeto intracelular
formando cianocobalamina. A dose sugerida para crianças é de 70mg/kg e para adultos 5g.
Outra opção terapêutica é o uso de nitratos e tiossulfato com indução de metemoglobina;
esta se liga ao cianeto formando cianetometemoglobina, composto menos tóxico.

Drogas de abuso

A maconha apresenta pouca toxicidade. Os quadros agudos se caracterizam por altera-


ções comportamentais, queda da concentração e da coordenação, taquicardia, hiperten-
são, boca seca, injeção conjuntival e aumento do apetite.

A intoxicação por cocaína em crianças abaixo de 8 anos leva a sintomas respiratórios,


convulsões focais ou generalizadas. Em crianças maiores de oito anos os sintomas são se-
melhantes aos dos adultos: hipertensão, arritmias, vasoconstrição, agitação psicomotora,
midríase, hipertonia, hipertermia e dispneia. A hipertermia é um preditor de má evolução. A
hipertermia deve ser debelada com medicas físicas. O uso de benzodiazepínicos tem ação
tanto na agitação psicomotora quanto nas alterações cardiovasculares.

Anfetaminas produzem efeitos simpatomiméticos semelhantes aos da cocaína. O início dos


sintomas é gradual e tem ação mais duradoura que a cocaína. O tratamento é semelhante.

A intoxicação por opioides causa a tríade de depressão respiratória, coma e miose. A miose
pode estar ausente na intoxicação por meperidina, tramadol e Lomotil (difenoxilato + atro-
pina). A reversão do quadro é feita com a administração de naloxone, preferencialmente
endovenoso, na dose de 0,1mg/kg, dose máxima de 2mg. As doses podem ser repetidas a
cada 3 a 5 minutos. Se não houver resposta com dose cumulativa máxima de 10mg, é pou-
co provável que um opioide seja responsável pelo quadro. A meia-vida da naloxona é mais
curta que a maioria dos opioides; e a infusão contínua pode ser necessária.

O abuso de inalantes contidos em sprays, tintas, solventes e colas é frequente. Causa res-
posta excitatória inicial, seguida de depressão. Como o efeito é curto as doses costumam
ser repetidas. A evolução da intoxicação evolui em quatro estágios. O primeiro é similar à
intoxicação por organofosforados, o segundo estágio se caracteriza por depressão do sis-
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

tema nervoso central. No terceiro estágio, a depressão se acentua e, no quarto, ocorrem


coma, acidentes e traumas causados pelo comportamento de alto risco e arritmias, que
podem evoluir para óbito. O tratamento é de suporte. Avaliação pulmonar radiológica está
indicada. Betabloqueadores podem ser utilizados no tratamento das arritmias.

Bloqueadores de cálcio

A ingestão de um ou dois comprimidos de bloqueadores de cálcio pode levar à intoxica-


ção. Pode ocorrer hipotensão, diminuição da contratilidade cardíaca, arritmias, alteração de
consciência e convulsões pela hipotensão, hipoglicemia, náusea e vômitos.

O foco do tratamento é dirigido para suporte circulatório. Deve se administrar volume de


maneira judiciosa. Se não houver resposta e houver diminuição da resistência vascular, a
noradrenalina está indicada. A suplementação de cálcio deve ser testada, mas geralmente
é ineficaz. A infusão contínua em altas doses parece ter maior eficácia

A terapia euglicêmica hiperinsulinêmica está sendo utilizada precocemente para reversão


do choque. O mecanismo de ação não é claro. Consiste na infusão contínua de insulina
0,5 a 1U/kg/h associada a glicose 0,5g/kg/h , titulando-se para manter glicemia normal. Os
níveis de potássio e glicose devem ser estreitamente monitorizados.

Descongestionantes

O uso inadequado de descongestionantes nasais, geralmente nafazolina ou oximetazolina,


leva a um quadro de sedação, agitação e convulsão. A estimulação central dos receptores
alfa-2 leva a bradicardia, arritmia e depressão respiratória, chegando a apneias em lacten-
tes jovens. Geralmente, somente o tratamento de suporte é necessário.

Conclusão

A intoxicação deve ser lembrada como hipótese diagnóstica em crianças com qualquer
quadro inexplicado, de início súbito, que cursa com alteração do nível de consciência, alte-
ração hemodinâmica ou respiratória ou distúrbio metabólico. A investigação deve ser cui-
dadosa e meticulosa.

Existem 35 Centros de Informação e Assistência Toxicológica em todo território brasileiro


que fornecem informações para a população e para os médicos. A relação está disponível na
pagina da internet http://www.fiocruz.br/sinitox. O contato com estes centros permite acesso a
dados especializados e atualizados, que podem permitir uma melhor abordagem. Além disso, a
notificação de todo caso permite uma análise epidemiológica.
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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Educação dos pais na prevenção de novos acidentes é mandatória. Na suspeita de negli-


gência ou abuso, as providências legais devem ser providenciadas. Em caso de tentativa de
suicídio, é necessária internação com avaliação psiquiátrica. Nos casos de uso de drogas
de abuso, a criança deve passar por avaliação multidisciplinar especializada.

Bibliografia

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pediatric patient. Pediatr Clin North Am. 2013 Oct;60(5):1203-20.

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Capítulo 31 | Intoxicações agudas
Camip

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A Criança
Capítulo 32 | A criança politraumatizada
32
Politraumatizada
Capítulo 32
A criança politraumatizada

Clarice Peixoto de Sousa


Clarice Peixoto de Sousa
Caso clínico

Criança de 10 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, fica presa às ferragens


por cinto de segurança de três pontas. Equipe de resgate refere que a mesma apresenta-
va escala de coma de Glasgow 10 no local do trauma e que apresentou um episódio de
vômito durante o transporte. Ao chegar à emergência, apresenta-se com Glasgow de 8,
respiração espontânea, porém ruidosa, frequência cardíaca de 150bpm, pressão arterial de
80/40mmHg, tempo de enchimento capilar de 4 segundos e pulsos periféricos finos. Obser-
va-se, ainda, hematoma em parede abdominal.

Questões

1. Descreva o tratamento inicial a essa criança vítima de politrauma.


2. Considerando os mecanismos do trauma, cite as possíveis lesões encontradas.

Apresentação

O trauma é a principal causa de morte e invalidez na infância. Mais de 45% das mortes em
crianças de 1 a 14 anos são consequência do politrauma.

Os tipos mais frequentes de acidentes fatais, todos passíveis de prevenção, são as obstru-
ções de vias aéreas, quedas, acidentes de trânsito, atropelamentos, afogamentos, queima-
duras e acidentes com arma de fogo.

A abordagem da criança politraumatizada requer conhecimento por parte do médico emer-


gencista das características anatômicas, fisiológicas e psicológicas peculiares da criança
que a diferenciam do adulto.

Devido à menor massa corpórea, a energia do impacto do trauma resulta numa maior força
por unidade de superfície corporal. Além disso, a criança possui menos tecido adiposo,
menos tecido conectivo elástico e maior proximidade entre os órgãos. Essas razões deter-
minam uma frequência elevada de lesões de múltiplos órgãos na população pediátrica.

O esqueleto da criança está em formação, com calcificação incompleta, e é mais flexível.


Dessa forma, é comum ocorrerem lesões de órgãos internos sem a fratura concomitante
dos ossos que os envolvem.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Camip

A relação entre superfície corpórea e volume da criança é maior; consequentemente a perda


de energia térmica ocorre com mais facilidade. Assim, a criança pode evoluir com hipoter-
mia rapidamente.

A criança politraumatizada pode ainda – por dor, medo, ansiedade ou por comportamento
próprio da idade –, dificultar o exame físico e o atendimento inicial. Isso pode representar
um verdadeiro desafio para o médico, exigindo do profissional tranquilidade e segurança, a
fim de obter um bom relacionamento e êxito no atendimento a ela.

Além de equipe treinada com conhecimento das peculiaridades encontradas nas crianças, é
fundamental a disponibilidade imediata de materiais e equipamentos de tamanho apropriado
para a faixa pediátrica. A Fita Pediatra da Emergência de Broselow® é um acessório utilizado
para determinação rápida do peso, baseado na altura da criança, facilitando o cálculo das
doses adequadas de medicamentos e a escolha dos equipamentos de tamanho apropriado.

Avaliação inicial

O atendimento inicial da criança politraumatizada obedece à sequência “ABCDE”, segundo


rotina do Suporte Avançado de Vida em Pediatria (PALS) e Suporte Avançado de Vida em
Traumatismo (ATLS), a saber:

• A (airway): vias aéreas


• B (breathing): respiração
• C (circulation): circulação
• D (disability): avaliação neurológica
• E (exposure and environmental control): exposição e prevenção da hipotermia

A – Vias aéreas

O primeiro objetivo é estabelecer uma via aérea pérvia para oferecer oxigenação adequada.
A causa mais comum de parada cardíaca em criança é a incapacidade de se estabelecer e/
ou manter uma via aérea pérvia, o que leva à hipóxia.

O occipital da criança é relativamente maior, o que ocasiona uma flexão passiva da coluna
cervical quando em decúbito dorsal em superfície plana.

Essa característica, juntamente de uma língua grande em relação à orofaringe, pode dificul-
tar a manutenção das vias aéreas pérvias. Para evitar a flexão passiva da coluna cervical é
necessário que o plano da face esteja paralelo à prancha de imobilização na “posição de
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

cheirar” (Figura 1). Em razão do occipício proeminente, é necessário que se coloque um


acolchoamento sob todo o tronco das crianças nos primeiros anos de vida para se manter
o alinhamento da coluna (Figura 2).

O pescoço da criança estará na posição correta se o meato auditivo externo estiver alinha-
do com a região anterior do ombro. A via aérea também pode ser aberta pela manobra de
tração da mandíbula combinadas com a imobilização bimanual alinhada da coluna. A ma-
nobra de elevação do mento é contraindicada em vítimas de trauma com possível lesão de
cabeça ou pescoço, pelo risco de converter uma lesão medular incompleta em completa.

Figura 1

Figura 2

Se a criança estiver respirando espontaneamente, deve-se apenas otimizar a permeabili-


dade da via aérea com a “posição de cheirar”. As secreções (muco, sangue ou vômitos) e
fragmentos de corpos estranhos devem ser limpos e aspirados cuidadosamente, sendo
administrado oxigênio suplementar.

A cânula orofaríngea (Guedel) não deve ser utilizada quando o paciente estiver consciente,
pela possibilidade de reflexo de vômito.
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591
Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Camip

As indicações para intubação endotraqueal da criança vítimas de politrauma são: sinais de in-
suficiência respiratória; obstrução das vias aéreas (atual ou potencial); necessidade de supor-
te ventilatório prolongado; escala de coma de Glasgow (GCS) ≤ 8; e choque descompensado.

A intubação deve sempre ser precedida por ventilação com bolsa-valva-máscara e oxige-
nação. A maioria dos centros de trauma utiliza um protocolo para intubação de urgência
denominado sequência rápida de intubação (SRI). Esse método consiste no uso de agen-
tes farmacológicos com rápido início de ação, levando às condições ideais de intubação,
à diminuição das respostas reflexas à laringoscopia e à redução do risco de aspiração do
conteúdo gástrico.

A intubação nasotraqueal deve ser evitada em casos de politrauma, especialmente se hou-


ver suspeita de lesão cervical, maxilofacial ou fratura de base de crânio.

Cânulas orotraqueais (COT) com cuff devem ser preferencialmente utilizadas em circuns-
tâncias específicas, como complacência pulmonar diminuída, resistência aumentada ou em
casos com grande escape de ar. Em pacientes menores que 8 anos e que não apresentem
as circunstâncias citadas acima, devem ser utilizadas cânulas sem cuff. Nessa faixa etária,
a região mais estreita da traqueia encontra-se na porção subglótica ao nível da cartilagem
cricoide e fornece um cuff fisiológico.

Após intubação, deve-se proceder à ausculta dos hemitórax, na região axilar, para verificar
a ventilação adequada e simétrica. Raio X de tórax deve ser realizado para verificar a posi-
ção do tubo orotraqueal.

Na impossibilidade de ventilação adequada com bolsa-valva-máscara ou intubação tra-


queal, pode-se realizar cricotireodostomia por punção, com agulha. Esta é uma técnica
que permite oxigenação em caráter temporário. A cricotireodostomia cirúrgica é raramente
realizada em bebês e crianças pequenas. Quando indicada, deve ser realizada por mãos
experientes.

B – Respiração

A efetividade da ventilação e da oxigenação deve ser continuamente avaliada, observando-


se expansibilidade torácica, ausculta e frequência respiratórias.

A criança traumatizada deve receber oxigênio suplementar. Se a respiração não for eficaz,
deve-se instituir ventilação com bolsa-valva-máscara. O volume e a frequência da ventila-
ção fornecida devem ser adequados, evitando-se, assim, hiperventilação.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

A ventilação da criança pode ainda estar comprometida por distensão gástrica, diminuin-
do a mobilidade diafragmática. É aconselhável a passagem de sonda para descompres-
são do estômago.

C – Circulação

A avaliação da circulação na criança envolve uma combinação de vários sinais, como pulso,
coloração da pele e tempo de enchimento capilar. Na criança, a manutenção da pressão
arterial não assegura que o paciente não esteja em choque. A criança tem a capacidade
de vasoconstricção e aumento da resistência vascular sistêmica com objetivo de manter a
perfusão adequada dos órgãos.

Desse modo, sinais como extremidades frias, diminuição do pulso periférico e enchimento
capilar lentificado indicam choque, apesar de pressão arterial mantida (choque compen-
sado). Considera-se hipotensão quando a pressão sistólica se encontra menor que o 5°
percentil para a idade (Quadro 1).

Quadro 1. Pressão sistólica (5º percentil) de acordo com a idade

Idade Pressão sistólica (5º percentil)

0 a 28 dias 60mmHg

1 mês a 12 meses 70mmHg

1 ano a 10 anos incompletos 70mmHg + (2 x a idade em anos)

Acima de 10 anos 90mmHg

A presença de hipotensão (choque descompensado) geralmente indica a perda aguda de


25 a 30% da volemia da criança.

A manutenção da circulação adequada requer o controle de hemorragias externas, suporte


da função cardiovascular e perfusão sistêmica, restauração e manutenção de volume san-
guíneo adequado.

A reposição volêmica nos pacientes pediátricos deve começar com 20mL/kg de solução
cristaloide aquecida. Se o volume de 40mL/kg tiver sido administrado e uma terceira repo-
sição for necessária para reverter os sinais de hipoperfusão, deve-se considerar transfusão
de concentrado de hemácias (CH) 10mL/kg.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Camip

Em pacientes que apresentem choque descompensado e o sangramento oculto for uma


potencial causa do choque, cristaloides e CH podem ser infundidos simultaneamente.

O acesso vascular deve ser providenciado rapidamente na criança politraumatizada. Pre-


ferencialmente dois acessos em veias periféricas de grosso calibre devem ser instalados.

Na impossibilidade de se conseguir uma via periférica rapidamente, o acesso intraósseo


deve ser obtido. O local preferencial de punção intraóssea é o terço proximal da tíbia, abai-
xo e medialmente à tuberosidade tibial. Outros locais possíveis para esse tipo de acesso
são a tíbia distal próxima ao maléolo medial e o terço distal do fêmur. Este acesso está
contraindicado em membros com fraturas.

Outras opções de acesso venoso são a passagem percutânea de cateteres nas veias fe-
moral, subclávia ou jugular ou a dissecção venosa de acordo com a experiência da equipe.
Diferentemente do que ocorre com o adulto, o choque cardiogênico é um evento raro no
cenário da criança politraumatizada. Apesar disso, o médico deve estar atento a essa pos-
sibilidade em casos de choque refratário associado a trauma torácico.

A clássica apresentação de choque neurogênico, com hipotensão sem taquicardia associada


ou vasoconstricção compensatória, pode ocorrer em pacientes com trauma raquimedular.

D – Avaliação neurológica

Um rápido exame neurológico deve ser realizado nesse momento com avaliação do nível de
consciência e das pupilas (tamanho, simetria e reposta à luz).

A escala de coma de Glasgow não tem seu uso validado em pediatria, porém é familiar e
bastante utilizada pelos médicos. Na avaliação das crianças, utiliza-se a escala de coma de
Glasgow modificada para pediatria (Quadro 2).

Quadro 2. Escala de Coma de Glasgow modificada para crianças

Abertura ocular

4 Espontânea

3 Ao comando verbal

2 À dor

1 Nenhuma

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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Melhor resposta verbal

Zero a 23 meses 2 a 5 anos > 5 anos

5 Sorri, balbucia Palavras apropriadas Orientado, conversa

4 Choro apropriado Palavras inapropriadas Confuso

3 Choro inapropriado, grito Choro, gritos Palavras inapropriadas

2 Gemidos Gemidos Sons incompreensíveis

1 Nenhuma Nenhuma Nenhuma

Melhor resposta motora

< 1 ano > 1 ano

6 Obedece comando

5 Localiza a dor Localiza a dor

4 Flexão normal Flexão normal

3 Flexão anormal Flexão anormal

2 Extensão Extensão

1 Nenhuma Nenhuma

A Escala de Resposta Pediátrica AVDN (acrônimo de Alerta, resposta Verbal, resposta à Dor,
Nenhuma resposta) é menos específica, porém é simples e de fácil aplicabilidade.

É importante descartar hipoglicemia em qualquer paciente com status neurológico alterado,


principalmente em crianças pequenas que estão mais propensas a esse quadro.

E – Exposição e prevenção da hipotermia

A última etapa da avaliação inicial envolve exame físico à procura de lesões não perceptí-
veis ao primeiro exame. A retirada de roupas é essencial para permitir um exame completo.
A manutenção da normotermia deve ser objetivada nesse momento. A hipotermia pode
tornar a criança refratária ao tratamento, prolongar o tempo de coagulação e comprometer
a função do sistema nervoso central. A temperatura do ambiente deve ser neutra e podem
ser utilizados calor radiante e cobertores elétricos durante o atendimento.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Camip

Avaliação secundária

A avaliação secundária envolve um exame físico detalhado (“da cabeça aos pés”). Além do
dorso, devem ser examinados todos os orifícios do corpo (boca, narina, ouvidos, órbitas,
reto e genitais), em busca de lesões.

Nesse momento deve também ser coletada uma história mais completa e detalhada.
O mnemônico “AMPLE” pode ser empregado, dirigindo a coleta de informações (Quadro 3).

Quadro 3. Mnemônico “AMPLE”

Sigla Termo em inglês Termo em português

A Allergies Alergias

M Medications Uso de medicações

P Past medical history Antecedentes patológicos

L Last meal Tempo desde a última refeição

E Events leading to current injury Eventos relacionados ao trauma

O médico deve estar atento a sinais de maus-tratos, como história referida pelos pais des-
proporcional ou incoerente com as lesões da criança, fraturas múltiplas, escoriações, he-
matomas e equimoses em diferentes estágios de evolução, lesões de queimaduras por
imersão (“em luva” ou “em bota”), marcas de instrumentos na pele (cintos, cigarros e den-
tes), hemorragias retinianas (sugestivas da síndrome do bebê sacudido), além de sinais de
abuso sexual.

Classificação de gravidade

É importante determinar a magnitude do trauma. A Escala de Trauma Pediátrico (ETP) e


Escala de Trauma Revisada (ETR) foram desenvolvidas para dimensionar as lesões traumá-
ticas nas crianças. O grupo de crianças com ETP ≤8 ou ETR ≤11 tem alto risco mortalidade.
Essas vítimas devem ser transferidas para centros especializados (Quadros 4 e 5).

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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Quadro 4. Escala de Traumatismo Pediátrico

Pontos
Características do
paciente
+2 +1 -1

Peso (kg) > 20 10–20 < 10

Via aérea Normal Permeável Não permeável

Pressão sistólica
> 90 50–90 < 50
(mmHg)

Sistema nervoso
Consciente Confusa Coma
central

Ferimento aberto Nenhum Pequeno Grande

Traumatismo
Nenhum Fechado Múltiplos, abertos
esquelético

Quadro 5. Escala de Traumatismo Revisada

Escala de coma Pressão sistólica Frequência


Pontos
de Glasgow (mmHg) respiratória (jpm)

13–15 > 89 10–29 4

9–12 76–89 > 29 3

6–8 50–75 6–9 2

4–5 1–49 1–5 1

3 0 0 0

Presença dos pais

A presença dos pais durante o atendimento pode aliviar a ansiedade da criança. Um mem-
bro da equipe deve permanecer ao lado do familiar, explicando-lhe o processo.

O profissional deve também assegurar que o pai não interfira no atendimento e não cause
distração aos membros da equipe médica.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada

Exames complementares

Os exames laboratoriais da criança traumatizada não diferem dos coletados no adulto.


Crianças maiores e adolescentes devem ser avaliadas pela possibilidade de uso de drogas
que possam ter contribuído para o evento traumático.

Nesse momento, é ideal que seja feita coleta de sangue para classificação e reserva sanguí-
nea. A análise isolada da hemoglobina pode não ser um dado sensível em pacientes com
choque hipovolêmico, por se tratar de evento agudo.

As radiografias normalmente obtidas na avaliação de uma criança com trauma moderado


a grave são a de coluna cervical, tórax e pelve. Outras radiografias podem ser necessárias,
a depender do exame físico do paciente. Finalmente, crianças com lesões suspeitas de
maus-tratos, devem realizar raio x de corpo inteiro.

FAST (Focused Assessment Sonography in Trauma, Avaliação Ultras-


sonográfica direcionada para trauma)

Poucos estudos foram publicados sobre a eficácia desse exame em crianças. Apesar disso,
na prática, tem-se observado o aumento do uso do FAST.

O uso da tomografia computadorizada (TC) tem crescido no cenário do trauma. Este exame
deve estar imediatamente disponível e não pode retardar o tratamento. É sensível e especí-
fico na identificação de diversas lesões, porém também traz consigo riscos, especialmente
na população pediátrica.

Os tecidos em crescimento da criança são mais sensíveis à radiação quando comparados


aos dos adultos. O objetivo principal dos protocolos de exame de imagem é minimizar a
exposição à radiação, associado à maximização da detecção das lesões.

Trauma craniencefálico

O trauma craniencefálico (TCE) é a principal causa de morte nas crianças politraumatizadas.

Comparado com os adultos, as crianças são mais suscetíveis a apresentarem lesões cere-
brais. A maior relação cabeça/corpo, sistema nervoso central menos mielinizado e ossos do
crânio mais finos tornam a população pediátrica mais propensa a TCE.

O TCE grave pode se apresentar de diferentes maneiras, incluindo hematoma subdural,


hematoma extradural, hiperemia cerebral, vasoespasmo, hemorragias focais, contusões ou
lesão axonal difusa.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

É importante estabelecer se houve perda da consciência no momento do evento traumáti-


co. Outras questões que devem ser incluídas na avaliação são a presença de irritabilidade,
letargia, marcha anormal ou alterações do comportamento da criança.

A escala de coma de Glasgow deve ser aplicada para avaliar as melhores respostas verbal
e motora, e a abertura ocular. A resposta motora está mais diretamente relacionada com o
desfecho a longo prazo da criança.

Glasgow ≤8 indica que a criança está sob maior risco de desenvolver uma lesão ameaça-
dora da vida com hipertensão intracraniana, devendo nesse caso ser intubada. Avaliação
neurológica seriada deve ser feita nesses pacientes observando-se o Glasgow, reação pu-
pilar e exame dos pares cranianos.

Tomografia de crânio deve ser realizada nos casos de escala de coma de Glasgow <12,
perda da consciência no momento do trauma, evidência de fratura craniana, sinais focais,
vômitos persistentes, amnésia retrógrada ou alteração do comportamento.

As crianças são particularmente sensíveis aos efeitos das lesões cerebrais secundárias pro-
duzidas por convulsões, hipertermia, hipóxia e hipovolemia, com diminuição da perfusão
cerebral. A hipovolemia e a hipóxia são o pior cenário diante de uma criança com cérebro
lesado.

O principal objetivo no manejo da criança com TCE é a prevenção da lesão cerebral secun-
dária, controle da pressão intracraniana para manutenção de adequada perfusão cerebral e
identificação precoce de lesão expansiva que requeira intervenção cirúrgica imediata.

Trauma raquimedular

Lesões raquimedulares são raras em crianças, atingindo 2% das vítimas de trauma. Na


criança, os corpos vertebrais têm forma de cunha em sua região anterior, as facetas articu-
lares são mais planas, e os ligamentos interespinhosos e as cápsulas articulares são mais
flexíveis. Essas caraterísticas tornam a espinha vertebral mais móvel nessa faixa etária.

A cabeça relativamente grande, quando comparada ao pescoço, torna as crianças mais


propensas a trauma cervical alto. A força angular aplicada à região superior do pescoço é
relativamente maior quando comparada ao adulto. Dessa forma, em todos os casos de po-
litrauma, deve-se assumir que há lesão na coluna cervical, até que se confirme o contrário.
O comprometimento da coluna cervical pode ser anatômico ou funcional. A alteração ana-
tômica está associada à alteração óssea vertebral, enquanto que a alteração funcional con-
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada

siste em lesão medular sem evidência de anormalidades radiológicas (spinal cord injury
without radiographic abnormality – SCIWORA). Nesses casos, o prognóstico a longo prazo
depende do status neurológico no momento da admissão na emergência.

A incompleta ossificação e a hipermobilidade fisiológica da coluna cervical na criança pode


levar a imagens radiológicas que se confundem com achados patológicos. O deslocamento
anterior aumentado de C2 sobre C3 (pseudosubluxação) pode ser mal interpretado como
lesão na coluna cervical.

O tratamento das lesões medulares é, em sua maioria, de suporte e conservador. Em casos raros,
quando existe instabilidade ou deslocamento de um segmento, fixação cirúrgica é necessária.

A corticoterapia no tratamento das lesões raquimedulares é um tema controverso. A reco-


mendação atual é o uso de altas doses de metilprednisolona por 24 horas,se início até 3
horas do trauma, e por 48 horas, se início entre 3 e 8 horas. A dose de ataque deve ser de
30mg/kg em 15 minutos, sendo iniciada infusão contínua na dose de 5,4mg/kg/hora até
completar o tempo proposto.

Trauma torácico

O trauma torácico isolado está associado a uma mortalidade de 5% na criança. Essa taxa
aumenta para 25% quando o trauma torácico vem associado a TCE e trauma abdominal.

Contusão pulmonar permanece o trauma torácico mais prevalente.

A contusão pulmonar pode levar a atelectasia, consolidação e inflamação progressiva, possivel-


mente resultando em pneumonia, alteração na ventilação/perfusão e insuficiência respiratória.

Fraturas de costelas são incomuns em crianças politraumatizadas. Porém, quando presen-


tes, essas lesões sugerem uma grande transferência de energia e deve levar à suspeita de
lesões orgânicas graves e múltiplas, como pneumotórax, hemotórax, trauma mediastinal
e trauma cardíaco ou de grandes vasos. Fraturas em múltiplas costelas também devem
alertar sobre a possibilidade de lesões graves em qualquer outra região do corpo, incluindo
crânio, coluna, abdome, pelve e membros.

Quando três ou mais costelas estão fraturadas em dois ou mais lugares pode ocorrer o que
chamamos de toráx instável, com movimento paradoxal durante a respiração (depressão
na inspiração e abaulamento na expiração). Esse tipo de lesão pode vir acompanhada de
hemopneumotórax ou contusão pulmonar. Pode resultar em insuficiência respiratória com
necessidade de ventilação mecânica com pressão positiva.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Pneumotórax não é raro em crianças politraumatizadas. Frequentemente, é secundário à


rotura intraparenquimatosa do pulmão. Ao contrário do pneumotórax espontâneo, este in-
sulto costuma estar associado a hemotórax e requer drenagem torácica. Ao exame físico,
evidenciam-se hipersonoridade à percussão, e diminuição ou ausência de murmúrio vesi-
cular no lado afetado. O pneumotórax simples pode ser um achado ao raio X de tórax ou
tomografia em pacientes assintomáticos. Qualquer paciente com pneumotórax e que ne-
cessite de ventilação mecânica deve ter o tórax drenado.

O pneumotórax hipertensivo decorre do escape de ar das vias aéreas para o espaço pleural
por um sistema de válvula unidirecional, que permite que o ar entre, mas não saia. O acú-
mulo de ar no espaço pleural determina colabamento pulmonar, desvio do mediastino para
o lado oposto e prejuízo do retorno venoso para as câmaras direitas do coração, diminuin-
do o débito cardíaco. Clinicamente, o paciente evolui com hipóxia, hipotensão e choque
cardiogênico refratário. Esse quadro determina conduta imediata: a punção pleural alivia o
componente hipertensivo, transformando-o em um pneumotórax simples. Em seguida, a
drenagem torácica deve ser realizada. Na maioria dos casos, a drenagem por alguns dias
é suficiente. Se o pneumotórax persiste, deve-se suspeitar de lesão brônquica. Nesses ca-
sos, estão indicadas broncoscopia e, se necessária, a intervenção cirúrgica.

Hemotórax maciço é raro na pediatria. Geralmente decorre de lesão vascular intratorácica


(lesão de grandes vasos ou artéria intercostal) e está associado a traumas de alto impacto.

O tratamento inicial é a drenagem torácica. Indicações de toracotomia incluem perdas san-


guíneas com volume maior que 10 a 15mL/kg ou 2 a 4mL/kg/h.

Trauma traqueobrônquico é raro em pediatria, mas é fatal em um terço dos casos. É geralmente
causado por trauma fechado ou penetrante na região torácica. Essas lesões levam a pneumotó-
rax hipertensivo e/ou enfisema subcutâneo. Persistente escape de ar ou falha na expansão pul-
monar após passagem de dreno torácico devem levar à suspeita de trauma traqueobrônquico.

Felizmente, lesões cardíacas e de grandes vasos são incomuns na pediatria. O trauma car-
diovascular mais frequente nas crianças é a contusão miocárdica. O paciente pode apre-
sentar queixa de dor torácica. Taquicardia é o achado mais comum. A elevação de enzimas
cardíacas pode ser diagnóstica. Esses pacientes devem ser monitorados de perto pela pos-
sibilidade de desenvolver arritmias ou alteração na função cardíaca. Apesar disso, a maioria
dos casos de contusão miocárdica evolui sem sequelas a longo prazo.

O tamponamento cardíaco é o pior cenário envolvendo as estruturas torácicas. O extrava-


samento de sangue preenche o saco pericárdico, impedindo o adequado enchimento das
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada

câmaras cardíacas durante a diástole. Normalmente, esse tipo de lesão é decorrente de


trauma torácico penetrante. A pericardiocentese permite o diagnóstico e é também uma
medida terapêutica, pois promove uma melhora clínica inicial pela descompressão. Pos-
teriormente, deve-se proceder à drenagem pericárdica. O saco pericárdico e o coração
podem ser avaliados por meio da janela subxifóidea durante o FAST e permitir diagnóstico
precoce de lesões mediastinais ou tamponamento cardíaco.

Trauma abdominal

Algumas diferenças anatômicas na criança as tornam mais vulneráveis a traumas abdominais


mais graves. Em comparação com o adulto, os órgãos abdominais na população pediátrica
são proporcionalmente maiores e estão mais próximos. Além disso, a caixa torácica menor
e mais maleável, juntamente de uma musculatura abdominal não completamente desenvol-
vida e menos gordura no tecido subcutâneo, oferece menor proteção aos órgãos internos.

O trauma abdominal pode ser dividido em aberto e fechado. Normalmente, os traumas


penetrantes requerem exploração cirúrgica. Os órgãos mais afetados no trauma abdominal
são o baço e o fígado, seguidos por rins, pâncreas e vísceras ocas.

No exame abdominal, a palpação profunda deve ser evitada no início, pois a resistência
abdominal voluntária pode ocorrer e atrapalhar a interpretação dos achados.
Idealmente deve ser realizada a descompressão do estômago por meio da passagem de
sonda orogástrica. Em crianças com pelve estável e sem evidências de trauma uretral, deve
ser realizado esvaziamento da bexiga com passagem de sonda uretral. Essas medidas fa-
cilitarão o exame abdominal.

A lesão esplênica é a mais comum no trauma abdominal pediátrico. Achados típicos in-
cluem dor em quadrante superior esquerdo, que irradia para o ombro esquerdo. Ao exa-
me abdominal, pode-se observar sinal de irritação peritoneal. O paciente pode se encon-
trar hemodinamicamente estável ou, em alguns casos de ruptura ou laceração esplênica,
apresentar-se hipotenso por choque hipovolêmico. Pacientes estáveis podem ser avaliados
com tomografia de abdome. O FAST pode revelar liquido livre intraperitoneal, mas o exame
negativo não descarta lesão esplênica. A conduta é conservadora na maioria dos casos.

A lesão hepática está em segundo lugar nos traumas abdominais em crianças. Ao exame,
pode-se notar dor em região de quadrante superior direito com irradiação para ombro direi-
to. Na maioria dos casos, a conduta é conservadora, e os pacientes têm boa evolução. No
entanto, em casos de lesões graves, que requerem intervenção cirúrgica, há um aumento
importante de morbimortalidade decorrente de hemorragias maciças.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Lesão de vísceras ocas são frequentemente encontradas em crianças envolvidas em aci-


dentes automobilísticos que se encontravam restritas ao cinto de segurança. Esse meca-
nismo de trauma geralmente é indicado por equimose na parede abdominal (“sinal do sinto
de segurança”) e decorre de um aumento abrupto na pressão intraluminal, levando ao rom-
pimento e à perfuração do intestino. A tomografia é diagnóstica em apenas 60% dos casos
de perfuração intestinal e pode revelar liquido livre na cavidade, sem evidência de lesão de
vísceras sólidas. Tratamento cirúrgico se impõe nesses casos.

Lesões pancreáticas são raras, encontradas em menos de 5% dos casos de traumas ab-
dominal em crianças. Frequentemente, essas lesões são diagnosticadas tardiamente. Diag-
nóstico de lesão pancreática é sugerido por quadro de importante dor epigástrica acompa-
nhada de aumento do nível de amilase.

Muitas vezes, a criança permanece estável nos estágios iniciais do trauma, apesar de le-
sões abdominais significantes. Lesões em órgãos abdominais podem não ser identificadas
até que seja feita a tomografia. A tomografia, quando comparada ao ultrassom, tem a van-
tagem de ser menos operador-dependente e superior em diagnosticar patologias.

A tomografia de abdome tem menos valor nas crianças com quadro neurológico intacto e
sem achados abdominais significativos ou naquelas, cuja intervenção cirúrgica já foi indi-
cada, por achados clínicos.

A conduta conservadora é tomada na maioria dos casos de trauma abdominal, a não ser
que existam claros sinais de perfuração de víscera oca, com características de peritonite ou
pneumoperitônio. A maioria das lesões de vísceras sólidas é autorresolutiva, e a presença
de sangue na cavidade abdominal não é uma indicação absoluta de laparotomia. Quando
optado por conduta conservadora, os pacientes devem ser monitorizados de perto, com
exames clínicos seriados e acompanhamento de hematócrito, com o objetivo de reconhe-
cer hemorragias não controladas.

Lesões vasculares

A presença de má perfusão em membros com fraturas ou deslocamentos deve ser conduzida


por uma equipe multidisciplinar, incluindo pediatra, ortopedista e cirurgião vascular. Em caso de
lesões vasculares em membros, são recomendados, além do exame físico, Doppler e angio-
grafia, uma vez que o vasoespasmo é relativamente mais comum em crianças que em adultos.

Lesões vasculares na região abdominal em crianças não são frequentes, porém metade
dessas lesões são fatais. Esse diagnóstico deve ser considerado quando a criança apresen-
ta contínua necessidade de volume após ressuscitação.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada

Trauma pélvico

A pelve imatura da criança apresenta maior elasticidade na articulação sacrilíaca e sínfise


púbica. Dessa forma, fraturas nessa região são dependentes de forças com alta energia. Fra-
turas pélvicas na população pediátrica são geralmente acompanhadas de múltiplas lesões.

Traumas na região pélvica normalmente envolvem fraturas e lesões na uretra e bexiga. Cuidado
especial deve ser tomado durante a passagem de sonda vesical nos casos de trauma pélvico.

As lesões do trato geniturinário são mais frequentes no sexo masculino e normalmente atin-
gem a região bulbouretral. A maioria dos traumas renais é secundária a traumas abdominais
fechados e frequentemente está associada a trauma esplênico e hepático.

O trato geniturinário, especialmente o períneo, vagina, reto e bexiga, deve receber especial
atenção na avaliação desses pacientes.

Frequentemente, lesões nesses órgãos passam despercebidos em um primeiro exame o


que pode trazer sérias consequências.

Traumas ortopédicos

Aproximadamente 63% das crianças politraumatizadas apresentarão uma ou mais fraturas.


Normalmente essas lesões não necessitam tratamento imediato, exceto em casos com le-
são vascular grave associada, síndrome compartimental ou fraturas expostas. No caso de
fratura exposta é essencial o início de antibioticoterapia IV.

Conclusão

O trauma se configura como a principal causa desencadeadora de óbito na infância. Prog-


nósticos satisfatórios em relação aos doentes traumatizados estão fortemente relacionados
aos cuidados iniciais. Seguir uma padronização da avaliação inicial do doente traumatizado
aumenta a taxa de sobrevida nesse grupo de pacientes.

Pela própria natureza de seu desenvolvimento, as crianças apresentam um alto grau de


recuperação, mesmo após lesões aparentemente devastadoras. Portanto, a prestação de
um atendimento cuidadoso deve ser adotada, levando em consideração a possibilidade de
uma recuperação plena.
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Capítulo 32 | A criança politraumatizada
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Messages to take home

• Atendimento da criança politraumatizada com equipe bem treinada, normas


estabelecidas e equipamento apropriado para a população pediátrica está diretamente
relacionado com melhores prognósticos

• Nas crianças, os sinais de choque em geral só se apresentam quando ocorrem perdas


acima de 25% do volume sanguíneo corpóreo

• A abordagem inadequada, principalmente na manutenção das vias aéreas pérvias e controle


de hemorragias, é a maior causa de óbitos evitáveis no cenário do trauma pediátrico

• A criança pode permanecer estável nos estágios iniciais do trauma, apesar de lesões
graves. Reavaliações seriadas são fundamentais.

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Tromboembolismo
Capítulo 33 | Trombolismo pulmonar em pediatria
33
Capítulo 33 Pulmonar em
Tromboembolismo pulmonar em pediatria
Pediatria
Adriana Stama Suzuki Daniel

Adriana Stama Suzuki Daniel


Caso clínico

Paciente de 11 anos no terceiro pós-operatório de correção de fratura de tíbia em enfer-


maria, após acidente automobilístico bicicleta versus automóvel (sem outras fraturas ou
contusões). Após fisioterapia motora, apresenta desconforto respiratório súbito. Ao exame
físico: regular estado geral, descorado +1/4, acianótico, afebril, Glasgow 15 sem défices
neurológicos, bulhas cardíacas normofonéticas a 2 tempos, frequência cardíaca 150 bpm,
pressão arterial 100x62mmHg, boa perfusão central e periférica, murmúrio vesicular pre-
sente bilateral, frequência respiratória 40irm, saturação de oxigênio por oximetria de pulso
90% em ar ambiente, com nebulização 5L/minuto 96%, discreta tiragem intercostal, abdo-
me sem alterações.

Informações adicionais:

• Dispositivos invasivos: cateter venoso central (CVC) em subclávia direita (3º dia
de implementação)
• Exames laboratoriais do dia anterior: hemograma, eletrólitos, função renal
sem alterações
• Exames prévios: radiografia de tórax após passagem de CVC sem alterações
• Peso paciente 48kg, altura do paciente 140cm; Índice de massa corporal (IMC)
de 20 (p > 90)
• O serviço em que paciente se encontrava não dispunha de angiografia pulmonar

Perguntas

1. Sobre a principal hipótese diagnóstica, cite os fatores de risco do paciente em questão.


2. Quais exames laboratoriais você solicitaria para o paciente?
3. Na impossibilidade de angiografia pulmonar, escolha dois exames de imagem para
auxílio diagnóstico, explicando prós e contras de cada um.
4. Confirmando da hipótese diagnóstica de tromboembolismo pulmonar (TEP) escolha a
terapêutica a ser empregada, bem como exames para adequada monitorização.
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Capítulo
Camip
33 | Trombolismo pulmonar em pediatria

Apresentação

O tromboembolismo venoso (TEV), que engloba trombose venosa profunda (TVP) e TEP, é
uma importante causa de morbimortalidade hospitalar.

O TEP, em pacientes pediátricos, embora seja um evento raro, vem apresentando aumento
em sua incidência, decorrente, principalmente, do aumento na sobrevida de pacientes criti-
camente doentes e com doenças crônicas. Estudos epidemiológicos recentes demonstra-
ram que, nos Estados Unidos, o TEV ocorre em 0,14 a 0,49/100 mil pacientes pediátricos
por ano, sendo o pico de distribuição bimodal, com maiores incidências no período neona-
tal e na adolescência. Por sua vez, os dados epidemiológicos quanto à incidência de TEP
revelaram 8,6 a 57/100 mil crianças hospitalizadas por ano e 0,14 a 0,19/100 mil crianças
não hospitalizadas por ano. A maioria dos fatores de risco está relacionada às doenças de
base ou a intervenções médicas, sendo geralmente multifatorial. Eventos tromboembólicos
idiopáticos, diferentemente da população adulta, são registrados em apenas 2 a 4% das
crianças com TEV. O fator de risco mais prevalente é a presença de CVC, principalmente em
leito subclávio e femoral. No Quadro 1 estão descritos os principais fatores de risco para
desenvolvimento de TEV na faixa etária pediátrica.

Quadro 1. Fatores de risco para desenvolvimento de


tromboembolismo venoso na faixa etária pediátrica

Câncer (em especial leucemia linfoblástica)

Cardiopatia congênita

Trauma/cirurgia/imobilização

Trombofilia congênita ou adquirida

Sepse

Doenças renais

Lúpus eritematoso sistêmico

Anemia falciforme

Hipovolemia

Obesidade

Cateter venoso central

Medicamentos (incluindo estrógeno e L-asparaginase)

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Capítulo 33 | Trombolismo pulmonar em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

As alterações clínicas decorrentes do TEP na faixa etária pediátrica variam desde alterações
oligossintomáticas a sinais de insuficiência cardíaca e parada cardiorrespiratória. Dentre os
sinais e sintomas presentes no TEP, tem-se: dispneia, dor pleurítica, hemoptise, tosse, hipo-
xemia, febre, taquipneia, taquicardia persistente, insuficiência cardíaca de ventrículo direito,
cianose, hipotensão, arritmia e parada cardiorrespiratória.

Diagnóstico

A maioria dos protocolos relacionados ao tratamento de TEP na pediatria deriva de estudos


realizados em pacientes adultos. Ensaios clínicos prospectivos e randomizados são raros
na faixa etária pediátrica, motivo pelo qual, até o momento, não existe consenso quanto à
escolha de métodos diagnósticos e terapêuticos. No Quadro 2 estão descritas considera-
ções sobre os principais exames para auxílio diagnóstico descritos em literatura.

Quadro 2. Principais exames para o diagnóstico

Alterações de valores gasométricos (PaO2, PaCO2 e gradiente alvéolo-


Gasometria arterial
arterial) podem ser observadas

Possibilidade de alterações radiográficas, como oligoemia regional,


hipersinal correspondente ao aumento diâmetro das artérias
pulmonares centrais e opacidade periférica em forma de cunha
Radiografia de tórax
A radiografia tem maior utilidade como exame auxiliar na exclusão
de diagnósticos diferenciais, como pneumotórax, pneumonia e
derrame pleural

Eletrocardiograma Achados descritos em eletrocardiograma para avaliação em adultos não


12 derivações são validados na faixa etária pediátrica

Estudos em adultos demonstram segurança em excluir diagnóstico de


D-dímero TEP em pacientes cujo d-dímero apresentasse valores normais. Não há
estudos que validem esse resultado para faixa etária pediátrica

Exame considerado padrão ouro para diagnóstico de TEP em adultos

Não há consenso em relação sua aplicabilidade em pacientes pediátricos


Angiografia pulmonar

Considerar risco-benefício: exame com técnica invasiva, necessidade


de contraste para realização e alto custo

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33 | Trombolismo pulmonar em pediatria

Avaliação de Técnica de realização pouco invasiva, sendo uma opção para pacientes
ventilação-perfusão hemodinamicamente estáveis
por cintilografia
pulmonar Aplicabilidade reduzida em pacientes com shunts cardíacos

Rapidez em realização, podendo ser feito em pacientes


criticamente doentes
Tomografia Estudos em pacientes adultos demonstram sensibilidade para TEP
computadorizada variando entre 60 e 100% e especificidade entre 81 e 100%
helicoidal/
angiotomografia Aplicabilidade reduzida em embolia subsegmentar, demonstrando que

computadorizada exame sem alterações não exclui diagnóstico

Considerar risco-benefício: utilização de contraste e irradiação


necessária para realização de exame

Estudos recentes demonstram acurácia semelhante aos resultados da


angiotomografia computadorizada

Aplicabilidade reduzida em embolia subsegmentar, demonstrando que


exame normal não exclui diagnóstico

Ressonância Risco de eventos adversos por contraste é reduzido. Não expõe


magnética paciente à irradiação

Tempo de exame prolongado não sendo indicado para pacientes


criticamente doentes

Considerar risco-benefício: crianças menores podem requerer anestesia


para adequada realização de exame

Possibilita identificação de trombos intracavitários ou nas artérias


pulmonares.
Sinais indiretos de TEP: dilatação e hipocinesia ventricular, alteração
Ecocardiograma
de mobilidade septal, hipertensão pulmonar, regurgitação de valva
transtorácico
tricúspede, ausência de colapso de veia cava inferior durante inspiração
Estudos evidenciam sensibilidade de 50% e especificidade de 90% em
adultos, principalmente em embolias maciças

Estudos em adultos demonstram que presença de TVP em membros


inferiores em pacientes com sinais e sintomas de TEP pode
Ultrassonografia indiretamente sugerir diagnóstico

Não há evidências que validem uso de ultrassonografia como único


exame diagnóstico

PaO2: pressão parcial de oxigênio; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; TEP: tromboembolismo
pulmonar; TVP: trombose venosa profunda.

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Capítulo 33 | Trombolismo pulmonar em pediatria
Curso de Atualização em Medicina Intensiva Pediátrica

Em artigo publicado por Patocka e Nemeth, em 2012, sugere-se que a escolha do exame
diagnóstico, na suspeita de TEP em pacientes pediátricos, seja direcionada pela condição
clínica do paciente. Assim, aos pacientes com instabilidade hemodinâmica e sem possibi-
lidade de remoção do leito, sugerem-se exames de menor complexidade e com possibili-
dade de realização à beira do leito. Nesses casos, orientam-se radiografia de tórax, para
exclusão de diagnósticos diferenciais, e ecocardiograma transtorácico, visando identificar
sinais indiretos de TEP. Em pacientes estáveis hemodinamicamente, sugere, inicialmente,
considerar a realização de radiografia de tórax, para exclusão de diagnósticos diferenciais,
e prosseguir investigação por meio da avaliação da ventilação/perfusão por cintilografia
pulmonar. No caso da cintilografia pulmonar não demonstrar resultados conclusivos, reali-
zar tomografia computadorizada helicoidal ou angiotomografia.

Tratamento

O manejo terapêutico dos pacientes pediátricos com diagnóstico de TEP é geralmente in-
dividualizado e baseado no binômio risco versus benefício de cada paciente, uma vez que
ensaios clínicos randomizados são escassos para população em questão. Durante o trata-
mento, o paciente deve ser acompanhado por equipe composta por hematologista pediátri-
co, ou, na impossibilidade, pediatra e hematologista de adultos (recomendação IA).(8)

Dados em literatura sugerem que pacientes hemodinamicamente estáveis são candidatos


a receberem anticoagulação com heparina, enquanto em pacientes hemodinamicamente
instáveis deve ser considerada terapia com trombólise. Ressalta-se que em casos de TEP
associados com trombose de CVC são recomendados 3 a 5 dias de terapia com anticoagu-
lante previamente à retirada do dispositivo.

A heparina não fracionada (HNF) é o medicamento mais utilizado, cujo mecanismo de ação
ocorre pelo catabolismo da trombina e do fator Xa mediado pela antitrombina. Não há níveis
de evidências que indiquem melhor exame para monitorar terapêutica com HNF. Recomen-
da-se monitorizar terapêutica a partir da dosagem de anti-Xa, após 4 a 6 horas da infusão
do medicamento, mantendo níveis entre 0,35 a 0,7U/mL. Na impossibilidade de monitorizar
níveis de anti-Xa, utilizar valor de tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) corres-
pondente a valor de anti-Xa ou valor de protamina entre 0,2 a 0,4U/mL. Conforme protocolo
de Andrew et al., recomenda-se realizar dose de ataque de 75U/kg por via intravenosa em
10 minutos e ajustar dose de manutenção de acordo com a faixa etária. Para pacientes com
idade inferior a 1 ano, a dose recomendada é 28 unidades/kg/hora e pacientes com idade
superior a 1 ano 20 unidades/kg/hora.
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A heparina de baixo peso molecular (HBPM) apresenta vantagens, como menor necessi-
dade de monitorização, pouca interferência farmacológica com outros medicamentos ou
dieta, menor risco de trombocitopenia induzida pela heparina e risco reduzido de osteopo-
rose. A maioria dos estudos utilizados na população pediátrica foi feita com enoxaparina.
A monitorização da terapia é realizada com anti-Xa mantendo níveis entre 0,5 a 1 unidades/
mL em amostra retirada após 4 a 6 horas da infusão subcutânea ou 0,5 a 0,8 unidades/
mL em amostra retirada após 2 a 6 horas da infusão subcutânea. As doses recomendadas
encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1. Doses recomendadas de heparina de baixo peso molecular

Droga Peso Idade Dose inicial

< 5kg 150U/kg/dose a cada 12 horas


Reviparin
> 5 kg 100U/kg/dose a cada 12 horas

< 2 anos 1,5mg/kg/dose a cada 12 horas


Enoxaparina
> 2 anos 1,0mg/kg/dose a cada 12 horas

Dalteparina 129±42 U/kg/dose a cada 24 horas

0–2meses 275U/kg

2–12 meses 250U/kg

Tizanparina 1–5 anos 240U/kg

5–10 anos 200U/kg

10–16 anos 175U/kg

Em relação aos efeitos colaterais do uso de heparina, tanto com a HNF como com a HBPM,
ressaltam-se os sangramentos, variando de 2 a 18%, e a trombocitopenia induzida pela
heparina (TIP), evento raro na faixa etária pediátrica. No tratamento da TIP e do sangramen-
to, deve-se suspender administração de heparina e, se necessário, administrar sulfato de
protamina intravenoso.

Recomendações do uso de protamina levam em consideração que 1mg de protamina neu-


traliza 100U de heparina. A dose administrada depende do intervalo de tempo entre ad-
ministração de heparina e da ocorrência de sangramento. Não deve ser excedida a dose
superior a 50mg. As doses de protamina estão indicadas na Tabela 2.
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Tabela 2. Dose de protamina

Tempo Dose (mg)

< 30 minutos 1

30–120 minutos 0,5–0,75

> 2 horas 0,25–0,375

Em relação à terapia trombolítica, os estudos publicados limitam-se apenas a séries de ca-


sos e relatos de casos. Desta forma, seu uso ainda é controverso e geralmente é indicada
a pacientes gravemente doentes, com trombos intracardíacos obstrutivos, TEP maciço,
trombose bilateral de veias renais e disfunção múltipla de órgãos (DMOS) devido à trombo-
se maciça. Na pediatria, o agente de escolha é o ativador de plasminogênio tecidual (tPA),
sendo a dose recomendada entre 0,1-0,6mg/kg/hora por 6 horas. Não existem contraindi-
cações absolutas a respeito do uso desta terapia. O efeito colateral mais significativo é a
ocorrência de sangramentos. Sangramentos leves podem ser manejados com compres-
são local, enquanto, no caso de sangramentos moderados a graves, deve ser suspensa
medicação e administrada transfusão de crioprecipitado (5 a 10mL/kg) ou antifibrinolitico.
Atualmente, não há nenhum exame que melhor evidencie monitorização terapêutica, sendo
sugerido controle a partir de dosagem de fibrinogênio, TTPa e manutenção de plaquetas
séricas superior a 100X 109.

Por fim, apesar de não haver estudos randomizados validando embolectomia, alguns auto-
res consideram válida sua realização. Nesses casos, a embolectomia cirúrgica ou via cate-
ter deve ser ponderada em casos de trombose maciça obstrutiva em pacientes hemodina-
micamente instáveis na impossibilidade de realização ou insucesso da terapia trombolítica.

Messages to take home

• Incidência de TEP em pacientes pediátricos apresenta aumento em sua incidência,


sendo o pico de distribuição bimodal, com maiores incidências no período neonatal e
na adolescência

• Fatores de risco são multifatoriais, sendo relacionados às doenças de base ou a


intervenções médicas. O fator de risco mais prevalente é a presença de CVC

• Achados clínicos variam desde pacientes oligossintomáticos a sinais de insuficiência


cardíaca e parada cardiorrespiratória

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• Atualmente, não existe consenso quanto à escolha de métodos diagnósticos, devendo


ser avaliado risco versus beneficio dos exames auxiliares, bem como estabilidade clínica
do paciente para sua realização

• Durante o tratamento, o paciente deve ser acompanhado por equipe composta por
hematologista pediátrico, ou pediatra e hematologista de adultos

• Para paciente com TEP associado à trombose de CVC, sugere-se realizar terapia com
anticoagulante previamente à retirada do dispositivo

• Tratamento de TEP deve ser individualizado e baseado no binômio risco versus


benefício. Opções terapêuticas incluem anticoagulação com heparina e, em casos
selecionados, trombólise e embolectomia

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