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Suíça Caminho de Santiago


De Barcelos a Compostela,
num passeio rústico
Uma semana e genuíno
de comboio Protagonista
entre montanhas Hélder Ventura e a paixão
pela carpintaria naval
e lagos
Guardiães do sabor
FUGAS | Público N.º 11.927 | Sábado 24 Dezembro 2022 Victor Peixoto,
o senhor bacalhau

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2 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Viagens

A Suíça
sobre carris
Uma semana a desbravar o país de comboio. Entre lagos,
paisagens alpinas, desníveis vertiginosos - e carruagens abertas
para absorver melhor os cenários. Carlos Cipriano
DR
a É em autocarro que normalmente eléctricos e autocarros. É a forma
se deslocam grupos de jornalistas mais rápida de ligar algumas popula-
convidados para conhecer um país. ções em torno do lago.
O autocarro espera-os no hotel, leva- A companhia privada que explora
os a conhecer os locais turísticos, estas rotas recebe compensações das
deixa-os e recolhe-os nos restaurantes autoridades públicas pelo serviço de
e deposita-os no hotel ao Æm do dia. transporte público, mas o seu negó-
A Suíça fez diferente e durante seis cio assenta no turismo. Os navios são
dias andou a mostrar grande parte do bem maiores que os velhos cacilhei-
país a convidados estrangeiros usan- ros de Lisboa. Têm restaurante de
do o modo ferroviário – comboios de segunda classe e de primeira classe,
via larga e de via estreita, comboios mas este último Æca no convés supe-
de cremalheira, funiculares e, sim, rior e, logo, com vistas mais alarga-
também, um barco e um teleférico, das.
provaram que os transportes públi- O Caminho-de-Ferro de Pilatus,
cos, a mobilidade sustentável e o uso que merece uma visita durante a tar-
de modos de transporte amigos do de, é um dos caminhos-de-ferro de
ambiente são levados muito a sério cremalheira mas íngremes do mun-
pela Confederação Helvética. do. A sua inclinação – pasme-se! – atin-
tudo útil para o transporte de merca- museu, são das peças mais interes- ge os 48%, ou seja, o comboio sobe 48
Segunda-feira dorias que atravessam a Suíça entre santes, mas podem também visitar- metros em cada cem. Parte da esta-
a Alemanha e a Itália. A ênfase da obra se os primeiros comboios de crema- ção de Alpnachstad, onde se chega
O comboio de cremalheira
é colocada no ambiente: estava fora lheira e funiculares suíços, carrua- por um comboio de via métrica que
para o monte Pilatus de questão deixar tantos camiões gens diversas e uma zona onde as sai da estação central de Lucerna.
Num país que faz gala do seu serviço atravessar o país. Estes apanham o crianças brincam aos comboios e de Nesta linha, os horários são cadencia-
público de transportes, não se pode- comboio eléctrico e atravessam os onde os pais diÆcilmente as conse- dos e partem de cada estação aos
ria dispensar uma visita ao museu de Alpes sem gastar gasóleo nem emitir guem arrancar. mesmos minutos de cada hora. Sendo
Lucerna, onde a história do caminho- gases com efeito de estufa. Um cruzeiro pelo lago dos Quatro uma linha de via única, os cruzamen-
de-ferro suíço é contada através de O respeito pelo ambiente parece Cantões, com almoço a bordo, ocorre tos são feitos nas estações e o que
objectos e de painéis interactivos. estar no ADN suíço. Nas primeiras sob um céu nublado e uma chuva surpreende é que o tempo de espera trincheiras, viadutos e outras obras
Logo à entrada atravessa-se uma décadas do século XX os CFF (Cami- miudinha. Ainda assim, a paisagem é quase inexistente. As composições de engenharia que fazem cortar a
réplica, com 15 metros, do que é o nhos de Ferro Federais) já tinham não desilude. É suíça, como nos pos- chegam à estação, pontualmente, respiração.
túnel de base do São Gotardo, uma electriÆcado grande parte das suas tais. O lago é ladeado por zonas ver- como um relógio suíço, cruzam e Mas há limites para fazer um com-
das obras de engenharia suíça e italia- linhas e desde 2004 que a Suíça tem des com aglomerados populacionais seguem viagem sem atrasos. boio galgar pendentes cujas inclina-
na mais relevantes do século. a sua rede integralmente electriÆca- perfeitamente integrados na paisa- Antes de subir o monte Pilatus, ções são um verdadeiro desaÆo à
No interior do museu, uma maque- da. Esta Crocodilo que aqui vemos é gem. Avistam-se chalés e hotéis da façamos uma pausa para explicar gravidade. Por isso, inventou-se o
te reproduz, à escala de 1/200, as um símbolo desses primeiros anos da Belle Époque. O velho e o novo coe- que na Suíça coexistem as linhas de comboio de cremalheira, o qual tem
montanhas alpinas que são atraves- electriÆcação. xistem perfeitamente. Nada é exces- via larga (bitola europeia de 1,44 uma roda dentada que “morde” um
sadas por este túnel com as respecti- Expliquemo-nos: a Crocodilo é sivo. Nada fere a vista. É tudo apenas metros) e as de via estreita (também terceiro carril, igualmente dentado, e
vas estratiÆcações geológicas e expli- uma das primeiras locomotivas eléc- muito bonito. designadas de via métrica, se bem que permite “agarrar” a composição
cações técnicas sobre a obra. Este é o tricas suíças. Verde escura, enorme, O navio destina-se essencialmente que nem todas meçam exactamente à via férrea sem risco de escorregar.
maior túnel ferroviário do mundo: feia, faz jus à sua alcunha, mas é uma a turistas, mas faz também de trans- 100 centímetros). Ao contrário de E é isto que vamos agora experi-
mede 52 quilómetros, mas na verda- maravilha da tecnologia dos anos 20 porte público. Quer isto dizer que Portugal, neste país investiu-se nes- mentar. Mas só mais um pormenor:
de é constituído por 152 quilómetros do século passado. estes barcos cumprem horários e apli- tas linhas que têm comboios moder- um comboio de cremalheira não é
de galerias. Além de ter encurtado a As locomotivas a vapor, toneladas ca-se-lhes o tarifário dos transportes nos que circulam rápidos por traça- um funicular. Este último pode tam-
viagem entre Zurique e Milão, é sobre- de aço e de cobre, em exposição no de Lucerna igual ao dos comboios, dos montanhosos, por entre túneis, bém circular sobre carris, mas é puxa-
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 3

RHÄTISCHE BAHN

do por um cabo, tal como se fosse um hotéis alcandorados a 2132 metros de Em Pilatus esteve a rainha Vitória, de cremalheira, dá, contudo, alguma
i elevador.
A subida para Pilatus demora uma
altitude. Sair do conforto dos salões
panorâmicos e fazer um passeio exte-
em visita à Suíça, em 1868. Mas subiu
de burro. O Hotel Pilatus Kulm já exis-
tranquilidade.

meia hora de puro prazer. Primeiro rior é uma experiência radical, com tia, mas o caminho-de-ferro só foi Terça-feira
As possibilidades de viagens através de bosques que mal deixam o vento a uivar e bátegas geladas de construído em 1889, à época com veí-
Um teleférico com primeiro
sobre carris pela Suíça ver a paisagem que se agiganta lá em chuva a baterem no rosto. Há um con- culos movidos a vapor que venciam
são imensas. Há passes baixo. E depois, passados alguns junto de túneis com “janelas” abertas as pendentes à vertiginosa velocidade andar em Stanserhorn
para visitar o país de comboio túneis, através das rochas das monta- na rocha que deixam ver a paisagem. de 3,6 km/h. Hoje, mesmo com trac- Treze minutos num comboio de via
e estão todos especificados nhas onde cada subida parece sempre Não é aconselhável para quem tem ção eléctrica e modernos sistemas de estreita, nove minutos num funicular
em www.sbb.ch/fr/loisirs-et- mais íngreme que a anterior. Não é vertigens, mas, houvesse sol, um tem- segurança, a velocidade não ultrapas- e outros nove num teleférico. Assim
vacances/inspiration/ exagero: a linha foi, literalmente, po morno e uma brisa suave, e isto sa os 12 km/h. se pode resumir a viagem do centro
voyageurs-internationaux/ esculpida na montanha. parecer-se-ia ao paraíso. Os dois A descida é mais impressionante de Lucerna ao monte Stanserhorn, a
swiss-travel-pass.html. Olhando para trás, vemos que já hotéis têm promoções que vão dos do que a subida e pode mesmo ser 1900 metros de altura. Mas na Suíça
ultrapassamos as nuvens e que mal 230 aos 298 francos suíços (aproxi- assustadora, tal é a inclinação em que as viagens valem também por si. Nem
se distingue o lago lá em baixo. O mes- madamente o mesmo em euros) por o comboio mergulha, como se esti- sempre interessa o destino – para um
mo acontece no complexo de Pilatus, noite, para duas pessoas, e incluem vesse numa montanha-russa. Conhe- turista, a viagem já é (também) um
onde chega o comboio que serve dois também a viagem de comboio. cer o funcionamento de um sistema Æm em si mesmo. c
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4 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Viagens
RHÄTISCHE BAHN

Vejamos este comboio de via estrei-


ta composto por locomotiva e sete
carruagens, uma das quais panorâ-
mica, envidraçada até ao tecto, atra-
vés da qual se pode admirar uma
paisagem que passa demasiado rápi-
do: o feixe de linhas da estação cen-
tral, casas, o lago, prados verdejantes,
túneis, tudo num traçado sinuoso que
parece às vezes passar no meio dos
jardins das pessoas. E o mais impres-
sionante é o conforto e a suavidade
do andamento, bem como a quase
total ausência de ruído. Isto num
caminho-de-ferro de via estreita e
cheio de curvas, que foram os moti-
vos que levaram Portugal a fechar as
suas linhas do Tâmega, Corgo, Tua,
Sabor e parte do Vouga.
O comboio deixa-nos na estação de
Stans, onde, a cinco minutos a pé,
encontramos a estação do funicular
que nos levará a Kalti. Construída em
1893, esta linha funcionava com uma
máquina a vapor que fazia mover os
cabos que rebocavam o funicular.
Recorde-se: um funicular é como dois
pêndulos que sobem e descem puxa-
dos por um cabo. Hoje o percurso
está partido ao meio porque, depois
de Kalti, o resto da viagem é feito num
moderno teleférico panorâmico que CARLOS CIPRIANO
vence a parte mais íngreme da mon- Cantões, rodeado de montanhas, e
tanha. ainda mais três lagos. Sem vento, com
Teleféricos panorâmicos sê-lo-ão o céu azul e um sol morno de Outono, A Crocodilo
todos, mas os empregados da Cabrio a experiência é perfeita. Por vezes é uma das
Stanserhorn gostam de dizer que este não há palavras para tanta beleza. primeiras
é único no mundo porque as cabines locomotivas
têm um primeiro andar ao ar livre Quarta-feira eléctricas
para os passageiros poderem desfru- suíças, uma
De comboio em comboio
tar da paisagem, sobretudo se o tem- maravilha
po estiver bom, como é o caso de de Lucerna a Davos da tecnologia
hoje. O nome Cabrio não é inocente Viajar numa carruagem panorâmica dos anos
– remete para o glamour dos automó- de um Intercidades suíço, mesmo à de 1920
veis descapotáveis. beira do lago de Zurique, é um prazer
A experiência de viajar neste terra- supremo para os amantes das viagens Ao lado, um
ço panorâmico recomenda-se. Nove de comboio. O lago beija, por vezes, dos muitos
minutos de puro prazer, à medida a via férrea e desde as janelas cônca- lagos que
que subimos à velocidade de 12 km/h vas da carruagem pode ver-se a com- se dão a ver
e descobrimos vários horizontes com- posição a serpentear nas curvas com durante uma
postos de lagos, montanhas, prados, os Alpes ao fundo. Céu, montanha, viagem
Çorestas. Quanto mais subimos e lago, comboio: azul, verde, azul, ver- de comboio
mais a vista alcança, maiores as excla- melho. Com o Sol a começar a descer, pelo país
mações dos turistas. a Oeste o contraste é ainda mais acen-
Não surpreende, assim, que todo tuado.
este esforço de romper a montanha Esta foi uma das viagens de uma
com um funicular e um teleférico não jornada que começou cedo e nos fez enorme rotunda que serve para dis- Os sete quilómetros de Vitznau a ano, mas faz também serviço regular
tivesse outro objectivo que chegar a andar em nove comboios. Primeiro tribuir o material circulante entre as Rigi, a 1860 metros de altitude, ven- de passageiros porque há povoações
um dos sítios mais bonitos da Suíça de Kriens para Lucerna, onde apa- várias linhas do armazém. A coexis- cem-se em 27 minutos. No cume, além que praticamente só são acessíveis
– o Stanserhorn. nhámos um Inter-regional para Vit- tência de comboios modernos com do tradicional hotel e restaurante com por este comboio que circula à velo-
Este local vale por si e não precisa znau, uma pequena localidade à bei- velhas locomotivas a vapor e carrua- esplanada, há algumas cabanas dis- cidade máxima de 20 km/h. Também
de outros atributos além de alguma ra do lago, de onde parte um comboio gens centenárias, tudo em estado de persas e uma imponente torre de tele- é sobre estes carris de cremalheira
logística: um restaurante, esplanadas, de cremalheira para Rigi, mais um marcha, mostra a preocupação dos comunicações. De Rigi avistam-se 13 que é abastecido o hotel com todo o
varandas, miradouros e pequenos dos cumes alpinos por onde só se suíços pelo património e pelo uso que lagos, várias cidades, bosques, prados tipo de produtos, algo comum a todas
percursos pedonais para chegar ao pode aceder sobre carris. ainda lhe podem dar, pois misturam e, claro, como cenário de fundo os estas ferrovias que servem os Alpes
ponto mais alto (1933 metros) e nos As oÆcinas deste caminho-de-ferro, frequentemente diversos tipos de Alpes, cujos cumes, dizem, se contam onde não se pode chegar de carro.
sentirmos no coração dos Alpes, cujos mesmo junto a uma estação Çuvial do material na mesma composição ou em número de 600. Pode parecer estranho, mas servir
cumes estão cobertos de neve. Daqui lago dos Quatro Cantões, são muito fazem mesmo viagens especiais em O caminho-de-ferro de Rigi trans- os turistas foi o objectivo pelo qual se
se avista em baixo o lago dos Quatro curiosas porque nela predomina uma comboios históricos. porta um milhão de visitantes por construiu em 1871 este caminho-de-
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 5

ALEMANHA

Zurique
Berna ÁUSTRIA
Lucerna
SUÍÇA
Davos

Tirano
I TÁ L I A

FRANÇA 45 km

ferro para Rigi. No século XIX a pro- que estão permanentemente a chegar
cura turística para visitar estes picos e a partir. Às 15h15 apanhamos um
das montanhas de boas vistas e ares Inter-regional da Sudostbahn (uma
puros já justiÆcava o investimento. empresa “privada” que na verdade é
Em 1907 a linha era electriÆcada (em pública porque a maioria dos capitais
Portugal a primeira linha electriÆcada são do governo federal e dos cantões),
foi a de Cascais, em 1926, e seria pre- que nos deixa às 15h55 em Zurique
ciso esperar até 1957 para a de Sintra depois de uma viagem em que se
ter também comboios eléctricos), recreia a vista pelos lagos e monta-
dispensando assim a tracção a vapor. nhas que atravessamos.
É que a Suíça não tem carvão, mas Nesta maratona ferroviária o pró-
dispõe de abundantes recursos hídri- ximo comboio é o Intercidades dos
cos, o que justiÆcou o recurso à elec- CFF que possui a tal carruagem pano-
triÆcação. râmica que faz as delícias dos passa-
Apesar do Inverno rigoroso, do geiros menos habitués. É como viajar
vento e da neve, a exploração decor- numa cápsula envidraçada atraves-
re durante todo o ano graças à robus- sando cidades, pontes e túneis e que
tez do transporte ferroviário, possuin- depois de se despedir do lago de Zuri-
do a empresa limpa-neves sobre que logo inicia a subida dos Alpes ao
carris que asseguram uma frequência longo de um rio caudaloso.
de, pelo menos, um comboio por O comboio tem um serviço que é
hora na época baixa. Se nos meses de cada vez mais raro nos caminhos-de-
Verão aÇuem mais turistas para des- ferro da Europa – uma carruagem-
frutar da paisagem, no Inverno, como restaurante, com refeições a sério,
as pistas de esqui nesta zona não são não plastiÆcadas, e uma carta de
especialmente famosas, a própria vinhos razoável. Para alguns passa-
empresa dos caminhos-de-ferro geiros, sobretudo quadros de empre-

SEJA RESPONSÁVEL BEBA COM MODERAÇÃO.


inventou uma forma de atrair clientes sas, esta é a melhor forma de viajar.
– dispõe de 300 trenós que aluga aos E esta viagem que começou às
passageiros que queiram subir de 16h07 acaba às 17h12 em Landquart,
comboio e descer as colinas de forma onde, oito minutos depois, apanha-
mais divertida e radical. mos um comboio de via estreita para
A descida do monte Rigi faz-se por Klosters Platz. Agora sim, nota-se per-
uma linha diferente que vai para Arth- feitamente que subimos sempre, num
Goldau, oito quilómetros mais abaixo. traçado muito agarrado à orograÆa
Demora a coisa entre as 14h15 e as do terreno, por entre bosques e mais
15h03, na companhia do simpático túneis e pontes. Em Klosters Platz
maquinista do comboio, que se temos três minutos para mudar para
espraia em explicações técnicas sobre o novo (e último) comboio do dia.
o funcionamento desta linha. Este também da Ferrovia Rética, uma
Urs Polin foi despedido da empresa outra companhia ferroviária supos-
de elevadores em que trabalhava tamente “privada”, mas que aÆnal
durante a covid e mal sonhava que, também é pública. A Rhätische Bahn
dois anos depois, voltaria a ser um (na designação alemã) é detida em
homem feliz como maquinista do 95,4% por capitais do Federação Hel-
caminho-de-ferro de cremalheira de vética, do cantão de Grisões e dos
Rigi. “Sempre gostei de comboios, gos- municípios que serve.
to do que faço e, de resto, já me falta A viagem prossegue, sempre a
pouco para a reforma”, comenta. subir, até Davos, a cidade que é
A intermodalidade entre a última conhecida pelo Fórum Económico
estação desta linha e a estação de Mundial, onde se reúnem anualmen-
Arth-Goldau dos CFF (Caminhos-de- te os principais líderes globais da
Ferro Federais) é perfeita. Em poucos Ænança e da política. Mas os locais
metros estamos num edifício clássico gostam mais de acentuar que são a
rodeado de vias férreas e comboios cidade mais alta da Europa e c
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6 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Viagens

que o cantão de Grisões tem 150 Em Filisur é impressionante a cadên- nariz encostado ao vidro. Treze minutos depois chega o próxi- 260 mil turistas. Mas nesta linha cir-
vales e 600 lagos, o que a torna um cia dos comboios que chegam e par- As próximas automotoras que a mo comboio para Disentis-Munstér. culam também comboios regulares
dos destinos turísticos mais bonitos tam. O nosso chega, pontualmente, Ferrovia Rética encomendou (desi- Mas este – hélas! – traz um veículo azul que transportam um milhão de pas-
e exclusivos da Suíça. às 11h01, para nos levar até Reiche- gnadas Capricórnio, o símbolo do no meio da composição branca e ver- sageiros por ano.
A chegada da via férrea em 1890 foi nau-Tamins. Incrível como num mes- cantão de Grisões) já não serão como melha. Trata-se de uma belíssima A composição de hoje é composta
determinante para o turismo e des- mo comboio os suíços põem carrua- estes comboios, compostos por loco- carruagem-restaurante dos anos de por nove veículos panorâmicos bas-
envolvimento de Davos. Deveu-se a gens tão diferentes. É um simples motiva e carruagens, mas a empresa 1930 na qual será servido o almoço a tante confortáveis. Tecnicamente, do
empreitada a um holandês, Willem regional, mas tem uma carruagem teve o cuidado de pedir ao fabricante bordo. Uma salada seguida de zuri ponto de vista ferroviário, é formada
Jan Holsboer, cuja mulher, tubercu- para as crianças poderem brincar para que, apesar do ar condicionado, geschnetzeltes, um prato típico de por uma UTE (Unidade Tripla Eléctri-
losa, morreu antes de poder tratar-se (com jogos e um escorrega), outra as janelas se possam abrir. É que a Zurique à base de iscas com mousse ca) que reboca seis carruagens.
no sanatório que havia na cidade. A para transporte de bicicletas e outras paisagem dos Alpes suíços é um bem de batatas, acompanhado com branco Com cerca de 200 pontes e 44 via-
viagem, em carroça, foi fatal para a onde se podem abrir as janelas para escasso e único. Seria grave não lhe e tinto da região. O branco era bom. dutos e túneis, este é um dos três
infeliz esposa, mas o marido prome- se fazer fotograÆas sem reÇexo e des- permitir o acesso desde o comboio. Michel Pauchard, director de caminhos-de-ferro do mundo classi-
teu que iria encurtar os tempos de frutar da paisagem sem estar com o São 11h52 em Reichenau-Tamins. Marketing da Ferrovia Rética, diz que Æcados como Património da
viagem para quem quisesse chegar MAX GALLI
a sua empresa mantém ao serviço UNESCO. Há mais outro na Áustria e
rápido aos ares puros da montanha e quatro comboios regulares em cada outro na Índia. A Alemanha tinha um
acabou como o promotor do cami- serviço entre Chur e St. Moritz com em Dresden, mas perdeu a classiÆca-
nho-de-ferro para Davos. carruagem-restaurante. São todas da ção por causa de uma ponte que não
Um passeio nocturno pela cidade primeira metade do século XX, de cor obedecia aos critérios da organiza-
(só tem 12 mil habitantes) é pouco azul, destoando do resto da compo- ção. Michel Pauchard aponta para
menos que deprimente. Não há nin- sição, mas acentuando o ar clássico um dos inúmeros túneis que acaba-
guém nas ruas, ladeadas de hotéis e que pretendem dar ao momento da mos de atravessar: “Remodelámos
de casas incaracterísticas. Não pas- degustação. todo o interior do túnel, mas na
sam carros e a vida nocturna resume- entrada tivemos de manter as pedras
se a meia dúzia de clientes em alguns Sexta-feira em vez de pôr cimento para manter
bares de hotéis. a fachada original”, explica.
O Bernina Expresso
A linha do Bernina é realmente
na via férrea que é espectacular e parece incrível como
Quinta-feira
As carruagens abertas para património da UNESCO é que, com os meios do século XIX, à
Um dos comboios mais famosos do custa de pá, picareta e explosivos, se
desfrutar da paisagem mundo – o Bernina Expresso – percor- conseguiu romper por entre desÆla-
Entre Abril e Outubro, a Ferrovia Réti- re 144 quilómetros entre Chur e Tira- deiros e cumes para chegar aos pon-
ca põe ao serviço uma estranha com- no, um percurso pelos Alpes absolu- tos mais recônditos dos Alpes. Verda-
posição: uma locomotiva eléctrica de tamente fabuloso, que em 2019 atraiu deiros colossos da engenharia são os
1929, três carruagens de madeira dos ANDREA BADRUTT
anos 20 do século passado, dois veí-
culos de caixa aberta onde se viaja ao
ar livre e um vagão J para transporte
de mercadorias.
Será um comboio histórico turís-
tico?
É e não é.
É turístico porque o material é cen-
tenário e está cuidadosamente pre-
servado. Mas é também um comboio
regular que circula duas vezes por dia
entre Davos e Filisur, com tarifário
igual ao dos outros comboios normais
e que transporta também os locais
nas suas deslocações regionais. Os
suíços, já se sabe, gostam de com-
boios e também sabem que a melhor
maneira de preservar material histó-
rico é porem-no a circular em vez de
o deixar parado nos museus. E sabem
igualmente que este serviço atrai mui-
tos turistas, que adoram viajar nesta
composição histórica, privilegiando
muitos deles os vagões abertos onde
podem apanhar sol, chuva ou frio,
para não perderem pitada de uma
paisagem magníÆca, cuja beleza cau-
sa grande emoção.
Seguimos, pois, por entre desÆla-
deiros e túneis, pendurados em
penhascos, subindo por entre rochas,
atravessando rios em pontes que ven-
cem abismos. Um regalo para os sen-
tidos. Uma pulsão irresistível para os
passageiros, que não largam os tele-
móveis e as câmaras de Ælmar.
Dura a viagem das 10h18 às 10h53.
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 7

túneis helicoidais, destinados a tes e chá. Mas a paisagem é a mesma. sobretudo durante o Inverno em que União Europeia (à qual a Suíça não
ganhar cota no interior da montanha,
como os que existem entre Bergun e
Não muda.
Ospizio Bernina é a estação ferro-
Ospizio Bernina as estradas se tornam perigosas, faz
com que o caminho-de-ferro seja a
pertence, recorde-se) que manda os
caminhos-de-ferro nacionais separa-
Preda. Para o passageiro a sensação
é estranha: entramos no túnel e pou-
viária mais alta desta linha. Fica a
2253 metros de altitude e aqui o com-
é a estação melhor opção para o abastecimento
das cidades. É o caso dos produtos
rem a roda do carril através da divisão
entre a operação dos comboios e a
co depois saímos e avistamos a linha
no lado oposto, umas centenas de
boio detém-se 15 minutos para os
viajantes poderem fotografar o gla-
ferroviária para as principais cadeias de super-
mercados, bem como combustível
gestão da infra-estrutura. Renato Fas-
ciati, CEO da Ferrovia Rética, diz que
metros mais abaixo. Olha-se para
cima e perguntamo-nos como vamos
ciar e o lago que daqui se avista. O
Bernina Expresso inicia a sua desci-
mais alta desta para as bombas de gasolina e deriva-
dos do petróleo para o aquecimento
isso seria impensável para a sua
empresa porque as duas vertentes só
passar ali naquele viaduto. Mas a res-
posta está em mais um túnel em cara-
da para Poschiavo, devagar, a 25 km/
h, com todas as cautelas, porque
linha. Fica das casas. Em sentido inverso são
escoadas toneladas de madeira, tam-
funcionam bem se estiverem juntas.

col através do qual subimos a um


novo patamar do precipício.
sente-se claramente a inclinação
acentuada da pendente. A composi-
a 2253 metros bém sobre carris. Tudo isto em terri-
tórios que em Portugal seriam classi-
Sábado
O maior comboio do mundo
Alguns dos ex-líbris desta linha são
os viadutos entre túneis, construídos
ção serpenteia pelos socalcos e o vale
ora aparece à esquerda, ora à direita, de altitude Æcados de baixa densidade e, logo,
incompatíveis com o modo ferroviá- Foi Renato Fasciati o mentor do
em pedra, que ligam um túnel a
outro, por entre cascatas de água. Por
da carruagem.
A viagem pode ser acompanhada e aqui rio – uma visão que levou ao encerra-
mento das linhas férreas de Trás-os-
evento que neste sábado, 29 de Outu-
bro, foi notícia a nível mundial – o
vezes, o maquinista tem a preocupa-
ção de afrouxar à passagem destes
através de um site que dá informa-
ção em tempo real sobre o percurso o comboio Montes e do Alentejo.
A Ferrovia Rética tem também um
maior comboio do mundo em via
estreita. A ideia era, a propósito dos
locais para os passageiros poderem
fotografar.
e onde a cada momento se pode ver
a velocidade e a altitude do com- detém-se serviço auto entre Klosters e Selfran-
ga, graças a um extenso túnel ferro-
175 anos do caminho-de-ferro na Suí-
ça, chamar a atenção para a Ferrovia
O Bernina Expresso é apenas um boio. Mais: dispara alertas à passa- viário no qual os automóveis viajam Rética que procura recuperar da
comboio, um produto turístico. A
viagem custa 83 francos suíços,
gem dos locais mais interessantes,
como os lagos, cumes, viadutos,
15 minutos para em vagões para fazer uma travessia
que, por estrada, seria mais longa,
quebra do número de passageiros
provocada pela covid-19. E para isso
incluindo um suplemento de 20 fran-
cos. Mas Æca a recomendação: pode
monumentos.
A Ferrovia Rética tem 1600 traba-
os viajantes perigosa e impossível nos meses de
Inverno. Os passageiros permane-
montou-se uma complexa operação
que consistiu em ligar 25 automoto-
ser feita num comboio regular, sem
ter de se pagar o suplemento. A fre-
lhadores (a CP tem 3800), explora 381
quilómetros de linhas de via estreita
poderem cem dentro dos carros durante a
travessia.
ras de quatro carruagens formando
uma composição de cem veículos
quência deste serviço é surpreenden-
te: há um comboio por hora entre as
e 30% da sua rede está a mais de 1500
metros de altitude. Além do serviço
fotografar A empresa está integrada vertical-
mente. É responsável pelos investi-
com um comprimento de 1906
metros.
cinco da manhã e as sete da tarde.
EnÆm, os passageiros do Bernina têm
de passageiros, também explora com-
boio de mercadorias, o que é algo
o glaciar mentos e manutenção da infra-estru-
tura, pela produção de comboios de
Estes dois quilómetros de comboio
pareciam uma serpente de cor ver-
direito a alguns mimos: degustação
de licor e grapa, e oferta de chocola-
raro em linhas de via estreita. Mas a
inacessibilidade de muitos sítios,
e o lago passageiros e de mercadorias. Um
modelo oposto ao que vigora na
melha a descer os Alpes entre Preda
e Alvaneu, num percurso de 25 qui-
CARLOS CIPRIANO
lómetros que atravessa 48 pontes e
22 túneis. Apesar da suavidade do
andamento – a Fugas viajou a bordo
desse comboio entre Preda e Bergün-
Bravuogn –, que até fazia parecer que
a empreitada era fácil, foi necessário
criar condições para dominar 2950
toneladas de ferro e aço a deslizar
pelos carris em pendentes acentua-
das. Sete maquinistas, distribuídos
Totalmente ao longo da composição, tinham de
descobertas estar perfeitamente sincronizados
ou na aceleração e frenagem do com-
envidraçadas, boio. A comunicação entre eles teve
algumas de recorrer a um telefone do tempo
carruagens da I Grande Guerra, com dois cabos
proporcionam estendidos ao longo das carruagens,
vistas porque a rede de telemóvel e o siste-
impagáveis ma de comunicações do comboio
para a não foram considerados Æáveis.
paisagem Este recorde foi, assim, o corolário
de uma semana em que os suíços
procuraram mostrar que este é o
país dos comboios e da mobilidade
sustentável.
Vem a propósito uma fotograÆa de
2018 que circulou nas redes sociais
onde se vê Paul McCartney a viajar
num comboio britânico a ler uma
revista e onde se lê que “um país des-
envolvido não é aquele onde os
pobres têm carros, é onde os ricos
andam de transportes públicos”. E
nisso a Suíça é, também, um bom
exemplo.

A Fugas viajou
a convite do Turismo da Suíça
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8 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

FOTOGRAFIA: ADRIANO MIRANDA


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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 9

Protagonista
FOTOGRAFIA: ADRIANO MIRANDA

entrar no mundo da recuperação


Maria José Santana de barcos de madeira.
Formado em Arquitectura já
?
a É difícil perceber o exacto depois de ter estado a estudar
momento em que Hélder OceanograÆa em Newport, na Resposta rápida
Ventura começa a enamorar-se Universidade de Rhode Island, É fácil encontrar pontos
pelos barcos de recreio em Hélder Ventura teve que buscar comuns entre a construção
madeira. Sendo natural de conhecimento “num estaleiro naval e a arquitectura?
Válega, freguesia do município em Pardilhó, que trabalhava com Muito. Primeiro, pela questão
de Ovar plantada de frente para a barcos de recreio”. “É um do projecto e do desenho.
ria de Aveiro, desde tenra idade mundo diferente dos barcos Ainda que tenham funções
que começou a Æxar o olhar nas tradicionais. São ambos barcos e diferentes, o método é
embarcações que iam cruzando de madeira, mas o processo é semelhante. E o processo
a laguna. Já crescido, foi estudar completamente diferente”, também não é muito diferente.
OceanograÆa para os Estados repara. A relação dos arquitectos
Unidos da América e deixou-se navais com o estaleiro e os
contagiar pela atenção que no O regresso à América clientes é semelhante à da
outro lado do Atlântico já iam arquitectura ligada à
e a paixão pelos Vougas
dando à recuperação do construção civil.
património náutico de madeira. Como a experiência com o A arte da carpintaria naval da
O verdadeiro clique, acredita, Andorinha correu bem, o Os objectos região de Aveiro e o barco
aconteceu no dia em que arquitecto que assinou obras de Hélder moliceiro acabam de ser
comprou um veleiro usado e como o Espaço Empreendedor e Ventura: inscritos no Inventário
constatou que “entrava água por a Escola de Artes e Ofícios retrato do Nacional do Património
todos os lados”. Pesquisou, (ambos em Ovar) avançou para presidente Cultural Imaterial. É um passo
estudou e pôs mãos à obra. E uma nova aventura. “Acabei por Kennedy e a importante?
nunca mais parou, comprar um outro barco que mulher a Estamos todos de parabéns.
acompanhado de mais uns estava à venda, da classe Vouga, navegarem Apesar de não ser a nossa
quantos entusiastas dos barcos e recuperei-o”, testemunha, num barco de praia, a da Cenário, é a praia
de recreio em madeira, recuando a essa altura em que já madeira; vizinha. No fundo, estamos a
associados da Cenário - Centro tinha adquirido o armazém do molde falar de património náutico. É a
Náutico da Ria de Ovar. cais do Puchadouro. “Comecei a construído no preservação de uma arte, algo
Hélder Ventura faz questão de recuperar aqui os barcos e foi-se curso que que nos identifica e nos deve
nos receber no armazém que formando um núcleo de amigos frequentou orgulhar. Os portugueses em
serve de sede, e ligados à náutica, que viríamos a nos geral deviam sentir-se mais
simultaneamente de estaleiro, à transformar depois em Estados orgulhosos do seu património
associação a que preside. associação”, enquadra. Em Unidos náutico. Para falar em
Estamos em Válega, no cais do 2004, foi oÆcialmente criada a da América; economia do mar e economia
Puchadouro, outrora importante Cenário. casco do azul, precisamos de pessoas
ponto de saída de mercadorias - A colectividade tem por Brisa, barco que interajam com o mar.
produtos agrícolas, pecuários e missão salvaguardar e restaurar da classe Devíamos ter mais “mar”
também o caulino que servia a embarcações de recreio Dragão e que nas escolas?
famosa fábrica da Vista Alegre. representativas do património competiu Já desde 2004 que
Entre os vários barcos que se náutico. Promove workshops de nos Jogos escrevemos sobre isso na
encontram guardados dentro introdução ao restauro de Olímpicos Cenário. Falta cultura náutica
daquelas quatro paredes - alguns embarcações de madeira, de Helsínquia nas escolas. Devíamos olhar
estão a ser alvo de trabalhos de dinamiza a prática de vela e em 1952 para os bons exemplos de
restauro -, há um que nos merece também trabalha “a componente Viana do Castelo, que está a
especial atenção. Nada mais que museológica”, frisa o arquitecto, fazer um trabalho
um pequeno veleiro, da classe de 63 anos, que também tem interessantíssimo, e também
Andorinha, considerado “um dedicado parte do seu tempo de recuperações de barcos, mas espécie de capital mundial em Aveiro, através do Sporting
dos históricos da vela desportiva a desenvolver alguma do zero só Æz este. Se aparecer da carpintaria naval”, o presidente Clube de Aveiro. São dois bons
em Portugal”. “Foi o primeiro investigação histórica em alguém para comprar, sou capaz da Cenário foi surpreendido exemplos. Importa colocar as
barco que comprei”, repara o torno desta temática, de vender”, alvitra, ao mesmo com o reconhecimento que crianças em contacto com a
presidente da Cenário. “É um nomeadamente no que diz tempo que nos mostra o veleiro o nosso país tem. “Nesses meios, água.
barco muito interessante, que foi respeito aos Vougas, barcos de de casco branco. Portugal não é conhecido
desenhado no Sul de França”, recreio originários da ria de Hélder Ventura leva a pelo Cristiano Ronaldo,
elogia, recordando o dia em que Aveiro. Hélder Ventura é um dos salvaguarda das embarcações em mas pelo saber fazer barcos,
colocou, pela primeira vez, o seu principais entusiastas e madeira tão a sério que, em pelos Descobrimentos”,
barco na água. “Quase foi ao defensores da classe, que merece 2012, voltou aos Estados Unidos - sublinha, defendendo que seria
fundo. Entrava água por todos os ser defendida e preservada. desta vez, no Maine - para fazer importante aproveitar esta
lados”, relata, a propósito do Tanto assim é que já construiu uma formação em carpintaria mais-valia e acentuar a nossa
momento em que foi forçado a um Vouga de raiz. “Já Æz dezenas naval. Nesse estado que “é uma ligação ao mar.

Hélder Ventura
A paixão pelo restauro de barcos de madeira
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10 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Memória de viajante

Uma Consoada austral


HUMBERTO LOPES

Humberto Lopes
a O chapa bamboleia-se por uma
estrada de terra. Vai como um
barco numa dessas tardes em que
o Índico é mais imprevisível que
um deus em dia de embirrar com o
mundo. Abarrotado de povo,
afunda-se em cada cova da picada
e volta a emergir com a proa
apontada ao céu de chumbo. A
cada guinada do volante para fazer
o veículo escapar aos buracos, o
condutor faz também os
passageiros amassarem-se uns
contra os outros com um pouco
daquela solidariedade promíscua
com que a humanidade partilha
destinos.
A tempestade mostra cara de
ciclone. O vento ruge, dos céus
caem faíscas e estrondos e trombas
de água como se estivéssemos
debaixo de uma cachoeira. A
borrasca está mesmo por cima e de
vez em quando um estouro
metálico avisa que o raio caiu nas
curtas redondezas. Indiferente, o
condutor vai fazendo as paragens
reclamadas pelos candidatos a
passageiros espetados à beira da
estrada. É evidente que a lotação já
está esgotada há maningue tempo,
mas isso não quer dizer que o
cobrador, em acrobacias de
pendurar o físico do lado de fora,
não seja profissional de inventar
modos de a cada paragem entalar
mais dois ou três passageiros
dentro do submarino. inaugurar com pompa e homilia ziguezagues para engendrar um Ænda. Não é assim em todo o
Estamos quase a sair de uma umas semanas antes. O queixoso trilho de piso sem água. Claro que mundo? À mesa, sobram teorias,
estrada secundária salpicada de falou para o ar, ninguém lhe os heróis, agora petriÆcados em planos, estratégias, análises, entre
covas como se tivesse acabado de responde, os passageiros querem é topónimos, cansados de tanta garfadas de bacalhau e de matapa
ser bombardeada. O caminho chegar depressa às vistas do independência e de tanta luta pelo engolidas com vinho da comarca
serpenteia entre cajueiros e
mangueiras. Mais uns solavancos e
Maputo.
Mas o que pode acontecer às
desenvolvimento e pelo combate à
pobreza absoluta, não estão em
A noite é quase sul-africana de Stellenbosch. Um
economista tira estatísticas do
já estamos a entrar na N1. Sim. Mas
daqui a Maputo ainda estão a faltar
vezes acontece mesmo: a viatura
mergulha na corrente e logo a
condições de prestar auxílio
patriótico aos transeuntes: nem os
tropical. Muito bolso, um académico explica-as, o
crescimento económico alastra
três horas e como é véspera de
Natal, o tempo daquelas festas em
seguir o pneu da frente do lado do
condutor esvazia-se com um furo
passeios da Mondlane, nem os da
Armando Tivane, nem os da Sekou
provavelmente pelo gráÆco imaginário. Todos se
mostram anuentes. Aliás, são
que o gato da vizinha pode
desaparecer misteriosamente, o
subaquático. O cobrador salta para
a chuva, pega nas fatais
Touré escapam à enxurrada.
Vencido o lodaçal, com água pelos
ainda haverá tempos de paz e de atitudes
cordatas. Os dedos tamborilam no
tráfego deve estar mais
atrapalhado. E também deve haver
maquinarias e põe-se a substituir o
cujo, com a água a dar-lhe pela
tornozelos, vem uma corrida de
táxi, com o motorista a fazer
um bom cristal dos copos, inspira-se a
quadra nas luzinhas piscantes. O
mais polícias de trânsito a
confiscar as boas festas dos
barriga da perna. Cada vez que
passa outra carripana, uma onda
planos para rodear meia cidade a
ver se consegue chegar “mais
punhado supremo líder, esse, não é o Pai
Natal agora?
condutores encurralados. São
essas as previsões meteorológicas
deixa o infeliz ainda mais
encharcado. Dentro da viatura não
depressa” ao destino, o bairro de
Sommerschield. Nos tempos de chapas Perto da meia-noite, alguém
propõe um brinde. Já não chove e
mais razoáveis.
A passar o Zimpeto a N1
se ouve um queixume, vigora a
resignação. Os passageiros
coloniais era a paróquia dos
possidentes, da alta Ænança e do a navegar quem vai fumar um cigarro no
jardim pode avistar uma ou outra
afunda-se num rio. O passageiro
sentado ao lado do homem do
ensardinhados dividem, ordeiros,
a água que se inÆltra pelo chão
empresariado superlativo. Após a
independência, e esquadrinhada à no purgatório tímida estrela no céu. A noite é
quase tropical. Muito
volante, no tom paciente de quem
todos os dias faz exercícios desses,
carcomido e o oxigénio disponível
na cabina de vidros embaciados.
distância, a atmosfera pouco
mudou: apenas há mais cercas, e de rios de lama provavelmente, como todos os dias
do ano, ainda haverá um bom
conjectura que aquilo deve ser das
águas baralhadas com a
Três horas depois
desembarcamos na Eduardo
mais altas e mais electriÆcadas. E
mais guardas e mais vigilância. e água punhado de chapas a navegar no
purgatório de rios de lama e água
construção da nova circular, obra
que o presidente tinha vindo
Mondlane. A grande avenida virou
um lamaçal. Caminha-se aos
Natal serve já também para
antecipar balanços do ano que da periferia da periferia, cheios de gente
ansiosa por chegar a casa.
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12 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Passeios

De Barcelos a Santiago
a “Todos os dias me deslumbro com
isto. Com o sítio onde vivo, com a
minha terra, as histórias das pessoas,
os meus vizinhos. Vivo muito isso e
aproveito para escrever histórias”,

de Compostela, o caminho
conta Marlene Costa à entrada do seu
Ninho, em Rubiães, concelho de Pare-
des de Coura. Em 2014, a antiga pro-
fessora de Matemática e de Ciências,
mais tarde de Expressão Dramática,

é “rústico” e “primitivo”
regressou à terra para abrir um alber-
gue de peregrinos na antiga casa da
bisavó JoseÆna, erguida em 1822.
“Estou a recuperá-la desde o primei-
ro dia em que cá cheguei. Vou fazen-
do conforme vou ganhando.”
O primeiro espaço aberto ao públi-
co foram os antigos estábulos dos

O Caminho Português de Santiago Central – Caminho Primitivo animais, no piso térreo, hoje um
albergue com várias camas em meza-

está em certiƊcação. De Barcelos a Valença, há lendas, natureza nino e espaço de cozinha e refeições,
onde Marlene e a cadela Carolina,

e muitas histórias de um caminho que se quer manter “rústico” mascote do Ninho, nos recebem com
fatias de bolo e café. São 17 camas no

e “genuíno”. Mara Gonçalves (texto) e Nelson Garrido (fotograƊa) total, a contar com dois quartos pri-
vados, que em breve deverão passar
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 13

MARA GONÇALVES

Na oficina de
marcenaria
Restauro à
Sexta (foto
principal)
carimbam-se
os
passaportes
dos
peregrinos

Nesta página:
vista de
Barcelos e
capela e
painel alusivo
ao caminho
em Paredes de
Coura

a três. Finda a época de maior movi- nacional. Há uns anos, uma peregrina Entretanto toda a gente saiu e fui eu go a pé, de bicicleta ou de carro. milagre de Santiago em território por-
mento de peregrinos rumo a Santiago alemã, “uma miúda de 20 anos que que acabei por regressar.” Primeira paragem: Barcelos – onde tuguês”, sublinha Nuno Rodrigues,
de Compostela, confessa-se “muito andava a caminhar há dois”, apare- o mais famoso dos galos é Ægura ine- técnico de turismo da autarquia.
cansada”, ainda que o trabalho seja ceu por “aqui perdida” a pedir-lhe Canta o galo a inocência vitável, dada a ligação da lenda ao “Está retratado no Codex Calixtinus,
“muito bonito e gratiÆcante” e nunca alojamento. Era Inverno. Marlene não caminho. “Há várias versões, mas o primeiro guia do caminho, quer em
do peregrino
perca o sorriso energético e acolhe- tinha ainda o albergue nem sequer a genericamente conta a história de um Toulouse em 1070, quer em São
dor. ideia de o criar, mas deu-lhe guarida. Quando encontramos Marlene Costa peregrino galego que terá passado Domingo da Calçada já no século XV,
Da Páscoa a meados de Novembro, “Foi uma noite muito interessante, já vamos sensivelmente a meio do por Barcelos num dia em que se julga salvo erro. Depois, em meados do
recebeu “em média 15 peregrinos por falámos muito.” roteiro rumo a Santiago de Compos- ter havido um roubo”, recorda Daniel século XX, os etnógrafos ligam isto ao
dia” e, depois de um Julho fraco Poucos meses depois, decidiu “pôr tela, com menos caminho a passo e Afonso, guia turístico que nos acom- artesanato de Barcelos e, hoje em dia,
(“Æcámos todos assustados”), a partir os pés ao caminho também”, “como mais quilómetros conquistados de panha durante todo o percurso. Leva- é uma das lendas mais conhecidas da
do festival de Paredes de Coura, altu- forma também de gratidão” por um automóvel para dar tempo de nos do a um juiz enquanto este almoçava portugalidade no mundo.”
ra em que a casa se divide entre meló- problema de saúde que tinha supera- demorarmos nas localidades. “Pelo um galo, o peregrino terá jurado ino- No Museu da Olaria, uma das expo-
manos e peregrinos, “foi uma loucu- do. “Foi um caminho muito alegre, número de pessoas que passam e cência e, para prová-lo, declarou que sições temporárias, patente até ao
ra”. “Acho que foi o mês de Setembro em que me ri muito. Não fui à procu- pelo tempo que permanecem, cada o galo cantaria sobre o prato caso fos- Ænal do mês, é dedicada “à peça de
em que tive mais gente e de países ra de encontrar nenhuma luz para vez mais os peregrinos não querem se condenado. Ægurado mais famosa” do concelho.
que nunca tinha tido. Imensos israe- decidir alguma coisa da minha vida”, só caminhar, mas conhecer os sítios O cruzeiro de pedra, hoje no museu O galo mais antigo data de 1900 e “era
litas, alguns libaneses”, recorda. recorda. A verdade é que regressou e falar com outras pessoas, não obs- arqueológico instalado nas ruínas do um brinquedinho” com “uns bura-
O edifício de pedra, típica casa “cheia de ideias”. Depois de Madrid, tante o cansaço”, comenta Tiago antigo paço dos Condes de Barcelos, quinhos para as crianças puderem
minhota, Æca mesmo de portão para Timor, Londres e várias cidades por- Cunha, vice-presidente da autarquia tem uma gravura que conta o Ænal da fazer sons”, provavelmente mais ins-
o Caminho Português de Santiago tuguesas, ia voltar a Rubiães para de Paredes de Coura. “A experiência história. Reza a lenda que foi o após- pirado “no quotidiano dos artesãos”
Central – Caminho Primitivo, actual- abrir um albergue “diferente”. “Já é cada vez mais abrangente. Já não tolo Santiago quem, milagrosamente, do que em milagres de peregrinos,
mente em processo de certiÆcação e não concorri às escolas nesse ano e querem só chegar e dormir.” Por isso, sustentou o corpo do peregrino, sal- conta a guia Anabela Gaspar. “Em
que arranca oÆcialmente no Porto, comecei as obras”, conta. “Sempre a nossa viagem ocupa-se, sobretudo, vando-o na forca, enquanto o juiz 1950, nasce aquele que é o galo clás-
com dez etapas até Santiago de Com- fui muito ligada às minhas raízes, ao daquilo que se pode ver e fazer ao acorria ao local gritando a inocência sico, feito ao molde e reproduzido
postela, cinco delas em território meu chão, à minha casa. Nasci aqui. Ænal de cada etapa, rume-se a Santia- do homem. O galo cantara. “É o único milhares de vezes.” c
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14 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Passeios

Barcelos, graças aos barros dos bai- o slogan. O lema assenta em duas pre-
xios do Cávado, foi sempre terra de missas, entre outros levantamentos
oleiros e olarias, uma arte tradicional históricos: por um lado, as zonas
que “permaneceu muito inalterada” onde, à época, se atravessavam os
ao longo das décadas e que ainda tem vários rios até à fronteira, por outro,
enorme expressão no concelho, não as antigas vias romanas (“os primeiros
só pelo galo como pelo Ægurado de a construir uma estrutura viária na
autor. O museu nasceu em 1995 com Península Ibérica”), nomeadamente
o objectivo de “preservar, promover a estrada que unia Bracara Augusta
e instigar nas pessoas que visitam a (Braga) e Austurica Augusta (Astorga),
ideia da relevância da cerâmica para na qual Santiago de Compostela é
o futuro” e, em breve, vai sofrer remo- ponto de passagem.
delações para apresentar de forma Na época medieval, o caminho
permanente, pela primeira vez, todo atravessaria ainda “o centro daquilo
o espólio “de aproximadamente 10 que eram as povoações primitivas” e
mil peças de olaria de Portugal e paí- “sempre por lugares de devoção”,
ses de expressão portuguesa”. uma vez que este é um “caminho reli-
gioso, espiritual”. Esse cariz, ainda
Caminho “rústico” que hoje os caminhos sejam percor-
ridos por diferentes motivos e cren-
e “genuíno”
ças, continua a ser muito importante,
Em Barcelos, são muitos os vestígios defendem os autarcas e técnicos com
arquitectónicos que testemunham a quem nos vamos cruzando. Estamos
passagem de peregrinos em direcção sobre a Ponte das Tábuas, em
a Santiago de Compostela ao longo Balugães, uma estrutura singela de
dos séculos. Note-se a igreja matriz de pedra sobre o Neiva onde uma repre-
Santa Maria, com conchas de vieira, sa forma um género de piscina natu-
“símbolo primitivo dos peregrinos”, ral, quando Nuno evoca “esta etapa
esculpidas nas colunas e órgão de muito tranquila, muito rural, de liber-
tubos, ou o hospital de apoio a pere- tação e recolhimento” para lembrar
grinos, hoje integrado no conjunto de que o caminho não só “toca muito na
edifícios que compõem a câmara História”, como “possibilita estes
municipal. momentos de introspecção”.
À entrada da cidade, a capela de “Não é só ruído, massa, ‘turigrinos’
Nossa Senhora da Ponte, construída e bicicletas”, defende o técnico de
no século XIV juntamente com a pon- Barcelos. “O turismo é o motor da
te que une as duas margens do rio, economia mas não podemos permitir 151 nacionalidades”.
tinha um lava-pés em pedra para que o nosso caminho se torne num Quando lá estivemos, em inícios de
apoio aos peregrinos. “Quando é não-lugar, numa auto-estrada de Novembro, contudo, eram poucos os
construída a ponte, a cidade ganha turismo massiÆcado.” Para Paulo caminhantes que vimos passar de
uma importância geográÆca e comer- Sousa, vice-presidente da autarquia vieira a balouçar nas mochilas, muitas
cial muito maior e faz com que Barce- de Ponte de Lima, é fundamental pre- vezes protegidas por capas coloridas
los se torne, naturalmente, um ponto servar e valorizar “este lado mais contra a chuva que nos acompanhou
estratégico de passagem [dos peregri- rústico”. “Não podemos transformá- ao longo dos dias. No albergue de
nos], uma vez que era o sítio mais lo num negócio. É um recurso único Ponte de Lima, das 61 camas disponí-
perto e fácil [de cruzar o Cávado] para e identitário”, reforça, lembrando veis, apenas 15 tinham sido ocupadas
quem vinha do Porto.” que, muitas vezes, ao querer-se naquela noite. “De Outubro para
É por esta altura, Ænais do século “acrescentar valor, acaba-se por des- Novembro nota-se uma baixa muito
XIII, inícios do século XIV, que o cami- caracterizá-lo”. signiÆcativa, até Fevereiro”, aponta
nho português começa a ganhar noto- José Dantas, técnico da autarquia. No
riedade, em parte graças à rainha San- “Voltou aos números entanto, ali a dois passos, na Restauro
ta Isabel, uma “das primeiras a fazer à Sexta, Manuel Martins sempre vai
de 2019”
essa peregrinação em direcção a San- recebendo “alguns” peregrinos,
tiago”, recorda Daniel. Nos anos de É um equilíbrio que entidades gover- pronto a carimbar o passaporte de
1980, já os caminhos têm uma “grande nativas, empresariais e associativas acesso à Compostela e a cantar uma
expressão” internacional, atraindo tentam gerir: por um lado, é transver- Há ainda vários casos de peregrinos regressar e “conhecer tudo o resto”. música que escreveu dedicada aos
centenas de caminhantes de todo o sal a convicção de que é necessário que se apaixonam pelos lugares por Depois de dois anos de pandemia, caminhantes.
mundo. Em 2019 “tivemos mais de 300 “manter o caminho genuíno, com onde passam a caminho de Compos- ainda não há dados oÆciais sobre Há cerca de um ano que Manuel
mil peregrinos em todos os caminhos identidade”, por outro, é inegável o tela e regressam para fundar negócios 2022, mas no restaurantePedra Fura- tem esta secretária à entrada da oÆci-
que chegam a Santiago”, aponta, “mais impacto dos peregrinos – e do seu ou comprar casa. Paulo Sousa relem- da Herculano garante que “foi um na de marcenaria, envolta num cená-
de 70 mil no caminho português” (ain- número crescente – na economia dos bra o casal russo que “investiu num ano fantástico”. “Voltou aos números rio inspirado no caminho: há placas
da que para estes números não se dis- lugares por onde passam. “Se não hotel” em Ponte de Lima ou os Ælipi- de 2019”, compara o anÆtrião do res- que indicam algumas das principais
tingam os diferentes percursos em fosse o caminho, já não tinha cafés, nos que “compraram uma quinta na taurante familiar, famoso pelo galo localidades até Santiago, um boneco
território nacional). mercearias, padarias em Macieira de vila e criaram um enoturismo”. A assado em forno de lenha. “Tive um de bordão e cabaça surge à espreita
São muitos os trajectos – “o cami- Rates, Pedra Furada ou Balugães, e aposta, repete-se em cada concelho, dia em que tive 60 peregrinos cá den- numa porta, há Æos de vieiras e cru-
nho começa à porta de casa”, não nos não apareciam micronegócios nestes passa por proporcionar “uma extraor- tro. Só de um grupo vinham 23”, zes, um sino que toca à passagem de
cansamos de ouvir – mas este que territórios, nomeadamente na área dinária experiência de hospitalidade recorda, acrescentando que “param, cada peregrino e uma telha onde
agora percorremos anuncia-se como do alojamento”, sublinha Nuno Rodri- e segurança”, resume Nuno, para por ano, dezenas de milhar” de pere- regista a contagem: 6028 peregrinos
o “primitivo”. “Este é o caminho”, diz gues. deixar nos peregrinos a vontade de grinos e, ao longo dos anos, “gente de desde Agosto 2022.
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 15

espantam-se ao saber que esta terá Arc My Otel Bom Retiro


sido a etapa mais difícil. “Queríamos Largo da Alegria, 9 Estr. EM514 – Lugar do
que fosse mais assim, porque gosta- Ponte de Lima Ageito

A manhã mos de estar mais na natureza”, reage


Tjibbe. “É mais dura e escorregadia,
Tel.: 258 900 150 / 966 506 744
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Rubiães - Paredes de Coura
Tel.: 961 256 679
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acorda também por causa da chuva, mas foi
a melhor parte até agora”, acrescenta Site: www.arc-otel.pt Facebook: www.facebook.com/
Louis, que no ano passado já tinha RestauranteBomRetiroRubiaes
invernosa em palmilhado parte do Caminho do Ninho
Estrada de São Pedro de Rubiães,
Norte. Fatum
Ponte de Lima, Os dois holandeses não rumam a
Santiago – em Tui vão inverter a mar-
695
Rubiães – Paredes de Coura
Rua do Major Severino (junto às
Portas da Coroada)
com uma chuva cha e enveredar pelo Caminho Por-
tuguês da Costa, percorrendo-o em
Tel.: 916 866 372
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Valença
Tel.: 964 169 723
miudinha sentido contrário até ao Porto. “Só
queria desligar-me do trabalho, da
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casadefados@gmail.com
a cair sobre rotina”, diz Tjibbe. “Em vez de estar
num escritório, em frente a um com-
NinhoAlbergue
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fatumrestauranteefados
a neblina que putador, estar mais no exterior, na
natureza, a andar.” O caminho de
ninho_nest
Pedra Furada
pousa no rio Santiago, mesmo que não se chegue
à meta, proporciona isso, mas tam-
Quinta do Caminho
Caminho de Santiago, N.º 2417
Rua de Santa Leocádia, 1415
Pedra Furada – Barcelos
e nas serras bém o contacto com outros cami-
nhantes e pessoas locais. “Talvez um
Pedreira – Valença
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dos destaques desta viagem, além de E-mail: geral@quintadocaminho. Site: www.pedrafurada.com
conhecermos muita gente, seja a com
Casa Fernanda, cerca de 15km antes Site: quintadocaminho.com Petiscas
de chegar a Ponte de Lima”, conta. Facebook: www.facebook.com/ Largo da Alegria
“Fomos muito bem recebidos, foi quintadocaminho Ponte de Lima
inacreditável. Comemos, bebemos, Instagram: www.instagram.com/ Tel.: 964 006 607
contaram-nos histórias e coisas sobre quinta_do_caminho Facebook: www.facebook.com/
Portugal. É como se fôssemos da Petiscas
família.”
Com a chuva e os dias curtos, qua- O Sendeiro
se não temos tempo de passear em Rúa do Olvido, 22
Valença, mas a fortaleza, o comércio Santiago de Compostela
Para Manuel, no entanto, “isto vencer “o maior desnível no Caminho da Rua Direita e a ponte sobre o Tel.: +34 981 58 71 96
começou a sério na altura da pande- Português Central”, se entendeu que Minho, “metade portuguesa, metade Site: osendeiro.com
mia”, quando o albergue estava deveria ser dividida em duas, com espanhola”, são pontos de visita obri-
encerrado e, com frequência, chega- paragem em Rubiães. gatória que não dispensamos, mesmo
va-lhe quem não tinha onde dormir. Até lá, é sempre a subir pela serra ao cair da noite. No dia seguinte, a
“Acho que tive uma ligação mais forte da Labruja e depois a descer até à estrada é longa e directa até Santiago
com os peregrinos nessa altura, a freguesia do concelho de Paredes de de Compostela e a Praça do Obradoi-
resolver-lhes as situações.” Desde Coura. Chamam-lhe a “etapa rai- ro, frente à catedral, o culminar de
então que se sente numa “missão” e nha”. “São praticamente 14 quilóme- todos os caminhos em ano de Jubileu
promete “coisas novas para o Verão”. tros a subir.” Entretanto, já entrámos que, devido à pandemia, se prolonga
“Aquele tempo que perco com eles, num território “mais agreste do pon- excepcionalmente por dois anos, até
estou sempre a ganhar. Apanho sem- to de vista do clima e da orograÆa”, ao Ænal de 2022.
pre qualquer coisa para me satisfazer numa zona “mais rural e verde” É sempre emocionante ver chegar
o dia.” Já fez duas vezes o caminho, onde abundam os carvalhos e os cas- os peregrinos, sobretudo durante a
este central e o da costa, mas “não tanheiros. “Rubiães surge como um manhã. Há quem grite, chore copio-
sabia que a ligação com os peregrinos oásis do caminho, porque vem a samente ou abrace estranhos; quem
aqui ia ser mais enriquecedora”. “É seguir a uma provação muito gran- se deite sobre os paralelos da praça
muito bonito.” de”, diz Tiago Cunha. “É ir do infer- ou tire fotograÆas. É uma comoção
no ao céu.” No restaurante Bom partilhada por turistas e caminhan-
Etapa rainha Retiro, em Rubiães, o proprietário tes, que neste dia parecem estar em
Rafael Cunha (entretanto em socie- menor número. Chegam amiúde,
A manhã acorda invernosa em Ponte dade com os funcionários), lembra- um ou dois de cada vez, vergados
de Lima, com uma chuva miudinha a se de ver chegar portugueses “com sob as mochilas e o cansaço de dias
cair sobre a neblina que pousa no rio os pés cheios de bolhas”. “Ao princí- e dias a caminhar. A praça irrompe
e nas serras, lá ao fundo. Na comprida pio, as pessoas não estavam tão bem em palmas, assobios e gritos a cada
ponte de pedra, um peregrino solitá- preparadas”, recorda. Nas paredes, nova chegada. “É assim todos os
rio, curvado sobre os bastões de cami- desenhos e mensagens registam par- dias”, diz a guia Maria. “É o caminho
nhada. A etapa que principia é uma te das inúmeras histórias vividas ao de Santiago.”
das mais duras, conta Daniel. São cer- longo dos últimos 12 anos, num espa-
ca de 18km, tão pouco que nem ço que chega a acolher 100 peregri- A Fugas viajou a convite
sequer etapa era até há pouco tempo, nos por dia. dos concelhos de Barcelos,
unindo-se num fôlego de boa perna No café junto ao albergue de Ponte de Lima, Paredes de Coura
Ponte de Lima a Valença, mas que, ao Rubiães, no entanto, Tjibbe e Louis e Valença
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16 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

The Vine House

Na casa de campo
da Kopke, sentem-se
a hospitalidade
e o orgulho durienses

Foi residência dos Barros e dos Kopke e, este ano,


a Sogevinus transformou-a num acolhedor
alojamento, coroando a experiência de enoturismo
que já existia na Quinta de São Luiz desde 2019.
Ana Isabel Pereira (texto) e José Sérgio (fotograƊa)
a Era o que faltava à simpática e A reabilitação da casa é do gabine- sul geral das Cidades Hanseáticas,
hospitaleira experiência de enoturis- te de projectos Core Concept, dois anos depois já o alemão enviava
mo da Quinta de São Luiz, na mar- enquanto a decoração de interiores as primeiras garrafas de vinho para
gem esquerda do Douro, Tabuaço. Æcou a cargo do estúdio Isabel Lopez o Norte da Europa. Fundada em
Estava aberta ao turismo, com visitas Vilalta, que apostou num ambiente 1638, a Kopke orgulha-se de ser “a
de Novembro a Fevereiro, provas de sóbrio e no conforto, relevando a casa de vinho do Porto mais antiga
vinhos das várias marcas do universo paisagem que é Património Mundial do mundo”, fundada ainda antes da
Sogevinus e uma loja novinha em da Humanidade e que vemos dos demarcação da região. A Barros
folha, paredes meias com os arma- quartos (onze, com o nome dos comprou marca e quinta em 1953. E
zéns de envelhecimento de vinho do talhões de vinha da quinta), todos já no século XXI, em 2006, todo esse
Porto (e a nova adega dos vinhos eles com terraço. Soalho de madeira património passou a ser Sogevinus,
DOC), mas faltava-lhe oferecer a pos- de Riga e móveis em pinho nacional. que tem cinco quintas nas três sub-
sibilidade de ali dormirmos. Cadeiras, candeeiros e mesinhas de regiões durienses, num total de 250
A The Vine House é a primeira cabeceira feitos de rattan e vime. As hectares de vinha, e que pertence
unidade de alojamento do grupo na tais fotograÆas a preto e branco. E hoje ao grupo espanhol Abanca.
região e com ela o projecto de eno- um apontamento cor de vinho nas Contada a história da quinta e da
turismo passou a funcionar o ano cabeceiras. O resultado não podia casa, a visita propriamente dita, e
inteiro (só fecha nos dias de Natal e ser mais aconchegante. incluída na estadia, começa nas
Ano Novo). Nasceu em Agosto, da O primeiro registo da Quinta de vinhas (90 hectares, dos 77 aos 466
recuperação de uma casa com mais São Luiz data do primeiro terço do metros de altitude, numa área total tas: Touriga Nacional, Touriga Fran- Liliana Cardoso, do Peso da Régua
de 200 anos que serviu de residên- século XIX, e surge numa referência de 125 hectares), em concreto na ca, Tinta Roriz, Sousão, Rufete, Tinto e com um orgulho de ser dali que se
cia aos Kopke, primeiro, e à família ao seu primeiro proprietário, João Vinha Rumilã, a mais antiga, com a Cão, Alicante Bouschet e Donzelinho percebe nos primeiros dois minutos
Barros, mais tarde. São desta as Varandas . Foi comprada em 1922 idade média das videiras nos 90 anos, Tinto. Viosinho e Verdelho são as cas- de conversa (”Isto é quase um mun-
fotograÆas que mantêm viva a pelos Kopke, que então já contavam e que rodeia a casa. As uvas produzi- tas brancas plantadas na modernida- do à parte. Sou natural daqui e nun-
memória desta casa de campo e que quase 300 anos de história e de liga- das na propriedade vão, em partes de, e nas zonas mais elevadas da quin- ca me canso desta paisagem linda.”),
vemos espalhadas pelos seus vários ção ao Douro. Em 1936 Nicolau iguais, para vinho do Porto e DOC ta. Nas vinhas velhas, há sensivelmen- conduz-nos para a adega, mas não
recantos. Kopke chegou a Portugal como côn- Douro. A maioria das videiras dá tin- te 35 variedades misturadas. sem antes nos mostrar a Casa do
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 17

Nos anciões armazéns da quinta


i (o mais antigo do século XIX), com
paredes originais em xisto, é possível
provar e comprar todos esses vinhos
The Vine House e também os vinhos tranquilos das
Estrada Nacional 222 — marcas Sogevinus. Os hóspedes da
Adorigo The Vine House têm 10% de descon-
5120-012 Tabuaço to na loja e a facilidade de comprar
Tel.: 254 407 965 ali e receber o vinho em casa, seja
https://kopke1638.com/pt esta em que parte do mundo for.
Preços: quarto duplo a partir Focada principalmente na produ-
de 100 euros na época baixa ção de Portos colheita, tawnies e
e de 120 euros na alta (inclui brancos, a Kopke é a marca premium
visita e prova São Luiz Clássico do grupo, que detém também a
— DOC Douro tinto e branco); Cálem, a Burmester, a Barros e a Gil-
provas a partir de 14€ berts. E o chapéu sobre o qual encon-
por pessoa. tramos também os belíssimos DOC
Douro da série Winemaker’s Collec-
tion ou os Quinta de São Luiz (até há
pouco tempo, era Kopke que líamos
em grande nestes rótulos).
Alambique e a capela de Santa Qui- “O colheita mais jovem que temos
téria, muito utilizada pelos Barros e hoje em dia é de 2012 e o mais antigo
pelos trabalhadores dessa época, e que temos em loja é de 1934”, conta
chamar a nossa atenção para as icó- Michel, para logo acrescentar que se
nicas “Ginas”. lembra bem de quem comprou gar-
A quinta tem, ainda em utilização, rafas desse tawny muito velho: “rus-
oito desses depósitos de cimento sos e chineses”.
pintados de branco e cujo criativo (e A quem não tem “900 euros” para
popular) baptismo está associado à dar por um vinho do Porto, a equipa
lenda do cinema italiano Gina Lollo- do enoturismo da quinta aconselha
brigida. Num deles funciona um bar, outras preciosidades mais em conta:
que abre na época alta, e na mesma na loja, estão disponíveis “o Ferrari”
zona será construída até ao próximo da Kopke, que é o colheita de 1966,
Verão uma piscina de frente para a as colheitas da Kopke de 2003 e 2012,
vinha, explica-nos Liliana, “a rapari- deste último ano também o colheita
ga dos Portos brancos”, enquanto da Burmester, os vintages Cálem
nos dirigimos para o armazém onde 1985 e Kopke 2016; nos brancos, o
envelhecem os Portos. mais antigo que o grupo tem nesta
Estão ali balseiros com capacidade loja física é a colheita 2004, da
até 60 mil litros, outros mais peque- Kopke. Exceptuando o 1966, que
nos, vários tonéis e muitas pipas. E custa 235 euros, estas são propostas
cheira a vinho e a tradição. É uma até 65 euros.
das zonas que os turistas mais gos- Depois de piscarmos o olho ao
tam de visitar, diz-nos, já à mesa, Crasto e a São Leonardo de Galafura,
Michel Moutinho, natural de São na outra margem, tomamos o peque-
João da Pesqueira, e outro elemento no-almoço na acolhedora sala
da equipa de enoturismo com o Dou- comum. É estranho dizer que o frio
ro na guelra. À volta da prova dos sabe bem, mas aqui sabe. Sabe bem
tawnies de dez, 20, 30 e 40 anos da o charme despojado, enquanto o
Kopke (30 euros por pessoa), expli- Inverno, gelado e belo, do Cima Cor-
ca-nos este guia que na quinta só está go aperta lá fora.
5% do stock de vinho do Porto da
casa, “quase todo o envelhecimento A Fugas esteve alojada
está em Gaia”. a convite da The Vine House
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18 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Guardiães do sabor

“O bacalhau tem que ser


acompanhado com muito carinho”
NELSON GARRIDO FERNANDO VELUDO

i
O Victor
Rua do Laranjal, 3
4830-668 São João de Rei,
Póvoa de Lanhoso
Tel.: 253 909 100
Horário: das 12h30 às 16h
e das 19h30 às 22h.
Encerra à segunda-feira.

bina a brasa de carvão com um sis- sorriso traquina que lhe deÆne o
tema eléctrico, de forma a que seja carácter.
constante a intensidade do calor. Na aldeia de São João de Rei, cra-
Uma solução que implicou um forno vada entre penhascos graníticos e
especial, que teve que ser feito por voltada ao vale do Cávado, o Restau-
encomenda e montado no lugar. É rante Victor é hoje um ícone da gas-
preciso cerca de meia hora para que tronomia local. Uma fama também
Na aldeia Æque “lourinho e assado de forma associada à Ægura do escritor brasi-
de São João uniforme”, precisa Victor Peixoto. leiro Jorge Amado, que se tornou
de Rei, Quanto à demolha, esclarece que amigo e visita regular. “Veio a convi-
encravada tem que ser com água muito fria, te do António Celestino, um homem
entre pelo que hoje lhe junta gelo, cum- de cá que foi para o Brasil, era ban-
penhascos prindo as exigências legais que proí- cário na Bahia mas também escritor,
graníticos bem a demolha em água corrente de e quando voltou para a aldeia convi-
e voltada fonte, como de início acontecia. dou o Jorge Amado. Já era amigo de
ao vale “Mas já nessa altura fazíamos análi- Portugal e tornou-se também amigo
do Cávado, ses regulares à qualidade da água”, da Póvoa de Lanhoso, veio cá muitas
o restaurante ressalva. vezes”, relata de forma enfática, já
é um ícone da Quanto à cura, Victor não alinha que disso dão testemunho a múlti-
gastronomia no coro de receios face ao seu cres- plas fotograÆas distribuídas pelas
local cente abandono. “Vai haver sempre paredes da sala.
cura, tenho a certeza de que, pelo E se Victor Peixoto não receia pelo
menos aqui no Norte, vamos ter futuro da cura do bacalhau, mostra-
sempre bom bacalhau”, conÆa, dan- se igualmente seguro quanto à con-
do conta de que há mais de 25 anos tinuidade do seu restaurante. “São
que tem fornecedor Æel – “já Æz via- as pessoas que exigem que seja sem-
gem com eles à Noruega para ver pre igual, hoje já sou apenas uma
como tratam o bacalhau” – que espécie de embaixador, há muito
garante sempre a melhor qualidade. que são as minhas Ælhas que tratam
“Às vezes até com 20 meses de cura, do negócio”, faz questão de explicar
mas com um ano já é uma cura per- com a argúcia de comerciante. “O
feita”, assegura. que temos é de tratar bem toda a
Hoje a entrega é feita no restau- gente e cumprir com a nossa obriga-
rante (“normalmente à semana”), ção, este é que é o segredo da casa”,
país (e não só) e também ele se sen- “Vendemos muito na loja, especial- mas de modo a garantir a cura ade- reforça, referindo-se às Ælhas Ange-
José Augusto Moreira te a gosto no papel de guardião-mor mente nesta época de Natal. Como é quada tem sempre um lote disponí- lina e Glória, ambas já cinquentená-
do culto minhoto pela posta inteira sempre da melhor qualidade, as pes- vel no armazém fornecedor . Um rias.
O Victor é venerado pela assada na brasa, acompanhada por soas vêm de todo o lado e querem sossego comparado com os tempos Mas se o bacalhau é a essência da
cebola às rodelas, alho, batata a também levar para casa”, conta o em que teve que andar pelos portos casa, o patriarca faz ainda questão
posta de bacalhau assado. murro e um bom Æo de azeite. homem que já andou pelas escolas de Aveiro e Viana do Castelo à pro- de deixar claro que também a posta
Há três predicados Presença diária no seu restauran- de hotelaria e grandes hotéis a expli- cura dos melhores lotes. “Fui buscar de vitela dos lameiros do Barroso ou
fundamentais: cura, te na Póvoa de Lanhoso, dá uma car como cuidar do Æel amigo. muito bacalhau à Empresa de Pescas o cabritinho assado com batatinhas,
demolha e calor constante mão no serviço, espalha simpatia e Cura, demolha, calor suave e de Viana. Eram sacos de 65 quilos igualmente bem justiÆcam a viagem.
eÆciência, cuidando que nada falte constante, são estes os “predicados classiÆcados conforme tamanho e Esclarece que é assado no forno
a Com 85 primaveras contadas, e todos estejam confortáveis e a gos- essenciais” que enuncia. “Tem de qualidade, que abria para escolher onde em tempos se fazia o pão, sen-
invejável jovialidade e ainda uma to. Ele próprio trata das compras, ser acompanhado com muito cari- sempre os melhores.” E com a escas- do neste caso necessária encomenda
inquietude traquina, Victor Peixoto veriÆca a qualidade do bacalhau e nho, demolhar em água fria e o calor sez que se seguiu ao 25 de Abril? prévia. É que são necessários pelo
é um dos símbolos maiores da tradi- ainda lhe sobra tempo para atender não deve ser muito forte”, explica, “Nunca tive falhas, vinha da raia, era menos três dias para garantir o chi-
ção do consumo de bacalhau. O seu os clientes que querem também dando conta de que no seu restau- um taxista da zona de Chaves que binho - “que é aqui da montanha” – e
restaurante está no radar de todo o levar para casa bacalhau do Victor. rante adoptou um sistema que com- vinha cá deixar”, conta com aquele tratar da preparação e temperos.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
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20 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Vinhos

Um sonho com humanos porcinos


vez “eu não beneÆciei o BES!”, calei-me com medo e grunhi desde 1996 “à experiência” em
Elogio do vinho “eu não recebi um euro que apenas: “Candidate-se a Portugal.
não me fosse devido!”, levando primeiro-ministro, mande o Natural da Gafanha da
os outros a guinchar de riso. Costa para o diabo. Já ninguém Encarnação, Paulo foi com 18
Guinchavam todos tanto que já aguenta a sua cegueira e anos para Nova Jérsia, Estados
não se percebia quem morria e arrogância.” “Posso ser útil de Unidos, levado por familiares
quem matava. Foi então que outras formas”, respondeu, já Entrei numa emigrados neste país e onde
senti o calor da palha a arder com os olhos vidrados de raiva. acabou por conhecer a mulher,
sobre as minhas costas e vi um Mudou de voz e começou a insónia, natural de Folgosinho, serra da
homem com cara de porco a espetar-me a faca. “Morre, seu Estrela. Embora a vida lhes
Pedro Garcias agarrar-me e a querer porco seboso, esquerdista de perplexo com corresse bem, a dada altura,
espetar-me uma faca comprida m…”. Comecei a guinchar cansado de ouvir todos os
a Há dias acordei alagado em e aguçada. Também vestia desalmadamente e foi aí que a a violência compatriotas do seu círculo
suor depois de um sonho terrí- bem. “Sois pobres porque minha mulher me acordou. confessarem o estranho desejo
vel. Era uma cena de matança quereis. Em dez anos, com Que raio de sonho! Como é do sonho, pois, de regressar um dia a Portugal,
de porco, como as que viven- menos Estado, menos impostos que estas imagens diabólicas se conseguiu convencer
ciei em pequeno. e também menos dívida, era formam no nosso além de a mulher a fazerem o mesmo
Nesse tempo, o matador que possível dobrar os rendimentos subconsciente? Será mais cedo, mas com o
ia a nossa casa era o senhor dos portugueses”, murmurava recalcamento sexual ou alguma estarmos numa compromisso de ser “à
César, funcionário da EDP que com a voz igualzinha à do sequela das terríveis matanças experiência”. Foi há 26 anos,
espetava a faca com uma banqueiro Horta Osório, o da minha juventude cujas época de paz tantos quantos tem O
certeza e uma calma cirúrgicas. administrador não executivo da memórias afectam cada vez Gafanhoto, restaurante criado
Depois de morto e Bial, da Impresa, do Grupo mais a minha relação com os e amor, tinha de raiz e com muita fama na
chamuscado, o porco era limpo Mello, da Fundacão animais e os humanos? zona pelos ensopados de
e pendurado com uma corda Champalimaud, além de senior Entrei numa insónia, tido um dia feliz. enguia e de peixes do mar, o
durante dois dias de cabeça advisor da administração do perplexo com a violência do marisco fresco, os diferentes
para baixo, para o sangue italiano Mediobanca e sonho, pois, além de estarmos Almocei em casa pratos de bacalhau e mais
escorrer bem e as carnes colaborador do poderoso numa época de paz e amor, alguns de cozinha tradicional. A
enrijecerem. No dia da fundo Cerberus, o mesmo que tinha tido um dia feliz. Almocei de amigos “experiência” de viver em
matança, comia-se o sangue comprou o banco francês um robalo do mar em casa dos Portugal, essa, continua a
cozido com alho e os mais Vénétie ao Novo Banco. O meus amigos Brito e Celeste, na e bebi um belo empolgar Paul Rocha.
velhos bebiam o vinho novo da Mourinho da banca. Zeinal Gafanha da Encarnação, Fala-se com ele (não o
pipa; dois dias depois, na Bava também era o Mourinho Aveiro, e bebi um belo Alvarinho, conhecia) e o que se ouve é um
desfeita do porco, assavam-se das telecomunicações, Alvarinho, o Nostalgia 2013. português orgulhoso do seu
os charriscos e alguma barriga lembram-se? Depois fomos comer a o Nostalgia 2013 país, que se espanta todos os
e separavam-se as carnes para o Ainda pensei contrapor: sobremesa ao restaurante dias com a beleza e diversidade
fumeiro e para a salmoura. “Menos impostos e menos vizinho O Gafanhoto, de Paulo das paisagens, o clima, o acesso
Visto de agora, parece coisa de dívida nesta altura?”. Mas Rocha, um homem que está gratuito aos cuidados de saúde,
bárbaros. Na altura, era NELSON GARRIDO
o ensino público, a segurança,
tradição de subsistência. a riqueza da nossa gastronomia
No meu sonho estava um e dos nossos vinhos. Um país
porco estendido na tábua da ainda de PIB baixo, ainda com
morte a guinchar de forma muitos problemas, gritantes
desesperada. Não era bem um injustiças e demasiados pobres,
porco. Tinha corpo de homem cheio de queques, rurais
e cara de porco com algumas bárbaros, empresários e
feições humanas políticos condizentes - sim,
espantosamente parecidas a já nos habituámos -, mas
António Costa, o que não é tão mau como alguns
primeiro-ministro - o visado o pintam e onde se pode ser
que me desculpe. Havia um feliz com pouco, dependendo
homem com uma faca, outro do que se quer da vida. Que
com um archote de palha a sorte não sermos como os
arder e outro sem nada, que Estados Unidos, a Alemanha,
estava ali, presumo, para a Noruega, porque,
segurar no rabo do animal. nesse caso, seríamos
Vestiam roupas de marcas americanos, alemães e
conhecidas e tinham todos noruegueses, e assim a vida já
também cara de porco, mas não tinha o mesmo sentido! O
guinchavam de modo que seria de nós se em vez de
diferente: o matador, com um vinho disséssemos wine, wein
guincho próprio dos loucos; o ou vin?
da palha, como um sádico; e o Querem ver que entrei
do rabo, de alegria. noutro sonho?
No meio da algazarra, foram Um feliz Natal a todos, cheio
surgindo mais e mais humanos de bons vinhos nacionais na
porcinos. Um deles fazia uns mesa e no sapatinho.
corninhos com os dedos e
guinchava num Português Jornalista e produtor
estranho. Repetia uma e outra de vinho no Douro
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 21

Vinhos
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente
ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo
com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:
Fugas — Vinhos em Prova, Rua Júlio Dinis, n.º 270, bloco A, 3.º 4050-318 Porto

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

92 Um dueto 90 88
Pessegueiro Vinha de Viosinho Gorro Alvarinho 2021 Montícola Branco 2019
da Afurada Reserva
Branco 2019 e Rabigato para Portugal Boutique Wines
Melgaço
Sociedade Agrícola
Confiar Memórias,
Quinta do Pessegueiro
Ervedosa do Douro, o frio e comidas Castas: Viosinho e Rabigato
Região: Vinhos Verdes
Freixo de Espada à Cinta
Castas: Códega do Larinho
São João da Pesqueira
Castas: Viosinho e Rabigato gordas e ricas Graduação: 12,5% vol.
Preço: 11,50€
e Arinto
Graduação: 13,5% vol.
Região: Douro Região: Douro
Graduação: 13% vol. Branco vivaz e salivante. Um Preço: 24,95€
Preço: 19,50€ a Dos inúmeros duetos que se registo que dá primazia ao lado (em monticola.pt)
podem fazer com castas brancas do mais acutilante e seivoso do
Douro, o que junta Rabigato e Vio- Alvarinho, em detrimento do seu Um branco de uma zona quente
sinho é dos mais excitantes. Outros lado mais tropical. O que pode com uma boa frescura.
do mesmo nível juntam Arinto com ser explicado com o facto de as Fermentado e estagiado durante
Viosinho, Arinto com Rabigato, uvas serem de Melgaço, onde dez meses em barricas de 500
Rabigato com Gouveio ou Gouveio têm, por norma, uma acidez mais litros de carvalho francês,
com Viosinho, por exemplo. Estas viva e maior austeridade de fruta. incorpora na proporção
são, na minha opinião, as quatro Está mesmo a pedir peixe assado recomendável a nota de tosta
melhores castas brancas da região e marisco. P.G. que se combina com aromas
e sempre gostei de as ver juntas, cítricos. Tem um bom volume de
Proposta porque se completam muito bem: boca e alguma mineralidade. Mas
da semana o Arinto dá uma acidez vibrante; a acusa uma nota de oxidação que
Gouveio acrescenta fruta cítrica perturba o conjunto e impede
deliciosa e também ácida; o Viosi- este branco de atingir outro
nho faz o papel de Chardonnay, gabarito. Vinho raro (650
fornecendo fruta branca e volume; garrafas). M.C.
e o Rabigato contribui com estru-
tura, vivacidade e algum fumado.
Mas tudo depende, claro, da ori-
gem das uvas e do seu estado de
maturação.
Este branco tem origem em
vinhas situadas na margem esquer-
da do Douro (viradas a norte, pre-
93 89
sumo), junto a Ervedosa do Douro,
São João da Pesqueira, a uma altitu- Zuccaro 2018 Casa Relvas Vinha da
de que vai dos 550 aos 580 metros, Quinta Alta, Peso da Régua Mina Touriga Franca 2021
cota que permite já maturações Graduação: 14,5% vol. Casa Relvas, Redondo
equilibradas e pouco precoces. Des- Região: Douro Graduação: 14,5% vol.
te dueto, a casta que mais depressa Preço: 62,95€ Região: Alentejano
amadurece é a Viosinho. A Rabigato (em portugalvineyeards.com) Preço: 10,26€ (em codibebe.pt)
aguenta muito mais o sol e o calor.
Aliás, o que a sua casca rija quer é O Qalt de 2017 foi um bom Depois de uma aventura nos
sol em abundância. Só quando os prenúncio do que estava para vir brancos, a Casa Relvas consolida
seus cachos começam a Æcar entre da Quinta Alta, um projecto da a sua aposta nos varietais com o
o alourado e o acastanhado é que brasileira Fernanda Zuccaro com lançamento de três tintos. Provas
devem ser colhidos. enologia de Francisco antigas tinham revelado uma
O vinho estagiou 16 meses em bar- Montenegro. Este tinto com especial apetência da casa
ricas de 600 litros e o que sobressai nome da mentora confirma uma para a Touriga Franca.
de imediato na prova é a sua textura aposta de grande qualidade e de A edição de 2021, no mercado,
gorda e fumada, que se sobrepõe a fidelidade à natureza do Douro. mostra uma versão alentejana
notas frutadas de cariz cítrico. Volu- Vinho de vinha velha, fermentado da Touriga Franca, com um tinto
moso e amplo, enche a boca por em lagar, com estágio de 30 mais redondo e exuberante
completo, embora deixe a sensação meses em barrica, é suculento e na dimensão aromática,
de precisar de um pouco mais de delicioso. Tem a expressão embora conserve uma aura
acidez para avivar e prolongar o Ænal aromática do bosque, a riqueza de austeridade na estrutura.
de prova. Mas a acidez até está lá, só gustativa e profundidade, Tem boa apetência
que algo submissa perante o volume harmonia entre a garra tânica, a gastronómica. Está ainda numa
do vinho e as suas notas fumadas. acidez e a fruta e um belo final fase em que o fulgor
Não se espere, por isso, encontrar de boca dos Douros de estirpe. da juventude perturba
um branco tipo Alvarinho, mas sim Uma mão cheia de anos na cave a degustação. Espere-se
um branco de Inverno, mais borgo- tornará este tinto num caso ainda por ele, que há-de ficar muito
nhês, com lastro, sabor rico e perfei- mais sério. M.C. melhor. M.C.
to para comida também gorda e rica.
Pedro Garcias
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22 | FUGAS | Sábado, 24 de Dezembro de 2022

Fugas dos leitores


Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto,
devem ser enviados para fugas@publico.pt.
Os relatos devem ter cerca de 3000 caracteres.
Mais informações em www.publico.pt/fugas

Sortelha: memória de um dia de vento


instaFugas
a Li há tempos no PÚBLICO que está rio de pedra intocado desde a Idade espíritos do tempo passado. É possí- Quer ver as suas fotografias no nosso feed do Instagram?
a ser rodado em Portugal um Ælme Média. Subi à torre de menagem nes- vel que sim. Cada um pode avaliar Use as hashtags #FugasPorPortugal ou #FugadoViajante.
(Damsel) para a NetÇix. Parte das Æl- se Æm de tarde, dias antes do início por si. Vamos seleccionar as melhores.
magens decorre em Sortelha. As res- do campeonato do mundo de futebol O que posso assegurar é que do
tantes são no Convento de Cristo Espanha de 82, ali ao lado. E foi então cimo das muralhas do castelo conti-
(Tomar), Mosteiro da Batalha, Douro que, encostada à parede, senti o ven- nua a avistar-se o horizonte granítico
e serra da Estrela. Mas é de Sortelha to de Junho, tão intenso e inesquecí- até Espanha (de onde já não se espe-
que vou falar. vel que se haveria de tornar para mim ra perigo de invasor iminente...), as
Sortelha é uma aldeia da Beira Alta, o modelo e anemómetro de todos os rosas perfumadas de Junho resistem
onde fui várias vezes em passeio. Mas ventos do resto da minha vida. nalguns velhos (e novos) muros e o
a ida que me Æcou gravada para sem- Volto décadas depois ao que se vento morno da Primavera não aban-
pre na memória foi a primeira, em passou a denominar “a aldeia histó- donou a singela torre de menagem.
Junho de 1982. Era sábado, 5 de rica de Sortelha”. É agora um local O resto haveremos de ver no Ælme.
Junho. Como tantas famílias da Beira turístico com as ruas aplanadas, pas- Não me esqueço do Eduardo Prado
Baixa que viviam perto da fronteira, sadiços de metal, placas e painéis Coelho ter escrito (neste mesmo
tirámos o dia de descanso para fazer informativos, tudo muito arranjado PÚBLICO) que nunca sentiu o vento
compras em Espanha: Fuentes d’ para os forasteiros se deleitarem com assobiar com tanta autenticidade
Oñoro vivia desse pequeno comércio esse aprazível museu ao ar livre. A como no cinema…
com os portugueses: brinquedos, dúvida é se ainda por lá vagueiam os Maria Goreti Catorze
caramelos, artigos de perfumaria
espanhola. Hoje revivo esses tempos
comprando sabonetes Heno de Pra-
via numa loja espanhola online.
Em Junho os dias são muito com-
pridos e os muros das quintas aban-
donadas estão cobertos de rosas de
Santa Teresinha que exalam um per-
fume adocicado. No regresso do
paraíso das compras decidimos parar
em Sortelha (concelho do Sabugal).
Nessa época era uma aldeia perdida
no tempo, tinha deixado de interessar
como fortaleza defensiva, o turismo
“histórico” ainda não passava por @rafaela_photography_
esses sítios, o conceito de “reabilita- #fugadoviajante: O Natal em Sintra,
ção urbana” não tinha sido inventa- pela lente de Rafaela Guerra.
do, a classiÆcação de aldeias históri-
cas não existia.
Mas tinha um castelo, uma torre de
menagem, um pelourinho e um casa-
FOTOS: MARIA GORETI CATORZE

@photo.capricho #fugadoviajante:
A magia da época natalícia na Avenida dos Aliados,
no Porto. Fotografia de Rui Baltar.
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Sábado, 24 de Dezembro de 2022 | FUGAS | 23

O gato das botas

O pão-de-ló da Armanda: um bolo para toda a vida


GETTY IMAGES
O bolo coze depressa, Æcando à
atenção de quem o faz. A seguir ao
ar, os dois ingredientes mais
importantes são os olhos e a
atenção do boleiro. Para dar uma
ideia, aqui em casa, num tabuleiro,
são 50 minutos a 200 graus.
Miguel Esteves Cardoso Quando o bolo Æca pronto é que
começa a festa. Pense no PDL como
um pão doce para fazer sanduíches
a Isto das festas é muito bonito, de doçuras. Sabe-se que vai cortá-lo
muito bonito, até ao momento em ao meio. Como é que vai recheá-lo?
que alguém pergunta pelo bolo. A manteiga é o chantilly. E o
“E o bolo? Não há bolo? Não me recheio? É fruta ou chocolate? Vá
digas que não há bolo!” para as compotas, dizem os mais
O chato que assim falar tem toda gulosos. A combinação de compota
a razão. É que uma festa pede bolo. com chantilly nunca falha, mas
E não há nada a fazer. Excepto uma lembre-se que é preciso acidez para
coisa: um bolo. suportar a doçura e a gordura.
Uma festa pede bolo mas os bolos Combinem o PDL com a bebida
que se compram não prestam para que vai acompanhá-lo. Sejam
nada ou, se por acaso prestam, é prudentes nos casamentos e serão
preciso enfrentar as multidões e recompensados com muitos Ælhos.
depauperar o cartão para obtê-los, Encharquem as metades de PDL
só para descobrir que, em vez, de em sumo de ananás e aproveitem as
“Feliz Natal, Família Encarnação” rodelas para a cobertura. Na minha
escreveram “Feliz Natal, Família memória, há ensopados de PDL
Encarcerada”. que se recusam a ceder o lugar.
Como tal, a única coisa que eu Há tantas bebidas que podem
posso oferecer é uma receita ensopar um PDL, desde bons cafés
infalível para um bolo que serve a xerezes e ginjinhas, conforme as
para todas as ocasiões da vida, sensibilidades.
permitindo variações inÆnitas. Aproveitem a época das laranjas.
É a receita de Armanda Lopes Pinheiro jamais teria autorizado a montinho que faz o açúcar numa Façam-se experiências.
Pinheiro, minha querida sogra, mãe divulgação pública da mesma. colher bem cheia. Vem do latim Enlouqueçam.
da Maria João. É usada diariamente É um bolo com doutrina, uma cucculu e, se calhar, explica o nome Se tiver paciência para fazer uma
por toda a família desde os anos de doutrina que vai contra as francês e inglês para um cobertura com icing sugar,
1950 sem um único caso de obsessões milimétricas dos impermeável de capuchinho, lembre-se que estamos na época
desilusão. Está mais do que
provado, por exemplo, que é à
pasteleiros - e vai com muito gosto,
a tocar trompeta e a fazer rodopios
cagoule.
Com o açúcar cogulo e a farinha A única coisa dos citrinos. Use limões galegos ou
tangerinas, laranjas ou limões. Se
prova de variações individuais. com os pés. “menzuma” se faz o PDL da estiver virado para um PDL
É um PDL, claro - um pão-de-ló.
Mas é um PDL multinacional
Eis a doutrina: o bolo leva sempre Armanda. A farinha “menzuma” é que eu posso alcoólico faça uma cobertura de
daiquiri, ou caipirinha ou
a mesma quantidade de ovos e obviamente daquela que já vem
porque transcende as fronteiras
lisboetas e nacionais. Para os
colheres de açúcar. As colheres,
escusado será dizer, são sempre das
com fermento, a que os entendidos
chamam “farinha para bolos”.
oferecer é uma margarita.
Um PDL é um convite às artes
ingleses, por exemplo, é um sponge
cake. Para os japoneses, é um bolo
de sopa, está bem? Se forem seis
ovos, são seis colheres (de sopa!) de
Batem-se as gemas com o açúcar
até Æcarem branquinhas. Juntam-se
receita infalível combinatórias: como combinará o
PDL com o recheio? E com o
português, a que chamam
irritantemente Castella cake,
açúcar. Se forem oito, são oito.
Seria perfeito se as colheres (de
depois as claras em castelo que
sabiamente já terá preparado
para um bolo chantilly? E com a cobertura? E com
o acompanhamento? Será
obrigando-me a telefonar aos meus
amigos castelhanos que me
sopa!) de farinha também fossem as
mesmas. Mas não são. As colheres
noutro estúdio.
Juntam-se gemas e claras com
que serve limonada ou chá ou um vinho seco
da Madeira?
conÆrmaram que sim, que o bolo
foi mesmo inventado por eles.
de farinha são sempre “menos
uma”. Isto é, são inferiores numa só
grande lentidão, carinho e cuidado
para preservar o ingrediente mais
para todas Num extremo, está o PDL
sozinho, sem chantilly e sem
O PDL é o princípio de um bolo
que cada cozinheiro depois
colherada. Caso sejam sete de ovos
e sete de açúcar, são seis de farinha.
importante: o ar. E, ao mesmo
tempo, para não deixar a farinha
as ocasiões recheio, com um bom vinho do
Porto. No outro, só a sua
completa com as loucuras que
quiser.
A farinha é sempre diminuída em
uma unidade. Espero que tenha
mal misturada. Não é por ser grátis
que se pode desconsiderá-lo. Pense da vida, imaginação dirá.
Por isso é que o pão-de-ló da
Passemos já à receita, fornecida
com chicote em punho pela Maria
Æcado claro.
Depois, a coisa complica-se, já se
no ar como se custasse 50 euros por
decímetro cúbico e aprenderá a permitindo Armanda é um bolo para toda a
vida.
João, atenta a qualquer vírgula
tresmalhada. Ela não só escreveu a
sabia. É que as colheres de açúcar e
de farinha não são as mesmas. As
respeitá-lo.
Já está! Agora tem de ir para o variações Bom Natal!

receita como insistiu em ler esta de açúcar Æcam bem cheias e as de P.S. Este texto foi visto e revisto
minha redacção dessa receita, para farinha menos cheias. Agora vem a
forno, numa forma ou tabuleiro
onde o bolo não se possa colar: ora infinitas. pela Censura Conjugal, tendo sido
apanhar quaisquer desvios palavra que o vai levar a cismar untando com manteiga, ora substancialmente alterado a Æm de
maléÆcos que eu tenha introduzido.
Se não fosse assim, a família
como é que passou a vida inteira
sem ela: cogulo. O cogulo é o
acamando-o numa folha de papel
de forno.
Bom Natal! corresponder mais à verdade
divina.

FUGAS N.º 1166 FICHA TÉCNICA Foto da capa: Andrea Badrutt Direcção Manuel Carvalho Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Joana Lima e José Soares
Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Rua de Júlio Dinis, n.º270, Bloco A, 3.º, 2, 4050-318 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@publico.pt. www.publico.pt/fugas
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
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