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A Letra Escarlate

Como muitos dos outros romances e contos de Hawthorne, A Letra


Escarlate representa a história moral da Nova Inglaterra: a luta entre o amor
puritano da religião e a religião pagã do amor. Mas o livro não é só um retrato da
Nova Inglaterra; é um retrato do próprio Hawthorne, homem com uma alma de
pagão num corpo de puritano. Há um pouco do autor em todas as personagens
do livro: na severidade dos juízes que puniram Hester pelo seu pecado com Artur
Dimmesdale; na implacabilidade de Roger Chillingworth que se arvorou em
consciência vingadora do jovem ministro; na irresolução de Dimmesdale que
ocultava um coração ardente sob as cinzas de um código convencional; e na
coragem de Hester Prynne que usava o símbolo de sua dor como uma
consagração sobre a roupagem do seu amor.
Nesse livro Hawthorne mostra duas espécies de pecado: o do amor contra
as convenções e os das convenções contra o amor. E, dos dois, o último é para
Hawthorne o menos perdoável. O poeta Hawthorne tenta libertar-se do moralista
Hawthorne. O puritanismq norte-americano chega ao fim da sua carreira. Alguma
coisa nova deve substituí-lo. O que seja exatamente essa coisa nova, Hawthome
não pretende saber. Talvez esteja representada pelo tipo da pequena Pearl, esse
produto vago, selvagem e etéreo do puritano e do pagão, belo e evanescente
como um raio de sol num sonho, mas que promete algo mais concreto, mais
afinado pelo coração do mundo do que qualquer dos seus pais. Hawthorne viveu
muito cedo na história dos Estados Unidos para poder escrever o romance da
maturidade de Pearl. Este trabalho ficou para algum romancista de uma geração
posterior.
Hawthorne representa um período de transição na história mental dos
Estados Unidos. É um daqueles pioneiros intelectuais que procuram libertar-se
dos erros do passado. Começa a duvidar do velho estilo calvinista de representar
a raça humana como uma chusma de criaturas pecadoras apanhadas numa
armadilha entre cruel Distribuidor Ide Tarefas residente no céu e um cruel
Verdugo residente no inferno. Hawthorne é o filho de puritanos. Seus
antepassados enforcaram quacres e queimaram feiticeiras. Mas ele é também o
pai de rebeldes. Em última análise, suas simpatias não estão com os juízes e os
carcereiros, mas com as vítimas. A mais simpática e realmente a mais nobre das
personagens de A Letra Escarlate é Hester Prynne.
Contudo, Hawthorne caminha às apalpadelas. Ainda não está bem seguro
do terreno que pisa. Como seus personagens, vive num mundo de meia-luz e de
mistério. Os objetos não são distintos. As distâncias estão apagadas. O horizonte
acha-se envolto em brumas. Não é possível dizer onde a terra termina e começa
o céu. Mas de uma coisa ele está certo — que os erros do passado se
transmudarão nas esperanças do futuro. "Num período mais claro, quando soar
a hora marcada pelo céu, será revelada uma nova verdade para firmar (a espécie
humana) num terreno mais sólido de felicidade mútua."
Um terreno mais sólido de felicidade mútua — a eterna busca do poeta
inspirado e do precursor moralista.

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