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Paidéia, 2006, 16(33), 193-203

MUDANÇAS GERADAS PELA INTERNET NO COTIDIANO ESCOLAR: AS


REAÇÕES DOS PROFESSORES1

Rosane de Albuquerque dos Santos Abreu2


Colégio de Aplicação – Universidade Federal Rio de Janeiro
Ana Maria Nicolaci-da-Costa
Pontifícia Universidade Católica doRio de Janeiro
Resumo: A Internet gerou novas formas de produção, divulgação e armazenamento de conhecimentos
e informações, as quais têm provocado profundas mudanças nos processos pedagógicos tradicionais. A análise
de 20 entrevistas realizadas com professores do ensino Fundamental e Médio de escolas particulares do Rio de
Janeiro foi reveladora. Suas respostas, reações, comentários e atitudes indicam que tais mudanças os têm
atingido profundamente e feito enfrentar dolorosos conflitos internos. Mesmo assim, eles estão conscientes de
que precisam aprender a lidar com alguns dos novos fenômenos produzidos pela Internet, principalmente com
o excesso, a superficialidade e a renovação constante de informações. Por isso mesmo estão: revendo os
conceitos de informação e conhecimento; reformulando práticas pedagógicas tradicionalmente usadas na pes-
quisa escolar; tentando se adaptar às transformações na tradicional relação professor-aluno na qual antes
eram poderosos e privilegiados transmissores de conhecimento; finalmente, alterando a própria concepção do
que significa ser professor hoje.
Palavras-chave: Internet; informação; conhecimento; professores; conflitos internos.

CHANGES PRODUCED BY THE INTERNET IN SCHOOL LIFE: TEACHERS’ REACTIONS


Abstract: New forms of production, release and information storage and knowledge have brought deep
changes in traditional educational processes. The analysis of 20 interviews carried out with private elementary
and high school teachers in the city of Rio de Janeiro was revealing. Their answers, reactions, comments and
attitudes indicate that such changes have had a lot of impact and made them experience painful inner conflicts.
Nevertheless they are conscious that they need to learn how to deal with some of the new phenomena generated
by the Internet, mainly with the excess, the superficiality and constant information update. For this reason they
are: reviewing the concepts of information and knowledge; reformulating educational practices traditionally
used in school research; trying to adapt themselves to the transformations in the traditional teacher-student
relationship in which they once were the powerful and privileged transmitters of knowledge; finally, altering
their conception of what means to be a teacher today.
Key words: Internet; information; knowledge; teachers; inner conflicts.

Introdução computadores nos processos produtivos, no mercado


Iniciada em décadas anteriores (final da de 1960 de trabalho, nas empresas e organizações, na produ-
e início da de 1970), a chamada Revolução Digital se ção cultural, nas relações sociais. Os impactos da
intensificou a partir da comercialização da Internet Internet foram tão grandes que a maior parte das ati-
em meados dos anos 1990, provocando significativas vidades humanas atualmente dela não pode prescin-
mudanças nas mais diversas atividades humanas. dir (Castells, 1999, Cébrian, 1999; Dertouzos, 1997;
Incrementou as alterações iniciadas pela difusão dos Lévy, 1999; Lojkine, 1995; Negroponte, 1995).
O advento da Internet também gerou fortes
impactos em diversas áreas de atuação profissional.
1
Recebido em 11/09/06 e aceito para publicação em 13/11/06.
2
Endereço para correspondência: Rosane de Albuquerque dos Santos
Uma delas é a da Educação. As novas formas de
Abreu, Rua: Januário José Pinto de Oliveira, 75 – Recreio, CEP: produção, divulgação e armazenamento de conheci-
22785-430, Rio de Janeiro – RJ, E-mail: rosane.abreu@terra.com.br mentos e informações tornadas possíveis pela
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interconexão dos computadores mundiais têm provo- “(...) a principal função do professor não pode
cado profundas rupturas nos processos pedagógicos mais ser uma difusão dos conhecimentos, que
tradicionais. A respeito dos novos rumos da educa- agora é feita de forma mais eficaz por outros
ção, Lévy (1999) diz: meios. Sua competência deve deslocar-se no
sentido de incentivar a aprendizagem e o pen-
“A grande questão da cibercultura (...) é a tran- samento. O professor torna-se um animador da
sição de uma educação e uma formação estri- inteligência coletiva dos grupos que estão a
tamente institucionalizadas (a escola, a uni- seu encargo.” (Lévy, 1999, p. 170)
versidade) para uma situação de troca gene-
ralizada dos saberes, o ensino da sociedade Para quem historicamente foi responsável por
por ela mesma, do reconhecimento apresentar aos alunos o conhecimento, tal processo
autogerenciado, móvel e contextual das com- de mudança não é simples. Exige rupturas, recons-
petências.” (Lévy, 1999 p. 172) truções e re-aprendizagens. Exige, também, disposi-
ção para enfrentar novos desafios e disponibilidade
Cebrián (1999) também fala da “sala de aula
para se abrir ao desconhecido, abandonando práticas
sem muros”, produzida pelos atuais meios de comu-
já testadas e concepções estabelecidas. Segue-se uma
nicação que “derrubam as fronteiras geográficas do
breve discussão da literatura brasileira sobre esses
saber, unificando as experiências das pessoas e
desafios.
universalizando os seus mitos” (Cebrián, 1999 p. 120).
Para ele, uma das conseqüências da experiência com Incorporando a Internet ao cotidiano: revi-
os meios de comunicação nos dias atuais é a de que são da literatura brasileira
todos podem se tornar autodidatas. Isso porque, ao Provavelmente por conta do fato de ser tudo
se conectar à Internet, qualquer pessoa tem como muito novo, a literatura sobre os usos da Internet na
buscar sozinha a informação/conhecimento que de- educação brasileira ainda é confusa e difícil de
seja ou de que necessita. E também, divulgar idéias e mapear. Muitos dos trabalhos publicados tentam ofe-
teorias deixando-as ao alcance de muitos para críti- recer subsídios teóricos, técnicos e metodológicos
cas e contribuições. Pode, ainda, discutir temas de aos professores com vistas à utilização da Internet
seu interesse em comunidades virtuais, ao mesmo como ambiente de ensino-aprendizagem (Lucena
& Fuks, 2000; Magdalena & Costa, 2003; Ramal,
tempo em que recebe orientação personalizada de
2002). Esses trabalhos têm pelo menos dois pontos
um especialista sobre o assunto que desejar. Essas e
em comum: (a) propõem que o professor enfrente o
outras novas formas, fáceis e ágeis, de busca e ela-
desafio de fazer uso dos novos ambientes, ferramen-
boração do conhecimento, como não poderia deixar
tas, metodologias e técnicas, oferecidas pela Internet,
de acontecer, vêm tendo várias conseqüências para
no desenvolvimento dos conteúdos escolares; e, (b)
os processos educativos levados a cabo nas institui- visualizam um novo papel para os professores. Por
ções de ensino. trás deles, pode-se ainda detectar a intenção dos au-
Entre os agentes do processo educativo que tores de ajudar os docentes na revisão de suas con-
têm sido profundamente atingidos pelas mudanças cepções, de sua ação, de seu papel.
desencadeadas pela Internet estão os professores. Um outro grupo de trabalhos mostra de que
Além de se sentirem impelidos a conhecer uma nova maneira os professores estão, eles próprios, fa-
fonte de informação – a Internet –, estes (principal- zendo uso dos recursos que a rede disponibiliza
mente aqueles que trabalham com as camadas mais (Boettcher, 2005; Suguri, Matos, Castro, Castro, Jung
favorecidas da sociedade) sofrem pressões dos alu- & Rusten, 2002; Araújo, Battaiola & Goyos, 2001).
nos, dos pais e da própria escola para absorver a Estes são, geralmente, relatos de experiências pes-
Internet em sua prática cotidiana. Essas e outras exi- soais ou resultados de pesquisas que investigam a
gências atuais estão impulsionando os professores a aplicação da Internet como recurso didático.
reverem suas práticas e concepções de ensino. Se- Finalmente, um terceiro grupo de trabalhos vem
gundo Lévy (1999): começando a marcar presença na literatura em ques-
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tão; ele é composto pelos trabalhos que analisam as é tudo muito recente, seja porque os autores que se
reações dos professores (as ansiedades, os me- dedicam ao estudo da penetração da Internet na edu-
dos, as preocupações, as satisfações.) ao fazer cação muitas vezes provêm de áreas distantes da
uso de recursos da Internet. Muitas vezes, essas re- Psicologia, ou mesmo das Ciências Humanas, o fato
ações são observadas a partir de experiências vivi- é que ainda se sabe muito pouco sobre os impactos
das em cursos de formação e/ou aperfeiçoamento. que a penetração social e educacional da Internet vem
Um bom exemplo é o trabalho de Maçada, Sato e gerando no cotidiano dos professores, neles mesmos
Maraschin (2001), que apresenta um relato do pro- como profissionais e como pessoas.
cesso de atualização de professores de matemática Esta é exatamente a contribuição que este tra-
para a utilização de recursos da Internet (chat, ICQ, balho pretende dar, ao dar voz a professores do ensi-
e-mail, lista de discussão). Seus resultados permitem no fundamental e médio, visando analisar seus depo-
identificar que os professores vivenciam um confronto imentos, e verificar como as novidades implementadas
entre o “velho” regime cognitivo escolar de recepção pela Internet nos processos de produção, divulgação
de conhecimentos prontos e o “novo” regime cognitivo e armazenamento das informações e conhecimentos
da busca de conhecimentos e descobertas. Revelam, estão afetando suas práticas docentes e seus própri-
também, sentimentos de desconforto (ansiedade) e os modos de ser.
de insegurança dos professores nos primeiros conta-
tos com a tecnologia. A investigação das repercus- Método
sões dessa experiência na prática docente cotidiana, Participaram da pesquisa 20 professores que
no entanto, foge ao escopo desse estudo. lecionam diferentes matérias (exceto Informática ou
Já Candeias (1998) apresenta uma pesquisa Informática Educativa) na 8ª série do ensino funda-
realizada com dois grupos de professores em um pro- mental e no ensino médio, em escolas particulares da
grama de capacitação. Neste programa, um grupo cidade do Rio de Janeiro. Desses vinte professores,
teve contato sistemático com as novas tecnologias 12 são mulheres e 8 homens, com idades variando
(incluindo a Internet) e o outro não. Os resultados entre 33 e 53 anos (idade média de 41 anos), e com 3
obtidos levam Candeias a afirmar que a presença das a 35 anos de magistério. A maioria (16 participantes)
novas tecnologias na educação não parece ter alte- tinha mais de 10 anos de experiência profissional e a
rado significativamente as práticas pedagógicas dos média de tempo de magistério correspondia a cerca
professores investigados, mesmo daqueles que as de 18 anos, o que mostra que o grupo era composto
usaram sistematicamente. Este estudo traz importan- por profissionais experientes.
tes contribuições a respeito das representações que Como usuários de informática, os participan-
os professores têm do trabalho docente e do papel tes tinham o seguinte perfil: todos usavam computa-
das novas tecnologias na prática pedagógica, mas, tal dores há mais de 5 anos, alguns, no entanto, há 17
como o de Maçada e cols (2001), ele também não anos (a média de tempo de uso era 11 anos). Apenas
tinha como objetivo investigar os impactos pessoais 2 participantes haviam começado a usar o computa-
para os professores da introdução da Internet no dor juntamente com a Internet. Os demais foram,
ambiente pedagógico. primeiramente, usuários de computadores.
Além dos conflitos cognitivos identificados por Quanto à Internet, 16 professores eram seus
Maçada e cols (2001), a literatura psicológica mostra usuários há mais de 6 anos, sendo que 2 deles haviam
que sentimentos contraditórios e conflitos internos são começado a fazer uso da Rede antes dela se tornar
inevitavelmente gerados por processos radicais de comercial. Os outros eram usuários há mais de 3 anos.
mudança (Nicolaci-da-Costa, 1987, 2002). Esses as- Quase todos acessavam a rede todos os dias e a ela
pectos afetivos do desafio com o qual os educadores ficavam conectados por pelo menos 1 hora diaria-
estão sendo confrontados não vêm, contudo, se des- mente. Usavam-na por mais horas nos finais de se-
tacando como objeto de estudo na literatura sobre os mana. Todos tinham conexão à Internet em casa, o
usos da Internet na educação brasileira. Seja porque que levava a maioria a se conectar de sua própria
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residência. O grupo de participantes tinha, portanto, então, uma comparação das respostas dadas pelos
bastante familiaridade com a rede mundial de com- diferentes participantes a cada um dos itens do rotei-
putadores. ro (análise inter-participantes). A partir desse proce-
A entrevista individual foi o instrumento usado dimento, foram identificados pontos recorrentes em
para a coleta de dados. Os próprios entrevistados suas respostas, os quais passaram a ser considera-
escolheram os locais e os horários para os encontros, dos categorias de análise para leituras subseqüentes.
que duraram cerca de uma hora. Na entrevista, que Em uma etapa posterior, procedeu-se à leitura e aná-
mais se assemelhava a um bate-papo, buscou-se cri- lise do discurso de cada sujeito (análise intra-partici-
ar um clima descontraído e informal para que os par- pantes), procurando identificar possíveis contradições
ticipantes se sentissem à vontade e livres para reve- e conflitos individuais. Desta leitura, foram levanta-
lar seus sentimentos, pensamentos, dificuldades e das outras categorias que se juntaram àquelas anteri-
conflitos. Com o seu consentimento, as entrevistas ormente mencionadas.
foram gravadas e depois integralmente transcritas. Resultados
Utilizou-se um roteiro de entrevista, previamen- Os principais resultados que emergiram dos
te elaborado ( Nicolaci-da-Costa, 1994 e no prelo) depoimentos dos próprios entrevistados (lembrando
composto por perguntas fechadas (respostas objeti- que não se partiu de categorias pré-estabelecidas)
vas ou simples “sim” / “não”) e abertas (que com- são apresentados a seguir, sendo que foram dados
portam qualquer tipo de resposta), sendo que as ques- nomes fictícios a todos os participantes.
tões fechadas visavam coletar dados objetivos ou fa-
Informação e conhecimento: dois conceitos
zer a ponte entre um tópico e outro. Já as questões
em revisão
abertas (a grande maioria) se destinavam a permitir
a explanação livre dos participantes a respeito dos As experiências na Internet parecem instigar
diversos tópicos que lhes eram colocados; eram pon- os entrevistados a uma revisão do que entendem por
tos básicos, organizados em forma de itens, a serem informação e conhecimento. Um indício disso foi de-
abordados e aprofundados quando necessário, estan- tectado em suas respostas à questão sobre o que en-
do organizado em quatro blocos: 1- identificação do tendem por informação e conhecimento. Vários en-
sujeito (idade, formação, disciplina e séries que lecio- trevistados tiveram reações diferentes, mas todas
na, tempo de magistério e local de trabalho); 2- ca- sugeriam que não tinham uma resposta pronta. Al-
racterização do sujeito como usuário da Internet (mo- guns fizeram um breve silêncio, como se estivessem
tivos para a conexão, tempo e freqüência de acesso, refletindo a respeito dos conceitos e buscando as pa-
formas de uso e opiniões sobre a Internet); 3- visão e lavras para responder. Outros teceram comentários,
sentimentos dos entrevistados sobre o uso da Internet tais como: “que pergunta difícil”, “é complicado” ou
na educação (vantagens e desvantagens da Internet “nossa, como vou responder?” Outros, ainda, não
para a educação, efeitos de seu uso na sala de aula, responderam no momento em que lhes foi feita a per-
sua aplicação ao processo pedagógico); e 4- visão gunta e, sim, no decorrer da entrevista. Poucos fo-
dos participantes a respeito das transformações que ram os que deram resposta imediata. Tal conjunto de
a rede está gerando nos processos de divulgação, reações fornece importantes indícios de que os signi-
armazenamento e produção de conhecimentos e in- ficados destas palavras estão sendo revistos e
formações. reconstruídos pelos professores entrevistados.
Para a maioria deles, conhecimento é um pro-
Análise dos Dados
cesso elaborado, um “processo de digestão”, que exige
Os dados coletados foram analisados por meio das pessoas “estabelecimento de relações”, “refle-
das técnicas da análise do discurso, tal como propos- xão”, “introspecção”, “processamento”,
tas por Nicolaci-da-Costa (1994 e no prelo). Após “discernimento”. Não é um processo simples, nem
sua transcrição, as entrevistas foram lidas cuidado- rápido, ele necessita de tempo, “requer que você seja
samente e a seguir agrupadas as falas dos partici- capaz de parar um pouco, dar a volta”, como explica
pantes segundo os tópicos do roteiro. Realizou-se, Paulo Lima. O conhecimento demanda, ainda, segun-
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do vários participantes da pesquisa, uma aplicação, digestão dos dados absorvidos, nem tampouco para a
uma experiência, uma produção. Já informação, na fixação dos mesmos.
visão de todos, é exatamente o inverso. Veja-se a O impacto do excesso e da superficialidade das
título de exemplo, como Felipe Peixoto define esses informações parece ter sido grande para vários en-
dois conceitos: trevistados. Muitos revelam seu mal-estar abertamen-
A informação, eu não sei, é um conceito difícil te.
[risos]. A informação é algo que vem muito Sônia Cavalcante, por exemplo, demonstra se
rapidamente, que a gente absorve, recebe e não sentir angustiada frente à quantidade de informações
processa ou processa. O conhecimento é parte à sua disposição e à necessidade de estar o tempo
desse processar. Você lida com a informação,
todo fazendo escolhas.
você processa aquilo e faz relação com outras
coisas. Aí você constrói o conhecimento.1 Hoje em dia você acaba se tomando, assim, por
uma grande angústia. Você sabe que muita
Tais depoimentos, entre muitos análogos, mos- coisa está à sua disposição e você não vai ter
tram que os entrevistados acham que a construção tempo, nem chance de checar aquilo tudo ali.
do conhecimento parte da informação, mas que esta
não necessariamente se transforma em conhecimen- Ivete de Souza, por sua vez, fala que, diante de
to. Na realidade, para os entrevistados, conhecimen- “um mundo de informações”, a única saída é tratar
to é a informação trabalhada, elaborada e aplicada. de forma superficial os dados que chegam.
Já a informação é superficial, é algo que vem rapida- Você abre uma página, um portal, e você tem
mente, é como um flash. flashes de informação. E a pessoa, tão angusti-
As diferenças que os entrevistados fazem en- ada por ter que dominar tudo, que é humana-
tre esses dois conceitos ficam ainda mais evidentes mente impossível, fica pegando só flashes. São
noticiários, não tem a leitura mais
quando eles comentam o excesso de dados proveni-
aprofundada.
entes do intenso fluxo das informações que circulam
no espaço virtual. Seus depoimentos mostram que eles Esse tratamento superficial da informação in-
se sentem confusos e preocupados, conforme mos- comoda muito a quem está habituado a ter algum tem-
tra a fala de Aloísio Santos. po para aprofundamento, tal como os professores
Essa quantidade, essa facilidade enorme de entrevistados. Estes, conseqüentemente, não vêem
informação, faz com que você entre em um com bons olhos as estratégias usadas pelos alunos,
registro, uma velocidade que não te permite que não têm qualquer tipo de problema com a super-
nenhum tipo de introspecção sobre aquilo que ficialidade porque nunca conheceram algo diferente.
você está lendo, nenhum tipo de relação. É uma
Ivone Machado, por exemplo, comenta as estratégi-
coisa muito superficial, a tela mesmo está se
atualizando a cada 5 minutos. O jornal, pelo as usadas pelos alunos:
menos, é de um dia para o outro, mas naqueles A rapidez como eles mudam as páginas. Não
portais a informação muda de 2 em 2 minutos. deu tempo pra ler ou analisar isso aí. Daí eles
dizem, ah isso não interessa. Eles até têm uns
Já Ivone Machado pondera que “o cérebro da critérios deles de análise, mas tudo é muito
gente é fantástico, mas ele precisa de um tempo para superficial.
que as coisas aconteçam”. Ou seja, para Aloísio,
Ivone e para muitos outros entrevistados, como de- Muitos entrevistados sentem-se preocupados
corrência do excesso e da renovação rápida das in- com os efeitos pedagógicos do excesso e da superfi-
formações, estas tendem a ser e permanecer super- cialidade da informação. Para eles, esses fenômenos
ficiais. Não há tempo para aprofundamento, para a estão impedindo que os alunos se tornem mais críti-
cos, mais cuidadosos e que processem os dados de
1
As falas dos entrevistados foram transcritas literalmente, sem forma mais aprofundada. Como se fora porta-voz da
qualquer tipo de edição. São aqui apresentadas da mesma forma. maioria, Sueli Gomes explicita sua preocupação:
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Preocupa que o aluno é muito passivo. Ele A Internet agora está uma febre. Todo mundo
obtém a informação, mas depois ele não quer quer fazer pesquisa, ninguém quer mais ir a
escrever e pensar sobre aquilo. Ele só quer uma biblioteca, aliás, nem sabem o que é uma
passar de um site para outro e entra nisso e biblioteca. A Internet virou fonte de pesquisa
naquilo. A minha preocupação é que isso vá para tudo, inclusive aposentou a vontade de
deixá-los mais superficiais, sem aquele momen- ler. Porque simplesmente é mecânico, eu vou
to de reflexão. lá, clico, monto no meu computador, copio, só
faço a justificação, mando imprimir e boto pro
Na opinião de Sueli e de praticamente todos os professor. Nem olham o que mandam.
demais entrevistados, para construir conhecimento há
a necessidade da intervenção dos professores; os alu- A análise dos depoimentos revelou, no entan-
nos necessitam de sua ajuda durante o processamento to, que há, entre os entrevistados, duas visões distin-
da informação obtida. Esta tarefa, porém, não está tas dessa prática de “copiar-colar” e de suas implica-
sendo nada fácil para os educadores. Como afirma ções para o aprendizado dos alunos. Estas estão igual-
Márcia Vilella: mente divididas entre os entrevistados.
Eu acho que hoje em dia, até pra nós adultos, A primeira delas é compreensiva. Os profes-
está difícil pra gente digerir a quantidade de sores que expressam esta visão analisam com cuida-
dados que nos são dados em nosso dia a dia. do os comportamentos de seus alunos gerados pelas
Acho que eles [os alunos] estão sendo muito experiências na Internet, procurando não fazer julga-
bombardeados. A sensação que dá, que deve mentos precipitados. Simone Pereira, por exemplo,
ser pra eles como que aquela luz entende que a cópia “não é uma desvantagem da
estroboscópica que está sempre piscando na Internet, (...) isso também acontecia com os livros”.
frente deles. Eles não estão aparelhados para Tal como Simone, Sonia Cavalcante, procura enten-
separar: isso aqui eu quero, isso aqui eu não
der o que significa aplicar o recurso do “copiar-co-
quero.
lar” nas tarefas escolares.
É evidente que esses professores estão se de- Quando eu peço uma pesquisa para os meus
frontando com uma nova questão pedagógica: a de alunos, são sites e sites impressos que eles me
ensinar seus alunos a transformar informação em trazem. É ainda a incapacidade deles de sepa-
conhecimento (ou pelo menos guiá-los nessa tarefa). rar o que é bom e o que é ruim Isso está sendo
Na visão dos entrevistados, tal atuação pedagógica é assim um caos para os professores. Eu mesma
particularmente necessária quando a busca e a sele- me coloco no lugar deles. Eu vejo que você, ah,
de repente posso precisar disso também, então
ção da informação acontecem na Internet. São justa-
você acaba crivando um monte de coisas e per-
mente as produções dos alunos, realizadas a partir da
de o cerne.
pesquisa na rede, que fazem os entrevistados senti-
rem a necessidade de sua atuação. Na próxima se- Sonia, Simone e outros professores que têm
ção será abordada com mais detalhes a atividade de essa visão mais compreensiva da prática do “copiar-
pesquisa escolar usando a Internet. colar” utilizam os seus próprios sentimentos e sensa-
“Copiar-Colar”: uma prática que gera polêmica ções de usuários da rede como referência para en-
tender o que está acontecendo com os alunos.
Embora os entrevistados admitam que a
Internet é um poderoso banco de dados que revoluci- Já os professores que apresentam a segunda
onou a prática da pesquisa em geral, todos a vêem visão tendem a criticar a prática do “copiar-colar”,
com reservas para a prática de pesquisas escolares. ressaltando as conseqüências negativas de seu uso
De fato, a maneira pela qual a maioria dos alunos usa pelos alunos, além de culpabilizá-los pela prática em
a rede para suas pesquisas escolares gera polêmicas si. O depoimento de Aloísio Santos, entre outros, ilus-
e discussões. Ângela Azevedo dá voz ao que todos tra essa forma de olhar e entender essa prática:
os entrevistados acham, contando como muitos alu- Eu acho que ficou mais fácil a fraude. No pas-
nos estão procedendo: sado eles, pelo menos, tinham que digitar real-
Mudanças Geradas Pela Internet 199

mente a pesquisa. Hoje, simplesmente é control Antigamente tinha lá as perguntas e o profes-


C, control V, recorte e cole, sem nenhuma ceri- sor dava as respostas pra gente. Era ele o de-
mônia. Aí cabe ao professor criar instrumen- tentor do conhecimento. Era ali que a gente
tos. Eu tenho um. Eu peço uma pesquisa na tinha contato com o conhecimento. Hoje em
Internet, ele me traz, eu leio e devolvo pra ele dia, não tem mais uma resposta. Não sou eu
com uma série de questões sobre aquilo que mais que dou. (Vera Coutinho)
ele, a princípio, pesquisou. Então, para res-
ponder às questões, ele vai ter que ler. Tenta No que diz respeito à qualidade da informa-
me enrolar! ção, a diversidade de fontes disponível na Internet é
vista por todos os entrevistados como problemática.
Diferentemente dos professores do primeiro Como a rede é um espaço aberto a tudo e a todos, é
grupo, que procuram entender como os alunos estão possível nela encontrar não somente conteúdos de
vivenciando a nova realidade, os depoimentos dos boa qualidade, mas, nas palavras de alguns, um “monte
professores desse segundo grupo sugerem que eles de lixo”.
pautam seus julgamentos sobre uma realidade passa-
da (e idealizada). Assim sendo, o “copiar-colar” é por É como eu digo, papel aceita tudo e a Internet
também. Então você tem coisas interessantís-
eles visto como um novo comportamento problemáti-
simas, mas tem também muita porcaria, ou muita
co ou como um desvio. Por conseguinte, vêem como coisa superficial. Tem muita coisa errada, tam-
sua a tarefa de inibi-lo. bém. Você não pode confiar cem por cento. Eu
Uma convicção, porém, os dois grupos têm em acho que o trabalho com a enciclopédia era
comum. Ambos consideram primordial a orientação mais caprichoso, aquilo era mais duradouro,
do professor para ajudar o aluno a selecionar os da- o virtual é mais rápido. Você bota hoje, ama-
dos coletados na Internet com vistas à elaboração de nhã tira, desativa, ativa de novo, lança outro
conhecimentos. texto. (Mariana de Andrade)

Verdades no lugar da verdade absoluta: a ins- Como se pode observar, Mariana de Andrade
tabilidade do conhecimento relativizado adverte que a Internet não é confiável como as enci-
Vários dos nossos entrevistados afirmaram que clopédias porque aceita tudo e também porque, nela,
a Internet tem possibilitado, a eles próprios e a seus ocorre uma renovação constante das informações.
alunos, o contato com visões divergentes a respeito Esta e outras afirmações do mesmo teor podem ser
de um mesmo assunto. “Hoje em dia, é impossível encontradas em inúmeros outros depoimentos. Em
você ter uma visão unilateral”, diz Sueli Gomes. conseqüência, emergem preocupações relativas ao
papel dos entrevistados como educadores. Como ga-
A exposição a diferentes fontes, que veiculam
rantir a confiabilidade das fontes? Como identificar a
conteúdos muitas vezes contraditórios, introduz um
fidedignidade de determinada informação? Como
elemento bastante novo nos processos pedagógicos.
controlar a informação que chega aos alunos? Como
Alice Duarte o identifica: “não tem mais só a opinião
ajudá-los a selecionar a informação?
dos professores ou do livro dele ali do lado”. Há, sim,
várias opiniões disputando entre si o privilégio de se- Diante da dificuldade de controlar as informa-
rem escolhidas como verdadeiras. ções veiculadas na Internet, alguns mecanismos de
proteção são empregados pelos entrevistados. Ori-
A diversidade de informações e a facilidade
com que a estas hoje são acessadas têm como resul- entar os alunos para que usem sites de universidades
tado a desmistificação da concepção de verdade ab- ou aqueles com terminação ponto edu é um procedi-
soluta e a necessidade de admitir que conhecimentos mento que, a seu ver, garante alguma qualidade. Uma
são relativos e transitórios. Acostumados a se conce- análise prévia pelos professores dos sites a serem
berem como detentores e porta-vozes de verdades utilizados ou indicados para os alunos também pode
confiáveis e duradouras, os entrevistados hoje se garantir a qualidade das informações. Usar referên-
vêem obrigados a rever seu papel. O depoimento a cias (sites) sugeridas por fontes seguras, como, por
seguir representa bem essa postura. exemplo, pelos livros didáticos, é um outro mecanis-
200 Rosane de Albuquerque dos Santos Abreu

mo citado. Esses mecanismos, além de facilitarem a claramente haver se dado conta de que, diante da
seleção de conteúdos, parecem preservar os entre- diversidade de fontes passíveis de serem consultadas
vistados de viverem situações inesperadas e nos dias de hoje e de sua constante renovação, é im-
desconfortáveis. Nem sempre, porém, eles são total- possível ter a ilusão (viável em outras épocas) de
mente garantidos, como fica claro no depoimento dominar a totalidade do conhecimento, mesmo den-
abaixo: tro de uma única área de saber. Em decorrência, eles
A gente estava falando dos países que falam a se sentem vulneráveis, pois os limites do seu conhe-
língua inglesa. Os meninos acharam que para cimento podem facilmente se tornar visíveis para os
obter informações sobre os Estados Unidos alunos. Tal vulnerabilidade, antes improvável ou mes-
seria um site chamado casabranca.com. Afinal mo impensável, gera muito desconforto. Observando
casabranca, né? E eles estavam acostumados seus depoimentos e tenta-se compreender por que
que era só colocar ponto com e, quando veio, razão isso acontece.
era um site pornográfico. Aí foi aquela loucu-
Os depoimentos de Mara Ferreira e de Simo-
ra! Não, não é ponto com, é ponto org. (Már-
ne Pereira permitem travar contato com o conflito
cia Vilella)
enfrentado pelos entrevistados. Mara diz:
A imprevisibilidade característica da rede mun- Eu acho que hoje está muito complicado. O
dial de computadores, que aparece no depoimento professor se sente um pouco destronado. O pro-
acima, deixa evidente que os entrevistados não po- fessor ainda tem dentro dele, até como carac-
dem mais controlar aquilo a que seus alunos são ex- terística da nossa profissão, ele é o dono do
postos quando estes fazem uso da Internet. E isso é, saber.
para eles, uma grande fonte de desconforto. De fato,
Já Simone revela:
os entrevistados demonstram estar se debatendo com
a constatação inevitável de que não mais ocupam a [Houve] uma mudança de paradigma, eu não
posição privilegiada de quem transmite um saber le- sou mais a detentora do saber. Eu sempre tive
gítimo e confiável àqueles que os têm como principal uma postura mais aberta, mas a gente sempre
fonte de informação. Além dessas questões pedagó- tem que mudar. Foi difícil, pra mim, saber que
o meu aluno sabia aquilo mais do que eu. (...)
gicas inéditas, acarretadas pela entrada da Internet
Eu não sou mais o centro da aula.
no cotidiano escolar, outra, que delas decorre, será
discutida a seguir: a constatação de que o conheci- Simultaneamente, a percepção de que seu
mento do professor tem limites que podem se tornar desconhecimento pode se tornar visível para seus alu-
visíveis para os alunos. nos atinge diretamente a auto-estima desses educa-
Conhecimento “intotalizável” e “indominável”: dores, na medida em que é para eles inesperado e
a desidealização do papel do professor muito difícil ter que admitir que não sabem alguma
coisa. Carlos Alvarenga é um dos entrevistados que
Além das conseqüências acima discutidas, a
mostra claramente esse mal-estar. Diz:
diversidade de informações e a facilidade de acesso
às mesmas desorganizam a tradicional relação pro- Eu dou a física de Newton e o aluno vai entrar
fessor-aluno, na qual o primeiro exercia poder sobre na Internet e vai em Einstein. E pode ser que
o segundo porque detinha o conhecimento do assunto Einstein eu não domine. Então fica complica-
que ensinava (conhecimento esse que, no imaginário do a gente lidar com isso. A gente vai ter que
dizer ao aluno que não dá pra explicar aquilo
de muitos, freqüentemente assumia proporções de um
pra ele e aí ele vai ficar na dúvida se não dá
conhecimento absoluto, sem fronteiras ou qualquer pra explicar porque eu não sei ou porque ele
tipo de relativização). Na atualidade “o conhecimen- ainda não tem condições de aprender porque
to passou definitivamente para o lado do intotalizável faltam pré-requisitos.
e indominável” (Lévy, 1999 p.161).
Em seus depoimentos, os professores entre- A esse mal-estar se associa outro análogo: a
vistados revelaram ter consciência disso. Mostraram sensação de constante despreparo, gerada pela fre-
Mudanças Geradas Pela Internet 201

qüente renovação de conteúdos, que parece se tor- tos de informação e conhecimento. Esta revisão, por
nar fonte permanente de ansiedade. Como declara sua vez, levou-os a se darem conta de que informa-
Sueli Gomes: ção e conhecimento (que antes jamais haviam reque-
Dá a sensação de que você está sempre deven- rido reflexão aprofundada) são duas coisas muito di-
do. Não dá pra acompanhar a renovação dos ferentes. Como se viu nos depoimentos coletados,
conhecimentos. Puxa, não li ainda, não fui após hesitações e vencendo dificuldades, esses do-
naquele site. Eu acho que gera uma certa ansi- centes revelaram ter chegado à conclusão consensual
edade. de que conhecimento é informação processada. As-
sim sendo, muitos passaram a ver como sua não a
O que esses entrevistados parecem estar que- tarefa de transmitir informação (ou determinado tipo
rendo dizer é que, antigamente, o professor podia ter de saber), mas sim a de ajudar os alunos a processa-
a ilusão de dominar sua área de ensino de forma per- rem as informações que coletam de modo a
manente. A probabilidade de ele ser confrontado com transformá-las em conhecimento.
a necessidade de admitir não dominar qualquer con-
Na visão de muitos dos participantes da pes-
teúdo dentro de sua área de saber era muito peque-
quisa, esta transformação de informação em conhe-
na. O saber estava “contido” de forma estável nos
cimento por parte dos alunos encontra um sério obs-
livros conhecidos que adotava (livros esses que ge-
táculo na prática do copiar/colar, altamente dissemi-
ralmente tinham uma vida longa). Além disso, era ele
nada entre eles. Esta prática causa indignação em
quem centralizava o ensino de determinada área do
muitos desses professores, alguns dos quais chegam
conhecimento: era ele quem apresentava ao aluno a
a dizer categoricamente que “ficou mais fácil a frau-
matéria a ser estudada, quem dava as respostas cor-
de”. Por isso, recorrem a diferentes estratégias para
retas, quem comentava os textos dos livros. Hoje,
tentar inibi-la e obrigar os alunos a processarem os
porém, com o avanço das tecnologias da informação
conteúdos que copiam e colam. Um bom exemplo é
e comunicação, especialmente da Internet, o conhe-
aquela de devolver o material, que visivelmente foi
cimento circula, se transforma e está disponível a
simplesmente copiado/ colado, para o aluno com ques-
qualquer pessoa que tenha acesso a tais tecnologias.
tões a serem respondidas sobre o mesmo.
Como conseqüência, nesse contexto, a visão ideali-
zada do professor como “detentor do conhecimento” Os dois problemas mais sérios apontados pe-
não mais se sustenta. los entrevistados dizem respeito, contudo, à própria
concepção do que é ser professor nos dias de hoje.
Considerações Finais Ambos problemas são mais uma vez decorrentes da
Desafios, soluções práticas e conseqüênci- multiplicidade de fontes de informação.
as pessoais Os conteúdos sempre renovados e muitas ve-
Tradicionalmente, ser professor tinha uma de- zes discrepantes divulgados por essas múltiplas fon-
finição clara. Tanto para o público em geral quanto tes têm inevitavelmente como resultado a
para os próprios docentes; ser professor consistia em desatualização e a relativização do conhecimento.
deter um determinado tipo de saber e transmiti-lo. O Tanto a desatualização (a incapacidade de conhecer
advento da Internet contribuiu para colocar em xe- a última versão de tudo) quanto a relativização (o fato
que tal concepção de magistério e gerou nos profes- de que não há somente uma verdade) geram muita
sores a necessidade de enfrentar o penoso desafio insegurança nos nossos entrevistados. Alguns che-
de redefini-la. gam a revelar abertamente seu medo de serem
Os resultados desta pesquisa mostram que, para confrontados por alguém (algum aluno) que detenha
começar, o acesso fácil a todo e qualquer tipo de in- alguma informação mais nova e/ou diferente daquela
formação disponibilizado pela Internet, além de cau- que possuem. Em outras palavras, essas duas conse-
sar preocupação, angústia e mal-estar nos docentes qüências da proliferação de informações abalam pro-
entrevistados (e provavelmente em muitos outros), fundamente a tradicional relação professor-aluno,
tornou para eles imperativa uma revisão dos concei- calcada que esta sempre esteve na concepção utópi-
202 Rosane de Albuquerque dos Santos Abreu

ca do professor como o detentor de um saber sem Boettcher, D. (2005). A Internet como disposi-
limites e como seu transmissor privilegiado. Como, tivo potencializador didático. Em N. M. C. Pellanda,
nas palavras de uma entrevistada, “não há mais só a E. T. M. Schlünzen & K. S. Junior, (Orgs.), Inclu-
opinião dos professores”, estes se sentem “destrona- são Digital: tecendo redes afetivas/cognitivas (pp.
dos” da posição que sempre ocuparam na medida 45-60). Rio de Janeiro: DP&A.
em que perdem o poder (de saber, de controlar, de
Candeias, C. N. B. (1998). Significado do
prever) diante de seus alunos. Tal perda, como pôde
Trabalho e as Novas tecnologias: uma visão a
ser observado em seus depoimentos, faz com que
partir do trabalho docente. Dissertação de
procurem redefinir sua tarefa como docentes. Como
Mestrado em Educação - Faculdade de Educação,
já foi visto acima, para muitos dos professores entre-
vistados, ao invés de transmitir conteúdos, a tarefa Universidade Federal da Bahia.
do professor passa a ser a de ajudar seus alunos a Castells, M. (1999). A Sociedade em Rede.
processarem as informações recebidas. Mas, para São Paulo: Paz e Terra
que isso possa ser concretizado em um ambiente em
Cebrián, J. L. (1999). A Rede: como nossas
que as informações são sempre renovadas, múltiplas
e muitas vezes divulgadas sem qualquer controle de vidas serão transformadas pelos novos meios de
qualidade, os professores se vêem no dever de ensi- comunicação. São Paulo: Summus Editorial.
nar os alunos a escolherem fontes confiáveis de in- Dertouzos, M. (1997). O que será: como o
formação – como, por exemplo, os sites.edu ou os novo mundo da informação transformará nossas
sites indicados por livros. vidas. São Paulo: Companhia das Letras.
A profusão de informações, a constante reno-
Lévy, P. (1999). Cibercultura. Rio de Janei-
vação dos conhecimentos e o fácil acesso de todos a
ro: Editora 34.
eles têm ainda uma outra conseqüência de monta para
os entrevistados. Fazem com que estes tenham que Lojkine, J. (1995). A Revolução
lidar com os limites do próprio conhecimento e, por Informacional. São Paulo: Cortez.
vezes, tenham que, constrangidamente (porque ainda
Lucena, C. & Fuks, H. (2000). Professores e
não aprenderam a lidar com o seu não-saber), admi-
aprendizes na Web: a educação na era da Internet.
tir isso publicamente para seus alunos.
Rio de Janeiro: Clube do Futuro.
Não são poucos, portanto, os mal-estares, os
conflitos, as dificuldades e tensões que os entrevista- Maçada, D. L., Sato, L. S. & Maraschin, C.
dos estão experimentando na aplicação da Internet (2001). Educação sem Distâncias: uma experiência
em seu cotidiano. É preciso, no entanto, registrar que, de convivência em ambiente digital de aprendizagem.
como seus depoimentos tornam evidente, embora a Revista Brasileira de Informática na Educação,
Internet pareça representar uma fonte inesgotável de n. 9, p. 27-34.
problemas e sofrimentos pessoais para esses docen- Magdalena, B. C. & Costa, I. E. T. (2003).
tes, eles próprios já sentiram a necessidade de acei-
Internet em Sala de Aula: com a palavra, os pro-
tar os vários desafios envolvidos na redefinição de
fessores. Porto Alegre: Artmed.
uma atividade tão tradicional quanto o magistério.
Negroponte, N. (1995). Vida Digital. São Pau-
lo: Companhia das Letras
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Mudanças Geradas Pela Internet 203

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em 15 março 2002.

O presente artigo é derivado da tese de douto-


rado intitulada “A Internet na prática docente: novos
desafios e conflitos para os educadores”, orientada
pela segunda autora e defendida pela primeira no
Departamento de Psicologia da PUC-Rio.

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