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AS METODOLOGIAS INOVADORAS NO ENSINO DE PROGRAMAÇÃO: UMA

ANÁLISE DA ESCOLA 42 SP

ANDRÉ MARTINS OTOMURA1


ANDERSON ALEXANDRE RODRIGUES2

RESUMO

Metodologias inovadoras representam o rompimento com o processo de


aprendizagem tradicional, trazendo discussões sobre o papel dos professores e dos
estudantes nas trocas educacionais diárias. Entre as teorias que apoiam essa
reflexão, a aprendizagem social e a aprendizagem baseada em problemas e projetos
sintetizam o conceito de ambiente onde o aluno é responsável pela construção do
conhecimento, em uma joranda que depende do seu próprio protagonismo e do
convívio com seus pares, conversando e tirando dúvidas sobre tópicos que exigirão
raciocínio e pensamento inovadores. No campo da programação, o papel de
programas inovadores como o da Escola 42 SP, que aproveitam essas teorias, é
reflexo de um mercado extremamente dinâmico e pautado na resolução de problemas
e nas habilidades práticas, abrindo caminho para que novas metodologias possam
adentrar um maior número de ambientes educacionais.

Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Projetos. Metodologias inovadoras.


Tecnologia da Informação.

1 INTRODUÇÃO

1
Pós-graduado em Engenharia e Gestão da Produção pelo Centro Universitário Cesumar -
UniCesumar. Pós-graduado em Mercado Financeiro e Banking pelo Centro Universitário Cesumar –
UniCesumar. Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Maringá - UEM.

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Doutorando e Mestre em História e Historiografia da Educação pela Universidade Estadual de Maringá
– UEM (2020). Possui graduação em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Renovado – SPR-Cne (2009)
e convalidado pela Unicesumar (2013). Pós-graduado em Docência no Ensino Superior pela Unicesumar
(2015) e licenciado em Filosofia pela PUC-PR (2017). Licenciando em Pedagogia pela Unicesumar. É
Diretor e Professor do curso de Teologia do Seminário Teológico Batista Renovada - SETEBARE
(2010) e Professor do curso de Graduação em Teologia da Unicesumar – EAD (2018). Atualmente é
Orientador de TCC dos cursos de pós-graduação das áreas de Educação e de Teologia na Unicesumar
– EAD.
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O mundo vive uma pandemia em 2020, nunca antes vista com essa gravidade
no Brasil. Diante de um cenário de distanciamento social, muitas questões foram
levantadas, desde o modo como as cadeias de produção estão desenhadas ao redor
do mundo, até a forma como a sociedade se relaciona no dia a dia. Em meio ao
advento do comércio eletrônico e o cancelamento de grandes eventos como as
Olimpíadas, a humanidade também se questiona sobre os rumos que a educação
deve seguir, inserindo na discussão pautas como o ensino a distância e o papel da
internet no processo de aprendizagem.
Ao longo das últimas décadas da história do Brasil, o método de ensino não
sofreu grandes alterações, com suas salas compostas por fileiras de carteiras e alunos
de frente com seus professores. Os períodos matutinos, vespertinos, integrais ou
noturnos, sempre foram preenchidos com aulas que alternavam entre exposições
teóricas, resolução de exemplos e exercícios para fixação dos conteúdos passados.
Esse modelo, inclusive, acabou transposto para os ambientes virtuais dos cursos
online.
Na segunda década do século XX, a tecnologia nunca esteve tão avançada,
com recursos de acesso à informação instantânea e mecanismos de comunicação
que antes só apareciam como ideias distantes nos livros de ficção científica. Aos
poucos, essas invenções se incorporaram ao dia a dia das pessoas, chegando
também ao ambiente educacional. No entanto, ao invés de trazer uma verdadeira
revolução nos resultados científicos e no desempenho acadêmico dos alunos, a
tecnologia se viu em um posto de dúvida, com muitos questionamentos sobre suas
vantagens e vários alertas sobre malefícios causados pelo seu próprio uso.
Em meio a todo esse contexto, faz-se pertinente uma reflexão sobre as raízes
do problema educacional brasileiro. Por que, em um cenário com abundância de
recursos, os ditos avanços tecnológico-científicos custam a demonstrar seus gloriosos
resultados no desenvolvimento do país? Para tentar responder a esse
questionamento, o presente trabalho buscou referências bibliográficas que tratam do
processo de aprendizagem e suas nuances, com ou sem o auxílio da tecnologia. O
estudo esbarrou nas metodologias inovadoras de aprendizagem social e
aprendizagem baseada em problemas/projetos como alternativas interessantes para
impulsionar o desenvolvimento de estudantes nos dias de hoje.
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Por fim, buscou-se trazer o assunto para a área de tecnologia, mais


especificamente a programação computacional. Nesse campo, o exemplo da Escola
42 SP chama atenção pela disfunção no método de ensino e, ao mesmo tempo, pelo
excelente feedback dos estudantes e de grandes empresários que absorveram esses
egressos no mercado de trabalho. As razões por trás de seu sucesso, ancoradas nos
princípios da aprendizagem baseada em problemas/projetos, também será analisada.

2 METODOLOGIAS INOVADORAS E O MERCADO DE TECNOLOGIA DA


INFORMAÇÃO

No mercado de trabalho globalizado, os processos operacionais e gerenciais


das empresas vivem uma constante batalha de paradigmas. A cada ano, tecnologias
de automação ganham mais importância na rotina das organizações, impulsionando
a demanda por profissionais de tecnologia, em especial os programadores. Essa área
de conhecimento evolui a cada segundo, com novas plataformas e ferramentas sendo
desenvolvidas para os mais diferentes cenários, de celulares a servidores, e de jogos
a softwares de monitoramento.
Uma particularidade desse segmento é o modo como as pessoas se destacam.
Na ciência da computação, mais importante do que um diploma universitário é a
capacidade de resolver problemas com rapidez e eficácia, ou seja, a prática. Perfis no
GitHub valem tanto quanto certificados de cursos online, e as entrevistas de emprego
estão repletas de problemas práticos, mais do que uma análise fria sobre o currículo.
Exemplos de grandes desenvolvedores e personalidades famosas não faltam, de
Steve Jobs (fundador da Apple) a Mark Zuckerberg, que largou Harvard para
comandar o Facebook, gigante do Vale do Silício. No entanto, saindo dos holofotes
da mídia, o cenário que se desenha é cheio de vagas de emprego remoto, com
desenvolvedores trabalhando em empresas sediadas em outros países e fusos-
horários. Dessa forma, observa-se que o currículo no mercado de programação é
determinado, em grande parte, pelo portfólio do programador.
Nesse sentido, confrontar as metodologias convencionais de aprendizagem,
baseadas na reprodução de exemplos e na memorização de conceitos, com novos
modos de enxergar o conhecimento, como a aprendizagem baseada na resolução de
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problemas, pode resultar em um entendimento mais claro do ponto de encontro entre


as necessidades das empresas e as competências que os profissionais precisam
desenvolver para garantir seu posicionamento de trabalho.

2.1 APRENDIZAGEM SOCIAL

Em um ambiente de compartilhamento do conhecimento, os verdadeiros


professores convidam os alunos a praticarem com eles, ao contrário de repetirem as
ações ensinadas (DELEUZE, 1994, p. 23). Esse conceito enaltece a importância dos
trabalhos em grupo, desenhando os caminhos da aprendizagem social. Na plenitude
tecnológica do século XX, nunca foi tão possível criar conexões entre pessoas e
estimular o contato entre suas ideias. Nas áreas de TI (Tecnologia da Informação), a
colaboração para o desenvolvimento de soluções computacionais é constante, com
enormes comunidades espalhadas pela Internet. Por mais que existam códigos
fechados, qualquer estudante de programação com acesso a uma conexão web tem
acesso a uma infinidade de materiais didáticos, experiências e testes de outros
alunos.
Por que, então, os cursos tradicionais insistem em estruturar seus programas
didáticos em aulas bilaterais, padronizando a comunicação em um canal unidirecional
entre professores e estudantes? A resposta para essa pergunta pode estar na cultura,
com um sistema educacional de herança militar e pautado na garantia de que todas
as informações são fornecidas pelo mestre e absorvidas pelos aprendizes. O
problema nessa abordagem reside na dificuldade de manter os alunos em posições
passivas, sentados por horas para ouvir teorias sequenciadas e resolver exercícios já
resolvidos nos exemplos que foram dados cinco minutos antes – ou seja, um teste de
memória, acima de tudo:

Na minha visão, há boas razões para se ter cautela com a retórica da


geração digital. Assim como diversos argumentos sobre as ICTs na
educação, eles são caracterizados por uma forma de determinismo
tecnológico – pela noção de que a tecnologia traga mudanças sociais
ou psicológicas, a despeito de como e por quem é usada. A noção da
geração digital também essencializa os jovens e pode nos levar a
ignorar desigualdades e diferenças entre eles (BUCKINGHAM, 2010,
p. 43)
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Dessa forma, uma provocação se faz diante de um cenário de formação


educacional estática, mas com um mercado de trabalho dinâmico: o que aconteceria
se os estudantes tivessem mais tempo para trocar ideias, sendo esse encontro o foco
das aulas?

2.2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS/PROJETOS

Na composição do processo de aprendizagem, uma estratégia interessante é


a ideia de que a base para a evolução do conhecimento deve partir da resolução de
problemas e projetos. Essa abordagem é conhecida como Aprendizagem Baseada
em Problemas/Projetos, ou ABP. Indo além da simples tese da utilização de exercícios
práticos para a fixação dos conceitos, ela sintetiza um modus operandi no qual essas
experiências são parte integral do desenvolvimento de ideias, ou seja, condição sine
qua non para o próprio processo de aprendizagem.
A partir do momento em que os estudantes se deparam com um problema
diante de si, amparados pela infraestrutura apropriada para a prática, precisam
raciocinar e discutir sobre as melhores propostas para resolver os exercícios
propostos, nos mais variados níveis de dificuldade. Esse tipo de situação é uma
simulação de diversos desafios comuns no mercado de trabalho, em que não há
respostas prévias que já funcionaram em problemas muito semelhantes, sendo
necessário aos responsáveis articulação e agilidade para descobrir os melhores
caminhos para a resolução deles.
Dessa forma, estruturar o processo de aprendizagem em torno da
apresentação de problemas e projetos, retirando o peso das aulas expositivas e
aumentando o papel de mentoria dos professores, significa proporcionar mais
oportunidades para o desenvolvimento do raciocínio próprio dos estudantes:

Sendo o aprender um acontecimento, ele demanda presença,


demanda que o aprendiz nele se coloque por inteiro. E exige relação
com o outro. Entrar em contato, em sintonia com os signos é
relacionar-se, deixar-se afetar por eles, na mesma medida em que os
afeta e produz outras afecções (GALLO, 2012, p. 6)

Com respostas vindas não de forma direta, mas da conclusão de um processo


complexo de reconhecimento de um problema, sucessivas tentativas e erros e
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conclusões guiadas por professores tutores, pode-se encontrar um método


extremamente compatível com o mercado de trabalho para programadores, além de
incentivar a colaboração entre estudantes, em detrimento da busca isolada por
respostas em exemplos prontos.
Construções de pensamento semelhantes já podem ser encontradas em
categorias das ciências humanas, em situações cujas respostas são, por natureza,
subjetivas. No entanto, o que se vê é um oceano de oportunidades para outros
campos do conhecimento aplicarem essa metodologia de ensino e aprendizagem.

2.3 A ESCOLA 42 SP

A reboque dos capítulos anteriores, encontramos na Escola 42 SP um modelo


de computação que reúne esses conceitos em sua metodologia de ensino, com uma
base firmada na aprendizagem social e baseada em problemas e projetos. Nela, o
processo depende exclusivamente da interação entre os estudantes, inclusive com a
ausência de tutores e professores convencionais. Em resumo, o conceito de
coletividade é a engrenagem principal para desenvolver os conhecimentos de
programação, cada estudante seguindo seu próprio ritmo e tirando dúvidas entre seus
pares. A função da escola, nesse contexto, é de simples estruturação dos programas
pedagógicos e fornecimento da infraestrutura necessária – no caso, salas com
computadores conectados à internet.
O método disruptivo e sem professores, denominado de peer-to-peer learning,
sintetiza o conceito de que a função principal desses profissionais é de guiar a
trajetória de aprendizagem, tornando-se desnecessários a partir do momento em que
os alunos estiverem engajados na busca por conhecimento:

O desapego que precisamos exercitar como professores é a


preparação para nosso desaparecimento; se somos capazes de, ao
emitir signos, mobilizar nos alunos o acontecimento aprender (que
Pennac chama de instalação no tempo do aprendizado, o presente de
encarnação), então já não somos necessários depois disso. (GALLO,
2012, p. 9)

A Escola 42 SP faz parte de uma rede de escolas de programação parceiras,


que seguem uma metodologia inaugurada com a École 42, fundada em 2013 na
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França, com o objetivo de formar profissionais competentes. Presente em diversos


países, não cobra nada dos estudantes, que precisam passar por um rigoroso e longo
processo seletivo para serem aprovados no programa com duração de três anos, de
currículo variável para todos os grandes campos de TI (42 SP, 2020).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mercado de programação atual oferece oportunidades de posicionamento


profissional com relevância superior das habilidades práticas e do portfólio dos
candidatos, em comparação a formações acadêmicas ou cursos teóricos. Esse
contexto coloca em cheque a metodologia tradicional de aprendizagem que está em
vigor há tantos anos, dando luz a uma discussão sobre formas alternativas de ensino,
como o que é posto em prática pela Escola 42 SP, que prioriza a resolução de
problemas e, inclusive, dispensa a presença de professores, levando o conceito de
aprendizagem baseada em projetos ao extremo.
Esse exemplo demonstra a possibilidade de disfunção educacional que as
tecnologias de acesso à informação permitem alcançar. Isso fica evidente no sucesso
dessa rede de escolas, endossada por grandes empreendedores, como os
fundadores do Twitter e do Snapchat. Para o futuro, o que se pode desenhar é que
mais discussões como a do presente trabalho sejam levantadas, à medida que outros
experimentos educacionais comecem a demonstrar o potencial de tornar o processo
de aprendizagem mais dinâmico e flexível – sempre ancorado em estruturas lógicas
firmes, no entanto.

REFERÊNCIAS

42 SP - Escola de Tecnologia. Como funciona?. Disponível em:


<https://www.42sp.org.br/>. Acesso em: 5 abr. 2020.

BUCKINGHAM, D. Cultura Digital, Educação Midiática e o Lugar da Escolarização.


Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-58, set./dez., 2010. Disponível em:
<http://www.seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/viewFile/13077/10270>. Acesso
em: 5 abr. 2020.
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DELEUZE, G. Difference and Repetition. Nova Iorque: Columbia University Press,


1995.

GALLO, S. As múltiplas dimensões do aprender. In: Congresso de educação básica:


aprendizagem e currículo. Anais... Florianópolis: UFSC, 2012. p. 1-10.

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