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RESUMO ABSTRACT
Os três filmes da franquia “Deus não está The three films of “God’s not dead” fran-
morto” trazem a oportunidade de se discutir chising bring the opportunity to discuss the
a presença pública da religião na sociedade public presence of religion in contemporary
contemporânea. Mas ao abordarem o tema society. Nevertheless, to approach this theme
por um viés religioso enfraquecem o argu- by a religious perspective they awaken the
mento. A forma como a religião se apresenta argument. The way as religion presents itself
nos filmes como pretensos produtos artísticos in these films, as supposed artistic products
já é por si só uma denúncia das dificuldades is in itself a denunciation about the difficul-
a serem enfrentadas. O caráter apologético ties to be faced. The apologetic character of
dos dois primeiros filmes traz um ar anti- the two first films has an old fashioned air of
quado de debates não atualizados. O terceiro not updated debates. The third film, under
filme, sob outra direção, supera alguns dos another direction, overcome some of those
problemas dos dois primeiros e avança na problems presented in the two first and go
possibilidade de uma autocrítica da religião further in the possibility of a religious auto
no mundo moderno. critic in the Modern world.
1
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, doutor em
Ciências Sociais pela PUC-SP, com pós-doutorado na Università Degli Study di Padova, Editor da CRONOS. Endereço CV
Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4767289H0. Email: orivaldojr@yahoo.com.br
DEUS NÃO ESTÁ MORTO
não é a interferência estética causada pela da capacidade que cada um dos agentes envol-
intenção propagandístico-religiosa, visto que vidos na sua produção dispunha, gerando
o diretor consegue fazer o deslocamento artís- uma peça supostamente estética, e sujeita
tico dos signos, mas seu comprometimento a uma apreciação nesses termos. Porém, ao
político com uma estética da violência, para se tornar um instrumento de proclamação e
a qual, de certa maneira, conclama a devoção defesa da fé cristã – numa determinada configu-
cristã. A paixão de Cristo, que segundo pensa- ração, o filme se exclui dessa possibilidade de
dores como René Girard (2015) foi uma forma avaliação, passando a ser apreciado quanto a
de deslegitimação de toda violência, acaba sua competência apologética.
servindo para o oposto do ato religioso em Em certo sentido, podemos dizer que
si. Esse tipo de manipulação do fervor reli- se trata de um blefe, um engodo, pois uma
gioso tem servido ao longo da história, e de pessoa vai ao cinema para ver um filme, ou o
modo notável no Brasil atual para uma apolo- assiste na Netflix pensando ser um filme, e se
gia cristã à violência. Esse caso em especial, depara com um libelo apologético. Portanto,
mostra o quanto a inclusão de um debate de não por ser melhor ou pior esteticamente,
caráter teológico, fruto de uma compreensão por reproduzir uma ideia repulsiva ou inte-
de fé, numa obra supostamente artística em ressante, mas por ser uma fraude é que este é
si mesma, desloca a discussão do filme em um dos piores filmes que eu já vi.
si para o outro andar subterrâneo do debate Acho importante pontuar que não
religioso em pauta. A propaganda religiosa me identifico com o ateísmo militante do
num filme será sempre e inevitavelmente professor de filosofia Jeffrey Radisson (Kevin
uma propaganda particular, sujeita a críticas Sorbo), apesar de ser professor de episte-
que estão ausentes do debate estético como mologia. Também não me identifico com o
tal, mas que se confundem na mistura dos jovem e crente Josh Wheaton (Shane Harper)
patamares envolvidos. apesar de ser cristão, ser pastor batista, e ter
Será que isso se restringe à inserção de sido um jovem muito fervoroso em minha fé.
elementos de uma configuração particular Pelo menos, não me identifico com o jovem
da fé numa obra artística (filme, no caso)? por sua militância religiosa, que esbarra
Filmes que exaltam uma estética da violência, na incongruência de afirmar a impossibi-
e que de certa forma promovem a violência lidade de negar a existência de Deus, o que
como tal, mesmo que não recorram a símbo- eu concordo, e ao mesmo tempo defender os
los e crenças religiosos, não estariam fazendo argumentos por sua existência.
a mesma coisa? Essas são as questões que a No entanto, me identifico pelo simbo-
análise dos filmes da franquia “Deus não está lismo desse personagem, que aparece como
morto” procura levantar. um pequeno “Davi” enfrentando seu “Golias”
poderoso e ateu na sala de aula, pelo fato dele
se posicionar sozinho contra um pensamento
autoritário. Acho que ele, mesmo que fosse um
DEUS NÃO ESTÁ MORTO 1 agnóstico, deveria ter se levantado e dito não ao
fascismo pedagógico do professor. Isso não se
O filme em questão foi feito dentro das trata de negar a morte de Deus, e sim afirmá-la
regras estéticas, e com a devida mobilização no sentido nietzschiano de que não podemos
aceitar verdades absolutas divinizadas como a etc., mas nenhum desses debates acrescenta
do professor, que na prática age como o deus da ou diminui um milímetro do filme enquanto
metafísica que, felizmente, já morreu. obra de arte. Certamente que na prática é
Fico tentado a cair na provocação do impossível fazer um corte purificador entre
filme e discuti-lo teologicamente, isto é, os dois tipos de discussão: a mensagem, e a
debater certas perspectivas trazidas. Por estética, mas se amamos ou detestamos um filme
exemplo, é interessante o modo como o filme somente pelas ideias que abriga, não estamos
define um teísta: alguém que não apenas crê sendo honestos com ele enquanto obra de arte.
em Deus, mas que necessariamente deve crer Nesse caso é necessário fazer um esforço
de um modo determinado, caso contrário é para não cair em debates teológicos, embora
melhor ficar sem crer mesmo. Outra questão: para isso o filme possa ser um pouco útil, e
o tipo de soteriologia cristã (o modo como até deva ser aproveitado criticamente. Isso
se define uma pessoa salva) apresentada no porque, no meu entendimento, um debate
filme, tida como a standard de todos os cren- teológico aqui seria interno a uma comuni-
tes, é extremamente situada no tempo e no dade de fé, e para fazê-lo publicamente só
espaço, isto é, na religiosidade evangélica seria possível se fosse colocada entre parên-
norte-americana contemporânea. Talvez tesis (no sentido fenomenológico) a crença na
essa delimitação geográfica seja inadequada, revelação. Isso feito, as questões teológicas
pois ela se espalhou por todo o planeta, e em adquiririam um status cultural localizado,
alguns lugares fora dos Estados Unidos ela e passariam a ser discutidas no sentido que
tem adotado um formato mais real que a do possuem para as pessoas que as adotam.
rei. No entanto, o foco são os Estados Unidos O mesmo eu diria com relação à missão
onde o filme acontece, e ali adquire status de principal à qual o filme se propõe que é de
senso comum6. defender o direito à crença, e à sua mani-
Entretanto, não creio que devamos aqui festação no espaço acadêmico. Trata-se de
aceitar essa provocação. Uma discussão dessa uma questão existencial humana, de inte-
natureza ficaria muito bem num seminário, resse público e universal, e que, portanto,
faculdade teológica ou curso de Ciência(s) se enquadraria perfeitamente no contexto
da Religião. Se uma ideia teológica, política, de uma obra de arte. É muito interessante
filosófica, biológica… ou qualquer que seja é a lista apresentada nos créditos do final do
repassada por um filme, ela pode e deve ser filme das ações movidas em universidades
discutida nos âmbitos apropriados, mas não norte-americanas contra e a favor do direito
enquanto determinante estética da obra. de manifestar sua fé numa sala de aula. Se
Por exemplo, a trilogia Matrix de Lilly e Lana fosse só isso, teria um certo apelo, e poderia
Wachowski gerou uma enormidade de artigos, inclusive ser pensado e dirigido por qualquer
livros e debates no âmbito filosófico, psica- diretor independentemente da fé ou não fé
nalítico, sociológico, político, tecnológico que professasse. É um debate interessante,
e provavelmente muitas injustiças, precon-
6
ceitos e manifestações de intolerância tem
Essa expressão aqui nada tem de pejorativo
como sendo um senso carente de racionalidade, mas
acontecido. Mas não é isso que ocorre, e sim
no sentido de ser um senso tão generalizado num dado uma apologia a favor do teísmo enquanto
ambiente que adquire status de verdade indiscutível.
tal, e dentro de um determinado formato. obras artísticas ou religiosas, não podem ser
O teísmo do pai muçulmano que aparece no criminalizadas. Se o filme fosse por aí, pelo
filme, por exemplo, não vale. menos no que tange às ideias que apresenta,
Gilles Deleuze (2010, p. 38) disse que “as seria um pouco melhor.
atrizes medíocres tem tem a necessidade de Por outro lado, coloca na condição
chorar para indicar que seu papel comporta de herói um empresário cristão, Willie
a dor”, e eu extrapolaria essa frase dizendo Robertson, chefe da Duck Dynasty, um
que “um mal filme tem que defender a exis- programa de reality show, com evidentes
tência de Deus para mostrar a necessidade de opções direitistas. A tentativa da pobre
liberdade da crença”. Essa foi a armadilha, ou repórter devastada pela notícia de estar com
o caminho fácil em que o filme caiu. câncer e de ter, ainda por cima, perdido seu
Mas não é só isso que o faz ruim, namorado, de fazer uma reportagem crítica
existem outros pecados (desculpem o troca- contra o empresário termina num candente
dilho) decorrentes dessa Queda original: em testemunho cristão por parte dele. No final,
primeiro lugar, encontramos uma caricaturi- Willie reaparece em off ao se congratular com
zação exagerada dos personagens. O Prof. ateu a banda de “Christian Rock”, e com o herói da
é, como se diz no Nordeste, “o cão chupando sala de aula na “defesa de Deus”. A banda em
uma manga”: grosseiro, autoritário, incoe- questão é The Newsboys, que curiosamente nas
rente, machista, superficial, arrogante… legendas é chamada de uma banda “Gospel”,
Parece até com as figuras medievais (e não reforçando um equívoco produzido no Brasil:
só medievais) do Diabo, ou do bicho-pa- a música Gospel, como estilo de música popu-
pão: pintado de uma forma tão horripilante lar e secular norte-americana, é uma música
que todos deveriam odiá-lo. De lá para cá, o que usa temas e ideias do mundo religioso
cinema transformou isso num clichê, do qual cristão, mas que é produzida e executada no
nosso filme não soube escapar. Acionada a âmbito profano. No Brasil acontece justa-
fórmula, o script já está determinado: malda- mente o contrário: uma música profana no
des, mau-caratismo, derrota final. formato ou até mesmo na letra, e que é utili-
É inaceitável outro clichê perigosíssimo: zada no ambiente religioso.
os povos de tradição islâmica são convoca- O filme aqui avaliado é um típico filme
dos para acionar sua crueldade contra os “gospel” no sentido em que a banda The
perseguidos cristãos. Sei que perseguição Newsboys é uma banda “gospel” conforme
a cristãos e até martírio existem em muitos o emprego dessa palavra no Brasil: em vez
lugares, infelizmente. Um mal que deve ser de produzir uma peça cultural profana com
combatido juntamente com todas as formas material sagrado, o filme e a música gospel
de perseguição religiosa, inclusive contra brasileira produzem peças sagradas com
o Islã, e contra as religiões de matriz afri- material profano7. Ao terminar o filme com
cana, entre outras. Como também deve ser a banda The Newsboys, o diretor está assi-
combatida a perseguição contra aqueles que nando sua obra como um Christian film, do
fizeram uma opção pelo ateísmo. As escolhas
de crença, desde que não impliquem no dano 7
Giorgio Agamben desenvolve o conceito de
a outras pessoas, animais, meio ambiente, “profanação” no livro Profanações (2007). Aqui temos o
inverso, uma des-profanação.
mesmo modo que a banda toca um Christian executada num café ou numa sala de concerto
Rock. Menos mal, pois o diretor e a banda e ele se aproveitasse para transmitir aos
sabem que estão produzindo uma obra para ouvintes uma mensagem religiosa. Isso talvez
o consumo religioso com material originaria- não fosse encarado de modo estranho no
mente secular. início do século XVIII, mas no final, quando
No entanto, a divulgação, o modo o Iluminismo se impunha, já não seria muito
de exibição, a presença na Netflix… dão a bem aceito.
entender que se trata de um filme Gospel no Além disso, o filme é ruim porque
sentido original da palavra, isto é, um suposto apresenta uma trama maniqueísta que
produto profano com uma roupagem reli- provoca antipatias e simpatias, desfazendo
giosa. Isso não significa que algo produzido a humanidade das pessoas ao remover
como uma peça feita com intenção religiosa, suas ambiguidades e incertezas. Grupos
para um público religioso, num ambiente protestantes, fundamentalistas ou não, tem
religioso não possa ser uma obra artística. produzido filmes desse tipo há muito tempo,
Uma cantata de Johann Sebastian Bach, por e quando tem chances de exibi-los em esco-
exemplo, nunca teve a intenção de ser uma las, ou acampamentos e igrejas, o fazem
“profanação” da fé cristã, até mesmo porque com a intenção de produzir conversões.
as obras sacras barrocas eram produzidas Certamente que alguns desses filmes são
num ambiente quase que exclusivamente mais eficientes nisso do que outros. Alguns
religioso, isto é, não havia uma distinção são muito sutis e poderiam muito bem circu-
clara entre os ambientes. Entretanto, ao se lar na esfera pública, mas outros chegam a
ouvir ou se executar uma cantata religiosa de ser grosseiros. Isso, no entanto, está fora de
Bach hoje em dia, não se está fazendo neces- uma avaliação artística ou mesmo técnica,
sariamente com uma motivação religiosa, pois são filmes “de uso interno”, isto é, feitos
mas estética. Elas podem ser executadas em para a esfera privada, devendo, portanto,
igrejas com conotação estética e religiosa, ou ser avaliados primariamente nesse escopo.
em salas de concerto com conotação pura- Se vierem a ser apreciados e divulgados em
mente estética8. qualquer ambiente por seus méritos próprios
O problema é que o filme foi feito como isso é ótimo, porém o deslocamento9 destitui
uma obra profana e, no entanto, se trata de a intenção original, sem remover de todo seu
uma obra religiosa disfarçada. Para ficar conteúdo. Novamente o exemplo das cantatas
no exemplo dado no parágrafo anterior, é de Bach que tocadas numa sala de concerto
como se Bach fizesse uma música para ser produzem um efeito de prazer estético, mas
também familiarizam os ouvintes com a
8
mensagem religiosa original.
Tive o privilégio de ver a execução de uma
cantata de Bach numa igreja luterana em Nova York no
Quando um filme se propõe a ser uma
ano 2000, e saí enriquecido tanto estética como espi- peça pública, mas se presta a uma função
ritualmente. Muito antes, em meados dos anos 1970, propagandística ou apologética, e passa a
assisti uma apresentação da Paixão Segundo São João ser avaliado sob referenciais públicos, ele
no teatro São Pedro na cidade de São Paulo (muitos
santos!), sob a execução de um maestro convidado, o
9
qual pediu ao auditório que não aplaudisse no final, Para o conceito de “deslocamento”, ver
pois tratava-se de uma obra religiosa. Latour (2012).
bonito ver o orgulho do povo norte-americano vai caminhar para um impasse insolúvel
de seu sistema jurídico, especialmente quando para o protagonista, seguido de uma solução
vivemos um caos nessa área no Brasil. Outra inesperada que cai do céu (novo trocadilho).
coisa bonita no filme é ver a intensidade das Geralmente é uma testemunha nova, a reve-
manifestações públicas de posições políticas lação de uma mentira, uma nova denúncia
diversas: pontos para a democracia. etc. Neste filme a solução inesperada foi a
O que está em julgamento é uma ques- inversão da atitude do advogado de defesa. O
tão aparentemente legal acerca da permissão recurso foi usado com uma dramaticidade um
ou não de um professor fazer uma declaração tanto exagerada, mas cumpriu bem o papel
de fé em sala de aula. Pelo que tudo indica, a climático, de modo que o bem vence o mal e a
liberdade de cátedra não existe nos Estados conclusão é que “Deus não está morto”.
Unidos, e a escola sem partido (no caso reli- No final, uma questão que vem sendo
gião) lá alcançou seus objetivos. Isso não me alinhavada desde a metade do filme produz
parece muito plausível, de modo que, penso um anticlímax que serve de gancho para
ter sido apenas um pretexto para colocar no o próximo filme da franquia. Trata-se, na
banco dos réus o próprio teísmo. verdade, de uma questão muito implausível
Como desfile de métodos apologéticos, numa sociedade minimamente democrática:
o recurso até que é interessante, mas destrói os pastores são obrigados a levar num escri-
o clima ficcional do filme. A questão à qual o tório governamental as transcrições de todos
defensor da professora se apega – aliás, uma os seus sermões pregados naquele mês. O
nota positiva para o filme ter colocado como Pastor Dave se recusa a entregar as transcri-
defensor um advogado agnóstico – é de que, ções e é preso assim que chega do hospital,
sendo Jesus um personagem histórico, não é e o filme termina. Há aqui uma denúncia um
crime algum qualquer citação de seu nome ou tanto estapafúrdia de que aquela sociedade
seus dizeres numa sala de aula. Não foi dito, está caminhando para um totalitarismo ateu,
mas eu acrescentaria que mesmo que não e que os cristãos precisam se precaver e lutar.
houvesse qualquer comprovante histórico Aliás, a frase “Estamos em guerra”, é dita
da existência de Jesus, seus ditos e ações vem explicitamente no filme. Difícil dizer quem
afetando todo o planeta por milhares de anos, nessa guerra está atacando quem: a religião
e isso sim é um fato mais contundente do que cristã ou a democracia.
qualquer suposta certeza de sua existência.
De qualquer forma, a apologética, isto é,
o acionamento de cientistas e historiadores,
pensadores e filósofos para a demonstra- DEUS NÃO ESTÁ MORTO 3: UMA
ção inequívoca da verdade cristã, tudo feito LUZ NA ESCURIDÃO
num tribunal, coloca a religião em geral e o
cristianismo em particular numa situação Antes de assistir o terceiro filme da fran-
desconfortável. Sua veracidade espiritual está quia, dei um passeio nos sites da internet que
sujeita a uma validação científica e judicial. falavam sobre ele e os anteriores. Impressiona
Sempre que um filme americano utili- a quantidade de notícias e propagandas veicu-
za-se de um tribunal, já sabemos que tudo ladas por igrejas evangélicas e organizações
“gospel” sobre as estreias dos três filmes, acadêmico. Isso me lembra um livro que ficou
além de outras informações. Aparentemente famoso nos anos 1980 no meio evangélico de
há um “crescendo” no número desses sites uma ficção angelical com suposta base bíblica
nos anos de 2014, 2016 e 2018, mas não fiz e que mostrava a guerra invisível que está
uma contagem demonstrativa. acontecendo paralelamente à guerra visível.
Com o gancho do final do filme 2, e os Trata-se do “Este mundo tenebroso” (I e II) de
sites que proliferaram em 2018 para anunciar Frank Peretti (Editora Vida), o qual descreve
o 3, fiz um quadro mental prévio de como ele no primeiro volume uma reunião de demônios
seria, mesmo antes de assisti-lo. É notório o prontos para possuírem suas vítimas aconte-
papel que os evangélicos tiveram na eleição cendo nos porões do departamento de ciências
de Bolsonaro em 2018 (68% dos evangélicos humanas de uma universidade. Não é à toa que
votaram nesse candidato), e o clima de perse- o atual governo brasileiro, que tanto deve aos
guição contra os cristãos que marcou o final evangélicos, tenha escolhido as universidades
do filme 2 (2016), parecia-me que a série teria como inimigas a serem atacadas.
tido um papel razoável, embora não determi- A grande questão é se os cristãos devem
nante, na configuração desse estado de coisas. lutar ou não por seus direitos na sociedade.
Fui então assistir o terceiro filme, Essa é uma questão que envolve muitos
e me deparei com algo que me surpreen- aspectos que não são suficientemente discu-
deu bastante. Isso se deve certamente pela tidos no filme, e que podem gerar conclusões
mudança do diretor: os dois primeiros filmes pouco democráticas e justas. Lutar por seus
por Harold Crok, e o terceiro por Michael direitos não é uma questão de escolha quando
Mason. De modo que o terceiro filme adqui- a agressão a esses direitos implica uma agres-
riu uma vitalidade inusitada, e dificilmente são aos direitos humanos como tais. Calar-se
poderia ser enquadrado nos absurdos de pode significar o apoio velado a toda sorte de
terceiras sequências tão encontrados na abusos nas mais diversas áreas.
indústria cinematográfica11. A questão enfocada no filme é o conceito
Sem perder a plausibilidade, o filme de “lutar”. Enquanto a opção era a luta jurí-
adquire um tom mais ficcional, e uma drama- dica o advogado, irmão do Pastor Dave,
ticidade bem mais autêntica do que os white afastado da religião, estava junto. Quando se
men’s problems dos dois anteriores. A fé não é torna cada vez mais uma luta de força física
apresentada de modo dualista entre os que a com agressões de parte a parte, o advogado
tem e os que não tem. As pessoas de fé estão cai fora, e o caminho jurídico explorado no
em crise, e as que não tem fé também estão em filme 2 é também abandonado.
crise, e o modo de solucionar suas respectivas Numa conversa, um pastor negro diz ao
crises não é religiosamente condicionado. Dave: “– não podemos pagar o ódio com mais
Por incrível que pareça, este terceiro filme da ódio. Precisamos ser luz na escuridão”. Essa
franquia foi o melhor. frase se torna o nome do filme, demonstrando
Claro que continuam os clichês tradicio- o quanto ela ocupa lugar central na argu-
nais: o campo de batalha é sempre o campus mentação. Isso desarma o protagonista que
se abre para uma nova experiência espiritual
11
Para mim, o exemplo mais contundente desse que o conduz a uma solução surpreendente
princípio é “Os Deuses devem estar loucos 3”.
REFERÊNCIAS