Você está na página 1de 33

Papanicolau

A descamação celular pode ser de dois tipos: espontânea ou natural e artificial. Como exemplos de descamação natural, temos a
urina e o escarro. Na descamação artificial, as células são removidas
com a utilização de algum instrumento. É o que acontece no teste de Papanicolaou, em que as amostras citológicas são obtidas
através do raspado da ectocérvice e do escovado da endocérvice, utilizando-se a espátula de Ayre e a “escovinha”,
respectivamente. As células viáveis que são traumaticamente esfoliadas, são menores e com menor grau de maturação que
as células descamadas naturalmente.

O colo uterino é delimitado por dois orifícios conhecidos como: óstio interno, que fica em contato com o istmo do útero; e
o óstio externo, que se liga com o canal vaginal.

A parede do colo do útero é formada por duas camadas, sendo elas: a endocérvice e a ectocérvice. A endocérvice é uma camada
mucosa, constituída por um epitélio colunar simples mucossecretor, que
é responsável pela produção do muco cervical; e a ectocérvice é constituída por um epitélio escamoso estratificado não
queratinizado, que se assemelha ao da vagina. A ligação da ectocérvice e da endocérvice recebe o nome de junção
escamocolunar (JEC), podendo ter sua localização modificada de acordo com o estado hormonal, gestacional, parto
vaginal e/ou trauma.

Papanicolau 1
A vagina é um órgão tubular musculomembranoso, que se estende do óstio externo do útero até o vestíbulo da genitália externa,
com comprimento que varia de 7 a 9 cm. Tem como funções permitir a
passagem do feto durante o parto, a descamação do sangue do fluxo menstrual mensal e a penetração do pênis na relação sexual.
Estruturalmente é constituída por uma parede formada por três camadas: a mucosa, a muscular e a adventícia.
O clitóris, bulbo do vestíbulo e as glândulas anexas são estruturas acessórias que compõem o sistema genital feminino e são de
fundamental importância na sexualidade feminina e na produção das
secreções mucocervicais.

Indicações e periodicidade do exame de papanicolau


A realização periódica do exame citopatológico continua sendo a estratégia mais adotada e mais eficiente no rastreamento
do câncer do colo do útero. É aconselhável a realização do exame de Papanicolaou a partir do início da atividade sexual.
Contudo, no âmbito da saúde pública, considerando principalmente a questão do custo-benefício, há regulamentações específi
cas. De acordo com as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero pelo MS/Inca, de 2011, o
exame deve ser priorizado para mulheres com atividade sexual e idade entre 25 e 60 anos.
Quanto à periodicidade, é indicada a sua realização anual, e após dois exames anuais com resultados negativos, a cada
três anos. Essa recomendação é baseada na história natural do câncer de colo do útero, que apresenta uma evolução lenta,
o que permite a detecção precoce das lesões pré-cancerosas e o seu tratamento efetivo, com margem ampla de segurança
para a paciente.
A partir dos 64 anos de idade, a realização do exame de Papanicolaou pode ser interrompida, desde que a mulher tenha
dois resultados citológicos negativos consecutivos nos últimos cinco anos. Para mulheres com mais de 64 anos de idade e
que nunca foram avaliadas através do exame citopatológico, é necessário realizar dois exames com intervalo de um a três
anos. Se ambos forem negativos, essas
mulheres podem ser dispensadas de exames adicionais.
Em pacientes que apresentam lesões pré-cancerosas, o seguimento citológico será semestral. Após o tratamento da lesão e
depois de dois exames citológicos com resultados negativos, a paciente passa a realizar o teste de Papanicolaou a
intervalos anuais, a cada três anos.

Procedimentos técnicos e laboratoriais


Normas de colheita das amostras cervicovaginais As seguintes orientações devem ser fornecidas às pacientes antes da
colheita das amostras citológicas:

Não estar menstruada.

Não realizar duchas vaginais e não usar drogas intravaginais (creme, óvulo) nas 48 horas que antecedem o
exame.

Papanicolau 2
Abstinência sexual nas 48 horas que antecedem o exame.

Coloração das amostras citológicas


O método de coloração foi elaborado pelo próprio Papanicolaou, com várias modificações ao decorrer dos anos. Consiste na
aplicação de um corante nuclear, a hematoxilina, e dois corantes
citoplasmáticos, o Orange G6 e o EA (eosina, verde-luz ou verde-brilhante e pardo de Bismarck). A hematoxilina cora
o núcleo em azul. O verde-brilhante cora o citoplasma em verde-azul das
células escamosas parabasais e intermediárias, células colunares e histiócitos. A eosina cora em rosa o citoplasma das
células superficiais, nucléolos, mucina endocervical e cílios. O Orange G6 cora as hemácias e as células queratinizadas
em laranja-brilhante. Após a coloração do esfregaço segue-se a etapa conhecida como clareamento, que promove a
transparência celular. O xilol, um solvente orgânico, é utilizado para esse fim.
Para a padronização da coloração é necessário checar diariamente os esfregaços sob o microscópio, fazendo as
correções, se necessárias. Assim, é ajustado o tempo que os esfregaços devem permanecer em cada corante. Nunca
deve ser esquecida a manutenção da bateria de coloração, filtrando diariamente e trocando os corantes e soluções
(álcool, xilol) quando necessário, para atingir um padrão ideal de coloração dos esfregaços.

Clareamento dos esfregaços


O xilol, um solvente, tem a finalidade de tornar as células translúcidas, participando no processo do seu clareamento, ou
diafanização.

Montagem dos esfregaços citológicos


É o processo em que é aplicada uma resina sintética dissolvida em um solvente, geralmente o xilol, permitindo a
adesão entre a lamínula e a lâmina. A ligação entre as duas protege o esfregaço da dessecação e diminui as chances de
descoloração ao decorrer do tempo. Os meios de montagem mais utilizados no nosso meio são o bálsamo do Canadá e o
Entellan (Merck).

É fundamental que o procedimento de montagem seja rápido, imediatamente após a remoção do esfregaço do xilol,
impedindo a penetração de ar entre a lâmina e a lamínula. Quando isso ocorre, poderão surgir artefatos, como a presença de
pigmento acastanhado recobrindo a amostra (artefato corn flakes) ou a formação de bolhas

Avaliação microscópicas das amostras citológicas


Antes de se proceder a “leitura” dos esfregaços, é fundamental a checagem das iniciais do nome e sobrenome da
paciente e do número de registro na lâmina, confrontando-os com os dados que constam na ficha de cada paciente. É
importante ainda observar as informações clínicas.
Inicialmente utiliza-se a objetiva de 4x para verificar a qualidade da fixação e coloração do espécime, o fundo (área ocupada
entre as células), assim como a celularidade (quantidade de células), a composição celular (tipos de células) e a sua
distribuição. Esses aspectos são considerados no item adequabilidade da amostra, da Nomenclatura Brasileira para Laudos
Cervicais e Condutas Preconizadas (Ministério da Saúde - Inca, 2006) adaptado do Sistema Bethesda de classificação
citológica dos esfregaços cervicais (2001). Inclui as seguintes categorias:

Satisfatória
A amostra que apresenta células em quantidade representativa (estimativa mínima de aproximadamente 8.000-
12.000 células escamosas) bem distribuídas, fixadas e coradas, de tal modo que a sua visualização permita uma
conclusão diagnóstica.

Satisfatória, mas limitada para a avaliação


Falta de informações clínicas. Esfregaço obscurecido entre 50% a 75% de sua totalidade por vários fatores, entre
eles: esfregaço acentuadamente hemorrágico devido ao trauma na colheita da amostra, esfregaço espesso com
acentuada sobreposição celular por falha na distribuição do material na lâmina, esmagamento das células por

Papanicolau 3
compressão excessiva durante a confecção do esfregaço, dessecação celular devido à demora na fixação ou
utilização de fixador com menor teor alcoólico, falhas na técnica de coloração. Outras causas de exames
citológicos satisfatórios, mas limitados para a avaliação incluem a escassez de células epiteliais no esfregaço ou a
sobreposição acentuada das células epiteliais por exsudato leucocitário. A escassez celular pode decorrer da
atrofia do epitélio, comum na menopausa. O acentuado exsudato purulento (leucocitário) é determinado por
condições inflamatórias

Insatisfatória
Esfregaço acelular ou obscurecido em mais de 75% da sua totalidade pelos mesmos fatores discutidos acima.
Quando um exame citológico é categorizado como satisfatório, mas limitado ou insatisfatório para a avaliação,
deve ser repetido o mais breve possível, uma vez que o estudo
oncológico foi comprometido ou não foi possível, respectivamente.

O câncer de colo de útero, também chamado de câncer cervical, é causado pela infecção persistente do colo por alguns
tipos do Papilomavírus Humano (HPV). Excetuando-se o câncer de pele não melanoma, é o terceiro tumor maligno mais
frequente na população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal. Além disso, é a quarta causa de morte de
mulheres por câncer no Brasil. Contrastando com os dados, as alterações celulares precoces podem ser descobertas são
descobertas no exame preventivo (Papanicolau) facilmente, mostrando assim a importância da realização periódica desse exame.
Atualmente, recomenda-se realizar o exame citopatológico em mulheres de 25 a 60 anos de idade, uma vez por ano e, após dois
exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos.

Decisões de como rastrear, quem rastrear e quando rastrear o câncer cervical e suas lesões precursoras em populações
assintomáticas são complexas e requerem uma análise balanceada e cuidadosa das vantagens e desvantagens, como
também dos custos decorrentes dessas ações. Por isso, alguns fatores são levados em consideração para haja a melhor
conduta diante das alterações que podem ser encontradas nos exames.

Papanicolau 4
Vários fatores interferem na aparência geral dos esfregaços ginecológicos, entre eles a função celular, a atividade geral da
célula, o estado hormonal da paciente e aqueles relativos às técnicas de colheita, confecção, fixação e coloração dos
esfregaços.

Atividade geral da célula


É classificada em quatro categorias:

Euplasia —Estado normal ou saudável de determinado tipo de célula

Retroplasia — Caracteriza-se pela atividade celular diminuida. Compreende as alterações celulares regressivas cuja
aparência morfológica depende de vários fatores, como o tipo de estímulo, a sua intensidade e duração.

Proplasia — Representa o estado da célula ou tecido com aumento da atividade biológica e inclui a preparação para a
divisão celular, aumento da atividade secretória, resposta a estímulos externos e reparação

Neoplasia maligna — é o resultado da proliferação anormal de células com estrutura diferente da do tecido original.
Além disso, elas podem invadir tecidos e afetar órgãos que distantes, provocando as chamadas metástases.

Dependendo do tipo e da intensidade da atividade celular, há características citoplasmáticas e nucleares próprias. Assim,
as estruturas celulares devem ser analisadas na sua intimidade, para o entendimento e diagnóstico dos diferentes
processos patológicos.

Arquitetura dos agrupamentos celulares

Papanicolau 5
Quanto a sua distribuição, as células podem se encontrar dissociadas ou agrupadas. Quando agrupadas, podem ser
reconhecidos diferentes tipos de arranjos:

Em monocamada

Conjunto organizado de células que mostram espaçamento regular entre si e apresentam limites citoplasmáticos bem
definidos. Diz-se neste caso que a polaridade celular é conservada, sendo tal aspecto geralmente associado às
condições benignas.

Em paliçada
Células glandulares cilíndricas (colunares) em condições normais ou lesões benignas quando vistas lateralmente são
tipicamente distribuídas em fila (arranjo em tira ou paliçada). Os núcleos são localizados na base das células, sendo a
porção apical representada pelo citoplasma.

Sincicial ou tridimensional
Conjunto desorganizado de células com espaçamento irregular entre si, resultando na sobreposição dos núcleos. Neste
caso, os limites citoplasmáticos são indistintos. Essa perda da polaridade celular geralmente tem origem em tecidos
anormais com crescimento excessivo, como acontece nas neoplasias malignas.

Papanicolau 6
Em “roseta”, acinar ou glandular

Conjunto onde as células se dispõem em torno de um espaço central. É encontrado mais frequentemente nos
adenocarcinomas (neoplasias malignas de origem glandular).

Em bola ou esférico
Agrupamento tridimensional de células. O limite do conjunto celular é bem demarcado, liso. Apesar de ser comum
nos adenocarcinomas, pode ser encontrado em condições normais (arranjos de células endometriais descamadas
fisiologicamente nos primeiros dias do ciclo menstrual).

Papilar

Papanicolau 7
Arranjo celular tridimensional com projeções, conferindo um aspecto arborescente ao conjunto. Na porção central do
agregado as células se amontoam, enquanto na periferia as células assumem uma disposição perpendicular, em
paliçada, conferindo uma borda bem demarcada ao conjunto. É característico de alguns tipos de adenocarcinoma
(neoplasia maligna de origem glandular).

Características citológicas nos esfregaços cervicovaginais normais


O colo uterino é representado pela ectocérvice e pela endocérvice. A ectocérvice é revestida por epitélio escamoso
estratificado não queratinizado e a endocérvice, pelo epitélio colunar simples mucossecretor. O ponto de ligação entre os
dois tipos de epitélio é chamado junção escamocolunar (JEC). A vagina é revestida por epitélio escamoso estratificado não
queratinizado, similar àquele da ectocérvice.

Histologia e citologia da mucosa vaginal e ectocérvice

Papanicolau 8
A vagina e o colo do útero (ectocérvice) são revestidos pelo epitélio escamoso estratificado não queratinizado. Este
epitélio, quando maduro (durante a fase reprodutiva da mulher), é representado por quatro diferentes camadas. A
mais profunda, situada logo acima da membrana basal, é constituída por células cuboidais pequenas, arredondadas,
com elevada relação nucleocitoplasmática (camada basal). Esta é recoberta por várias camadas de células
arredondadas maiores, basofílicas (camada parabasal). A seguir, encontramos células poligonais bem maiores, com
núcleos redondos vesiculares, citoplasma rico em glicogênio, contendo pontes intercelulares (camada intermediária).
Finalmente, próximo à superfície, o epitélio é representado por camadas de células aplanadas com citoplasma
abundante e núcleos picnóticos (camada superficial). A camada basal, ou germinativa, é responsável em condições
fisiológicas pela regeneração (replicação celular). As outras camadas representam apenas diferentes estágios na
maturação das células basais. A seguir, as características das células do epitélio escamoso quando observadas nos
esfregaços cervicovaginais:

Células basais

Essas células são excepcionalmente vistas nos esfregaços cervicovaginais de mulheres com atrofia acentuada na
pós-menopausa ou quando há ulceração da mucosa. As células basais correspondem às menores células epiteliais,
aproximadamente o tamanho de um leucócito. A sua forma é redonda ou oval, com citoplasma escasso, corado
intensamente em azul ou verde. O núcleo é redondo, central, com cromatina grosseiramente granular
uniformemente distribuída, às vezes revelando um pequeno nucléolo. Essas células geralmente descamam em
pequenos agrupamentos.

Células parabasais
Essas células são raras nos esfregaços de mulheres na fase reprodutiva, podendo ocorrer em distúrbios
hormonais e em casos de erosão ou ulceração da mucosa. Por outro lado, predominam em situações de deficiência
estrogênica (epitélio atrófico), como na infância, lactação e menopausa. As células parabasais com 15-20
micrômetros são bem maiores que as células basais, arredondadas ou ovaladas, com citoplasma denso, cianofílico
(corado em azul ou verde), relativamente escasso. O núcleo redondo ou ovalado mede entre 8 e 13 micrômetros,
ocupando aproximadamente a metade do volume da célula. A cromatina é granular, sem evidência de nucléolo

Células intermediárias
São as células mais comuns nos esfregaços cervicovaginais no período pós-ovulatório do ciclo menstrual, durante
a gravidez e no início da menopausa. O seu predomínio é relacionado à ação da progesterona ou aos hormônios
adenocorticais. O tamanho das células intermediárias varia de 30 a 60 micrômetros, e o citoplasma é abundante,
transparente, poligonal e cianofílico, com uma coloração menos intensa do que aquela observada nas células parabasais.
As células intermediárias mostram tendência a pregueamento das bordas citoplasmáticas. Os núcleos dessas células são
vesiculares, medindo cerca de 10 a 12 micrômetros, redondos ou ovais, com membrana cromatínica ou borda nuclear
claramente visível e cromatina finamente granular regularmente distribuída com cromocentros. O corpúsculo de Barr
(cromatina sexual) é ocasionalmente identificado.
As células naviculares representam uma variante das células intermediárias. Elas são elipsoides, com bordas
citoplasmáticas espessadas e ricas em glicogênio, que se cora habitualmente em castanho. Os núcleos são
excêntricos. As células naviculares são comuns na gravidez e podem aparecer em outras condições onde há
acentuado estímulo progestacional.

A abundância do citoplasma e o núcleo de tamanho menor diferenciam as células intermediárias das parabasais.

Células superficiais
Correspondem às células mais comuns em esfregaços cervicovaginais no período ovulatório do ciclo menstrual,
após terapêutica estrogênica e nas pacientes com tumor ovariano funcionante (produtor de estrógeno). O tamanho
dessas células varia de 40 a 60 micrômetros, são poligonais, o citoplasma é transparente, eosinofílico, e apresentam
núcleo picnótico. O núcleo picnótico é caracterizado pela condensação da cromatina que se torna escura. O diâmetro

Papanicolau 9
nuclear raramente excede 5 micrômetros. Desde que a completa maturação do epitélio ocorre como resultado da atuação
dos estrógenos, a picnose nuclear em células maduras superficiais representa a evidência morfológica da atividade
estrogênica.
A propriedade do citoplasma corar em rosa é relacionada a sua afinidade química com a eosina, um corante ácido
utilizado na técnica de Papanicolaou. Contudo, a coloração eosinofílica não é específica, e o citoplasma pode assumir as
cores azul ou verde. No citoplasma das células superficiais podem ser vistos grânulos pequenos (grânulos querato-
hialinos) escuros, considerados precursores de queratina, que contudo não é produzida em condições normais.
Para diferenciar uma célula intermediária de uma superficial é fundamental a análise da estrutura nuclear.
Enquanto o núcleo da célula intermediária é vesicular com cromatina delicada uniformemente distribuída e
cromocentros (condensações de cromatina), o núcleo da célula superficial é picnótico, ou seja, com cromatina
condensada, sem evidência de granulação.

Papanicolau 10
Histologia e citologia da mucosa endocervical normal — o Epitélio colunar simples mucossecretor
A endocérvice e as glândulas endocervicais são revestidas por epitélio colunar simples, mucossecretante, com núcleos
localizados na região basal. Podem ser encontradas raras células colunares ciliadas.
As glândulas endocervicais não se constituem de ácinos ou ductos, portanto não são glândulas verdadeiras.
Representam criptas formadas por invaginação e pregueamentos profundos do epitélio superficial.
Abaixo das células endocervicais e repousando sobre a membrana basal, identifi camos algumas células de reserva
que apresentam duplo potencial de diferenciação: em direção às células endocervicais colunares ou alternativamente
conduzindo a epitélio escamoso através de um processo de metaplasia.

Características citológicas das células endocervicais

Nos esfregaços, as células glandulares endocervicais podem ser observadas em agrupamentos monoestratificados
(quando vistas de frente) ou representando arranjos em paliçada ou tira quando vistas lateralmente. O citoplasma é
delicado, semitransparente, cianofílico corando fracamente, finamente vacuolizado ou mais raramente apresentando
vacúolo único, evidenciando-se às vezes fi nos grânulos acidófi los. Na segunda fase do ciclo menstrual (fase
progestacional), o citoplasma pode se tornar distendido, globoso, pelo acúmulo de muco. Quando as células são ciliadas,
o que acontece raramente, elas exibem citoplasma corado mais intensamente. O núcleo é localizado na região basal,
redondo ou oval, com discreta
variação do tamanho, cromatina finamente granular com cromocentros ou nucléolo. Devido à fragilidade do citoplasma
das células endocervicais, às vezes ocorre a sua ruptura no momento da confecção dos esfregaços com o aparecimento
de núcleos desnudos com alterações degenerativas, imersos em muco

As células endocervicais devem ser diferenciadas dos histiócitos, já que estes também exibem citoplasma vacuolizado.
A forma cilíndrica e a ausência de partículas fagocitadas apontam a origem endocervical. As células endocervicais
também devem ser distinguidas das células glandulares endometriais. As primeiras apresentam maior tamanho, e o
citoplasma é mais abundante.

Metaplasia escamosa

Papanicolau 11
O ponto de ligação entre o epitélio glandular endocervical e o epitélio escamoso da ectocérvice é chamado junção
escamocolunar (JEC).

Mecanismo de desenvolvimento
Durante a puberdade e na primeira gravidez, o colo aumenta de volume em resposta a alterações hormonais. Nessa
ocasião há eversão (ectopia) do epitélio endocervical, que fica então exposto ao pH ácido da vagina. Essa alteração do
pH representa o estímulo para o processo de metaplasia escamosa, um fenômeno adaptativo do epitélio colunar. Na
metaplasia do colo, há a transformação do epitélio colunar endocervical em epitélio escamoso estratificado não
queratinizado.
Histologicamente são reconhecidos três estágios do processo de metaplasia escamosa. A primeira manifestação
morfológica é o aparecimento de uma e depois várias camadas de células muito imaturas, as células de reserva
(hiperplasia das células de reserva), que se situam abaixo das células glandulares endocervicais. As células de reserva
exibem progressivamente evidência de diferenciação escamosa sob a aparência de células com maior quantidade de
citoplasma e limites mais bem defi nidos (metaplasia escamosa imatura). O epitélio colunar ainda pode persistir por
algum tempo. Depois desse estágio há uma perda das células colunares e o epitélio se torna mais diferenciado
(metaplasia escamosa madura). Posteriormente o epitélio torna-se praticamente indistinguível do epitélio escamoso
original.

Papanicolau 12
Significado clínico de metaplasia escamosa
A área do colo (previamente representada pelo epitélio colunar) onde ocorreu a alteração metaplásica é chamada
zona de transformação (ZT). Numerosos estudos mostram que as células metaplásicas imaturas dessa região são mais
suscetíveis à ação de agentes carcinogênicos, especialmente o papiloma vírus humano (HPV). É exatamente nessa
região onde se desenvolvem a grande maioria das lesões pré-cancerosas e o carcinoma escamoso do colo.

Papanicolau 13
Características citológicas

Células de reserva endocervicais


Essas células são raramente vistas nos esfregaços. Elas são de pequeno tamanho (menores que as células
parabasais), com citoplasma escasso, cianofílico e finamente vacuolizado. O núcleo é redondo ou oval,
centralmente localizado, com elevada relação nucleocitoplasmática, e a cromatina é fina uniformemente
distribuída. As células de reserva podem se mostrar isoladas ou dispostas em pequenos conjuntos, às vezes nas
proximidades das células endocervicais. As células de reserva quando estão isoladas podem ser confundidas com
histiócitos e células estromais endometriais.

Células metaplásicas
As células metaplásicas escamosas imaturas são do tamanho aproximado das células parabasais e são redondas a
ovais, com discreto aumento da relação nucleocitoplasmática devido à relativa imaturidade celular. Elas
apresentam citoplasma delicado ou denso, às vezes com vacúolos. Os núcleos são um pouco maiores que aqueles
das células intermediárias, redondos ou ovais, paracentrais ou centrais, com cromatina finamente granular
regularmente distribuída e às vezes nucléolo. Essas células se dispõem frequentemente em agrupamentos frouxos,
lembrando um calçamento de pedras.
As células metaplásicas maduras são do tamanho aproximado das células intermediárias, porém as primeiras
apresentam citoplasma levemente mais denso e bordas citoplasmáticas mais arredondadas. As células
metaplásicas maduras também podem se distribuir em conjuntos frouxos. Às vezes as células metaplásicas tanto
imaturas como maduras revelam prolongamentos citoplasmáticos assumindo um aspecto estrelado. Outra
característica é a presença de uma coloração dupla citoplasmática sob a aparência de um citoplasma dividido em
duas zonas, uma mais externa densa (ectoplasma) e uma mais interna perinuclear, relativamente pálida.

Alterações celulares benignas

Inflamação

Reparação

Metaplasia escamosa imatura

Atrofia com inflamação

Papanicolau 14
Radiação

Outras (especificar)

Células atípicas de significado indeterminado

Escamosas :

Possivelmente não neoplásicas;

Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau

Lesão intra-epitelial de baixo grau (compreendendo efeito citopático pelo HPV e neoplasia intra-epitelial
cervical grau I);

Lesão intra-epitelial de alto grau (compreendendo neoplasias intra-epiteliais cervicais graus II e III);

Lesão intra-epitelial de alto grau, não podendo excluir micro-invasão;

Carcinoma epidermóide invasor.

Glandulares

Possivelmente não neoplásicas

Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau

Adenocarcinoma in situ

Adenocarcinoma invasor:

Cervical

Endometrial

Sem outras especificações

De origem indefinida

Possivelmente não neoplásicas.

Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau.

Alterações celulares benignas (ativas ou reparativas)


Inflamação sem identificação de Agente

Caracterizada pela presença de alterações celulares epiteliais, geralmente determinadas pela ação de agentes físicos, os quais
podem ser radioativos, mecânicos ou térmicos, e químicos como medicamentos abrasivos ou cáusticos, quimioterápicos e
acidez vaginal sobre o epitélio glandular. Ocasionalmente, pode-se observar alterações, em decorrência do uso do dispositivo
intra-uterino (DIU), em células endometriais. Casos especiais do tipo de exsudato linfocitário ou reações alérgicas
representadas pela presença de eosinófilos são observados.
Conduta Clínica: Havendo queixa clínica de leucorréia, a paciente deverá ser encaminhada para exame ginecológico. Os
achados comuns são ectopias, vaginites e cervicites. O tratamento deve seguir recomendação específica.
Seguir a rotina de rastreamento citológico, independentemente do exame ginecológico.

Resultado indicando Metaplasia escamosa imatura

A palavra “imatura”, em metaplasia escamosa, foi incluída na Nomenclatura Brasileira buscando caracterizar que esta
apresentação é considerada como do tipo inflamatório, entretanto o epitélio nessa fase está vulnerável à ação de agentes
microbianos e em especial do HPV.
Conduta Clínica: Seguir a rotina de rastreamento citológico.

Papanicolau 15
Resultado indicando reparação
Decorre de lesões da mucosa com exposição do estroma e pode ser determinado por qualquer dos agentes que determinam
inflamação. É, geralmente, a fase final do processo inflamatório, momento em que o epitélio está vulnerável à ação de
agentes microbianos e em especial do HPV.
Conduta Clínica: Seguir a rotina de rastreamento citológico.

Resultado indicando atrofia com inflamação


Conduta Clínica: Após avaliação da sintomatologia e do exame ginecológico, podem ser utilizados cremes vaginais contendo
estrogênios.
Seguir a rotina de rastreamento citológico.

Resultado indicando radiação


Nos casos de Câncer do Colo do Útero, o exame citopatológico deve ser realizado para controle de possível persistência de
neoplasia residual ou de recidiva da neoplasia acontecer após tratamento radioterápico.
Condutas Clínicas: Nos casos em que a citopatologia diagnosticar lesão intra-epitelial, o que pode acontecer após tratamento
radioterápico, a conduta deverá ser a mesma indicada para lesão intra-epitelial em pacientes submetidas a esse tratamento e
deve ser seguida de acordo com o grau da LIE.
Ressaltamos a importância do preenchimento completo e adequado dos dados de anamnese constantes do formulário de
“Requisição de Exame Citopatológico - Colo do Útero”

Achados microbiológicos
Lactobacillus sp;

Cocos;

Outros Bacilos;

São considerados achados normais, fazem parte da flora vaginal e não caracterizam
infecções que necessitem de tratamento.
Conduta Clínica: A paciente com sintomatologia deve ser encaminhada para avaliação ginecológica.
Seguir a rotina de rastreamento citológico.

Queixas ginecológicas

As queixas ginecológicas não só devem ser valorizadas, mas solucionadas, considerando que os laudos do exame citológico,
na maioria das vezes, mencionam agentes microbiológicos, que quando associados às queixas clínicas merecem tratamento
específico.

Células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US)


Essa alteração representa a atipia citológica mais comumente descrita nos resultados citopatológicos do colo do útero.
Diante desse resultado, a conduta na mulher com 30 anos ou mais será a repetição desse exame num intervalo de 6 meses.
A segunda coleta deve ser precedida, quando necessário, do tratamento de processos infecciosos e de melhora do trofismo
genital com uso prévio de estrogênio. Para as mulheres com idade inferior a 30 anos, a repetição do exame citopatológico
deverá ser realizada em 12 meses. Se os exames citopatológicos subsequentes com intervalo de 6 ou 12 meses forem
negativos, a mulher deverá retornar a rotina de rastreamento citológico trienal. Porém, se o resultado de alguma citologia
de repetição for igual ou sugestivo de lesão intraepitelial ou câncer, a mulher deverá ser encaminhada à unidade de
referência para a colposcopia.

Papanicolau 16
Situações especiais

Para mulheres com até 24 anos que tiverem sido submetidas ao exame e apresentarem ASC-US, a citologia deverá ser
repetida em 3 anos.

Em gestantes com citologia de ASC-US, a conduta obedece às mesmas recomendações para as mulheres não gestantes
de acordo a idade.

Em mulheres na pós-menopausa ou com atrofia diagnosticada clinicamente, é recomendável o preparo com estrogênio
antes de ser submetida à nova citologia ou colposcopia.

Mulheres imunossuprimidas (ou HIV+) com citologia de ASC-US devem ser encaminhadas para a colposcopia já no
primeiro exame alterado. O seguimento citológico, quando não evidenciada lesão intraepitelial, deve ser semestral, até
dois exames negativos. Após esse período, deve seguir a recomendação de rastreamento específico para essas mulheres.

Células escamosas atípicas de significado indeterminado, não podendo afastar lesão de alto grau
(ASC-H)
Todas as mulheres com laudo citopatológico de ASC-H devem ser encaminhadas para uma unidade de referência para
colposcopia.

Situações especiais

Para mulheres até 24 anos a conduta inicial é o encaminhamento para colposcopia. Se essa revelar achados
colposcópicos normais ou anormais menores pode-se indicar seguimento citológico com intervalo de 12 meses.
Nos casos de achados colposcópicos maiores a paciente deve ser submetida à biopsia e, se esta for compatível com
NIC II/III, deve-se seguir a recomendação específica.

A conduta em gestante com ASC-H deve ser o encaminhamento para a colposcopia e realizar biópsia apenas se
houver suspeita de lesão invasiva. A paciente deverá ser reavaliada em 90 dias após o parto, em unidade
secundária, para a confirmação diagnóstica e decisão terapêutica.

Papanicolau 17
Para mulheres infectadas pelo HIV ou com outra forma de imunossupressão deverá ser realizada a colposcopia.

Em pacientes no climatério ou com atrofia diagnosticada clinicamente, é recomendável o preparo com estrogênio
antes da colposcopia.

Células glandulares atípicas (AGC)


O achado de AGC pode significar: neoplasia intraepitelial escamosa, adenocarcinoma in situ (AIS), adenocarcinoma
invasor do colo uterino, adenocarcinoma de endométrio e, mais raramente neoplasia extrauterina. Achados benignos,
como hiperplasia microglandular, adenose vaginal, pólipos endometriais e quadros inflamatórios, também podem serem
considerados.
Pacientes com o diagnóstico citológico de AGC devem ser encaminhadas para a colposcopia. Durante a realização desse
exame, deve ser realizada nova coleta para citologia com especial atenção para o canal cervical. Simultaneamente, é
recomendável a avaliação endometrial com ultrassonografia transvaginal (USGTV) em pacientes acima de 35 anos e, caso
haja anormalidade, o estudo anatomopatológico do endométrio está indicado. Abaixo dessa idade, a investigação
endometrial deverá ser realizada se presente sangramento uterino anormal ou se a citologia sugerir origem endometrial.
A investigação da cavidade endometrial será prioritária em relação à investigação da ectocérvice e canal endocervical
sempre que mencionada a possível origem endometrial dessas células atípicas.
A investigação de doença extrauterina também estará indicada nos casos em que persistir o diagnóstico de AGC em
situações onde não tiver sido possível concluir o diagnóstico de doença
uterina ao final da investigação, independente da idade da paciente.
Durante a colposcopia, se encontrada alterações, quaisquer que sejam, deve ser realizada a biópsia. Caso o exame
histopatológico do material dessa biópsia seja compatível com AIS ou câncer, deve-se seguir recomendações específicas
para esses quadros. No caso de diagnóstico de NIC II/III, deve-se buscar excluir doença glandular simultânea,
considerando o diagnóstico da citologia do material obtido no momento da colposcopia e outros exames solicitados para a
avaliação do endométrio ou de outros órgãos pélvicos. Quando indicada a excisão, deve-se preferir uma técnica que
produza um espécime íntegro e adequado para a avaliação histopatológica. Na persistência de AGC na citologia, após o
fim das investigações no colo e corpo uterinos, além de órgãos adjacentes, sem evidência de doença, as mulheres devem
ser mantidas em seguimento citológico e colposcópicos semestral até a exclusão de doença pré-invasiva ou invasiva.
Se a citologia do material obtido no mesmo momento da colposcopia for negativa, a mulher deverá ser seguida com
citologia semestral. Após 2 anos com exames semestrais normais (4 exames consecutivos normais), a paciente deverá
retornar ao rastreamento trienal.

Papanicolau 18
Situações especiais

Mulheres até 24 anos, na pós-menopausa e imunossuprimidas devem ser investigadas da mesma forma que as demais
mulheres. Gestantes devem ser investigadas da mesma maneira, exceto pelo estudo endometrial, que não é factível. A
biópsia do colo uterino deverá ser realizada apenas na suspeita de doença invasiva.

Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL)


A LSIL representa a manifestação citológica da infecção causada pelo HPV, altamente prevalente e com potencial de regressão
frequente, especialmente em mulheres com menos de 30 anos. Mulheres com esse diagnóstico devem repetir o exame
citopatológico em 6 meses na unidade de atenção básica. Processos infecciosos ou atrofia genital identificados devem ser tratados
antes da nova coleta. Se a citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos, a paciente deve retornar a rotina de
rastreamento citológico trienal. Se uma das citologias subsequentes no período de um ano for positiva, encaminhar à unidade de
referência para a colposcopia.
À colposcopia, se presente achados anormais no colo do útero, deve-se realizar a biópsia. Presente NIC II/III ou câncer, deve-se
seguir conduta específica para esses quadros. Caso presente NIC 1, a paciente deverá ser mantida em seguimento citológico. As
pacientes que não submetidas à biópsia devem ser seguidas com citologia em 12 meses até dois exames seguidos negativos,
seguindo-se conduta específica a partir dos resultados subsequentes.
Na ausência de achados colposcópicos anormais no colo e na vagina, é recomendado repetir citologia em 6 meses para mulheres
com mais de 30 anos e em 12 meses para mulheres de até 30 anos. Caso o exame citopatológico seja negativo em dois exames

Papanicolau 19
seguidos, a mulher deve retornar à rotina de rastreamento trienal. Mantido o diagnóstico citopatológico de LSIL, a paciente
deverá ser mantida em seguimento citológico até que os exames retornem a normalidade. Caso, nesse seguimento, seja obtido um
diagnóstico mais relevante, como ASC-H, HSIL, AGC ou câncer, a conduta deverá ser definida em função do novo resultado. Na
persistência de LSIL por 24 meses, a mulher deve ser reencaminhada para a colposcopia.

Situações especiais
Mulheres até 24 anos, caso tenham sido submetidas ao exame citopatológico e apresentem alterações citológicas compatíveis
com LSIL, devem repetir a citologia em três anos. Para gestantes não é recomendada a realização de colposcopia. Qualquer
abordagem diagnóstica deve ser feita após três meses do parto.
As mulheres na pós-menopausa devem ser conduzidas como as demais mulheres, porém a segunda coleta deve ser precedida
de tratamento da colpite atrófica, quando presente. Mulheres imunossuprimidas, como as infectadas pelo HIV, em situação
de imunocomprometimento ou em uso de imunossupressores, devem ser encaminhadas para colposcopia após o primeiro
exame citopatológico mostrando LSIL.

Lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL)


As mulheres que apresentarem laudo citopatológico de HSIL deverão se encaminhadas à unidade de referência para a realização
de colposcopia. A repetição da citologia é inaceitável como conduta inicial. Quando a colposcopia mostra-se inadequada devido a

Papanicolau 20
processos inflamatórios ou qualquer outra situação que inviabilize a sua realização, esta deverá ser realizada assim que possível.
Observe o fluxograma para conduzir os casos de HSIL:

Colposcopia
A colposcopia refere-se ao exame da vagina e do colo do útero por meio de um microscópio binocular. O cosposcópio é um
instrumento endoscópio utilizado para estudar o epitélio da vagina e do colo do útero in vivo sob iluminação e ampliação
adequadas. Esse exame tem o objetivo de detectar neoplasia intraepitelial e a neoplasia inicial do colo do útero, da vagina
e da vulva.

Papanicolau 21
No colo uterino, há três epitélios diferentes que são avaliados pela colposcopia. O epitélio escamoso estratificado
(ectocérvice), que deriva do epitélio do seio urogenital e se inicia na linha vulvovaginal, revestindo a vagina, recobrindo a
maior parte da porção vaginal da cérvice e alcançando a borda do epitélio colunar, formando a junção escamo-colunar
(JEC). O epitélio glandular colunar (endocérvice) que se origina do ducto mulleriando e recobre o canal cervical. A
localização da JEC é variável e pode ser observada na ectocérvice, circunscrevendo o orifício externo, pode estar
localizada na parte inferior do canal cervical ou pode estar muito afastada do orifício externo com epitélio colunar
revestindo parte da ectocérvice. Há também o epitélio escamoso metaplásico, também chamado de zona de
transformação, que é caracterizado por transformação de epitélio glandular em escamoso. Nessa região, existe maior
vulnerabilidade à ação do HPV, o que torna essa área mais suscetível ao desenvolvimento de neoplasias.

Principais indicações

Avaliação de mulheres com anormalidades de células glandulares ou escamosas no esfregaço de Papanicolau.

Persistência de células inflamatórias após o tratamento adequado.

Presença de células queratinizadas.

Mulheres com sangramento pós coito, metrorragia e sangramento pós-menopausa.

O exame a olho nu revela um aspecto doente do colo uterino ou da vagina.

Monitoramento de mulheres tratadas para lesão intraepitelial escamosa.

Avaliação de mulheres com condilomas anogenitais.

Achados colposcópicos normais

Epitélio escamoso estratificado: é liso, tem cor rósea, se localiza no colo do útero e na vagina. Não há
remanescentes do epitélio colunar, como orifícios glandulares ou cistos de Naboth. O epitélio não se torna branco
após a aplicação de ácido acético e se colore de marrom a após a aplicação de iodo (lugol).

Epitélio glandular colunar: apresenta aspecto de uva após aplicação de ácido acético. Normalmente, está presente
na endocérvice, mas também pode estar presente na ectocérvice (ectopia) ou, em raras ocasiões, na vagina.

Zona de Transformação (ZT): está presente entre o epitélio escamoso e o colunar, em que diversos graus de
maturação podem ser identificados. O epitélio metaplásico imaturo se torna branco após a aplicação de ácido
acético e é negativo para iodo, enquanto o epitélio metaplásico maduro pode se tornar ligeiramente branco, com
aplicação de ácido acético, e parcial ou completamente tingido de marrom, com aplicação de iodo.

Papanicolau 22
Achados colposcópicos anormais

Epitélio acetobranco: as áreas de atividade nuclear intensa se apresentam brancas. Um grau leve de
acetobranqueamento ocorre em áreas de metaplasia imatura. Uma lesão severa, em geral, está associada a uma
intensa resposta acetobranca (epitélio acetobranco denso), que aparece rapidamente e se mantém por mais
tempo. Uma alteração acetobranca densa no epitélio colunar pode indicar doença glandular.

Pontilhado: o pontilhado fino é uma área focal em que os capitares se apresentam em forma de pontos. Quanto
mais fino o pontilhado, maior a probabilidade de a lesão ser de baixo grau ou ser uma metaplasia ou uma
inflamação. Já o pontilhado grosseiro se relaciona com maior probabilidade de a lesão ser severa ou de alto grau.

Mosaico: os capilares cercam áreas anormais como se fossem azulejos. Quanto menor e mais liso/fino o mosaico
(mosaico fino), maior a probabilidade de a lesão ser de baixo grau ou ser uma metaplasia. Quanto mais grosseiro,
largo e irregular o mosaico (mosaico grosseiro), maior a probabilidade de a lesão ser de alto grau.

Iodo negativo: áreas de tecido que não se coram com iodo podem representar epitélio colunar, metaplasia
imatura, atrofia, inflamação, infecção por HPV, neoplasia intraepitelial cervical (NIC)/lesão intraepitelial
escamosa (LIE) ou câncer. Coilocitose (célula oca)

Iodo parcialmente positivo: um aspecto de manhas pequenas e irregulares em uma área de discreta alteração
acetobranca pode ser decorrente de metaplasia imatura, epitélio em regeneração, infecção subclínica por HPV ou
NIC/LIE de baixo grau. Uma coloração amarelada em meio a uma área de acetobranqueamento intenso é
altamente sugestiva de NIC/LIE de alto grau ou câncer.

Vasos atípicos: se referem a uma área focal em que os vasos não se apresentam como pontilhados nem como
mosaico, mas como vasos horizontais, superficiais com calibre ou ramificações irregulares, em geral com formato
de vírgula, saca-rolhas ou espaguete. Com frequência esses vasos indicam câncer invasivo.

OBSERVAÇÃO: Algumas vezes a colposcopia se torna insatisfatória. Isso acontece quando: a junção escamo-colunar
não é visível, há inflamação severa atrofia severa ou trauma, a cérvice não é visível.

Papanicolau 23
Infecções Sexualmente Transmissíveis
As infecções do trato reprodutivo incluem: as IST’s, as infecções iatrogênicas (ex:pós aborto) e as infecções endógenas (ex:
candidíase vulvovaginal e vaginose bacteriana).
As IST’s são doenças causadas por mais de 30 agentes etiológicos (vírus, bactérias, fungos, e protozoários) transmitidas,
principalmente, por contato sexual, e de forma eventual, por via sanguínea, além da transmissão vertical. Essas infecções podem
se apresentar sob a forma de síndromes: úlceras genitais, corrimento vaginal, corrimento uretral, doença inflamatória pélvica e
verrugas anogenitais.
Ulceras genitais
Lesões localizadas na vulva, vagina ou colo uterino com perda de tecido, envolvendo a epiderme e a derme ou apenas a
epiderme.

Papanicolau 24
Corrimento vaginal

Papanicolau 25
Papanicolau 26
Cervicites e uretrites

Papanicolau 27
A neisseria gonorrhoeae não cora, e ela é uma bactéria intracelular.
Outros locais que pode acometer:

Artrite gonocócica (monoartrite)

Reto (retrite)

Antes era ministrado nitrato de prata nos olhos dos recém nascido para evitar conjuntivite por gonorrhea de transmissão
vertical (mãe-bebe)

Papanicolau 28
Papanicolau 29
A Chlamydia trachomatis é intracelular.

Outros locais de infecção

Trachoma (olho) — pode ter transmissão vertical

Garganta

Candidiase vulvovaginal

A candidíase vulvo-vaginal (CVV) é uma das formas mais comuns de vulvova-


ginite e atinge boa parte das mulheres ao menos uma vez durante a vida. A Candida albicans faz parte da flora oral, retal e
vaginal de forma comensal e, durante a vida reprodutiva, 10% a 20% das mulheres são colonizadas de forma assintomática.
Em 80% a 90% dos casos, o agente causador da CVV é a Candida albicans. O restante é causado por outras espécies
específicas de Candida: Candida glabarata, tropicalis, krusei, etc.

A maioria das candidíases vulvovaginais são classificadas como não-complicadas. As formas não-complicadas incluem
aquelas com todos os seguintes critérios: esporádica ou infrequente; leve a moderada; cujo provável agente é a Candida
albicans e em pacientes não-imunocomprometidas. A candidíase complicada inclui qualquer uma das seguintes
características: infecção recorrente por cândida (4 ou mais surtos em um ano); infecção grave; candidíase não-albicans;
diabetes não controlado; imunossupressão; debilidade ou gravidez.
O quadro clínico da candidíase inclui:

Prurido

Ardência

Corrimento geralmente grumoso, inodoro, com aspecto de queijo “cottage” e aderente à parede vaginal

Dispareunia de introito vaginal

Disúria externa

Os sinais característicos são: eritema e fissura vulvares, corrimento grumoso com placas aderidas à parede vaginal, de cor
branca, edema vulvar, escoriações e lesões satélites.
À citologia a fresco, o pH vaginal é normal (ácido) <4,5; e o exame microscópico da leucorreia, após aplicação de solução
salina ou KOH a 10%, mostra a levedura ou hifas. Essa citologia deve ser realizada antes de prescrever o tratamento
empírico. Caso venha negativa, colhe-se a cultura.

Papanicolau 30
De maneira geral, iremos colher a cultura de pacientes com sintomas clínicos cuja citologia a fresco veio negativa; em caso
de falha do tratamento e em casos de episódios recorrentes.
O tratamento da candidíase não complicada pode ser feito através de vários esquemas, levando em consideração
particularidades e preferências da paciente. Para as formas não--complicadas, os azóis costumam ser muito eficazes.

Quando a candidíase é complicada, não se trata com doses e esquemas curtos como os da candidíase não--complicada. No
mínimo, usa-se um esquema vaginal de 7 dias ou múltiplas doses de fluconazol (150mg a cada 72h, em 3 doses).
Nas CVV recorrentes – que são, em sua maioria, causadas pela C. albicans – após controle dos fatores subjacentes –
diabetes, doenças auto-imunes, antibióticos, etc – faz-se indução de terapia azólica por 14 dias – tópica ou oral – seguida de
regime supressivo de 6 meses – 150mg de fluconazol semanal, durante seis meses.
Em casos de Candida glabarata, vale aplicar ácido bórico tópico em cápsulas gelatinosas, 600mg diariamente por 14 dias.
Em CVV causadas por outras espécies de cândida, a nistatina é a primeira escolha. Podem-se usar também óvulos de
anfotericina via vaginal.

Vaginose bacteriana

A vaginose bacteriana (VB) é a desordem mais frequente do trato genital inferior em mulheres de idade reprodutiva e a causa
mais comum de odor fétido no corrimento, responsável por 45% a 50% dos casos de corrimento vaginal patológico. Sua
patogênese está relacionada ao desequilíbrio na flora vaginal, com perda de lactobacilos e aumento de bactérias com a
Gardenerella vaginalis, patógeno frequentemente associado à VB. Outras bactérias podem também estar em
supercrescimento, como a Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum e Mobiluncus spp.
Sem lactobacilos, o pH normalmente ácido aumenta e a Gardnerella vaginalis produz aminoácidos, que são quebrados em
aminas voláteis (putrescina, cadaverina e trimetilamina), aumentando mais o pH e causando o odor desagradável muito
referido pelas pacientes.

Papanicolau 31
Apesar de muitos fatores de risco estarem relacionados à atividade sexual, a vaginose bacteriana não é considerada uma
doença sexualmente transmissível, e não está indicado o tratamento do parceiro.
Seu quadro clínico é caracterizado por corrimento de odor fétido – o odor piora após coito e na menstruação, bolhoso e
branco a acinzentado. Além disso, não há irritação nem inflamação vulvar ou vaginal. Em 1983, foram criados os critérios de
Amsel e colaboradores, dos quais devem estar presentes três.

Os achados de clue cells e whiff teste positivo são patognomônicos da doença, mesmo em pacientes assintomáticas.

Existem ainda os critérios de Nugent, um sistema de escore que quantifica os elementos microbiológicos. Fundamenta-se na
presença ou não de lactobacilos, Gardnerella ou Mobiluncus:

Vários desfechos ginecológicos adversos podem ocorrer em decorrência da VB: vaginite, endometrite, doença inflamatória
pélvica não associada à Neisseria ou Chlamydia e infecções pélvicas agudas pós-cirurgias pélvicas. Alguns esquemas de
tratamento foram propostos para a VB em mulheres não-grávidas, conforme a seguir:

Papanicolau 32
Papanicolau 33

Você também pode gostar