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Você chega em casa e abre o computador. Acessa a internet, olha o Facebook, e vai pra um site
qualquer, um desses de filmes pornôs. Escolhe o vídeo que tem a imagem mais interessante, bate
uma, toma uma água e liga a TV... Normal. Inofensivo. Muitos diriam: saudável.
Mais um dia. Você chega em casa, vai pro computador, acessa a internet e, desta vez, clica em uma
dessas reportagens que aparece na timeline. Na imagem que chama para o texto, destaque para uma
mulher americana de meia idade: o nome dela é Shelley Lubben.
Bastante revoltada, ela fala de garotas que, durante a gravação de pornôs, foram forçadas a fazer o
que não queriam. A reportagem mostra vídeos de mulheres chorando de dor, enquanto os parceiros
de atuação não param de meter e machucá-las. Em seguida, ela fala sobre dados de atores e atrizes
que morreram de AIDS – afinal, não é aceitável gravar pornô usando preservativos. Shelley mostra
também a lista das muitas atrizes que se suicidaram por depressão ou morreram de overdose.
Para ela, tudo isso é reflexo de uma indústria pornô hardcore que vitimiza e danifica
permanentemente aqueles que fazem parte dela.
Na visão da ex-atriz, a degradação psicológica e a pressão causada pelos desempenhos humilhantes
e fisicamente difíceis obriga as garotas a recorrerem ao álcool e às drogas. .
Com essas situações em mente, a ativista não quer apenas que sejam garantidos direitos básicos e
segurança aos profissionais que trabalham com filmes. Ela quer o fim da indústria pornô. “Shelley
tem muita razão em algumas coisas que diz, mas é uma fanática religiosa. Esse é o problema dela”,
diz Valter, católico praticante. Fanática ou não, fizemos o teste que ela propôs: olhamos para a vida
real de Patrícia.
Em uma conversa informal, ela contou sobre a relação com a família. Sua mãe e seus irmãos sabem
da sua carreira: “minha mãe não deixou de me apoiar”. Nos dias de lazer vive normalmente, conta
histórias corriqueiras da sua relação com a família, como ir em quermesse de igreja na época das
festas juninas. Ela conta que alguns garotos e homens a reconhecem. Quando está em família, pede
pra eles respeitarem seu momento.
Apesar de demonstrar que é possível viver de sexo sem ser emocionalmente demolida, Patrícia sabe
que sua situação não é a de uma atriz qualquer. Ela tem nome, fama e 10 anos de carreira. Para as
novatas, é muito mais difícil impôr respeito. E essa é a grande diferença.
Se como espectadores nós encaramos a questão da segurança, as agressões, cenas extremas e a falta
de reconhecimento dos direitos como parte da causa dos danos que podemos perceber entre os
membros e ex-membros da indústria pornográfica, também precisamos entrar no debate.
Ao contrário do que pensa Shelley, que quer acabar de vez com os pornôs, eu acredito que a solução
não é eliminar os filmes, e sim, a violência e as opressões cometidas dentro de um set.
“O pornô é um microcosmos do mundo em que a gente vive. O que se vê nos filmes é o que se vê
no mercado. É como a marca de cerveja competindo pra ver quem faz o comercial mais babaca. Um
diretor faz um filme de anal, aí vai o outro e tem que fazer o super super anal e assim por
diante...” –Valter
“Não dá pra voltar pro pornô arroz com feijão. (...) Elas usam álcool e drogas porque sabem que não
dá pra cumprir certas exigências sóbrias.” –Shelley
Tanto na fala da Shelley quanto na do Valter pode-se perceber a falta de perspectivas que amenizem
o problema. Os dois falam sobre a competição cada vez mais agressiva e mais distante do sexo
comum: é a cultura do sexo hardcore. As orgias têm que ser cada vez mais numerosas; o freak, cada
vez mais freak; e assim o sexo "comum" se torna cada vez menos atrativo comercialmente e,
portanto, inviável.
Diretor das antigas, Valter critica a estrutura comum, não concorda com o modelo de produção
atual e tem saudades da época em que os filmes eram mais eróticos, mais únicos e feitos em escala
menor. “Se você for observar, os filmes seguem todos uma mesma estrutura, 4, 5 posições, ângulos
de câmera muito parecidos, e até o ponto de corte chega a ser o mesmo”. Será que não é mesmo
possível apostar em um modelo que não seja esse?
Será que não é possível fazer um filme que excite, que instigue, sem machucar? A maior parte da
indústria pornô atende determinados grupos de homens héteros e outros grupos de homens gays. E
digo ‘determinados grupos’ porque nem todos os homens héteros tem como fetiche ver mulheres
com um padrão de beleza questionável, gemendo de maneira mais questionável ainda. Nem todos
os homens héteros ou gays acham que os filmes com aquele sexo exagerado e tão claramente atuado
é o que se pode ter de melhor num filme pornô.
Que tal pensar em algo que possa valorizar mais o casal, em que a interação e fetiches sejam
mútuos e não levem em conta só o prazer masculino? E se fossem produzidos filmes em que o
homem também seja objeto de prazer (não necessariamente voltados para o público gay)? Será que
não é possível que o público lésbico seja de fato atendido, sem ficar refém do pornô em que duas
mulheres se tocam com o claro objetivo de satisfação hétero-masculina?
É possível encontrar filmes e produtoras alternativas, claro, mas ainda em uma quantidade muito
pequena, com dificuldade para se manter e, por muitas vezes, com custo acima do pornô comum. Se
você não é uma pessoa que se sente plenamente atendida pelo modelo atual e resolver procurar
outro tipo, muito provavelmente vai levar três vezes mais tempo buscando um vídeo do que se
masturbando.
Uma das alternativas atuais é o site “Make Love, Not Porn”. Criado por Cindy Gallop, pessoa chave
na briga por novos modelos de pornô, o site tenta trazer o sexo da vida real para as telas. A criadora
incentiva que casais normais façam filmes amadores reais e forneçam esse material para o site. Os
visitantes pagam um taxa para assistir ao vídeo por um período determinado (algo em torno de
US$5 por 3 semanas) e os usuários que fizeram a filmagem ganham metade dos lucros que o filme
arrecadar.
No Brasil, a X-Plastic tem um trabalho relevante – até por ser a única grande produtora de pornô
alternativo. Fundada por três integrantes de uma banda de rock, tem nas músicas um forte atrativo,
assim como a inspiração na pornochanchada. A fotografia bem cuidada também chama atenção, e
as garotas fazem o estilo de pin-ups modernas: tatuadas, com corpo natural e cabelos
cuidadosamente diferentes (Patrícia Kimberly, nossa entrevistada, é uma das profissionais que
gravam com a X-Plastic).
Alt Porn ou amador. Gonzo ou super produção. Tapas, apertões, puxadas de cabelo… Orgias, vários
homens e uma só mulher... todas essas opções podem ser muito excitantes e não têm nada de
errado, mas pra isso, é preciso que os envolvidos estejam gostando. Sentir prazer com algum desses
tipos de interação é diferente de sentir prazer vendo uma mulher gritar aflita porque a penetração
em grupo, os tapas, os puxões estão doendo sem lhe dar nenhum prazer.
Acredito que o ponto não é criar uma cartilha de “pode” e “não pode” dentro do pornô. A intenção
desse texto, inclusive, é levantar o questionamento sobre os padrões que temos hoje. Creio que seja
preciso encontrar um ponto de equilíbrio que garanta o bem estar dos profissionais, seja
economicamente rentável e que, ao mesmo tempo, não criminalize as práticas sexuais de alguém.
O sexo agressivo não é, necessariamente, errado. O sexo com abuso é.
Como a Patrícia disse pra gente: “Enquanto eu estiver gostando e enquanto eu estiver tendo prazer,
tudo vale.”
https://www.youtube.com/watch?v=hIok-mr12P0
https://www.youtube.com/watch?v=oBx4lgieMAs
https://www.youtube.com/watch?v=G7YoXJ4eXr8