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Isto não é Filosofia

CLUBE DO LIVRO
Aprender a viver (2006), de Luc Ferry
Encontro 3 – Cap. 3 – Filosofia Medieval: cristãos
Prof. Vitor Lima

ENCONTRO 2
FILOSOFIA ANTIGA: ESTOICOS
Sumário
1. Pensamento cristão na mentalidade ocidental.................................................................. 2
1.1 Ética e escatologia bíblicas ............................................................................................ 2
1.2 Revolução Papal do séc. XI ao XIII .............................................................................. 4
2. Contexto histórico .................................................................................................................. 7
2.1 Etapas do Filosofia Medieval Cristã.............................................................................. 8
2.1.1 Patrística .................................................................................................................... 8
2.1.2 Escolástica................................................................................................................. 9
2.2 Theoria: do lógos impessoal ao lógos pessoal ......................................................... 12
2.3: Ética: livre-arbítrio e virtude ........................................................................................ 14
2.4 Sabedoria: amor em Deus e imortalidade pessoal................................................... 15
3. Guia de leitura para o Encontro 5...................................................................................... 16
Bibliografia ................................................................................................................................. 16

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Encontro 3 – Cap. 3 – Filosofia Medieval: cristãos
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1. Pensamento cristão na mentalidade ocidental

Façamos uma breve exposição sobre a contribuição do cristianismo e da Igreja


Católica para a construção da noção de Ocidente. Utilizaremos o livro de Philippe Nemo,
O que é o Ocidente? Dividiremos a exposição em duas etapas. Primeiro, falaremos da
ética e da escatologia bíblicas que deixaram suas marcas nas ideologias políticas atuais.
Segundo, falaremos sobre o papel da Igreja para o renascimento dos estudos clássicos
ainda na Idade Média.

1.1 Ética e escatologia1 bíblicas

A ética bíblica é a ética da compaixão. Conduz a uma percepção nova do


sofrimento humano, encarado não mais como normal e suportável, mas como algo a
ser evitado e repudiado. O Sermão da Montanha2 apresenta uma ilustração dessa visão
sobre o sofrimento e a responsabilização frente à sua existência. A moral preconizada
ali leva cada um a sentir-se e aceitar ser responsável por todos os sofrimentos humanos
– mesmo aqueles dos quais não tenha sido causa. Trata-se de uma misericórdia que
contraria os preceitos clássicos de justiça3. Em vez de desobrigar-se de deveres
definidos de forma taxativa, o amor evangélico consiste em devotar-se cada vez mais
ao próximo. A misericórdia, portanto, seria uma espécie de desigualdade. Isso rompe
com a tradição moral e jurídica herdada da Antiguidade pagã.
Diante dessa concepção ética, resta lutar contra o mal, diminuir os sofrimentos
humanos e contribuir para apressar a vinda do Messias. A escatologia bíblica, isto é, a
doutrina que trata do destino final do homem e do mundo, deduz-se da ética bíblica.

1
“escatologia (do gr. eschatos: último, e logos: ciência, teoria) 1. Doutrina que diz respeito aos fins últimos
da humanidade, da natureza ou do indivíduo depois da morte, o que implica a crença na vida futura. Em
outras palavras, crença ou doutrina que diz respeito aos fins últimos do homem e da humanidade, mas
sob uma forma religiosa. Contudo, a noção de escatologia, quando reduzida à fórmula empregada por
Pascal e Kant: ‘para onde vamos?’, não é totalmente estranha às meditações modernas distantes da
religião: o marxismo revolucionário apresenta uma certa escatologia.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p.
84)
2
Eis um trecho:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Pois eu vos digo: não resistais ao malvado.
Pelo contrário, se alguém te dá uma bofetada na face direita, oferece-lhe a esquerda. Ao que pleitear
contigo para tirar-te a túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te força a caminhar mil passos,
caminha com ele dois mil. Dá a quem te pede, e não rejeites quem te pede emprestado.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Pois eu vos digo: Amai vossos
inimigos, rezai pelos que perseguem. Assim sereis filhos de vosso Pai do céu, que faz surgir seu sol sob
maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. Se amais somente os que vos amam, que prêmio
mereceis? Também os coletores de impostos fazem isso. Se amais somente os vossos irmãos, que fazeis
de extraordinário? Também os pagãos fazem isso. Sede, portanto, perfeitos como vosso pai do céu é
perfeito.” Mateus, 5 In: Bíblia do Peregrino, p. 2010-11.
3
“Esse é o caso tanto para a justiça ‘comutativa’ (na troca, as coisas devem ter um valor igual) quanto
para a justiça ‘distributiva’ (cada um deve receber – do bem comum – um quinhão proporcional à sua
contribuição): a primeira é uma igualdade aritmética (do tipo a = b), enquanto a segunda é uma igualdade
geométrica, ou seja, uma igualdade de relações, uma proporção (do topo a/b = c/d)” (NEMO, 2005, p. 55-
56, nota 5)

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Enquanto a Bíblia influencia o mundo religioso a falar de messianismo4, apocalipse5,


milenarismo6, o mundo laico falará de utopia7 e de várias doutrinas do progresso.
A variante laica do messianismo é a utopia. Segundo essa noção, é possível
construir um mundo ideal, radicalmente diferente do mundo real. O pensamento e a
ação de ordem política só adquirem sentido se vierem a tornar-se instrumentos para sua
busca. Essa ideia se encontra em quase todos os ideários políticos da Europa, na era
moderna e na era contemporânea. Serve de fundamento à fé no progresso e na
possibilidade de construir, pela ciência e pelo desenvolvimento econômico, um mundo
mais suportável.
A influência bíblica se manifestou em duas modalidades – opostas entre si: um
ramo violento, outro ramo pacífico.
O ramo violento se baseia na ideia religiosa de que, nos últimos dias, haverá
um combate em que todos os malvados serão massacrados numa noite memorável. Na
era moderna e contemporânea, prolongou-se por meio das doutrinas
revolucionárias8, à direita e à esquerda.

4
“messianismo (do aramaico meschîkha: ungido ou escolhido) 1. Na religião judaica, crença no Messias,
o enviado de Deus, que teria como missão a libertação do povo judeu do domínio estrangeiro, sua
condução à Terra Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não veio; para os cristãos,
ele já veio na pessoa de Jesus e voltará novamente no fim dos tempos. 2. Em um sentido genérico, crença
em um líder carismático que seria capaz de ‘salvar’ seu povo e conduzi-lo à felicidade e à glória. Em nossos
dias, o messianismo designa a tendência coletiva de esperar ‘tudo’ da atividade de um único homem
dotado de poderes carismáticos e considerado como capaz de trazer a ‘salvação’ ou de mudar os rumos
da história.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 165)
5
apocalipse (do grego apokalupsis: ato de descobrir, descoberta, revelação) 1. Qualquer dos antigos
escritos judaicos ou cristãos – especialmente o último livro do Novo Testamento, atribuído a São João. O
livro contém revelações, em particular sobre o fim do mundo, apresentadas sob forma alegórica. 2. Em
sentido genérico, discurso sobre um fim de tudo o que há, aterrorizante e prodigioso.
6
“milenarismo (do latim tardio milenares) 1. Doutrina inspirada na crença medieval do místico italiano
Joaquim de Fiore (1145-1202) que anunciava o advento do milênio, período de mil anos, durante o qual,
segundo o Apocalipse (XX, 1-3), o mal seria vencido. 2. Por extensão, toda doutrina que anuncia ou
promete o advento de um período que anuncia ou promete o advento de um período de perfeição e bem-
estar geral.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 168)
7
“utopia 1. Termo criado por Tomás Morus em sua obra Utopia (1516), significando literalmente ‘lugar
nenhum’ (gr. ou: negação, topos: lugar), para designar uma ilha perfeita onde existiria uma sociedade
imaginária na qual todos os cidadãos seriam iguais e viveriam em harmonia. A alegoria de Tomás Morus
serviu de contraponto através do qual ele criticou a sociedade de sua época, formulando um ideal político-
social inspirado nos princípios do humanismo renascentista. 2. Em um sentido mais amplo, designa todo
projeto de uma sociedade ideal perfeita. O termo adquire um sentido pejorativo ao se considerar esse
ideal como irrealizável e portanto fantasioso. Por outro lado, possui um sentido positivo quando se
defende que esse ideal contém o germe do progresso social e da transformação da sociedade. No período
moderno são formuladas várias utopias como as de Campanella e Fourier.” (JAPIASSÚ, MARCONDES,
1990, p. 240)
8
“revolução (do lat. Tardio revolutio) O termo ‘revolução’ é empregado inicialmente na astronomia,
indicando o movimento circular dos corpos celestes que voltam assim a seu ponto de partida, p. ex. a
revolução dos planetas em torno do Sol. Copérnico intitula sua obra mais importante de Sobre a revolução
das órbitas celestes. O termo é aplicado posteriormente no contexto político significando uma reviravolta,
uma alteração radical e profunda de uma sociedade em sua estrutura política, econômica, social etc.,

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O ramo pacífico se fundamenta na ideia de que, nos últimos dias, haverá uma
conversão dos corações e dos espíritos, por um processo lento e gradual. Na era
moderna e contemporânea, essa ideia contribui na elaboração dos ideais da
democracia liberal.
Fora essa contribuição para o ideário político que persiste ainda hoje, Philippe
Nemo identifica, no movimento da Igreja na Baixa Idade Média, a retomada dos estudos
clássicos, tão essenciais ao advento da modernidade.

1.2 Revolução Papal do séc. XI ao XIII

O cesaropapismo foi um sistema de relações entre Igreja e Estado na Idade


Média (e também em parte da Antiguidade), no qual cabia ao chefe de Estado a
competência de regular a doutrina, a disciplina e a organização da sociedade cristã,
exercendo poderes geralmente reservados à autoridade suprema religiosa.
Historiadores apontam como uma subordinação da Igreja ao Estado.
A reação veio com a Reforma Gregoriana, que teve como impulsionador o Papa
Gregório VII (1073-1085). A justificativa era que o clero havia se degenerado e se
corrompido. Para mudar esse estado de coisas, teve início um amplo conjunto de
reformas que pretendia fazer com que a Igreja retomasse sua soberania. Os principais
objetivos da reforma foram consolidados no Dictatus Papae – conjunto de 27
proposições e axiomas que tratam da autoridade e competência do Papa, tanto no
domínio espiritual, quanto temporal –, publicado pelo Papa Gregório VII, em 1075. De
acordo com esse documento, o Papa é considerado o chefe supremo da Igreja e tem o
poder de coroar e depor monarcas (plenitude potestatis). O documento também
proibiu as simonias – vendas de favores religiosos em troca de dinheiro – e instituiu o
celibato. Alguns historiadores, e é o caso de Phillipe Nemo, chamam a Reforma
Gregoriana de Reforma Papal, porque foi promovida não apenas por Gregório VII, mas
também por outros papas que o haviam antecedido e o sucederam, assim como por
outros clérigos e intelectuais, durante vários decênios.
A onda da reforma atingiu o direito canônico. Além de terem providenciado a
codificação dos antigos cânones, os novos Papas editavam leis: as decretais. Para
fornecer modelos técnicos, Gregório VII procedeu a um renovado estudo do antigo
direito romano, esquecido desde a Alta Idade Média. Foram convocados vários
concílios ecumênicos9 para criar uma legislação canônica. Foi elaborado, então, o
corpus juris canonici (1140). Nesse período foi criada a primeira Faculdade de Direito
do mundo, em Bolonha, que deu origem à Universidade de Bolonha (cerca de 1080).

geralmente por meios violentos e de forma súbita, representando um confronto entre uma ordem
anterior e um novo projeto político-social. Ex.: a Revolução Francesa de 1789, a Revolução Russa de 1917.
O termo é empregado também para designar uma mudança radical ou o surgimento de um fato novo, ou
uma nova forma de agir que altera a situação anterior. Ex.: a revolução industrial nos séculos XVIII e XIX,
a revolução dos costumes.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 214)
9
Um concílio ecumênico é uma reunião de todos os bispos (epískopos) cristãos, convocada para discutir
e resolver as questões doutrinais ou disciplinares da Igreja. A palavra ecumênico deriva do grego
(oikoumene), que significa algo como “mundo habitado”. Inicialmente designava o Império Romano.
Posteriormente passou a designar o mundo em geral.

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Depois das escolas de Direito, foram criadas as Faculdades de Artes, nas quais
se ensinaram o Trivium e o Quadrivium. A partir de então iniciou o sistema completo das
faculdades de ensino superior: Teologia, Direito Romano, Direito Canônico, Medicina.
Começava o auge da Escolástica.
Os estados europeus da época tomaram a monarquia papal como modelo.
Iniciaram uma luta contra o feudalismo. Legislaram, centralizaram a administração,
coletaram impostos. Como esse renascimento estatal, a Europa passou por inúmeros
progressos. Entre os séculos XI e XIII, verificou-se um forte crescimento demográfico,
urbano e econômico. Mas qual teria sido o espírito a animar os promotores da
Revolução?
A ideia central era cristianizar o mundo a fim de tornar a humanidade capaz de
atingir seus fins éticos e escatológicos. Ao deixar o mundo, Cristo tinha prometido
retornar, o que não aconteceu. O que teria acontecido? A resposta abraçada foi a
seguinte: o mundo se tornara tão pleno de maldade que não poderia se servir de morada
a Jesus, e os únicos responsáveis eram os homens. Cabia aos homens, portanto,
transformar o mundo a fim de torná-lo novamente uma casa digna de Deus.
No entanto, a teologia agostiniana, predominante no cristianismo ocidental da
alta Idade Média, constituía um obstáculo. Segundo essa concepção:
“...a natureza humana foi destruída inteiramente pelo pecado e, portanto, nenhuma vontade
humana pode ser a causa de sua própria salvação. Para Santo Agostinho, depois do pecado
original, o homem merece apenas a morte; sua falta não pode ser resgatada por nenhuma obra
humana. É verdade que, pela graça, Deus pode salvar o homem; no entanto, ninguém sabe quem
será salvo e quem não será, e o homem nada pode fazer para mudar esse decreto eterno. Se
Deus condena, nenhuma boa ação poderá salvar, do mesmo modo que uma ação má não pode
impedir que Deus salve. A ação humana não tem nenhum valor.” (NEMO, 2005, p. 65)

Essa atitude contemplativa tinha sido a dos monges, desertores do mundo. A


salvação seria obtida não pela ação, mas por meios sobrenaturais – oração,
peregrinações ou culto às relíquias. Essas práticas, opostas à ação messiânica dos
homens, foram modificadas completamente por outras propostas. A doutrina
anselmiana da expiação e a nova doutrina do purgatório contribuíram enormemente
para uma mudança de visão sobre a atuação humana no mundo.
Santo Anselmo escreveu Por que Deus se fez homem? (cerca de 1097), obra
que serviu para a reformulação da doutrina tradicional sobre o pecado, a salvação e o
valor da racionalidade da ação humana. A tese central é a seguinte: a graça já foi
concedida por Deus na expiação de Cristo, portanto a humanidade já está salva. Se o
pecado original foi resgatado, cabe ao homem resgatar seus pecados atuais, pelos
quais é individualmente responsável. Assim, a ação humana adquire sentido, uma vez
que é relevante para a salvação.
Além disso, a valorização da ação humana é incentivada pela doutrina do
purgatório. Essa noção, segundo Nemo, foi elaborada para resolver o seguinte
problema: o que ocorrerá se alguém começar tarde demais a fazer boas ações, depois
de ter levado uma longa vida de pecado? O purgatório traz a resposta, uma vez que
existe um tempo depois da morte durante o qual o pecador tem a possibilidade de
terminar o resgate de seus pecados.

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Nessa época, começou-se a representar Cristo como homem sofredor, de modo


a enfatizar sua humanidade – entendeu-se que seria a melhor ilustração do valor e do
sentido da ação humana ilustrá-lo como também humano. Dessa maneira, adotar o
caminho de Jesus não se tornava impossível.
Toda essa mentalidade levava o homem a praticar boas obras. Sendo um animal
racional, praticar o bem implica conhecer o mundo e articular uma cooperação social
pacífica e eficaz. Em outras palavras, buscar a ciência e o direito. Nessa perspectiva,
para o homem ocidental, o uso da razão por intermédio da ciência e do direito se tornará
parte do seu propósito ético – e sagrado também, por assim dizer. Abria-se a
oportunidade da retomada e do desenvolvimento tanto da filosofia grega, quanto do
direito romano, o que de fato ocorreu. Nas palavras de Nemo (p. 75):
“...se, no mundo ocidental, a via de um aperfeiçoamento pacífico e progressivo da sociedade pela
ciência e pelo direito tendeu a prevalecer sobre a via milenarista violenta, que considera apenas a
vingança e a destruição, os ocidentais o devem à escolha inspirada pelos homens da Revolução
Papal, de recolher a integralidade da herança de razão e equilíbrio da Antiguidade greco-romana.”

A civilização ocidental vai se tornar, a partir dessa época, uma síntese de três
cidades: Atenas, Roma e Jerusalém.

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2. Contexto histórico

O período histórico que compreende a Filosofia Medieval Cristã vai do final do


Helenismo (séc. IV) até o Renascimento e o início da Filosofia Moderna (séc. XV e
XVI). Ao todo são cerca de mil anos. Convencionou-se chamar de Patrística o início
dessa nova era. Entretanto, a maior parte do que se produziu em termos de pensamento
filosófico, concentra-se no pedaço temporal que vai do séc. XII ao séc. XIV – lapso
cronológico denominado de Escolástica.
Para certa parcela do imaginário popular o período medieval é visto de modo
simples, para não dizer simplório. Ora é considerado de modo romântico – cavaleiros,
princesas, castelos –, ora é tratado de modo pejorativo – Idade das Trevas,
obscurantismo, perseguição intelectual. Afinal, por que tratamos a Idade Média com este
vocábulo: “Média”?
A resposta está em Francesco Petrarca (1304-74), quem introduziu o termo
medium aevum – era média. A ideia era resgatar a cultura clássica que havia sido
negligenciada, ao seu ver. Houve, assim, o período greco-romano e haveria os novos
tempos em que aquele esplendor seria resgatado. Haveria algo no meio. Os dois foram
separados por um abismo. O poeta pretendia ser a ponte e fazer renascer a tradição –
não à toa Petrarca é o iniciador do movimento chamado Renascimento. No entanto,
descrever a Filosofia Medieval é descrever um fenômeno complexo por três motivos ao
menos.
Primeiro, porque não podemos pensar que a Filosofia Cristã é toda a Filosofia
da Idade Média. As produções árabe e judaica também existiram. Basta constatar que,
caso não fossem os árabes, os textos de Aristóteles talvez tivessem se perdido. Houve
uma transmissão ou deslocamento dos saberes (translatio studiorum), fenômeno que
acompanhou a história política dos impérios e das instituições. A Filosofia Grega passou
a ser Filosofia Romana. A Filosofia Romana passou a ser Filosofia Cristã. Os sírios
transmitiram-na aos árabes. Os árabes, aos judeus. Os cristãos a recuperaram,
incorporando várias influências árabes e judaicas, em consonância com os textos greco-
romanos e assim por diante.

translatio studiorum
Gregos → Romanos → Cristãos → Sírios → Árabes → Judeus → Cristãos

Segundo, porque há a discussão para saber se de fato houve Filosofia e não


apenas Teologia nesse período. Uma razão é que são poucos os pensadores cristãos
que se julgam filósofos, em vez de teólogos. Os filósofos eram sempre Platão e
Aristóteles – os gregos pagãos – ou Avicena e Averróis – os árabes infiéis. No entanto,
ainda que não se considerassem filósofos, os teólogos medievais tinham uma
concepção clara de Filosofia (à época, o conjunto das disciplinas científicas) e
participavam das polêmicas de cunho filosófico sobre os limites e pretensões do
discurso filosófico – isto é, eles, na prática, filosofaram.

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Terceiro, porque houve produção de gêneros literários que tanto períodos


anteriores, quanto posteriores considerariam filosóficos. Nós, contemporâneos,
produzimos artigos e livros. Os modernos manufaturavam cartas e manifestos. Os
antigos elaboravam diálogos, dos quais, como já vimos, o socrático era um subgênero
famoso. Por seu turno, os medievais escreviam, por exemplo, comentários
(expositiones) e questões (quaestiones). Os comentários visavam a explicar
sistematicamente um livro inteiro, uma seção orgânica, ou mesmo todas as obras de um
autor para que se pudesse interpretá-lo corretamente. As questões eram uma espécie
de continuação da dialética aristotélica, em que se buscava uma solução, segundo
certas regras, de um problema originado na constatação de uma contradição – ainda
que aparente – entre opiniões de duas ou mais autoridades religiosas.

2.1 Etapas do Filosofia Medieval Cristã


2.1.1 Patrística

Com o nome de Patrística, entende-se o período do pensamento cristão que se


segue à época do Novo Testamento e chega até o início da Escolástica, isto é, os
séculos II-VIII da era comum. O nome se deve ao pensamento dos Padres da Igreja, os
mestres da doutrina cristã.
A Patrística do segundo século é caracterizada pela defesa do cristianismo
perante o paganismo, o judaísmo e a heresia. Os padres deste período podem ser
divididos em três grupos: os chamados apostólicos, os apologistas e os controversistas.
Interessam-nos em especial os segundos – por exemplo, São Justino Mártir – pela
defesa racional do cristianismo perante o paganismo, ao passo que os primeiros e os
últimos têm uma importância religiosa, dogmática, no seio do próprio cristianismo.
O pensamento cristão do século terceiro se firma no mundo cultural da época,
especialmente em Alexandria no Egito. É este o centro da cultura helenística. Afirma-se
principalmente no didascálion, escola catequética, teológica, cujos expoentes são
Clemente e Orígenes. É própria dos padres alexandrinos a distinção dos crentes
cristãos em simples fiéis, que tudo creem sem saber, e em gnósticos ortodoxos, que
acreditam no que se deve acreditar, e sabem o que deve ser conhecido. Enquanto os
padres alexandrinos (gregos) têm grande estima pelo pensamento helênico e procuram
assimilá-lo com o cristianismo, os padres africanos (latinos) olham-no com suspeita. O
maior dos africanos é Tertuliano, defensor do cristianismo no campo jurídico.
O século quarto representa a época áurea da Patrística. Basta mencionar, para
a Igreja Oriental Grega, Atanásio, o malho do arianismo, os pensadores da Capadócia
– Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e João Crisóstomo, o mais
ilustre representante da escola antioquena. Para a Igreja Ocidental Latina, Ambrósio e
Jerônimo. A grandeza da Patrística do séc. IV é mais dogmática e teológica que
filosófica. O quarto século viu se constituir o monaquismo oriental e os conselhos
evangélicos.
Santo Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, na Numídia, filho do pagão
Patrício e da cristã Mônica. Estudou em sua cidade natal e em Cartago, onde adotou o
maniqueísmo. Terminados seus estudos, foi para Milão como mestre de retórica.

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Afastou-se do ensino e, convertido ao cristianismo, voltou para a África. A jornada


espiritual de Agostinho passa por uma fase cética, outra neoplatônica e, enfim, cristã.
Ordenou-se padre e, em seguida, foi consagrado bispo de Hipona, onde faleceu.
Escreveu muitas obras de interesse religioso e teológico, bem como de interesse
filosófico – em especial os diálogos contra os maniqueus e contra os céticos
acadêmicos.
Com Agostinho, a Patrística atinge o seu apogeu; depois dele, vai decaindo
juntamente com a cultura. Decai, em grande medida, por motivos exteriores. A
derrocada do império romano, a cisão do império em oriental e ocidental, a queda do
segundo pelas invasões bárbaras ao norte (germanos), e progressivamente pelos
árabes.
Boécio (470-524), nascido em Roma em família patrícia, versado em filosofia
grega, foi ministro do rei bárbaro Teodorico, que o condenou à morte. Conhecido como
o último dos romanos, também se imortalizou por sua obra A Consolação da Filosofia,
escrita no cárcere. Iniciou a tradução das obras de Aristóteles e de Platão, tendo por
objetivo não só vertê-las para o latim, mas também demonstrar que concordavam em
síntese entre si. Consegue apenas traduzir as obras lógicas do Estagirita, e tais escritos
têm vasta influência na Idade Média. É de sua tradução da obra Isagoge (uma
introdução ao Categorias, de Aristóteles), do neoplatônico Porfírio, que se populariza
um dos principais problemas filosóficos da Idade Média: o problema dos universais.
Bento de Núrcia (480-543) é o fundador do beneditismo e do monaquismo (vida
ou estado típico dos monges, em clausura monástica) do Ocidente, ascético e social.
Nasceu em Núrcia, de família aristocrática. Depois de deixado o mundo e de ter se
retirado à solidão, cria vários monastérios, entre eles o de Monte Cassino. O
monaquismo ocidental, diferentemente do oriental – mais contemplativo –, é de cunho
mais social e ativo. Seu lema é Ora et labora.

2.1.2 Escolástica

A Escolástica representa o último período da História do pensamento cristão,


que vai do início do séc. IX até o fim do séc. XV. O nome deriva da Filosofia ensinada
nas escolas da época, por mestres chamados escolásticos – origem das universidades.
De modo diferente da Patrística, cujo interesse é predominantemente religioso – cerne
da teologia dogmática da Igreja – o interesse da Escolástica é mais especulativo. É
desta e não daquela que os manuais retiram o rótulo Filosofia Cristã, em lugar de
simplesmente Pensamento Cristão ou Teologia Cristã. O cume dessa etapa do
pensamento humano costuma ser localizado na produção de Tomás de Aquino. Até o
advento de sua obra, predominam tendências derivadas de Agostinho de Hipona que,
por sua vez, foi fortemente influenciado pelos neoplatônicos. Costuma-se dividir esse
período por séculos – tendo como precursores alguns filósofos, como Boécio: séc. XI e
XII, séc. XIII e séc. XIV e XV.
Durante a Idade Média, existiam as escolas monásticas, junto dos monastérios
beneditinos, para a formação de futuros monges, também de alguns leigos mais cultos.
Eram de origem medieval e se situavam fora das cidades. Além disso, havia as escolas
episcopais, dependentes dos bispos, para a formação do clero secular, também de

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leigos mais cultos. Eram herdeiras das escolas catequéticas do cristianismo antigo e
localizavam-se nas cidades.
Carlos Magno (742-814) deu incremento a todas. Ademais objetivou dar unidade
interior, espiritual ao seu vasto império e, portanto, educar intelectual, moral e
religiosamente os povos bárbaros que formavam seu domínio. Fundou a chamada
escola palatina, precursora da universidade medieval. Surgiram depois as escolas
paroquiais, em que o vigário e outros sacerdotes ensinavam os primeiros elementos
do saber. O programa escolástico de Alcuíno (735-804), elaborado por ordem de Carlos
Magno, compreendia as sete artes liberais, repartidas no Trivium (Gramática, Retórica
e Lógica) e no Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música) – já antevistas
por Boécio. Ao lado dessa instrução, ministrada por eclesiásticos e para eclesiásticos,
houve também uma educação militar. É a formação cavalheiresca, ligada à vida feudal.
A Igreja concedeu a essa pedagogia uma orientação essencialmente católica.
Os séc. IX e X tiveram como principal representante o filósofo Scotus Erígena
(815-877). Natural da Irlanda e falecido na França, sua obra maior é Da divisão da
Natureza, em que tenta conciliar teísmo cristão com o neoplatonismo. O esquema
teórico propõe uma divisão da natureza: 1° a natureza que não é criada e cria (Deus
Padre), 2º a natureza que é criada e cria (o Verbo de Deus), 3º a natureza que é criada
e não cria (as coisas), 4º a natureza que não é criada e não cria (de novo, Deus, mas
concebido não como Alfa, princípio, mas como Ômega, fim da realidade).
Os séc. XI e XII representam um novo incremento do pensamento filosófico,
especialmente em relação aos chamados dialéticos – em oposição aos místicos. Os
dialéticos, como os místicos, partem da fé na revelação. Porém, enquanto os místicos
hostilizam a razão, fazem uso da Filosofia para penetrar racionalmente nos mistérios
(credo ut intelligam). Os maiores representantes da corrente mística: São Pedro
Damião (séc. XI) e São Bernardo de Claraval (séc. XII). Os maiores representantes
da corrente dialética: Santo Anselmo de Cantuária (séc. XI) e Pedro Abelardo (séc. XII).
Santo Anselmo (1033-1109) nasceu em Aosta, na região da Itália, e se tornou
arcebispo de Cantuária, região da Reino Unido. É autor do Monologium e do Proslogium.
Seu nome é famoso pelo argumento ontológico para argumentar a favor da existência
de Deus. Trata-se de um raciocínio que chega à conclusão de que não é possível
conceber que não existe o ser do qual nada maior pode ser pensado, isto é, Deus.
Pedro Abelardo (1097-1142), aluno e mestre em Paris, teve uma vida
aventureira e terminou religioso. É uma das figuras mais originais da Idade Média.
Assimilou a doutrina de Aristóteles, aplicando-a ao conteúdo da revelação. Suas obras
principais são Dialética, Sic et non e Conhece-te a ti mesmo.
A atividade filosófica da Escolástica até então havia sido essencialmente relativa
aos problemas da lógica aristotélica. Tratou-se de uma atividade formal – uma espécie
de exercício agostiniano em torno do conteúdo da fé, dos mistérios revelados. Esse
procedimento foi preenchido com a redescoberta dos escritos de Aristóteles de modo
integral. Isso aconteceu por meio da cultura árabe e hebraica, que preservara a filosofia
aristotélica enquanto a cristandade a esquecia. Foi tarefa principalmente da
universidades recém criadas – especialmente as de Paris e de Oxford –, dos

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franciscanos e dos dominicanos, renunciantes a tudo, menos à caridade e à ciência, à


época sinônimo de Filosofia.
A atitude perante à redescoberta de Aristóteles foi tripla: aversão, julgando-a
uma filosofia baseada em meios estritamente racionais (São Boaventura); idolatria,
identificando-a como padrão da racionalidade possível, sobrepondo-a à revelação
sempre que havia contradição entre fé e razão (averroísmo latino); aceitação e
valorização, construindo-se uma filosofia distinta da fé, mas em harmonia hierárquica
com ela (Tomás de Aquino).
São Boaventura (1221-1274), franciscano, professor na Universidade de Paris,
escreveu, entre outras obras, o Itinerário da Mente para Deus e Da redução das Artes
à Teologia. O papel da Filosofia é prático e religioso: a conquista de Deus e de Cristo.
A teoria do conhecimento de Boaventura se inspira na Teoria da Iluminação Divina de
Santo Agostinho. Deus é provado de modo intuitivo e está imediatamente presente ao
espírito humano.
Em oposição, encontra-se o aristotelismo averroísta. O nome deriva de Averróis
(1126-1198), filósofo árabe que defendeu teses aristotélico-platônicas, em contraste
com o teísmo da religião. O maior representante do averroísmo latino é Siger de
Brabante (1240-1280), professor na Universidade de Paris, condenado pela Igreja. A
sua obra principal é Da Alma Intelectiva. As teses fundamentais de Siger, em contraste
com o cristianismo, são as seguintes: a negação da providência de Deus; a afirmação
da eternidade do mundo; a afirmação da unidade do intelecto na espécie humana; e a
consequente negação da imortalidade pessoal do homem.
Tomás de Aquino (1225-1274) é natural de Roccasecca e descendente da
família nobre de Aquino. Foi educado em Monte Cassino, estudou em Nápoles as artes
liberais e entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência. Dedicou-
se, em seguida, ao estudo da teologia e da filosofia sob a direção de Alberto Magno,
seu coirmão e metre nas universidades de Paris e Colônia. Em 1252, voltou a Paris
onde colou os graus acadêmicos e ensinou longamente. Faleceu no mosteiro de
Fossanova entre Nápoles e Roma, a caminho de Lyon, onde ia tomar parte no Concílio
por ordem de Gregório X. Suas obras podem se dividir em Comentários, Sumas,
Questões e Opúsculos.
Santo Alberto Magno (1207-1280), da nobre família dos duques de Bollstädt,
formou-se dominicano. Tem uma grande importância na história do pensamento
escolástico, pois foi o primeiro grande aristotélico medieval e o mestre de Tomás de
Aquino. A atividade cientítica de Alberto Magno é vasta (38 volumes) e abarca os
assuntos mais variados. Esforçou-se por levar Aristóteles ao conhecimento do mundo
latino, e dedicou-se intensamente ao estudo das ciências naturais.
O tomismo não se impôs definitivamente no pensamento cristão medieval. No
séc. XIII, após uma reação violenta contra esse movimento, houve um retorno
especulativo das abordagens agostinianas, que desembocou em posições fideístas e
críticas à metafísica. Problemas relativos ao papel da experiência surgem, prenunciando
as principais questões da ciência moderna. O centro dessa Escolástica é a Universidade
de Oxford. Seus maiores representantes são os ingleses e franciscanos Roger Bacon,
Duns Scotus, e Guilherme de Ockham.

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Roger Bacon (1210-1294) foi aluno e professor na Universidade de Oxford. Seu


principal escrito é chamado de Obra Maior. Para ele, o saber apresenta três fontes:
autoridade, razão e experiência. A autoridade fornece a crença, a fé, mas não produz
ciência. A razão produz ciência, que necessita da experiência. A experiência é, portanto,
a fonte do saber científico.
Duns Scotus (1266-1308) também foi estudante e professor na Universidade de
Oxford e, em seguida, na de Paris. Suas obras principais são Obra oxoniense e Obra
parisiense. A filosofia é concebida como obra da razão e como instrumento para a
inteligência da fé. Opôs-se ao tomismo em algumas teses: todos os seres, mesmo os
espirituais, são compostos de matéria e forma; a matéria não é mera potência,
inexistente sem a forma, mas tem uma realidade própria; a forma não é única, mas há
uma multiplicidade de formas em cada indivíduo; a individuação não depende da
matéria, e sim de um elemento formal individual (por ele chamado de haecceitas).
Guilherme de Ockham nasceu na Inglaterra por volta de 1300. Igualmente
estudou e ensinou na Universidade de Oxford. Foi processado por heresia pela Santa
Sé e se colocou ao lado do imperador contra o Papa. Faleceu pelo ano de 1350. Em
vida, sustentou que a ontologia básica da realidade é composta por elementos
individuais, captáveis fundamentalmente pelos sentidos – de onde vem os universais
(gêneros e espécies), conceitos naturais, verbalizados por nomes convencionais. Ainda
que pareça uma atitude empirista moderna, trata-se, antes de tudo, de uma doutrina de
um religioso cristão, que crê no dogma central da onipotência divina e na criação do
mundo a partir da livre vontade de Deus. Porém, exatamente por ser onipotente, Deus
é visto como insondável, e não cabe à Teologia pedir auxílio à Filosofia para investigar
os mistérios divinos em regra. A revelação é verdadeira pela fé, o mundo é para ser
investigado pela razão, sem os pressupostos da metafísica tradicional platônica,
aristotélica e tomista.

2.2 Theoria: do lógos impessoal ao lógos pessoal

Como dissemos (ver 1.1 acima), Fílon, o judeu, modificou o conceito de lógos
dos gregos. De princípio unificador, organizador e estruturador de tudo o que há,
transformou-se em o princípio divino a partir do qual Deus opera no mundo.
Aqui, já há uma transformação da noção de divindade. Antes (como vimos na
aula sobre Estoicismo e Epicurismo), Deus é considerado de modo imanente, isto é,
como inseparável de tudo o que há, como algo que se confunde com a própria natureza.
Após a concepção monoteísta – compartilhada entre judeus e cristãos –, Deus passa a
ser compreendido como transcendente, ou seja, como separado de tudo o que há e,
na verdade, enquanto criador de tudo o que existe. Nem o demiurgo de Platão (em seu
diálogo Timeu, sobre o qual já falamos), nem o Primeiro Motor de Aristóteles são
criadores. O primeiro modela, por assim dizer, a realidade sensível a partir das Formas
inteligíveis. O segundo causa o movimento (outro nome para a realidade sensível),
enquanto causa final. Os dois, entretanto, partem de uma concepção de realidade que
não apresenta nem início, nem fim – que é eterna em suma. Os filósofos helenistas
também se apropriam dessas concepção para desenvolverem suas éticas e sabedorias.
Só o Deus monoteísta, entretanto, cria (e não mais modela, nem causa), a partir de si

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mesmo e do nada, a realidade. Trata-se de outro ponto de partida para a teoria sobre o
que existe.
Porém, não só em relação aos filósofos gregos os cristãos inovam – a ruptura
também se dá em relação aos judeus. Enquanto Fílon defendia que o lógos é o princípio
divino a partir do qual Deus opera no mundo, os cristãos defendem que o lógos é o
próprio Deus. Ou mais profundamente: o lógos é a pessoa de Jesus Cristo. Como atesta
o Evangelho de João (1):
No princípio já existia a palavra.

E a palavra se dirigia a Deus.

E a palavra era Deus.

[...]

A palavra se fez homem

E acampou entre nós.

Contemplamos sua glória.

No trecho, o vocábulo “palavra” também pode aparecer como “verbo” (do latim,
verbum), a depender da tradução da Bíblia. Porém, o Evangelho de João foi escrito
originalmente em grego koiné – que era a língua “internacional” corrente da época,
herança da período helenista. Nesse idioma, já é possível imaginar qual o léxico original:
lógos. Os cristãos, então, transformam o lógos que era completamente impessoal nos
gregos em um lógos que é completamente pessoal – afinal é o próprio Jesus. Nas
palavras de Luc Ferry (2007, p. 78), o que está acontecendo
...é simplesmente a passagem de uma doutrina da salvação anônima e cega à promessa de que
vamos ser salvos não apenas por uma pessoa, o Cristo, mas também enquanto pessoa.

Assim, se é Jesus o lógos, e se o lógos é o princípio que estrutura toda a


realidade, então estudar tudo o que há implica conhecer Jesus e não mais uma estrutura
impessoal a que os gregos e romanos denominavam kósmos ou phýsis. Em outras
palavras, a teoria filosófica cristã será direcionada a Deus.
Nesse sentido, o acesso à verdade será bastante diverso do modo como gregos
e romanos se habituaram. Não passará mais necessariamente pela razão humana que
consegue captar a ordem igualmente racional do kósmos. O que contará será não mais
a capacidade de abstração e de conceituação, típicas da Filosofia Antiga, mas a
confiança dada à palavra do homem – de Jesus Cristo, o Homem-Deus, o lógos
encarnado. As provas serão não só seus milagres, mas sobretudo o testemunho que
há sobre seus milagres e sobre a mudança de vida pessoal pela qual cada um passa
após aceitá-lo como salvador. O instrumento teórico para contemplar Deus é a fé.
Novamente o Evangelho de João (1):
A luz verdadeira que ilumina todo homem estava vindo ao mundo.

Estava no mundo, o mundo existiu por ela, e o mundo não a reconheceu.

Veio aos seus, e os seus não o acolheram.

Mas aos que a receberam os tornou capazes de ser filhos de Deus: os que creem nele,

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os que não nasceram do sangue

nem do desejo da carne,

nem do desejo do varão,

mas de Deus.

O conhecimento não se dá mais pela via conceitual, mas à época de Jesus, pelo
reconhecimento da pessoa de Cristo. À época após a subida de Jesus, dá-se por fé no
testemunho dos que creem.

2.3: Ética: livre-arbítrio e virtude

E a ética cristã – obedecerá a que princípios? O primeiro ponto a se observar é


que haverá outra transformação conceitual, desta vez com a noção de virtude (areté).
Para os gregos, a virtude é excelência, aquilo que alguém faz de melhor –
sempre uma força, uma habilidade, uma destreza. Nesse sentido, um ser é pleno
quando realiza a plenitude de sua virtude mais própria. O olho é pleno quando enxerga
bem. O cavalo é pleno quando corre velozmente. O soldado é pleno quando guerreia
sem competidores que o igualem. Para Aristóteles, o que o ser humano (e não o homem
enquanto soldado, artesão, agricultor, mas o homem enquanto homem), por natureza,
faz de modo excelente é usar a sua própria razão – por isso a vida plena é aquela que
é plenamente racional, não só quando a razão doma os impulsos (phrónesis), mas
sobretudo quando contempla o conhecimento em si mesmo (sophía). Além disso, é
dado para os gregos que uns nascem com mais razão que outros – bárbaros e mulheres
eram tidos como menos racionais que os homens gregos, por exemplo.
Com o cristianismo, tudo isso muda. No plano do comportamento humano, passa
a não valer as desigualdades de berço, por assim dizer. Os cristãos inserem a noção de
que mais que o talento natural, vale o uso que fazemos do talento com o qual nascemos.
Não valem as qualidades em si, mas a destinação que resolvemos dar a elas. Antes,
com os gregos o homem indigno e vicioso era alguém que não tinha potencialidades,
forças, destrezas – sejam elas racionais ou de outro tipo. Agora, o homem indigno é
aquele que, por livre escolha, resolve destinar suas capacidades para outro propósito
que não o preconizado pela palavra de Deus. A moralidade agora é centrada na noção
de escolha livre ou, como os filósofos nomeiam, no conceito de livre-arbítrio.
Segundo Luc Ferry (2007, p. 93):
“No plano moral, o cristianismo opera, portanto, uma verdadeira revolução na história do
pensamento, uma revolução que ainda se fará sentir até na grande Declaração dos Direitos do
Homem, de 1789, cuja herança cristã, nesse aspecto, é indubitável. Pois talvez, pela primeira vez
na história da humanidade, é a liberdade e não mais a natureza que se torna o fundamento da
moral.”

Para o cristianismo, novamente, todos os homens equivalem – ao contrário do


senso comum antigo, do qual tanto Platão, quanto Aristóteles eram herdeiros. O livre-
arbítrio é fundamento da ação moral. A virtude reside não nos talentos naturais, mas no

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uso que cada um escolhe fazer deles. Em relação a esse livre uso, para o cristianismo,
todos os homens são iguais.
Não é importante se os homens são ricos ou pobres. Não é importante se os
homens são inteligentes ou idiotas. Não é importante se os homens são fortes ou fracos.
Nasce aqui a ideia de que os seres humanos, não importam suas diferenças, são iguais
em dignidade – a semente para a pedra fundamental da ideia mesma de Direitos
Humanos que será desenvolvida na contemporaneidade. Nesse sentido, o cristianismo
se constitui como a primeira moral universal.

2.4 Sabedoria: amor em Deus e imortalidade pessoal

Enquanto os gregos apresentavam a morte como a passagem de um estado


pessoal para um estado impessoal, em que voltamos a fazer parte do kósmos de modo
indiferenciado, os cristãos prometem salvação individual e integridade, inclusive com o
mesmo aspecto da corporal.
A salvação passa a ser não mais uma questão de ajuste à ordem cósmica, mas
a de submissão aos mandamentos ordenados pela pessoa divina. O destino cego dos
antigos é substituído pelo amor de Deus, que é pessoal e voltado a cada um enquanto
indivíduo. Trata-se do amor em Deus.
Há várias maneiras de explicar o amor. Luc Ferry adota três categorias: amor-
apego, amor ao próximo e amor em Deus.
O amor-apego é tanto aquele direcionado ao parceiro ou parceira, quanto
aquele direcionado a familiares, desde que seja baseado na ânsia por uma ligação que
não consegue suportar a ausência do objeto de amor. As tradições antigas e judaico-
cristãs se unem contra esse gênero de apego, sob a justificativa de ele se direcionar
apenas ao que é efêmero e passageiro e esquecer o que é essencial. Trata-se de um
amor pessoal e carnal – não necessariamente erótico.
O amor ao próximo é o que nos leva a cuidar de que não conhecemos quando
estão em situação de necessidade. Não o fazemos porque gostamos deles, nem porque
os conhecemos, mas porque simplesmente eles precisam. É o que os religiosos
chamam de caridade e o que os não necessariamente ligados à religião denominam
ação humanitária. Trata-se de um amor impessoal e espiritual – não
necessariamente religioso.
O amor em Deus, fonte de salvação para os cristãos, é o que é dirigido a
pessoas concretas que são queridas, mas que busca nelas o que há de similar ao divino,
aos mandamentos conforme Deus exige. É o amor a alguém individual pelo que essa
pessoa tem de eterno, ainda que pessoalmente. Trata-se de um amor pessoal e
espiritual – necessariamente religioso. Nas palavras de Agostinho:
Se as almas te agradam, ama-as em Deus, porque elas são errantes e mutáveis em si mesmas,
e fixas e imóveis. Nele, de quem elas obtêm toda a solidez de sua existência, e sem o qual elas
desmoronariam e pereceriam... Segurai-vos firmemente nele, e sereis inabaláveis.(Confissões, IV,
12)

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Na salvação cristã, a alma ressuscita junto ao corpo. A própria morte, e não


apenas os medos que ela provoca, que são vencidos – a morte é vencida e é prometida
a companhia das pessoas amadas em Deus. A imortalidade não é mais a do estoicismo,
impessoal e cósmica, mas individual e consciente. É o amor que promete essa entrega
que se encontra no cerne da nova salvação. Não é à toa que ele tenha, de certo modo,
parecido mais persuasivo que a proposta anterior dos greco-romanos.

3. Guia de leitura para o Encontro 5

Leia o Cap. 4 “humanismo ou nascimento da filosofia moderna”, tentando


responder às perguntas abaixo. Escreva-as em seu caderno de anotações.
1. O que significa dizer, para os modernos, que a ordem do mundo não é mais
dada, e sim construída?
2. Qual o critério de diferenciação entre homem e animal, segundo Rousseau,
e quais as três consequências éticas dessa diferença?
3. Quais são as três fundamentos do ideal republicano, derivados da moral
kantiana?
4. Qual a diferença entre a moral aristocrática e a moral meritocrática moderna,
e quais são as três marcas características na política que fez surgir?
5. A partir de sua dúvida radical, Descartes inventa três ideias fundamentais
que, em certo sentido, fundam a Filosofia Moderna. Quais são?
6. Como os modernos pensam a salvação em um mundo sem kósmos e sem
Deus?

Bibliografia

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Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017.
AGOSTINHO. Confissões, De magistro. Coleção Os Pensadores. 4ª ed. Traduções
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BLOOM, Harold. Onde encontrar a sabedoria? Tradução de José Roberto O’Shea,


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