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CLUBE DO LIVRO
Aprender a viver (2006), de Luc Ferry
Encontro 3 – Cap. 3 – Filosofia Medieval: cristãos
Prof. Vitor Lima
ENCONTRO 2
FILOSOFIA ANTIGA: ESTOICOS
Sumário
1. Pensamento cristão na mentalidade ocidental.................................................................. 2
1.1 Ética e escatologia bíblicas ............................................................................................ 2
1.2 Revolução Papal do séc. XI ao XIII .............................................................................. 4
2. Contexto histórico .................................................................................................................. 7
2.1 Etapas do Filosofia Medieval Cristã.............................................................................. 8
2.1.1 Patrística .................................................................................................................... 8
2.1.2 Escolástica................................................................................................................. 9
2.2 Theoria: do lógos impessoal ao lógos pessoal ......................................................... 12
2.3: Ética: livre-arbítrio e virtude ........................................................................................ 14
2.4 Sabedoria: amor em Deus e imortalidade pessoal................................................... 15
3. Guia de leitura para o Encontro 5...................................................................................... 16
Bibliografia ................................................................................................................................. 16
1
“escatologia (do gr. eschatos: último, e logos: ciência, teoria) 1. Doutrina que diz respeito aos fins últimos
da humanidade, da natureza ou do indivíduo depois da morte, o que implica a crença na vida futura. Em
outras palavras, crença ou doutrina que diz respeito aos fins últimos do homem e da humanidade, mas
sob uma forma religiosa. Contudo, a noção de escatologia, quando reduzida à fórmula empregada por
Pascal e Kant: ‘para onde vamos?’, não é totalmente estranha às meditações modernas distantes da
religião: o marxismo revolucionário apresenta uma certa escatologia.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p.
84)
2
Eis um trecho:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Pois eu vos digo: não resistais ao malvado.
Pelo contrário, se alguém te dá uma bofetada na face direita, oferece-lhe a esquerda. Ao que pleitear
contigo para tirar-te a túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te força a caminhar mil passos,
caminha com ele dois mil. Dá a quem te pede, e não rejeites quem te pede emprestado.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Pois eu vos digo: Amai vossos
inimigos, rezai pelos que perseguem. Assim sereis filhos de vosso Pai do céu, que faz surgir seu sol sob
maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. Se amais somente os que vos amam, que prêmio
mereceis? Também os coletores de impostos fazem isso. Se amais somente os vossos irmãos, que fazeis
de extraordinário? Também os pagãos fazem isso. Sede, portanto, perfeitos como vosso pai do céu é
perfeito.” Mateus, 5 In: Bíblia do Peregrino, p. 2010-11.
3
“Esse é o caso tanto para a justiça ‘comutativa’ (na troca, as coisas devem ter um valor igual) quanto
para a justiça ‘distributiva’ (cada um deve receber – do bem comum – um quinhão proporcional à sua
contribuição): a primeira é uma igualdade aritmética (do tipo a = b), enquanto a segunda é uma igualdade
geométrica, ou seja, uma igualdade de relações, uma proporção (do topo a/b = c/d)” (NEMO, 2005, p. 55-
56, nota 5)
4
“messianismo (do aramaico meschîkha: ungido ou escolhido) 1. Na religião judaica, crença no Messias,
o enviado de Deus, que teria como missão a libertação do povo judeu do domínio estrangeiro, sua
condução à Terra Prometida e à vida em paz. Para os judeus, o Messias ainda não veio; para os cristãos,
ele já veio na pessoa de Jesus e voltará novamente no fim dos tempos. 2. Em um sentido genérico, crença
em um líder carismático que seria capaz de ‘salvar’ seu povo e conduzi-lo à felicidade e à glória. Em nossos
dias, o messianismo designa a tendência coletiva de esperar ‘tudo’ da atividade de um único homem
dotado de poderes carismáticos e considerado como capaz de trazer a ‘salvação’ ou de mudar os rumos
da história.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 165)
5
apocalipse (do grego apokalupsis: ato de descobrir, descoberta, revelação) 1. Qualquer dos antigos
escritos judaicos ou cristãos – especialmente o último livro do Novo Testamento, atribuído a São João. O
livro contém revelações, em particular sobre o fim do mundo, apresentadas sob forma alegórica. 2. Em
sentido genérico, discurso sobre um fim de tudo o que há, aterrorizante e prodigioso.
6
“milenarismo (do latim tardio milenares) 1. Doutrina inspirada na crença medieval do místico italiano
Joaquim de Fiore (1145-1202) que anunciava o advento do milênio, período de mil anos, durante o qual,
segundo o Apocalipse (XX, 1-3), o mal seria vencido. 2. Por extensão, toda doutrina que anuncia ou
promete o advento de um período que anuncia ou promete o advento de um período de perfeição e bem-
estar geral.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 168)
7
“utopia 1. Termo criado por Tomás Morus em sua obra Utopia (1516), significando literalmente ‘lugar
nenhum’ (gr. ou: negação, topos: lugar), para designar uma ilha perfeita onde existiria uma sociedade
imaginária na qual todos os cidadãos seriam iguais e viveriam em harmonia. A alegoria de Tomás Morus
serviu de contraponto através do qual ele criticou a sociedade de sua época, formulando um ideal político-
social inspirado nos princípios do humanismo renascentista. 2. Em um sentido mais amplo, designa todo
projeto de uma sociedade ideal perfeita. O termo adquire um sentido pejorativo ao se considerar esse
ideal como irrealizável e portanto fantasioso. Por outro lado, possui um sentido positivo quando se
defende que esse ideal contém o germe do progresso social e da transformação da sociedade. No período
moderno são formuladas várias utopias como as de Campanella e Fourier.” (JAPIASSÚ, MARCONDES,
1990, p. 240)
8
“revolução (do lat. Tardio revolutio) O termo ‘revolução’ é empregado inicialmente na astronomia,
indicando o movimento circular dos corpos celestes que voltam assim a seu ponto de partida, p. ex. a
revolução dos planetas em torno do Sol. Copérnico intitula sua obra mais importante de Sobre a revolução
das órbitas celestes. O termo é aplicado posteriormente no contexto político significando uma reviravolta,
uma alteração radical e profunda de uma sociedade em sua estrutura política, econômica, social etc.,
O ramo pacífico se fundamenta na ideia de que, nos últimos dias, haverá uma
conversão dos corações e dos espíritos, por um processo lento e gradual. Na era
moderna e contemporânea, essa ideia contribui na elaboração dos ideais da
democracia liberal.
Fora essa contribuição para o ideário político que persiste ainda hoje, Philippe
Nemo identifica, no movimento da Igreja na Baixa Idade Média, a retomada dos estudos
clássicos, tão essenciais ao advento da modernidade.
geralmente por meios violentos e de forma súbita, representando um confronto entre uma ordem
anterior e um novo projeto político-social. Ex.: a Revolução Francesa de 1789, a Revolução Russa de 1917.
O termo é empregado também para designar uma mudança radical ou o surgimento de um fato novo, ou
uma nova forma de agir que altera a situação anterior. Ex.: a revolução industrial nos séculos XVIII e XIX,
a revolução dos costumes.” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 214)
9
Um concílio ecumênico é uma reunião de todos os bispos (epískopos) cristãos, convocada para discutir
e resolver as questões doutrinais ou disciplinares da Igreja. A palavra ecumênico deriva do grego
(oikoumene), que significa algo como “mundo habitado”. Inicialmente designava o Império Romano.
Posteriormente passou a designar o mundo em geral.
Depois das escolas de Direito, foram criadas as Faculdades de Artes, nas quais
se ensinaram o Trivium e o Quadrivium. A partir de então iniciou o sistema completo das
faculdades de ensino superior: Teologia, Direito Romano, Direito Canônico, Medicina.
Começava o auge da Escolástica.
Os estados europeus da época tomaram a monarquia papal como modelo.
Iniciaram uma luta contra o feudalismo. Legislaram, centralizaram a administração,
coletaram impostos. Como esse renascimento estatal, a Europa passou por inúmeros
progressos. Entre os séculos XI e XIII, verificou-se um forte crescimento demográfico,
urbano e econômico. Mas qual teria sido o espírito a animar os promotores da
Revolução?
A ideia central era cristianizar o mundo a fim de tornar a humanidade capaz de
atingir seus fins éticos e escatológicos. Ao deixar o mundo, Cristo tinha prometido
retornar, o que não aconteceu. O que teria acontecido? A resposta abraçada foi a
seguinte: o mundo se tornara tão pleno de maldade que não poderia se servir de morada
a Jesus, e os únicos responsáveis eram os homens. Cabia aos homens, portanto,
transformar o mundo a fim de torná-lo novamente uma casa digna de Deus.
No entanto, a teologia agostiniana, predominante no cristianismo ocidental da
alta Idade Média, constituía um obstáculo. Segundo essa concepção:
“...a natureza humana foi destruída inteiramente pelo pecado e, portanto, nenhuma vontade
humana pode ser a causa de sua própria salvação. Para Santo Agostinho, depois do pecado
original, o homem merece apenas a morte; sua falta não pode ser resgatada por nenhuma obra
humana. É verdade que, pela graça, Deus pode salvar o homem; no entanto, ninguém sabe quem
será salvo e quem não será, e o homem nada pode fazer para mudar esse decreto eterno. Se
Deus condena, nenhuma boa ação poderá salvar, do mesmo modo que uma ação má não pode
impedir que Deus salve. A ação humana não tem nenhum valor.” (NEMO, 2005, p. 65)
A civilização ocidental vai se tornar, a partir dessa época, uma síntese de três
cidades: Atenas, Roma e Jerusalém.
2. Contexto histórico
translatio studiorum
Gregos → Romanos → Cristãos → Sírios → Árabes → Judeus → Cristãos
2.1.2 Escolástica
leigos mais cultos. Eram herdeiras das escolas catequéticas do cristianismo antigo e
localizavam-se nas cidades.
Carlos Magno (742-814) deu incremento a todas. Ademais objetivou dar unidade
interior, espiritual ao seu vasto império e, portanto, educar intelectual, moral e
religiosamente os povos bárbaros que formavam seu domínio. Fundou a chamada
escola palatina, precursora da universidade medieval. Surgiram depois as escolas
paroquiais, em que o vigário e outros sacerdotes ensinavam os primeiros elementos
do saber. O programa escolástico de Alcuíno (735-804), elaborado por ordem de Carlos
Magno, compreendia as sete artes liberais, repartidas no Trivium (Gramática, Retórica
e Lógica) e no Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música) – já antevistas
por Boécio. Ao lado dessa instrução, ministrada por eclesiásticos e para eclesiásticos,
houve também uma educação militar. É a formação cavalheiresca, ligada à vida feudal.
A Igreja concedeu a essa pedagogia uma orientação essencialmente católica.
Os séc. IX e X tiveram como principal representante o filósofo Scotus Erígena
(815-877). Natural da Irlanda e falecido na França, sua obra maior é Da divisão da
Natureza, em que tenta conciliar teísmo cristão com o neoplatonismo. O esquema
teórico propõe uma divisão da natureza: 1° a natureza que não é criada e cria (Deus
Padre), 2º a natureza que é criada e cria (o Verbo de Deus), 3º a natureza que é criada
e não cria (as coisas), 4º a natureza que não é criada e não cria (de novo, Deus, mas
concebido não como Alfa, princípio, mas como Ômega, fim da realidade).
Os séc. XI e XII representam um novo incremento do pensamento filosófico,
especialmente em relação aos chamados dialéticos – em oposição aos místicos. Os
dialéticos, como os místicos, partem da fé na revelação. Porém, enquanto os místicos
hostilizam a razão, fazem uso da Filosofia para penetrar racionalmente nos mistérios
(credo ut intelligam). Os maiores representantes da corrente mística: São Pedro
Damião (séc. XI) e São Bernardo de Claraval (séc. XII). Os maiores representantes
da corrente dialética: Santo Anselmo de Cantuária (séc. XI) e Pedro Abelardo (séc. XII).
Santo Anselmo (1033-1109) nasceu em Aosta, na região da Itália, e se tornou
arcebispo de Cantuária, região da Reino Unido. É autor do Monologium e do Proslogium.
Seu nome é famoso pelo argumento ontológico para argumentar a favor da existência
de Deus. Trata-se de um raciocínio que chega à conclusão de que não é possível
conceber que não existe o ser do qual nada maior pode ser pensado, isto é, Deus.
Pedro Abelardo (1097-1142), aluno e mestre em Paris, teve uma vida
aventureira e terminou religioso. É uma das figuras mais originais da Idade Média.
Assimilou a doutrina de Aristóteles, aplicando-a ao conteúdo da revelação. Suas obras
principais são Dialética, Sic et non e Conhece-te a ti mesmo.
A atividade filosófica da Escolástica até então havia sido essencialmente relativa
aos problemas da lógica aristotélica. Tratou-se de uma atividade formal – uma espécie
de exercício agostiniano em torno do conteúdo da fé, dos mistérios revelados. Esse
procedimento foi preenchido com a redescoberta dos escritos de Aristóteles de modo
integral. Isso aconteceu por meio da cultura árabe e hebraica, que preservara a filosofia
aristotélica enquanto a cristandade a esquecia. Foi tarefa principalmente da
universidades recém criadas – especialmente as de Paris e de Oxford –, dos
Como dissemos (ver 1.1 acima), Fílon, o judeu, modificou o conceito de lógos
dos gregos. De princípio unificador, organizador e estruturador de tudo o que há,
transformou-se em o princípio divino a partir do qual Deus opera no mundo.
Aqui, já há uma transformação da noção de divindade. Antes (como vimos na
aula sobre Estoicismo e Epicurismo), Deus é considerado de modo imanente, isto é,
como inseparável de tudo o que há, como algo que se confunde com a própria natureza.
Após a concepção monoteísta – compartilhada entre judeus e cristãos –, Deus passa a
ser compreendido como transcendente, ou seja, como separado de tudo o que há e,
na verdade, enquanto criador de tudo o que existe. Nem o demiurgo de Platão (em seu
diálogo Timeu, sobre o qual já falamos), nem o Primeiro Motor de Aristóteles são
criadores. O primeiro modela, por assim dizer, a realidade sensível a partir das Formas
inteligíveis. O segundo causa o movimento (outro nome para a realidade sensível),
enquanto causa final. Os dois, entretanto, partem de uma concepção de realidade que
não apresenta nem início, nem fim – que é eterna em suma. Os filósofos helenistas
também se apropriam dessas concepção para desenvolverem suas éticas e sabedorias.
Só o Deus monoteísta, entretanto, cria (e não mais modela, nem causa), a partir de si
mesmo e do nada, a realidade. Trata-se de outro ponto de partida para a teoria sobre o
que existe.
Porém, não só em relação aos filósofos gregos os cristãos inovam – a ruptura
também se dá em relação aos judeus. Enquanto Fílon defendia que o lógos é o princípio
divino a partir do qual Deus opera no mundo, os cristãos defendem que o lógos é o
próprio Deus. Ou mais profundamente: o lógos é a pessoa de Jesus Cristo. Como atesta
o Evangelho de João (1):
No princípio já existia a palavra.
[...]
No trecho, o vocábulo “palavra” também pode aparecer como “verbo” (do latim,
verbum), a depender da tradução da Bíblia. Porém, o Evangelho de João foi escrito
originalmente em grego koiné – que era a língua “internacional” corrente da época,
herança da período helenista. Nesse idioma, já é possível imaginar qual o léxico original:
lógos. Os cristãos, então, transformam o lógos que era completamente impessoal nos
gregos em um lógos que é completamente pessoal – afinal é o próprio Jesus. Nas
palavras de Luc Ferry (2007, p. 78), o que está acontecendo
...é simplesmente a passagem de uma doutrina da salvação anônima e cega à promessa de que
vamos ser salvos não apenas por uma pessoa, o Cristo, mas também enquanto pessoa.
Mas aos que a receberam os tornou capazes de ser filhos de Deus: os que creem nele,
mas de Deus.
O conhecimento não se dá mais pela via conceitual, mas à época de Jesus, pelo
reconhecimento da pessoa de Cristo. À época após a subida de Jesus, dá-se por fé no
testemunho dos que creem.
uso que cada um escolhe fazer deles. Em relação a esse livre uso, para o cristianismo,
todos os homens são iguais.
Não é importante se os homens são ricos ou pobres. Não é importante se os
homens são inteligentes ou idiotas. Não é importante se os homens são fortes ou fracos.
Nasce aqui a ideia de que os seres humanos, não importam suas diferenças, são iguais
em dignidade – a semente para a pedra fundamental da ideia mesma de Direitos
Humanos que será desenvolvida na contemporaneidade. Nesse sentido, o cristianismo
se constitui como a primeira moral universal.
Bibliografia