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Apontamentos de Introdução à Filosofia - Filosofia Política 12ª classe 2022

1.Filosofia Política na História


A Filosofia Política na Antiguidade
O estudo da política não é uma obra recente nem de um só pensador ou uma só civilização. No
Egipto antigo, cerca de dois mil anos antes da existência da filosofia grega, a política foi objecto
de estudo de filósofos.
O principal problema político que a Antiguidade debateu, sobretudo no Ocidente, tinha a ver com
a origem do Estado, sua estruturação e sua melhor forma. As razões para isso vieram de
conjunturas históricas: guerras e revoluções ameaçavam acabar com um estado ou substituir sua
forma de governo por outra.

1.1Platão (428/7 – 347 a.C.)


Platão nasceu em Atenas, escreveu muitas obras, algumas das quais consideradas apócrifas, isto é,
inautênticas, A República é uma das principais obras do autor e a que mais nos interessa para
entendermos a sua filosofia política.
Platão preocupa-se com as ideias morais, como a coragem, a sabedoria, a amizade, a piedade e a
virtude. Considera o bem como sendo o fim supremo de toda a existência, a virtude como uma
ciência e o vício como ignorância. é considerado o primeiro grande estudioso da política a falar
de um modelo ideal de sociedade, a reflectir sobre as diferentes formas de governo e a defender
uma sociedade colectivista. Platão tem uma visão idealista da realidade.
1.1.1 Origem do estado, partes da alma e classes sociais
Para Platão, a origem do estado é convencional, nasce da insuficiência humana, isto é, da
impossibilidade de cada indivíduo bastar-se a si mesmo, e das necessidades. O que fundamenta e
garante a sobrevivência do Estado é a justiça, que tem um nível individual e outro social.
No indivíduo, ela consiste em cada parte da alma cumprir a função que lhe é própria, para que ele
esteja em harmonia.
Na sociedade, a justiça consiste em cada classe social cumprir a função que lhe é própria, para a
harmonia de toda a sociedade ou Estado.
Existem três partes da alma: uma parte superior, chamada razão, faculdade contemplativa
cuja função é governar e manter a harmonia de todas as partes da alma; outra média, designada
coragem, faculdade nobre e generosa, que diz respeito aos desejos elevados da natureza e vontade
humanas (impulsos e afectos); e uma inferior, a sensual, que compreende às necessidades
elementares do ser humano.
A cada uma das partes da alma corresponde uma virtude: a sabedoria para a parte racional, a
coragem para a parte irascível e o desejo para a parte sensual.

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É esta estrutura tripartida da alma humana que é seguida na Cidade ou Estado em termos de
classes.
Existe a classe dos magistrados, a dos guardiões e a dos lavradores e artífices, e
correspondem às partes racional, irascível e sensual da alma, respectivamente.
A primeira classe deve actuar de acordo com a razão ou sabedoria e a sua função principal é
governar.
A segunda, dos guardiões ou militares deve agir de acordo com a coragem e a sua competência é
a defesa e segurança da Cidade ou Estado.
A classe dos lavradores e artífices ou trabalhadores em geral deve agir segundo o desejo, e sua
função é garantir o sustento material da Cidade ou Estado.

Classes sociais Partes da alma Virtudes Funções Objectivo

harmonia e bem-estar
Magistrados Racional (ouro) razão ou sabedoria governar
geral.

Guardiões Irascível (prata) coragem garantir a segurança

Lavradores Irascível (ferro ou bronze) desejo sustento material

As partes inferiores da alma devem subordinar-se à parte superior, obedecendo-lhe as decisões. O


mesmo deve acontecer entre as classes inferiores na sua relação com a classe dos magistrados. Em
ambos os casos, a virtude que permite isso é a temperança. A justiça será, então, a virtude que
evitará intromissão entre as partes da alma bem como entre as classes sociais, garantindo que
cada uma desempenhe bem a sua função específica e para a harmonia do todo.
Cada cidadão é recrutado pelo Estado para a sua correspondente classe social de acordo com as
qualidades ou características da sua alma. Os que têm uma alma que contém ouro pertencerão à
classe dos governantes, enquanto os de uma alma que contém prata e ferro ou bronze serão
encaminhados para serem militares e trabalhadores, respectivamente. É a teoria dos metais.

1.1.2. Forma de governo


Platão foi dos primeiros gregos a distinguirem regimes políticos ou formas de governo. Há
governos justos e outros injustos, conforme se o governo serve ao bem comum ou se atende aos
interesses dos governantes em prejuízo da maioria, respectivamente.
O fim do Estado, que é a facilitação da consecução do bem comum ou bem-estar para todos,
só é possível num governo justo.
As formas de constituições são a monarquia, que pode ser uma sofiocracia (governada por um
filósofo-rei) ou uma tirania (governada por um só homem violento que busca os seus interesses);

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a oligarquia, que pode ser uma timocracia (o poder pertence aos guardas; predomina o espírito
guerreiro sobre a sabedoria) ou uma plutocracia (governo de uma minoria de ricos interesseiros e
contra os pobres) e a democracia, que é depreciada por Platão, que considera que a maioria é
incapaz de possuir a Verdade, a Razão e a Sabedoria, qualidades indispensáveis para se ser um
bom governante (Amaral, 2008: 101).

Estas formas de governo vão-se deteriorando, da melhor à pior e desta para a melhor. Assim, sai-
se da sofiocracia à timocracia, desta à oligarquia, passando-se da democracia até à tirania e depois
volta-se à sofiocracia.

1.1.3 A melhor forma do governo


A tirania, a democracia, a timocracia e a plutocracia são ou formas de governo más, porquanto
perseguem os interesses de um só homem (tirania) ou de alguns (oligarquia: timocracia e
plutocracia) ou de uma maioria que procura suprir as diferenças sociais em nome da igualdade
(democracia). A pior forma é a tirania e a melhor é a monarquia sofiocrática ou sofiocracia, cujo
soberano é o Rei-Filósofo.

Platão era convencido de que só enquanto o governante fosse igualmente político e filósofo é que
se podia acabar os males da cidade. O filósofo-rei ou rei-filósofo não busca os seus próprios
interesses, mas os de todos; preza mais a virtude do que a posse dos bens e a concupiscência,
domina a «ciência da navegação» (a política), não confunde as aparências do mundo sensível com
as essências do mundo inteligível, etc.

1.2. Aristóteles (384 – 322 a.C.)

Aristóteles, também conhecido como Estagirita por ter nascido em Estagira, na Macedónia, é filho
do médico Nicómaco. Aristóteles escreveu várias obras. é conhecido como o fundador da Ciência
Política e disciplinas afins e um dos pioneiros defensores da sociedade pluralista e de valores
eminentes. Por isso, contrariamente a Platão, Ele não projecta uma sociedade ideal, nem se
preocupa muito com a cidade justa; o seu ideal é o bom cidadão. Este é um cidadão virtuoso, justo
e cuja acção tende à felicidade. A sua análise científica da sociedade é realista, baseada na
observação. As suas obras de relevância política são Política e Ética a Nicómaco.

1.2.1 Estado: noção e origem


Para Aristóteles, a origem do Estado é natural. O homem é um animal político por natureza,
porque é feito para viver em sociedade e não num estado gregário. Quem não é animal político
por sua natureza ou é uma criatura degradada ou é um ente superior ao homem; ou seja, quem não
vive naturalmente em sociedade ou é um bruto ou um deus, mas não um ser humano.

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O distingue o homem dos outros animais é o sentimento do bem e do mal, do justo e do


injusto e outros sentimentos, o homem atinge a sua perfeição, a qualidade do mais excelente
dos animais, vivendo em sociedade; mas no isolamento, sem leis nem código, ele torna-se o
pior de todos.

O Estado regulava até aspectos da vida privada ou afectiva, como os casamentos. Para Aristóteles,
as Cidades são um tipo de associação e, como tal, visa um bem ou alguma vantagem, dado que os
homens agem em vista a um bem ou a algo que como tal lhes parece. Assim, o Estado é a
comunidade perfeita, logo o seu bem é o bem supremo, que é a felicidade (eudaimonia),
entendida no sentido ético – como resultante de uma vida virtuosa – e não hedonista (como
consequente de prazeres).

1. 2.2. Os regimes políticos ou formas do governo


Aristóteles, como Platão, agrupa os regimes políticos em bons ou sãos e maus ou degenerados,
conforme se o governo de cada regime, que é a autoridade suprema dos Estados, usa da
autoridade de acordo com a utilidade comum ou não. A autoridade suprema pode estar nas mãos
de um só ou de vários ou da multidão.
Assim, são regimes bons a monarquia – a monarquia é o governo de um só e chama-se realeza a
que tem por finalidade o interesse geral; a aristocracia – governo de poucos ou vários homens
com vista ao maior bem do Estado e de todos os seus membros; e a república – governo da
multidão com base no interesse geral.
São regimes degenerados a tirania – oposta à realeza, é uma monarquia governada no interesse
do monarca; a oligarquia – oposição da aristocracia, é dirigida no interesse dos ricos; e a
democracia – oposição da república, é governada no interesse exclusivo dos pobres.
Fig. Classificação aristotélica de regimes políticos.
Nº DOS CLASSIFICAÇÃ
DESIGNAÇÃO CLASSIFICAÇÃO (INTERESSE)
GOVERNANTES O

MONARQUIA/ GOVERNA DE ACORDO COM O INTERESSE GERAL OU DE


BOM
REALEZA TODOS
UM SÓ

tirania Governo de acordo com interesse de 1 só, o tirano. MAU

aristocracia Governam de acordo com o interesse geral ou de todos BOM

ALGUNS oligarquia Governo conforme ao interesse dos ricos ou classe privilegiada MAU

República Governam de acordo com o interesse geral ou de todos BOM


TODOS (MULTIDÃO)
democracia Governo conforme ao interesse dos pobres MAU

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1. 2.3 Melhor forma do governo


Para Aristóteles, a tirania é o mais detestável dos governos, seguido da oligarquia e depois da
democracia, que é, entretanto, o mais tolerável dos governos viciosos. Uma república mista, isto
é, que contém elementos da oligarquia e da democracia e em que predomine a classe média
merece a escolha do Estagirita como melhor forma do governo. Embora ele considere este
governo como o que mais estabilidade garante,
No que tange à sucessão das formas de governo, Aristóteles começa do governo considerado
historicamente primeiro, a monarquia, segue-se a aristocracia, depois a oligarquia, a tirania, a
democracia até se desembocar na república mista.

1. 2.4. Classes sociais


Existem três classes sociais ou de cidadãos definidos com base num critério económico: a classe
dos cidadãos muito ricos, a classe dos cidadãos da condição média e a classe dos cidadãos muito
pobres. Fazendo jus à sua ideia de que a virtude está no meio, Aristóteles considera que a melhor
forma do governo é a que é constituída maioritariamente por cidadãos da classe média. Estes, de
acordo com ele, mais facilmente se submetem à razão, não são violentos nem intriguistas, porque
não ambicionam as magistraturas. Assim, num Estado onde a classe média seja mais numerosa e
mais poderosa, há estabilidade, porque há contrabalanço entre os demasiado ricos e os muito
pobres.
Além da classe média, Aristóteles defende o princípio da legalidade, isto é, o predomínio da lei,
entendida como a razão sem apetite, sobre as paixões ou vontade dos seres humanos. O governo
das leis tem predilecção na medida em que, sendo que as leis visam um bem, elas podem tornar
bons os cidadãos. Aristóteles defende, ainda, a família, a propriedade privada e uma espécie de
separação de poderes.
II-Avaliação oral (narração politica da antiguidade)
II-Exercícios para auto-avaliação
1.Diferencie a origem do estado em Platão e em Aristóteles
2.Qual é a finalidade de do Estado para Platão e para Aristóteles
3.Para Platão quem deve governar e porque?
4.Qual é a estrutura da sociedade segundo Platão
5.Qual é a pior forma do governo em Platão
6.Qual é a obra prima de Platão.
7.Em que obra Aristóteles escreve sobre a filosofia política do seu tempo.
8.Descreve-os tipos de governo em Aristóteles e diga qual é o melhor e o pior tipo de governo

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2. A FILOSOFIA POLÍTICA NA IDADE MÉDIA


Um dos problemas políticos centrais da Idade Média tem a ver com as relações entre o Estado e a
Igreja, que justificou as reflexões de Santo Agostinho, Inocêncio III, Tomás de Aquino,
Bonifácio VIII, Guilherme de Ocam, etc. Esta relação resulta da criação da Igreja, preocupada em
defender e propagar universalmente a fé. Ou melhor, o problema teve mais relevo quando, no
Ocidente, o Sacro Império Romano e a Igreja Católica representavam um só Estado e uma só
Igreja, respectivamente, tendo afrouxado assim que o Império Romano foi dividido em Estados
nacionais e a Igreja comportou outras confissões. As principais respostas a este problema são três:
1) teoria da subordinação indirecta do Estado em relação à Igreja, defendida por São Tomás de
Aquino;
2) teoria da subordinação directa do Estado à Igreja, defendida por Bonifácio VIII – esta teoria
defende que o Estado está ao serviço da Igreja e que enquanto o Papa recebe a sua autoridade de
Deus, o governante a recebe do Papa;
3) teoria da subordinação directa da Igreja ao Estado, advogada por Marcílio de Pádua – que
defende que a Igreja está ao serviço do Estado, que provê o bem-estar total a todos (Mondin,
1981: 125s).
Só no renascimento, com a autonomia da política em relação à moral e à religião, será dada uma
«solução» (menos conflituante, talvez, mas ainda não a definitiva) a este problema, passando-se a
advogar a clara separação entre Igreja e Estado.
Outro problema tem a ver com o poder político, quanto à sua origem e ao sentido do seu
exercício. Uns defenderão que o poder político tem uma origem divina, outros dirão que é de
origem humana. O poder passa a ser visto como um direito dos governantes ou como pura
autoridade do Estado ou, sobretudo, como uma função ao serviço do bem comum (Amaral, 2008:
152).
Santo Agostinho
Agostinho (354 – 430) nasceu no norte da África, em Tagaste, de um pai pagão e de uma mãe
cristã, Santa Mónica. Estudou em Cartago e foi professor em Cartago, em Roma e em Milão. É
também conhecido como Bispo de Hipona. Escreveu mias de 320 livros e opúsculos. Confissões e
Cidade de Deus são as suas obras principais.
Tendo vivido no tempo da invasão bárbara em Roma e do declínio do Império Romano, em que
se questionava se não haveria nexo de causalidade entre a generalização do Cristianismo e a
derrocada do Império, Santo Agostinho escreveu Cidade de Deus (De Civitate Dei) para refutar as
teses que culpavam o Cristianismo da queda de Roma. É nesta obra que se encontra a filosofia
política de Santo Agostinho.

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As duas Cidades: Cidade de Celeste e Cidade Terrena


Provavelmente influenciado pelo maniqueísmo, de que foi partidário durante a fase dissoluta da
sua juventude, e pelo platonismo, Santo Agostinho considera que existem duas cidades. Uma é a
cidade do bem, chamada a Cidade Celeste ou Cidade de Deus (Civitas Dei em latim), que resulta
do amor de Deus levado até ao autodesprezo e diz respeito à comunidade humana que vive
segundo o espírito e busca a Justiça. A outra é a cidade do mal, designada a cidade terrena ou
cidade do diabo (Civitas Diaboli), originada no amor de si próprio levado até ao desprezo de
Deus; corresponde à vida humana segundo a carne e satisfação dos seus prazeres. A primeira
busca a glória de Deus e nela tanto súbditos como governantes prestam-se serviços mutuamente e
a segunda procura a sua própria glória e é governada pela paixão de dominar. Estas duas cidades
conflituam entre si.
A Cidade Celeste e a Cidade Terrena não correspondem, respectivamente, uma à Igreja e a outra
ao Estado. A divisão agostiniana das duas cidades diz respeito ao modo de ser das pessoas.
Assim, quer no Estado quer na Igreja há pessoas pertencentes às duas cidades: há pecadores
também na Igreja tal como há santos no Estado. Isto significa que o Estado não é bom ou mau a
priori; depende dos governantes. Na Cidade Terrena, apesar dos esforços empreendidos, não há
paz nem justiça nem o bem, mas aparência destes ou simples reflexos da Paz, Justiça e Bem da
Cidade Celeste, visto que não podem existir sem Deus. Contrariamente, na Cidade Celeste,
existem verdadeiramente a Paz, a Justiça e o Bem, cuja fonte é Deus.
O Estado: origem e funções
Explicitamente, Santo Agostinho defende a origem sobrenatural do Estado. É uma posição
iniciada por Platão e seguida, também, por G. Vico posteriormente. A teoria de origem
sobrenatural do Estado considera o Estado como consequência da queda do homem de uma
condição originária de perfeição e felicidade na qual era «auto-suficiente» (Mondin, 1981: 119).
A concepção do Estado do Bispo de Hipona resulta da sua visão pessimista do ser humano. Desde
o pecado original, a queda de Adão e Eva, o homem que tinha sido criado bom por Deus é
irreversivelmente marcado pelo pecado e, com ele, pelo egoísmo, pela arrogância e pela vontade
de dominar. Assim, a sua tendência na Cidade Terrena é a cupidez, ou seja o apetite pelos bens
materiais, a paixão pelo poder ou domínio de outros homens e a concupiscência ou desejo sexual.
Deste modo, se o ser humano é mau para o seu semelhante, cabe ao Estado prevenir, sancionar e
reprimir, procurando garantir a paz pelo recurso ao sistema jurídico.
Dado que o Direito não consegue actuar sobre as consciências e mudar a vontade, mas apenas
sobre os comportamentos exteriores, para Santo Agostinho, contrariamente a Aristóteles, o Estado
não deve procurar tornar os homens bons e virtuosos. Ele «apenas deve tentar fazer reinar uma

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certa paz e segurança exteriores nas relações sociais entre os homens». Assim, o Estado é uma
ordem exterior e coerciva, não tem a ver com o Bem e com a Justiça, mas apenas com a paz e a
segurança possíveis na Cidade Terrena. (Amaral, 2008:159s). O fim supremo da Cidade é a paz;
há uma aspiração universal pela paz. «A paz de todas as coisas é a tranquilidade da ordem».
A autoridade, desde a família até ao Estado, tem três funções: comandar, prover e aconselhar. O
poder não é propriedade nem direito do governante, é antes de mais uma função ou serviço, por
isso deve ser exercido com zelo e evitar vícios como a cupidez (autoridade como comando). O
governante deve prever as necessidades dos súbditos e prover a sua satisfação, sabendo discernir
o que é bom para o povo e evitar males como a corrupção e a luxúria (autoridade como
providência). Em fim, o governante é um conselheiro fraterno dos seus irmãos súbditos. Assim,
governar é exercer a caridade; mandar é servir (autoridade como conselho).
É assim que o poder dos governantes é absoluto e a obediência dos súbditos é um dever, sendo
que só se pode desobedecer a leis injustas, as que contrariam a lei de Deus. Aliás, esta é uma das
consequências da concepção de origem divina do poder.
Relação entre Igreja e Estado
Santo Agostinho, embora defendendo, como São Paulo e outros, a origem divina de todo o poder,
distingue o poder temporal ou civil do poder espiritual ou eclesiástico. Amaral advoga que o
Bispo de Hipona é a favor de uma independência entre estes dois poderes. Entretanto, alguns
seguidores de Santo Agostinho inventaram o «agostianismo político», segundo o qual há
supremacia da Igreja sobre o Estado. Dois factores concorreram para isso: 1) a defesa de Santo
Agostinho da intervenção do Estado contra as seitas heréticas para puni-las, subordinando, assim,
o Estado à Igreja; 2) a concepção da Cidade Celeste como superior à Cidade Terrena, porquanto
esta última ergue a cabeça enquanto a primeira tem a sua glória em Deus.

São Tomás de Aquino (1225 – 1274)


Filho de Condes de Aquino, Tomás estudou em Paris, Colónia e Nápoles e foi professor em Paris.
conhecido como Doutor da Igreja, Doutor Angélico, ou Aquinate,. Ele escreveu muito, sendo que
as suas obras mais famosas de interesse político são o Comentário à «Política» de Aristóteles,
Summa Theologica e Summa Contra gentiles. O cristianismo (para fazer jus à sua condição de
sacerdote, monge, católico), o aristotelismo e também Cícero e juristas romanos fazem parte da
sua influência,também leu Santo Agostinho.
O Estado: sua origem e seus fins
Na linha de Aristóteles, o Aquinate, concebe o ser humano como um animal social e, acima de
tudo, como um animal político. É enquanto tal, com vista a satisfazer as suas necessidades

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espirituais e materiais, que ele precisa de Estado, entendido como uma sociedade «perfeita», no
sentido em que se basta a si própria. Todo o poder provém de Deus (omnis potestas a Deo), diz o
Doutor Angélico seguindo São Paulo e fundamentando com recurso à lógica.
A sociedade e a autoridade são uma exigência da natureza e, à semelhança de todas as exigências,
provêem de Deus. São Tomás concilia, portanto, a lição paulina com a doutrina de ordem popular
do poder, mais tarde conhecida por doutrina da soberania popular: «todo o poder vem de Deus
através do povo». Assim, São Tomás nega a doutrina do direito dos reis (que defende que o poder
vem directamente de Deus para os reis), em voga na altura, pela defesa de que a titularidade do
poder é do povo; o exercício do poder poderá caber ao povo colectivamente ou a governantes por
ele escolhidos (Amaral, 2008: 178). Esta ideia revolucionária coloca São Tomás como uma das
fontes da concepção democrática do poder na Europa Ocidental.
A finalidade do Estado é a realização da justiça e do bem comum dos seus membros. Este bem
comum pressupõe não apenas viver, mas viver bem, e diz respeito ao interesse colectivo do povo
e o bem-estar individual bem como a felicidade material.
Formas de governo
Seguindo Aristóteles, São Tomás defende que há três formas justas de governo ou regimes
políticos, a monarquia, a aristocracia e a república, e igual número de regimes injustos,
nomeadamente, tirania, oligarquia e democracia. O melhor governo será uma mistura de
monarquia (um dirigente), aristocracia (muitos participantes do governo conforme as suas
virtudes) e democracia (sistema de eleição). O pior governo é a tirania, seguida da oligarquia e da
democracia. Se a tirania for tal e não se poder mais tolerar, deve-se procurar transformar o tirano
humanamente e se isso não resultar, deve-se recorrer a Deus. O direito à desobediência do povo
cristão ao rei é reservado a casos particulares. A Igreja pode depor o rei, casoeste seja considerado
herético, cismático ou excomungado.
Relação entre Estado e Igreja
Como vimos, São Tomás é defensor da origem sobrenatural ou divina do poder (tanto espiritual
como temporal) e da subordinação indirecta do Estado em relação à Igreja. Para ele, não é
justificável o antagonismo entre Estado e Igreja. Aliás, ambos constituem sociedades perfeitas. O
que justificará que o Estado se subordine, indirectamente, à Igreja é a superioridade desta última
quanto à sua finalidade, que é a salvação eterna do ser humano. Bem dito, a primazia do poder
espiritual sobre o poder temporal é exclusiva ao que se refere, necessariamente, à salvação das
almas. Dito de outro modo, ele defende que se dê a César e a Deus o que a cada um diz respeito:
deve-se obedecer mais ao poder espiritual no respeitante à salvação das almas, e ao poder
temporal ao concernente ao bem civil. São Tomás defende a origem sobrenatural ou divina do
poder e a subordinação indirecta do Estado em relação à Igreja.
a. Diga em que consiste a origem sobrenatural ou divina do poder defendida por São Tomás.
b. Analise as implicações da subordinação indirecta do Estado à Igreja.
15.A filosofia política medieval debateu dois grandes problemas.

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a. Apresente-os.
b. Sintetize as principais respostas dos dois problemas ora apresentados.
17.Para Santo Agostinho, o poder não é propriedade nem direito do governante. É antes de mais:
a. Comando, providência e conselho.
b. Comando, cidade celeste e Confissões
c. Providência, Cidade de Deus e teologia
d. Teologia, filosofia e conselho.
18.A sociedade e a autoridade, para São Tomás, são uma exigência da natureza e têm a sua origem…
e. … em Deus.
f. … Na Idade Média.
g. … No pensamento de Aristóteles.
h. … em tudo o que foi mencionado nas alíneas anteriores.

3.2.4 A Filosofia Política na Idade Contemporânea

A filosofia contemporânea, que vai desde o Iluminismo e as revoluções americana e francesa até
hoje, é vasta e complexa, não sendo fácil caracterizá-la nem sintetizá-la. Do ponto de vista da
Filosofia Política, problemas como a origem do estado, a estruturação do Estado e a melhor forma de
governo voltam a ser debatidos. Entretanto, é o problema das relações entre o Estado e os partidos
políticos bem como com os seus membros que está no centro. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Karl
Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenine, Jacques Maritain, Hannah Arendt, entre outros, são apenas
alguns dos principais autores. Não abordaremos todos eles, mas apenas alguns.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831)

Georg Wilhelm Friedrich, que foi jornalista, seminarista protestante e preceptor, é considerado uma
das grandes mentes filosóficas da contemporaneidade. Dos seus livros, os mais conhecidos entre nós
são: Princípios da Filosofia do Direito; Lições de Filosofia da História e A Razão na História.

Ele defende o idealismo absoluto; considera o conceito como sendo a própria vida das coisas. Tudo
o que acontece é manifestação ou realização do Espírito absoluto. Esta ideia influencia todo o
pensamento de Hegel.

Quanto à filosofia política, como muitos outros contemporâneos, Hegel aborda a questão sobre a
origem do Estado e a relação entre o Estado e os seus membros. Para ele, na linha de Aristóteles, o
Estado tem uma origem natural. O Estado originou-se pela vontade do Espírito Absoluto (a
natureza de Aristóteles), que se expressa e se desenvolve na história do homem evolutivamente. Os
seres humanos unem-se em sociedade não necessariamente, mas espontaneamente.

Dado que o Estado é a manifestação externa da ideia do Espírito Absoluto, a Filosofia política trata
como o Espírito, finalmente, descobre a realização efectiva da liberdade concreta no Estado
moderno. Daqui se pode depreender a resposta quanto à questão da relação entre o Estado e o
indivíduo. Este, perante o Estado, subordina-se e dissolve-se. O Estado impõe completamente a sua
vontade, anulando a vontade do indivíduo e transformando-o num simples objecto do seu destino.
Por isso se diz que Hegel é o pai dos regimes ditatoriais que proliferaram no Século XIX.

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A importância de Hegel é tal que dividiu a história da filosofia contemporânea entre os seguidores e
os críticos, entre o que David Strauss chamou de esquerda hegeliana, reformista, e a direita
hegeliana, de carácter mais conservador, duas tendências apropriadas pela política para opor os
esquerdistas socialistas ou comunistas dos dextras capitalistas liberais.

John Rawls(1921 – 2002)

John Rawls nasceu em Baltimore, estudou em Princeton e em Oxford. Das suas obras, a mais famosa
e mais debatida é Uma Teoria da Justiça, publicada em 1971. Rawls desenvolveu o seu pensamento
na linha do contratualismo (Locke, Rousseau, Kant) e em contraposição com o utilitarismo (Hume,
Bentham Mill). Rawls não concorda com o objectivo do utilitarismo de «maior bem-estar ao maior
número de pessoas», porque considera que nenhum homem deve sofrer privações a favor de «algum
outro» ou da «maior parte da sociedade» e considera que a justiça deve ser o primeiro requisito das
instituições da mesma forma que a verdade é o primeiro requisito de um sistema de pensamento
(Reale; Antiseri: 2006, 237). Assim como os erros devem ser corrigidos, as instituições injustas
devem ser reformadas.

A justiça como equidade

A teoria que Rawls propõe chama-se «justiça como equidade» e visa sustentar uma sociedade livre e
justa, ou seja, bem ordenada. Numa tal sociedade não haverá, como onde impera o utilitarismo,
submissão do indivíduo à sociedade em nome da justiça. Aqui está implícita a ideia kantiana de se
tomar a pessoa sempre como um fim em si mesma e nunca simplesmente como um meio. A teoria de
justiça rawlseana gira em torno dos conceitos «posição original», «véu de ignorância» e «princípios
de justiça».

A posição originária e o véu de ignorância

A posição original ou originária é uma situação imaginária e ideal, cuja característica principal é um
«véu de ignorância», em que se devem definir princípios da justiça.Véu de ignorância significa uma
situação em que ninguém, dos indicados para determinação do contrato social, sabe antecipadamente
de nada sobre o que será a sua posição, dos seus amigos e inimigos, na sociedade em criação. A
convicção de Rawls é de que na posição original, sob véu de ignorância, os seres humanos livres,
racionais e iguais só podem escolher princípios universais de justiça e não princípios heterónimos, já
que estes desfavoreceriam uns e favoreceria outros.

Os dois princípios da justiça

Rawls defende que são dois os princípios morais de justiça que constituem o contrato, sob cujos
fundamentos se assenta a sociedade. Primeiro princípio: «Toda a pessoa tem igual direito à mais
extensa liberdade fundamental, comparativamente com uma liberdade semelhante para
outros».Segundo princípio: «As desigualdades económicas e sociais, como as da riqueza e do
poder, são justas apenas se produzem benefícios compensatórios para cada um, e em particular para
os membros menos favorecidos da sociedade».

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O primeiro princípio é o princípio de igualdade: impõe igualdade quanto aos direitos e deveres
fundamentais, fundamenta as liberdades individuais. O segundo é o princípio da diferença: defende
as desigualdades que maximizam o mínimo (maxmin = maximum minimorum). Aplica-se este
princípio, por exemplo, quando se dá prioridade a aleijados, mulheres grávidas, etc. nos assentos de
automóveis.

Karl Popper (1902 – 1994): democracia liberal e sociedade aberta

Karl Raimund Popper, filósofo judeu nascido em Viena, Áustria, e falecido em Londres, Inglaterra,
estudou na Universidade de Viena e foi professor na Universidade de Canterbury (Nova Zelândia) e
na London School of Economics (Inglaterra). Incontornável em filosofia da ciência ou
epistemologia, Popper é igualmente um filósofo político.A Sociedade Aberta e seus Inimigos (1943),
em dois volumes, e Pobreza do Historicismo(1944) são dos seus principais trabalhos de Filosofia
Política.

Enquanto na epistemologia Popper posiciona-se como racionalista crítico e debate o problema de


demarcação entre ciência e não-ciência, desenvolvendo assim a falsificabilidade, na Filosofia
Política ele discute com o historicismo e o totalitarismo.

Questionando-se sobre a origem e justificação político-ideológica dos regimes totalitários, como o


nazismo, de que foi vítima (refugiou-se na Nova Zelândia e Londres), Popper encontra em Platão,
Hegel e Marx os seus idealizadores. Por isso, critica o historicismo defendido por estes autores e,
com ele, o modelo social a que deu o nome de «sociedade fechada», de que o comunismo é exemplo.
Esta é uma sociedade totalitária, inflexível. Em oposição, Popper sugere uma história imprevisível e
uma «sociedade aberta».

A história humana não é linear e evolutiva, como se tivesse um sentido além do que lhe é dado pelos
seres humanos. A razão humana é, por essência, falível; não é absoluta. Daí resulta a necessidade de
diálogo pacífico e a capacidade de aceitar a própria verdade como uma hipótese falseável pela
experiência e pela opinião diferente.

4 Filosofia Política em África

4.1 Debate histórico: Génese dos nacionalismos

A Filosofia Política africana, enquanto estudo sistemático, é marcadamente recente, sendo o


nacionalismo africano da década de 1960 o marco mais importante. O conceito nacionalismo vem de
«nação» que, etimologicamente, significa «nascimento», «povo», «raça». A nação, conceito de
difícil definição, diz respeito a uma comunidade que partilha uma história e cultura comuns e é
caracterizada por os seus membros terem um ideal comum e a vontade de viverem juntos. Também
se fala de nação para se referir a cidadãos de um Estado sujeitos ao mesmo regime político (um
poder central comum), têm uma comunidade de destino (interesses comuns), um território e outros
elementos partilhados.

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Apontamentos de Introdução à Filosofia - Filosofia Política 12ª classe 2022

A ideologia política chamada «nacionalismo» tem a ver com a defesa e glorificação da nação, graças
ao sentimentopartilhado de identidade e pertença dos cidadãos. O nacionalismo africano deveu-se,
sobretudo, às vicissitudes históricas por que passavam os africanos, durante cerca de cinco séculos,
relacionadas com a escravatura, colonização, discriminação, etc. Ele tem alguma relação com as
transformações ocorridas entre as duas grandes guerras ditas mundiais, mas foi sobretudo obra de
intelectuais e políticos africanos e afrodescendentes, defensores de movimentos como o Pan-
Africanismo e a Negritude.

4.2 Pan-africanismo vs. Negritude

O Pan-africanismo e a Negritude são dois dos principais movimentos de defesa da causa negra no
mundo e, por isso, incontornáveis na abordagem sobre a filosofia política africana. O Pan-
africanismo pode ser entendido como um movimento aglutinador de todos os povos africanos e
afrodescendentes com vista a potenciá-los para o resgate da sua dignidade, oposição ao sistema
imperial e defesa da causa africana no geral.

O Pan-africanismo data do Século XIX. Inspira-se em anteriores lutas pela emancipação negra,
como a revolução Haitiana (1791 – 1804). Os seus principais pioneiros foram Edward Blyden (1832
– 1912), Joseph Antenor Firmin (1850 – 1911), Henry Sylvester Williams e Benito Sylvain. Os mais
importantes representantes do movimento, porém, são W. E. B. DuBois, Marcus Garvey e Kwame
Nkrumah.

O Pan-africanismo procurou protestar contra o roubo de terras nas colónias inglesas, a discriminação
racial do negro, a escravatura e todo o sistema de opressão, etc. Os valores a defender eram o direito
de autodeterminação racial, política, social e económica; a igualdade jurídica e política entre as
raças, o direito de uso e aproveitamento de terras africanas por africanos, a unidade, a independência
e a liberdade dos africanos e seus países.

O Pan-africanismo ganhou fervor a partir de 1900, depois da realização da primeira conferência,


organizada por Henry Sylvester Williams, em Londres. DuBois é considerado o pai do Pan-
africanismo, porque não só esteve desde a sua origem formal mas também impulsionou o
movimento com os seus escritos, com a sua Associação Americana para o Progresso das Pessoas de
Cor (NAACP) e, sobretudo, com a organização de cinco congressos, chamados «congressos
duboistas».

O primeiro Congresso Pan-africano foi realizado em Paris, em 1919, em simultâneo com a


conferência de paz de Paris. O documento final reivindicava o reconhecimento e a protecção dos
africanos colonizados.

O segundo Congresso realizou-se em Londres (27-27/08/1921), Bruxelas (30/08-02/09/1921) e Paris


(4-5/09/1921) e foi marcado por profundas divergências. Produziu uma Declaração que defendia a
igualdade absoluta das raças como condição do progresso da humanidade.

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Apontamentos de Introdução à Filosofia - Filosofia Política 12ª classe 2022

O terceiro Congressorealizou-se em Londres (7-8/11/1923) e em Lisboa (1-2/12/1923). As principais


reclamações deste congresso foram: a representação dos africanos no seu próprio governo; o direito
à terra e aos seus recursos.

O Quarto Congresso decorreu em Nova Iorque (21 – 24/08/1927). Debateu as relações entre o
movimento comunista internacional e o pan-africanismo.

O Quinto Congresso, Manchester (13 – 21/10/1945),éo mais importante de todos, porque condenou
o imperialismo europeu e exigiu abertamente e com determinação as independências nacionais dos
países africanos, representou a passagem do pan-africanismo de fora da África para o Continente
bem como o despertar da consciência política africana.

Em África, liderado pelo ganês Kwame Nkrumah, o pan-africanismo tornou-se verdadeiramente a


expressão do nacionalismo africano – é por isso que Nkrumah é considerado pai do nacionalismo
africano. O Pan-africanismo em África ganhou uma dimensão muito mais pragmática e
revolucionária, como o ilustra a criação da Organização da Unidade Africana em 1963, agora
designada União Africana.

A negritude foi criada por Aimé Césaire, Leopold S. Senghor e Leon Damas, na primeira metade do
Século XX. O conceito como tal foi cunhado por Césaire, nos anos 1932-1934. Alguns das fontes
do Negritude vêem do Movimento de «Regresso à África» de Marcus Garvey, «desenvolvimento
segregado» de Booker Washington e, sobretudo, de W.E.B. DuBois e do movimento do
Renascimento Africano (Neves, 1974: 30). Igualmente, inspira-se na Revolução haitiana liderada por
Toussaint Louverture. Aimé Césaire afirma que a Negritude pôs-se em pé no Haiti.

A negritude, desde os seus fundadores, apresentava três tendências: a) negritude como negação da
assimilação e defesa da própria qualidade de negro (Damas); b) negritude como constatação de um
facto que se resolve no regresso e na assunção do destino da raça (Césaire); e c) negritude como
descoberta, defesa e ilustração do próprio património racial e do espírito da própria criação
(Senghor) (Ngoenha, 2014: 64). Ela não foi somente um movimento cultural, ou melhor, artístico;
não se resumiu a ser expressão de sofrimento e revolta, cultura e humanismo; teve, igualmente, uma
dimensão política. Neste sentido, defendeu, sobretudo nos anos 1960, a independência política,
cultural, económica e cultural dos povos negro-africanos. Propulsionou a vontade de
autodeterminação e autogoverno dos africanos, ideais mais concretamente expressos pelo Pan-
africanismo.

4.3 Renascimento Africano

O conceito «renascimento», que significa «voltar a nascer»; «nascer de novo», não é uma novidade
africana, sendo que se fala, por exemplo, do renascimento europeu iniciado na Itália e do
renascimento do Sudeste asiático. O Renascimento Africano parte, praticamente, dos mesmos
problemas que estão na origem do Pan-africanismo e da Negritude. Procura defender a dignidade
dos africanos, a sua história e sua cultura, promovendo a consciência e sentimento de igualdade
perante outros povos.

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Apontamentos de Introdução à Filosofia - Filosofia Política 12ª classe 2022

Segundo Ndongo (2006: 12ss), a expressão «Renascimento Africano» foi primeiramente usada como
slogan de UNIA (Associação Universal para o Avanço dos Negros) fundada por Marcus Garvey, nos
anos 1920. Depois foi usada por Cheikh Anta Diop, em 1948, no contexto de busca de restauração
da verdadeira história da África e dos africanos. Em resumo, por Renascimento Africano se entende
a escolha dos africanos de se renovarem com base nas suas próprias raízes e contando consigo
mesmos bem como escolha de se unirem pela história, espaço e destino, de forjar uma África nova.
Thabo Mbeki é um dos principais impulsionadores do Renascimento Africano do momento.

A dimensão política do Renascimento Africano é pela defesa da liberdade, da unidade africana, da


cooperação e solidariedade entre africanos, pela democracia: boa governação, defesa dos direitos
humanos, etc.

4.4 Integração políticoregional: União Africana, SADC e NEPAD

Como continuação dos ideais Pan-africanistas e renascentistas, os líderes africanos têm investido em
prol da melhoria das condições dos Estados Africanos, procurando garantir mais unidade, mais
independência e mais desenvolvimento. É deste modo que foi criada a Organização da Unidade
Africana (OUA), em 1963, em Adis Abeba (hoje transformada em UA – União Africana), a SADCC
hoje SADC e a NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África). Estas instituições
procuram dinamizar o desenvolvimento do Continente, melhorando a vida dos africanos. A UA, na
linha dos ideais pan-africanistas, sobretudo de Nkrumah, criou a NEPAD em vista à promoção do
desenvolvimento sustentável do Continente, da paz, da estabilidade, da democracia e da interajuda
entre as diferentes nações africanas, incluindo africanos na diáspora.

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