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A vida

política
Prof.ª Dra. Maíra Leal
A ideia de justiça na comunidade
A finalidade da política é a justiça na comunidade;

A origem mítica do conceito de Justiça

Thémis, a lei divina que institui a ordem do Universo;

Kósmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina;

Diké, a justiça instituída pela deusa Diké entre as coisas e entre os seres humanos, no
respeito às leis divinas e à ordem cósmica.
O conceito de Justiça na Pólis

A origem do conceito de Justiça remete a essa ideia de diké como uma regra natural. A
ideia de justiça se refere, portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e
pune as ações das coisas e dos seres humanos.

A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, a Lei (nómos), natureza (physis) e ordem
(kósmos) constituem assim o campo da ideia de justiça.

A invenção da política exigiu que as explicações míticas fossem afastadas para dar
lugar às causas que geram ordem, lei e justiça na natureza e na pólis. Justo é o que
segue a ordem natural e respeita a lei natural.
Lei Natural ou invenção?

A justiça e a lei política existem por natureza? Ou teriam sido


instituídas por convenção entre os humanos? Essas indagações
colocam, e um lado, os sofistas, defensores do caráter
convencional da justiça e da lei, e, de outro, Platão (427 a.C. -
347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), defensores do
caráter natural da justiça e da lei.
A posição dos sofistas
Para os sofistas, a pólis nasce por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais
útil a vida em comum do que em isolamento. Assim, as regras de convivência instituídas se tornam leis
(nómos). A justiça é o consenso quanto às leis, e a finalidade da política é criar e preservar esse
consenso.

O consenso é expressão pública da vontade da maioria, obtida pelo voto dos cidadãos reunidos em
assembleia. debate dos opostos e a exposição persuasiva dos argumentos antagônicos devem levar a
maioria a aprovar o interesse mais bem argumentado.

Por esse motivo, os sofistas se apresentavam como professores da arte da discussão e da persuasão pela
palavra (retórica). Mediante remuneração, ensinavam os jovens a discutir em público, a defender e
combater opiniões, ensinando-lhes argumentos persuasivos para os prós e os contras em todas as
questões que precisariam debater nas assembleias, a fim de convencer os outros a aceitar sua posição.
A política tem a ver com a alma em Platão
Para Platão existem 3 almas:

1) a alma concupiscente ou desejante (situada nas entranhas ou no baixo-ventre),


que busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência
como os que apenas causam prazer;
2) a alma irascível ou colérica (situada no peito ou no coração), que defende o corpo
contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor para
proteger nossa vida;
3) a alma racional ou intelectual (situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento.
Estrutura tripartite da Pólis
1) A classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a
sobrevivência material da cidade;
2) A classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade;
3) A classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis;

Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do
que as outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma colérica (a agressividade) é mais
poderosa do que a racional, dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional
(pensamento e vontade) é mais forte que as demais, impondo à concupiscente a virtude da temperança
(ou moderação) e à colérica, a virtude da coragem, para que não ceda aos impulsos da vingança e da
violência. O homem justo é o homem virtuoso, e a virtude é o domínio racional sobre o desejo e a cólera.
A justiça ética está na hierarquia das almas, em que a alma racional domina as almas inferiores.
O que é justiça política?
O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte que a
demais, impondo à concupiscente a virtude da temperança (ou moderação) e à colérica, a virtude da
coragem, para que não ceda aos impulsos da vingança e da violência. O homem justo é o homem
virtuoso, e a virtude é o domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça ética está na hierarquia das
almas, em que a alma racional domina as almas inferiores.

A cidade justa é governada pelos filósofos, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores. Para
realizar a cidade justa, é necessário promover a educação dos cidadãos, tanto homens como mulheres
(Platão critica os gregos por excluir as mulheres da política). Em contrapartida, a cidade injusta é aquela
na qual o governo está nas mãos dos proprietários, que lutarão por interesses econômicos particulares,
ou nas dos militares, que mergulharão a cidade em guerras para satisfazer seus desejos particulares de
honra e glória. Somente os filósofos têm como interesse o bem comum da pólis e somente eles podem
governá-la com justiça.
A posição de Aristóteles
Dois tipos de bens:
Bem Partilhável:. Um bem é partilhável quando é uma quantidade
que pode ser dividida e distribuída – a riqueza é um bem
partilhável.
Bem Participável: Um bem é participável quando é uma qualidade
indivisível, que não pode ser repartida nem distribuída, podendo
apenas ser participada – o poder político é um bem participável.
Dois tipos de justiça na cidade
A distributiva, referente aos bens econômicos partilháveis: A justiça distributiva consiste em dar a cada
pessoa o que lhe é devido, dando desigualmente aos desiguais para torná-los iguais. Suponhamos que a
pólis atravesse um período de fome em decorrência de secas ou enchentes e que adquira alimentos para
distribuí-los. Para ser justa, a cidade não poderá reparti-los de modo igual para todos; deve doá-los aos
que são pobres, mas vendê-los aos que são ricos, de modo a conseguir fundos para adquirir mais
alimentos. A cidade será injusta, no entanto, se doar a todos ou vender a todos. Também será injusta se
atribuir a todos as mesmas quantidades de alimentos, pois dará quantidades iguais para famílias
desiguais, umas mais numerosas do que outras. Na cidade injusta, as leis vedam aos pobres o acesso às
riquezas, em vez de lhes permitirem (por meio de imitações à extensão da propriedade, de fixação da
boa remuneração aos trabalhadores pobres, de impostos e tributos que recaiam sobre os ricos apenas,
etc.). Ora, somente os que não são forçados a labutas ininterruptas para a sobrevivência são capazes de
uma vida plenamente humana e feliz.
A participativa, referente ao poder político , trata-se de garantir a todos os cidadãos o direito
de participar do poder. Ao apresentar os diferentes regimes políticos conforme o número
dos que participam do poder – na monarquia, um só; na aristocracia, alguns, considerados
os melhores; na democracia, todos –, Aristóteles considera este último (o qual denomina
regime popular) o mais justo.
Enquanto Platão se preocupa com a educação e formação do dirigente político (o
governante filósofo), Aristóteles se interessa pela qualidade das instituições políticas
(assembleias, tribunais, forma da coleta de impostos e tributos, distribuição da riqueza,
organização do exército, etc.)
Com isso, ambos legam para as teorias políticas subsequentes duas maneiras de conceber a
qualidade justa da cidade: platonicamente, essa qualidade depende das virtudes do dirigente;
aristotelicamente, das virtudes das instituições.
Romanos: a construção do príncipe
O primeiro período da história política romana foi uma época arcaica e lendária de reis
patriarcais, semi -humanos e semidivinos. Com o fim dessa fase inicial, Roma tornou-
se uma república oligárquica, governada pelos grandes senhores de terras (os
patrícios).

O poder era exercido pelos patrícios e por alguns“homens novos” (plebeus que haviam
alcançado prestígio por suas riquezas, casamentos com patrícios ou feitos militares).
Havia, também, os tribunos da plebe, representantes eleitos por essa camada e que
tinham alguns poderes em relação ao Senado, como o de vetar atos considerados
prejudiciais aos plebeus.
O poder militar e a ascensão do prínicipe
Roma foi uma potência com vocação militar.
Em menos de três séculos, conquistou grande
parte do mundo conhecido pelos romanos,
incluindo os atuais territórios da Grã-Bretanha,
dos Países Baixos, partes da Alemanha e todas
as terras banhadas pelo mar Mediterrâneo,
tanto na Europa quanto na África e no Oriente
Médio. Esse feito, consolidado por meio da Pax
Romana, foi obra militar dos cônsules,
patrícios que eram investidos com o imperium
(poder judiciário e militar).
À medida que Roma se tornava uma potência, alguns de seus cônsules reivindicaram
mais poder e mais autoridade, que lhes foram sendo concedidos pelo Senado e Povo
Romano. Gradualmente, sob a aparência de uma república oligárquica, foi instalada
uma república monárquica. Com Otávio Augusto, as instituições políticas romanas
foram perdendo o caráter republicano. Estava sendo instituído o principado.
Ao exercer a totalidade do imperium, o príncipe havia se tornado um imperador: chefe
militar, detentor do poder judiciário, magistrado, senhor das terras do Império
Romano, autoridade suprema – o césar.
- Afirmavam os valores da república ao mesmo tempo em que criavam o
governante à imagem daquele governante-filósofo de Platão. Os que defendiam
essa nova forma de poder produziram o ideal do príncipe perfeito ou do Bom
Governo.
O príncipe
A nova teoria política mantinha a ideia grega de que a comunidade política
tem como objetivo a vida boa ou a justiça, identificada com a ordem,
harmonia ou concórdia no interior da cidade. No entanto, condicionava a
justiça às qualidades morais do governante.
O príncipe devia ser o modelo das virtudes para a comunidade, pois ela o
imitaria. Entre a teoria platônica e a aristoté lica, os pensadores romanos
escolheram a primeira e tenderam a dar menor importância às instituições
políticas e maior importância à formação do príncipe moralmente virtuoso.
As Virtudes Principescas
O verdadeiro príncipe devia ter três conjuntos de virtudes ou qualidades morais:
1) O das qualidades comuns a todo homem virtuoso: sabedoria (ou prudência), justiça (ou equidade),
coragem e temperança (ou moderação);
2) o das virtudes propriamente principescas: honradez (isto é, disposição para manter os princípios em todas
as circunstâncias), magnanimidade ou clemência (isto é, capacidade para dar punição justa e para
perdoar) e liberalidade (isto é, disposição para pôr sua riqueza a serviço do povo);
3) o dos objetivos que devem ser almejados pelo príncipe virtuoso: honra, glória e fama;
A teoria do Bom Governo depositava na pessoa do governante a qualidade da política e fazia de suas virtudes
privadas um exemplo de virtudes públicas. Em contraponto ao Bom Governo, a teoria política ergueu o retrato
do tirano ou príncipe vicioso: bestial, intemperante, passional, injusto, covarde, impiedoso, avarento e
perdulário, sem honra, fama ou glória, odiado por todos e de todos temeroso. Inseguro e odiado, rodeia-se de
soldados, vivendo isolado em fortalezas, temendo a rua e a corte. Visto que o príncipe é o espelho da
comunidade, esta se mira nele para imitá-lo tanto na virtude como no vício.
O poder teológico-político cristão
Antes de estudar as teorias políticas cristãs, é
preciso compreender a influência das duas
tradições das quais o cristianismo é herdeiro:
a hebraica e a romana. Em todas as
modalidades de governo que conheceram, os
hebreus deram ao poder uma marca
fundamental irrevogável: o caráter
teocrático.
Teocracia hebraica-romana
Numa teocracia, um governo em que o poder pertence a Deus e o governante é escolhido
por Ele como seu representante. A expressão mais clara disso encontra-se numa passagem
do Livro dos Provérbios, onde se lê que Deus disse: “Por mim reinam os reis e os príncipes
decretam justiça”.

Os hebreus se fizeram conhecer não só como Povo de Deus, mas também como Povo da Lei
(a lei divina dada primeiro a Noé como lei moral e, depois, completada e doada a Moisés,
por escrito, como lei religiosa, política e moral). A importância da legalidade era tanta que,
quando o cristianismo se constituiu como nova religião, passou-se a falar na Antiga Lei (a
aliança de Deus com o povo, prometida a Noé e a Abraão e dada a Moisés) e na Nova Lei (a
nova aliança de Deus com o povo, por meio do messias Jesus).
O príncipe: o senhor do universo
A teoria do Bom Governo já havia sido formulada e o príncipe já se encontrava investido de
novos poderes quando o cristianismo estava em via de se tornar religião oficial do Império
Romano. O príncipe não era mais apenas “o primeiro cidadão”. como imperador de um
vasto território, passou a ser visto como senhor do Universo, ocupando o topo da hierarquia
do mundo.
Ao imperador caberia manter a harmonia e a concórdia no mundo, a pax romana, garantida
pela força das armas. Com isso, o príncipe passou a deter todos os poderes que antes cabiam
ao Senado e Povo Romano e foi sacralizado, à maneira dos reis orientais, até ser considerado
divino.
Ao imperador caberia manter a harmonia e a concórdia no mundo, a pax romana, garantida
pela força das armas. Com isso, o príncipe passou a deter todos os poderes que antes cabiam
ao Senado e Povo Romano e foi sacralizado, à maneira dos reis orientais, até ser considerado
divino.
A detenção de todos os poderes através da sacralização
Ao imperador caberia manter a harmonia e a concórdia no mundo,
a pax romana, garantida pela força das armas. Com isso, o príncipe
passou a deter todos os poderes que antes cabiam ao Senado e Povo
Romano e foi sacralizado, à maneira dos reis orientais, até ser
considerado divino.
A elaboração da teoria política cristã como teologia política resultou
da apropriação e mistura das concepções hebraica e romana do
poder.

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