Você está na página 1de 8

 

 
 
Aspectos farmacotécnicos na manipulação de emulsões 
 
Emulsificação 
 
Caracterizada  por  um  sistema  bifásico  no  qual  um  líquido  está  disperso  em  outro  na 
forma  de  pequenas  gotículas,  a  emulsão,  seja  na  forma  de  loção  ou  creme, é o principal 
veículo  utilizados  em  formulações  tópicas  dermatológicas.  O  processo  de  emulsificação 
é a criação de uma emulsão a partir de duas fases líquidas imiscíveis, mediante aplicação 
de  energia  mecânica  (homogeneização)  ao  sistema,  para  formar  gotículas  e  criar  uma 
barreira física e/ou eletrostática ao redor das mesmas, prevenindo a coalescência.  
 
Para  evitar  a  fusão  das  gotículas  em  gotas  maiores  até  a  separação  da  fase  em  uma 
emulsão  (coalescência),  faz-se  uso  dos  emulsificantes  (surfactantes),  que  são  as 
barreiras  físicas  e  eletrostáticas  que  envolvem  as  gotículas.  Alguns  emulsificantes 
também  aumentam  a  viscosidade  do  sistema,  retardando  a  agregação  das  gotículas  e 
reduzindo  a velocidade da cremagem, que é a migração de gotículas da fase interna para 
a parte inferior da emulsão.  
 
Tipos de emulsões 
 
A  escolha  dos  emulsificantes  impacta  o  tipo  de  emulsão.  Os  emulsionantes  podem  ser 
classificados  em  aniônicos,  catiônicos,  não  iônicos  e  polimérico  –  sendo  estes  últimos 
mais  utilizados  em  emulsões  de  uso  interno,  a  exemplo  da  goma  arábica, 
carboximetilcelulose e metilcelulose.  
 
Outro  aspecto  importante  de  uma  emulsão  é  a  natureza  em  relação  à  fase  dispersa 
interna  e  externamente.  Como  são  representadas  por  duas  fases,  aquosa  e  oleosa,  a 
emulsão  pode  também  ser  classificada  em  hidrofílica  (O/A)  e  em  lipofílica  (A/O). Em uma 
emulsão  O/A,  a  fase  interna  é  oleosa  e  a  externa  é  aquosa,  promovendo  uma  sensação 
menos  oleosa,  de  absorção  mais  rápida.  Já  em  uma  emulsão  A/O,  a  fase  interna  é 
aquosa  e  a  externa  é  oleosa,  promovendo  hidratação  mais  profunda,  como  é  o  caso  do 
cold cream.​   
 
Os  emulsificantes  podem  ser  divididos  em  iônicos  (aniônicos  e  catiônicos)  e  não  iônicos 
(sem  carga  elétrica).  Os  emulsionantes  catiônicos  (como  o  cloreto  de cetiltrimetilamônio) 
tendem  a  formar  emulsões  de  pH ácido, com propriedades antiestáticas, sendo irritantes 
para  uso  na  pele  e  mais  apropriados  para  condicionadores  e  creme  rinses.  Para  uso  na 
produção  de  cremes  e  loções  para  a  pele  de  forma  tópica,  normalmente  se  faz  uso  dos 
emulsionantes aniônicos e não iônicos.  
 
Os  emulsionantes  com  características  aniônicas  se  dissociam  em  solução  aquosa 
formando  íons  carregados  negativamente.  São  emulsionantes  muito  utilizados,  mas 
podem  ser  mais  irritantes  para  a  pele,  por  serem  mais  permeáveis  que  os  não  iônicos. 
São  exemplos  álcool  cetoestearílico  e  cetil  estearil  sulfato  de  sódio,  comercialmente 
conhecido  como  Lanette​®​.  Entre  as  emulsões  obtidas  com  aplicações de emulsificantes 
aniônicos,  estão  os  cremes  evanescentes  e  as  emulsões  cremosas  de  limpeza,  por 
possuirem  capacidade  detergente. Exemplos desses emulsificantes incluem estearato de 
sódio, cetil fosfato de potássio, estearato de trietanolamina e lauril sulfato de sódio.  
 
Os  emulsionantes  com  característica  não-iônica  não  possuem  carga  específica  (carga 
ionizável)  e  apresentam  na  molécula  um  grupamento  polar  (hidrofílico)  que se orienta em 
direção  à  água  e  um  grupamento  apolar  (lipofílico)  que  se  orienta  ao  óleo.  Podem  gerar 
tanto  emulsões  A/O  como  O/A  a  depender  do  equilíbrio  hidrofílico-lipofílico  (EHL). 
Exemplos  de  emulsificantes  são  os  ésteres  de  glicol  e  de  glicerol,  ésteres  de  sorbitano, 
polissorbatos,  ésteres  de  álcoois  graxos  e  ésteres  de  ácido  graxos.  O  comercial 
Polawax​®  é  uma  junção  de  álcool  cetoestearílico  e  monoestearato  de  sorbitano 
polioxietileno  20  OE.  Trata-se  de  um  complexo  de  ceras  autoemulsificantes  de  caráter 
não-iônico.  
 
Escolha  do  agente  emulsificantes  não  iônico  e  cálculo  do  EHL  (equilíbrio 
hidrofílico-lipofílico) 
 
A escolha do agente emulsificante é determinada pelos ingredientes ativos e pela escolha 
do  produto.  No  cálculo  de  EHL,  o  equilíbrio  hidrofílico-lipofílico  de  um  emulsificante  é 
classificado  numericamente,  normalmente  de  1  a  20,  dependendo  das  forças  das 
porções  hidrofílica  e  lipofílica  da  molécula.  Se  o  valor  de  EHL  é  baixo,  o  número  de 
grupos hidrofílicos no emulsificante é pequeno, o que significa que ele é mais lipossolúvel 
que  hidrossolúvel.  Quando  o  valor  de  EHL  é  alto,  significa  que  há  grande  número  de 
porções hidrofílicas, caracterizando um emulsificante mais hidrossolúvel que lipossolúvel.  
 
Valores de EHL de alguns emulsionantes 
Emulsionante  EHL 
Trioleato de sorbitano  1,8 
Triestearato de sorbitano  2,1 
Sesquioleato de sorbitano  3,7 
Monoestearato de glicerila  3,8 
Mono-oleato de sorbitano  4,3 
Monoestearato de sorbitano  4,7 
Monopalmitato de sorbitano  6,7 
Monolaurato de sorbitano  8,6 
Triestearato de polioxietilenosorvitano  10,5 
Trioleato de polioxietilenosorvitano  11 
Monoestearato de polietilenoglicol 400  11,6 
Polissorbato 60  14,9 
Monoestearato de polioxietileno  15 
Polissorbato 80  15 
Polissorbato 40  15,6 
Polissorbato 20  16,7 
 
 
Valores de EHL requeridos de alguns ingredientes da emulsão (ceras e óleos) 
Ingredientes  Emulsão A/O  Emulsão O/A 
Ácido láurico  -  15 a 16 
Ácido oleico  -  17 
Ácido esteárico   6  15 
Álcool cetílico  -  15 
Álcool laurílico  -  14 
Álcool estearílico  -  14 
Lanolina anidra  8  10 
Óleo de ricino  6  14 
Óleo de amêndoas  -  9,02 
Óleo mineral  5  11-12 
Óleo de oliva  6  14 
Óleo de silicone  -  11-17 
Petrolato  5  7-12 
Cera de abelhas  4  12 
Parafina (cera)  4  10-11 
Miristato de isopropila  -  8,65 
 
O  uso  dos  emulsificantes  varia  de  acordo  com  o  valor  de  EHL:  para  números  de  1  a  3, 
seu  uso  é  antiespumante;  para  valores  de  3  a  6  seu  uso  é  para  sistemas  A/O;  de  7  a  9, 
como  molhantes;  de  8  a  18,  para  sistemas  O/A;  de  13  a 16 como detergentes; e de 16 a 
18 como agentes solubilizantes.   
 
Quando  uma  emulsão contém uma mistura de ingredientes oleosos e ceras, o EHL final é 
calculado somando-se as contribuições dos valores de equilíbrio hidrólifo-lipófilo de cada 
um  dos  ingredientes  da  mistura.  A  contribuição  de  um  ingrediente  individual  é 
determinada  pela  multiplicação  do  seu valor de EHL requerido pela sua fração em massa 
na mistura de todos os componentes oleosos.  
 
Exemplo 
 
Supondo a seguinte emulsão, com característica O/A: 
 
Fase oleosa: 
Petrolato (vaselina) 25g 
Álcool cetílico 20g 
Fase aquosa 
Conservante 0,2g 
Água purificada qsp 100g 
Emulsificante 2g 
 
E considerando: 
EHL requerido para petrolato (vaselina)= 8 
EHL requerido para o álcool cetílico= 15 
Soma da fase oleosa = 45g (25g petrolato + 20g álcool cetílico) 
 
Teríamos: 
Petrolato (vaselina)= 25/45 x 8= 4,5 (EHL) 
Álcool cetílico = 20/45 x 15= 6,7 (EHL) 
Logo soma dos EHL= 4,5 + 6,7 = 11,2 (EHL final).  
 
Ou  seja,  para essa emulsão usa-se um emulsificante com valor de EHL em torno de 11,2. 
A  concentração  de  uso  de  um  emulsificante  em  uma  emulsão  normalmente  varia  de 2% 
a  5%  (p/v).  Essa  concentração  também  pode  depender  da  quantidade  de  fase  interna  a 
ser  emulsionada,  recomendando-se  uma  proporção  de  10%  a  20%  (p/v)  em  relação  à 
fase interna da emulsão.  
 
Adição de substâncias ativas nas emulsões 
 
Para  a  manutenção  da  estabilidade  da  emulsão,  é  importante  que  a  característica iônica 
da substância ativa adicionada seja compatível com a dos emulsionantes empregados na 
manipulação  da  emulsão.  Como  exemplo  temos  a  hidroquinona  que  possuir  caráter 
aniônico,  sendo  mais  apropriado  o  uso  de  uma  emulsão  com  características  aniônicas. 
As  emulsões  que  fazem  uso  de  emulsificantes  aniônico  normalmente  são  incompatíveis 
com  ácidos,  com  alguns  cátions  inorgânicos  e  com  um  amplo  número  de  cátions 
orgânicos, sendo geralmente estáveis em pH alcalino.  
 
Já  as  emulsões  que  fazem  uso  de  emulsificantes  não-iônicos  são  compatíveis  com 
substâncias  aniônicas  e  catiônicas,  exceto  algumas  substâncias  a  depender  da 
concentração,  a  exemplo  de  hidroquinona  e  resorcina.  Apresentam  baixa  toxicidade, 
menos  problemas  de  compatibilidade  com  adição  de  substâncias  ativas  e  são  menos 
sensíveis  à  mudança  de  pH,  sendo  mais adequadas para a incorporação de ácidos, filtro 
solares, extratos e óleos vegetais.  
 
Procedimento de preparo de uma emulsão 
 
Uma  emulsão  é  composta  de  uma  fase  aquosa,  uma  fase  oleosa,  um  ou  mais  agentes 
emulsificantes, agentes antioxidantes, conservantes e sequestrantes.  
 
Fatores que determinam uma emulsão incluem: 
● o emulsificante de escolha; 
● a  ordem  da  mistura:  como  a  fase  presente  em  maior  concentração  tende  a  ser 
externa,  a  fase  a  ser  adicionada  –  geralmente  aos  poucos  –  tende  a  ser  fase  a 
interna; 
● as  proporções  das  fases:  a  fase  que  está  em  maior  proporção  tende  a  ser  a 
externa.  
 
Já  as  propriedades  desejáveis  de  uma  emulsão  incluem  gotículas  finamente  divididas; 
cremagem  e  agregação  lenta  das  gotículas  da  preparação  e  facilidade  de  redispersão 
quando agitada, não ocorrendo coalescência.  
 
O procedimento de preparo consiste em agitação e calor: 
1- Aquecer  todos  os  componentes  óleo  solúveis  (fase  oleosa)  a  cerca  de  70ºC  a 
75ºC; 
2- Aquecer  todos  os  componentes  hidrossolúveis  (fase  aquosa)  a  cerca  de  75ºC  a 
80ºC; 
3- Verter  a  fase  aquosa  sobre  a  fase  oleosa,  lentamente  agitando vigorosamente por 
5  a  10  minutos,  mantendo  a  temperatura.  Deve  ser  adicionada  lentamente,  sob 
agitação constante;  
4- Reduzir  a  velocidade  de  agitação  e  misturar  até  resfriar  em  ritmo  constante.  O 
ideal é usar agitador mecânico, com rotação constante. 
 
Exemplos de emulsões 
 
Creme aniônico O/A contendo Lanette​® ​N

Fase oleosa:
Álcool cetoestearílico e cetil estearil sulfato de sódio (Lanette​® ​N)*...............................24% 
Álcool cetílico**...............................................................................................................2,5% 
Glicerol (Glicerina​®​)...........................................................................................................5% 
Propilparabeno.............................................................................................................0,15% 
Oleato de decila***..........................................................................................................12% 
*Emulsificante.  
**Espessante. 
***Emoliente. 
 
Fase aquosa:
EDTA dissódico............................................................................................................0,15%
Metilparabeno.................................................................................................................0,2%
Água purificada qsp........................................................................................................100g

Fase 3 (complementar):
Imidazolidinil ureia........................................................................................................0,15%
Água purificada...................................................................................................................qs
pH estabilidade da emulsão entre 4,5 a 5,5.  
 
Creme não iônico O/A contendo cera autoemulsionante Polawax​®

Fase oleosa:
Álcool cetoestearílico/Monoestearato de Sorbitano Etoxilado (20 moles OE)
(Polawax​®)​*.........................................................................................................10% a 15% 
Vaselina líquida**............................................................................................................2,0% 
Propilparabeno.............................................................................................................0,05% 
*Emulsificante e agente de consistência.  
*Emoliente. 
 
Fase aquosa:
Metilparabeno...............................................................................................................0,15%
Propilenoglicol*..................................................................................................................2%
Água purificada qsp........................................................................................................100g
*Umectante.
pH estabilidade da emulsão entre 5 a 5,5.  
 
Cold cream​ (formulação modificada) A/O 

Fase oleosa:
Cera branca de abelhas​*.................................................................................................12% 
Vaselina líquida**.............................................................................................................30% 
Monoestearato de glicerila***.........................................................................................2,5% 
Vaselina sólida.................................................................................................................30% 
Lanolina anidra................................................................................................................10% 
Butil-hidroxitolueno (BHT)............................................................................................0,05% 
Butil-hidroxianisol (BHA)..............................................................................................0,01% 
Propilparabeno.............................................................................................................0,15% 
*Espessante.  
**Umectante.  
***Emulsificante. 
 
Fase aquosa:
Borato de sódio (Borax)*...................................................................................................1%
Metilparabeno...............................................................................................................0,20%
Água purificada qsp........................................................................................................100g
*Emulsionante.

Saiba mais no ​Compêndio Magistral Anfarmag​. 


 
Nota 
As  sugestões  de  formulações  aqui  elencadas  são  consagradas  na  prática  e  constituem 
itens  importantes  da  farmacotécnica  atual,  além  de  estarem  baseadas  em  literaturas  de 
uso corrente e reconhecido.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências 
 
Brasil.  Ministério  da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 67, de 
8  de  outubro  de  2007.  ​Dispõe  sobre  Boas  Práticas  de  Manipulação  de  Preparações 
Magistrais e Oficinais para Uso Humano em Farmácias.  
 
Associação  Nacional  de  Farmacêuticos  Magistrais.  Compêndio  Magistral  Anfarmag,  1ª 
edição. São Paulo, Anfarmag, 2019.  
Corrêa,  M.A.  ​Cosmetologia,  ciência  e  técnica​.  São  Paulo:  Livraria  e  Editora Medfarma, 
2012.  
 
Ribeiro,  Claudio.  ​Cosmetologia  aplicada  a  dermoestética​,  2ª  edição.  São  Paulo: 
Pharmabooks, 2010. 
 
Thompson,  J.  E.;  Davidow,  L.  W.  ​A  Prática  Farmacêutica  na  Manipulação  de 
Medicamentos​, 3ª edição. Porto Alegre: Artemed, 2013.  
 
Ferreira,  A.O.;  Brandão,  M.A.F  e  Polonini,  H.C.  ​Guia  Prático  da  Farmácia  Magistral​,  5ª 
edição. Juiz de Fora: Editar, 2018.  
 
Batistuzzo,  J.A.  et  al.  ​Formulário  Médico-farmacêutico​,  5ª  edição.  São  Paulo: 
Atheneus, 2015.  
 
Barros.  C.  Entenda  a  diferença  entre  um  creme  aniônico e um não iônico. Disponível em: 
cleberbarros.com.br. 
 
ANVISA.  Agência  Nacional  de  Vigilância  Sanitária.  Formulário  Nacional  da  Farmacopeia 
Brasileira, 2ª edição – Revisão 2. Brasília: Anvisa, 2012.  
 
ANVISA.  Agência  Nacional  de  Vigilância  Sanitária.  Vocabulário  controlado  de  formas 
farmacêuticas,  vias  de  administração  e  embalagens  de  medicamentos.  Brasília:  Anvisa, 
2011.  

Você também pode gostar