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Aureo de Almeida Camargo

A EpOPÉA
o batalhão «14 de Julho}}.
Photographia da guerra no
Sector Sul. Dos ltararés ao
Taquaral Abaixo. S. Paulo.

r933
ICdiiorcs: LIVRARIA ACADEMICA - Largo do Ouvidor, 5-B - S. Paulo
SARAIVA & CIA.
DO MESMO AUTOR

A IDÉA DA UNIVERSIDADE NO BRASIL (A sahir)

U~HVEnSIDADE (O PROBLElIIA DA UNIDADE NACIONAL) (A


sahir)
«Il n'est pas probable que nous
soyons battus, mais nous pourrons
perdre tout notre sang.»

("Lettres d'Étudiants Allemands


Tués à Ia GUCITC", N.R.F., pg. 98).
1\ I.IIi\'SO FERREIl\A DE CAMARGO - Iunccionario publico
,\ !I(IE;'>I YRO ALVES SILVESTUE
- bacharelando de direito
:\IIV CAHNEIHO FERNANDES - estudante de direito
1:1::;,\1\ PEX.1\A RA:\IOS - advogado
~~ ~n.\G'\ :\IAGALlL~liS. - estudante de engenharia
.IIIS I:: JERONYMO V ASCONCELLOS
- ehanffeur
.IIIS,',: :\IAI\L\. DE AZEVEDO - advogado
i:7;'I';;"o--fuURO~ PENTEADO - engenheiro
()t:T,\VIO SEPPI
- gymnasiano
1',\111.0 BIFANO ALVES - commercio
I:, 1111<::'5 FRAGA DE TOLEDO ARRUDA - gymnasiano

A' memoria dessa mocidade, da qual o


mais velho, primeiro, contava 45 annos,
° o ultimo, 16 annos.
e o mais moço,
~_.~-

Ninguem s'e esquc& do Hermes de Oli-


veira CeGar, estudante de direito, morto em
São Paulo, companheiro daquelles lá de cima,
todos do "14 de .Tulho".
Homenagem ao

Coronel Brasilio Taborda,


o campeão da luta no Sector Sul
« ...a epopéa que o voluntariado
paulista escreveu com o seu san"
gue através dos montes, ravinas,
quebradas, mattas e descampados
do Sector Subo

(Do prdacio do Coronel Taborda ao


«Palmo a Palmo» do Capitão Alves
Bastos)
E' a histol'ia pura e simples do batalhão "14 de Ju-
lho", comprchendcndo a sua formação e a longa serie
(le aventm'as e combates em que se viu envolvido desde
rtararé até o Taquaral Abaixo, numa larga faixa de ter-
reno justamente chamada de Sul paulista. Batalhão an-
(larilho: percorreu mais de 1.DOO kilometros, de trem, de
caminhão, a pé.
Apanhado gC'ral da luta no Sector.
A c.statistica é uma sÓ: 3.500 paulistas (ás vezes
mais, ús vezes menos) mal armados, contra 17.000 inimi-
gos (ús vezes mais) bem armados. Meia duzia de ca-
nhões paulistas mal municiados contra mais de 50 ditos
IH'm municiados. Ardor combatente paulista igual a
:1.500.000 contra ardor 17.000. (Assim mesmo S. Paulo
perdeu a guerra!...)
Impressões do S. Paulo-1932, bem assim a indispen-
savel opinião do Autor, aqui e aJli, sobre eoisas e aSSUITI-
pl.05 pauJistas, a qUfll sÓ lhe poderá trazer para o corpo
(pll]mõcs), e aos que eommungarem o mesmo ponto de
\' isi a, uma aragem especial e porventura diame.tralmente
o:,posta dos ares snlinos, qUe são purol;, purissimos. E'
o qUO se chama um auto-gaso, um auto-prazer. Ou uma
idiosinerasia do Autor para com os males alheios.
,
A EPOPEA
A MAIS sorridente mocidade do céo azul de
S. Paulo resolveu fazer a guerra a 9 de
.Julho. Era inverno e todos softriam. Havia vio-
leneia no céo e insulto nos homens. Porque in-
.mItar a mocidade? E a guerra, seria ella a modo
de tambores e ba/isas bamboleantes, ou a modo
do.~ Turene, pratos, colheres e o mais, tudo o
mais, de ferro e a ferro?
Ora, a guerra!
Um só peito para esta coisa unica: Por S.
Paulo!
E porisso a guerra começou a 9 de Julho e
S. Paulo viveu então (insistam sempre nas pala-
vras doces) VIVEU ENTÃO mais de 400 annos,
com escalas por Anchiela, ltmador Bueno, Andra-
das santistas e Feijó; voltou a Anchieta, lembrou-
se da 11;1onção e do Tiei é, e, milagre dos homens,
abraçou, abraçou sim, S. Paulo abraçou a mo-
cidade.
E a mocidade aos berros, pelas ruas: Meu bra-
ço é raio!
E as ruas, em côro: E' raio, é raio!
16 Aureo de Almeida Camargo

Foi então que aconteceu esta coisa inesperada


alé para os basbaql1es e adivinhadores de impre-
vistos - UMA EPOPÉA.

Faz frio neste inverno paulista de 1932, e o sol


é novidade no espaço amplissimo do dia cinzento
sombreado.
Evitae as sombras, amigos do bom socego! Os
dias sombreados vivem á custa das sombras, as
sombras produzem versos melancolicos, cheiram
a rezas mysteriosas. O agoiro mora com o morcego
e o morcego vive nas sombras. Evitae-as! Alguma
coisa passeia pelo ar, solta, descabellada. Talvez
um feitiço escuro, senhores!
As mulheres que conhecem a direcção dos ven-
tos bons e sabem como ninguem descobrir perigos
nas pequenas nuvens negras, calaram-se de vez,
desla /)C:::.Jlas o ar todas ellas sentem, os ouvidos
adivinham rlllllO],(~Se.rlrava[}antes que se approxi-
mam, enchem-se dI' e.rlranhc:::as as narinas. Por-
que as pupilas s(~dilalum !:mlo? Esse barulho sur-
do, tan-tan-[wz, (; do coruçiio, Ifl!l~ bale forte.
O rapido, o lcuc (~ () ('.1'irwzho andam juntos,
agoirentos, As sensaçÔcs de mÚl-estar costumam
causar Sllrprezas: suspenderam a vida.
E' o segredo que anda no ar? Respeitemos
o ar.
E as ruas, que andam repletas de almas va-
sias? Para a rua, todos!
A EPOPI1.4 17

Só uma coisa é sabida confortavelmente: ain-


da e:risle uma felicidade cheia de campos, casas e
bem-estar; um planalto longo, cahindo sem cere-
monia junto ao mar, de um lado; rios que correm
alevantados, lembrando incursões victoriosas: mais
montanhas verdes, dos outros lados. Por força que
é S. Paulo.
Girará ainda o mundo? Preces ligeira,~ combi-
l/adas com o ciciar de labios indecisos fazem us
rapidos assobios que existem em todos os silencios
de toda.~ as athmospheras, pagãs que sejam.
O imprevisto está para acontecer? Falem as
i!JJ'(~jas,que estão cheias de orações paulista.').
I," a guerra? Fale o apostolo S. Paulo, o previ-
tini/I': "Ila guerra por toda parte, em terra, nu mnr,
IIUS I'sj,irifos".

I'jullus da guerra:
I) S. l'aulo será nosso. Prazo: dentro de uma
S!:/IHlllIl.
2) S. /'(II/ju é nosso. Tempo: ha 400 annos.

O gOVI'l'l/O lallra
proclamação:
"E' preciso, custe () que custa/', manter os pon-
lus cardeaes paulis/as l/OS lugares".
As arvores das ruas se lil'rfilam, nlÍas:
"Nos lugares!"
Onde está a alma paulista? No pico do .Jara-
!/uá vão descobrir Anchiela genufle.To, espreitando
18 Aureo de Almeida Camar!/o

o fulUl'o. Elle vigia a vespera. No instante. o fuluro


parece gritar aos quatro ventos:

"A mim. Anchiela!"


O Tieté, de attitudes definidas e definitivas,
corre pen.wlivo dentro das fronteiras paulistas e
todos estão atrás das divisas.
Já lIa sol, o céo azuleja.
Depois do Quartel,
embarque
o batalhão "14 de Julho" nasceu como todas
as coisas - predestinado a enfrentar uma vida de
lutas permanentes.
A principio, "Batalhão Dniversitario", o B. D.,
porque na Faculdade de Direito e, depois, num
grupo-escolar, se misturou a mesma massa dos fu-
turos bachareis, medicas, engenheiros e pharma-
ceuticos.
Mais tarde, dois dias apenas, ainda B. D., por-
que no pateo do 2,° Batalhão da Força Publica se
misturou com os medicas, engenheiros, pharmaceu-
ficas e bachareis, que alli se achavam, e mais aquel-
1es outros que, não sendo futuros nem presentes,
pertenciam contudo á mesma massa dos "doutores
c~1Hcivismo".
~o 2.° Bat. todos se conhecem, felizmente os
pa~~os são iguaes, iguaes as meias-voltas e a voz
d!' commando. Quando o patrão é um só,e com-
1IIIIm o trabalho, todos os empregados se conhe-
('('111-- a amalgama está feita, sob a chefia unica.
() commando sabe que o soldado á paizana
11:'10 possue disciplina (um tal de fumar em for-
III:I!) c zás:
Todos fardados, dentro de meia hora.
1\1c', o fim da meia hora, o 2.° Bat., o quartel,
('("0 virgem ficam a.Q par do nudismo integral
"dtO :.00 l!olllClIS á procura de batinas numero 41.
22 Allreo de Almeida Camargo

o dormitaria de um quartel é "standard":


grande e comprido, cheio de camas de ferro e co-
hertores vermelhos, os chamados cobertores de
soldado. E' para o militar habituar-se com o côr,
pensam alguns. Outros, que é a educação que co-
lneca em casa. Como em todas as casas, os cober-
torês cobrem as camas, e, salvo engano visual, o
que se vê alli no 2.° Bat. é o proprio Mar V crmclho.
Em Vvest Point, em Saint Cyr, no 2.° Bat., a
vida é assim: Plaf, um travesseiro na cabeça, outro
que se perde no comprido da sala. Um phantasma
vermelho (dois cobertores emendados) se dcsmo-
ralisa, ao perguntar "quem sou eu, quem sou eu".
Máo veso dos phantasmas, a mania de se fazerem
annunciar com perguntas desse genero. Está deita-
do debaixo de 50 travesseiros. E' o Mar Vermelho
em tempestadc.
No canto esquerdo do patco discute-se tudo,
inclusive gucrra. São 11 pessoas, ao todo, e somen-
Il' duas, aliÚs dois irmãos, sustentam que Ludwig
<'~111aiol' qlW Napoll':lo, Ludwig ganhou, porquc~ os
il'llIãos ralalll alio l' ao 11U'Sl1l0 lcmj)o. A discussão
sobre Call1ldos leve oull'o desfecho: Euclidcs da
CUnhal'liIpaloll (a I'oda linha IIlll de menos) COIll
Antonio Consclhei 1'0 Bom Jesus.
As outras rodas fazcm amizade, parentesco,
reproduzem feitos occorridos em 22, 24 e 30. (Êta,
Brasill) Alguns suspiram ao falar no 93, no Salda-
nha, no Saraiva. . .
Um antigo sargento de Quitaúna conta que nas
guerras e revoluções acontece vasarem-se vistas,
quebrarem-se pernas ,e braços, pobres rins e figa-
dos attingidos, alguma coisa que faz parte da gente
e se põe ao largo no instante i. E pede um cigarro.
,1 EPOPÉA 23

Os da roda accedem phosphoros, ao mesmo tempo.


E' o B. U. a fazer fogo em cOlljUllctO, elle que tcm
a noção do momento opportuno, das opportuni-
dades.

Existc no mundo das lcttras um conceito de


'Vilde que colloca a vida perante a arte como imi-
tadora desta, Imitação typo copia. Estivcsse eJle
dvo, c daria pulinhos de contentamento, ao saber
que em 1932, em S. Paulo, no 2.° Bat. da milicia es-
tadual, a vida de 500 homcns começava a reprodu-
zir, expontaneamente algumas vezes, IDas de ma-
neira fiel, a arte de Remarque, a se considerar como
arte um livro que ia tcr a sua segunda cdição igual'
Ú primeira nos campos Sul de S. Paulo, na vida de
Irincheira, nos dialogas e nos bombardeios aercos,
qne forçosamente são iguaes em toda parte, mesmo
11as manobras das exercitas.
Imitou-se Remarque, reproduziu-se Remar-'
qne, Um escandalo essa rapaziada a se envelhecer
IIIIIn unico dia de quartel, á custa de phrases phi-
losophieas, que, bem distribuidas neste mundo,
dt'\'criam ser da exclusividade da cabeça dos po-
li Ij('()S, desses iIlustres provocadores e fazcdol'cS
.I" gnerras e revoluções, eIles que misturam as
llol':ls, os dias, os homens, a vida, jogando uns
"IIlIlra os ontros, com uma displicencia que as
pl'Op,'ias ambições não justificam, - os rcsponsa-
n:..i:i (Idas situações (~le ~Ó eILes sabem c:riar em
III";() ~Lvolu~ia do cgalihQ, da posição, da vin,ganca
IT(,:Ik:lda. Suo os taes de uma 80 cabeça e um só
4'~; I, 1111:lgO.
Iklll:lrquc dirige o B. U. na manhã clars.. Po-
1111;\111
SI' I'<lrdados os que sorriem e verão que ellc
14'111 III:tis :IlIlori.dadee prestígio em assumptos de
24 Aureo de Almeida Camargo

caserna do que os mais rigorosos commandantes


de pelotões.
Como este livro é uma reprodução fie] de fa-
ctos idos e vividos, vale a pena contar que ,um sol-
dado se chegou a um companheiro sentado 110 iso-
lamento de um canto e lhe perguntou pelo silencio,
pelo nome. "Eu sou Tjaden", (1) respondeu o iso-
lado. Essas pequenas allucinações são conhecidas
por "arlimanhas do Remarque".
Ainda ha mais: a dislribuicão do armamcnto
começou a ser feita ás 10 horas. .Os fuzis, desarchi-
vaeIos de velhos caixões, natllra]mcnte depositados
em algum quarto escuro, tinham sido comprados
á Allemanha, logo após a terminação da grande
guerra. O seu estado confirmava a origem e a ba-
rulhada em que os mesmos se haviam mettido. Al-
guns traziam uma cruz (ou mais de uma) feita a
canivetc e com datas superpostas, 1916, 1917. Chei-
ravam á Verdun. Quantos chegaram a suspirar
por um fuzil de um Paul Baeumer! (1)
E' preciso encarar com ca]ma um batalhão, que
em sua totalidade analysara logica e grammatical-
mente "Nada de Novo... ", recebendo, momentos
antes de partir para-onde, f,uzis que porventura em
Chemin des Dames estiveram nas mãos dos Fritz
e dos Olto. Uma intoxicação completa, .essa poesia
da guerra. A sciencia diz que não, que é torpor dos
momcntos difficeis. Seja.
Basta fechar os olhos para se encontrar no
Sommc, nos Dardanellos, no Fort Douamont, baio-
neta calada. . .

Boatos de que o batalhão parte ás 11 horas.

(I) Personagem do "Nada de Novo..."


EPOPÉ.1 25
------..----.- .----------

Será para o Hio? Aqucllas horas os cstomagos irão


c:ompl~lar 20 horas de jejum. Arre!

Sfio tres companhias completas e mais alguns


pelotões. Vae tudo. Os antigos sorteados e os reser-
vistas se fazem de sargentos e cabos. Commandan-
le do B. D., Major Mario Range1.

O Ci?!:oE.el ~::!..l~HHLo~
cOllllnandalÜe da Força,
vem (lc:s{wdir-sc do filho e avisa que o destino é
Campinas. Então se combate em Campjnas, ou u
batalhão precisa de treino, talvez a fronteira de
:\linas? . . Quem sabe lá o que se passa em Minas?

14 horas hatidinhas. Commoção. As famílias


presentes se agitam. Abraços até de quem a gente
não C nhece. Ahi, batuta, toque aqui! Santinhos de
N. S. da Apparecida, que é paulista e padroeira do
Brasi, rilli
stão sendo balançados, brilhantes, nos pei-
tos empolados. Um camarada apprende ás pressas
que o fuzil é obrigatoriamente carregado por tal
miio no ombro correspondente. Em forma. A ban-
da chega. E a banlleira. "O auri-vcrde tÚ'hi", pa-
lavras do futuro cozinheiro. As ordens se succe-
dcm - batalhão, companhia, pelotão. Para a rua,
para Campinas, para Minas...
Saibam os que não conhecem a rua João Thc~o-
doro que eUa é grande, larga, cheia de povo, dia 14.
i\ guerra é delle: Viva este, viva aqucHe. Flores no
fllzil, na mochila, no ombro, no peito, -- a pcrspe-
clivu llc uma batalha de cravos c dc rosas. Banda,
vivas, flores c gente quc ainda detesta as guerras,
q 11:11!
N IIlll braço, o fuzil; noutro, Ullla caricia de
111;'1('. 1':lla joga as flores, o pae engole em secco sen-
26 Allreo de ..Ilmeida Camargo

timentos palernaes, as irmãs dão vivas. A familia


apesar de andar junta se entende pcrfeitamente,
ora não! Filhas olham o pae qne partc, e el1c a el-
Ias que ficam, -- um ducl10 á distancia, com em-
pate na certa. Automoveis conduzem mulheres e
ocstas de flores juntas ao chauffeur. Vivas e flores.
Um chauffcur joga o bOl1et por engano e alguem
grita: "Isto não é tourada"!
Estacão da Luz. Vão ordcnar alto. Não orde-
naram. Ê Campinas? E Minas? Indagações, infor-
mações, todas as palavras terminarIas em i'ies e com
interrogações n~ frente?'?? Ou passeio pela cidade
ou Sorocabuna? Prompto, é 50rocabana. Revis ta
solemnc. Depois, a plataforma, 11 carros vasios, a
maioria 2." classc. Quc as viagens de 2." classe são
mais piHorescas. Sej am.
Vivas e abraços. Bolachas, sandwichs, cigarros
e choc()lah~s e abraços. Noivos que se beijam com
furia guerreira, é o amôr. Carmin por toda parle,
-.. o vehiculo do amÔr. Beijos, foi-se o carmin.
O B. U. vae lcval-o para o {ront. E de uma arran-
ca,rIa sÓ, alJral;a a 2." classc. E' um mar de lcn~;os
a agitar-se, c, agora, o lrcm está na curva. )

A retaguarda dos qlle parliam igual á Mulher


Paulista. Em Catandllva, em S. Paulo, cm Iguape.
Costurou pannos duros, fez aladuras ligeiras, e
mandou para a vanguarda o maior successo da
guerra -o chocolatc. E, mais quc tudo, policiou
de lal forma o pensamcnto descontrolado da re-
laguarda que se tornou o apoio dos quc; combatiam
e sobre o qual os soldados iriam descansar sauda-
des, confiança, bem assim carinhos afastados, os
carinhos.
.4 EPOPÉ,4 27

A Mulher Paulista sustentou a guerra aqui,


am, acolá; esteve em toda parte com carinhos e
chocolates, criando a principio a illusâo de que a
guerra era ele assucar.
Nas manhãs frias de Julho, sahiu de casa para
levar uma caricia, um adeus, um chocolate. Em
troca, a promessa de um troféo, um caco, dois ca-
cos de granada.
E que doçura de carinhos! 011 conselhos que
mandam prudcncin, remedios para os ventos en-
canados, que doçura! Evitar as chuvas de inver-
no, que são trahiçoeiras, Não se csquecer da c<m-
tinencia aos ofI'kiacs. Lavar os pés semprc e es-
eovar os dcntes para evitar infecções (ha quem
diga escorbuto). Quc a campanha é breve e não
conycm expor-se demasiadamente, fazer bonito.
Todos os 18 almos estão reunidos na emoção
de um exercito feminino. Elles tiveram uma mes-
ma vida, commum, igual, intensa e carinhosa, na
cidade, no campo, emfim, nesse pedaço de telha
e barro que se chama casa. Dentro da casa, na ci-
dade ou no campo, - }lulher Paulista e 18 annos.
Agora chegou o momento da partida (alguem
disse "a desagregação da casa") e a Mulher Pau-
lista vae ser a retaguarda, vae prometler a Deus,
niar pcnitencias familiares de roupas e comidas,
('Idar soffrer a guerra, viver a vanguarda. Os 18
:l1I110Ssaherll disso e se commO\'C1n, - a primeira
(lrDva de solidaricda(le <JlIr(~as guerras produzem.
;':II('s não sabem chorar c isto lhes causa uma de-
"('P(::IO que o instante não comporta. A retaguar-
da. (lo!"Óm, chora nos olhos dos 18 annos, hehcndo-
lI\('s a alegria, que é uma risada commnm, elas ti-
(':1 ('111todas as hoccas. A risada da guerra, a pl:'i-
IIH'II':! I'isada dos 18 annos~ ora a guerra!
30 Aureo de AZmeida Camargo
~---
--'
ciaes e 135 praças do 5.° R. C. D. que faziam par-
te da vanguarda das forças paranaenses que se
acha vam cm Scngés confraternizaram-se com as
nossas ",
O official que os commandava declara aos jor-
naes paulistas, dias depois: "Trazemos o primeiro
abraço do Paraná á causa nacional". Era o pri-
meiro e o ultimo).
Viva a Cavallaria de Castro! Durante cinco
minutos só aconteceu o exposto. O trem parte ra-
pido. Dizem vae parar no quartel do 8.°, onde o
B. U. passará a noite. Não parou, são 21 horas,
ainda vae mais adcante. Bury, pequena para-
da na cidadezinha destinada pelos fados e desem-
penhar o papel que Itararé haveria de rejeitar.
Vendas de Bury, em tua defeza acorreriam muitos
daquelles cuj o frio applacaste!
O trem obedec.e a um 'destino pre-fixado, ca-
minha ligeiro e, quando corre muito, o soldado
adivinha (tem o direito de adivinhar) que é para
chegar depressa, 'está para acontecer alg.uma coi-
sa, Itararé costuma causar surprezas,..
Uma cesta de pão (era nUi j acá), o que se pôde
arranjar em Bury, mal chega para uns 50. Besul-
tado: os 50 ganham 1:>0 inimigos, é a fome. Nin-
guem dorme, que o frio é intenso, jandlas fecha-
das. Obrigado a fumar quem não fuma, para não
ser suffocado pela fumaça do vizinho. O comman-

noite de 13, o tenente do Exercito, Scvcrino 1\obrega, pro-


curou e obtcve o major Garcia por intermcdio desse offj-
cial, a adhesâo do esquaclriio que sOe achava em Sengés.
A' noite, esse esquadrão com seus offieiacs c 150 praças
passou para São PauJo," ("A Hevolução Constitucio-
nalista", Herculano de Carvalho, pag, 149).
EPOPILl 31

dantp. estÚ visitando a tropa, as janellas são aber-


tas e esvasiam a fllmaçada, elle quer vêr o pessoal.

Tropa que lJae para liaral'é,


Dormiu? Comeu? Não viu café...

A's 6 c meia horas o lrem dá com o costado em


Itararé. A manhã joga friagcm nas caras som no-
lentas e. era uma vez o romance de uma noite.
"
Itararé, Portas Sul
de S. Paulo
Itararé, séde de Comarca, Estação
Ferroviaria, Telcgrapho, Correio, Distri-
cto de Paz, Delegacia, Sub-delegacia, So-
rocabana, população do Municipio 8.000.:
Antiga CapeIla de Nossa Senhora da
Conceição de Itararé. S. Pedro de Ita-
raré.
Kilometro 40U da E. F. S.
I tararé: cano de pedra, subterraneo,
sumidouro.

Apodera-se de toda a tropa um sentimento de


intenso apego á terra, o chamado posteriormente
"~stanismo". São as portas de S. Paulo, essa
pequena cidade humilde nas suas casinhas, que
vistas da estacão se assemelham ás casas de ma-
deira do Monte Serrat santista, tal a multiplicida-
de de côres aportuguezadas que apresentam. Im-
pressão de cidade americana de fronteira, onde se
pralicam crimes e contrabandos, tudo que cabe
IltllJJa localidade de divisa. Engano da illlaginação
tI\- cincma. São as lendarias portas de S. Paulo que
alli estão, são os Itararés, a cidade, o rio, a bar-
r:II1C:1.
- Qucm passar o umbral da porta, morre -
511:-;11'111:1111
os quc sabem defender a propria casa,
1\ 11011ra, a ramilia.
.111reo de Almeida Camargo

E é um evocar de historia paulista, no peque-


no pedaço de terra fronteiri((a. E' o Rio Grande
do Sul L:onvulsionado no 9:3. Saraiva caudilho,
ameaçando chegar á barraIlL:ao Em 30, a historia
não se repetiu, consumou-se um desideratum, a
combinação de ultima hora, o arranjo que se faz
no escuro.
- Quem passar o umbral da porta, não morre.
E era um jogar de flores aos homens de bota
e espora, os libertadores enganosos que se diver-
tiam com a palavra Liberdade, como se estivessem
num torneio em que as prendas estão ao alcance
dos mais espertos. Pegaram a prenda, esquecendo-
se, porém, da elegancia recommendada pclo Livro
da Cavallaria: guardaram-na comsigo, deixando 7
milhões de espectadores boquiabertos, assim! o o o

No 32, as boccas estão fechadas (se estão!) e


os dcntes rangem-rangem. "Bocca aberta, mordida
lia certa". As boccas se abrirão dentro em breve,
l1a hora de nÚs-todos, e. .. disputar-se-á a prenda
COlll os dcnt-cs, a mCSIIH\ prenda. E' o juramento in-
timo c COIlIlIlIIIll do Balalhão Universitario, ante
a cidade que se V(~lá 110 alto, no morro afastado
da estação iJOO melros, esse marco com que a na-
tureza prodigalizou o limite maximo do chamado
Sul de So Paulo.
O inimigo jogará a sua força no Itararé; no
Itararé S. Paulo defenderá a sua honra. Basta só-
mente que os senhores guardii3cs saibam cuidar
das portas do thesonro.
O 13. Uo telegrapha para a família:
"Chegámos bemo Clima magnifico. Calma.
Abraços "0
Dois officiacs da Co P. O. R., presentes, serão
os 111cdiaclores de paulistas e paranaenses, caso es-
A EPOJ>ÉA 37
-'---~--_.-
\es demonstrem vontade de adherir. 11 e meia
horas, e o batalhão põe-se a marchar, depois de
saber nulIo o entendimento com o inimigo. Os
"irmãos do sul" são inimigos dos paulistas, depois
das 11 e meia horas do dia 15 de julho de 32.
As poucas pessoas que aguardavam a chegada
do batalhão, friam,ente, procuram acompanhar os
passos militares e vão ficando distanciados. Na rua
comprida a galgar a encosla, a longa fila dos re-
cem-chegados, e, para qnem gosta de olhar para
trás e tem visão de conjundo, os 500 soldados ali-
nhados são um longo e amarelIo milharal. Canta-
se qualquer coisa com muito enthusiasmo. As casas
não são exclusivamente de madeira. Quasi nenhu-
ma a curiosidade das calçadas e das janelIas -
completa a indifferença popular. Seni. que existe
nestas paragens, cristali~,ada, a infiltração commu-
mente chamada de fronleira, a que destróc os sen-
timentos pela terra natal? Ou aqui se faz o jogo
duplo, ou então é o pessoal que não se espanta com
o aparato militar tão commum á cidade, as vulga-
('es manifestações de força. Na esquina, a pharma-
cia bate palmas, o pharmaeeutico, a familia. Sorri-
sos do B. U. e uma vontade collectiva de adoecer
lia hora e gastar com o camarada. Comprar-se-á
asslIcar candi mais tarde. As palmas estabelecem
11111 rapido contagio, uma moça sÓsinha palmeia as
(..:tos dando pulos na calçada. Todos acham essa
IIIO(;a bonita.
Já se sabe marchar sem causar magua ao vi-
zillho da frente. Alto. Um largo, uma igreja, um
j:JI'(lilll cercado, um theatro. O D. U. vae para este
IdlilllO, fechado desde 1930 (pobres r(ln.~ itararen-
s('sl), l~ a lilJcrlação do pó começa pelas janel1as c
38 Allreo de Almeida Camargo

portas escancaradas. O theatro ri áquclla saúde


inesperada que a manhã lhe presenteava, ao pal-
co, á platéa, aos camarotes. Os soldados se instal-
Iam nas duas ultimas divisões. No palco algUem ~

faz magicas e canta "I am deliciollS". Nas pal"cdes,


escriptas a carvão, pesadas injurias a um partido
politico. Nomes de mulher, nomes de homem. Uma
data: 1930. Facil advinhar-se que gente extranha
~
. k

andou enfeitando as paredes.


Uma lembrança terna, uma vontade de comer,
a nostalgia do conforto á hora certa. Promessa de
almoço desfeita com a permissão de sahirem todos
do quartel. (Defendam-se como puderem é o sen-
tido da permissão). A peregrinação pela cidade co-
meça, 2$500, por dois ovos e uma cerveja, não ser-
ve. Dois ovos, batatas e cerveja, 2$000, serve.
Hararé, - ruas compridas, compridissimas,
casas baixas. Aqui e alli, homens e mulheres es-
piando ádistancia, atrás dos vidros. Ha ironia em
alguns olhos curiosos e uma vontade louca de xin-
gar aquelle mysterio. Bolas! Uma venda onde se en-
contram canivetes a 1$500. Custariam o dobro, no
dia seguinte. Banhos oHerecidos expontaneamente,
mais almoços graUs salvam, em algumas casas, a
hospitalidade que estava tardando. Banhos publi-
cas num quintal acolhedor, onde a alegria consis-
te na eascatinha de um ribeirão claro e farto. Dá
para oito ao mesmo tempo. A igrej a está cheia de
crentes c outros mais rebeldes. "O perigo aproxi-
ma o homem de Deus", sentellceia um soldado de
oCldos. Não cabe mais ninguem.
No theatro-quartcl, as primeiras novidades
;11111
t!IJciam que o inimigo resolveu adherir. As se-
gUl1das desmentem, que não. As terceiras azedam
(k lal forma o optimismo conservado das primei-
.-1 RPOPÉA 30

ras que já não se liga para nada. As quartas che-


gam com fcição disparatada e assim hayeriam de
ser todas as outras no decorrer da campanha. A's
15 c meia horas, churrasco e arroz. Boi velho e ar-
roz queimado. As pragas são um goso. O jejum
percorre mais de volta e meia do relogio, de qnal-
quer rclogio.

Nas trincheiras estão o 8.° B. r.. P. e dois es-


quadrões de cavallaria. O Batalhiío Universitario
está de rescn'a.
E pergunta-se:
- Combater-se-à sobre o Itararé '?

"Acabamos de chegar á fronteira, o lugar mais


proximo ao inimigo. A tropa entrincheirada tem
ordem de não atacar, pois o comIllando conta com
aclhesões. .rá sabemos de cúr as palavras a dizer
aos novos amigos: "V ocês vieram depressa, não?"
A maior parte da tropa está cOllvencicla de que não
se dará um tiro siqucr ncsta revolução, pclo me-
nos nesta zona frontdriça. Os tiros, os ullieos, se-
riam dados como saudação aos esperados camara-
das. Assim tinhamos resoldclo. se assim resolv,esse
on permittisse o commandante, que é quem faria
o discurso de hÔas-vindas, verdadeira festa. Nada
de novo no {roll/, repetimos pela manhã e Ú noite.
Até agora nada, meus queridos paes".

o Boletim n.O 1, dando a relação da unidade,


I"az sabc'r (!ue o sub-commalldante do batalhão é
()
:2." lIe. jofto Garcia de Olivcira.
Dislribuiç50 de tiros, 50 cartuchos para cada
A 111'('0 de .1.1meida Camargo
._-~" ~.._---_._--
soldado. Uma parte é suspeita, dizem que não func-
eiona. A troca se faz a seguir.
Missa campal dia 16, dedicada ao batalhão,
quc a ella assiste. Prégação. Um estudante irrevc-
rentemente promove um pique-pique em honra ao
padre officiante e todos acompanham a saudação
academica. O commandante enruga a testa, mas
sorri em seguida, porque o padl"e gostou e pediu
a letra, "para os meninos do cathecismo".
Um avião vermelhinho, que affirmavam ser de
um particular e por elle dirigido, (3) vinha obser-
vando o inimigo em frequentes incursõ'es, num
trabalho incessante. Mesmo á noite voava, e os de-
baixo espiavam commovidos aquella luz verme-
lha, pequena e mortiça, passeando na noite fria e
clara, a mais alta sentinella de S. Paulo nos Ita-
rarés.
A' noitc, o commandante Mario Rangel (4)
recehe ordens de se recolher á Capital e passa o
comJIlando ao Maj ar José Gania:
"Tendo rc(~cbido ordens para me recolher á
Capital, silllo cOllllllunicar-vos [IUC terei de deixar
o COllllll:\lldo cio Balalhão "11 dc Julho". Aprovei-
to a op]>orlullidadc ]>al':l aprescntar-vos as expres-
sões do IIlCU "gl'<\(k(~iIIIcnlo pela conducta patrio-
tica e disciplinada com que vos JIlantivcstes, obe-
decendo aos llobrcs designios qu'c vos transforma-
ram de homens pacificos c ordeiros cm força ar-
mada e destemida. ComJIllmico-vos, outrosim, que

(3) Ttc. João Sylvio Hocltz.


(4) O depoimento prestado pelo major M. Hangel ao
Commandantc da Força sobre a sua actuação em Itararé
consta do livro "A Revolução Constitucionalista", H. de
Carvalho.
EPOPÉA 41

fi(:arcis sob o commando do major José Garcia, a


quem peço observardes a m'esma attcnção que me
dispcnsastes. Faço votos para o completo exito da
Illissão para que viéstes, desejando-vos a victoria
que ha de ser nossa".
(Officialmente, o Batalhão Univ.ersitario se
Iransforma em "14 de Julho").
E o novo commandante:
"Assumo nesta data o commando deste bata-
lhão, ficando dispensado desse serviço o 2.° tenen-
Ie João Garcia de Oli veira, que l'eassumirá as suas
1'1Incções. Determino que assuma o cargo de sub-
commandante desta unidade o Capitão José Gue-
des da Cunha". (5)
O quartel do 8.° está loealisado num predio pu-
hlico e é nelle que se fazem as ligações com a trin-
cheira, por intermedio de cavallarianos. Desde a
tarde de 16 que estes atravessam a cidade num ga-

(5) O Boletim do Bat., n. 3, de 20 de Julho, datado


de Faxina, faria constar: "Do Major José Gan'ia: 1932. Ju-
lho. A 11, seguiu para Jtapetininga. Na mesma data
commandando elemento do 8.° B. C. P. seguiu para Ha-
rare, onde chegou a 12, pela madrugada, retomando as
eslacõe.s da E. F. S. Paulo-Hjo Grande e Harare, que es-
lavam occupadas pelo 3.° esq. do 5.° R. C. D., de Castro,
I'araná. A 14, 6eguiu para Faxina afim de organisar o
Bat. "Faxina". A 16, seguiu para Hararé."
"Do capo .Tosé Guedes da Cunha: 1!J32, Julho. A 11,
seguiu para Hapetininga. Na mesma data, como sub-
comte. do Bat. organisado com elementos' do 8.0 B. C. P.,
.~eguiu pal'a Hararé, onde chegou a 12, pela madrugada,
onde o Bat. retomou as estações da E. F. S. Paulo-Rio
(;I'ande e Harare, que estavam occupadas pelo 3.° esq. do
ri." n. C. D., de Castro, Paraná. A 14 seguiu para Fa-
x i lia como sub-comte. do Bat. "Faxina". A 16, seguiu
P:II":1 Harare, onde assumiu as funcções de sub-comte.deste
Bal. (11 de Julho)."
42 1\ /1 /' (' o li e ri! m e i d a C a m a r g o

II>I)(~suarento, deixando a impressão de que algo


de exlraordinado vae acontecendo além-além.
A 3.a Cia. passa a noite 16-17 naquellc quartel,
de promptidão, e esta palavra, ouvida pela pri-
meira v'ez, possue um timbre sombrio, desconheci-
do. Ü 3.° pelotão parte pela manhã para as trin-
cheiras, onde se combate. Os restantes da 3.a Cia.
seguem mais tarde, visados pela artilheria inimi-
ga. São collocados em linha de fogo, isto é, aguen-
tando a fuzilada inimiga s,cm reagir pela falta de
ordens nesse sentido.
As corridas de cavallarianos se succedem com
mais frequencia, constituindo uma interrogação
dolorosa para as l.a e 2." Cias. de reserva na cida-
de. Um cavallariano mais dramatico atravessa a
frente do quartel do "14" com phrases deste gene-
1'0: "Romperam o flanco tal", "Uma desgraça..."
De se morrer de angustia, ufa!
O dia 18 amanhece carrancudo como convém
Ús coisas sombrias. A artilhcria inimiga, pela ma-
nlt:í, visa o campo d(~ aviação, e, segundo se affir-
mOlI 111:1 is Ia ,'de, o q u a 1'1e I do "14". A cidade está
soffrelldo a IJJ;' pl>lIlaria dos canhõcs. (Pela ma-
(lrugada UIII foguele solt:ldo por adeplos do ini-
migo localisara o call1po da avia(;i"ío - a traição
anda no ar, diz('IJJ. . (~ o resultado foi a artilheria
sobre Itararé. JÚ na vespera, a luz da cidade era
ligada com surpreza gera I).
A 2." Cia., que na vespera se acantonara no
Grupo Escolar Rio Branco, parte Ús 10 horas e to-
ma posições no flanco esquerdo, na primeira li-
nha, ao contrario do que se affirmava, "que era
segunda linha". Os tiros que re0ebeu e trocou com
o inimigo confirmavam a posição: garantir a ar-
tilheria paulista, na 1." linha.
A EPOP2A 43

Combate-se em Itararé.
fi.. 1." Cia., á vista do bombaràeio, sahe para
:IS ruas e a cada estampido seguido de assobio
1:111(,:a-s8por terra. Uma photographia qualquer
Ii!':lda nessa occasião provaria que os soldados
dormem de br,uços, posição incommoda, mas ne-
c,('ssaria.
Espectaculo impressionante, o unico impres-
sionante, esse de um automovel conduzindo uma
senhora que chama pelo filho, pelos filhos, eram
dois. Por cima do automovel, granadas assobian-
do. Um mal-estar aos que assistem a tão arriscado
carinho maternal. Affliccão. Os ensinamentos da
(:ampanha iriam mostrar> que as mães devem ficar
lia retaguarda. Quem iria tomar conta lá de trás,
se as mães paulistas fôssem com os filhos para
o froni? Fiscalizem a retaguarda, mães paulistas.
Combatam-na, se preciso. Mas permittam que os
do fronl imitem de longe a bravura daquellas que
lem que ficar lá para trás, bem para trás. As guer-
ras não se fazem s'em o concurso da retaguarda,
IIlÜes paulistas!
A' hora do almoço o artilheiro inimigo vae al-
moçar e a 1.a Cia. tambem. Alliviada, mas sem ap-
pdite. O cozinheiro, soldado de uma serie de re-
voluções, cstá zombando da tropa: "Quá, quá, quá.
(J,llC dê a fome da meninada? quá, quá, quá".
Partida para as trincheiras. Alguns kilometros
depois, dois ou tres, já se ouvem a matraca e o ca-
Ilhfío bem pertinho. Não ha noção de perigo
110"1.1" despreoccupado. Uma encosta, a ultimaen-
costa, e alguns shrapnels que arrebentam a 100
IlIctros da estrada palmilhada. E' o perigo, dizem.
Ordem para carregar o fuzil (delicioso esse tem-
po em que não se podia matar ou beber agua sem
44 :I Il r (' () (! c :I 1 1Il e i d a C a m a r fi o
------

quc as ordens yiessem!) e um soldado a insistir


cm fazcl-o com o pente em posição vertical, pela
ponta das balas. A situação ainda comporta uma
risada, e ri-se.
Quinze horas, Cavallarianos, jogando com os
ultimas musculos da montaria, distrihuem (agoi-
1'0 jamais perdoado) a noya da desgraça: "Está
tudo perdido". "O inimigo \em ahi". Não era o
inimigo, que viria folgadamente mais tarde, e sim
soldados paulistas que abandonavam as posições:
"São ordens"". E distribuem a munição quc~ ain-
da possucnl aos hOlnens do "11", como se estiV1es-
sem de partida, de licença. Dois officiaes tomam
providencias de momento, para evitar que o aban-
dono se realise totalmente, e um delles, Rodrigucs
Alves, empunha o parabcllum ameaçadoramente.
;\Iuitos \'oltam, Pobre S. Paulo!
AI." Cia. toma posição em campo aberto, ás
pressas, atrás de um ou outro cupim, atrás de um
ou outro palmo de lerra amontoado sabe Deus
como. (E' evidente a confusão reinante do lado
paulista), :'Ilais larde diriam que o "1.1" estava ga-
r~1IIlindo a r('lir~l(la. qlH: It~lrar(~ estava perdida c
com ('lia a vI'rgoldw dos que pnssaram para o ini-
Jlligo Ú custa dI' klll:OS brancos sacudidos, os ven-
dilhões. Nas triuchl'iras. () pl'sso:d da :1." Cia. COlll-
bate a par com a Fon:a I'lIldil'a. SI'II! comida e sem
agua, mais de dia, 3li horas. ).: :1 J.etirada se faz, a
2." Cia, a garantir o recuo dos c:ln!J()('s de Malto
Grosso. São 15,45.
Chorem, senhores da retaguarda, <II1Ca tropa
de Itararé está chorando, os commandantcs, os sol-
dados. Um mixto de odio e pezar. Abriram-se as
portas de S. Paulo, senhores de S. Paulo! Pudes-
sem cllas ser sustentadas com lagrimas...
A EPOPÉA 45

o "Cavalleiro de Itararé" já não é uma figu-


ra lendaria, ameaca das mães ás criancas endia-
bradas, uma qualq'uer coisa com feição do Apoca-
liIJse, e sim urna realidade, tomou forma humana.
E vem ahi, pelas portas. Correi, crianças,..
Itararé cahiu! (6)
O espirito de opprcssão das retiradas, a an-
gustia do abandono, mais o aperto de coração, que
se reflccte escandalosamente nos olhos e no silen-
cio acabrunhador, fazem a retirada de Itararé,
tudo no malfadado 18 de Julho, o decimo da revo-
lução paulista.
A ultima tropa do "H de Julho" leva comsigo
um ou outro fuzil encontrado sem o ferrolho no
theatro-quarlel, um ou outro sacco de mantimen-
to abandonado. Os passaros, quando emigram, só
dcixam o ninho,.. Essa mesma tropa affirmava
horas depois que, á sua passagem pela cidade,
muita cara ostentava satisfação, alegria, por de-
trás dos vidros. . . Era o pessoal do jogo duplo, das
caras duplas.
Ainda se ouvem tiros de artilheria, munição
sem alvo, sem finalidade. Uma vontade de gritar
aos inimigos:
- Nós já sahimos! Agora avancem! A casa é
sua!
Soldados embarcam, peja estrada de ferro.
Soldados seguem para Faxina, pela cstraeb de ro-
dagem. Os primeiros se reunem na estação proxi-
ma, Ibity, distante 6 kilometros, e parte continúa

(G) "Itararé, a invicta, cahia num passe de magia


()
(' adversario mesmo, esbarrava pprplexo ante a facili-
d:td(' do triumpho." ("Palmo a Palmo", Capo A. Bastos,
p:lg. 30). \
4(i i\llrco de /11mcida Camar{JO

viagem. Corre que os soldados vão voltar para


I lararé, não voltaram.
Ao longe, a cidade do infortunio. E os fogos,
lá e acolá, vistos de Ibity, são os unicos lumes da
noite desgraçada. Os olhos prégados naquelle pe-
daço abandonado de terra paulista choram por
pesar, por odio. Uma noite de amarguras em Ibity.
Ha gosto de fel até no ar qne s'e respira.
"Um mujik responde ao Tribunal Criminal:
- Sei lá se amo os dedos de minha mão. Nem
penso nclles. Mas fazei ensaio de m'os cortar e ve-
reis. . . "
De S. Paulo cortaram muito mais. Um braco?
Dois braços? Cuidado com o coração paulista, ~lle
está sangrando, entraram-lhe pelas portas a den-
tro, pelo corpo moço e sadio, e agora vão tentar
revolver-lhe as entranhas, cuidado!

"O General Bertoldo Klinger, Com-


mandante Geral das tropas constitucio-
nalislas, esteve na noite de quinta fei-
ra (21) em visila Ú frenle de Itararé.
POI' df'lcl'luilla<Jío de S. Excia. essa fren-
k foi </Pslocada par:! BuI'Y, afim de me-
lhol'al' as cOIHli<:,ijes eslralegicas para
manobras que es(Úo phll1cjadas e pro-
porciona I' Ús II'0pas 11111<ksl:allço Illere-
cido após varios dias de luta".
(Communieado offieial ,do (lia 22, 11 horas).
~;Yt~
./
Faxina-Itapetininga
til' .\~o"ln.

.
'/

Os gaúchos no Fundlio :11


(''''
A viagem Ibity-Faxina é feita em gondolas e
carros de bagagem. Até a machina vae superlota-
da! Frio de rachar. Ausencia completa de anedo-
ctas, no momento substituidas por lamentações de
todo genero, - uma perna que dóe, uma pisada, o
suor, Itararé. .. E' o comboio dos J eremias.
Madrugada alta, Engenheiro :\flaia, e a machi-
na, que mal andava, pára sem dar socco. Sede e
fome, ao mesmo tempo. Não ha agua na estação, e
o machinista a negar, por neoessidade, mais de 30
canecas, a machina quasi sécca. Depois se espre-
guiça, lenta, desacoroçoada, e vae numa lenga-
lenga de andar cansado. Noutros tempos se diria
qlle era volLa de farra nocturna. A noite é um ne-
voeiro ,de abatimento, a pior talvez, no genero, das
qll\~ n "14" passaria na campanha mal começada.
Agora é manhãzinha e o trem joga o desani-
11111 Iwm em cima da estação de Faxina, kilometro
::10 d:1 Sorocabana. Está chegando tropa de S. Pau-
lo, hombeiros, o batalhão "Borba Gato", um car-
I'() dlcio de armamento e munição, e ha promessa
dI' s:lln'cs c novos fuzis.
IH dc Julho. O "14", completo, em marcha
pll r:l a cidade, distante da estação tr'es kilometros.
f\ IIlardla do slIor e do prégo. Já se avista Faxina,
() P()Vo 11:1(~nt r<lda da cidade. Como apresentar-se
IIC'I'IIIII(' e:ll(', a tropa que guardava as portas de S.
50 AIlI'eo de .4lmeida Camargo

Paulo? E' preciso disfarçar o abaUmento, não im-


prc~)sionar mal aquclla gente que está desejando
!)();Js-villdas ao lJaLalhão, braços para o ar. Uma
canção guerreira, uma marcha por exemplo, e o
"14" que entra Faxina a dentro á custa da Canção
do Soldado, cantada seguramente llrnas dez vezes.
Povo por todos os lados, vivas, oS. Paulo do dia
14 em miniatura. Ahi Faxina! As pessoas mais
idosas espiam a tropa e mal disfarçam a pl'eoc-
0upação de espirito peculiar aos que sabem da im-
portaneia c sigllificação de uma retirada de tan-
tos kilometros,
Recepção-almoço offerecido pela cidade na
Eseola N onnal. N ormalistas a postos, um encan-
to. Carclapio monumental. Discurso do juiz da
Comarca, gratos. A' vontade, e é um comer bru-
lal, lllIl mastigar alto e inconveniente, Só então {~
q 11(~ o "H", In<'1o observador de selnpre, nota se-
1"'111 hOl1itas todas as JlorIna1islas que estão servin-
~;()Idado pergunta ao padre presente
do o ('a 1'(',, t 1111
se a igl'l.ja ('ollsic!cra pcecado o gesto de roubar
cal1('('as dc IIHH'aS ))ollitas, N~Io é, As nl0cas estão
COIlI as III:IOS v;'lsias, aÍlal1:ll1do-sc por cau;a dos ci-
garros, a sOl'rir. I': as ('alln:as rOralll para as mo-
chilas. O padl"(~ Orr,'rl'('" a ('aS;I, UJIl banheiro, toa-
lha e sabão, a qUI:III o quizcl', Fa;.o; o mesmo o juiz.
A cidade está disposta a I:Iv:lr () pÚ de lLararé, uma
faxina. Os apostolos sc Cnll'IHkm admiravehnen-
te, Besultado: os soldados de S, Paulo vão para o
Theatro S. Pedra, novo quartel. Descansa-se do
almoço, nas frizas, No palco, "1 am delicious; uma
mm1ia. Um passeio por uma cidade 1illlIJa, bonita,
cheinha de normalistas, vira a cabeça de qualqu2r
solclado, <Iue passa a considerar-se general. Os ge-
neraes cllmprimentam a todos e tuclo, estão con-
A 51

vencidos de ter conquistado Faxina graças á for-


ça e á estraucgia. Ainda não ha ordem prohihitiva
da venda de alcool, - esquecimento do comman-
do, - e s6 o cervcj as que se exgotam geladinhas.
Um paraizo authentico essa Faxina hospitaleira.
Em cada janella um anjo e olhares meigos por
toda parte. Xo bar situado uo largo da "igreja, mn
anj o de barbas pagava cervej a!

A vida do "1.1" em Faxina. ::VIissa campal can-


tada dia 20 e um rythmo musical guerreiro que ja-
mais sahiri3 dos ouvidos. O p3dre officiante aben-
çoa os soldados, discursa um hymno (k fé na vi-
daria e declara pertencer á diocese de... e "de
então eln diante ao "l/I", ao qual acompanharia
pela campanha afÓra, em qualquer rincào, dentro
de S. Paulo". Dois professores de Direito, em vi-
sita aos estudantes, tambem falam em nome da Fa-
culdade. Um delles haveria de, com grande assi-
duidade, acompanhar passo a passo a vida do ba-
l:t lhão, onde só tinha amigos. Discursos feitos, dis-
clIrsos agradecidos. Todos quites e impressionados
com o juramento de fé e de honra feito pelo ora-
dor academico.
Sem noticias do inimigo. Plantões, guardas,
pall'lllhas permanentes nas eslradas de rodagem,
I)('qllenas trincheiras, ,um treino.
Um dia, bumba! Tropa que toma posições, tro-
pa qlle se acantona perto da estação. (7) Parte do
"'.1 ", depois de um longo vac-e-vem por descidas e
slIhidas, fica co11ocado em trincheiras.

(7) "Nesta data, por determinação superior, locali-


';f)IIS" ('stc' batalhão, em postos avançados na frente sul
de' li:1\ i11:1,guarnecendo a Estrada de Ferro Soroeaba'na."
(1\01. clCI I\al. 11, 4, de 21 de Julho).
52 .1 rI I' c u d e A 1m c i d a C a m a r!J o

Faxina se esvaisava aos poucos, desde a che-


gada (10 batalhão. Agora, então, com maior inten-
sidade, E os retirantes a perguntar aos soldados se
não haveria perigo em Ttapetininga!",
N em todo batalhão reoebe fuzis novos. Que
brilho, um fuzil novo! Um caminhão particular
chega de S. Paulo abarrotado de j ornaes, chocola-
tes e cache-cols, qne são novidade. Um automovel
distribue ovos cozidos.

Aquelle homem alto é o Coronel Klingelhoe-


fer, grandes bigodes, botas cobrindo os joelhos, um
genllcman fardado. E' o commandante do Sector.
O Coronel passeia pelo caminho que liga o
P. C. aos soldados acan tonados. Impertubavel,
como impertubavcl estaria o seu porte na longa se-
rie de combates por elle dirigidos sempre de pé,
no p, C., na trincheira, ou ainda no mais entranha-
do e exposto lugar. Um soldado que não se aga-
cha.
Conlalll qlle () Coronel Klingclhocfer, Christia-
no Klillgelhodl'l', pel'l(,II('(~ll Ú Legião Estrangeira,
no Mm'l'()('os, olld(~ 1'.llI'goll a eapitão. Que?! Então
os bellos higoÜes ,i:', ('lIl'l'ilar:!l1I () Mar'l'ocos que f.ez
a gloria dos Lyallky'! I'ol,,'('s rebeldes marroqui-
nos! A guerra ellrOp(':;l r(~I-o CoroneL Continencia
ao Coronel dos Alliados, soldados paulistas!
Unl insinuunl e con V('I'sa do 1', 11m animador,
.esse genlleman que COlllhalia com ,</ capacete tra-
zido da grande guerra:
-- - V ocês são meninos, soldados sem experien-
cia. Não interpretem a nossa rcLirada de Itararé
como derrota. No Marne os alliados tambem re-
cuaram, e muito; porém o bastante para, em no-
vas posições cuidadosamente estudadas, fazerem a
E/'()/'(iA 53

1'('sislel1eia, a offensiva. Depois do 1\larne, a victo-


ri:l. Um jogo militar, meuinos.
1':lle está de pé, vertical. Uma vontade geral de
)I:I~;sar a mão sobre aque11c peito eoroado de ban-
(h'ir:ls, as bandeiras das nações ao lado das ({uaes
(' pelas qllaes se batera.
Ai d o inimigo, se lhe visse no 21 de Julho os
IJigodcs eriçados, a e11e, que luta de pé!

Dia 21, bumba! O inimigo está perto, - espa-


IIIal11. Troca de tiros e a cxplicac;ilo tardia de ({ue
:;(' Iratava do cl1contro de uma patrulha do "14"
('0111 outra da Força Publica. Pequena confusão.
1\ do "14" não conhecia a senha, que não lhe fôra
dada, e quasi s'e perde. Uma ordem apressada, to-
dos prevenidos. Outra ordem apressada, todos
p:lI'a a estação. Tiros aprcssadissimos ao longe,
"lllh:\l'<Jue para Itapetininga. (8)
Mais uma vez se fazia de mão beijada (exces-
::i\'a p1'o(ligalidade paulista) um 11l"2Sente regia, ---
('1':1 Faxina. Pobres faxinenses paulistas!
()
"11 de Julho" viaj a novamente, desta vez
,'0111 :Ircs de tOlll'iste rico, á vontade. Casinhas hu-
Illild('s, aqui e alli, enfeitam pohrcmcnte campos
::('111 ('lllIlIl'a. E11as parecem perguntar ao trem li-
I:,'im, d('lltro do abandono em que vivem e osten-
111111,'111t' gll erra é essa de correr para IrÚs, abando-
1IIIIIdo IlIdo, até cIlas?
()
halalhão está chegando a Itapctininga, re-
1",,:;,,"la<loÚ somhra dos carros de L" classe da Es-

(K)
"!\ 21, por determinação superior, embarcou em
1,'lId"". "01" ",'stillO a Itnpetininga, onde chegou a 22,
(11'11111011"11"" li(' 111) pl'('dio da Escola Normal," (BoI. do
1\111. li, :1\,
..1 Il l' e o d e A 1m e i d a C a m a r ,q o

Irada de Ferro Sorocabana, do Governo do Es-


lado.

Os jornaes já tinham puhlicado a seguinte his-


toria mysteriosa:
"O Coronel é um severo cumpridor dos seus
deveres e sabe como poucos dar solução rapida e
adequada aos compromissos que assume, perante
Pedra ou Paulo, em Tombouctou ou na Laponia,
com gregos ou troianos. Da vez pres'cnte o compro-
misso é com Tróia, c, tratando-se de Tróia, os troia-
nos estão de armas nas mãos.
Para ir a Tróia e tomar partido na luta é indis-
pensavel, em primeiro lugar, sahir da cidade que
não se pcrturba com tão pouca coisa (ora os troia-
nos! diz ella) e continúa a viver a mesma intensi-
,dade de luz, como um grande e impcrtubavcl pha-
rol perennemente acceso, quer as alegrias ou as
adversidades lhe vivam á volta. E' que os pharóes
são immutaveis na sua grandeza, desde que lhe não
toquem directamente a pelle, rezam as chronicas
de Alexandria, da sabia Alexandria.
O Coronel tem mais de 60 annos c os seus ca-
bellos são brancos. Os musculos adquiridos na mo-
cidade ainda vigoram no regimen de vida metho-
dica de quem lê e dorme com o relogio na frente,
ás Ü 1/2 banho frio. 60 annos cheio de horarios
cumpridos á risca conservam um corpo firme, um
homem finnc. Tróia precisa de gente desse feitio,
ellc o sabe, e quer partir.
() Coronel, morador em A, precisa inadiavel-
11\(~ntc cumprir uma obrigação em B, distante de
j\ ;1 di:,tancia K. Qual o caminho a seguir?
Com? se trata de uma avcntura, seja o mar
A EPOP"&A

o cumplice. '';''0<1as as aventuras da vida dos povos


foram feitas á custa de remos e, quando a terra
está em guerra e a época é de "frio, o mar se enco-
lhe com pequenos arrepios, são as ondas curtas. E
lançou-se ao mar, num diminuto monstro de ma-
deira, remos noite e dia, o Coronel, bom amigo.

(Levanta.-te e vae á grande cidade. . .


Ao mesmo tempo preparou o Senhor
um grande peixe que enguliu a Jonas, e
Jonas estava no ventre do peixe. . .
Então o Senhor mandou ao peixe, c
o peixe vomitou a Jonas na praia. Bib.
J onas, I, II) .

A praia cobiçada, o Cruzeiro attonito... Sa-


bem os nossos leitores o que a eonstellação pre-
senciou?
- Um homem que sahe das aguas e finca o
remo na areia hospitaleira, e qual novo bandei-
rante, lança o grita das conquistas:
"Glorias e victorias para S. Paulo."
Sentado na areia, um padre escrevendo ver-
S(IS. Elle parte ao encontro do desconhecido, apon-
l:t pa ra a serra distan te o dedo magro:
"Marte não gosta das praias. A serra é alli, de-
JHlis {~a minha Piratininga, onde Marte se di-
\' I 'I' I ('. . . "
()
Coronel marcha para a serra. Um outro pa-
01)'(' :tlli o aguardava e o adverte:
"llldo eu subindo com meu companheiro o
IlIcio (I<-sla serra, nos divertia hUl11 estrondo es-
Il'lIordill:trio, (~desusado, do mais intimo della. Pa-
I'ct'ill IIOS IJIII' ollvi,lIllOS o grande boaLo de muitas
fili 1 [T'eo de Almeida Camúl'yn
--- ---- - ~~---,-
pc(;as de artelherla juntas, que pelas quebradas
dos montes fazia o som m&is medonho. (9).
"OlJrigauo, padre Simão, é o que procuro, o
barulho. "
A serra de Paranapiacaba ficou conhecendo
num só salto o foh:~go de um 60 annos firme. Eis o
planalto!
Os campos do Sul, do 'l~<1raré ao Paranapane-
ma, bem que se encheram .;om 7 letras em linha de
fogo

TABORDA

Era o tempo dos monstros marinhos, prezados


senhores leitores." (10)

---
(9) Chronica da Companhia de Jesus, padre Simão
de Vasconcellos.
(10) "o.. tendo sahido do Rio em canôa, tendo de-
pois fcito parte do percurso a pé, pelo litoral, chegando
a São Paulo exhaustos e maltrapilhos. Esses officíae,s são
os seguintes, coronel da artilheria llrasilio Taborda, pri-
meir06-tenentes João Angelo Gomes Ribe,iro e Orsini de
Araujo Coriolano e o ciyil dr. Mario Machado Bittencourt."
A EPOPEA
~

Itapetininga, Comarca, Delegacia


Regional, Inspedoria de Ensino, Escola
Normal, Quartel do 8.° Batalhão, Offici-
na da Sorocabana, uma serie de prcdios
publicos, séde disto, séde daquillo. Por
aqu' .mdou governo camarada. Popula-
çãoJo Municipio 25.000. Kilometro 202
da E. F. S.
Itape: pedra, lage. Tininga: secco.
Itapetininga: Lage secca.

o trem do "14" encontra muita tropa no lar-


go amplo da estação. V oluntarios e wldados re-
gulares, espiando-se. Examinam-se as caras, os
physicos, alguns olh~Hes mais arrojados alcançam
os cantis. A manhã -está fria, pedem um golinho.
O cheiro não engana, - é pinga.
- Em Itararé descobri uma bôa!. .. Lambe os
labios, offerece cigarro e fogo, é a retribuiç'io.
Para o quartel do 8.°, grande, com uma parte
por terminar. Já ha tropa aIli, uma de voluntarios,
o "Borba Gato" que tambem acaba de chegar e que
faria mais tarde o commando do Sector orgulhar-
se de semelhantes commandados. O "14" parte
para a Escola Normal, predio volumoso pertencen-
te a um grupo de tres outros, dos quaes é o maior,
o oentral. O Coronel Taborda faria alli, posterior-
mel,te, o seu quartel-general. Um predio predesti-
nado. Os mais supersticiosos (todo soldado é su-
persticioso) jamais perdoariam essa simples coin-
cidencia.
Lstão installando a cozinha no pateo e um fre-
]]('si percorre a tropa, - são as gorduras que vão
chegar. Toma-se um trago. Os cantis deram uma
volta completa e estão vasios, ao contrario do con-
,\ 11r I' () d,' ,t I m (' i ri a C a 11111r g o

10 francez, a historia in\'crosimil de um cacho de


lI\'as qu(' percorre inlal'lo toda uma familia, de
In:io l'm 111<10,:\'os crJlltos hrasikiros os cantis vi'io
de IJOcca cm bon'a, Agora, trata dc {'sperar o almo-
(:0, estoJJlilgo insatisfeito, miseravel preoccllpa\~ão
de todos os momentos, FUl1la-se para distr,lhil-o,
para conservar a tCJJlI)('ralura daquclIa ])('hidazi-
n!;a quc o eslÚ qu('in1aI1<lo gosto~mml'nte. Cma pi-
lheria, esses canlis! Se o frio niio resiste ao calor,
qllanlo mais o cslolllago, as yisccras! A fome sc
prolonga pelo olhar alL~ os call1toi['()cs, Os I~OÚ-
nheiros ganham cigarros a lIwlIcl1cias, são 11
horas,
Sll'io dia, quartel impedido. Soldados quc dor-
n1<'m ('1l1 cima de lonas csll'ndidas pelo cl1:lo. Es-
cala de sCl'vico, Aut0l110\'I'i;; de S, Paulo em visi-
Ia, :\'() palco' 1111\photogl'apho cobra (i8000 o gl'u-
pll, J() po;;lacs, Milito caro, lk~ixol\ por cinco.
:\';'10 S(' salH' no certo como consl'glliram sahir
o;, sold;,dl),s Ijll(' ('sl:,o d(' \'(dla,
() 1)('s;;:):1I do mcu pclo-
i\ ;;:!!Iida ('Osq.(r(Odo,
1:'rI) Ijlll' 11;'!t1 1'('1'('1)('11 fllí:is 110"'OS ('li! í<':lxina I'('SOlVI~lI
IOll!al-os :10 "'I\ol'hn (;alo", aqllal'klado no R,o, En-
IrÚn1fls Ijual'kl a d('III;-o, ('0111 firlll('za, COl\lO se es-
()s fuzis l'sll1\',un (,l1sa-
li'''l'~;sl'l\lOS ('111 IIOSS;I ('asa,
ril!lUdos 110 pnko {~jul1to dclles ('O 11oeÚ 111os os
110SS0S, na 111CSl11a posj(:;1o, par aliei os , (inco nÚ-
nutos depois o nosso ('onll11l1ndanle i111P]'O\'isado
ordena "Desensarilltar arlllas!", Cahimos então
sobre o ilrnlal1lCnto do "Hurha Galu", c, scm I10','J-
dade:i, eslamos de volta. CI1S fuzis formidaveis,
estes!

o novo cOl11l1landante do Seclor é o Coronel


Brllsilio Tabonla" Ilue recebe o commando do (0-
59

ronel1\iingcllJoefer, (11) A h!sloria da luta no se-


dor ~;oL () sell commando faria delle o seu herÓe, a
I'igura central, o campeão,
O Coronel, Bom-h lIlllor:
"S<~.ia desiIl(~orjJorado t~ entregu<~ o pimpolho
Ú mãe," (12)
O Coronel, l\IÚo-hlllllor:
"Os chefcs dt, ser\'i<:o tem auloridade para im-
por ca~;ligos, Um cmÍl'. de I'on:ns <'m opera<,'ões nuo
póde pnder tcnl])() com cssas milldesas." (13).
O Coronel, Coronel:
"lIa grande prejuizo cnl tinu'-sr' lllll hOlllem .da
frcn[e para servil,~oS da retnguanla. De\'(~ haver em
S. Paulo muita gente em condições.". lI)
O "11 de .J[ilho" considerou-o sem pre o seu
lnelhor ~llnigo, "Os mcus qucridos rapazcs", dirÚ
frcqllcn(('nlCnle o Coroncl Taborda, Quanta vcz
não demorou o seu pensamento no halalhÜo can-
sado,e"hausto quasi, que elle mcslllo reconhecia
necessario repousar um pouco! A presença do ba-
talhão na linha de fren((', porém, se impunha como
"uma garantia <~um estimulo Ús tropas JnellOS

(11) "nt'cí'iJia o cOm]n:tnl]o d:]s mãos do \'oronp]


Chri sli:]l1o KI i 111-(('IIIO('['CI', ('x !)(']' i I1H'11lado mi] il ar qUl' COI11-
mandara iJatalh:lo na (;]':]IHIl' GUPlTa e ('.uja sitlJar::lo po-
litico-socia] e :I]JP:'J'I']]('ia al'islocratica, lI:lO lhl' haviam na
paz assPl-(lli'ado gral1dps s~'mp:ilhias ria Forc;a Puhlica Es-
la(]ua!. Sl'US ('o]lhl'cÜIICulos adquiridos lia l'seu!a de
gUl'I'J'a fl':IIl('l'za l' attingindo ao :ulI]Jilo do regimcnto,
,'I':UlI di' moldl' a indical-o p']]'a um magnifico cDlnman-
danll' dI' dpst:)('a!llenlo. SlIa 1>1'a"lIl':1 JH'ssoa1, "eu sloicis-
]110 lia dl'sfortul1a ]110Il1l'nlal1l"], fizl'ram-l1o crl'dor do !'l'S-
pl.ilo gl'1':1I, ,," ("I':dll1o a Palmo", Cap. A. Bastos, pg. 33).
(12) Bo1ptim n. ;;;; do Q. G.
(13) BoJl'!im n. 5K do Q. G.
(1'1) Bo]l'!im 11. 2:J do Q. G.
fill :\ II l' (' () ri e ill111 e i d a C a 111a r g o

adt'xlr:tdas". Qnanta vez o "1,1" mal caminha! Mas


(I sÚ appeIlo do Coronel tem um poder magico,
IIllIa qualquer coisa qne faz levantar o animo dos
soldados, que revigora os musculos dos "meus ra-
pazes". A's vossas ordens, Campeão!

Assim organizado o Q. G. do Sector Sul, a 21


de Julho:
Commandante, Coronel Brasilio Taborda;
Chefe do Estado Maior, Coronel Christiano Klin-
gelhoefer; Chefe da 1." S'ecçuo, Capo Manoel Cal-
das Braga; Chefe da 2." e :L" Sccção, Cal). Americo
Gonçalves Ferreira; Chefe do Servi<;~o do Material
Bellico e Abastecimento, Major Eloy de Souza Mei-
relles. (15)
"Em uma composição ela Estrada de Ferro So-
rocabana, dcslol:ou-sC este Q. G., Ús 4 horas da
manhã, com destino Ú estação de Bury, onde che-
gou ás 2;\ horas c 15 minutos, estacionando na re-
ferida composição." (lG)
"Ficam constituindo o Sector Sul deste des-
tacamento os corpos abaixo:
8.° B. C. Paulista, dividido em 2 batalhões, sob
o commando dos Capo João Hoelrigucs Bio e Hoelri-
glles Alves; Bt1. "14 de .Ttdho", sob o commando do
.Major José Gan~ia; Bateria Mixla, conunanel:mte
Capo Valença; 13t1. "Barba Gato", commandante
Capo I3enedido i\Iario da Silva; Esquadrão de Ca-
"aliaria da F. PllhliLa, LOIllmalH}anle Capo Sebas-
--,-~~--
(I ii) Soffreria Illodifica(:Ôes. Por exemplo, quando
CI'!. 1\lingelhocfpr seguiu para a frente, em opera(;ões, a
".1
d" Agoslo. passou a responder pelas funcções de Chefe
do )';sl'l(lo :\laior, () Capo Joaquim Alves Basto",
(((j) BoI. n. 1 do Q. G.
A EPOPÉll.. Gi

tião Amaral; Bateria da Força Publica, comman-


dante Capo Laercio GOI1C:alves de Oliveira." (17)
(Outros effedivos de voluntarios vieram mais
tarde, bem assim elementos do 6.° e do 7.° B. C. P.
e o 4.° R, L, que se manteve no Sul pouco tempo,
e o batalhão "Taunay", de Malto Grosso, o qual
chegaria a Itapetininga em Setembro, dia 13) .

A noite chega carregada de noticias. Em to-


dos os cantos gritam: "a Marinha adheriu, pes-
soal!" (18)
A imaginação vê o "São Paulo" fundeando
festivamente no porto de Santos, batendo o pen-
dão do Almirantado, ao vento! Sem bloqueios. o
abastecimento de marterial de gu,erra se faria fol-
gadamente. Meia guerra ganha, dizem uns. Li-
quidada a situação, diz o intimo de todos. Homem
decidido o Protogenes! A Marinha! O Custo di o ! O
"São Paulo" em 24! E qucm não se lembra do João
Candido! Já se conversa sobre a batalha naval da
J utlandia.
- Se a marinha adheriu, o Copacabana tam-
bem.
Confronto entre o calibre dos canhões da forta-
leza e os do "São Paulo". Copacabana possue 305,
os que arrehentam os vidros das janellas do bairro.
O couraçado possue o mesmo calibre, uma fartu-
ra de ~05!
-----
(17) BoI. n. i do Q. G.
(18) "Desde hontelJl Ú noite que são correntes as
111)1 idas de que a ~Ial'inha, solidaria com o povo interviria
jllllto Ú ditadura no sentido de fazer cessar a luta, rea-
1j,a lido assim uma missão dipJomatica apoiada nos seus
('IIIII'ac:ados, !lOIS seus cruzadores, nos se.us "destroyer"
("Col'l't'io de S. Paulo", de 23-7).
62 A 11r c o d c A 1m c i d a C a m a r g o

- Com certesa a fortaleza está bombardean-


do o Cattete. . .
A officialidade toda de branco descendo em
Santos, os marinheiros em fórma no convez, o Itai-
vú saudando. .. Com os fuzildros navaes ao lado
de S. Paulo! Em 2,1 elles lutaram á arma branca
no Ipiranga, uns valentes! Os fuzileiros, os classi-
cos torcedores dos palllistas nos jogos Rio-São
Paulo!.. .
Itapetininga tambem recebe a bôa-nova e os
sinos estão badalando alegria. E' noite.
Uma má noticia. Consta que o Coronel Salga-
do falleceu. O filho, soldado do "14", tem ordem
de partir para a Capital. E um irmão, sargento da
F. P. aggregado ao batalhão.
O dia s~gujntc desmente a adhesào da Mari-
nha. Confirmada a morte do Cel. Salgado.
A tropa, que vive a par dos pormenores do
quartcl, V(~11Ia saber que o commandante do bata-
Ihiio vae IOluar banho Da casa do promotor publico
da Conwl'c:!, dI'. Carvalho Pinto, e vae. A tropa
tamhcm 1111('1'sahil', insiste e consegue. Ha uma
turma esperando a sahida do Major daquella casa,
lima curiosidade de verificar um simples habito de
limpcza.

Centro telephonico. Ligações para S. Paulo,


]Jagas nuuestinu.
"E' Mamãe? Como vae?"
"Onde v. está, em Itapetininga? Fazendo o
quê? Vocês vão voltar para S. Paulo? Então está
tudo perdido? Coitado de... Alô, alô!"
"A censura avisa que cortará a ligação caso a
Snra. persista nas perguntas."
"Alô, é v. ? Então adeus, ouviu?"
A EPOPl~A 63
----

Itapctininga. Passeio, Um hotel que vende be-


bidas clandestinamente, Soldados por toda parte.
As igrejas estão cheias. Foi-se o dia 24.

o Coronel T,aborda tem o seu quadel-general


IlUlll trem estacionado ora em Bury, ora em Itape-
tininga. Dia 24, nesta ultima, o "H de Julho" for-
nece a guarda, 12 homens e Ulll sargento, um gru-
po completo do 2.0 pelotão da L" Cia.
O sargento conta ter visto o Commandante,
um homem sympathico, a sorrir para os soldados,
cumprimentando-os. Mentirosos os livros de guer-
ra que apresentam os simples cabos cheios de ran-
cores!... Na guerra paulista a etiqueta conquista
os soldados, O Coronel Taborda é o chefe ideal, o
amigo que sorriu no 24 de Julho. Caracteristico
rios que sabem fazer as guerras com intelligencia,
cOlnmandar mocos sorridentes.
Chega o tre~ blindado e delle se contam ma-
ru vilhas de segurança e efficiencia. Uma surprcza
para o inimigo, adcanta um official. A sua primei-
ra guarnição leva soldados do "14", (19) sob o
commando do Tenente Affonso Negrão. (20)
Pela manhã, as L" e 2." Cias. partem para Ca-
p:"1oBonito, (21) pela estrada de rodagem, em ca-
.--
(19) No 1.0 carro, Atugasmin Mediei Filho, Fernan-
do Penteado Mediei c Tomaz Nunes da Fonseca. No 2.°
":II'J'o, João Junqucira Franco, Serafim Lconi c Aureliano
Nascimento.
()~ Lres primeiros foram transferidos em 4 de Setem-
10 1I,lI'a o auLa-blindado "14 de. Julho".
(20) Quasi no fim da campanha, receberia varias
f,'/'illtl'l1los pelo corpo, em virtude do seu arrojo.
(21) "De ordem superior, embarcou nosta data pela
Itlallh:j I"n IIapcLininga, em auto-caminhões, com destino
C. 1I""j(o. onde chegou ás' 11,30, acantonando-sc no pre-
"di.. d.. (:l'lIpO Escolar." (BoI. do BU. n. 7).
111 ,\ Il /. C () d e it l m e i d a C a m a r g o
.-. -.-,-.---...

Illillh(-)('s, - uma esplendidaestrada, 63 kilome-


lros d c percurso. A 3." Cia. embarca de trem, di-
ZI'II! [llle lambem para Capão Bonito, via Bury,
iksdc que não pudera acompanhar as outras duas
por falta de condllcção adequada.
05 gaÚch05 no Fundão em 31 de Agosto.

TI"i"dll'ir:t paulista em Ta,!uaral Abaixo. 2 de


Olllllhrn. I><.u os ull imos tiros da cam()anha.
Combate de Bury -

Capão Bonito
Em Itapetininga ficam somente os soldados do
"1-1" de guarda ao earro do eommando, e, no mo-
mcnto, incorporados "á guarda pessoal do Coro-
lIel Taborda". Ao escurecer do dia seguinte, um
Ilfficial determina llue os soldados levem até Bu-
I'Y, pela estrada de rodagem, seis caminhões.
- O trem do eommando parte para Bury den-
11'0em pouco. As nossas tropas necessitam .do au-
x ilia dos caminhões, que deverão chegar lã custe
1i que custar. Confio nos senhores, Boa viagem!
Já é noite, quando os caminhões chegam a Ca-
)I:i () Bonito, completam/cnte ás escuras. O com-
(lIandante do "14" impcdc que os mesmos conti-
1111('111a viagem, apesar do aviso de que se tratava
dI' 11111a ordem do commando do Sector, Que os
\TlriC.lllos não chegariam ao destino, a estrada es-
1:1 \':1 sendo batida pelo inimigo. Que, além dos vc-
l,i('II)OS, ellc pcrderia os soldados. Cumpram-se as
IIl'dlollS, os caminhões estão encostados junto ao
(:l'llpO Escolar onde as L" oe 2." Cias. se haviam
illsl:dl:ldo eom o commandante do batalhão.
l\1:ldrugada, e a noticia de que tropa paulista,
"lIlIlpl'!°lrcndendo elementos da 3," Cia. do "14",
I' 1'11('11
ra aJeançar Capão Bonito depois de um vio-
klllo ('ollJlrate em Bury.

1II'pois da retirada de Itararé, o commando


68 Alll'CU dc Almcida Camargo

resolveu fazer uma operação, tendo por eixo


Bury, sob a direcção do Coronel Taborda.
"Essa pequena cidade offerecia no caso, parti-
cular interesse militar. Importante nó de com-
municações, sua posse garantiria uma cabeça de
ponte para além do Apiahy, sobre a via ferrea,
essa localidade marca o inicio da grande campina
ondulada que existe entre o citado Apiahye o Pa-
ranapanema. Para lá, difficuldadcs de terreno,
zonas de malta - segundo a phrase de um adver-
sario morto em combate, "terra de bibocas e de
carrapatos"; para cá, natureza verdadeiramente
acolhedora, - lindos descampados onde apropria
guerra parece menos rude... De par com tudo
isso, Bury se apresenta num desfiladeiro de facil
def eza." (22).
Em Bury se faria a maior resistencia possivel,
CllH['Uanto que o Tte. Coronel Moraes Pinto toman-
do a offcnsiva frente a linha Faxina-Rondinha,
alacaria o inimigo pelo nanco e retaguarda com os
L!íOO hOlllens sol> () seu cOllllllando e apoiados na
urlilheria. (Ess(~ nlovilllenlo não foi feito, o que
fez falhar o plallo e o (~xilo do combate). (23)
A :\./1Cia. do "1,1 (k .IlIlho", que partira pela
estrada dc ferro dwga a Bllry, kilometro 292, ás
17 horas, dcpois de 11111 a parada de duas horas em

(22) "Palmo a Pahllo" ,Cal). Alv<'s Bastos, pago 34.


(23) "Por causas <lue l'seapam ao nosso conheci-
mento, e6sa ordem 'não foi cUlllpl'ida." ("A Revolução
Constitucionalista", Herculano de Carvalho, pg. 155). I utL
". .. Ilem si quer foi esboçado; no dia seguinte" de <
ponto inteiramente

~
diverso do de seu destino, sobre di-
recção diversa da que lho fôra prescripta, o seu comman-
"
dante . "pedia ordens"!..." ("Palmo a Palmo", Capo A.
Bastos, pg. 36).
A EPOPEA lI!!

Victorino Carmillo. InstaUa-se desde logo no Tllea-


tro e na Agencia do Correio. A' noite, parte para
tomar posição, mas volta logo após ter alcançado
as alturas do cemiterio, que fica áesquerda e bem
na frente da cidade. O ;-3.0pelotão parte novamen-
te, desta vez para se col1ocar junto a uma capel-
linha no alto de uma encosta, bem á esquerda da
estação de Bury, posição commandada por um of-
ficial da E. O. da F. Publica, Ruttemberg Rocha,
(2i) o qual dispõe de 12 homens.
Os soldados do "1:1" são coUocados em linha
de fogo, sem trincheira, aguentando a impertinen-
cia de uma chuva fina e fria pela noite toda. E o
commandante Ruttemberg, de dez em dcz minu-
tos: "Moço, não durma não". Dormir, como?! A'
direita, fuzilaria intensa até alcançar a manhã.
Novas ordens, e o pelotão parte ao encontro do
I"l'stante da Cia., com elle embarcando a seguir
para posições em campo aberto. Os soldados são
visados pelo fogo inimigo com insistencia. Onde
(','-;(Úo inimigo, é o que se pergunta, uma vez que
os Iiros não indicam a sua origem. A artilheria
1':1111 ista está trabalhando com vigor. Sabe-se que
o IlIlmero dos contrarios é bastante numeroso, o
<)11(' lIão constitue novidade.
Mais ou menos ás 11 horas, a 3.a Cia., comple-
l:t, volta para as immediações da capellinha, onde
I",rlll:lllcce pouco tempo, pois ao meio dia está de
\,,011:\ para Bury. Depois de muito corre-corre (al-
/',11111:1coisa de extraordinario está acontecendo)
IIOV:lS posições nas redondezas do cemiterio, desta
\'"", 1'111 trincheiras. A tropa está coUocada na
1'1"'11 li- da artilharia, e os tiros que lhe passam pela

( :~,I )
Morreu no dia seguinte, lutando valorosamente.
70 .1l1reo de Almeida Camargo

t;abeça são uma festa, e, não mentindo ao intimo


dos soldados, um prazer para os paulistas comba-
tentes. Onde teriam arranjado tanta munição? O
dia é da artilharia paulista, uma bateria do Regi-
mento Mixto de Matto Grosso.
O "14" combate até ás 18 horas, sahindo feri-
do um soldado. Para a capellinha novamente,
onde ao chegar a 3.a Cia. é recebida por uma fuzi-
laria inesperada e proxima, de uns 80 metros. Or-
dem de voltar, pouco depois. Um vae-e-vem que
enche o tempo em Bury. E, desde a chegada, um
simples café. A tropa está cansada, molhada, com
fome.
Combate-se em Burv dia 26 de Julho, uma luta
encarniçada de lado a lãdo. O inimigo faz avança-
das successivas e os que cahem são substitui dos por
outros, immediatamente. A artilheira paulista faz
maravilhas e é heroica. A fuzilaria que lhe attin-
gc os escudos dão uma sonoridade especial ao ba-
rulho do combate. O trem blindado (ás 14 horas
já tinha entrado cm acc:ão) que o inimigo segura-
mente tomou pelo carro do Commando ou pelo de
munição, avança sikncioso, pesado, para logo ser
cercado por um grosso de soldados, que mal espe-
ravam ser recehidos tão violcntamente. E o blin-
dado faz funccionar as snas armas automaticas,
que ceifam vidas e vidas impiedosamente,e os cor-
pos dos que cahem são a prova do calculo elevado
do morticinio. Ha soldado que se encosta ao trem
fatidico, onde se sente mais garantido, lançando
maldições de desespero. Um chega a desafiar a
guarnição ~m altos brados: "Venham para fóra!"
O blindado está impertubavel, realisando friamen-
te o seu mister. Morre-se facilmente em Bury.
A tropa que não fraqueja (ainda existe quem
A EPOP!?'A 71

abandone as posições) sustenta o fogo até as ulti-


mas horas, meia noite. "O "14 de Julho" teve pe-
lotões que só recuaram quando submergidos pelas
successivas ondas assaltantes..." (25)
A artilharia, desamparada p>ela infantaria,
está na primeira linha atirando com shrapnel a
zero! Quantos tiros? (26) Em Bury se combat.e, e
ha confusão, e ha defecções. O Coronel Klingelhoe-
fer percorrc as trincheiras (k pé, um trabalhador
incansavel. O commandante do Sector, Coronel
Taborda, quc se instalIara na estação, sabe que o
trem do Commando havia partido com as outras
composições (trem sanitario etc.), levando o ma-
terial indispensavel ao momento, e é sobre um map-
pa oommum que .eUe traça .eacompanha, á luz de
vela, o desenrolar do combate. Uma arma automa-
tica atira contra a estação de poucos metros, o Co-
ronel sahe pela janelIa, hem assim os companhei-
ros, chegando a machucar-se numa das pernas.
Uma locomotiva isolada e previamente destacada
é a salvação. N elIa se embarca para Itapetininga.
A retirada sc faz, mantendo a artilheria (alça
a zero!) o inimigo, afoito nos primeiros instantes.
mais á distancia. Em Bury ainda se combate, com-
bate sangvento, corajoso, palmo-a-palmo, dente-a-
dente. Foram-se as victorias faceis, Itararé, Faxi-
na. .. Agora é Bury, a pequena e paulista Bu-
ry. (27)
"Fala Cel. Taborda pt Acabo de chegar de

(25) "Palmo a Palmo", Capo A. Bastos, pg. 36).


(26) Correu mais tarde com visos de verdade. que'
um dos canhões se inutilisara (desgaste do tubo) devido
á quantidade de tiros dados rapidamente.
(2i) Ao redor de Bury, o "14 de Julho" ainda com-
bateria fi 26 de Agosto!
72 Aureo de Almeida Camargo

Bury onde assisti ao espectaculo horrivel da der-


rota pela trahição de uns e pela covardia de ou-
tros 1>t Cerca de dez horas vg hora e meia depois
da partida do general vg começou o ataque mas
aos primeiros tiros o capo Aranha c sua cia. fugi-
ram das trincheiras e desappareceram vg o 13tl.
NIarcilio Franco ficou reduzido á metade ou mc-
nos e o 13t1. "Floriano Peixoto" debandou todo ou
quasi todo pt Os elemcntos que aguentaram o em-
bate ficaram muito reduzidos e o inimigo foi-se in-
filtrando ao .anoitecer pt Novas des,erções se veri-
ficavam cada vez mais e eu acabava de determinar
um retraimento para o outro lado do rio q,uando
de bem perto da estação onde csLavamos vg fomos
alvej ados por uma metralhadora ou F. M. eolloca-
do distancia mais ou lnenos trinta metros e que só
podia ser dos que haviam abandonado as trinchei-
ras ou de inimigo por elles guiados aLrav,és dos lu-
gares de que haviam fugido pt Houve grande nu-
mero de mortos e feridos de ambos os lados pt Es-
tou fatigadissimo e por isso não continuo pt Até
logo pt Taborda." (28)
"Mas, a actuação de flanco (Morwes Pinto), il-
lusoriamente espermla, não se faz sentir; e, essa
operação de Bllry que poderia ter sido para as
nossas armas .um brilhantissimo successo, desfazia-
se melancolicam.ente na perda lamentavel de uma
posição vantajosissima..." (29).

Os soldados do "H de Julho" caminham pela


estrada Bury-Capão Bonito. Cansados, esfomea-
dos, com () peso de lllais uma retirada. São :~5 ki-
(21)) "A Hevolução CO'nstitucionalista", H'. de Car-
valho, pago 15(».
(29) "Palmo a Palmo", Capo A. Bastos, pg. 39..
A EPOPEA 73

lometros de percurso e muitos se deixam ficar pelo


caminho, para só chegar ao d'estino no dia seguin-
te. Os que continuam a viagem pela noite afóra
são soccorridos por um ou outro caminhão envia-
do ao seu encontro. Soldados da 1." e 2." Cias. vão
á procura dos companheiros, chegando a uns 5 ki-
lometros de Bury, sem noticias do inimigo. (30)
Frio muito forte. Chove, e a agua é um allivio para
os gUie combateram na lama.

No grupo escolar, a manhã vem encontrar o


batalhão installado como sardinha em lata, parte
no porão, andando de rastro, parte nas salas do
unico andar. Todos mal installados, ~ é a lei da
guerra.
Chega o restante da 3." Cia. As peripecias do
combate da vespera alcançam o almoço.
O novo quartel é um bom predio, talvez o me-
lhor da cidade, porém mal conservado. (31) No pa-
lco, uma cisterna. Dez metros contados da frente
do predio, uma serie de 10 VV. C. Uma cerca tosca
de arame limita a area do grupo. Atrás deste, a
('asa do preto Domingos, cuja familia seria a la-
valleira particular da tropa, bem assim a cozinhei-
J'a das gallinhas conseguidas sabem os soldados de
ql\l~ maneira.

(30) Se o recúo não foi de ambos os lados nesse


d ia. pelo menos o inimigo evitou e.ntrar na cidade depois
do combate e ainda na manhã de 27. O dr. Antonio da
1':11111:1 que servia como medico de um batalhão, só aban-
d"lIlIlI Buryás 10 horas desse dia, sem ter visto soldados
i IIÍIllÍgos.
(:11) Soffreria uma limpeza parcial mais tarde, quan-
do d:1 inslallação do Hospital da Unidade Mediea Italiana.
7.1 Allrco de Almeida Carnargo

Capão Bonito, séde de Com arca, Dis-


tricto de Paz, Delegacia, Sub-dckgacia,
Correio, estação mais proxima Bury. So-
irocabana. População do municipio
17.000. Servida pela estrada de rodagem
S. Paulo-Paraná.
Primiti vamente collocada como ca-
pella á margem direita do rio S. José ou
Apiahy Mirim, sob a invocação de N. S.
da Conceição. Mais tarde, em 1700 mais
ou menos, foi transf,erida para o lugar
chamado Arraial Velho. Annos depois,
passou-se para o lugar denominado Fre-
guezia Velha, Ú mnrgem direita do Rio
das Almas, com o nome de Paranapane-
ma, onde esteve 60 annos. Em 1850 mu-
dou-se para a localidnde actual. A villa
de Capão Bonito do Paranapanema pas-
sou a denominar-se simplesmente Capão
Bonito.

Domina a cidade a torl'ie da igreja grande, da


qual se clcscortina o mais commum, porque é um
só, dos panoramas da região: campos em terreno
levemente ondulado, um capão de matto alli, ou-
tro mais adiante, - o reino dos carrapatos.
Zona pobre, cidade pobre. Nenhuma cultura,
que a riqueza consiste na criação de animaes de
tropa e gallinhas. Capão Bonito é a melhor forne-
cedora de frangos e ovos do Mercadinho de Pinhei-
ros. Bôa noticia para os soldados.
G,uarda na estrada de Bury. Guarda na estra-
da de Guapiara, que vae á Ribeira. Guarda na es-
(nula Itapetininga-C. Bonito.
A EPOPÉA 75

A cidade, logo após a chegada da tropa de Bu-


ry, é abandonada pelos moradores. Dois dias de-
pois, porém, começam a chegar, aos poucos, com
desconfiança, os pobres retirantes, qure nas fazen-
das onde se haviam homiziado acabavam de exgo-
tal' de vez os poucos recursos de que as mesmas
dispunham. Só num pequeno sitio procuraram
abrigo 27 f amilias .
Oespectaculo do abandono impl'lessiona pelo
pavor que os retirantes apresentam nos menores
gestos, nos passos, nos rostos, E um vasio desola-
dor vae ficando para trás... As familias mais nu-
merosas vão mollemente, arrastando os filhos p€lo
braço, em cima da caheça uma trouxa, talvez pro-
tegendo a unica economia. O chefe, pobre homem,
carrega a sua miseria, que é apropria familia. Pou-
cos os que possuem um porco, uma ou duas galli-
Ilhas, assim mesmo escondidos ao olhar dos
guardas.
Homem retirante, escuta! O soldado do "14"
sabia que aquella trouxa escondia um frango, dois
rl'angos, talvez ovos. Que o teu leitão era carrega-
do embrulhado no cobertor miseravel, nada esca-
p:l va á vigilancia obrigatoria. Saiba, retirante, que
:10 soldado do "14" bastava dolorosamente a tua
111iS(~l'ia, elle não mancharia as mãos mettendo-as
dl'llIl'o da tua pequena reserva, dos teus filhos. O
"'li infortunio tambem lhe tocava, a elle que alli
psl:lva para a defesa dos teus frangos, da tua fami-
lia. () soldado do "14" uma vez ou outra alliviava
11111 'IniBtal, é verdade. Nunca, porém, o teu quin-
1111,isso nunca! Lembra-te sempre, retirante, de
o pão que a tua mulher guardava para os fi-
'1'"'
IIlos roi dado pelo soldado, ao passar.es pelos mo-
,;os dll tua terra. Lembra-te, não para agradeceres
[
7(; L1 II r e o d e ,I 111e i ri a C a 111a r g o

a corriqueira gencrosidadc quc o scntimcnto do


cora~:ão paulist,a ohriga, mas para quc o tenhas
scmprc em mcnte, dc que o soldado quc te defcn-
dia qucria partilhar do teu pcsar, da tua miseria,
queria quc a tua familia tambem o visse sujo, ma-
gro, que o pão se apresentassc como a comida com-
mum, de todos, ligando sentimentos iguacs, qu~
clles cram iguacs - pau listas . E voltaste dois dias
depois, retirantc, e a tua família já agora sorri!

Fartura de laranja por todos os lados, em


qualquer quintal. Arroz, fcijão, carne cnsopada,
farinha. Pão bC111fcito. Agua dc poço. Banhos
pagos no hotcl. Banhos gra tis, são os corrcgos.
Despc-se a gcnte, lava a roupa de baixo e
banha-sc, a seguir. Um hanho frio, gostoso, quasi
dá para nadar. A roupa estÚ enxuta e ch.eia de for-
migas saúvas, as quc vão matar o Brasil. Um sol-
dado eslá lavando o companhciro, fInc é pcsarlo e
tem mcdo de se atolar, á custa de caneeadas da-
gua, no barranco. :\Iuito interesse pela partida de
futcbol, dois times completos. Caneladas á von-
tade, que as perneÜ'as garantem. :~ a 1.
Já é alta noitc, qnando sc dá o alarme C0111-
mUll1, total. Corridas, encontros, ]1Nlgas. Não ha
luz. Uma confnsão dos dcmonios (eram dcmo-
nios) !lessc 2R de .Julho chuvuso e frio. Os zulÚs
cm rcvolta não fariam algazarra scmelhantc. O
eommandantc apparcec, quer saber "o que é
isto?", "onde cstão os commandantcs das Cias.?"
Um soldado conta quc assistiu cm :\Iatto Grosso ao
estourar de uma boiada. "Era assirn InesnlO".
Um dialogo nas trevas.
- Que ha?
-- E' o ventre...
A. EPOPÉA , ~_._' '---
77

- Que ventre, responda?


- Ah, é o conlluandante? A barriga da tropa
desandou, snr. Major.
O flagello se aecentua pela madrugada e a ma-
nhã encontra centenas de caras pallidas, branc,as.
Centenas de soldados na mesma posição da vespe-
ra, olhares supplices, como se fôsse possivel al-
gum auxilio para o mal commum. Se os soldados
estão doentes, inhabitavel vae ficar o quartel. Fi-
cou. As salas, os corredores, as escadas, tudo. Nem
o Egypto mereceu tal castigo, é a guerra. O com-
mando se afoba, o corpo medico coça a cabeça, os
soldados reclamam, querem sarar, s-a-r-a-r! Uns
attribuem ás laranjas, já passadas, outros á comi-
da. Os moradores da cidade garantem que é da
agua, extranhada pelas pessôas que pisam Capão
Bonito pela primeira vez. Mas que depois se acos-
tumam, não adeanta. Se o inimigo soubesse do es-
tado do "14", dominaria a tropa com um simples
bilhete de "rendam-se". Se dominaria!
A' hora do almoço (poucos almoçariam) o
conlluando recebe um telegramma do medico-chefe
do batalhão:

"Molestia não esclarecido.ainda. Per-


manecerei Itapetininga providenciando
medicamentos e outros materiaes. Se-
guirá medico serviço sanitario com de-
sinfectadores. A tropa deve tomar agua
fervida e mudar Ímmediatamcnte de 0.1-
lojamento. E' absolutamente necessario
isolar nosso batalhão para que não trans-
mitta a doença outras tropas. Hontem
seguiu material medico que deve estar
corpo saúde 8.° batalhão."
78 Allrco de illillcitlu CUfIIll/'lIo

A irreverencia de tres estudantes glosa o acolI-


tecimentoem quadrinhas musicadas. O comman-
dante ganha dois versos, o que razoavelmente o
indispõe com os commandados. Bocage faz versos
(tres Bocages) e as risadas que se espalham es-
candalosas, agora dóem os figados.
Os mais fracos baixam ao hospital, partem al-
guns para Itapetininga. A tropa está imprestav.el,
diz a ord.em do dia de cada soldado. Imprestavel
está o quartel, inhabitavel. Mas no dia seguinte o
"14" se apresenta mais sadio, alguns assobiam e
uma Cia.está ahrindo trincheiras a 50 metros do
Grupo-Quartel. Os soldados acreditam que é uma
medida de higiene publica (fazer trincheiras den-
tro de C. Bonito!) para isolar o batalhão segundo
o preceito tclegraphico, talvez um fosso e pontes
elevadiças, qual!
Sabe-se, é quasi official, que o capote do com-
mandante foi furtado, pela manhã, da propria sala
do commando. O indigitado gatuno está sendo fe-
licitado pelo arrojo. O que teria clle feito com o
objecto do furto, ni IIgucm sabc. Ao meio dia o
commandanlc assisle Ú distribuição de comida, di-
rigindo olhares I'uzi Ia 11tes aos soldados enfileira-
dos. E diz palavras imperceptiveis nos labias ner-
vasos. Elle tem razão.

" o .
Mando-te um resumo da vida da nossa
rua, do nosso S. Paulo. Cuidado, meu
filho, muito cuidado com a saúde. Que
Deus te protej a. Viva S. Paulo! Tua
mãe. "
li 79

(Paginas recolhidas da rua da Contribuição)

Aquelle rapaz alegre que percorria o bairro,


despertando a manhã, "Olhe o Estado ", "o Diario ",
partiu para a guerra calçando um par de batinas
"lIlprestadas.
Aquellc outro que distribui a leite, empoleirado
11:\ carrocinha branca, tem somente 10 annos. O ca-
\':\110 foi mandado para a guerra.

o entregador de pão partiu para a guerra.


I\gora o irmãozÜlho faz o serviço, trazendo um
dislindivo bem á mostra, no peito da camisa.
Aquelle chauffeur desordeiro da esquina, do-
111. de um carro fechado, foi para a guerra com o
10',,1'.1c tudo. Elle é casado.
() harbeirinho VicLor parliu logo como bar-
1H'i 1"1}
, Agora só trabalha com o fuzil, - as guer-
/'IIS precisam de Samsões.

Todos os j ornaes publicaram a gréve das 8 co-


I.illllt'iras que (IUeriam cozinhar no front,

Ilolllcm ás 12 horas S. Paulo inteiro cantou


Eu vou, tu vaes, elle vae

A Ill:ie do entregador de pão deixou de com-


1"'111' I"ile para depositar diariamente 600 réis no
/llli,'I,,'1 "Para os nossos soldados". Devido á in-
lIiHI"lH'ia dos vizinhos, resolveu comprar leite para
1111"I'ill'lI;as, mas a carne só aos domingos.
,l /I () ,I I 11l c i d (/
110 /' (' 11 e C a 11l 11 r {J (J

A rua da Contribuição anda cada vez mais


limpa. Os velhos cuidam da agua e as crianças
trazem as yassouras. :\Iontadas é que ellas vêm.
Onde a autoridade paterna?

o menino que nasceu no numero 62 vac cha-


mar-se Bemvindo Paulo Buonfiglio. O pae é Deo-
dato Buonfiglio. O General Klinger foi convidado
para padrinho.

Rendeu dois contos e pouco a subscripção


"Ouro para a Yictoria". A viÚva do numero 23,
que aluga quartos com pensão, vendeu no sêbo
por 40 mil réis uma collecçiio completa de Anatole
France pertencente a um estudante que morreu
no Tunnel, e fez a entrega do dinheiro em nome
dos paes auzentes.

Os meninos niio conseguiram brincar de "es-


tado". Eram 15 mais ou menos disputando entre
si S. Paulo c l\Ia tio Grosso. Mesmo assim can~a-
ram o hymno scm panlr.

As moças do hail'l'o choram o namorado que


não conheciam, :lqllcllc que era estudante e mor-
reu no Tunllcl.
Quem lê o jornal em voz alta é o proprio car-
teiro. Quando Cunha foi tomada, elle soletrou to-
ma-da. E desde então é conhecido por Beau-Geste.
A menina da grita: "Bogé vem vindo!"

Dentro daquella casa bonita mora um moço


bonito, "que não foi criado para as trincheiras" -
diz elle. Os paes dos moços que morreram por
.4. EPOPÉ.4. 81

ideaes, por vergonha, por solidariedade, prccisam


encontral-o face a face. Todos conhecem o moco
fujão, o que deixou morrer um collega, um pare~-
Ic, um amigo, um homem da geração que teve ver-
gonha em 1932. O poltrão!

O povo de S. Paulo, por acclamação, decidiu


q lIC todas as ruas ficassem uma só - rua da Con-
I I'ibuição ,

E' a nossa rua, meu filho, oS. Paulo-Julho-


I~K!2."

Largo da Igrej a, O commandante Moraes Pin-


\41 (:>2) está visivelmente alegre, agitado, sorri e
IlInstra um papel escuro.
- Acabo de receber um telegramma do Cel.
1'.,111'0Dias de Campos, (33) communicando que
1'1'1
cIIIlOU Itararé. Viva S. Paulo!
Os vivas enchem de panico a cidade, os sinos
lI~il:t1ll o ar, dHn-dlon. Dlin-dlon em 30 de Julho é
I~IIIII a "Démos duro", Quanta alegria enganosa
IIH'I'I'CCUo "14" no seu peregrinar pelo Sul, quan-
111J Pararam os sinos. Que diria o inimigo, (com
()
41""111 "14" precisa manter relações falsas e con-
\"'IH'innaes cheias de disfarces) se viesse a saber
dn ,'xercito de vivas e sinos arrebatando-lhe Ita-

(:I~) "O senhor Tenente Coronel Pedro de Moraes


1'11110('ommunicou hoje em officio que, de ordem do se-
01001'Coronel Brasilio Tahorda, commandante das tropas
nlll ol"'ra~'ijcs no sul, este batalhão passa a pertencer ao
111'~"""IIIII('nlo sob seu commando." (BoJ. do Btl. n. 10 de
:til 7).
(:1:1) Parece que em Fartura, na occasião.
82 A II r e (J d e A i li! e i d a C a m a r g o

raré no largo da igreja de Capão Bonito, á custa


de um telegramma mal passado'!!
Agosto, 1.°. Posse do novo commandante do
"14 de Julho", o batalhão em forma no campo de
futebol, vae haver solemnidade, talvez discursos.
Chega o novo chefe, pelo andar e physionomia um
homem severo. E' o Capitão Candido Bravo. Con-
tam que elle enfrentou um commandante da For-
ça Publica, durante a apresentação da officialida-
de, com um "morra" ao improvisado general. O
Capitão declara que assume o commando em ca-
racter provisorio, que o commandanteefectivo é
o Major Heliodoro da n. Marques. (34) Discurso
de cinco minutos. Percorre a tropa com a cabeça
inclinada para a frente, olhos perscruta dores, na
sua postura habitual.

(34) "Sejam commissionados respectivamente nos


postos de. Major e Capitão o Capo Hcliodoro Tenorio da
Rocha Marques e tenente Canrlido Bravo.
Assuma o commando do Ba!. "14 de Julho" o sr.
Major Heliodoro T. H. Masques.
Sejam incluidos no Bat. "14 de Julho" os srs. Major
I:reliodoro T. H. Marques, Capo Candido Bravo e 2.° te-
nente Napoleão José Leite, este ultimo com transferencia
do Carro de Assalto." (1301. do Q. G. n. 5, de 1.0-8).
I

Guapiára
Ribeirão Branco em poder do inimigo. .. Qué-
da de Ribeira. .. (35) E Apiahy?
O 8.° B. C, P. parte para Guapiára ás 13 horas
do dia 2.
Pouco depois chcula em Capão a noticia da
d,'posição do governo federal, espalhada por um
,.ITi<.;ial graduado da Força. A alegria attinge ao
III:lximo, quando se vê um soldado da F. Publica
l:ill(:ar-se sobre um do "14" e beijal-o com effusão.

A' tarde, a l.a Cia. do "14", que na vespera oc-


,'li par'a durante cinco minutos somente uma trin-
..I1('in1 afastada da cidade 2 kilometros, parte,
Jo('olllpanhada de um esquadrão de cavallaria do
,'0111 mandante Amaral, para a região do Fundão,
:;ohf'l~ o rio Paranapitanga. Em caminhões até a
IIlI'ladc do caminho, o restante a pé. Chegada ao
"ld:lJ'(lcccr, Chove á noite, torrencialmente, e a fal-

CI[» "Devia ter um fim diverso do que teve. A pro-


fllll<la bl'llcza com que se manteve inabordavel por quasi
11111111('Z cl'a digna de um desfecho mais bonito". ("Palmo
li ":111111)", Capo A. Bastos, pg. 31).
.. Niio fosse um dos varios actos individuaes que ma-
"111111':1111a nobresa da causa de São Paulo e a dignidade
<111f:ll'lla, (' difficUmente aqllelle passo seria transposto."
( .. 1\ n I'volução Constitucionalista", H. de Carvalho, pg.
I!.I!),
86 A II r e o de 111m e i da Ca m a r g o

ta de pratica e o inesperado da chuva impedem que


a tropa se utilise do panno de harraca. De nada
valem os capões de matto nessas ocasiões. Muito
frio. I
O valle do Paranapitanga é atravessado pela
estrada Capão Bonito-Bury, distando poucos kilo-
metros desta ultima. A tropa está de reserva para
um eventual reforço do flanco esquerdo.

As Cias. restantes, 2.n e 3.a, partem na manhã


seguinte, de caminhão. Chove e as lonas são esten-
didas sobre as cabeças. Mesmo assim, alguns sol-
dados, mal refeitos do enfraquecimento, estão fe-
bris. Um delles vomita desagradavelmente. Até
Guapiára, São José do Guapiára, chuva a valer du-
rante os 35 kilometros do percurso. Uma igrej a
bonita é o que ha na cidadezinha. Noticias de que
o inimigo está perto, uns 12 kilometros, já tendo
cortado a retaguarda da tropa de Apiahy. Conoen-
tração de tropas, alguns corpos. Patrulha do "14"
na estrada da Ribeira. Acompanha as duas Cias.
o Capo Candido Bravo. Noticias de um desastre de
caminhão. OU)
Na manhã seguinte passam tres aviões pau-
listas. Para a linha de frente tcm partido muita
tropa acompanhada de artilhcria. Uma serie de
constas e noticias infundadas enchem o dia.

(36) "Acantonamento cm Guapiara, 3 de Agosto de


1932. Snr.Commandante do Batalhão. No transporte da
ambulancia do Corpo de SaÜde do Batalhão, de Capão
Bonito para esta localidade, o caminhão soffrendo uma
derrapage cahiu em um buraco de 10 meh'os, perdendo
todos os medicamentos e o material, devido á chuva.
Eram passageiros do caminhão guiado pelo dr. M. Soares,
os srs. Durval Carvalho. Orlando Tiani, Eduardo Mesqui-
ta Sampaio e Ismael Caiuby.
.4 EPOPl~.4 87

Uma surpreza estava reservada para o dia 5:


(~apacetes de aço para a tropa combatente. Os sol-
dados assim equipados experimentam novas sen-
sações, julgam-se combatentes da guerra européa.
A viação, artilheria, capacetes. Para ser igual á
(:rande Guerra só faltam os gazes asphyxiantes,
que todos esperam não serão empregados na "luta
de irmãos", pelo menos da parte paulista. Annun-
(~ia-Sie que S. Paulo fabricará dentro em breve
mascaras contra gazes, dahi os capacetes serem fu-
I":Hlos em cima para a sua adaptação, Os capacetes
pesam, mala soldado se acostuma com as oscilla-
(Jies sobre a cabeça, já que é preciso mantel-os fol-
gados, afim de os estilhaços encontrarem fraca re-
sislcncia e resvalarem. Só ha um tamanho, para
as caheças grandes e pequenas, As primeiras não
c,omportam o capacete folgado, o que é uma des-
v:lIltagem. Que faria Ruy Barbosa em Guapiára,
('lIe que ahi está emprestando o nome ao largo da
igr'cja? Dez minutos depois, cada capacete traz um
lIome de mulher, um numero, uma legenda. Um
soldado escreve: "A guerra só me causa horror".
A's 11 horas do dia 6 o 1.0 Pelotão da 2.a Cia.,
soh o commando do 2.° tte, Ataliba Duarte, parte
d(~ Guapiára para a linha de frente, afim de guar-
Ii't'eer o flanco direito, onde permanece até o dia
lI, qando recebe ordem de retirada, Chega a Ca-
pi'. o Bonito dia 12, pela manhã, depois de passar
por Guapiara.
NeslS,e aecidente ficaram feridos, com gravidade, os
:;r,~, Eduardo Mesquita Sampaio e Ismael Caiuby, que fo-
1'11111 I'Ilviados para o Hospital de Prompto Soccorro do
,\)',.)lt'IlCdicto Montrue.aru, em Capão Bonito, e o dI'. Mar-
',',,110 Soares que veio a esta localidade. Os demais todos
('0111 krimentos leves. -- a)M. Soares,"
88 Allreo de Almcida Cumul'go

Um avião sobre Guapiara dia 6, pela manhã.


A's 10 horas, um avião paulista bombardeia, ao
longe. O dia é dos aviões. A's 17 horas, um appa-
relho inimigo bombardeia a tropa com surpreza,
pois os soldados julgavam que elle viéra "adherir",
tal a semceremonia com que voou sobre Guapia-
1'0.,calmamente.
A' noite, 21 horas, o 3.° pelotão da 2.a Cia., sob
o commando do 2.° tte. Milton Bressane, parte para
a linha de fogo, distante 10 kilometros de Guapia-
1'0.,afim de l'eforçar o fIanco esquerdo. Até á ma-
nhã de 11 este pelotão combate. Chega no mesmo
dia a Guapiara e no dia seguinte está em Capão
Bonito, pela manhã. Uma bella estréa para os ca-
pacetes de aço, porque em Guapiára se combateu
valorosamente. E depois de Guapiára:
Carta dirigido. pelo Tenente Coronel MarciliJl
Franco ao commandante do batalhão, data de 13.
- "Snr. Capitão Candido Bravo. E' com a ma-
xima satisfação qnc venho communicar-vos um
episodio que Illuito honra a tropa do "14 de Julho".
Na manhã del1, por ()(:easiii o da retirada de Gua-
piára a... kilomelros daquclla cidade, rcccbi or-
dens do snr. Coronel l\'loraes Pinto, commandante
do Destacamento, para fazer volLar a tropa á Ser-
ra dos Pinheiros para estahelecer l'csistcncia, e,
então, fiz um appeIIo ao patriotismo do elemento
mais proximo que era um pelotão do Batalhão "14
de Julho" e este num beIlo gesto de dignidade mi-
litar, voltou a frente de sua tropa e partiu na di-
recção do inimigo para a posição indicado.. Esse
bom exemplo permittiu a facilidade da volta de
toda a tropa em retirada, para enfrentar o inimi-
go. O pelotão do "14 de Julho" é digno dos melho-
A EPOPÉA 89

res elogios. Com estima e apreço, camarada ami-


go, Marcilio Franco, Tenente Coronel."
E o Boletim .do Batalhão n. lI, de 14 de Agos-
to, traz a r1elação da tropa elogiada. (37)
Dia 7, ás 15.30, bombardeio aerco sobre a tro-
pa do "14", acantonada em Guapiara. Quando os
aviões não hostilizam os paulistas, passam ao lon-
ge, em observação. Raros, entretanto, os momen-
(os em que não são vistos aviões paulistas e inimi-
W>s. Raros os dias em que não ha bombardeio de
parte a parte.
Sob o commando do 2.° tte. Francisco de Pau-
Ia Quarticr, parte dia 8, ás 8 horas, o 2.° pelotão
da 2." Cia. Vae fazer o serviço de segurança da es-
Imda que liga Guapiara a Faxina. Ao longe, arti-
IlIcria e armas automaticas fnnccionando. Em
JlHlrcha novamente, para tomar posição á esquer-
da de elementos do Batalhão Marcilio Franco. Pou-
(:0 adiante, eambate-se com vigor. A's 6 e meia do
dia 10, partida para Monjolado, onde chega ás 12
--
(37) "2.os tenentes Napoleão José Leite e Milton
I:r('s5ane, 1.0 sarg. Tacito de Souza, 2.° sarg. Alberto Silva
;\wvedo, 3.0 sarg. José Albuque.rque de Carvalho, 3.° sar-
'~"lIlo Flavio de Araujo, cabos Milton Queiroz Moraes,
Jorge de Assumpção, Salim Relou, Alcl'ste Schoenaker,
.\ki(lcs Duarte Silva e soldados Raul Soares de l\1e1l0,
\,,'11110 Ribei!'o dos Sanlos, Augusto de Sonza Queiroz, An-
IOllio Vampré, Bernardo Meyer Junior, João Tolosa, Jo.sé
dI' O. Pirajá, l\Iarce1l0 Ribeiro dos Santo;;, Dalstein Epin-
/(II:IIIS, Alceu Nascimento, Cyro Savoy, Ricardo G. Gon-
<,:01\'(,.S, Antonio C. Castro, Benjamin Soares, José :Mendes,
1':oIgal'{l Alencar Matos, Decio Flexa, Fabricio Vampré,
1\i,.lson Silveirn, Carlos Virgilio Savoy, Luiz Fontes Romei-
ro. Darei Ribas, Cados Romen, Antonio Cardoso de Al-
III('ida, Paulo Bnstos Cruz, Alfredo Lazareschi, Vicente de
,\Ioura, Silvio Dias Rebelo e Luciano Nogueira Filho,"
90 AllrC() ele Allllcidu CumarllO

horas, sob o commando do Capo Bravo, e na com-


panhia de um pelotão do Marcilio Franco. Uma se-
rie de monj olos. O inimigo está abrindo trinchei-
ras a uns tres kilometros. A tropa tambem o faz.
A's 10 horas do dia 11, ordem de retirada para Ca-
pão Bonito, via Capella de Santo Antonio, (sobre
o Apiahy Mirim). Chegada a esta ultima no mes-
mo dia, ás 21 horas. A's 6 horas de 13 pros'egue a
marcha, chegando a Capão ás 22.

A 3." Cia., commandada pelo tenente Benedicto


Dourival, parte de Guapiara dia 8, afim de tomar
posições. A 10, deixa as trincheiras com destino á
Capella dos Pintos, onde chega no mesmo dia, ás
23 horas. Dia 11, ás 14 horas, ordem de retirada (já
é conhecida a quéda de Guapiára) com destino á
Capella de Santo Antonio do Apiahy Mirim, onde
chega ás 10 horas do dia seguinte. Dia 14, ás 8 ho-
ras, partida para Capão Bonito.

"E Sicglle-se () abandono de Guapiára peJo Te-


nente Coronel Moracs Pinto, sem causa seria que
o impuzcssc. . ." (:18)

O balanço da jomada de GlIapiára dá o se-


guinte resultado para a maior parte da tropa do
"14": 51 kilol1letl'Os de lIIan.;l1a a pé. São muitos
os soldados que aprcs'cnlam os p{;s sa ngrando, po-
rejando sangue. Não podcl'ito andar tão cedo.
Poucos os feridos. 4 prisionciros. (:IH)

(38) "Palmo a Palmo", pg. 46.


(39) Milton SoareI; Campos, "João Soldado", '\Valter
Penteado Lorenz (fugiu da Ilha das Flores) e o ehauffeur
proprietario de um caminhão de S. Boque, eU,jo nome não
foi conseguido.
A RPOJ>l;'A 91

Dia 14 o Capitão Bravo passa o commando ao


!\'Iajor Heliodoro. (40) O novo cOl1lmflndante é Ulll
dos mais brilhantes officiaes da F. Publica, tendo
tomado parte no levante dc 28 de Abril, A sua
actuação cm Guapiára, como chefc do E. M. do
Destacamento Tenorio, sÓ lhc pÓdc ser clogiosa,
"Exercito Constituéionalista. Sector SuL Ba-
tnlhão "14 de Julho".
Commando do Batalhão.
E' com justificada ufania que passo a com-
mandar o batalhão "14 ele .Tulho".
Constituida por elementos dos mais represen-
tativos da intellectualidadc paulista, esta unidade
lcm sabido conduzir-se á aUura das grandes res-
ponsabilidades que pesam sobre os nossos ombros
110 grave momento que atravessa a nacionalidade
hrasileira,
E' de elementar pl'eccito da sociologia que o
equilibrio social e politico dos povos só pó de ser
mantido mediante o imperio de leis que assegurem
()
livro exercício de todos os direitos do cidadão,
rcguladas convenicntemente as relações cntre go-
vcrnantes e governados, Entretanto, ha perto de
dois annos o Brasil soffre os eft'eitos desaggrega-
dores da politica de recalcamento e suppressão
dess1cs direitos, com a implantação da dictadura
quc, procurando etcrnisar-sc no poder, fez ruir por
tcrra, sem qualquer compensação, o regimen re-
pl't~scntatiyo á cuja sombra se e~crcitavam, embo-

(40) "O sr. l\Iajor Heliodoro T, da Rocha l\Iarques


l'ol1llllunicou haver assumido a 1,1 do corrento o com:'
(lI:indo do btl. "14 de .Jnlho", que lhe foi passado pelo
SI', Capitão Candido Bravo, que lambem communicou a
J'(~spectiva passagem de commanclo." (BoI. do Q. G. n. 26).
92 AlIl'CO de Almeida Camargo

ra com imperfeição, os direitos do cidadão bra-


sileiro.
Precisamos affirmar a nossa existencia poli-
tica, exigindo o restabelecimento do regimen cons-
titucional, com as !Ilodificaçõ:es e aperfeiçoamen-
tos aconselhados pela experiencia e exigidos pela
consciencia nacional.
Assim pensando e assim agindo ha perto de
dois annos, aqui cstou, disposto a fazer todos os sa-
crificios para coordenar os esforços do "14 de .Tu-
lho" pela forma que melhor possa corresponder
aos interesses da grande causa que defendemos e
assegurar a continuidade dos esforços empregados
no commando interino do meu grande amigo e va-
loroso companheiro na preparação e execução dos
movimentos revolucionarias irrompidos em S,
Paulo desde o triumpho da revolução de 1930 a
esta parte, o capitão commissionado Candido
Bravo. "
Missa dia 15, assistida pelo "14 de .Tulha".

A vida da 1." Cia, no Fundiio... Alarmes uma


v.cz ou outra. l>inrinlll('llle pnlrulhas dc ligação,
pela cslradatk Bury, ('0)11 o I)(~stncamenlo Arlin-
do, por intel'lllcdio (k cavallnl'innos soh o C0111man-
do do Tcncntc l'oJ'l'irio.
01.° pcloli:io eslÚ cldJ'illdlcirado Ú margem do
rio Paranapitanga, c os dois I'(~slanles acampados
junto ás trincheiras col\oc:1Clns IlIais alrÚs. O gru-
po de metralhadora tambcm occupa trincheira,
dominando o flanco esquerdo.
Vida de soldado, comida mal feila, constas,
uma ou outra aventura interessante, um cmbrutc-
cimento qne faz o soldado pensar da manhã á noi-
te na alimentação. Uma picada num dos capões de
A EPOPÉA 93

matto, para uma possivellocomoção da M. P. Chu-


va algumas vezes, frio sempre. Commandante da
Cia., 2.° tte. Angelo Bernardelli, que é operado no
nariz dia 14, por um soldado do 1.0 pelotão, com
grande curiosidade para os soldados, quasi uma
festa. (41)
Dia 15 vôa sobre o acampamento um avião ini-
migo, que bombardeia sem resultado. Poucos ki-
lometros adiante, desenrola-se, começado pela ma-
nhã e terminado a noitinha, o combate classifica-
do como" o maior da America do Sul". Mais de
mil tiros de artilheria, muito mais, (42) sobre uma
pequena linha de trincheira . Aviação constante e
crepitar ineterruptn de armas automaticas. Quan-
to custara esse combate para o governo federal?
- pergunta-se. A tropa do "14" esta boquiaberta,
Ú vista do numero de munição gasta. Sabe-se que
a Cia. Hernani, do batalhão "Borba Gato", está em
combate. A' noite, retira-se por falta de munição,
depois de ter calado baioneta para enfrentar o ini-
migo.

"Bom conforto, bom soldado" - dizem os li-


vros da guerra européa. E a só lembrança de 1914
encheu os 18 annos de cobertores, chocolates e sa-
lames: uma vida de suores e gorduras.
A principio, por um luxo das guerras moder-
nas, o radio enchia de amôr villas, campos e trin-
ehciras. Sim, o amôr que o radio levava da reta-

(41) Substituido pelo 2.° te.nente João Garcia de Oli-


veira, não mais voltou a commandar.
(42) "Das oito baterias assignalas em acção, cujos
canhões despejavam projectis a mancheias..." ("Palmo
a Palmo", Capo A. Bastos, pg. 70).
()
94 A 11l' e o d e A 1m e i d li C II 1/1 (I l' fI

guarda para os 18 annos. SÓ então os IX allnOR re-


solveram meditar, cabeças inclinadas -- a IIIcdida
recommendada para localizar IIUIII sÚ lugm' os
pensamentos dispersos pelo corpo, c as scnsaçtics.
Os 18 annos querem pensar, uma VCh quc 115gucr-
ras prohibem o raciocinio. Este seria iJlu LiI, fl'cn Lc
ao inimigo (canhão-fuzil-avião) e talvez provocas-
se o estado-maior a lancar boletim: "O racioeinio
do soldado poupa o iniri'1igo e desmoraliza a gucr-
ra. " Um granadeiro habil é capaz de destruir a ef-
ficiencia de dezenas de pessoas. O granadeiro em
acção raciocina com as .dezenas? Elle pensa nas
granadas e na sua rapida trajectoria, dentro da
qual se definem ou decidem as dez,enas ou as cen-
tenas.
Os 18 annos pensam. O radio é uma arma pe-
rigosa, pÓde facilmente recambiar a guerra para
os ouvidos da retaguarda, gritar-Ihes a guerra que é
feita de gritos de ferros e de peitos, um inferno
de estalos ede ais. Os 18 annos ficaram conhe-
cendo o mundo c sabcm que a guerra lá para trás
é mais inLcllsa, cxclusivamcnte humana, humanis-
sima, sc possivel; (lUe um consolo-carinho-amôr
irradiado para o fronl custa lagrimas, significa ap-
prehensões da distancia; que uma casa tem os ali-
cerces no ar e uma desgraça (como classificar a
desgraça?) recanbiada póde desmoronal-a. Os 18
annos sabem disso. Que um arroz é consumido aos
suspiros e entre duvidas e pergunLas intimas, ás
vezes manikstadas numa explosão tremenda, se-
guida de um degelo de emoções: "e elles come-
rão?" Os 18 annos tapam os ouvidos, temem ouvir
a casa e o "elles comerão?". EUes não querem des-
moronar a casa, os 18 annos desprezam o radio,
(perdoae, retaguarda!) a pureza de um 18 annos
11 BPOPJ~A 95

não merece ouvir a outra guerra, a humana, a hu-


manissima, a irradiação da casa. E, ao mesmo
tempo, teme que a casa o ouça, a elle, á guerra.
Só o silencio, só o silencio, só o silencio!. . .
Sucoodeu então o lIue ninguem esperava: as
casas ficaram mudas, mudos ficaram o front e a
retaguarda. A guerra do silencio começava. Era
a segunda de uma sÓ campanha.

"De ordcm da Chefia Suprema fi-


cam terminantemente prohibidas as ir-
radiações para o front, sendo que já fo-
ram tomadas providencias no sentido de
evitar que o {ront tambem se commu-
nique com a retaguarda da mesma for-
ma. Estabelecida a censura telcgraphi-
ca e postal.
A vanguarda tem que viver o fronl
e o f ront é a guerra".
I

"O Allemão"
Combate da
Região da Ba]sa
As duas Cias. dó "14", 2." e 3.R, que se encon-
Iravam em Capão Bonito desde a volta de Gua-
piara, partcm ao encontro da 1.", no Fundão. Pela
pl'illlcira vez, depois de Itararé, o batalhão se
"!'lIIIC para combater completo, fazer a gu.erra
IIllido. O "14" integral é um desafio. Attenção,
illillligos!
(:alllanl<lagem, narrações de aventuras passa-
das, he'.:ls c mÚs noticias, estas em maior nume-
1'0, Apesar da longa separação, os soldados se
S('III('III Ú vontade, como irmãos que, tendo nasci-
do lia IIICSlna casa, palpitarn ao IneSIllO carinho,
Ús IIH'SllIaS sensacões. Unido o batalhão, mais
SIIII\'(' lhe scrá a guerra, porque reparti.das serão
IIS dol'cs, os maiores pesares. Porventura a ale-
g.-ia ('.I'csça tambem para ser dividida. Quem
slllH' I. . .
\' oalll sobre a tropa dois aviões inimigos. Os
soldados se abrigam pressurosos nos capões de
IlIallo mais ao alcance. Continuam a vôar, desta
V('Z CIII observação, os má os amigos dos bons sol-
dados. .JÚ estão longe.
l'al'lida do "11", marcha de uns 8 kilomctros.
Sol,!' ('IIl;os!a, desce encosta, quanta encosta! A
II'O!,II dH'gll Ús "nussas antigas posições, em cuja
100 AlIrco de A.lmcida Cama.rgo

linha existia uma fazendola conhecida entre os


soldados pela "casa do allemão". (43).
O "Allemão".
A estrada Capão Bonito-Bury, pouco antes de
chegar a esta ultima, atravessa e desce uma pe-
quena encosta, na baixada da qual se encontra
bem para a direita uma casa de madeira. Nos fun-
dos da habitação, cuj a frente dá para a estrada,
começa um pequeno morro coberto de malta. A'
esquerda da estrada, já descendo a encosta, o ter-
reno se apresenta mais accidentado e coberto de
malta. Para a frente, até Bury, terreno levemen-
te ondulado. Samambaias bravas por todos os
lados. Um oceano! As trincheiras paulistas fi-
carão na encosta, que domina a pequena baixada
com vantagens. O P. C. está installado em casa
de barro, pertencente a um allemão, á esquerda
da estrada, num lugar visivel e absolutamente do-
minado pelo inimigo. Com effeito!
O destacamento, composto do "14 de Julho",
batalhão Arlindo, batalhão Pirassununga e por
duas Cias. da Legião Negra, (44) é commandado
pelo major ~r]ind() ri" Oliveira. cuja fama é co-
nhecida da tropa. (45).

O command:\Ilte Arlindo de Olh'.eira (46) é o


soldado para as guerras nacionacs. Official-capi-

(43) "Palmo a Pnlmo", Capo A. Bnslos, pg. 83).


(44) Dentre os soldados tia Legiãu Negra, uma
mulher-soldado!
(45) "O ~Iajor Arlindo de Oliveira, ela F. P., tenta
e consegue reconquistar Victorino Carmillo, e a 5 de
Agosto as nossas tropas estão de posse daquella e.stação."
(u.'\. Revol. Constitucionalista, H. de Carvalho, pg. 163).
(46) "Confurme telegramma n. 410, desta data, o
Cel. Comte. da F. Publica comlllunicou a este, cOlllmando.
ri /IPOPf::A 101

li'io-dc-matto, elJe se bate á moda da terra, obede-


cc Ús vantagens que offerece a guerrilha, uma mis-
IlIra de audacia, surpreza e coragem.
Espigado, a pelJe do rosto descascada, sujo,
tem mal amarrada uma das mãos attingida por
tiro e, com a outra, faz a guerra. Percorre incan-
savdmente as posições, montando cavallo em pello
c tendo corda por rédea. Não usa capacete, um
chapéo largo protege-lhe... Que protecção pó de
offerecer um chapéo, ainda que largo? Conversá
c fuma com os soldados, até o ponto de a confian-
ça dos commandados chegar ao limite da inti-
midade.
Quando menos se espera, resolve fazer uma in-
ClIrsão pelos flallcos inimigos. Escolhe indistin-
clamente oito soldados, carrega um F. M. e...
..
\' amos a tra palhar os homens". M.eia hora de-
pois, arrebenta uma fuzilaria dos demonios, o ini-
IIligo está gastando munição, o commandante Ar-
lilldo sorri: "Que gaste".
Um dia, um mensageiro do adversario, lenço
!Ira 11(;0da parlamentação, traz carta para o com-
111:lIldante. Este, depois da leitura e de ter enru-
g:ldo a testa, r,eÚne os soldados mais proximos:
.. () inimigo me convida a adherir. . .
"
Ni'io termina, dá uma risada forte de mistu-
1'11("()III raiva, despacha o mensageiro eom a res-

li:"...,. gl':t<l:1ado ao posto de Tte.-coronel o ~Iajor Arlindo


cI.. «11i"..i I"a, eomtc. de Unidade deste Sector, graduação
,'ssa ql1e visa prcmiu!-o na aeluação destacada que vem
cI".':"II\'ol\"('II<lo nas operações deste Sector."
«(tol. do Q. G. n. 22, d 18 de Agosto).
n"pois do clia :!O, o destacamento passou ao comman-
d.. cio '1"'11. C 1'1, Anchida, "para (jue, o já agora Tent.
CI'I, ,\!'lllIclo, P'TI1I:III..eessl':'t '~'sla de seu batalhão". ("Pa!-
11111 1\ pg. Xli\.
"1\111"''',
102 Allreo de Almeida Camargo

posta, um palavrão nacional. A tropa não se. en-


rubece com tão pouco. mas promove hurras ao
chefe. O inimigo se põe de sobreaviso. julga tra-
tar-se de um ataque, e é outra fuzilaria que ar-
rebenta.

Logo após a chegada. bombardeio por tres


.
aviões inimigos. Que recepção!
A 2." Cia. parte pelo flanco esquerdo, afim de
tentar retomar as posições abandonadas na ves-
pera por falta de munição. Chega bem proximo
ao inimigo e póde avaliar a sua bôa situação de
entrincheiramento, o que a impede de avançar.
Quando está para voltar, recebe do inimigo já alar-
mado intensa fuzilaria. E' com grande difficulda-
de que consegue retroceder.
Pela madrugada de 17, o 2.° Pelotão avança
pela direita e se abriga na casa de madeira, atrás
de barricas abandonadas. Dentro da habita cão,
colchões cnsangllcntados. A tropa é visada pelo
fogo inimigo, S(~1lIpodcr responder no mesmo tom,
por falta de ordcm nesse senlido. A's 10 horas,
retirada eOI1l (:11idadosa pr('(,;all~.iio, difficil re-
tirada.

A 3." Cia. lambcm par.te dia !li, pelo fIanco di-


reito. Conuuanda-a o CapitÜo Bl'Uvo. Depois de
longa caminhada através o mallo. immediações do
acampamento inimigo. EslÚ hem pcrlo delle. a
ponto de se ouvirem vozcs. Um soldado é feito
prisioneiro, com grande successo para os do "14",
e o Capitão Bravo se encarrega de conduzil-o ao
P. C. A tropa mais avançada percebe approximar-
se um offidal medico. Que bella presa! As diffi-
culdades de terreno, porém, impedem o aprisiona-
A BPOPEA 10:1

IlIento tão desejado. Alguns tiros disparados afoi-


lamente na occasião provocam alarme inimigo, o
official consegue escapar, lançando-se por terra.
N a confusão estabelecida, pouco atiram os solda-
dos inimigos, limitando-se a : "Venham paulistas,
venham!" Convite inacceitav,el. Penosa a caminha-
da ele volta. Assume o commando da Cia. o tenen-
te .rosé Mada de Azevedo, e é elle quem a orienta
com f.elicidade através de terreno accidentado e
mal conhecido, cujo itinerario da vespera não pode
ser seguido sem risco immediato para a tropa. E
aincla ,encontra queimada, o que mais a desoden-
Ia. O inimigo está batendo o malto com armas au-
lomaticas. A tropa se sente perdida e só a firmeza
cio commando consegue levantar-lhe o animo.
Quasi meio dia, quando a 3." Cia. chega ás posi-
~~C)Cs cio destacamento, os soLdados exhaustos, ras-
gados, alguns com o pé sangrando como nas lon-
gas marchas de Guapiára.

Ainda dia 16, á tardinha, quatro aviões pau-


lislas bombardeiam com vigor, lançando bombas
dt' amanho e efficiencia até en tão desconhecidas
I

di I "'4". Os soldados vibram com a acrobacia de


11111 dclles, que por espaço de meia hora desce até
IIS Il'incheiras inimigas, metralhando. Na volta tem
11 cI('li(~adesa de fazer a ultima acrobacia sobre o
clc'slllC'alll en 10. Os ponlinhos pretos desapparecem
no ('SP:H:O sobre a protecção dos olhares paulistas.
III'('v(~ I'egresso - é o que todos dizem e desejam.
1\ IlOikce, Consta que os bombeiros vão ten-
1111'11111ataque, Fuzilaria durante a noite. Muito
f,'jo. () COllIllHIIHlanle Arlinclo está nUIlla aclividacle
11(1111lilllÍlcs.
104 AlIrco úe Almcida Camargo

o 1.0 pelotão da 2." Cia. e elementos do Corpo


de Bombeiros, postados na estrada de rodagem,
ficam na manhã de 17 localizados pelas armas au-
tomaticas inimigas, sem poder sahir do lugar, o
que só conseguem, na companhia de um ferido do
"14", durante o bombardeio de tr,es aviões paulis-
tas, (a aviação constitucionalista tem sido de uma
aggressivida1de admiravel) quando o inimigo ain- .
da se restabelecia do susto violento e vingativo.
Abertura de trincheiras, parte f,eitas com o sa-
bre, parte com o capacete, pois é reduzido o mate-
rial de sapa. A terra é arenosa, dura na superficie
e suave para ser trabalhada, quando s,e aprofunda
o buraco. Antes assim. De outra forma não se ex-
plicaria o uso do capacete. Apesar de tudo, os cal-
Ios voltam a imperar em todas as mãos.
A 1.0 Cia. está á direita da estrada e a 2." mais
adiante. A 3." permanece na retagual'da, em repou-
so, dizem tambem que em reserva.
A' olho I1Úse avista o movimento inimigo, tro-
pa quc chega, camillhões que chegam e partem.
Com ccrtesa lI'az{'m matcI'ial para a artilheria. As
luetralhadoras, quc fllllcciollam desde a vespera,
redobram de adividadc. (17) Apcsar disso, conti-
(47) Entre as L" e 2: Cias. ('slÚ n M. P. dirigida
por bombeiros. São uns hravos. Um <lelles se queixa das
revoluções, que tornou parte ('11\ lo<las, mas que o papel
doIS bombeiros não Ó esse. Dia:!1 cllc se põe de pÓ e
visa com o fuzil um soldndo inimigo postado na estrada
batida pela me.tralhadora. O inimigo pula para o lado
.e a seguir tmnbem atira. O bomheil'o faz com o braço
signal de que não foi attingido e atirn novamente. O ini-
migo faz identico signal e respondo ao segundo lira. Du-
ra,nte 15 minutos o dueHo ol"iginal se desenrola inutil-
mente debaixo da torcida geral. Silencio completo, como
acontece nas assistencias educadas. Um tiro, um gelSto,
A Rl'OP{:;A 105

nÚa cheio de movimento o corre-corre inimigo,


eonstante. Ao longe, Bury, que cstÚ a poucos kilo-
)lIcll'OS e é avistado de algumas trincheiras da 2."
Cia. A torre da igreja lá está, ponteaguda, a appel-
lar para os paulistas. ElIes vão combater para te
disputar a posse novamente, Bury paulista!
Fogo 110 malto, posto pelo inimigo. O vento
não ajuda e o feitiço vira contra o feitiçeiro. Fci-
li(,~ciros gaÚchos, aguentem o teu feitiço!
Uma patrulha inimiga tenta avançar dia 19 e
nada consegue anle a vigilancia (Iue está a pos-
tos, nos postos con trarios, Aviões <rue passam (pau-
lislas ou inimigos'!), ningucm sabe a sua proce-
dcncia, o s,cu destino, 'Ircs tiros fortes, pesados c
surdos, pnra a direita. E' o 150 do "Itaipú", sau-
dando os gaúchos. Salve scmpre! Chove, o vcn-
10 é impicdoso. O "14" se agasalha, capuz, cache-
cols, mantas e pllll-ovcl's. Depois, reflecle na sorte
dos contrarios, no meio dos qua.es existem solda-
dos pernambucanos que desconhccem o rigor do
clima paulista, talvez lhes falte agasalho. O fogo
que virou fcitiço aquecel-os-á, sem duvida alguma.

A definicão archaica considera a trincheira


.. fosso, que o~ cércatClores fazem para chegarcIIl co-
h <'1'1
os ao p(~ do Illuro da praça si liada". (48).

n:i.. :1('('I'lou. Outro liro con!ntrio, novo gesto, não accr-


() COll1l11andanlc ArJiJ1(lo lem () mÚo gosto de man-
(ou'
..
tI:l1' :1(':1h:11' com a hrinca(leira, depressa, vamos!"
Os hOluheil'os cnsinam :tOS ,"oJunlarios um processo
ti.. (''''1.('1' ('ogo p:n'a o eafé sem despeJ'tar a altenção ini.
IlIlglI: 11111hllr:l('o cheio do tUlJlJcis c hem eObl'I'to, uma
p
\'''111 Ii"H(::i" qlle não pÔde i nleressal' Ú primeira vista.
(-li!) Di<'donal'io tIa Li nglJa POl'lngueza, Morais',
106 Allreo de Almeida Call1u/"{J()

No Brasil ella tem a sua hisLol'ia, os scus an-


tccedentes elucidativos. A mcnLalidade popul:1r rc-
cebeu desordenadamcnte na infancia unIa ordcm
que mais tarde se soube encampadu pclo MillisLc-
rio da Agricultura - "Rumo ao Campo". Periodi-
camente, a ordem se faz cumprida (obcdecida) por
intermedio dessas festas colleclivas que se chamam
revoluções do, pelo e para o povo. Lundús gucrrci-
ros de idéas e vocações, muitos nascem assim pre-
dispostos. Rumo ao campo, isto é, rasgarás a terra
com o suor do teu rosto. As mãos trabalham, na
terra dura funcciona a picareta, ella pésa. A pá
retira a terra revolvida, o buraco cresce até ficar
trincheira. Trincheiras de todos os tamanhos e lar-
guras, algumas são fundas e outras rasas, tudo
conforme a capacidade da artilheria contraria. O
parap.eito espia o inimigo, os soldados ficam den-
tro fumando.
Uma casa com todas as indispensaveis depen-
<lcndas uum sÚ local. Fuma-se do mesmo modo e
scm sallil' do lugar no -VY.C., na sala de refeições,
no dOl'llliLorio. Ao (;oIlLl'ario das residencias anti-
gas, os elelllclltos aguu, sol e fogo entram por
cima. Nos dias pJ'(~d('sLillados, qualldo as granadas
procuram Ú viva 1'01\'a illvadir a propriedade
alheia com a mcsllla semeel'ClIIonia dos elementos,
a trincheira sc transforma IIUllla sÚ depcndencia,
numa exLensa sala dc visiLas, ollde todos se des-
pedem com fortcs apeltus de mão, COIllO se esti-
vesse na hora de alguem parLir para UIll lugar dis-
tante, de vez.
As chuvas fortes inundam a trincheira e o ho-
mem volta a ser barro. A lama entra pelas orelhas,
pelos bolsos. O fuzil é a unica coisa resguardada.
Elle é bem o "irmão do soldado" nessas occasiões,
A J~ l' O P É A 107

lodo embrulhadinho na lona, o previlegiado que


sÚ pode viver hem segundo a lei secca. As regras
communs mandam que se lave o pão enlameado
expondo-o á chuva, a mais facil e talvez unica ma-
ncira de tornal-ü macio. Depois da chuva, o solda-
do despregado da lama é um cupim ambulante,
Lcrroso, um despistador da vigilancia inimiga. "Tu
(~s pó..." Os cupins ambulantes estão agachados,
scccando a lama fóra ,da trincheira, quasi de có-
coras.
A aviação inimiga localiza a trincheira para
os tiros da artilheria e a bombardeia e metralha
por sua vez. O soldado cuida então de enganal-a
collocando samambaias bravas no parapeito e ar-
Imstozinhos na parte de trás. Agora os soldados
estão deitados, espiando o avião desorientado. O
disfarce é renovado cada ,dia, para evitar que o
ilIimigo perceba a esperteza, pois a côr verde se
(orna amarella de um dia para outro. (Mais a côr
;Izul igual á bandeira nacional). E a devastação
d as redondezas é tamanha que em determinado
ti ia sÓ existe, na grande extensão de terra, a vege-
(IH;iío comprida e verd,e da trincheira. Para a avia-
(;:'1o {~uma festa, o observador diz ao companheiro,
lipOli(ando o dedo para o bosque artificial: "E'
nll i". Os soldados estão de bruços, fazendo cal-
('Idos e conjecturas: "Cahiu perto", "Nãü arreben-
1011", "Esla foi na trincheira do 3.° Pelotão ", "Elle
('NI:', IIIl:lntlhando". Quando o avião parte, a trin-
(',Iwil'a em peso balança gestos, dizendo palavrões
In'III('IHlos, uma serie delles. Ha uma praga horri-
\'(", cOlllposla de 8 nomcs feios numa só phras.e e
1'.11'1111111110 dllas ora(,~õcs. Horrivel!

1\ Il'illdl('iI'H joga o ]Jokcr, fuma, come, bebe c


108 AlIl'eo de Almcida (;((lI/((l'UO

dorme. Com sol, com chuva, de din, de noil<" com


f0111e, com sede, C0111saudades, COIII odios, --- dor-
111e-se, bebe-,s.e, fuula-se, joga-se. 1\' IJOiIl-, o jogo
Ó um roubar collectivo e, porisso IIICSIIIO, t~quili-
brado, eIle se faz sem prejuizo, e quclII pude lIlui-
to é porque roubou pouco. No dia s,eguinlc lodos
dizem: "AqueIle é o lrouxa".

Competições de trincheira, (extra-guerra) da


especialidade dos Ettore, dos Pietro, dos Halo. Dos
ilalos-paulistas. O Pecarelli, pequeno e vermelhi-
nho, é o recordista. Sabbado mexeram com o ca-
lJ.zllo delle. De pé, espondo-se ao inimigo, esbrave-
j ou vermclhissimo:
"Eu sempre vivi no patriotismo, desde a fa-
brica. Então não fomos nós que fizémos o Braz,
eh?"

Cada soldado traz comsigo, além da farda-ea-


))ncete-botilla-perncira, um fuzil, um sabre, cartu-
cheil'a COIII !)O tiros, bissaca com otIlros tantos ti-
ros, rcvolver t~1I1I1Ili(,~iio(alglllls), dois cantis (agua
e outra hchida qllallfll('J'), IJissaca para pão-cigar-
ros-choco)alt" I':IC;IO d(~ Jnallo (kpclldurado como
o revol"er l1a carlllcll('ira, p:da, capole ou lnanta,
dois ou lIlais cohcrlorcs, nlOclI iIa COlltendo panno
de barraca e material para arllwl-a, e bem assim
lataria, laranjas, garrafas de pinga, vinho ou co-
gnac, ou ainda algum remedio purgativo, pllll-overs
de reserva, cache-cois de reserva, bOllct de campa-
nha ou lJibi, etc., etc. Estes etc. significam um ar-
senal de miudezas, papel, lapis, vidrillhos de iodo,
Alguns soldados carregam a Biblia, domingo é o
dia della.
Soldado que se préza carrega a moamba toda
A J~ P U P l~ A 1()!I

lIlesmo nas maiores caminhadas, doam os ombros,


as cadeiras, pernas e braços. A's vezes, porém, tor-
lia-se indispensavel carregar o fuzil do companhei-
1'0 cxhausto, uma tristeza. Quando chove, o agasa-
lho fica ensopado, enchumbado, a caminhada é
I'eita com as pernas dobradas, é o prego. Uma far-
tura de peso e material, o bastante para uma via-
gem ao polo, a qualquer polo.
Quando um soldado paulista é feito prisionei-
ro, O inimigo sabe quanta novidade e guloseima
variada vae apanhar.
" . .. e fui obrigado então a gritar-Ihes na sua
lingua Ayú ichebe enê remiurama, que se traduz
cheguei eu, vosso regalo, ou, em outros termos,
([qui estou para vossa comida". (49)

A preoccupação do soldado bem abastecido é o


Illedo que o invade .do "mão leve", que conleu o
(rUCpossuia e agora se lembra do que o companhei-
ro poupou. Hoje desapparece uma lata de sardi-
Ilhas, amanhã o cantil está pela metade, depois é
o cohertor, "mão leve" andou por aqui, mas todos
apresentam rosto angelica!. O melhor é fechar os
olhos. Fechou, zás, "mão leve" carrega a mochila.
() pal1no de barraca sempre sobra, pesa muito.

Na trincheira vigora o regimen economico das


pl'l'lIllilas, troca de mercadorias de todo genero,
IIIIIIIS pelas outras. Uma taboa de chocolate chegou
11 valer, em tempo, duas latas de sardinhas. Um
g('''(~ fiscalizado, se de pinga, vale meio pão. Se de
,'ogllac, lima lata de sardinhas, das pequenas. Cer-
lus IlIlIrC:lS de cigarros valem por duas de uma ou-

(.ltI) 11:lIIS Stadcu, "Viagcm ao BraGil".


j 10 ;I/I/lcitlll Ca/llll/'i/()
:111/'1'0 dI'

tra. Uma laranja é igual a um 111:1<.:0 de eigalTos,


dos bons. Uma lata de goiabada tCIII 11111valor >incs-
tilllavel, porque doce é raro. Qllallllo a Illllni~:iio
se tornou escassa cerla vcz, dcvclldo ser pOllpada,
a goiabada alcançou o pre~:o maximo do lIIereado
- dois pentes carregados.
Um dia, os 18 annos recebem o Jornal das Tl'il1-
cheiras: (50)
"A Gran(le Guel'ra inventára infernos inédi-
tos para desgraçar o homem: o tank, o gaz asfi-
xiante, o fogo liquido, o "cafard".. .
Sim, o "cafard". Mas este "cafard" - o tédio
das trincheiras - parecia a pior de todas as tor-
turas, porque era, não a morte rapida do corpo,
mas a morte vagarosa da alma. A actividade que
diminuia, o fogo que descallçava, a inercia, a fal-
ta de noticias, o pensamento na familia, a sauda-
de... E, um dia, vinha o "permis", a licença de
uma visila ao lar. E o soldado, chegado do fronl,
soffria el1l:lo o lIlaior de todos os supplicios: des-
cohria, surprcso e atclTorisado, que Cl'a uma illu-
são trislc aql\(:II(: "It':dio das trincheiras". Era aqui,
nas l'etagllardas tl':llIqllillas, qllc lIIorava o "ca-
fard", o grande t{'dio, o v('rdadeiro "spleen", a
nostalgia nlorlal. 1<:o S('II d('s('.io era voltar depres-
sa, correr, voar para aqll(:11<:huraco no chão, onde
clle apprendcra a gostar divill:l1l1cnle da vida..."
E os 18 annos, quc sabclll aprovcitar os cnsi-
namentos da retaguarda, os sahios cnsinamcntos,
se lançam por terra, no proprio vClltrc da trin-
cheira.
"Et aussitôt, avec des cxcIamutiüllS et des ru-
gissements de délivrance, nous glissons, nous rou-
(50) N. 3, ue 21 de Agosto.
.\ 111

IIIIIS, IIOUS Lombons vivanLs dans le vcntre de Ia


Ira IIchée"! (51)

Nas retiradas, os soldados limpam a trinchei-


ra de Ludo, com excepção da lataria vasia, que é
(kixada para o inimigo saber da fartura de ali-
1lII'IItação paulista, (52) e de alguns maços de ci-
gal'l'os eom dedicatorias, que variam conforme a
('dllcação de cada um. Os jornaes tambem ficam,
com o noticiaria "Ouro para a Victoria" hem á
IIll>sLra e outras noticias alviçareiras.

o ultimo dia de trincheira... Os soldados


all;lIIdonam a casa que fizeram e oceuparam, a fo-
IlIe que supportaram,e sede, e frio, o lugar dos
(,lIlIlpanheiros que se despediram definitivamente,
(' IlIais um pedaço de S. Paulo que se entrega ao
illillligo, e... até quando, Santos Céos?

Aviões paulistas na manhã 20, quatro appa-


1',,1hos, bombardeiam as posições inimigas. Hon-
1,'111('ra queimada, hoje é fogo legiLimo - o infer-
110 abriu sueeursal ao redor de Bury. Silencio abso-
IlIto, (é o prestigio da aviação) somente interrom-
pido pelo arrebentar das bombas, quasi 20. A ter-
1"11S(' projecta para o ar misturada em fumaça
1"'11111':1,(:OIllO a appellar para o céo neutro. Agora
('1111\"(' «('ra lima vez a neutralidade celeste) e os
11\' j,'ws voll am para Itapetininga. A' tarde traba-
Illalll IIS linHas automatieas inimigas ,cheias de ira.
() sa rgcll Lo da ligação avisa que o café mati-

(I'd) (/'(' F('II. He.nri Barbusse, pg, 253).


(Ii:n I h'pois dos dois primeiros mezes de luta, a la-
1111'1'1 IIIIIIIU'III ('('a !'I'colhida, c, dizem, mandada para S.
1'11I!lo, 01101" 1'1':0 IIPI'oveitada.
112 fi 11r e o d e ..\ l J/I e i 1111 C a 111a r [f ()

nal vac scr substituido por chocolate, um Iuxo des-


conhccido pela tropa. A bebida Ó feita dc mistura
com agua, mas quente e saborosa, os soldados ex-
pcrimentam uma sensação de conforto, chcgam a
se convencer de que engordaram 11m pOIlCO.Depois
do chocolate, vespas "cassunungas" resolvem hos-
tilizar a tropa, mordem.
Novos aviões paulistas, quatro apparclhos, Lal-
vez os mesmos da vespera. Recebem manifesLa~;ão
do "14", os capacetes se agitam. Perdem-se no ho-
rizonte. Para onde irão elles? Para Faxina? A's 11
horas estão de volta, desta vez para bombardear
os contrarios, que inutilmente os visam com o fogo
das F. M. Pela tarde toda, as metralhadoras inimi-
gas, em actividade, dão successivas descargas.
O commandante Arlindo ordena que se ponha
fogo em parte do samambaial, afim de favorecer
a visibilidade das trincheiras. Queimada no capão
de malto do flanco esquerdo, provocada pelo ini-
migo. O estalar das tabocas mistura-se prazeirosa-
mcnte com os tiros Lrocados na occasião. Clarão
pela noite a dcnlro c um calor gostoso que aquece
o ar frio.
Esperado 11111alaqllc inimigo dia 22. Grandes
conjectul'as sohn: a sna crficiencia. Bombardeio
pela artiIllcria inillliga. Os dois primeiros tiros vi-
sam e alcançam o 1'. C., Ús 10 horas, ferindo lllor-
talmente a Alonsll Fl~ITeira dI: Camargo, (53) le-
vemente dois bombeiros c m a Iando dois cavallos.
O bombal1deiu cUllliníla, para maLar Rubens
Fraga no 37.0 tiro.
Começa a ser penosa para U "14", aLi: então in-
COIUlllC dc mortes, a guerra (lue se tornava de
morte.
(53) Falleceu a 30, em S. Paulo.
o

.
""
o
o
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o
""
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li l' ()
l' É A 11:1

o P. C. é tranferido mais para trás. Bombar-


deio até á tarde, quando se estabelece fuzilaria de
p:1l"k a parte. Um avanço inimigo tentado pela
Ida dil'cita é rechassado de uns 200 metros de dis-
11111 (", ia. Para trás, inimigos!
"SÓ então é que muitos dos nossos compre-
1Il'IHlemm o que é uma revolução dc vcrdade: com
j',olllbates serios e sem adhesõ.es em massa. Mes-
1110 com os nervos abalados, conseguimos dor-
IlIil"". (54).
I'ela madrugada as trincheiras são reforçadas,
IIlais :qJrofundadas. A manhã estabelece um due-
lo d(~ fuzilaria. Depois, o silencio, que todos per-
",,111'111prenuncio de bombardeio. A tropa euida
cI" dClTubar uma ou outra arvore utilisada pelo
IIl'lilllCiro inimigo como ponto de referencia. Agó-
1"11 111i I"(~m á vontrnde, no escuro, senhores arti-
/11(' i /"IIS !

/\ 'i.-ás 18 horas bombardeio, muitos os shra-


p11"ls. Durante a noite, o commandante Arlindo
)'I,)lt'k uma de suas habit'Uaes incursões, conse-
I{lIilldo tomar dois F. M. ao inimigo. Arrehentou
d" v(~lho um fuzil nas mãos de um soldado, e a
lIoli(:ia corre as trincheiras em forma de máo pre-
,'lllgio. "Te exeonjuro!" Um soldado do "14"
1I('('lll"da agitado e salta a trincheira em direcção
cllIN posi,:<"ics inimigas, empunhando baioneta ca-
1"",", IlIclo Ilum breve segundo e ante a estupe-
fllt','lio dos companheiros. Pouco depois está de
vollll, lIeal1hado, Julgou ter uma visão, explica.
I':sl (~ fado não constitue novidade, pois na
lIoil,' 1111I('I'iol' IIIlI cHltro soldado impedia que uma
dll,l 111'111 ill"lIus rendidas entrasse na trincheira,

IIH) 110 "lJilll.jo" clp C('SIII" I'nnna Hamos.


~~~
114 Aureo de Almeida Camargo

sob a allegação de que a mesma estava "cheia de


bonlbas explosivas, que ao 1ncnor conlado arre-
bentariam". Ainda ha o caso de Ulll rapaz que
comia terra, durante um dos bomhardeios mais
intensos.
Dia de S. Bartholomeu, 24 de Agosto, dia azia-
go. Quaes seriam os "huguenotes" elo dia, - pau-
listas ou inimigos? Vae haver coisa, diz a expecta-
tiva do "14". O inillligo está em festa, pois bom-
bardeia e provoca fuzilaria com "zé-pereiras", que
eram previlegio elos paulistas. Que teriam clles
visto? O bombardeio é mais intenso, alguns co-
pos de 105 cahem nas vizinhanças de uma das trin-
cheiras. São bellos troféos e os soldados tratam
de apanhal-os. Um, da Legião Negra, conseguiu
recolher dois estojos, que não vende por dinheiro
algum; "Vou fazer museu pros filhos". Nem
uma nota de 20$000 causa effeito; "Cobre aqui
não vale...". Dia aziago, agora são tres aviões
inimigos que bomdardeiam c metralham, sobem
alto e metralham, descem baixo e metralham. Ha
ordem de não atirar contra eHes, que voam a pou-
ca altura. Bombas incendiarias, jogadas por um
delles. Eis o samambaial que arde com rapidez,
na retaguarda das trincheiras. Muitos abandonam
a posição e fazem um acero de emcrgencia, con-
seguindo dominar a progressão do fogo, ufa! Facil
ao inimigo tentar um avanço na occasião, talvez
que o proposito vingasse. Bella opportunidade
perdida!
A artilharia rccomcca o bombardeio. Fuzila-
ria á tarde, de lado a {aelo. As trincheiras pau-
listas atiram com vigor.
- Cá estam os, gritam os fuzis.
Bombardeio durante a noite, os chamados ti-
115

ms de inquietação, Ninguem dorme, pois é espe-


I'a,do um ataque, Duplicada a vigilancia. Como
ra;,; frio!
E' manhã e o sol (virá sol no 25 de Agosto ne-
buloso'!) ainda está longe de apparecer, O inimi-
gu abre trincheiras, visando a ala direita das po-
si(;ões do "14", a uns 250 metros dellas. Ganham
ruÚlaria, mas conseguem terminar o trabalho os
r(dizardos! Começa o bombardeio da gente tei.
IlIosa,
Até que emfjm canhões paulistas! São dois
(~ um delles faz á tarde dois disparas, dois, somen-
Ie dois. Não lia conforto mais desej ardo pelos sol-
dados que esse de ter ao lado canhões amigos.
I )epois dos disparas feitos, silencio das artilha-
rias paulista e inimiga, e retirada dos canhões.
T:ln to trabalho por dois minusculos tiros! Mal
sabia o "14" quc a artilharia paulista vinha fazen-
do prodigios de acção, ora amparando um ponto
IIIais visado do dcstacamento X, ora fazendo calar
li Ili IIinho de metralhadoras na posição Y, aos ti-
I"IS pingados e ás pressas, que o Sector era exten-
,';0 c reduzido o numero de canhões e municão.
()s ('anhões volantes do Sul! Pequenos heróe; d2
illllllllJ('ras jornadas! Em Bury defendestes a re-
I ir:l(la dos soldados do "14", alvejando (alça a
1,1'1'0) Ín imigos pressurosos de f aceis successos! Se
111'10I'ic.astcs conl o "14", no Allemão, e"'porque vos
('hlllll:lvam mais alénl. O vosso auxilio e a vossa
1"'('S('II<;a iam levar um pouco de consolo ta'mbem
/I 011I..as tropas paulistas, - um conforto fugaz, o
IlIli(,o <)11(' podeis dar, O "14" sabe disso, não se
qlll'ixlI, (' imperdoavel seria se se queixasse.
SÚo ou vidos tiros na retaguarda, fuzilaria que
111' IlJlproX Íllla cada vez mais. Os proprios Offl"
116 .1llrcu de Allllcidu Camargo

ciacs se espantam. Retaguarda cortada? Ordem


de retirada, a tropa deve eslar preparada, mochi-
las promptas. Que se passa na retaguarda? Or-
dens em contrario, (55) a tropa passarÚ a noite
nas trincheiras de rigorosa promplidão, alguns
suggerem baioneta calada. lia mystcrios no ar,
na fumaça da qucimada.
Grande movimcnto de caminhões do lado ini-
migo. Mais ao longe e numa extensão de kilo-
metros o fogo se alastra com uma rapidez espan-
tosa. Uma pequena luz percorre determinados
pontos, dos quaes apparece a seguir uma serie de
labare.das. Que pretenderá o inimigo? Devastar
as maltas, os pobres capões do Sul? Limpar a
rctaguarda, que porventura lhe causa difficulda-
des para o transporte? Um sargento do Corpo de
Bombeiros, combatente das revoluções post-1924,
conta que o incendio é processo muito usado pelos
sulistas c que em Catanduvas tambem foi assim.
Ha contestação dc um antigo sorteado: "as quei-
madas visam localizar a tropa paulista". Porque
então essa exlcnsa linha de rogo'! E porque tão
alrÚs das j)osi<.:ôes do inimigo'! Vão queimar o
Estado de S. I'aulo, se vão! Oulros ainda querem
encontrar rda~:ão cnlre o fogo dos rio-grandenses
e a expedição de J'izarro ao PcrÚ, como foi con-
tada por Francisco Lopcs de Gomara:

(55) a parada que se ,impõe da nossa parte é


o retraimento immediato. A vontade que a tropa de-
monstrava de guardar as sllas posições e o exercicio de
lima certa iniciativa excessiva por parte do commando do
destacamc.nto retardaram de uma jornada o movimento
prescripto". (Palmo a Palmo, pg. 88).
,1 EPOPÉA 117

"encendió muchas fuegas para desmentir los


enemigos. . . " (56)
Nisto o "14" se recorda de que existe um poeta
gaÚcho, talvez soldado, talvez alli na frente, tal-
vez atiçando fogo, talvez declamando no fogo:

" ligora
chama os guerreiros para a guerra!
Olha a uolllpia de ouro das linguCL~ uerticaes
cantando uma canção de forja rubra na queimada!" (57)

Madrugada, quando o inimigo força insisten-


temente o flanco esquerdo, sem resullado. Mais
forte a fuzilaria na retaguarda.
Afinal, a noticia que andava no ar: retaguar-
da cortada.

Do "14 de Julho" só se encontra separado o


V pelotão da l.a Cia., que desde o dia 16 se col-
locara sobre o Apiahy Mirim, Ponte Velha, sob o
commando do Tte. Napoleão, afim de garantir o
flanco esquerdo do Destacamento Arlindo de uma
possivel tentativa inimiga de envolvimento.
Tres dias depois, chegam para reforçar a po-
sição 20 homens da Legião Negra, que são collo-
locados á esquerda das trincheiras do "14", e mais
4 cavalladanos, para o serviço de ligação, que é
feito pelo atalho batido que vae ter á estrada Ca-
pão Bonito-Bury, a estrada real, num ponto pouco
.distante das trincheiras do Destacamento.
Depois do dia 20 começam as aventuras da pe-
quena tropa do ApiaI1y .Mirim. O inimigo certo
(56) (Historia de Ias Inchas, \'01. 22 da Bib. de Aut.
EspanoIes, pg. 263).
(5i) (Coração Verde, Augusto Meyer).
118 Aureo de Almcida Camargo

dia se mostra ao longe e é recebido com tiros con-


tados, 5 para cada soldado, sendo que os da Legião
Negra, por um mal entendido qualquer, ou jul-
gando tratar-se de um avanço dos contrarias, gas-
tam numa fuzilaria in'l1til de poucos minutos um
cunhete, um preciosissimo cunhcte de munição.
São mil tiros que desejam bôas-vindas ao inimi-
go. Mais economia, senhores ela Legião Negra!
A ordem é poupar munição. Elles dizem o con-
trario, quc a guerra é para não poupar o inimi-
go. O cunhete está vasio, - uma optima mesa de
poker. Ha um romantico, soldado do "14", conta-
giando a tropa. A's 20 horas, infallivelrncllte, o
pequeno apaixonado se extasia olhos fitos na lúa.
E' a hora combinada com a namorada de S. Paulo,
tambem a postos c igualmente em extase amoroso
ás mesmas horas. A hora-arnôr. A lúa não appa-
rece? Lúa ingrata, céo ingrato. A ingratidão é
um gmnde risco S. Paulo-Apiahy-Mirim. Nas noi-
te claras, ás 20 horas em ponto, ha um namoro
no céo. Um namoro lunar, -- dizem os compa-
nheiros mal iniciados no romantismo.
Com a chegada do Capitão Candido Bravo,
que vem commandal' a posição ameaça da, os sol-
dados da Legião Negra são distribuidos pelas pe-
quenas trincheiras do "14", estabelecendo-se rigo-
roso serviço de vigilancia. O plano inimigo é adi-
vinhado: infiltração pela região e consequente cór-
te de retaguarda do Destacamento.
O commandante prohibe um soldado de repe-
tir o que vem praticando desde muito: atravessar
nú o rio e furtar cavallos no acampamento ini-
migo. Até o momento, tres animaes roubados. O
decoro, porém, não permitte que um soldado pau-
lista se aprescnte nÚ (que pensaria o inimigo, s('
A EPOPÉA 119

assim o encontrasse?) e a honestidade não póde


ficar a mercê de um furto pouco aprcciavel. A
guerra tem uma mais alta finalidade. Nada de
nudismo e roubos ridiculos. Agora, os cavallari<l-
nos inimigos estão descansa,dos.
Uma patrulha enviada para reconhecimento
avista e atira o inimigo, quando atravessava o rio,
á direita da posição, e já se infiltrava pelo denso
samambaial.
Na manhã 26, forte neblina. Sem visibilida-
de, os paulistas são atacados, mal podendo res-
ponder aos tiros. 13 horas, inimigo surge ines-
peradamente °
pelo flanco direito, facto que é vc-
rificado na trincheira mais proxima pelas altas
palavras que tres soldados ditatoriaes trocam en-
tre si a uns 10 metros dos paulistas. 10 metros!
Suprema ousadia! Ou engano de quem julga ter
alcançado a retaguarda das trincheiras? E' enga-
no, pois os tres soldados dão as costas para os
paulistas, procurando orientar-se para a frente.
Outros ditatoriaes que se approximam, os paulis-
tas calam baioneta é, aos gritos, simulam um gran-
deeffectivo: "Baioneta calada, toda a Cia.! ",
"Grupo de Metralhadoras Pesadas, attenção! ",
" Avançar, granadeiros!" E atiram, e tornam a
atirar. Sempre aos gritos. Um ditatorial é ati-
rado de 30 metros e se salva pulando para o lado.
Novo tiro, novo pulo. No terceiro disparo, pulo
definitivo. Combate-se no Apiahy-Mirim. Mal re-
feitos da surpreza, o inimigo procura e consegue
tomar posição de combate. Os paulistas, aos gri-
tos. A Legião Negra combate valorosamente, per-
de dois homens.
Tiros na retaguarda, é o inimigo que se infil-
lrou. Tiroteio mais forte, - é o inimigo quc cn-
120 A 11r c () li e A.lm e i rI a C a m a r g o

con troll resistencia. Que paulistas andarão lá


para trás? (58).
A's 14 horas, mais ou menos, aproveitando a
cessação do fogo contrario, a tropa se retira por
lances, pelas trincheiras da direita, que são as mais
visadas pelos F. M. E, quando o inimigo appare-
ce numa elevação do nanco esquerdo, tiroteando
com vantagem a tropa que já se considera perdi-
da, chegam elementos da Cavallaria Rio Pardo,
que garantem a retirada mal começada, desvian-
do para si a attenção das armas automaticas ini-
migas. E' a salvação, a inesperada salvação. Tudo
no instante i. O Capitão Bravo tem procedido
bem, com serenidade e firmeza. Por brejos e ea-
pões de matto, procura a tropa alcançar a estra-
da real que a levará até Capão, certa de que as
posições do Destacamento haviam cahido e, com
ellas, a do Fundão. Acampamento Rio Pardo,
agradecimentos pelo inesperado auxilio. Sim,
porque foi um authentico ponto final de romance
aventureiro em seric, com o hcrÓc salvador appa-
recendo Ú beira do abyslllo... Ou uma scena
cheia de laIJecs arrepiantes, onde a fragilidade se
expõe Ú sanha de façanhudos all~ Ú chegada do
galã inevitavel e allllcl:l... f.:ta, Cavallar1a Rio
Pardo! E é um :1]wrtal' de miios sem fim. E os
cavallarianos, cheios de bolas e esporas, cruzam
os braços, bem herÚes, l)(~nl ga liis. lmpossivel que
elles não se orgulhcm da façanha.
Uma ligação que chega. A tropa do Apiahy-
Mirim se dirige ao encontro do batalhão acampa-
do no Fundão, ainda paulista, e sobre o qual se
(58) Elementos do 2.0 pelotão da 3." Cia. e alguns
soldados do 1.0 pelotão da L" Cia., mal chegados de S.
Paulo.
EPOFJ1A 121

combateria a seguir. Quando? A Legião Negra


('slÚ sem sorte. Teve quatro homens prisioneiros
lia retirada, além dos dois mortos. Na guerra não
lia consolo. Toca para a frente, tropa do Apiahy!
Parte chega ao destino, parte a Capão Bonito.
i\bllhãzinha.

o 2.° pelotão da 3.a Cia. monta guarda aos com-


hoios c caminhões do Dcstacamcnto, na retaguar-
da, ,1 margem direita da estrada de rodagem. A'
,'sqllcrda, o atalho pisado que vae ter ao Apiahy-
1\1irim. Pequenos abrigos contra o bombardeio.
Dia 20, o 2.° pelotão vae guarnecer a trinchei-
ra da M. P. e volta á noitinha. O restante da Cia.
v:w occupar trincheiras. Más noticias dia 25,
lllIli(o boato. 10 homens do 2.° pelotão partem
IH'lo atalho pisado e se entrincheiram com 20 bom-
Iwi ros, pouco aquem do rio Apiahy Mirim, avis-
1:1lido desde logo tropa inimiga. Tiroteio. Novas
(losi(:()es mais atrás, no entroncamento de diversas
(li";l{lns que vão ter ás posições inimigas, através
cI.. capoeiras e samambaial. Dia 26, pela manhã,
illillligo tenta avançar e é rechassado. Imprati-
"
,'11\'(.1 ligar-se com a tropa do Apiahy-Mirim, o que,
,'. 111:'1<1signal. Nova e intensa fuzilaria á tarde. 7
I.. >1111
H'i!'Os Illortos. Infiltração do inimigo, Cahem
(ll'i,'!i"II,.il'oS ;) soldados do "14", (59) 3 que pro-
,'111'11\'11111
ligar-se á estrada C. Bonito-Bury e os 2
1'('~illlll((oS.que iam ao encontro dos companheiros.
(r,~1) ()1I1:11'Viegas de Camal'go I3ittencourt, Moysés
l'I'ld,. 1:"\,1'1'1 Tl'ixeil'a, Aguina]do Augusto Pinto e A. Feo.
I :1II1""zido~ :'1 pre~cnça de officiaes, um delles é intel'-
I'''/tll'''' 1""' 11111(,ollheei(lo :\lajor sobre o effeito da arti-
111111'111 11/1';p"sic,'t}(.s p:lulistas c a attitude dos soldados na
111'1'111,10" 1IIIII,II:II'II!'io. Hcsposta: que, apesar de inten-
'''I, 11(1111 l'"ri/j~1I
"" li 1I1'lilh:lria C:Iusa maiores apprehensões,
122 11 11/' C o d e A. l 111e i d a C a m a r g o

Muito grande a infiltração inimiga pelas im-


IIIl:diações, A tropa se retira para o matto, visa
;JIl:ançar a estrada real, evitando o atalho já con-
siderado em poder dos contrarias. O inimigo,
tcndo tomado os pequenos abrigos feitos na entra-
da do atalho por trincheiras, sahe em perseguição
dos retirantes por uma picada mais ao alcance,
das innumeras existentes. Chegados, os paulistas
estabelecem ligação com elementos do Capitão Ne-
grão que, com o carro blindado "14 de Julho", faz
a vigilancia da estrada e da picada utilisada pelo
inimigo. Incorporam-se á guarda do referido
blindado. Chega um reforço acompanhado do Ma-
jor Heliodoro e sob o commando do Tte. José Ma-
ria de Azeve-do. A' approximação do inimigo, for-
te fuzilaria se estabelece. José Maria cahe mortal-
mente ferido. (60) E' sustado o avanço inimigo,
evitado o corte de relaguarda do grosso do Des-
tacamento, ainda nas trincheiras do "Allemão".
Soldados paulistas por toda a extensão da estrada,
margeando o matto. Um do "14" consegueu pren-
der um soldado pernambucano, preto, curiosamen-
te vestido. (61).
O commandante Arlindo (62), á frente de ele-

pois" terminado o bombardeio sempre ha um soldado per-


correndo as trincheiras aos gritos: "Primpiro grupo do
"pernaquio", responder Í1 artilheria inim iga".
E' o ineverpnte bom-humor do soldado paulisla.
((]O) Fallrceu no mesmo (lia, Ú noite, no Hospital
da Unid3do :\ledic3 ltali3na, em Capão Bonito.
(61) Só vestia uma camiseta, botinas e sem pernei-
ras. O restante, como manda o nudismo. Ensanguenta-
do completamente pelo sangue que escorria do pescoço.
(G2) . .. procurando se ligar a esse elemento, per-
"
<Ir-se na malta onde \'em a ser aprisionado pelo adversa-
rio. . . (Palmo a Palmo, Capo A. Bastos, pg. 89).
"
A EPOPlí'A I:W

mentos da Legião Negra, resolve praticar mais


uma façanha, a uJtima: ligar-se á tropa do Apiahy-
Mirim, através do inimigo. Interna-se pela malta
com os companheiros, deixando para ligação, jun-
to ao caminhão conductor, o soldado do "14" Octa-
via Seppi, que é morlo pelo inimigo pouco depois.
Ao longe, o blindado "14 de .Tulho" em acti-
vidade. (63).
Bombardeio pela artilharia, flue (; avistada e
estÚ a uns 1.000 metros de flistancia, 1.000 me-
tros! Quasi no peito dos paulistas! Quantos ca-
nhões? As 16 horas ellcs enlouquecem de vez,
perturbam céo, o ar, a terra, e, porque não di-
°
zer, as trincheiras se perturbam. Atiram (alça a
zero) um alluvião de ferro, 246 tiros directos e
bem contados, alguns 105, que cahcm sobre os pau-
listas no espaço de menos de hora e meia. Um
inferno! (64). Pobre destacamento, pobre "14
de Julho!" A impressão é a de um assassinato
commettido friamente, as victimas perto do algoz
(canhões a 1.000 metros) que lhes atira na cara,
folgadamente, o que bem entende atirar. E' a
lIlorte que atiram c que ronca pelo espaço nos me-
nores estilhaeos, nos menores...
O inimig~ grita:

-----
(G3) Encalhou mais tarde. Helirado á 1 hora de 27,
('OI!L grande difficllldade e sob a vigilancia do fogo ini-
IllÍgo.
(G4) Talvez o bombardeio mais intenso e brutal ele
lodos os sectores de S, Paulo, e se leva!' em conta a linha
dI' IriJlC'heira (pouco mais de kilometro), o numero de ti-
ros (:'!'I(j), a sua natureza (directos), c o espaço de !cmIJo
(1IIt'JlOS (10 hora c meia). Os soldados do Sul sahem qllan-
10 \'al(' 11111tiJ'o elirecto".
12,1 i\ 11r e o d e :l I III C i li a C a 11!a I' fi o

-- Avancem paulistas. . .! E termina com um


palavrão.
(O sol se esp an ta) .
Os paulistas gritam:
- Avancem gaúchos...! E tcrminam com
um palavrão.
(O sol enrubcce).
O inimigo faz a rcplica:
- NÓs não somos gaúchos, somos pernalllbu-
canos, SC'llS paulistas...! E termina com um pa-
lavrão.
(O sol se esconde).
Os paulistas respondem á replica:
- Então avancem, seus pernambucanos...! E
terminam com um palavrão.
(On de está o sol?).
Rio Grande, S. Paulo, Pernambuco. Sul, cen-
tro, norte. O Brasil parlamenta com violencia ao
redor de Bury, no 2G de Agosto. Congresso dos
Bons-Amigos presidido pelo Marechal Palavrão,
qu.e é o unico a escapar incolume dos debates, sa-
hi llldo eomo entrara: limpo e sereno. E com a glo-
ria de tcr salvo a honra da literatura brasileira
dos nomes fcios de uma conversa desinteressante e
imprestavel, o que se costuma chamar - meio
improprio.
(O sol apparece vermelho, bufando).
Pobre astro celeste, a quanto te obriga uma
gucrra de mal educados!
Em meio ao b/'ouhaha de ferros, estampidos e
pala vrões, o inimigo tenta avançar, correr atrás
da presa facil... E avança. O "1.1 de Julho"
('s!Ú de pé nas trincheiras, v1 os canhões dispa-
":1lido, assiste ao arrebentar infindavel das gra-
fiadas. sabe que os ferros que lhe voam á cabeça
.1 E P O P É ..1 125

s:-t() o fim, ellc sabe e está de pé nas trincheiras


p:tulistas, empunhando (suprema irrisâo!) o pe-
queno fuzil que dispara, que torna a disparar, que
faz frente aos homens~mil, aos tiros-mil, aos ca-
ItlJões-mil. Que venham aos milhares! O avanço
(.~
contido, a artilharia envergonhada se cala (teria
d Ia visto os soldados de pé 7), mas o duclo de fu-
ziria é mais intenso que nunca. 0"14" quer quc
()
inimigo saiba da disposição dos paulistas, por-
que alguem gritou "Tudo por S. Paulo", e se en-
Irega ao combate, c procura mais munição, A's
IX li ~ horas dimiu ue a fuzilaria, só trabalham as
al'lnas automaticas, o soldado precisa poupar o
resto da munição, guardar um pouco de tiros para
IlIalS tarde, Para quando?. ,

"Hesiste, com o batalhão de seu commando,


:1 grande e pertinaz offensiva inimiga, montada
,")111 efficientissimo apoio da artilharia, que dis-
p:II'O[J mais de mil tiros, inclusive alguns de 105,
11<'111como da aviacâo de reconhecimento e bom-
I':mkio, emquanto 'que de nossa parte houve ape-
II:IS ;\ disparos de artilharia de calibre 75", (65).
() destacamento recebe ordem definitiva de re-
Ii1':1da, suo 20 horas, EUa se processa em ordem,
111'111'uma capsula vasia para o inimigo, todo
(I
é levado, tudo.
III:ill'I'ial Os contrarios percebem
IIIO\illlcnto, atiraIn, e as armas aUlOlllaticas vi-
"1111111 os rctirantes com uma teimosia sem par.
Ill'Iil":l(la debaixo da fuzilaria, Um unico solda-
d.. "1,1" é ferido, no braço, recebendo cumpri-
""

(I!!o) lJo HI'!:tlodo do ~Iajor He]iodoro ao Comte. da


1", 1'111011"".
126 Allreo de illlllCida Clll/lnrgo

mentos pela sorte. Elle mesmo se considera feliz.


Todos o secundarn, "feliz, sim".
Depois de 10 dias de trincheira, mal trabalham
as pernas, os musculos estão rebeldes. A carga
pésa, uns levam munição, outros dividem o mate-
rial de sapo., bem assim os fuzis dos cumpanhei-
ros mais cansados. A retirada tambem pésa, e in-
justamente, porque o combate foi dos paulista~,
delles, portanto, a victoria.
O "14" se mistura com os soldados da Legião
Negra, com os que souberam ficar até o fim e fa-
zer um pedaço da ruta de S. Paulo, isto é, com-
pletar a historia paulista que ajudaram a fazer.
Porque. . .

"Discurso irradiado a 13 de Maio de 1932.


Trechos".
"Lembra o antigo theatro popular, onde as
personagens conseguiam por malabarismos pes-
soaes cuidadosamente estudados eentralisar de tal
forma a attenção popular que a peça figurava em
plano secundario, chegando a evaporar-se por al-
gum tempo para resurgir de novo e com feição di-
versa nos attractivos da personagem seguinte.
Cada personagem um enredo, um motivo, o
theatro.
Assim, a personagem P lembra a p,eça p.
Assim tambem a nossa Historia. Joaquim
N ahuco absorveu a abolição e o preto, emquanto
a aboliciio viveu. Durantc cincocllta annos, Pe-
dro II f~i o imperio brasileiro. E a campanha do
Paraguay? Caxias e Caxias...
No 32, o preto viveu S. Paulo e a sua epopéa.
Cuidemos, pois, delle.
11 E P O P É A 127

Era o 9 de Julho e mãe-preta falou:


---o Preto tem compromisso, a sua palavra ~
11111;1 só. Em 1700, em 1800, em 1900. Criou o
';r:lIlCO, amamentou-o, fez o branco viver, e desde
"111;-'0 elle é nosso. Preto é barulhento? Para o
11:1 rlllho, pois! Que as festas exigem musculos
IIg('is c alegria nos olhos? Para a festa, festeiros!
A IlIcninada vac partir, nhô-nhô branco não pó de
Hlldar sÓsinho.
!'acU foi raciocinar a guerra: um campo tra-
":1111:1<10,um embalo de negra velha, o cafezal,
lira 11<:0tão bom, S. Paulo vinha de longe, cora-
0::"10falava, mãe-preta exigia...
-- .Já lá vamos, brancos!
Ainda mais. A guerra era commum, irmã, o
IIIl'SIIIO pão, a mesma agua, e, para as mesmas
"IIIl)(,~ÔCS, um só coração venuelho, - a guerra
lilllla côr.
I.eães enfurecidos? Leoas que elles eram.
()s 11rancos estão em perigo? Cuidado, inimigos!
I 'oll)la as tuas ballas para as nossas pelles. En-
1110preto não é alvo mais precioso? Branco foi
Il'I'ido'! Maldita a guerra! O inimigo descobriu
o IlOSSO amôr, elle quer destruir o amôr do preto,
d"sllIoralizar-lhe a vigilancia. Está em jogo a
IIO~;SIl responsabilidade e mãe-preta é rigorosa na
III'o':llaçio de contas. EUa disse "Não durma para
1III'IIillO dormir". O inimigo não terá o branco,
III'I~; o ddenderemos nas noites infindas, os dentes
,'.t'ITHdos cm desafio. E que as noites de campa- .
IIIrIl sl'jalll longas como a luz das estreUas...
1\ llenção, senhOlies inimigos! Mãe-preta
1IIIIIIIIIIill li commando, attenção!
128 A 11r e o li e Li l Ilt e i ú u C a JlI a l' 9 o

Duranle 80 dias e1Ja falou 80 vezes:


- A guerra é minha, dos prelos do 32, da ne-
grada da historia brasileira. Eu fa(:o a gucrra.

E, mais uma vez dentro da Ilisloria, nós ti-


nhamos nas mãos o S. Paulo (11lCfizl~lIl(JS para a
Historia. "
o Fundão
o combate do "Allcmão". .. A lembranca dos
companheiros que se foram por S. Paulo faz. emu-
dceer o "1/1". Frio, fome e cansaço desapparecem
:llIte o pesar commum. De vez para sempre ia ter
ri 111 a alegri a que caracterisava o batalhão dc mo-
,:os, de soldados que conseguiam respirar prazer
IIlcsmo dos ares mais sobrecarregados de odioso
(.!lta de vida c de morte, para o futuro. A guerra
j:'\ tem sabidamente os seus horrores, sentidos, pal-
pa veis, tristemente sabidos e experimentados, a
111:'1guerra. (66). Pobres moços que se foram!
(>lho por olho, para o futuro. O "14" marcha soh
peso da lembrança triste. Já não possue moci-
°dade o batalhão que só respirava prazer. Dias
sombrios haviam-lhe tirado o que teria scmpre de
III(~nos para o futuro - alegria. Onde os olhos
\'ivos, a risada franca, o InuHor expansivo e sorri-
dente do batalhão que entrara cantando em Itara-
I'l:~? Que fizeram da mocidade do "14'''! Calem-
S(~frio, fomc, chuva, cansaço. Responda, canhão!
V!le fizeste da mocidade?
A' meia noite, o "14" chega ás antigas posições
oc(jupadas pela L" Cia. sobre o Paranapitanga e
acampa pouco adiante. Estende-se pelo campo en-

(66) O numero de feridos, apesar de pequeno, não


,',ll('.gol\ a ser conhecido exactamc'nte por parte do Autor.
132 AUl'eo de Almcida Camargo

sopado de garôa fina e impertinente, dorme. O


inimigo, ouve-se ainda, atira L:OIll a artilhari~L
Uns ao tiros. A noite é dos justos, canhão inimi..
go! O batalhÜo dorme, c o arfar dos peitos can-
sados é o unico signal de vida na immensi,dão dos
campos sulinos, ainda paulistas.
São 5 horas, e o "14" se põe em forma. Os de-
dos estão gelados, entorpecidos, mal o soldado con-
segue segurar o fuzil. A marcha da vespera COll-
tinÚa, mais uns 8 kilomelros de percurso. A ar-
tilheria inimiga, sobre quem estarÚ ella atirando
agora? Descanso Ú beira da estrada C. Bonito..
Bury. Signal de aviões inimigos, dois dos lluacs
lançam bombas sobre o Paranapitanga. (G7).
Ordem de voltar. Para onde, para o "AlIe-
mão~'? O "14" volta e se installa a 4 kilometros
do Paranapitanga, em capões de matto quc mar-
geiam a estrada de rodagem. EstÚ na 2." linha e,
ao mesmo tempo, garantindo o flanco esquerdo da
tropa do batalhão Ribeiro.
A nova posição (pensa um 18 annos) parece
não offerecer muita vantagem sob o ponto de vis-
ta militar. O canhão inimigo grita ao longe:
- Que vantagens?
Tambem atiram os canhões pa'ulistas. Poucos
tiros, mas atiram. Dois aviões inimigos bombar-
deiam ao longe. Sobre o Parallapilanga, nova-
mente?
Parece (lUe foram os canhões que trouxeram a
lembrança da comida, das gorduras. Porque, no
"AlIemão", depois do dia 23, o serviço de distribui-
ção de comida ficoll muito irregular e cada trin-

(6í) Sobre o antigo batalhão Arlindo, agora commal1-


dmlo pelo CapitÜo Pedro nibeiro, o batalhão Ribeiro.
A EPOPE:A 133

('(I('i I'a tinha de destacar dois homens para ir bus-


(':11-:1 mais de um kilometro atrás. A alimentação,
111I1:lSlatas de corned-beef, aliás profusamente dis-
Irilmidas; no fim de certo tempo já se tornava in-
I()lcravel. E' 1)0risso que agora, já mais folgados
11:1 2." linha, os soldados esperam alguma coisa
slIbstanciosa c que tenha eôr e gosto de feijão, mes-
1110que não seja feijão. E carne, que é o melhor
nlimento. Estão distrihuindo chocolate em taboa,
()
(Iue é uma bôa eoisa. SÓ cntão é que o "14" dÚ
('onta de si. Sujo, magro, hraços e pernas e peito
{' costas em poder dos carrapatos. IJa os "polvora"
(~os "estrella", todos nojentos e damninhos. Quan-
do o hatalhão se achava, certa vez, de bom humor,
os soldados se divertiam coJ1ocando alguns car-
rapatos, dos maiores, no pescoço dos companhei-
['os, Agora já não lia dessas coisas. lVIas o nume-
ro dos "polvora" e dos "estrella" é cada vez nIaior.
E coça-se, as feridas crescem e ha puz em algumas
clellas. Infeccionadas, jJorque as unhas estão su-
jas de muitos dias. Catar carrapatos, divertida oc-
(~llpação para estoIlJagos vasios! Os bichinhos se
l1l11ltiplicam deante da vista, pois se um é pegado
dezenas de cHltros estão ao deredor do lugar va-
go, á espera de quc lhcs chegue a vez. Esta nun-
('.:!chega, a quantidade é enorme, e-n-o-r-me-! Em
geral o carrapato sÓbe pelas pernas, que são a par-
Ie do corpo mais atacada, talvez a mais preferida.
()nando o solda(lo se deita, porém, movimentam-
se alegremcutc, entrando-lhe pelos braços, pelo
pescoço. Nada escapa. Agora o corpo é delles, Ú
vontade!
Comida hoje, dia 28, ás 16 horas. E' a hora-
('sIOIlIago.
Estão abrindo trincheiras. Um combaLe no
134 Allreo de Almeida Camargo

terreno trabalhado, que é plano, será bastante pe-


noso. Talvez que os canhões-mil avancem dispa-
rando com alça a zero, assassinando... Que os
deuses protejam os paulistas, que l\1arLe os pro-
teja. . .

Chega de S. Paulo um grupo de .E-0litico"li-


Touristes de trin' ,'.. s, é o que são eUes. Deci-
1 amente vieram eonhecer de perto o decantado
"moral da tropa", tão falado quão discutido na re-
taguarda. As cartas que chegam de lá trazem in-
variavelmente a pergunta de estilo: "e o moral
da tropa ?". Os soldados estão para responder,
mas responder o q'uê? Já não basta o que elles
dizem e sustentam: "Tudo por S. Paulo"?
Os visitantes contam anedoctas, logo de ini-
cio, e alguns riem antes dos ouvintes.
O "moral da tropa"!. ,. Vieram de S. Paulo
para conhecel-o, mas não ousam fazer a pergun-
ta, não se arriscmll a perguntar COlllO vae "eUe".
Porque? Se até photographar os soldados elles po-
dem, quanto mais perguntar-lhes pelo moral! (Os
homens da retaguarda ainda não comprehenderam
a mentalidade do soldado, que, no (ront, repel1e
naturalmente e de maneira explicavel o contado
conI "civis", Porque, na guerra, as relações do
soldado se limitam ao sarg-cnto, ao commandante
do batalhão, ao cozinheiro. E' a guerra, a sua lei é
uma só), ElIes contam alviçareiros que está para
chegar armamento em grande quantidade (sensa-
ção); que a Marinha é sympathica (sensação) ; que
em Minas c principalmente no Rio Grande o movi-
mento é uma realidade e vae-se alastrando rapida-
mente (sensação); que (oh perscrutadores do mo-
.4 EP()PÉA 135

I'al alheio!) a retaguarda das tropas inimigas do Sul


está cortada (sensação); que a belligeranda está
sendo pleiteada com successo, só havendo .emba-
!'aços por parte dos Estados Unidos. Assim: a Ita-
lia estaria disposta a reconhecer o estado de bel-
ligerancia, mas os Estados Unidos, lançando mão
da doutrina de Monroe, não via com bons olhos a
intromissão de um paiz europeo em negocios da
America. A França, por sna vez, rival da ItaEa,
acompanharia a attitude dos Estados Unidos. E
o barulho estaria armado na Europa. .. Mais uma
vez a Europa se curva ante o Brasil. .. (Sensação).
Os 18 annos não estão acost'umados a receber tan-
las hôas-nolicias, e os corações dão sacudidelas que
poderiam ser fataes. Ponlue causar sensações tão
agradaveis e perigosas? Em geral, as noticias al-
viçareiras são da exclusividade dos que não estão
110fl'onl. E, quando este as recebe, estabelece-se
11m contraste, (entre a situação do soldado e o sen-
lido das mesmas) que é ao mesmo lempo inulil c
COlltraproducente. Alguns affirmam que não, e
pOl'isso o fronl vive á custa de contrastes, dos quaes
(',
um dos elementos, o mais ingenuo delles.

DIALOGO DAS BARRACAS


1.a BARRACA

-- Temos visita.
2." DITA
~São politicos pauEstas, isto é, de S. Paulo.
Vi('l'am de lá, devem saber novidades.
1.8 DITA
. .- N ovhlades vem elles buscar aqui, dos 801-
dndos.
136 Aureo de Almeida Camargo

2." DITA
- Quem sabe.
1.' DITA
-- Vem conhecer o "moral da tropa", dar pal-
pites e distribuir" peixes". Repare como eHes s~
apresenlam. Como credenciaes, allegam que o fi-
lho está no {['onl, noutro {['onl, e, no emtanto, é o
nosso que visitam, qual!
2.' DITA
- Nada de maldades. V. sabc que os bala-
lhões estão cheios de parentes de politicos...
1." DITA
-- Não dissc o contrario.
2." DITA
- ... c todos elles bons soldados.
1.n DITA
- Os bons soldados a que v. se refere, paren~
tes ou filhos de politicos, são bons paulistas, opti-
mos até. Nã o rliscu to com eHes, que valcm m ui to.
Os velhos são os que me interessam. Repare no
acanhamento com que os visi tan les conversam.
AqueHe alé está vermelho, talvez que o remorso. . .
2.8 DITA
- Remorso?
1.8 DITA
- Vamos conversar com claresa, fazer jogo
franco. Esses homens que ahi estão, e quc não po-
dem ser estudados isoladamente, pcrtenccm Ú mas-
sa infcrnal dos politicos, dos máos politicos, dos
máos pa'lllislas, á massa dos que infelicitaram São
EPOPÉA 137

Paulo. Uns pertencem ao gruIJo l\-Ião-Grande, o


qual controlou a intelligcncia, a consciencia, a arte,
o trabalho e a vida de um Estado, durante annos
seguidos, e da mesma forma desgraçada. Até a
moral paulisla (niío sorria, niío é o "moral da tro-
pa") estcve na imincncia de sossohrar de vez, pe-
rante a Nação e a Historia, porqne elle, Mão-Gran-
de, tudo encampara, - o Estado era elle. A ve1'-'
ganha que ainda restava esquecida numa ou noutra
casa, escondida numa ou noutra fazendola do in-
terior, figurava nos ultimos tempos como o dCITa-
deiro ob.ieclo procurado para encerrar o leilão que
se processava miseravelmcnte. Mais um lance e
Pal's Lem~ era vendido.
O outro grupo, o da Mão-Pe(IUena, nasceu pe-
qucno, fez-se forte, mas sempre do mesmo tama-
nho - pequeno. Quantos se illudiram com a esta-
tura mesquinha! E se não chegou a possuir por
muito tempo a machina que lhe fugiu das unhas,
e na qual continuaria o trabalho rasteiro da Mão-
Grande, nem porisso deixo'l1 de se nivelar a esse
grupo.
2." DITA
-- Quanto rigor!
L" DITA
-_o N:'ío me interrompa. Se nós não podemos
falar descmbaraçadamente nos campos Sul de S.
Paulo...
2." DITA
.-- NÚs, não.
L" DITA
- Sim, os soldudos. Como dizia, os grupos
ahi estão, descriptos á moda da terra, - com ri-
gor. S. Paulo post-1930 nivelou-os, cllcs que tem
138 Allreo de .llmeida Camal'go

o mesmo sangue, os mesmos vicios, um só apetite.


Os dois grupos fizeram a guerra. . .
2." DITA
- Foram os paulistas, protesto!
L" DITA
- Concordo, fOI'am os puulistas. Foram estes
que se levanlaram, lodos sabemos. Levantaram-se
porquc? Porque não queriam respirar um dia
mais a athmosphera carregada de mlios c fomen-
tada por clles. Por ellcs, sim. Sem os grupos não
haveria Outubro de ln:~O, sem elles o 9 de .Tulha
seria um simples n de Julho de folhinha, nada mais. I
Depois de :~O, Mão-Grande se calou naturalmente,l-P~
I
pois estava vendda c sÓ aguardava o golpe de mi-\
sericordia, que nunca chegou. Mas, se não podia
dirigir o Estado gostosamenle como outróra, podia,
contudo, amar S. Paulo, ajudal-o, na medida das
forças de que ainda dispunha, a carregar o fardo
que enchera quasi totalmente. Não. Nunca. Li-
mitou-se a dizer arrogantemente "um dia ha de
chegar". Só esperava voltar para as posições quc
ainda lhe conservava a forma do corpo. E a cada
erro da rcvo}uçâo em S. Paulo, que foram muitos,
encolhia os ombros, largando com um sorriso (clas-
sifique v. a especie de sorriso) a phrase que não
tinha o direito de dizer: "V ocês queriam a revo-
lução, agora aguentem as suas eonscquencias". E
.dizer-se que Mão Grande se julgou e ainda se jul-
ga espoliada do emprego, victima iUllocente de uma
brutalidade, e, suprema ironia, exclusivo bons
paulislas!. . . ~ .
Depois de :~O,o gruDo ~ueno participou dos }Y
erros da revohlção el~Paulo, viveu-Ihes sempre ~
A EPOPEA 139

Ú sombra, esperando realisar a ambição de vez,


lIlas só para eUe, nunca para S. Paulo, que pouco
se lhe importava. Falou e gritou: "Temos o di-
I'eito, soffremos..." E calou-se, quando se pra-
Iicavam as grandes injurias a S. Paulo, muitas in-
sufladas e applaudidas por elIe mesmo. Quando se
fizer a historia da revolução cm S. Paulo post-19iW,
a miseria dos ambiciosos que puzeram o Estado a
perder apparecerÚ como o ultimo trapo de honra
alardcada pelos derradeiros mÚos paulistas.
As Mãos... Uma q'ueria que S. Paulo sof-
fresse a situação que a substituira na direcção da
machina; que um ambiente saudosista lhe fosse
propicio para o futuro; que em S. Paulo se criasse
absurdamente nma nostalgia absurda a seu fa-
vor. .. A outra queria S. Paulo para si, só para
si, para satisfazer Ú volupia peculiar aos despeita-
dos, para quebrar o pedacinho que ainda ficara
da pobre machina, (lUC andava aos tl'ancos, o pe-
dacinho. . .
2.' DITA
- Y. mu(lou o rUlIlO da conversa
l.a DITA
- A guerra é uma Ile(:essidade, dizem, uma
bella opportunidac\e para demonstrar que S. Paulo
não é covarde coUeetivamente, como alardeava um
ministro revolucionario, que hoje deve estar 1>0-
([uiaberto. Que se guerreie, pois. O cerlo é que
os polilieos sc uniram para fazer a guerra e cha-
maram justamente os moços que estavam por tudo,
por S. Paulo. Porém, não lhes deram armas. SÓ
viam o Cattete pela frente e adhesões promettidas
(politico prometter a politico!...) sÓ isso eUes
viam. Elles que não eslavam Ú altura de S. Paulo,
140 Aureo de illmeida Camargo

que nunca estiveram senão fugazmente, tambem


desta vez escapam á altura da situação que cria-
ram. Os moços vão para a frente. Estão aqui.
Vieram cxpontaneamente guerrear por S. Paulo,
nunca suicidar-se por clle, porque o suicidio se fa..
ria lá mesmo, na Capital, dentro da casa, no ba-
uheiro. Pobre S. Paulo! Dia a dia é terreno a
mais que perde, apesar da Illta dente-a-dente, pal-
mo-a-palmo. Por S. Paulo! Os politicos deviam
afastar-se definitivamente de todo e qualquer lu-
gar de procminencia. Elles compromettem a bel-
leza do sacrificio da mocidadc. A terminar a guer-
ra favoravel aos paulistas, vae ser um inf.crno para
acertar em S. Paulo qual a Mão que deverá agarrar
o bocado em primeiro lugar. A Grande, a Pequcna '?

2." DITA
- Quando terminar a guerra, os soldados vão
voltar para mandar um pouco.

L" DITA
- Vae ser o inicio da grande luta. Confio
nos soldados, quero acreditar que elles estabelece-
rão um regimen de honra, de. . .

2." DITA
- E11es estão de partida, os políticos.

1." DITA
- Passem bem, boa viagem.
2.11 DITA

- Passem bem, boa viagem.


!::P()PÉA 141

Ha UIlla frescura de desabafo que enche os


pulmões. São os ares sulinos. (68).

o canhão 150 do Itaipú dispara, ao longe, c


o estampido fére o espaço, o pobre espaço. Amea-
ças dc chuva, - um desastre para a tropa CJue na
sua maior partc já não dispôe dc lonas de barra-
ca, perdidas umas, arrebentadas, outras, algumas
abandonadas. Desaba á noitinha o maior tempo-
ral apanhado pelo "14" e quiçá pelo Sul de S.
Paulo. Uma tempcstade de agua, raios e vento
pela noite toda. Os capões são atravcssados por
uma serie de peq'uenos rios enlameados, os qnaes
em nada lembram as enxurradas de cidade. Um
soldado, mais dc um, tem o expediente de atraves-
sar dois fuzis sobre um dellcs, improvisando uma
ponte, - "leito de campanha", segundo a expres-
são do constructor. O batalhão, que não dorme
ante a invasão da agua suja, julga ouvir artilheria
inimiga de mistura com descargas electricas. Se-
guramente, até os elemcntos conspiram contra os
paulisLas. Raio ou canhão, o barulho é um só,
porque unico é o obj ectivo - os paulistas. E pra-
gueja-se justamcnte.
Manhã sem chuva, mas encoberta e fria. O
"14" tresnoitado e, de accordo com a opinião exa-
da de um soldado, apodrecendo.
Apodrecendo é igual a: sujo, rasgado, molha-
--
(68) A aeluação dos politiccs na retaguarda e na di-
rccção da gnc1Ta não poderia ser analysada com detalhes
neste livro nmTalivo. Os que se inlere(jsam pelos homens
publicos paulistas devem ]er o liVl'o de Maltos Pin~
'Iue é um cidadiio honrado e amigo de S. "Paulo. '[;: lC
a sua narrativa sobre as miserias politicas que assistiu e.m
S. Paulo - 1932.
142 A. LLr e u d e ,l I J/l e i cI a C alI! a r [J o

do e cheirando. (69). E' o "14 de Julho" a 29 de


Agosto de 19~~2. Nada de sol. Os soldados espe-
ram pelo café, que melhorará a situação, impedin-
do, quem sabe, o desenvolvimento do reumathismo
incipiente. Ademais, ainda ha os arrepios de frio,
prenuncio de uma pequena ou grande grippe. O
caminhão da intcndcncia apparcce, barrento. O
chauffeur, assustado, conta que o carro virou e com
elle o café, tudo numa derrapage forte. Que só
sobrou pão, assim mesmo molhado, possivelmente
sujo, e que de camaradagem arranjou cinco queijos,
cuja origem esconde. Os soldados reclamam café,
"café quente", mas o chauffeur quer socego", "elle
que soffreudores na quéda".
Quantos são os solda:dos que baixam ao hospi-
tal de Capão Bonito, reumathicos, febris? Uma
Cia. quer descansar, trocar roupas em Capão ou
Itapetininga. Descansar todos querem, todos pre-
cisam, mas o commandante Heliodoro pondera que
o "14" é indispensavel no momento; que o proprio
Coronel Taborda cuidará de attender aos desejos
do batalhão, aliÚs razoaveis, dentro de breves dias.
Ha muita tropa seguindo para Capão Bonito, para
Itapetininga.
Corre com insistencia que o inimigo vae bom-
bardear aquella cidade. Onde teriam encontrado
a noticia? Até á noitillha, nada de aviões, e o ini-

(6\) "Sem que houvesse outro elemento para subs-


tituil-o, cumpria elle ser conservado em linha, mesmo por-
que ainda nos era dado esperar que no momento critico
se produzisse uma galvanisação nesses olementos cuja
bravura agora eclipsada pela depressão organica re.surgi-
I1ia mais tarde em manifestação surprehendellte". (Palmo
a Palmo, pg. (5).
.4 EPOP1~fl 143

Illigo felizmente não dispôe de canhões de grande


llleance. Estás salva, Capão!
Manhã, quando Ia artilharia g-e faz ouvir, sur-
da, pesada, devastadora. Os canhões paulistas já
Ilaviam partido, iam acudir outras tropas, percor-
I'('t. outras linhas. Os tiros são sobre o destaca-
IlIcnto Anchieta, no Paranapitanga. O "14" se re-
rar., descansa, joga poker e enxuga as roupas. E
sabe que lutará dentro em breve, pois o ar está
carregado, ha ambiente de guerra. E sonha acor-
dado, olhando para o céo, com um avião derruba-
d o por um tiro certeiro. . .
O dia 31 amanhece com forte fuzilaria na re-
Iaguarda e para os lados do Paranapitanga. O
caminhão do café não apparece, o que é máo si-
gnal.

A situação das tropas paulistas:


Sobre o Paranapitanga, o destacamento An-
l'.!lida, composto de elementos do 6.° B. C. P., Le-
gi:io Negra e batalhão Ribeiro, antigo batalhão Ar-
lindo. Quatro kilometros atrás, o "14 de Julho"
"('scalonado, em pontos dominantes, á esquerda da
('si rada Capão Bonito-Bury, na região de Fundão,
dt' modo a proteger o flanco esquerdo e retaguarda
da tropa do commando do capo Ribeiro, que fica
"111 primeira linha". (70).
Graves acontecimentos na retaguarda: o ini-
111igo, aproveitando-se de inexplicavel recúo de um
I"tlalhào baptizado com o nome de 'Um bairro da
C:tpital, havia conseguido ineursionar um kilome-
11'11alrÚs do P. C. do destacamento, pelo flanco es-
~ .---
(70) Do Relataria do Comte. Heliodol'o ao Comte.
"11 Fon;n Publica.
J.!.1 ..III}'('" .1(' .111:lci,/" I:II/I/(/}'!I()
-.-------

((lJ(:rdo. Pou('o anlt-s de a]('al\l::lr a I'slrada di' I'tl-


dagl'm CapÜn I\IIIJiIIJ-I\llry (' Il'I' 1dlimado IJ IJhj,'-
l'Ii\'o, -- cor!l' da rl'iagllard:1 paulista -- o inilni-
go (')\I'lJllll'a J'l'siskll('ia orgal\isada pelos [:nIl1ll1an-
dall«'s do d('sla('al1lcllIo c do "1.1", (elemcnlos I'S-
parsos l' <.:arro-ldiIHlado) ('lJnsegllindü nwnll'l-o :'t
()
disl:ll1ci:l, apesar dc nÚo o d('salojar de \'l'Z.
inill1igo alli ficaria sem prlJgredil', mas dlJll1illan-
do a ('sll'ada, [ornalldo-a il1lraw;i!a\'el. Os I('igos
chaJl1al'iam a Si!tl<lI:;IO de J'l'tagnal'lla "((nasi ('lJr-
lada ", Sabe-se, de IJnlro lado, !flll' estÜo pl'I)\'idl'lI-
ciando a ('onslrllclJw (prodigilJs:1 cngenharia do
Sul!) de uma I:slrada de eml'rgcncia. (71),
FlJrte fuzil:iria I' hombal'dl'ilJ do lado I'al'ana-
pitanga, Os C:llJiI()('S cstúo visalldo os palllistas
eom al(:a a zero. SI'I'\'i(:o L'xlrallrdinnrío de \'igi-
Jal\cia. Dois a\'il-)('s, ;'IS 1I !Jol'as. Apesar dl: \,oa-
rem elU o!JSCI'\'al:Úo, 11;-\0deixalll dI: ('riar a]HlI'I'(:('i-
IIH'n!os aos pau listas. Hepc!t'II1-se os cuidados ('
os cpisodios de SCll1pre: corridas para o ma!lo, 1)(:-
didos de silellcilJ. protestos ('ol1lra os mais il1lprll-
de)) leso
Primciro ala 1'111C: signaes Ik illimigo Illl))la de-
\,a(::-Io de colli))a. A tropa Sl' espalha pelo eall1l")
elll li))ha de atiradorcs, atrÚs dc parcos cupil1s,
proclIrando aillda pro!c('(:Úo 110S ac('idc))tes Iwtll-
raes do terreno,
Ainda niio S(' l'omhall'. Os soldados se pre-
o('('npam ('om o ((IIC Ihes tem perturhado lodos os
soccgos - eomida. Ilo.jc dia 1\:"0 virÚ, e sim o.
inimigo, cuja j!I'l'SI'lll,:a foi assignalada hontcm 110.
flan('ü eSlluerdo por il\tcl'll!edio de grandes quei-
madas,
---
(71) Chegou:1 SI'I' ('onslruida (' po!' dIa passaram os
caminhões do deslaeal1ll'llto, Ú IllJi!l~.
.\ 145

A's };') horas mais ou menos, vindos do Para-


Ilnpilanga, appareeem alguns vehiculos em carrei-
1':1 \'('rtiginosa. Cavallarianos em disparada tam-
1"'1)} se mostram na estrada. Um delles, offegan-
11', cOlJ}munica que a tropa está a retirar-se eom
ditTiculdades, acossada pela numerosa cavallaria
1lllll1Jga.
"Se ,"oces virem ca\'allarianos por essas eol-
lill<\s, fa~'am fogo sem piedade, para salvar a nos-
,"n tropa."
Afinal, o grosso de soldados em retirada. Os
di! "H", em posit:{lo avançada, tambem se re-
Irallcm.
Os primeiros retirantes tinham atea'do fogo no
IlIatto proximo Ú estrada. Hesu1tado: está causan-
do damno aOs mais atrasados, (!lIe protestam inu-
lilllleute em altos hrados.
Lm caboclo esbaforido conta que a cavallaria
illimiga estÚ passando grandes effectiyos no nan-
''o esqucrdo. ;\Ialdito flanco eS[IUerdo! Os paulis-
1:1S ,"{lo ser envolvidos, se yÜo! Pela
fumaça já o
I's 1:10. Que venham os homens, agora! Proeura-
~;(' fazer fogo-de-encontro, o qual nào produz o ef-
r,'i[o desejado. Que pensarÚ o inimigo ante a pro-
rIlS:lO desordenada de queimadas? Que os paulis-
I:IS () imitam erradamcnte? São labaredas que se
:dl('(:cdem allueinantcs. SÓ ha uma prcoccupação:
qlJ(:imar o maximo possivel. ,(\ão ha soldado que
II:'J() proeure, para o fogo, 11m pedacinho de ar\'o-
I"'. UI11 palmo de capim. E' a hora-fogo; são !fj
Illeia horas. Como oricntar-sc com fogo c fu-
"111:II:a por todos os lados? Onde os paulistas c
IIIIIIc os conlrarios? As labaredas crescem nos la-
dlls, na frente, atrÚs, UlIl (!uadrantc ycrmelho, -
li I<'undão em fogo.
146 ,tu l' e (J li e ,li /1l e i ri a C a 1Il a l' g o

Ao longe, no alto de uma collina, limpa de


malto, entre um aberto na fumaça, uma lista ne-
gra-azulada, são os dictatoriaes em formação de
ataque. Os assobios das balas, passando uma a
uma pelo meio da tropa em retirada, attestam que
o inimigo se approxima cada vez mais.
Nas proximidades do P. C., o com mandante
Hcliodoro a clamar com voz forte, dirigindo-se
aos soldados do "14", e a lhe::; mostrar um caminho
transversal á estra'da. Do fluxo da gente em re-
tirada, começa a pingar um ou outro soldado, que,
immediatamente, toma o caminho indicado.
Duas trincheiras, ladeando a estrada. Na da
esquerda o "14", na da direita o 13.°B. C. P. Lar-
ga, alta e bem feita a trincheira do "14". EUa se
extcnde pela orla de um capão de matto, no mo-
mento da occupação attingida pelo fogo levado
através o campo.
Vultos na estrada, a uma centena de metros.
Os ultimos retirantes ou os primeiros inimigos?
Apesar da duvida e dos signaes que os vultos fa-
zem com braços e lenços brancos, estalam os pri-
meiros tiros, arrebenta com violencia a fuzilaria do
lado paulista. São inimigos! O Major Heliodoro
percorre a trincheira aos gritos: "Passem fogo,
passem fogo!" No Fundão se combate, no Fun-
dão se mata o inimigo surprehendido e manhoso.
Julgando correr atrás dos retirantes até Capão
Bonito e faz.el-os prisioneiros, o inimigo vem esbar-
rar perplexo ante a inesperada resistencia. (72).

(72) "Tão logo se sente atlingido pelos tiros do ini-


migo, o "14 de .Julho" resllrge, como era Pl'cvislo pelo
commando e, quando os elementos adversal"ios postados
em nosso flanco esquerdo inicimn a sua progressão, desa-
A EPOPEA 147

.. Quando na tarde desse mesmo dia 31, o ba-


'IIIII:Ú) "Ribeiro" ccdctcrreno ao inimigo, que tam-
()
114'111 atacara desde a manhã, COIn elementos mui-
IIIS v('zes superiores, obrigando-o a abandonar, de-
()
1111 ix de tenaz perseguição, as posições que occupa-
\'11, Ú custa de grandes esforços consegue fazer
'1("(,llpar, pelos elcmcntos de scu commando, as po-
:;i,:Úcs de segunda linha, previamente organisadas.
I':ssc esforço foi coroado do melhor exito, pois o
illillligo, que vinha perseguindo de pcrto a tropa re-
lir:lIlte, teria conseguido a nossa completa derro-
1:1,se não ti vcsse os scus passos barrados, a curta
dislancla, pclo fogo que abrimos das posições re-
c'('ldcmente occupadas, dando-lhe a imprcssão dc
CJlIC enfrentava tropa fresca e convcnientcmente
IIpparclhada para a resistcncia, quando em verda-
ck jÚ estavam os com a munição quasi exgotada c
iIIl(>ossibilitados de receber reabastecimento, em
visla de estarmos com a retaguarda cortada desdc
11 manhã" (73).
Enchem-s'c as trincheiras .de folhas e ramos
,'()rlados ás arvores pclos tiros inimigos. O pipo-
'-ar dc balas de fuzil descalibrado, porém, impres-
~;i()lla muito mais, porque embaraça o perceb€r de
CJl1(~lado partem os tiros. No Fundão se com-
1,:11 c.
Uma ordem: "Calar baioneta e prestar muita
IIllcll<;ão á frcntc das trinchciras." A segunda par-

\'iS:Hlos da posic:i'ío por clle n(~('.upada, vêm cahir justa-


IIH'1I1(,' sob o fogo de SIl:1S mclralhadOl'as, a monos de cem
II,,'II'OS de distaílcia!... E, é um ceifar impiedoso". (PaI-
1110 Palmo, pg. 08).
"(7:n Do Hrlatorio do Com te. He)iodoro ao comte.
ti" 1'. Publica.
148 Allreo de Alllleida Cllmlll'go

te era dispensavcl. A fuzilaria continúa com a


baioneta na ponta do fuzil. Ferido gravemente
um soldado do "14". Um outro tem o couro ca-
helludo riscado pelo projedil, que varou a salicn-
da posterior do capacete. Dois dictatoriaes avan-
çam, um delles cahe, o outro é poupado, á vista
da expressão physionomica que apresenta: "Póde
levar o companheiro".
O inimigo repete os signacs de paz, lenços
branços em penea. No flanco esquerdo, approxi-
ma-se tanto da trincheira que parlamentares de
um e outro lado estabelecem conversa. E porisso,
só porisso, ordem dc cessar fogo, com a recommen-
dação da mais absoluta vigilancia, cinco cartuchos
no fuzil, baioneta calada, e "fogo contra os que
se aproximarcm". Os ouvidos paulistas estão rc-
pletos de narrativas de trahições do inimigo, as
quaes costumam cOll1eçar por disfarce semelhan-
te. Muitos não querem cumprir a ordem, outros
não a ouvem. A trincheira da direita, afastada
que é da do "14", ainda não sabe da cessação de
fogo, e sustenta a fuzilaria. "Cessem o fogo, ces-
sem o fogo", mas parece que os homens do 6.° sen-
tem cocegas no dedo, ao verem os vultos que no
flanco esquerdo sc aproximam e se afastam do
"14".
N otida de (rUe elementos gaúchos procuram
adherir aos paulistas. (74).
-- (74) Esse facto se. confirmaria mais tarde. Um dos
soldados do batalhão, quando remettido prisioneiro para
o Rio, soube em Faxina que 70 soldados e respectivos of-
ficiaes de um dos corpos riogran(lenses, sabendo-se em
ma situação frente á resistencia inesperada, haviam ]e-
vantado o lenço branco da parlamentação com o fito de
adhorir aolS paulistas. o que não fizeram em virtude da
trcgua estabe]ecida.
A EPOPEA 149

() ferido na cabeça, que já se restabelecera do


slIslo, começa a dizer improperios contra o capa-
",'1(', e faz menção de esmurral-o. Acalma-se de-
pois que algucm lhe lembra a preciosidade da re-
liIJuia.
Passa pela trinchcira, cm direcção ao com-
111:lndo, um tenente gaúcho, Magro e pallido, of-
f('gante de cansaço c de emm;ão, é levado pelo bra-
('!} dc um oft'icial da F. Publica: "Daqui por dean-
I<' nos batercmos juntos pela causa da Constitui.-
<::'I()". (75).
De repente, quando tres gaúchos, a um de fun-
do, caminham em direcção opposta ás trincheiras,
('anta um F. 1\1. Lançam-se os homens por terra.
IlIas apenas dois se levantam. Segun'do depois um
!~I'llpO se forma em torno do companheiro cahido,
('!}1Ilevidente despreso para COIll a possibilidade de
IIOVOSdisparos, que se tornariam faccis pela excel-
f('!lcia do alvo, Os paulistas atiram contra os que
'lucrem quebrar tréguas e armisticios, nunca con-
Ira os conductores de feridos ou mortos, á vonta-
de gaúchos! Elles levam o companheiro.
Dura ccrca de duas horas a confraternisa-
'::'10 ('!) com os gaÚchos. Até photographias são
Iiradas, algumas de pose. Camaradagem descon-
fiada. A tropa inimiga é composta de um corpo
Pl'ovisorio de Palmciras e de um batalhão pernam-
IIlle:1nO, Presentes reeiprocos, pequenas miudezas,
11111e outro comcstíve1. () convite para visitar o
;I(';\lnpamento inimigo não é acceiLo, apesar das
g:II'antias offcrecidas e a promessa de um garrafão
dI' aguardente, "genuina", dizem.

(75) ParceL' que o offieial em qnestão voltou para


s('lI l>os10, [.crminado o armblicio-trcgua-adhesão, ele,
"
150 A u r e o d c ,t l 111e i d a C a m a r 9 o

Grandcs baixas dos adversarios: 13 mortos e


numerosos feridos.
O front está cm paz. Nada de novo no front.
Não ha soldados no front.
"Naus ne sommes pas des soldats, nous, nous
sommes des hommes. . ." (76).
Um official gaúcho traz na cabeça um capace-
te de aço, evidentemcnte paulista. E' paulista, nel-
le está escripto o nome do pI:oprietario, soldado
do "14" aprisionado no "Allcmão". O official con-
ta que os prisionciros do batalhão além de "intelli-
gentes", são "agradaveis e até engraçados".
Conversa adaptavel ao momento. Nada de
assumptos de guerra. Não se diz mal de ninguem,
e a palestra gira em torno dos campos do Sul
paulista c os do Rio Grande, sobre os carrapatos
e a chuva da noite 28-29. Não é um official mal
educado.
Ha um grupo fazendo declarações de amôr:
- Sentimos combater irmãos.
- Ficamos tristes por combater irmãos.
- Esta guerra precisa acabar.
- Prccisa acabar esta gucrra.
- Os gaúchos são leacs e valentes.
- Os paulistas são valentes e leaes.
Os contrarios já conheccm o "14", o "batalhão
de estudantes", "Sabem lutar, mas levam desvan-
tagens comnosco, porque não conheccm o maUo".
Noutro grupo, depois de manter conversação
com dois officiaes, gaúcho um e o outro p-crnam-
bucano, um soldado conta que o "14" é composto
na sua maior parte de medicas, bachareis, enge-
nheiros c estudantes, e que elle é medico. Os of'fi-

(76) (Lc Fen, Hcnri Barbnsse, pg. 45).


A EPOPEA 151

(.jacs insistem, duvidando. "Medico, sim". E dis-


ral\~adamente, no desenrolar da conversa, faz con-
:;idcraçães clinicas, empregando termos da techni-
(':1 medica. Os homens se convencem, - é medi-
1'0. O facto lhes causa tanta admiração que che-
1~:lm a mudar o tom da conversa, já rebuscam
pltrases, já existe um certo cerimonial no accender
()
cigarro.
Um soldado pernambueano se approxima, ar-
rogante:
- Mas então vocês, paulistas, querem brigar
com o Brasil inteiro... Têm que apanhar mes-
IIJO. . .
Os officiaes mandam-no embora, com energia.
Pela frente da trincheira, acompanhado de al-
guns soldados paulistas, passa um official, o Ma-
jor Reis, commandante do 3.0 Corpo Auxiliar. (77)
o Major Benjamin Reis. Alto, com um chapelão
de abas largas, longo pala gaúcho e charuto na
mão direita, pisa com arrogancia, olhando de sos-
laio as pontas dos sabres e os capacetes de aço.
Corre pouco depois uma nova versão sobre a
Irégua: os gaúchos não haviam adherido, preten-
diam tão somente a rendicão incondicional dos
paulistas! . . . E pensar-se que o inimigo poderia
ler cahido sob o fogo paulista, d~ uma vez para
sempre!.. .
Grave a situação. A tropa adversa, relativa-
IIlcnteescassa a principio, tem recebido reforços.
() cerco em que procura manter os paulistas con-
Irasla violentamente com a palavra empenhada, de
.-'.----
(77) Trazido ao acampamento e P. C., bem assim o
TIe. Alvim ('1), por um soldado do "11", que fôra ao
:w:lIllpamento inimigo durante a cessação do fogo.
152 Alll'eO de Alllleida Cumul'go

que ficaria nas posições primitivas. Lamentavel


compromisso! Mais cuidado para o futuro, sol-
dado paulista! Nada de confiar em lenços bran-
cos, nada de tréguas e parlamcntações! Confia
no teu fuzil somente, paulista, e só com ellc par-
lamento. de futuro!
Ordem dc retirada, que deverá tcr inicio de-
pois doescurccer, afim de illudir a vigilancia ini-
miga.
"Major I-Ieliodoro.
A M. P. engasgou. Peço mandar com urgcn-
cia uma caixa de accessorios completa. Ttc. Al-
varo Gordo."
E, no mesmo papel, logo abaixo:
"A's 18 horas, inicic o rctrahimcnto dos ho-
mens, sem dcixar coisa ncnhuma, cm direcção á
Fazenda do Candoca. Faça ligação comnosco logo
que sahir no campo. Leve consigo o pcssoal do Ba-
talhão Pirassununga e do Eraz, e avise o carro de
assalto. 31-8-HB2. Maj 01' IIc1iodoro."
O que houve foi um armisticio (!) com o adver-
sario, que devia durar até á manhã seguinte, (Juan-
do se daria a rendiçfío dos paulistas ou o reinicio
das hostilidades. A' vista da situação, porém, (re-
taguarda eortada e forças inimigas em posições
dominantes, estas consegui das por uma esperteza
(lue escapa ás leis de guerra) nada mais restava
ao commando senão ordenar a retirada. Escurcce.
Um ninho de metralhadora do 6.° B. C. P.,
com um soldado decidido, "em condições de fazer
fogo até o amanhecer..."
Quando o primciro grupo de retirantes attin-
ge a eslrada, afim de alcançar o que reslava de
terreno livre e menos visado pelo inimigo, appare-
.1 E P () P 1\ 1\ 153

ce, alarmado, um official da Força. E' que o Ma-


jor Rcis, contrariamcnte ao que se supunha, ain-
da não havia abandonado as posições paulistas, e,
no momento, vinha do P. C. Estaria perdida a re-
tirada, caso pcrcebcsse o movimcnto já iniciado.
Debaixo da qucimada, para a Fazenda Can-
doca. .
Marcha pcnosa, as botinas estão enchareadas
e pesam lama. Alguns andam descalços e se ar-
riscam a ter os pÓs rasgados, como ia acontecer.
A tropa se divide em grupos, pois ha duvida sobre
o rumo a seguir. Pequenas columnas iniciam o
traj ceLo em linha quc .iu]gam reda, outras se des-
viam mais para o lado. Soldados, quasi todos da
Lp.giiío Ncgra, deixam-se ficar pelo caminho, á
espera de uma conducção absurda, de uma fatali-
dadc qualqucr que os vcnha amparar absurdamen-
te. O inimigo apanharia alguns, os mais fatalistas.
Sc pCllosa cra a marcha, a sêde ainda a tor-
nou maior c agora é um castigo. Solda(los que se
espalham pelo campo adormccem, sÓ p-cla luanhã
continuariam a marcha. Ao mcio dia, mais ou
mcnos, rcuuião no Candoca, faltando os mais re-
tardatarios. Talvcz que o cansaço lhes tenha im-
pedi,do a cam inhada, talvez que o inimigo. . .

"No sul, travon-sc lula renhida na região de


Fundão, terminando de maneira vantajosa para as
Iropas conslilucionalistas". (78).

Tres aviões inimigos em obscrvação.


Partida para o rio das Almas. Nem ao menos
~

(78) (Sl'rviço (]C Pl1hlieidadc de 2-!J, 11 horas). o


inimigo devia puhlicar um idclltico trcs dias u'ntcs.
154 Allreo de illmeida Cqmargo

se passa por Capão Bonito, que está perdida, que


vae ser entregue, que vae augmentar o patrimonio
de conquista dos conquistadores. Pobre Capão
Bonito, já não baterão pelos paulistas os sinos
de tua igreja! Nem reconhecerias o batalhão que
te enfeitava outrora as ruas alegremente. Tu
mesmo, que o conheceste moço, não haverias de
querel-o agora sem a mocidade, que ficou distan-
te, lá para trás. O "14" te abandona ao destino
das tuas irmãs, que tambem ficaram distantes, elle,
que tambem possue um destino desconhecido e a
cujo, encontro vae pressuroso... Pressuroso, o
"14" vae combater por ti, por Dury, por S. Paulo!
Rio das Almas, em cujas immediações o bata-
lhão se acampa. Aviões ao longe, os incansaveis.
Comida, ás 17 horas. E' a hora-felicidade. Exhaus-
tos, os soldados se atiram pelo chão molhado, ador-
mecendo desde logo. Mais uma noite dos justos.
Quasi certa a ida para Itapetininga, onde o
"14" ficaria de reserva. Depende da vinda de tro-
pa para substituil-o. Comida ás 14 horas e um
caminhão com correspondencia, guloseimas e ci-
garros, estes para o lugar dos que se perderam com
a "grande chuva". O batalhão embarcará na ma-
nhã seguinte.
Novamente tres aviões inimigos. E todos te-
cem commcntario sobre os aviões nacionaes, que
só soffrem panne quando a passeio, e, na guer-
ra, de uma feliddade unica.
- Já é perseguição, gritam.
O :Major Heliodoro, commandante do "14",
reúne a tropa e lhe fala sobre o descanso promet-
tido c em vespera de ser realisado. Que o bata-
lhão teria em Itapetininga um novo commandante.
EPOPIL1. 155

(77) SaÚda os commandados, parte. Os solda-


dos estão cerlos de que ha um ligeiro amargar nas
palavras ouvidas. P01'(IUC fazer considerações so-
bre um pormenor da grande campanha? E' indis-
cutivel que o Major Heliodoro foi um bom com-
m~ndaIlte, lendo sabido enfrenlar situações diffi-
celSo
Ilapelillinga, á 1l0ile. Aqnarlelamento no Gru-
po Escolar junlo Ú Escola Normal, ollde eslá instal-
lado o Q. G. do Seclor. Vizinhos do Coronel 1'0.-
borda!
Grandes coisas na manhã 4. O Capitão Alves
Bastos, Chefe do Estado Maior do Sectar, saÚda o
"1:1" em grande estilo e lhe apresenta o novo com-
mandanle, Arislides Leite Penteado. (80). O ma-
jor Penleado é paulista, de S. Roque. Moço, a sua
idade oscila 28-;m annos, agradavel figura de mili-
tar. Agil IlOS olhos, nas pernas. Athleta, antigo

(7!J) "Passa:'t disposição do CeJ. AJvaro Martins,


!HIl'a serv:r IlO seu Estado :\!aior, o ;\[ajor HeJiodoro Te-
l1orio da Hocha :\brques, quc pOl' l'ste motivo deixa o
Conlluando do bLI. "14 de Julho". Agrac1rç'0 a este bri-
lhante orrieial os rell'yan!es sel'yi(:os que prestou no com-
man(10 que acaba de dcixar, ccl"!o de que eontinuará a
agir com a I11<'S111agalhan!ia na iJllportante missão que
agora lhc é (,ollfiada. Em virtll(l(~ da alteração acima no
cOJllmando do !lU. "14 de .Julho", determino que assuma
o cOJllm:lI1do do mesmo btl. o snr. :\Iajor Aristides Leite
Penteado". (BoI. do Q. G. n,O :37, de, 2 ele S('tembro),
(80) "Chamado a Itapetininga, a esse batalhão foi
dado j'Cj)()USO e armamento novo e, na maxima demons-
trac:\o do quc para eJJe nH'recia o "H d(' JuJho", d('u-Jhe
o (OI'onel Tahonl:J p:lra eomman(1ant.e, aqueJJe offídaJ
que pejas repetidas j)\'(JYas dr hl'avul'a e de bom senso, de
cOJllpctencía e de eaJma, atraIJiJ'a para si a sympatIJia e
eonfinn(::1 g(,I':H'S -- () 1.1) tc,nl'nte <10 Exrreilo Aristides
PenteacIo". (1'a1lno a PaJmo, Capo A. Bastos, pg. 127).
156 Alll'eo de Alllleida Call1argo

corredor de 100 metros rasos, contaria mais tar-


de, Arrojo moço, senso amadurecido. Senso das
opportunidades, dos momentos agudos. Um com-
mandante de moços paulistas, eis o paulista Leite
Penteado. Elle cumprimenta a tropa com largo
gesto, e, com surpreza geral, manda a primeira or-
dem, inédita para o batalhão - limpar os fuzis,
O conunandante ainda não tem 30 annos.
Esses soldados sujos, enfeiando as ruas, per-
tencem ao "14 de .Tulha", u batalhão de soldados
andarilhos. Agora, trata de te limpar: vae haver
cinema, photographias. No cinema, "Navio Si-
nistro", fita antiga, um dramalhão maritimo gene-
1'0 forte, um galã que surra o navio todo. O baile
será mais tal'de (em Itapetininga ha bailes). Um
baile longo e permanente, começa durante o dia.
Artes do M. M. D. C.
Revista matinal.
Missa dedicacla a Alonso Camargo. A igreja
repleta de flôres, o "14" em peso, toda Itapetinin-
ga. Pela primeira vez a cidade assiste a missa de
7." dia cantada por soldados. Hymnos patrioLicos-
guerreiros, alguns mal resistem e se commovem.
Pelo com panheiro morto? Pelos que morreram '!
Pela mocidade que ficou distante? O orgão en-
che o arde rylhmos extranhos, dolentes. Marte se
humanisa no fi de Setembro catholico.
Exercicio com granadas de mão. Um com-
mentario unico: "Pobres inimigos!"
Sem novidades de maior monta, e com uma
serie de irritantes revistas, passam-se as horas até
alcançar a corneta que annuncia 7 de Setembro.
Que Pedro I ainda é persona grata dos guerreiros.
O "14" desfila em grande forma pela cidade.
Aviões paulistas, em formação sobre o desfile. O
A EPOPEA 157

Coronel Taborda esta presente, montado, em revis-


ta a tropa. A montaria dispara assustada, e assus-
tados ficam os soldados pela sorte do commandan-
te do Sector. Bom cavalleiro, esta de volta e sor-
ri. Os soldados tambem sorriem, imprudentes.
Um grande desfile. Onde esta o Arco do Trium-
pho, para ser a Parada da Victoria?
Revista ás 21 horas e a eommunicação de que
o "14" forneceria soldados para a Escola de Of-
ficiaes, em S. Paulo. Grande honra, grandissima
honra. Os proprios soldados fazem a escolha, hon-
radissimos. Uma eleição-escolha de capazes e
nada mais. Os eleitos estão recebendo abra-
ços. (81).
Dia 8, depois da revista, baile offerecido peJo
M. M. D. C., ás 14 horas. Os soldados dansam,
são gentis, dizem coisas gentis. (Que gentileza
póde ter um soldado, ainda que dansarino?). Que
a guerra é suave, um treino para a resistencia phy-
sica que muito approveita, divertida em summa.
As damas se decepcionam, (ellas que julgavam a
guerra tão differente) perdem tempo com moci-
nhos festeiros. Os soldados dizem as ultimas pa-
lavras gentis, são 20 horas.

(81) Alfredo Co1ornbo, Jayrne Barroso e Luiz de '1'0-


Ieda O." Cia.); Antonio Dourado, Jorge Assumpção e Or-
lando Siqueira Tiani (2: Cin.); Ernesto Weimberg, Fran-
cisco Dias Cesar e Milton Pinto Cocl1:uL (3." Cia.).
o Cerrado
(Combate do
Rio das Almas)
. o
~
Bem municiado pela farta distribuição de ti-
ros, o "14" embarca para o fronl, ás 22 horas do
dia seguinte. Vae combater, pouco lhe importa
o destino. E' para a frente, para o fronl, para a
trincheira.
" . . . j e vais m' abímer de nouveau ,dans Ia dé-
mence de Ia tranchée. La vie du dehors avec la-
quelle mon âme avait un peu repris contact pen-
dant Ia période de repos, m'est redevenue loin-
taine. L'humanité lá-bas, aves ses peines et ses
joies, ses actes et ses pensées, mc paralt étrange-
ment fantômale. Le Christ eut-il eette vision du
monde, lorsqu'il remonta au ciel?" (82)
Manhã, CapeJIa dos Ferreiras, um pequcno ar-
raial, meia duzia de casebres, capella. Depois do
café, viagem novamente. Agora, a tropa sabe que
vae para a região denominada Cerrado.
"Havia para o extremo sul da nossa frente,
nas lindes já ,do sertão que precede os alcantis
aggressivos da Paranapiacaba, uma larga exten-
são de terreno confuso onde, ao lado de banha-
dos intransponiveis desenvolviam-se os eapoeirões
traiçoeiros, em toda a largura comprehendida en-

(X2) (Lettres d'Etudiants Allemands Tués a Ia Guer-


1'(', ~HF, pg. 210).
162 Alll'eO de :ilmeida Camargo

tre o curso do Almas e do alto Paranapanema.


Era o Cerrado." (83)
O Cerrado, com ameaça de chuva. Triste e
funebre panorama, cheio de 11ulos prognosticas.
Terreno levemente ondulado em alguns pontos;
em outros, pcquenos morros cobertos .de malta.
Campos, samambaial, pinheiros, alagadiços, ca-
pões. Vegetação complexa, complicada. Uma se-
rie interminavel de atalhos, um labyrintho. Es-
trada para Capão Bonito, que é a cidade mais pro-
xima, talvez uns 8 kilometros. E antes de Capão,
em poder do inimigo, o rio das Almas. No meio
do sertão paulista, levanta-se magestosa a Serra-
ria do Americano, a uIlica coisa a lembrar no Cer-
rado a civilisação distante.
Que surprezas offcrecerá o Cerrado para o ba-
talhão, pergunta-se, olhando o "panorama incom-
pleto" (expressão civil-militar). Que surprezas'!
E cada soldado esconde para si os presenlimel~los
de todo o batalhão. Chove fino, muito forte c
frio.
O destacamento, eommandado pelo official da
Força Publica, Capitão Sebastião Amaral, copllnis-
siollado no posto de Tenente-Coronel, compõe-se
do "14 de .Tulho", uma Cia. do 7.° B. C. P., uma
Cia. da Legião Negra (bombardas) e Esquadrão
Amaral. Quanto poderá SOllllllar tudo, desfalca-
dos como estão os cffecLivos? Mais de 400 homens?
O Chefe é um soldado valoroso, bella figura de mi-
litar, com um habito inveterado que sustentaria
durante toda a call1puuha - ser o ultimo nas reti-
radas. O seu P. C. está installado nas immedia-
ções da Serraria, uma simplcs barraca de solda-

(83) (Palmo a Palmo, Capo A. Dastos, pg. 133).


A EPOPÊA 163

.I", () "14 de Julho" viu-o pela primeira vez em


li;1.\illa. No Fundão elle examinou as trincheiras
('(1111 grande interesse, corrigindo-Ihes os defeitos,
i:;(o nos primeiros dias de Agosto. Como no Sul
Ilidos os soldados se conhecem, o batalhão está á
'''11 Lade sob o commando Amara!. E, mais qu('
Ilido, confia nelle.
O rio das Almas offerece aprcciavel linha de
r,':iistcncia. As pontes que poderiam facilitar in-
('lIl'sões inimigas estão destruidas. E' preciso,
/lois, que o rio fique neutro, cada tropa comba-
!!'IIle numa das margens. Acontece que o inimi-
!',O conseguiu collocar elementos na margem direi-
Ia do rio, a margem paulista, desde 9 .de Setembro.
").; desde então, sem o podermos recalcar, sentia-
IIIOSá ilharga de nosso dispositivo a ameaça pun-
;~('(lle desse aguilhão." (84) O commandante
/\lIlaral vinha se empcnhando inutilmente para
desalojar os intrusos.
MaIo batalhão alcança as alluras de uma pe-
(plcna elevação e já a artilharia o visa, carrancuda
.' pesada.
A tropa vae avançar, apoiada pelas bombar-
das, cujos homens estão retemperados pelas aspe-
I'('zas da campanha. Avanço, - a l.a Cia. pelo
I'I;IIICOesquel'do, a 2." pelo da direita. A 3.a está
!~llanJecendo posições do lado da Serraria e de re-
S('I'va.
Avanço, tiros que parecem partir da retaguar-
(h. lima exquisitice só explicada pelo máo conhe-
,'illJ('lIlo do terreno. O soldado está desorientado
11;1"lIalureza incompleta". O batalhão vae tentar
",'('aleal' o inimigo para a outra margem, a mar-
/!,"III dl'ile.

I H.I) (I)almo a Palmo, Capo A. Bastos, pg. 133).


J(H A 11 l' e
()
d c li 1m c i (! (/ C (I li! :1 r g ()

"As condiçõcs em que o adversario havia lan-


çado seus elementos para a margem direita do rio
eram technicamente perfeitas. Sob a protccção
de numerosas metralhadoras inslalladas nas altu-
ras da outra margem, favorecidos pela conforma-
cão do terreno, esses elementos zombariam dos es-
forços do "14 de Julho" que, com as dcmais uni-
dades do destacamento, tudo fez para recalcal-os.
Todavia eram elles ali detidos por algum tem-
po." (85)
Sem resultados o avanço, pois a 2." Cia. não
consegue progredir ante o fogo de barragem das
armas automaticas, que dominam vantajosamente
toda a extensão palmilhada. Já elementos do 7.°,
cujas trinchdras cram contornadas pelos solda-
dos do "14", haviam prevelÜdo as patrulhas avan-
çadas ele uma seria resistencia do ÜÜnÜgo, sendo
que este se localizara nas immediações de uma
trincheira abandonada por elementos paulistas,
por insustentavel. Accresce que o terrcno longe
está de favorecer uma arremettida semelhante á
tentada pelo "14", Que remedio, senão voltar?
Escurece. As patrulhas de reconhecimento
partcm e voltam com bons informcs. Comida ás
21 horas, um gosto desagradavel de feijão frio. O
batalhão dorme ao relento, chuva fina por cima
e frio.
Pouco antes de meia noite, fuzilaria sobre as
trincheiras do 7.° até alcancar a manhã 11.
Chove forte. Bombard~io ao longe, bem para
a dircita, talvez sobre o "Marcilio Franco", que
faz parte do destacamento mais proximo. Avião
inimigo em observação. Com chuva! Uma patru-
lha original, pois é chefiada pelos commandantes
(85) (Palmo a Palmo, Capo A. Bastos, pg. 128).
A I\P()l'J?A 165

Amaral e Penteado. Como as guerras estão mu-


dadas! Comida ás 13 112 horas, debaixo (10 agua-
eelro.
Elementos do "14" vão reforçar uma Irinchei-
I'a do 7.°, seriamente visada. As 1." e 2." Cias. estão
acampadas. E sabem que dentro em breve irão
occupar trincheiras no flanco esquerdo, - o li-
mite maximo de defeza do Destacamento.
Novo ataque dia 12. A L" Cia. segue o mes-
mo caminho da vespera. Fuzilaria com o ini-
migo proximo. O fito é impedir a reconstrueção
da ponte destruida pelo commandante Amaral,
importunar o trabalho, martellar o inimigo, afas-
tal-o, se possivel. Fuzilaria ide lado a lado. Os
soldados entram pelo charco, atiram meio atola-
dos. Ataque mais para a direita, atiram de pé,
de joelhos. Uma guerra de malto. A resistencia
das armas automaticas é inabalavel, - a 1." Cia.
volta sem conseguir o objectivo. Os soldados res-
mungam: "Mas fogo inesperado o inimigo ga-
nhou".
A 2." Cia. contorna as posições do 7.° até al-
cançar o malto denso, no qual penetra. Vae en-
frentar o inimigo de perto, de Sl1rpreza. A sur-
preza! O inimigo é atacado com vigor, está des-
orientado. Feliz 2." Cia.! Consegue recalcar os
contrarias para a outra margem. A seguir reoc-
cupa a antiga trincheira do 7.° A posição é mÚ.
E' abandonada. A tropa está de volta, victoriosa.
Fuzilaria sobre o 7.°. As trincheiras recebem
liras directos de um "37" que, a julgar pelos ponlos
('111que atira, está montado sobre um caminhão.
Um pequeno canhão volante.
Durante a comida, ás 14 horas, aviacão inimi-
ga. Novos apparelhos ás 16 horas, pei'lo de :10
166 Allreo de Almeida Camargo

bombas são lancadas. Devem ser das de 50 kiJos,


ufa! Um baruiho infernal, a terra em tremores.
AIguem faz a conta: "29 bombas". O "37" per-
corre as linhas novamente, dansando (com certe-
za) em cima do caminhão. Fuzilaria intensa du-
rante a noite. O inimigo é farto em munição, e
as armas automaticas, como sempre, insaciaveis.
A guerra primitiva em scena - fogo no mat-
to fronteira ás posições paulistas. Já estava tar-
dando. O fogo progride com calma. Porque pres-
sa? De qualquer forma eJIe acabará com as ar-
vores de S. Paulo. Frio, fogo, estampidos - quasi
uma noite de S. João!
Um prisioneiro inimigo pela manhã. Poucos
feridos do "14" e sem gravidade.
Mais uma vez o "37" em scena, são 11 horas.
A's 11,10 o canhão volante está 50 metros adiante;
ás 11,20 mais 50 metros e, ás 11,30, outros 50. Ao
meio dia, dá os ultimas disparas. O caminhão
deve estar cansado, pois andou 300 metros. Para
o artilheiro deve ter sido um divertimento. Os en-
tendidos em marcas de automovel affirmam que
o caminhão está inutilisa,do pelos trancas do "37".
Se ha outros para substituiJ-o, ninguem sabe. A<;
granadas arremessadas são de pequeno effeito,
pelo menos auditivo, mas a massada consiste lJ::\
surpreza dos tiros. "Pobre caminhão!" Afinal,
trata-se de uma phrase curta e sem razão de ser.
- Avião, pessoa]!
E' um apparelho rapido e elegante. Onde te-
riam cahido as bombas? Perto ou não, a terra
treme da mesma forma. E os soldados que estão
prégados a eJIa? Por força que tambem tremem.
Seis bombas, seis explosões, seis tremores. Os nu-
meras na guerra são infaJIiveis, possuem uma uni-
A EPOPÊA 167

ca sequencia. As bombas lança das são iguaes ás


do dia 11. O vôo agora é de observação.
Artilharia inimiga - o avião localisou os
paulistas. Bombardeio e bombardeio. São ca-
nhões 75, o "37" está descansando.
Bombardeio e novidade para o dia chuvoso:
canas imeermeaveis. Inegualavel retaguarda! O
novo agasalho é C1ITtO,permitte amplamente qual-
quer movimento. Lcmbra um typo de capa ro-
mantica, uma noitada de estudantes em Coimbra,
um galanteio e um madrigal. Todos com a mesma
successão evocativa. Em resumo, um collapso ro-
mantico no Cerrado. Maldita artilharia!
Dia 14, a 2.a Cia. nas trincheiras, a 1.a acam-
pada de reserva junta ao P. C. do batalhão. Frio,
tempo encoberto. Fogo no matto perto das trin-
cheiras occupadas pelo pessoal do "14". Artilha-
ria, shnapncls c mais shnapncls.
O Major Penteado é de uma actividade sur-
prehenrlente, confunde-se com os soldados e com
elles combate. Quem o teria visto dormindo?
A 3.a Cia., nas immediacões da Serraria. Dis-
tante desta uns 12 kilometros está Capuava (?),
um arraial. uma venda, reduzidos moradores. Sol-
dados da Cia. vão lá algumas vezes, a passeio, en-
riquecer o vendeiro. Um dia este não resiste, pre-
vine os freguezes de que o inimigo tambem costu-
ma frequentar o lugar diariamente, sem horas
marcadas, "para beber e fazer corrida de cavallos,
corrida de raia". Quando sonhaste com seme-
lhante divertimento, arraial paulista?
15 de Setembro! Como chove dia 15! Ataque
geral do Sector! Os paulistas vão atacar! O ini-
migo vae conhecer a offensiva paulista, attenção!
Uma demonstração de força, pesoal! A manhã 15
168 AI1I'eO de ,tlmeida CamaI'!Jo

repleta de enthusiasmo,dc "aux armes citoyens!"


A's armas! Sus!
Todos de pé, são 5 horas. A's 6, comida. Uma
farofa quente para ser guardada embrulhada em
papel, em panno, solta na bissaca. Uma caneca
grande cheia de farofa. Um soldado mais amigo
faz a distribuição com um prato, rende mais. Co-
mida ás 6 da manhã! As instrucções do Maj 01' Pen-
teado mandam que a farofa seja poupada, "a jor-
nada vae ser longa". 6 e meia, a maior parte com a
comida pela metade. Irresistivel, uma quentura
gordurosa pela manhã.
Dia 15, ataque geral do Sector Sul, o sector
dos 100 kilometros vae atacar. Que aconteça o
menos possivel para os paulistas. Atacar!?..
"Ampliando a idéa anterior ,prescreve o Com-
mandante do Sector, para um certo dia "D", uma
demonstracão offensiva em toda a frente. Cada
sub-sector "organisaria u seu gulpe de mão parti-
cular,emquantu que no grupo de destacamentos,
com o 'emprego de toda reserva do Sector, far-se~
ia uma operação destinada a desequiJibrar o dis.
positivo adversario, já prompto a se lançar em of-
fensiva energica, rumo talvez a São Miguel Ar-
chanjo, onde ainda não haviamos reunido meios
.
tranquilisadores.
:No mesmo dia o adversario opulento em effe-
ctivos, armamento e munição deveria ver crepita-
rem a um sÓ tempo, todas as armas de nossas tro-
pas em cobertura através da sua centena de kilo-
metros de frente. Desde a região longinqua da
Tapera até as cabeceiras do Almas, por toda a
parte, nossos canhões em reduzido numero entra-
riam em actividadee, em determinados pontos
tentativas mais profundas mostrariam ao adver-
r1 EPOPIL4 1!i!J

S:I riu que, sabedores embora da abundancia de


SI 'IIS recursos, não se arreceiavam os paulistas do
ITcontro a peito descoberto, fóra das trincheiras.
O dia" D" foi o de 15 de Setembro." (86)
7 horas, partida. Dizem que o ataque deverÚ
d 1Irar até Ús 18 horas. Munido á vontade. Gra-
II:I<la8 de mão e lança-granad'~s.
- E' hoje, gritam.
A 1.a Cia. avança, terá apoio das bombardas
d:I Legião Negra. Um grupo de combate da 2."
(:ia. é escalado para o serviço de patrulhamento.
!,O cavallarianos mais ou menos, para auxiliar a
illvcstida. Ordens espcdacs para a M. P.:

"Etl. 14 de .Julho. Sector Sul. Or-


dens de operações n.O 1. Comt. Cia. Mts.
I - Deveis ter a vossa peça prom-
pla para enlrar em aeção, logo.
11 - Deveis auxiliar a progressão da
1." Cia., com os fogos das ar-
mas alltomaticas, batendo as
alturas onde se encontra o ini-
migo.
111 - Deveis ter cuidado com a pro-
tecçào da nossa tropa e não a
molestar com os tiros.
IV - Terá inicio o vosso fogo, desde
que a 1." Cia. entre em contado
com o inimigo.
V - Deveis providenciar para que
o fogo tenha cficacia, procu-
rando ncuLralisar a acção do
inimigo, c bem intenso.

(Xti) (Palmo a Palmo, Capo Alves Bastos, pg. 12!1).


170 Aureo de Almeida Camargo

VI - Junto á ponte do vale, onde es-


tivemos acampados, estará o P.
Medico.
VII -- Deverá agir no mompnto op-
portuno.
VIII - O avanço da l.a Cia. iniciar-se-
á ás 6 horas.
IX - O nosso avanço terá a protecção
da cavaUaria Amaral, pelo
f1anco esquerdo.
X - O meu P. C. será no vale junto
a ponte.
Em 15-9-932. A. Penteado. Maj.
Com. Cmt."

O mesmo caminho, mais uma vez. Pela es-


querda, depois para a direita, até alcançar as im-
mediações da ponte destruida. As bombardas
iniciam o ataque, procuram provocar o inimigo,
localizar-lhe a posição. Fuzilaria de lado a lado"
intensa. Pessimas as posições dos paulistas: par-
te no charco, sem um dedo de terra para prote-
ger o nariz; parte no campo, nas mesmas condi-
ções. Nem todos os projectis das bomhardas ex-
plodem, e, collocadas as peças atrás dos solda-
dos, quasi que os alcançam. São muitas as ar-
mas automaticas inimigas em funccionamento. A
M. P. do "14" crepita um "zé-pereira" musical.
Ha um rythmo carnavalesco no Cerrado, tan-tan-
tan, tan, tan-tan-tan.
Insustentavel posição. Além disso, o inimigo
não é avistado. Os tiros partem como sahem do
fuzil, - sem alvo. Um nome para a situação:
"Ruerra no escuro". Granadas de mão lancadas
A EPOPliA 171

por um bocal collocado no fuzil. Uma dellas con-


segue fazer calar uma lVI.P., segundo apuram os ou-
vidos de um sargento antigo combatente da guerra
européa. Se attingi u as posições inimigas, claro é
que estas estão a pouca distancia, pois as granadas
arremessadas daquella maneira alcançam pouco
mais de 100 metros.
A guerra é no escuro, a posição é insustenta-
vel. No escuro, pensam os soldados, os paulistas
cahirão dentro em breve. Que o inimigo está en-
trinchcirado não resta a menor duvida. Como,
pois, desaloj al-o com fuzis? Ten tal' um avanço
pelo brejo lançando granndns? c'oisa duvidosa. de
exito incerto - os paulistas poderão perder a me-
tade dos seus homens. Depois, mesmo conseguido
o objectivo, compensaria o sacrificio a conquista
de uma posição que difficilmente poderia ser man-
tida?
A fuzilaria continúa, intensa. O fogo da M. P.
paulista cruza forçosamente com o do inimigo á
.
curta distancia dos soldados do "14". Muitos, em
campo raso, sentem-se impossibilitados de levan-
tar a cabeça do chão. Seriam attingidos pela arma
companheira. cujo fogo é necessario no momento.
Ou os soldados ou a M. P., porque ambos ao mes-
mo tempo não é possivcl.
Poueo antes das 10 horas o commandante da
1." c'ia., João Gareia de Oliveira, ordena cessação
de fogo e rctrahimcnto da tropa. Os soldados se
apalpam meticulosamente: "Que felicidade!" De
facto, estão todos illesos. Um tiro proximo: um do
"11", ao scntar-sc, dcixa disparar o revolver, que
lhe atravcssa uma das pernas.
No valc junto Ú pontc, o commandantc Ama-
ra] interpella os soldados sobre o retrahimcnto, "O
172 g
.'1 11r e n ti e :I 1m e i ti a C a m a r o

ataque dcve durar até a tarde". E extranha a 01'-


dcm dada naquelle sentido. O commandante Gar-
cia responde que a posição é absolutamente insus-
tentave1, e sÓ o milagrc teria conseguido poupar a
tropa. Que para não sacrificar os commandados,
o que seria fatal, a durar mais tempo o ataque, or-
denara o retrahimento, estando disposto a voltar
para a mesma posi(:ão, porém scm os soldados,
cujo sacrificio considera desncccssario. Que a in-
fcrioridadc dc armamcnto, mais ainda que a mÚ
collocação dos atacantes, fôra o que o impellira a
ordenar a medida.
Artilharia para a direita. "E' nossa ", gritam.
Sim, é paulista. Contam-se os tiros - 18.
O batalhão espera novas ordens junto ao P. C.
do "14". Chega o seu commandante. Cunhetes de
munição, os soldados sc municiam Ú vontade.
Granadas de mão. A' Lan!inha, para o aLaque no-
vamentc, sob o comnHlJl<!o do :Major Pcn teado.
Antes de chegar Ús posições da manhã, uma
1\'1.P. inimiga, collocada depois do retrahimento
em situação vanLajosa, a bater a estrada palmilha-
da. Nas mesmas posições, os soldados aguardam
ordem de fogo.
"Em vão lançamos na propria região do Cer-
rado esse "14 de .Julho" que se atirava cada dia so-
bre o adversario protegido pela macéga densa. . ."

"Por toda uma semana, isto é, até o dia 16 é


((uasi sÓzinho que o pequeno "14 de .Julho seguin-
do scm repouso esse commandante admiravel que
se lhe havia dado, luta para reduzir a cabeça de
ponte existente. Ataca-a pela direita, volta para
montar uma operação pela esquerda; - escarniça-
173

:se numa obstinação que não cança mas que pouco


consegue. . ." (87)
Escurece, o Major Penteado ordena o retrahi-
Illenlo. O ataque tem prazo: até ás 18 horas.
20 horas, e os ultimos soldados chegam ao
acampamento. O :3.0 pelotão da 1." Cia. tivera um
dia cheio, e sÓ Ú noite conseguira sahir das posi-
l,'ões. Armando Pereira, promovido a tcncnte e
cOll1missionado no P()sto de capitão, é o novo com-
mandante da 1." Cia.
Manhã, as trincheiras são visadas pela artilha-
ria, que rcpéte o "AIlemão", dando tiros directos.
O écho é o mesmo de sempre: "Brutalidade". Pou-
co antes, as armas automaticas em grande activi-
dade. Agora os canhões as substituem. Os fuzis
paulistas fazcm a guerra no Sul, guerreiam. Ao
longe, avistado com binoculo, desusado movimen-
to de tropa inimiga. Tamhem são vistos uns 150
homens a conduzir cargueiros. Abastecimento?
Depois da comida, ás 13 1/2 horas, a L" Cia.
vae reforçar as trincheiras da 2.", - "a pressão tem
sido grande". Canhoneio e fuzilaria até á noite.
Bum-bull1-bum. Uma serie de bum-bum do lado
inimigo. Tac-tac-tac. Uma scrie de tac-tac do lado
paulista. O fuzil contra o canhão. Noite fechada,
algumas M. P. inimigas atiram scm cessar. Rigo-
roso serviço de sen tinellas. As granadas de mão,
Ú espera de que lhes chegue a vez, completam a vi-
gilancia.
Dia 17, com fuzilaria forte pela manhã. Já é
sabido, pois muitas trincheiras o notaram, que o
jnimigo conseguiu atravessar durante a noite gran-
des effectivos para a margem direita do rio. A

(87) (PaJmo a Palmo, Capo AI\'e,~ Bastos, pg. 134).


17.1 fI u r e u ri (' ,I / /li (' i d (1 C a 11!a r g o

manhã ainda avista os ultimos cavallarianos em


fila de lIlll, longa fila.
"Effectivamente, desde o amanhecer de 17, já
lHlYia o inimigo atravessado o rio com todo o 8.°
D.egimento de infantaria e um H.egimento de Caval-
laria Independente que, após violenta prl'para~;ão
de artilharia tentam progredir sobre a Serraria do
Americano." (88)
"De Itapetininga para S. Paulo, general Klin-
ger, n.O 46, parte de fim de jornada.

3.° Grupo do destacamellto l\liltOll.


a) A lillha de postos avançados foi restabele-
cida. b) O contra-ataque na região de Ponte de
Campinas não pOl1de ser executado. O inimigo
atravessou na noite de 1(j-17 a totalidade do 8.° n.
1., elementos cavallaria, num total de 700 homens
na cabeça da ponte de Campinas. Depois de vio-
lenta preparação de artilharia elle se lançou ao
ataque que até a tarde não tinha conseguido pro-
gredir. Elle 'continÚa ~ atravessar unidades. Das
16 horas elle iniciou violento ataque contra as po-
.
sicões do 8.° B. C. P. sem resultado tambem.
4.0 A aviação inimiga na tarde de hoje (15.40)
fez um reconhecimento sobre o rio das Almas que
durou eerca de 2 horas. Bombardeou as nossas li-
nhas e metralhou viaturas na estrada, inclusive
duas ambulaneias da Cruz V ermclha.
5.0 Conclusão. O inimigo eomeçou o movimen-
to offensivo pelo flanco sul; desde a tarde de hoje
elIe movimentou muitas unidades direcção á pon-
te de Campinas para... E' possivel continuar o
ataque que foi detido hoj e.
(88) Palmo ri Palmo, Capo Alves Bastos, pg. 136.
fi B P O P ]~ ,1 175

." (89)

o 2.° pelotão da 3 fi Cia. vae reforçar uma das


trincheiras. Uma nova M. P. é collocada na linha
de fogo.
Pouco antes de meio dia, canhões inimigos em
scena. Brutaes! O fogo das armas automaticas é
de rara violencia. As trincheiras paulistas estão
bem localisadas; as menores hervinhas são corta-
das, renle ao solo. Artilharia e artilharia. Quan-
tas peças?
Fogo no malta, em direcção ás trincheiras pau-
listas.
O ataque inimigo é violento. Os canhões qu ~
o digam! Um quadro: artilharia, M. P., fogo no
maLto, granadas de mão (do lado paulista). um es.
carcéo dos demonios! Desoccupada uma trincheira
inutilisada pela artilharia. Lauro Barros Penteade
é aLtingido por um estilhaço de granada. (90) José
Vasconcellos, "pagador de boia", morre, attingido
por um tiro, na mesma posição em que se encon-
trava, - deitado debaixo do caminhão.
Aviação inimiga. Bombardeia e metralha.
Mais de hora e meia de vôo. Metralha.
Uma pequena trincheira á esquerda, a ultima
da linha, e mais de observação que de combate, é
abandonada pela meia duzia de occupantes, ante o
numero de cavallarianos, mais de 100.
As trincheiras são reforçadas, ampliadas, afim
de abrigar os soldados das que foram attingidas

(89) (Do "Diario de S. Paulo", de 20-9-32).


(90) Morre pouco tempo depois.
l7(j .turco ele Allllcida Ca/JIargo

pelas queimadas 'c inutilisadas pcla arlilharia. Uma


dellas cedera a um projectil de 105, soterrando um
soldado que, segundos após o desmoronamento, é
dalli
. retirado com vida. (91)
Chove, um triste fim de tarde no Cerrado san-
grcnto.
Serviço especial de vigilancia, pois é esperado
novo ataque, durante a noite. Scntinellas, de pé, na
frente das trincheiras cerca de 10 metros, expon-
do-se ao fogo incessante das armas automaticas.
Granadas de mão, nas mâos attentas. Tiros espa-
çados de artilharia. Fuzilaria até a manhã. Frio.
Penoso foi o combate da vespera. Além dos
mortos e feridos, alguns prisioneiros. Penoso e de-
sigual, mesmo assim conseguiram os paulistas evi-
tar o avanço projedado, o que não impede, pen-
sam os soldados, seja tentado outro hoje. O com-
mandante Penteado, combatente COlIJOos ~eus su-
bordinados, a estes dá instrucçõcs cspeciaes - não
ha duvida: o inimigo insistirá no ataque. A con-
fiança quc os paulistas depositam nas granadas de
mão é um novo factor de animo c resistencia. E
o major Pentcado, não cstá elle junto aos sol-
dados?
A's 5 da mallhi'í. sapadorcs abrcm trincheira
em meia lúa, para 12 homcns.
Aviso ele que o inimigo iniciou o esperado ata-
que pela esquerda da linha. A postos! Intensa é a
fuzilaria que se eslabelece. Aviões inimigos que
bombardeiam, são cm numero de 3. Partem e são
substituidos immcdiaÚuuente por :3 novos appare-
lhos. Estes partem, novos 3. Um revezamento.

((H) Horas depojs voltava para combater.


:;

~o
.
cr.
A EPOI'É/! 177

Brutal aviação! E que insistencia! Ordem de ter o


material prcparado para possivel retrahim~nto.
O bombardeio da aviação continúa. Agora é a
vez da artilharia. Cl'eria o inimigo montado fabri-
ca de munição em Bury?) Chove. Comida ás 13
horas. Chuva forte e artilharia.
"Ainda caberiam ao "14 de Julho", a esse ma-
gnifico esquadrão Amaral c á primeira companhia
do 7." B. C. P. todas as penas do momento.
Pelas quatorze horas combatia-se em toda a
frente do grupo de destacamentos em que, mcsmo
á direita, mal se mantinham nossos postos avança-
dos para lá do rio.
As trincheiras do "1,1 de Julho" são revolvidas
pelas granadas de 105 mas seus oceupantes não ar-
rcdam pé." (92)
De pé, "14 de Julho"!
O começo do fim, são 14 e mcia horas. Luta
DENTE-A-DENTE. O inimigo avança em mas-
sa, baioneta calada, - o ataque. O Cerrado chei-
ra a sanguc, rcspira sangue, o SANGUE. .. As gra-
nadas de mão fazem a guerra, arrebentam no pei-
to dos eontrarios, nas pernas... Confundem-se
com os de dôr os gritos de combate e incitamento.
São todos iguaes e assustam mais que a fuzilaria.
Um inferno, o Cerrado. O inimigo, tcimoso. avan-
ça. Teimosas são as granadas de mão, que lambem
avançam. Sangue: eis o resultado fatal do encon- .

11'0 dos dois avaneos. O Cerrado em 18 de Setem-


bro é igual a sanguc. Os combatentes se orientam
pclo cheiro morno - sangue. A guerra, corações
da humanidade!. ..

--
(92) Palmo a Palmo, pg. 136.
178 A.ureo de ,1/mcida Camargo

Gargalhadas com nm accento sinistro na im-


mensidão do campo de batalha: é o inimigo que
consegnill tomal' uma Il'incheira, fazendo prisio-
neiros os seus occllpantes.
Quantos cahem, dos pau listas ? Argemyro Al-
ves Silvestl'c, Paulo Bifano Alves, Ary Carneiro
Fernandes, ÇJineu Braga MaQalhães. Cesar Penna
Hamos é rethado gl'avemcnte ferido da tdn-
cheira. (93)
Situação difficil! () inimigo se infilLrou pelas
posições paulistas, algnm<ls trincheiras estão en-
volvidas. Granadas em scena. Soldados ditato-
l'iaes investem com lenços bl'ancos na ponta da
baioneta. Granadas de mão para os lenços bran-
cos. Os palavrões da guerra!. .. A loucura dos pe-
rigos eminentes!...
Uma phrase pura no entrechoque brutal: "Por
S. Paulo...".
Muitos os prisioneiros do "H". Quantos feri-
dos? Insustentavel a linha. O inimigo domina al-
gumas trincheiras, infiltrando-se cada vez mais.
A tropa já não pode combatel-o, pois ellc está na
frente, nos lados, e, em alguns ponto::., atrás da li-
nha. A retirada. As granadas de mão abrem ca-
minha. As granadas. . .
"A sua consagração tem lugar porém, no com-
bate do Ceuado onde os soldados do "14 de Ju-
lho" appelam para ('Jlas ao se verem abordados
pelos numerosos atacantes pertencentes ao 8.° R. L
c 13.0 R C. 1." (94)

(93) Morria pouco tempo depois, já prisioneiro e


cercado pelo inimigo.
(94) Palmo a Palmo, Capo Alves Bastos, pg. 161.
179

Ainda se eombate. Elcmentos valorosoE> da Le-


gião Negra atiram em cima de arvores; são <tJ'lan-
eo-atiradores. Um Lira, uma quéda. Uma caçada
humana, no Cerrado.
A retirada. Nas proximidades da Serraria, ha
tropa de MaLto Grosso rccentemente chpgada ao
Cerrado, cm linha dc atiradores em campo aberto.
E' a resisleneia, a protecção dos retirantcs. Sold.a-
dos do "14" escalados para o mesmo fim A caval-
laria Amaral está preparada para entrar c;u acção.
O major Penteado com elementos da 3." Cia. A ul-
tima linha de resistencia.
Chove. A tropa se encaminha para a Capclla
dos FCl'rdras, distante eerca de 10 kilometros. Os
ultimos soldados siio visados pela artilharia ini-
miga., :'1ovamente cm actividadc. Que aspecto os
soldados apresentam!. ..

"a.O Grupo do destaoamento :Milton.


a) Fortemente atacados em toda a frente, no
correr da jornada foi obrigado em sua esquerda a
f azcr um retrahimento de cerca dc 2 kilometros.
Mantem as alturas em scu centro a retrair os pos-
tos avançados que sc achavam a Oeste do rio.
Mantem as posições da direita.
b) O ataque inimigo partido da ponte de
'Campinas revestiu-se de particular violencia. ln-
cidiu sobre Amaral, onde o batalhão "14 df' Julho"
ehegou a ser investido a baioneta." (95)
Uma das scenas do combate. E' H..emarque que
está no Cerrado.
4 soldados do "14", á procura de ligação com

(95) (Do "Diario de S. Paulo de 20-9).


180 A li r e o d e .1 I /J! e i d a C a m a r g o

uma das trincheiras, encontram-se com um com-


panheiro.
- Onde fica a nossa trincheira?
-?
- Responda: onde fica?
- Fulano, estou preso.
E os soldados dão conta de um soldad0 dilato-
daI agigantado, baioneta calada. O chefe do pe-
queno grupo recebe a intimação de "entreguem-
se". Como a deixar o fuzil no chão, tira o revolver
da capa. Percebendo a manobra o inimigo contra
ellc investe, com um violento golpe de baioneta,
que é ;lmparado por uma das mãos. Attingido, o
paulista cahe de costas. Acompanhando o impulso
do golpe, o inimigo perde o equilíbrio e cahe sobre
o corpo do adversario, que procura attingir nova-
mente. Luta de morte, sob o céo triste. 4 assisten-
tes attonitos, inuteis, ante o imprevisto da seena. O
inimig;j procura alcançar o adversario, que se de-
fende com a mão ferida. A outra, a esquelda, dis-
para o revolver no ventre do contendor. Ouve-se
um urro, e, a seguir, um sangue quente molha os
lutadores. No golpe evitado, a baioneta se enter-
rara no chão. O inimigo ainda luta e quer agarrar
u sabre na cinta do adversario. Novo tiro, porém
no peito. Novos gorgolhões de sangue. Luta de
morte. O inimigo é robusto, quer viver, lutar, afas-
tar o rpvolver. Um dos assistentes, já senhor de si,
visa o ditatorial nas nadegas, com o fuzil. Nov'o
tiro de revolver, desta vez na cabeça. O tigre luta-
dor está exangue c deixa-se cahir ao lado do pau-
lista exhausto. Poucos minutos após á scena, o
inimigo se dirige ao soldado do "14", "não queria
matar. Sou soldado paulista preso na Ribeira e
obrigado a combater ao lado dos ditatoriaes." O
A BPOPÉA 181

paulista se commove, pede perdão ao tigre luta-


dor. "Atirei para não morrer", diz. Perdão, ain-
da repete. O ditatorial perdoa. Um scenario cheio
de perdão no Cerrado sangrento. 20 sold.1dos ini-
migos que se approximam. Alguns do "14" conse-
guem fugir, inclusive o lutador que ainda ouve as
ultimas palavras do adversario cahido: "Estes
paulistas são covardes. Não tenham medo delles,
são todos crianças." O falso paulista, o tigre luta-
dor, ,está sendo carregado.

Uma scena tragi-comica.


Ao Cerrado chegara com o batalhão um sol-
dado que logo se soube soffrer das faculdades men-
taes. De combatente passou a servir no corpo d~
saúde, onde teve fortes accessos de loucura, diante
da artilharia ensurdecedora. E porisso foi amar.,
rado numa cadeira. Tendo a aviacão avistado mo-
vimento nas immediaçães da ca~a, visou. a com
bombas. o que motivou a sahida, para o campo, dos
seus moradores. E o louco? Ao ouvir os estampi-
dos, consegue, ainda preso á cadeira, sahir para
fóra, sem contudo distanciar-se da casa. E' senta-
do que assiste ao lançamento das bombas quasi a
alcancal-o. A sua cara conserva as mesmas ex-
pressÕes violentas. A cada bomba responde com
um palavrão. Consegue desembaraçar as mãos, di-
rigindo-as injuriosamente aos aviões. Novas bom-
bas, novos gestos. As ultimas arremessadas, e o
louco a gesticular-se no mesmo lagar. "Não foi at-
fingido", verifica mais tarde um companheiro. E o
louco: "Venci a aviação, venci. . . " .
Na confusão do combate, um soldado que se'
approxima das posições do "14".
182 Allreo de Almeida Camargo

- V. são do 12.o?
- ~ão, e v.?
- Eu sou do 13.0.
- Então, renda-se. Aqui é o "14".

FaJta muita gente - mortos, feridos. prisio-


neiros, soldados que partiram para Grammadinho,
para Itapetininga. Nunca uma manhã paulista foi
Ião cheia de ausentes nunca.
O balanço da jornada cruel (quem teria a co-
ragem de pronunciar certos nomes?) se faz mcn-
talmenre: 51 companheiros, entre mortos e prisio-
neiros, lá ficaram. (95) E o olhar procura desco-
brir na distancia uma brecha pequenina que lhe
permitta ver mais UIlla vez o lugar onde o bRtalhão
se hatpu junto, dente-a-dcntc, o lugar onde os que
faltam ficaram, alguns até para sempre. O "pa-
norama incompleto", " o Cer-
a natureza trahiçoeira,
rado maldito. .. E dos prisioneiros, quantos esta-
(96) 44 é o numero dos prisioneiros: Henrique Ola-
vo Costa, Fontes Romeiro, João Penido ~Ionteil'o Salles,
Antonio Cardoso de Almeida (fugiu da ilha), Cal'los Vir-
gUio Savoy, .José Lemos Freilas, Jorge Coury, 1lli~-
fim Fontes, Gumerfindo Pontes Alves, .José Rib~de Mi-
l'al1( a, us Plalltlls Coelho' '. Raul Soares de Mel-
10, Paulus u us Om])e.la, IlI1io Riheiro ria Silva, Thomaz
\Vhately, Antonio Luciano Neto, Paulo de Mesquita, Oeta-
vio .Junqueira Neto, Antonio Silveira Machado (fugiu da
ilha), Renato Tolerlo, Tacito de Souza, Oscar Siqueira,
~[anoel José 1\1onleiro de Barros Neto, Dagoberto Salles
E.illw- AlheI'lo Guimarães, Henato Rios CãS'tro, :Henrique
Pamp]ona Menczes Filho, Eder Acorsi, José de Paula Ma-
chado, Flavio BitteneolJrt, ~ny ,S~vej~:oJ 1\1anoel Gandara
1Iendes, Epaminondas ValIe, ose - aselmento, Alipio Cha-
ves l':unes, Paeheco Jllniol', José Carvalho, Luiz Leite, R.
Mendes Goncalves e. Arnaldo Oetnvio Nebias. Os nomcs
dos restantes não puderam scr conhecirlos pelo Autor e
a Secretaria do Batalhão não os menciona nominalmente.
A EPOPÉA 183

rão de facto vivos? A só incerteza de sua sorte, de


seu destino, faz crescer a angustia collectj \'a, im-
mensa. Que o inimigo perdeu muito mais! o. Mais
do dobt o, cinco vezes mais. lá ficou eslend: do para
~empre. Talvez que estejam sendo enterrados os
que cahiram debaixo das granadas d2 mão. (97)
Olho por olho... Nem porisso a gllt~rra tem fim,
nem porisso os homens se humanizam. nem poris-
80. Olho por olho. . .
Aviões inimigos (que tem eUeo; a ver com o
Juto alhcio?) metralham o "14", sem resuJtado.
Tarde o café, muito tarde a comida.
5 aviões durante o dia. pareceJ11 paulistas.
Bombardeio ao longe, são paulistas .Flles tambem
vão interromper as lamentações do inimigo. Olho
por olho... Pouco depois, aviões inimigos em di-
rec~ão de Grammadinho. Ouve-se o metralhar dis-
tante, é Grammadinho. Escure. Uma noite em Ca-
pella dos Ferreiras, má noite.
Novos apparelhos inimigos sobre o "14",
manhã.
Sabe-se que a tropa dc Matto G-rosso partiu
para a frente e quc o "14" a seguirá dentro em bre-
ve. Mais uma vez, aviões inimigos. Passam alto.
sem hostilisar a tropa, arre!
Partida do batalhão ás 15 e meia horas para
o Paranapancma. onde vae guarnec~r dois pontos
em trinchciras á beira do rio. A' espcra dú inimi-
go. Eslc não apparecc durante a noite. Cuida de
OlÜros misteres, se cuida!
Nc::icia dc que o "14" embarca para Capella
do Turvo. Para quc? Ordcm de deixar as trinchei-

(97) 35 é o numero de mortos, segundo affirmaram


aos prisioneiros do "14", em Capão Bonito.
184 Aureo de il1meida Camargo

ras, e, ~ uns 3 kilometros atrás, acampamer.to num


capão de malta. Chegam caminhões á meia noite.
Madrugada e Capella do Turvo, onde os soldados
de!xam fuzil e munição. Mais adiante, em Gram-
madinho, ficam as armas automaticas Grrespectiva
mtmiç.ão.
Itapetininga, ás 9 horas. No antigo quartel,
Grupo Escolar, o "14" recebe um emissario do Co-
ronel Taborda, que vem especial e exclusivamente
dizer duas palavras em nome do commandante do
Sector: "Bom dia". Os soldados estão commentan-
do os principios da bôa educação. Que, de facto,
um cumprimento matinal entra pelo corpo a den-
tro como os ares mais puros da manhã.
Vão passar a fita tirada dia 7, durante o des-
file do "14". O batalhão se installa no cinema, á
hora marcada, 15. f:hega o Major Penteado, os sol-
dados se levantam num só impulso e o saudam.
"Penteado" é a palavra que enche o cinema ita-
petiningano. O Majl)r julga tratar-se de um alar-
me, de um ataque, do inimigo que avança para
matar mais soldados, conquistar mais terreno pau-
lista. Considera-se no Cerrado, vae ordenar...
Quando o espectacuhJ tem inicio com os ultimas
échos da ovação, as ultimas paredes ainda resoam
"Penteado". . .
Revista ás 17 horas e reunião ás 20. quando o
"14" vem a saber do .'embarque para S. Paulo",
"para descansar e preencher os claros do bata-
lhão". Para S. Paulo?!. .. Mas então ha combate
em S. Paulo?!...
- Não insistam, o batalhão vae desca.nsar.
O "14" embarca ás 24 horas. E nunca se sen-
tiu tão bem installado na 2.a classe, a mesma que o
A BPOPÉA 185

levou para Itararé. Prestavel, confortavel, quasi


adoraveI a Estrada de Ferro Sorocabana.
- Boa viagem! - gritam ao longe soldados,
sefuramente invejoso,> do "14" - boa viagem!

E São Paulo ahi está, 8 e meia horas do dia 22


dI: Setembro. Commovam-se á vontade, soldados
p~llIistas do batalhão "14 de .Tulha"!
Depois de São
Paulo- Itapetininga
o T aquaraI - Abaixo
o hatalhão hisonho que a 14 de Julho partira
para Itararé, inexpericn te e descansado, revê S.
Paulo já considerado desde muito tropa regular,
depois de 70 dias de campanha, onde tudo aconte-
ceu, desde a dôr de dentes até a quéda da moci-
dade. Credenciaes para pisar S. Paulo: 70 dias de
lutas dente-a-dente, uma longa sede de mortos,
feridos e prisioneiros.. e, em cada corpo. uma lem-
brança, recordando o Sul paulista.

A volta do 18 annos! Elle corre para a casa, in-


vade-a com beij os, incorpora-se de coração ao S.
Paulo-1 !)32, á retaguarda-Mulher-paulista. Inda-
ga-lhe pela saÚde, pelo frio, pelo collega-g,migo-ir-
mão dislanle noulro seclor. E, inexplicavelmenle,
sem que se lhe pergunte, conta que o companheiro,
os companheiros morreram. E só - morreram.
E resolve percorrer a cidade, sondar-lhe o pen-
samento, conhecer aquelles que lhe ditam a guer-
ra, aquelles que lhe ajudam na guerra. E SE'admi-
ra, e se espanta, e se orgulha. lVI.M. D. C, Escola
PoJyteehniea, a Mulher Paulista.
E lê os jornaes, e a campanha que recolhe ouro
confirma a verdade que lhe atormentava a cabeça
no fronl, dolorosamente. Então o 18 annos sorri,
porque sabe que a IIistoria mudará o nome "ouro"
190 .<1/1r e o rí e ,\ 1m c i d a C a m a r g o

para "Campanha dos humildes", na qual o func-


cionario publico depositava o relogio, a J!liança,
quem sabe se o faqueirQ que lhe coubera na pe-
quena partilha dos bens paternos; na qua1 o pe-
queno escolar esvasiava o cofre, niquel por niquel;
na qual as mães paulistas entregavam un1 pedaço
da rcfei~;ão diaria; na qual tambem o texto biblico
da viÚva pobre se repetia diariamente de um Indo,
e, do outro, se viam magnatas paulistas entrega-
rem obulos que mal lhes abalava o ultimo bolso
do collete. A fortuna paulista! A cid:)(le dos ho-
mens-mil-contos! A Historia se commovcrÚ, rindo
do obulo das viÚvas.
O homem-mil-contos repete a cada instante,
batendo nos ombros do 18 annos: "Lutar até a
morte. S. Paulo exige sacrificios".
O 18 anHOS, que sabe gargalhar, garg:1lha.
- Que S. Paulo exige sacrifícios!. . Outra
coisa não fazem os soldados. Até o fim, até o sa-
crifício total? Lá irão todos. No entanto, que ap-
proveitaria aS. Paulo um sacrificio parei <lI, se. . .
- Defender a honra paulista é o dever de
todos.
- Nada de phrases mil-contos. A "honra
paulista". .. Deixa esta phrasc para os poli ticos,
que 1'a assopraram. A honra paulista foi conquis-
tada no Tunnel, em Bury, nas trincheiras de Eleu-
teria. Lá ficaram, no monturo, no apalll(,do, no
covão, os marcos humanos da honra paulista, -
enterrados sujos e magros, mais sujos qUe a terra
que os cobriu piedosamente.
("Si les messieus de chez nous que ne cessellJ
de réclamer Ia lutte á outrance, voyaicnt cc qui se
passe au front, dans qucl état sont nos troupcs, ils
renonccraicnt á fabriqueI' leurs phrases. J e souhai-
,1 E P O l' É A 191

terais de voir c<;s gens-lá ici pendant quelques jours


seulemcn t." (88)
- E n50 reclamaram, nada exigiram. limita-
ram-se a ohedecer. E todos tiveram uma ~Ó pala-
vra derradeira: "Por S. Paulo". Um sacrificio to-
tal"! Para elle caminharão todos, que a linha tra-
çada é essa. Mas depois tocará a tua vez e a dos
politieos, porque o saerificio tem que ser total, ele
morte, até o fim, até completar um fim dr. raça.
Escuta, mil-contos: um fim de raça! Os ultimas
mo(.~os pau listas cahindo de borco para sempre. . .
E cahirão com a mesma palavra derradeÍla, con-
vença-te disso. Do teu lado, agora: os homl:ns-mil-
contos abrirão a bolsa, queimarão o cafesal. mata-
rão o gado, arrazarão a casa, o arranha-eco. ..
- 'I...
- Um fim de raça exige um sacrificio total,
um delirio collecti VO, uma loucura absurda. De-
pois do absurdo, as mulheres e as crianças levarão
para longe, bem longe da cidade-cinza, a honra
que os 18 annos (e tu tambem mil-contos) eonquis-
taram para a Historia só c exclusivamC'ntr para a
Historia. E o capitulo chamar-se-á "Emigração da
Honra". E nunca S. Paulo será tão grande. Elle
só encherá a Historia. Então, mil-contos, cst~IS dis-
posto a acompanhar o 18 almas na arrancada fi-
nal? Não? Pelo menos, abre a tua bo13a de vez! Ou
Campanha dos Humildes ou Campanha d) Ouro?
Então, mil-contos?

Em todos os cantos, a mentira official, o des-


controle convertido em bravalas pcssoaes e sacri-

(!)8) (!.('!lres tl'Ellldianls AlIemantls Tués a Ia Guer-


!"c, I'\HF, pg. 220).
192 Allrco de Almeida Camal'go

ficios alheios. A guerra chegara a um ponto que já


não comportava mais o engodo. S. Paulo precisa-
va de estar ao par da sua verdadeira situação, de-
liberar sobre a guerra, dirigir-se a si proprio. Por-
que, a politica de hoje, que orienta S. Paulo, é a
mesma que o ludibriou a 23 de Maio, distribuindo
entre si os lugares que ellc, S. Paulo, sÓ clle con-
quistara na pequena epopéa popular. E, então, .
nem um só elemento "sem expressão politica", mas'
"expressão povo ", para representar o S. Paulo-23
dc Maio. Se o movimento popular foi" encampado
pela politica, encampada por ella tambem o foi a
guerra, 40 dias depois. E, em .Tulho-1932, o grande
movimento sustentado e apoiado pelos moços
não insuflado e provocado por elles) é contro ~~s a o
pelo mesmo espInto que delles tIrou as glorias do
23 de Maio. A situação é grave. S. Paulo precisa
de estar-lhe ao par. Nada de politica. Esta não
cabe no momento, que é de guerra, que é paulista,
que pertence á mocidade.
(Durante a batalha de Paris, "SUl' l'Ourcq",
que decidiu o Marne:
"- AlI! Ia politique! grogna Gallieni... Com-
ment ose-t-elle ancore élever Ia voix dans um parei!
moment! . . .)" (99)
Onde um Conselho Paulista de Guerra, com-
posto exclusiva e totalmente de representantes de
S. Paulo'! Mais do que nunca elle se torna neces-
sario, para falar por S. Paulo, para dirigir-lhe a
guerra, emfim, para que a Historia (é preciso sem-
pre pensar no futuro, na Historia que virá inexo-
ravel) não venha a considerar o movimento. que
é de todos, previlegio da politica que o encampou
-~-~

(99) (Lcs Carncts de GaJlieni, pg. 76).


A EPOPÉA 193

habilmente, ella que se julga a honra paulista of-


fendida, oS. Paulo-1932. Porque, se aos chefes de
agora não falta "expressão politica", á dir~cção da
guerra se exige uma" expressão pau lista", colle-
ctiva, que sej a o proprio S. Paulo a dispor do seu
deslino.
- L'État cesl moi, - diz a mentira official em
todos os cantos.
O 18 annos corre para a casa e, como os des-
cobridores, violentamente a invade:
- Retaguarda, és mulher! Eureka!
Agora, o 18 ann"os espera a ordem de partida
para o fronl.

24 de Setembro: dois bravos que rolam das al-


turas do eéo santista - João Gome~ Ribeiro Ju-
.!).ÍJJre ~rio Mnch.aoo Bittencourt. E, <;ublime in-
versão de principios convencionaes, nunca subi-
ram tanto no vôo. derradeiro - Alcançaram a Glo-
ria. Li estão, formando na mesma galeria ~mpon-
deravel dos que sabem cair, os dois moços que no
Sul paulista se fizeram amigos e admirados do "14
dc Julho". O hatalhão conhece o trabal!lO da avia-
çuo no Seetor, acompanhou-lhe o arrojo das arre-
mctidas mais de uma vez, e mais de llma vez inve-
jou-lhe o perigo a que se expunha nos aL'lS suli-
nos, tão cheios de odios e devastações. Que rico
manancial de vidas forneceu o Sul fi guerra insa-
ciavel! Quanto moço, quanta alegria, quanto ar-
dor! Que pesado tributo para a mocirlad~! Cruel
exigencia no criterio da escolha - Gomcs Ribeiro
e Machado! Que galeria mais bella poJeria dese-
jar S. Paulo, enfeitada eomo está?
Um programma de festas: entrega de uma
l!)4 Aureo de Almcida Camargo

bandeira, irradiação especial etc. Radio Record,


dia 25. Discursos: General Isidoro, Major Leite
Penteado, professor Alcantara Machado, soldados
do "14", .José Thomaz Sayão, Henrique B2stos Fi-
lho, Francisco Ribeiro da Silva, Paulo da Silva
Gordo, Commovente mensagem dos paes de Lau-
.
1'0 Penteado dirigida ao batalhão.
Na manhã seguinte, missa na igreja Santa Ce-
cilia pelos mortos em combate. A' tarde, entrega
de uma bandeira bn.sileira, por iniciativa de um
grnpo de senhoras paulistas. (100)
15 horas, o "14" na Praça da RppubJica, muito
povo. Chega o Govemador do Estado, acompanha-
do dos Secretarios. .Discursos do Conego dI', Fran-
cisco Bastos. O mesmo orador novamente, em no-
me da madrinha do batalhão, snra. dI'. Bf'nedicto
Montenegro. Ernani Coelho agradece, em nome do
"14". Desfile, a seguir, pela cidade. Cheias as ruas,
nunca S. Paulo reuniu tanta maca assim.. Cada
olhar feminino é um soldado que.'trop,:,çá, e o ba-
talhão segue aos trancos, encabulado.

Partida para o ff'()f// dia 27, á noit~. Dizem


uns que para o Norte. outros que pura Campinas,
O "14" ehega a inslallar-se na Estação da Luz.

(100) Dd. Celina de B:HTOS Pentemlo, Alberlina Gor-


do, Olga Oltoni de Hezende Barbosa, Genoveva Junqllcira
Neto, Vidoca de Cal'valho l\iontenegl'o, Maria Julia de
Carvalho Barros, Branca I3a610s Ma1ta, Henriqllcta Thomp-
son, Marina de Toledo Piza, l\[al'ia Chl'istina de Toledo
Piza, Olimpia dc Freitas Montenegro, Herminia de Lara.
Tolodo, Lallrdes Fonsecat Antnnielta Muniz de Souza, Co-
tinha Pereira Cesar, Yolanda M. de Barros, Maria Cecilia
Martins,
,1 BPOPEA JU!)

I)a 1'11a Sorocabana


- é o mesmo Sul qne terá no-
\'IIIIWIIlc o batalhão, Artimanhas do Coronel 1'a-
IIm'da.
, Botafóra..boato: um general teria sido morto
110 vallc do Parahyba; enterro ás escondidas no
Ilio de Janeiro de uma alta patente; as columnas
<filaloriaes por um fio na zona Amparo-Campinas;
o Hio Grande em poder dos gaúchos con~titucio-
lI:distas. , ,
Mais uma vez, a santa ingenuidade procura
fa;.:cr "ambiente de partida", o que hoje não tem
"a;'::lo de ser. Parte quem quer e porqu" quer.
A1<'~J11 do mais, seria um contrasenso tentar enga~
lia I' os verdadeiros conhecedores da situacão -- os
soldados, Estes são nm thermometro da' guerra:
IOIHam a qualquer momento e em qualquer situa-
~,Úo frente ao inimigo a temperatura exacta das
Pl':isibilidades reciprocas. Um recúo para o sol-
dado é mais significativo que a mirifica chegada
d(~ 11111 navio carregadinho de armamento, E um fn-
zil dcscalibrado define cabalmente uma situacão,
IlIIIe as armas automaticas inimigas. Qual o ther-
IIIOll1ell'O que resiste aos canhões dos contra rios ?
A's 23 horas, 2.a classe, São 193 soldados, bem
I'('dll;.:ido está 0"14", (101) Uma parte fica em S,
1'111110,j>ara seguir no dia seguinte, com as bom-
IIlIl'd:ls. (102)-

Ilapclininga, ás 6.30, café á espera na estação.

---- ( 1f)I ) Mais de 50 prisioneiI'os, 11 mortos, e uma lon-


~II sC~I',i(.tlc~ rerillos, doentes e estropiados. Muitos fa].
lo<'ios.
(102) Níio chegou a emharcar devido os aconteci-
IIH'lIloK 1\111'.iÚ se (lcsclIl'olavam no dia.
I!)(\ II /I l' (~(J li (' li I m e i ri a C a m a r [J o

Uma hora dcpois, cmbarquc em caminhõcs. Des-


tino: Taquaral Abaixo. (103)
SÓ uma partc, porém, rccebe fuzi,>, que não os
ha para todos. Armas escandalosamcpte rlescali-
bradas, com falta de peças, na maioria sem sabres.
A 3." Cia. e alguns soldados menos afort1mados das
outras duas cmbarcam para fazer a guerra. .. sem
armas. E suo somcntc 193 soldados.
Ligeira parada cm S, Miguel Archanj ,), que é
pouco mais do que uma vi11a c, no momento, semi-
despovoada.
Uma estrada regular com destino a Taquaral
Abaixo. Atravessa uma região be1issima (é o ad-
:icclivo mais extenso e verdadeiro do livro) já com
as primeiras ondular;.ões da Serra do Mar, cujas
montanhas e florestas se percebem no ultimo pla-
no do horizonte, na di recção Sul. Valta e meia os
caminhões afuu:daI~ por valles de riachos escon-
didos no mcio de l\vores, transpõem pontilhões e
sobem novamente, em ladeiras ingremes e peque-
lIas. BOlls ares. Mui 10 pourc a zona. Ondc a casa-
dc-eahodo, ti uc scria ~: unÍea habitar'50 do lugar?
"A eSSt~lJalalh:to que IW1'cOI'I'era lodos os pon-
los do illllllCIISO call1po de h:tl:dha elll ljllC se [rans-
formara a zOlla SI11 dt. S:IO Paulo, 1'alla\'.,1 ainda co-
nhccel' esse e:lIIlo 10ngilHJlI0 ollde 'iC queimariam
os ulLimos carlucllOs da call1p:1I1ha!...
E o "1-1 de .Julho" chega para e<;tab.olceer uma
situação difficil". (101).
---
(103\ "Desembarcou hoje nesla cid:Hlc, :IS 6,30 ho-
I'as, o hll. "14 de Julho", do Comdo. do SII[', ;\faj. Aristides
Leite Penteado, cem pl'ocede,ncia de S. I'au]o, tcndo sc-
guido para S. Miguel". (Bol. do Q. G. n,O 63, de 28-9).
(104) (Palmo a Palmo, Capo A. Bastos, pg, 140).
.\ {I () I,' 11 I !)7
h' l'

Cerca das 1G horas, chegada. Reunião de ca-


sl,lIrcs no aBo ,de uma coUina, em cuj'l frente se ex-
1('I)(1e grande bacia até á collina seguinte, por de-
IrÚs da qual estão as trincheiras paulistas, forman-
do UIll semi-circulo em torno de Taquaral. O "14"
vac ficar no extremo esquerdo da linha. Mais para
a esquerda, basta a Serra do Mar para deter o
a vanço inimigo. Para a direita, um e5paço des-
guarnecido de 6 kilometros, depois do qud se en-
contra o destacamento mais proximo. O inimigo
occnpa as posições perdi'das pelo 4.° R. 1.
O "14" abre trincheiras, uma vez que a tropa
sllbstituida não providenciára a respeito, limitan-
do-se a abrir uma unica, pequena e rasa, depois do
rccúo. Trabalha, "14"! Noite, prompto o :-:erviço.
C()lllmentarios sobre 04.° R. L, que foi l'l1('ontrado
pelo batalhão, quando em caminho de Taquaral,
(::IITegando varias armas automaticas para 9. reta-
guarda. E O "14" sem armamento e cheio de inve-
.ia dos felizardos, qual!
Composição do Destacamento, commandado
p(~lo Cd. Agnello de Souza: "14 de Julho", uma
(:i:1. du 10 B. C. R., uma outra do batalhJ.o "Ban-
Ikir:llltc" e um esquadrão do 11.° R. C. 1. df. Matto
(;rosso, Menos de 400 homens, informa um offi-
ci:.!, porquanto os tres primeiros elementos estão
I':lslallle desfalcados.
C:dlllO o dia 29. Fuzilaria e bomhardeio so-
bn' o destacamento da direita. Tambem em Ta-
'luar:.! ha aviões inimigos. Os soldados sem arma-
111('1110trabalham na estrada de rodagem, está mui-
I" I'SIlIlnlcada.
COlllllale-se no dia seguinte. Os canhões vi-
Slllll IIS Il'illcl1ciras paulistas, com o vigor de sem-
pn', ()II(' V:lit'1I1 as hombardas (bat. Bandeirante),
198 Alll'eo de Almcidll Ca/1/llrgú

ante os tiros longos da artilharia? E os fuzis des-


calibrados? A luta é desigual, mas valorosa. O ini-
migo não póde manter iJ]usõcs - a luta é para
disputar a terra palmo-a-palmo, dcnte-a-dent~.
Um fuzil sem o ferrolho é entcrrado symbolica-
Inente: "Vae dar sorte".
A' tarde, cstoura como uma bomba de alta po-
lencia a nolicia de que viéra de S. Paulo ordcm
para um armisticio, para cessar fogo. Exquisito
que o inimigo não tenha recebido ordem identica.
Armisticio sui-gcneris, porque a artilharia não quer
saber deIlc. (105) Duas horas mais tarde, porém,
nova ordem para os paulistas: recomeçar o fogo.
A artilharia trabalha durante a noite toda, um
marteIlar constante, shnapnels a granel. Parecz
que a viJ]a está sendo attingida.
Os jornaes recebidos á noitinha, dando conta
do armisticio, nada informam de positivo. As con-
jecturas são disparatadas, todas crueis, e muitos
sol'dados não escondem o pensamento collecti vo:
"E' o fiIn".
Uma trincheira do "11" percebc tropa inimiga
a avançar, protegida pela vegetação de um brejo.
Avança, cstá perto, (lUando recebe inesperada fu-

(105) "1\' o correr de todos esses dias em que a at-


tenção era atrahida para os aeontecime.ntos da região do
Taquaral, havia relativa calma no restante da frente do
Sector.
.
Os entendimentos para a paz que se processaram a
partir de 28 de Setembro tiveram o condão de provocar
da parte adversaria um recrudescimento extraordinario
de actividade".
(Palmo a Palmo, Capo A. Bastos, pg. 144).
A B P O P ]'; 11 I!)!)

zilaria e granadas de mão, a seguir. Rechassada,


lIii() tenlaria mais o ataque. Promptidão rigorosa,
:Ipesar do suecesso alcançado.
Bombardeio, o inimigo parece disposto a gas-
lar toda a munição. Talvez que a julgue sem uti-
lidade, no dia seguinte..,
Longas queimadas: é o sangue indio avivado
110Scampos Sul, é o signal de guerra, de destruição.
Ainda bombardeio, manhã. Violenta é a fuzi-
laria, A queimada continúa, grossas fumaçadas.
Tl'cs prisioneiros com um F, lVI.BeUa presa fez o
"'1-1"! Os homens podem apenas dar preoccupa-
<:Ôcs, mas o F. .M. é um presente do Céo,
Novidades: o Coronel Taborda seguiu com
I1l'gencia para S. Paulo; (106) o "14 .de Julho" te-
ria sido requisitado para manter a ordem seria-
Il1cule ameaça'da na Capital e o 4.° R. L lá estaria
~'III seu lugar. Coisas -e mysterios da guerra,
Violento ataque ao meio dia. Uma trincheira
do "J 4" cede á forte pressão. lnevitavel: occupada
por 18 homens, dispunha de 4 fuzis em condições
dI' tiro, 4 fuzis! Com esse desastre, toda a frente é
ol,,'igada a recuar, reunindo-se a tropa na viUa de
'l'aqllal'al, perseguida duranle o percurso pela me-
II':III,:,dora de um avião e pela fuzilaria ca.da vez
IIllIis pl'Oxima. Um canhão paulista, chegado como
por ('I!Canto, faz calar as peças contrarias. Um al-
IiI'io !
()
i 11 i 111 igo se instaUa na canina com vista so-
1..,(. :I 111:111
icic e a villa, varrendo a primeira com
IIS 1I1'11I:ISautomaticas. Phrases que chegam aos
oll,'idos do "11":
( I 11ti )
'" '01' necessidade- de serviço, deixo nesta data
.. (:,"01... d,'sl" sITlnJ', p:\ssando-o ao snr. Cel. Milton dç
,.'I'I.llm, 1\InlciUiJ." , (1\01 rIo Q. G, 11.° 65, de 30-9).
200 ,1 11l' e o ti e A I m e i d a C a m a r g o

Paulista, não vá embora! Espere, flue nÚs


damos munição para você!
A injuria costumeira encontrava os fuzis illl-
prestaveis sacudidos nervosamente nas mãos pau-
listas, quc munição não faltava. Pobres fuzis, po-
bre S. Paulo!
A uns duzentos metros da viDa, em campo lim-
po, uma linha composta oe cerca de 30 homcns do
10,0 B. C. R. faz frente ao inimigo, protegendo a or-
ganização do grosso da tropa, para a retirada. 1:111
official, trilando um apito, commanda essa ultima
e brava linha de resistencia.
Durante o reLrahimento, um feri do e nove 1)I'i-
sioneiros do "1.!". (107)
Bôas trincheiras 4 kilometros atrás, dominan-
do com vantagens a região fronteiriça, são occupa-
das ao anoitecer. Como os soldados estão sujos!
Commentarios no dia seguinte sobre os acon-
tecimentos, sobre os fuzis. Um problema, os fuzis,
O inimigo é avistado ao longe, - pequenos pontos
escuros, arrastando-se pela estrada, pelos campos.
A alguns kilol1lclI'oS de dislancia, fogueiras fazem
um circulo muito cxtenso de fumaça, em torno dos
paulistas.
A' tarde, ordem para alirar o inimigo afoiLo,
que tambem atira. Como o numcro de fuzis é rc-
duzido, e eada soldado quer combater um pouco,
as arIHaS passaHl de luão elU mão.
- Agora, é a minha vez.
A durar mais tempo, a luta no Sul terá de ser'
suslentada com pedradas, estilingues e fundas.

(107) Jorge de Ulhoa Cintra, E!Jm11l)ÇJo :\"ava.ias


José Penteado Salles, AII[onio Ghirl:llula. Waldemar'4:f?-'
raldine, Odair Loho, Estanislall Biondi. NUa Porto, Guerra.
A EPOPE.A 201

Ta l-e-qual a historia de David e o gigante Golias.


Quem venceria?
Os ultimas tiros da campanha, 18 horas do dia
2 de Outubro.
"Muitas horas depois de communicada ás tro-
pas as sombrias noticias do momento, combatia-
St~ ainda! Como as visceras de certos animaes re-
pletos de vitalidade, palpitava ainda no rincão dis-
lante de Taquaral Abaixo, o espirito de luta dessa
J\\ocidade estuante de brasilidade que, no "14 de
.rulho", deveria dar os ultimas liras da campa-
Ilha." (108)
Os ultimas tiros, 2 de Outubro. . ,
As trincheiras occupadas são as melhores das
all: então conhecidas do "14", Feitas por um cor-
po de sapadores, dispõem, quasi todas, de um luxo
igllorado pelo batalhão: abrigo contra bombar-
deio, uma verdadeira sala subterranea. E' com pe-
S:II', portanto, que são recebidas as ordens de retra-
hiJ\\ento para Pilar.
Pequena parada em S. l\Iiguel Archanjo, são
2:1 horas. Pilar, com os ultimos caminhões de tro-
pll chegando ás 2 1/2 horas de 3.
Noticias vindas de S. Paulo esclarecem um
POIIC:Omais a situação, Os boatos, fervilhando
(~OlllOsempre, já não dão margem ás imaginações
flllllasislas, que ainda esperavam pelo milagre de
11111:1 paz igual e humana, promovida pelo governo
fc.dc'ral. E' a rendição pura e simples e o desmo-
1'011:1111<:1110
completo .dos ideaes guerreiros paulis-
1m;. A rcndido!... A unica formula encontrada
plll'lI rc'sol ve;: lima epopéa!,..

( 10/1) (I':tIIIIO a Palmo, Cap, A. Bastos, pg. 156).


202 Allreo de Almeida Camargo

3 de Outubro, máo dia, más noticias: os pau-


listas seriam obrigados a entregar-se ás tropas di-
tatoriaes, para fazer acto de submissão; o "14" não
poderia seguir para S. Paulo e sim para Itapeti-
ninga; as tropas inimigas já haviam chegado a S.
Miguel Archanjo e corriam em perseguição...
Scntinellas nas elevações mais proximas de
Pilar. Isto significa que o commando não permit-
te a approximação dos contrarios. Antes assim.
Dia máo, más noticias: o Cel. Milton fôra fe-
rido gravemente dias antes. Indisciplina de fim ele
guerra. (109) Ao passar por Grammadinho, certa
vez, o "14" merecera do valoroso militar, que alli
tinha o seu P. C. uma saudação captivante. Elle
agitara o capacete typo americano até á passagem
do ultimo caminhão ele tropa. Póde parecer minu-
cia insignificante á primeira vista, mas o facto em
si, para o soldado combatente, diz muito. E' poris-
80 que o batalhão lamenta o acontecido, e ha phra-
ses: "O amigo Ccl. Milton..."
A ultima retirada. Embarque em caminhões
ás 19 horas. Chove forte. Sorocaba, ás 2 da ma-
drugada, depois de accidentada viagem pela es-
trada enlamea'd a. Caminhões que tombam, outros
que atolam. Os soldados se transformam em tra-
ctores: "Nada para o inimigo". Um caminhão da
intendencia capota, sahindo illesos os seus tres
passageiros. A viagem continúa. Os caminhões,

(109) "Em viio se expunha diar'iamente ás balas do


adversario na inspecção infaIlivel ás posições mais arris-
cadas de sua tropa, par'a ir tombar' gravemente fCl'ido
quasi ao cncerrar da luta, deantc dos fuzis criminosos de
um pelotão amotinado".
(Palmo a Palmo, Capo A. Bastos, pg. 79).
A EPOPÉA 203

barro por todos os cantos, estão chegando a S.


Paulo espaçadamente, das 6 até as 12 horas, dia 4.
Cada vehiculo carrega um pedaço da grande
campanha. E' o que sobrou do Sul de S. Paulo, do
pobre S. Paulo.

o 18 annos:
- Que triste paz!
O écho:
-- TRIS-TE-PAZ...
Palestro com o
General
Conhecemo-nos do Sul, General. Muita vez
o meu fuzil esteve frente á tropa que commanda-
veis. :Não sinto remorso nisso. Pelo contrario, até
me orgulho de ter pertencido a um batalhão que
enfrentou numero superior e consideravel de sol-
dados e armas de ponta a ponta, quero dizer, dos
Itararés ao Taquaral-Abaixo, que foi o theatro do
ultimo combate tra\'ado, a 2 de Outubro. Sinto or-
gulho, porque pertenci á resistencia que conseguiu
retardar o vosso avanço facil até Bury, mas penoso
nelle e depois delIe, por um espaço de tempo suf-
ficiente para gerar o que nós, paulistas, chamamos
justamente - Epopéa.
Não fui levado para o front por adio ao inimi-
go, que não conhecia, pois os movimentos nacio-
naes se fazem á custa de adhesões e, no caso, af-
firmava-se como certo que os Estados sulinos
acompanhariam os paulistas. Segui por amôr a S.
Paulo, que é a minha terra muito amada, povoada
que tem sido pelos meus mais velhos durante se-
culos a fio, desde Jusepe de Camargo, que se casou
com uma bisneta de Tibiriçá e, portanto, neta de
João Ramalho, alé o meu avô paterno, que morreu
segurando o eslilhaço de granada que lhe roubara
o filho, 15 dias antes. Este se fôra em consequen-
cia dos ferimentos recebidos no combate que o
meu batalhão, que era lambem o delle, manteve
208 A u r e o d e 11lm e i d a C a 111a r g o

com os vossos soldados nas immediações de Bury,


no "Allemão". E, curiosa coincidencia, o bom ve-
lho, qne morria longe da terra sempre estremecida
e da qual só sahiria pela imposição dos primeiros
disparos da artilharia ditatorial - o Amparo, tam-
bem percorrera, como soldado, o mesmo trecho de
terra paulista amcaçada por Saraiva, em 93. Um
destino que se cumpre 39 annos depois, nada mais.
Segui por amôr a S. Paulo, repito, por solidarie-
dade aos moços da minha geração que partiam
para a Guerra, e só depois de desencadeada a luta,
de vez, percebi que em mim nascera um sentimen-
to até então desconhecido e que me causou um
grande mal-estar, qual o de adio ao inimigo. Con-
juguei mais de uma vez, e justamente, - eu odeio,
odiarei. E fiz o maximo que o soldado pode fazer
- atirar. Atirei o possivel contra a vossa tropa e,
certa occasião, lembro-me bem, fui sustado no mis-
ter, par economisar munição. Acreditae, Gcne-
ral, nesse momento rangi os dentes, em direcção ao
alvo poupado. O espirito de economia que, por ne-
cessidade, presidiu sempre a guerra paulista, pou-
pava, quem sabe, um soldado ditatorial. Quem te-
ria ganho com a poupança, perguntei algumas ve-
zes? Um momento houve, no Cerrado, - foi a 15
de Setembro, - que gritei alto aquiHo que os meus
tiros levavam para a frente, para a vossa tropa:
"Por Alonso, qne morreu por S. Paulo! ,Por Alon-
so!" A guerra, por mal dos meus peeeados e aza-
res, quasi que me transformava a serenidade. ~ os
tempos de paz, todavia, sou homeln educado, em
condições de controlar os sentimentos adquiridos
involuntariamente nos campos do sul. E, porisso,
affirmo a todo o mundo, serenamente, que nunca
fui tão bom paulista como agora, retemperado
.\ f~' f' () l' É .4 209

como eslou por ludo que aconteecn, pelas miserias


a que venho assistindo, desde os haneos acadcmi-
cos. Vivi sempre orgulhoso de S. Paulo c das suas
figuras, dos homens do tempo dos meus antepas-
sados c iguaes a elles, os Fernão, os Baposos, os
Ama(lor Bueno. Até Julho-32, esses symbolos eram
o que se costumava chamar de "paulistas authen-
tieos". E muitas outras figuras, do mesmo tama-
nho, completavam a galeria immortal. Todas
grandes, dignas, paulistas. Sempr.e a mesma a figu-
ra evocada: um mixto sentimental de heróe, de
bandoleiro, de rectidão e trabalho - o bandeiran-
te. "Ali, os paulistas antigos, os bandeirantes!. . ."
- é a phrase qne enchcu de sonoridades a I-listo-
ria de S. Paulo, no Impcrio c na Hepublica. Nesta,
porém, o espirito de S. Paulo soffreu o eolIapso
que ataca todas as cousas. O bandeirante!... A'
sua simples evocação, ahsurdos innumeros se COl11-
metteram. Era o pára-choque dos desastres e ini-
ciativas infelizcs. Tudo contra S. Paulo. "Sou um
bandeirante, dcsl:endo delle, não posso desejar mal
a minha terra." A mesma coisa tentarão dizer ain-
da hoje os quc se approximaram do General, sem
necessidade, gratuitamente, por uma cortezia ex-
quisita que se chama altracção do Poder. Porque,
em S. Paulo e no Brasil, muita gente soffre do 1'0-
mantieo e expressivo fcitichismo pelos homens do
poder, pelos governos. Bem sei que o General co-
nheee as tres palavras magicas "Governo é Go-
verno". O S. Paulo de hoj e, porém, o S. Paulo
post-32 já não pensa com os velhos e os envelhe-
cidos, os mesmos que, por terem nascido em S.
Paulo e alardeado durante a guerra "Tudo por S.
Paulo", julgam mais uma vez que os seus aetos c
altitudes imprudentes encontrem anteparo na ve-
210 .4urcu de tllmeida Camar{Ju

lha formula dos tempos republicanos. "Descendo


dos bandeirantes ", - dirão. E o que ha de moço
em S. Paulo: "Pobres antepassados!" Não diviseis,
General, uma parcella siquer de S. Paulo nessas
fraquezas miseraveis. Já que não conheceis S.
Paulo e somente alguns dos seus homens da hora,
é possivcl que, na intimidade, vos ponhaes a rir dos
pseudos-paulistas e delles vos precavenhaes "á Ia
diable", não os tomando a seria. Sei que os rece-
beis e toleraes por altos motivos. Porque seria fal-
ta de tactica militar afastar os approximadores dos
mais fortes. Não vos illudaes, General, com os que
vos cercam pressurosos, ou, pelo menos, não façaes
a S. Paulo a injuria de os tomardes por paulistas.
Será o maior bendicio prestado pelo General a
esta pobre terra. De uma coisa não vos podereis
queixar-vos - da hospitalidade paulista o Ella sem-
pre foi prodigao Que o diga a recepção( alguns
maldosamente julgaram tratar-se de homenagem
disfarçada) recebida pelo General num dos mais
altos cenacuIos paulistas o Se não eontaveis com
ella, muito menos os paulistas, aliás sempre hospi-
taleiros. E que espanto não vos causaria uma ou-
tra prestada numa casa cheia de luto, onde um
quadro fixa um moço que morreu por So Paulo,
deixando para sempre o nome illustre e igual ao
do bandeirante que seguira na Gloria? E que es-
panto para os paulistas, General! Queixar-vos da
hospitalidade paulista, - nunca o podereis fazer.
Os paulistas pódem queixar-se della, mas só elleso
Depois do movimento de Julho, nada mais res-
tava a S. Paulo senão calar-se, como se calou, com
a dignidade conquistada pelos que morreram. E
sonhar, não com os velhos bandeirantes" despres-
tigiados" pelos máos paulistas, c sim com as novas
A :!II

figuras que encarll:Ull o S. Paulo de hoje, as da-


qucHes que se fizeram matar por UIII in (,liSO :IPC-
go á terra querida. Porque, com eslcs 011 Ú slIa
sombra, não haverá quem ouse COIII[)J'Ollll'II<'I'S.
Paulo, sob pena de merecer as maldições das d('so-
ladas mães paulistas, que são muitas. Adelllais, os
motivos que levaram S. Paulo a levanlar-..;e ('111
massa, sem odios e rancores, ainda estão de [1<\ (~
não os ignoraes: São Paulo, São Paulo, São P:lldo.
A paz de Brest Litowsky não os solucionou. V Ús
proprio não os poderieis resolver, que elles siio in-
timos, fazem doer o coração. Quem sabe se o 1('111-
po. .. Sim, o tempo liquidará o assumpto de vez.
Até lá, os moços que combateram saberão zelar
pela dignidade conquistada para a sua terra, pelo
patrimonio que custou sangue e que deixariio para
os vindouros, como o mais brilhante troféo de hon-
ra da IIistoria paulista.
Em resumo: Quereis conhecer o espirito pau-
lista post-1932, um S. Paulo amplo, puro, cheio de
sacrificios? Nada mais facil. Procurae, ou melhor.
cscolhei dentre os que se fôram, neste ou na<juclle
batalhão, um soldado paulista !jnalquer. No "1,1
de Julho", que conheceis tão bem lá do Sul, exis-
tem muitos nomes. Podereis escolher um deHes,
com os olhos fechados. O preto Vasconcellos, que
morreu, como vivera, humildemente'! O pcqueno
Cesar? O Hermes, que cahiu nas calçadas paulis-
tas? O Alonso'1 O Seppi, o Ary, o Bifano, o .Tos!:
Maria, o Argemyro, o Clineu, o Lauro, o H 11-
bens? . Qualquer delles, General. Escolhei! E sÚ
"
então ficareis conhecendo exactamente o S. Paulo
que tem mais de 400 annos de Historia e, sÓ no "1-1
de Julho ", 12 symbolos puros da sua grandeza.
Escolhei !
LAUS SÃO PAULO
Apendice
Pertenceram ao "14 de Julho" as seguintes
pessoas, cujos nomes constam dos papeis em poder
do autor:

A. Arouche Toledo Alexandre Barboux


A. de Barros :\Iotta Alexandre J. Miranda
Acacio Fcrnando AIfredo Colornho
Adalberto Garc.ia Filho Alfredo Lazareschi
Adaucto Martir.cz Alfredo Monteiro da Silva
Adhemar Martinez Alfredo Pacheco Junior
Adhernar Ribeiro Alipio Chaves Nunes
Adolpho :VIeIIo Junior Almiro E.steves
Affonso Celso Garcia Sobri- Alonso Ferreira de Camargo
nho Aluizio R. Mendonça
AJ'fonso CipulIo Neto Alvaro Armbrust
Agnaldo Augusto Pinto Alvaro Paula Campos
Agostinho Oliveira Alvaro Rudge
Ajascio l\Iaia Coutinho Alvaro da Silva Gordo
Alberto Arantes Aiv,inar Castro Cotti
Alberto )3acele (conego) Ananias Ribeiro
Alberto Guimarães André Santos
Albcrto Portugal Gomes Angelo Bernardelli
Alberto Rossi Angelo .\[atheus
Alberto Silva Azev,edo Angelo Rossi
Alceste Schroercker Anselmo Rorelli
Alceu Nascimento An tenor Francisco
Alceu Nascimento Antonio Algodoal Sampaio
Alcides Duarte, Gomes Silva Antonio de Almeida Filho
Aldo de Aguiar Antonio Azevedo
Aldo Cassio VasconceIIos An tooio C. Castro
Fernandes Antonio de Camargo
Aldo Hernandez Antonio Cardona
AJdo Lodi Antonio Cardoso de Almeida
218 ilurc(J de .1lIllCidll Camargo

Antonio Carlos Campos Sal- Aurelio Estievam


les ~co dM A~meidê ~iJman!o
Antonio C<Jrlos Crespo de ulus .
au us oe ho Pe-
Castro -- relra
Antonio Carvalho Azo;-Mõ;;tcn egro
Antonio DOUl'ado B\!rt=eu Bucno ~~~~Ii-
Antonio Eleuterio '1
Antonio Ghirlando Benedicto dc Almcida San-
Antonio Gonçalves tos
Antonio tafalde Bonedicto Correa Sampaio
Antonio Lueiano Neto Bcnedicto Marcondes
Antonio Luterio Benedicto U. Alyarcnga
Antonio ;\L de. Oliveira Benjamin Soares
Antonio :V[endonca Barros Bento Lacerda de Oliyeira
Antonio :\lereado' .Tunior Bento J. Carvalho JUl1ior
Antonio SaIle-s Bento Luiz de Q. TeIles
Antonio Silyeira ;\[achado Bcrnardo F. Vianna
Antonio Vampré Bcrnardo Meyer Junior
Anual' Curi Bianor José Campos
Aquino Rodrigues Bnmo Mello Tcixe.ira
Araldo Penna Hamos C. Rios de Castro
Argemyro Alyes Silvestre Caio de Almeida
Aristeu Marcondes Moura Caio Carneiro
Armando Mendonça Caio Ribeiro de Moraps c
Armando Nosche-se Silva
Candido Pacs de Barros
Armando Pereira
Carlos Adhemar de Campos
Armando Rios Carlos de Araujo
Armando Zenesse Carlos de Arruda Botelho
Arnaldo Azevedo Silva
Carlos Augusto de Souza J01'-
Arnaldo Octavio Nebias dão
Arnaldo Pedroso Carlos de Campos Pagliuchi
Arnaldo Serroni Carlos Camargo
Arnaldo Zenesi Carlos Costa
Arthur Gre.cco Carlos Eduardo de Campos
Ary Carnciro Fernandes Carlos Lara Campos
Ary N. Castro Carlos Homeo
Ataliba Dllarte Carlos Virgilio Savoy
Ataliba de Souza Pinto Carolino A. Amaral
Atugasmin :\Iedici Fi]ho- Camillo Que.iroz :\Iaraes
Auguslo de Souza Queiroz Casimira p. Neto
Aureliano C. N ascime.nto Cas6iano Marcondes Hangel
RPOPÉA ~I!I

Cassio Gomes Edgard Roso


Cassio M. C. Penteado Edmundo Mendonça
Cassio Paes de Barros fuh11unr1o ~~
Cassio Ribeiro da Silva E([uardo :Ylesquita Sampai<,
CayrÚ Teixcira Eduardo Pace
Celso Brandão Eduardo Queiroz Telles
Celso Figlle.iredo Eduardo Souza Queiro/:
Celso M. Salles Eleio Pimentel de 1\1ello
Celso de Moraes Alves Lima Emile Zola P. Me,ndl's
Celso Pagliuca EmBiano Brito
Cpsar Penna Ramos Emiliano de Toledo Soares
Cícero .Tunqueira Emilio Lambert
Cid Pinto Cesar Ejlan1Í'nondas Val1e
Claudino Amaral Ernani Coelho
Clrof:mo Lon\:s Oliveir~'1 Ernani Laeerda de Oliveira
Clineu Braga :.VIagalhães Ernesto PuLol Filho
clovIs de Àzevedo ' Ernesto \VCJmbe,rg
Colombo de Almeida . Esmeraldo A. de Souza
CUd \Vira" Estanj,~lau Biondi
Cvro Passos Estc.fano Barbato
C;'ro -Savoy Estevaldo:\1artinez
Cyro Hibeil'O ~larx Euclydes Ferreira
- Eulalio Barrteo
CYI'o de Souza e Silva
Dagoberto Salles Filho Eurico de Oliveira ;\laia
Dalsten Epighaus Evaristo Teixeira Pinto
Dare)' Ribas Everaldo R. :\'lello
Dario di NapoJ.i Fabio Oliveira Banos
Deeio Flexa Fabrido Vampré
Deeio Silva Farid Chede
Delphino de Ulhoa Cintra Fausto Chaves
Deodoro Lopes Fausto R. Barros
Dias HabeUo Fausto Toledo
D.ialma Forjaz .Junior FeJ.iciano Corrêa
!)jalma P. Camargo Bitten- Felicio Cintra do Prado
eourt E\;.Iir c i\ ché J ~1l1ior......
Djalma W. Lima F,elipe Neto
Domingos Bocuti Fcrnando Arruda
Dnrval Carvalho Fernando Mediei
])urval Preilas Roeha Fernando :\Ie5quila Sampajo
Durvalino Vieira Flavio de Araujo
Ellcl' Acorsi Flavio BiUencourt
Edganl Alcncar Marques Flavio :\Iargarido da SiJva
220 Aureo de Alllleida Camargo

Fortunato Mazza Heli Franeh


Fortunato Toneli H enrique BastolS Filho
Francisco Antonio Lacaz Henrique Fagundes Junior
Neto Henrique Fagundes ~('to
Francisco Arantes Henrique Olavo Costa
Francisco Aristodemo Henrique Pamp]ona M. Filho
Francisco CarJos dos Santos Hermes O. Cesar
Francisco Costa Homero Souza Nery
Francisco Dias C(;sar Honorio P. Leite
Francisco Emigdio P. Neto Honorio Pires de Oliveira
Francisco lrtmenez H'oraeio Paula Leite
FrancilSco José da Nova Hugo João SoJler
Francisco Julio Salgado Ruga MalheirQ$
Francisco das Neves TI'ugo Sterman
Francisco Nino Passos (Pa- ]brahim :'i1aseimento
dre) Ismael Campos Navarro
Francisco de Pau]a Machado Ismael Couto Caiuby
ele Campos Israel Campos Navarro
Francisco de Paula Quartier Ivaneo Guimarães
Francisco Pilar Mattos Ivens Vioira
Francisco Pujo] .T. A. .Tesuino dos Sautos
Francisco Quirino dos Santos J. A]ves Almeida Feo
Francisco R. Oliveira J. Penna Malta
Francisco R. ROlSas J. S. Ferrari
Francisco Ribeiro da Silva J adcr Alves Lima
Francisco Romeiro Sobrinho .fanuario dcl Monaco
Francisco dos Santos Neto Januario Mozza
Francisco Serroni J aym e l3arroso
Francisco T. Machado .Tayme Loureiro Filho
Francisco VasconceJlos J ayro Loure.iro
Francisco Ximenes João A. Oliveira Neto
Frank]in Piza Junior João Albuquerque Carvalho
Frederico Elias Olster João Almeiela Prado
Geraldo Mendonça Barros João Antunes de Oliveira
Geral do Siqueira João B. M. Tolosa
GiJbcrto Nogueira .João Baptista Fleury
Giordano Banzatto .Toão Baptista Leite
!:iu.ill11'.rme A. Lyra . João E. Tthayde Marcondes
Guilherme CavalcaI1:ti João Gareia
Gumercinelo Cintra João Gonçalve.s Bieudo
Gumercindo Mariano João Guzzo Filho
Gumereindo Pontes A]ves João José Moreira
A E P () P li Jt

.Ioiio Lago José Benedicto dos Sanlo/;


Joiio Luso FiJho José Bento Pereira de Souza
Joiio Monteiro .Iosé Bcnifado C. Sampaio
Jo:io Oc!avio Nebias José Borges Vieira
J oiio Passos l\1aia José Carlos Augllsto Amaral
J oiio Pedro Goncalves Silva José Carvalho
.João Penido Salfes .José de CasUlho
.Ioão Romão da Silva José Christino de :Helio
.João Ruy Canteiro José Collaco. de Carvalho
João Ve!loso Andrade V éras
.Joaquim Barbosa Santos José Costa Pinto
Joaquim Miranda José David Fon.seca
Joaquim Móra de Freitas .José David Jorge
Joaquim Octavio N ebias .José Dourado
Joaquim Walter dos Santos .José Dias ~
.JordãQ Prestes de Freitas jose Eamifdo de Oliveira
.IoI'ge Alayon Barros
.Jor'ge Assumpção José Eugenio Rezende
Jorge Cintra Jos'é F. Santos
Jorge Coury .José Fernandes ;'\Iore.no
Jorge F. Toledo .Tosé Ferraz
.JoI'ge Fonse,ca Junior José Fleury Silveira
.Jorge Hermann José Garci; Barbosa
.Jorge JunqtW1'rã Penteado .José Godoy
.JoI'ge Lima de r.Ioraes José GuilhermeW hitaekr
.Jorge Mello .José Ignacio Lobo
.J(Jrge Tibiriçá Neto .Iosé J eronymo Vasconcelos
.José Aluizio Bittencourt da José Junqueira Franco
Fonseca .José Lemos FreHas
.José A. de Toledo Filho ,iosé Loriggio
.Iosé de AImeida Camar o José M. B. Mello
. ose Alten eI er unior .José :\Iaria de Azevedo
.José Albim José Mario Reis
José Antonio Canuto José ?\Iatheus
José Antonio Caruso José }Iendonca Barros
Jo"é Antonio Mattos José Mendes'
José Armando Telles José de Moraes
.Iosé de Assis Pache<:o José :\Iovsés De.ab
.Jos{~ Barl}Osa Passos José -Nascimento
.Ios{~ Barcellos José l\"orherto .FolIsl'(:a .Iu-
.rOSl~ BalTOS Amaral nior
.Iosé Barros de Camargo José Paiva Dutra
222 fi 11!' e o d e .\ I /li e i ri (l C a Il1 a r g o

José Paula :\Iachado Luiz de Lorenzi


.Iosé de Paula Cruz Luiz :\ orato P.-oenc
.José Penteado Salles Luiz Nogue!ra 1 10
.José Pestana Filho Luiz Prest0s Cesar
.José Pimentel Pinto Luiz R. lVIendonca
.José Pirajá Luiz Sales'
.José Ribei.-o :\liJ'anda Luiz Sodré
.JOSl~ TI;ios Castro J.uiz de Souza
J o;;é Hodrigues Arruda Luiz Toledo
José HodriglJC.S Silva .:\Ianoel I3randão
José Souza Pirajá :\[anoel Castro :\1onteiro ~e-
.José Tavares Lihanin ves
.José 1'homaz Snyão l\lanoel Costa Leite
José Virgilio Hamos :\lanoel Dias 1'oledo
.José Vita .Junior l\1anoel 'Gand ara :Men dcs
.José Wately l\Ianoel Guimarães Dias
Julio Bomfim Pontes ::\Ianoel José :\1. Barros Neto
JWIO pracro LaC!'em--'" Manoel :\1auricio Corrêa
Julio Santoro :\lanoe.1 Oeta\'io Cardoso
.1ustino Freitas Junior :.\Ianoel P. Limas
.JuvenCJin R!'rnardeJIi ::\larcello Ribei.-o dos Santos
L. Pires Ferraz l\1arcello Som'es
Laurindo :\Iinhoto Junio!' ::\1m'cio F. A. Lima
L1Uro Bezerra "Iario Angelo Capochi
Lauro Amaral CampOls IIlario Carneiro Cunha
Lauro Cer<iueira Cesar :\Iario Cinlra Léit<e .
Lauro Barros Penteado Mario Faria .Jordão
Licio Marcondes Amaral 2Vlario, Goularl
Lincoln Loner :\Iario Junqueira
Livio Costa Andrade :Mario Lima
Luciano Nogueira Filho :\Iario :.\Iessias
Lucio Ca;;anova :.\[ario Porto
Luiz Avila lVIacedo ;.Iario Vasalo
Luiz de Campos :lIario Valgeki
Luiz Carlos B. ./unio!' Mario Vi~ra da Cunho
Luiz Dias da Silva :\Ia\heus Cons'cientino
Luiz E. Barreto :\Iouricio do Amoral
Luiz E. Riheiro Mendonça l\Iouro Aguiar
Luiz Ferre.ira Góes ~,IOl!l'O Toledo Piza
Luiz Fontes Honieiro :\1aximo Puglisi
Luiz .Franco de Abreu l'ligu cI cõüTíiiIiõ
Luiz Leite .Milt.on Br,essane
EfJ()I'I~A

:\Iilton' GneHet Oresles A. (;uilll:lr;',I';;


:VJ:ilton Lodl (h'este/; :\'Iora(~s Alvl'.5 lilll..,
::I1ilton LOllrenco Oliveira Orestes .PizH 'I'ol<-do Si I \'"
Milton Noronha Orlando SanlOI'o
:vliIton Pipto Coe.lho OrIando Sanlos
rniton Queiroz Moraes Üdando Tiani
Milton Soares Campos Odaüdo W. Longo
Mirko Rodrigues Oscar Percira Araujo
Miro Leonel Oscar Siquc.ira
Moysés Silva Oscar Thom~son F.ilho
.:\rucio Campos Maia {Jsías SampalO
Naul N. Nogudra Osnv Silveira
Naur Rocha Fiuza OSo~lO EIeno .
Nelson 'Barbosa Oswaldo Bellediclo da <:011
Nelson Osorio Franco ceição
Nelson Planet Oswaldo Camargo Lill1:!
Nelson Silveira Oswaldj1 Godoy
Nelson- Toledo Filho Oswa.m José de OJiveir:1
j\ elSOll Urioste Oswaldo Marrone
.:\fewton F'erraz Oswaldo Móra de Freila,;
Nilo Porto Os\VaÍdo Nunes
Noemio de Oliveira Costa OswaIdo Pires da Molta
O. Luiz Pereira Os'\valdo Rodrigues
Octacilio Bandeira Oswaldo Unti
Octacilio Costa }Jaia Paulo de. Araujo
Octavio Albuquerque Paulo Augllsto AmaraI
Octavio Antenor Paulo Bastos Cruz
Octavio Camargo Lima Paulo Bifano Alves
Octavio Junque,ira Neto Paulo de Campos
Octavio QueÜ'oz :\Iatoso Paulo Cerqueira
Octavio S. Porto Paulo Frederico Humllll'll
Octavio Seppi Paulo Frelre de :\'1. B:IITI'lo
Odair Lobo Paulo Gordo
Odilon Silveira Paulo J. Machado
Ododno Menin Paulo Maltos
Olavo Leonel de Barros Paulo :\'Iesquita
0lavo~ Pinto ::IIoraes Paulo :\luniz Campello
Oluvo Rolim Thury Paulo Piza de Souz:!
OJegario Fernundes de Souza Paulo Toledo
Olegario Santos Paulo Vampré
Om,ur g,ampa\io Doria Paulo Vi eira
Omar Viegas de Camargo Paulo VidigaI Vic('IILe di'
Bittencourt Az,evedo
224 Aureo de Almeida Camargo

Paulo W. DuIley :!Juy ~1l.


Paulus Aulus Pompeia ~ Castro
Pedro Elias Roquielli Huy Mendes de Oliveira
Pedro Paulo Corrêa Salim Helou
Perge.ntino Gomes Salvador Camargo
Per6io Carrilho Salvador da Silva
~Costa Sebast"..ião~arro6 Martins
Ninio ~ Sebastião truvineJ'
PUnio Lacerda de Oliv,eira Sebastião Fleury Silveira
Plinió Ramos Sebastião Florido
PUnio Ribeiro da Silva Sebastião José de Almeida
Prudente Clauzet ~ebastião José dos Passos
Haphael Giorgi Sebastião Portultal Gouvêa
Raphael Ribeiro da Silva !;'eneslo Cerrone -
Baul Alvim Serafim Leoni
Baul Boliger Scrvolo Pompeo Toledo
Hau! Rebouças Soares Sj]vio Bechel'
naul Soares de Me110 Silvio Dias Rebelo
llenato Prado Silvio M. Camargo
Henato Rios Cas'tro Silv.io Passos Maia
Henato Soares de Tolrdo Silvio Pedrosa
~,n~tn T~vH~lletti ~ilvio RamolS Maia
Ilenato Toledo Simão de Oliveira Lima
René Mendes de Oliveira Slnesio d:e Oliv.eir3
Ricardo M. Gonçalves Tacito de Souza
nicardo Margherita 'fheophilo de Almeida Sã
Ricardo d eSouza Filho Thomaz A. Whately
nino Antonio Cera Thomaz Fonseca'
Roberto Bove kJ~~lrl~ r()~3' ~.
Hiberto di Lorenzi Ira] ara.. F er1')eIra
Rodolpho Valgeki Ulpiano Pinto de Souza
Higerio Toledo Vieente Camargo Marques
Holand Von Ohel Martin \ ieente Cerque ira Cesar
Homeo Azevedo Oliveira Vioente Grecco
Homeo Bonina Viee.nte M. Freitas Neto
Roque' S. Ferrari Vicente Moura
Rubens F. Toledo Arruda Vicente de Oliveira
Rub,ens Moraes Alves de Vicente Tolentino
Lima ,r,icIo}" ni<:lc Si1JTn;r~
Huy Armando Victorino Go.nçalves
Huv R3rh()~" rl,p Almp;rl:;j Victorino Venturi
Huy Ferreira da Rocha Waldemal' F'c.l'raz
A EPOPÉA 225

Waldemar Geraldini Waldomiro Lopes


"'aldemar Marcondes Sal- Walter Merigo
~
Waldomuo Alambert
Walter Penteado Lorenz
Wladimir Amaral
Waldomiro Fonseca Y!;lmo Ribeiro dos Santos
Indice
Depois rIo quartel, embarque.................... 19
Itararé, portas sul de S. Paulo.................. 33
Faxina - Itapetininga ,. 47
C.ombate de Bury, Capão Bonito. ................. 65
Guapiára ...................................... 83

O "Allemão", combate da l'egião ela Balsa ... 97


O Fundão 129
"""""""""""""""""""
O Cerrado, c.ombate do rio das Almas 159
Depois de S. Paulo-Itapetininga, o Taqllaral-Abaixo 187
Palestro com o General... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
Apendic.e ,. . 215
Capa de Prudente Clauzet
Este livro foi composto e impresso
nas officillas da Empreza Graphica
da "Revista dos Tribunaes" á Rua
Xavier de Toledo, 72, em São Paulo,
em Maio de 1933

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LIVRARIA A.CA.DEMICA.

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[)eocripci!o d,,,
r...itos d'est~ co-
111111na. fdtIJ por Herherl !-III'Y,
COI\I UI\I prefacio do COlllllJundr!{l-
11' Romã" t;vJ/u's
I>L'I,IO D.\ C.-\I'EI.I.\
..\., IIlHis tH'il;.t~ p~lgill;JS. {'ser'i"t::!,
,",oJJI't. <I H!~\-ull1l'Úo C:on"ti{llt:io-
11ali,,!:,. pelu br'ilhal1ll' Ii!i,.,,,
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ciul1:tlisla. I'('J,""du' [ll'lo dlef" li"
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LIVRARIA ACADEMIC,~ . Saraha & Oa.


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