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A AVALIAÇÃO DE SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR

COMO POTENCIAL MEDIDA DE PREVENÇÃO AO


SOBRE-ENDIVIDAMENTO

VIVIANNE DA MATTA CARVALHO


NÚMERO DE ALUNO: 62037

Lisboa, Agosto de 2021


A AVALIAÇÃO DE SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR
COMO POTENCIAL MEDIDA DE PREVENÇÃO AO
SOBRE-ENDIVIDAMENTO

VIVIANNE DA MATTA CARVALHO


NÚMERO DE ALUNO: 62037

Relatório apresentado na Disciplina de Direito


Bancário do Curso de Mestrado em Direito e
Ciência Jurídica, com menção em Direito Civil, sob
a regência do Professor Manuel Januário da Costa
Gomes.

Lisboa, Agosto de 2021


RESUMO

O presente estudo propõe uma investigação sobre o dever de avaliar a solvabilidade do


consumidor, inserido na legislação portuguesa atinente ao crédito aos consumidores,
como uma medida de proteção aos singulares, na medida em que possibilita uma prévia
análise do risco de incumprimento de cada contrato. A fim de uma adequada
contextualização jurídica e normativa do tema, o estudo inicia-se com a caracterização do
crédito bancário e uma breve abordagem histórica sobre o mesmo e passa para a
apresentação do crédito bancário aos consumidores e dos diplomas relevantes para a
temática, na órbita comunitária européia e na legislação portuguesa. Busca-se, em
seguida, demonstrar a evolução do crédito aos consumidores, de maneira a salientar a
tamanha proporção da sua expansão no mundo, as razões para que essa popularização do
crédito ocorresse, bem como as consequências advindas desse panorama. A partir disso,
será possível constatar que, como resultado principal da vulgarização do crédito e da
vulnerabilidade inerente à pessoa do consumidor, o incumprimento dos contratos de
créditos passaram a ser cada vez mais comuns, levando os consumidores, em muito casos,
ao endividamento excessivo e à ausência de capacidade financeira para o adimplemento
dos seus débitos vencidos ou a vencer, o que ficou conhecido como sobre-endividamento.
Partindo, então, dos modelos tradicionais do fresh start policy e da reeducação, serão
investigados os meios de tratamento para tal fenômeno econômico e social. Dentre estes
meios, a imposição de deveres pré-contratuais será identificada como, em tese, a medida
mais eficaz de prevenção ao sobre-endividamento. Partindo-se desse pressuposto,
algumas considerações serão tecidas a respeito dos deveres pré-contratuais de
informação, assistência e sobre a publicidade em torno do crédito, pelo que esses também
são fundamentais para a garantia da concessão responsável de crédito, mas maior enfoque
será dado ao dever de avaliar a solvabilidade do consumidor. Imprescindível ao estudo
de tal dever é tratar do Princípio do Crédito Responsável e, em sequência, analisar os
critérios observados na avaliação. Por último, após certificada a potencial relevância que
esse dever tem de mitigar os riscos de incumprimento e, consequentemente, de prevenir
as situações de sobre-endividamento, objetiva-se averiguar a eficácia real desse dever.
Para tanto, a investigação recairá sobre os casos de incumprimento do referido dever e as
sanções aplicadas em cada um dos casos. Ao fim, será possível observar que, não obstante
a preocupação do legislador em prever o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor,
as penalidades estabelecidas para o caso de seu incumprimento não são suficientes para
dissuadir os mutuantes e, assim sendo, para tornar responsável a concessão de crédito.

Palavras-chaves: Crédito; Consumidores; Sobre-endividamento; Crédito Responsável;


Deveres pré-contratuais; Solvabilidade do consumidor.
ABSTRACT

This study proposes an investigation on the duty to assess the consumer's


creditworthiness, inserted in the Portuguese legislation on consumer credit, as a measure
of protection for individuals, insofar as it enables a prior analysis of the risk of non-
performance of each contract. To provide an adequate legal and normative
contextualization of the theme, the study begins with the characterization of bank credit
and a brief historical approach to the same and goes on to the presentation of bank credit
to consumers and the relevant diplomas for the theme, in the European community orbit
and the Portuguese legislation. The next step is to demonstrate the evolution of consumer
credit to highlight the great proportion of its expansion in the world, the reasons why this
popularization of credit occurred, as well as the consequences resulting from this
panorama. From this, it will be possible to see that, as the main result of the vulgarization
of credit and the inherent vulnerability of the consumer, defaults on credit agreements
have become increasingly common, leading consumers, in many cases, to excessive
indebtedness and the lack of financial capacity to pay their debts due or to come due,
which has become known as over-indebtedness. After the conceptualization of over-
indebtedness, the aim is, based on the traditional models of fresh start and re-education,
to investigate the means of treatment for this economic and social phenomenon. Among
these means, the imposition of pre-contractual duties will be identified as, in theory, the
most effective measure for preventing over-indebtedness. Based on this assumption, some
considerations will be made about the pre-contractual duties of information, assistance,
and the publicity surrounding credit, while these are also fundamental for the guarantee
of the responsible granting of credit, but more focus will be given to the duty to evaluate
the consumer's solvency. An essential part of the study of this duty is to deal with the
Principle of Responsible Credit and then analyze the criteria observed in the evaluation.
Finally, after certifying the potential relevance of this duty to mitigate the risks of default
and, consequently, to prevent situations of over-indebtedness, the aim is to investigate the
actual effectiveness of this duty. To this end, the investigation will focus on the cases of
non-compliance with this duty and the sanctions applied in each case. In the end, it will
be possible to observe that, despite the legislator's concern in providing for the duty to
assess the consumer's creditworthiness, the penalties established for the case of its
noncompliance are not sufficient to dissuade lenders and, therefore, to make the granting
of credit responsibly.

Keywords: Credit; Consumers; Over-indebtedness; Responsible Credit; Pre-contractual


duties; Assess Consumer Creditworthiness.
LISTA DE ABREVIATURAS

art., arts. Artigo, artigos


cap. Capítulo
CC Código Civil
CCom. Código Comercial
CEE Comunidade Econômica Europeia
Cf. Confira, conforme
CCPA Consumer Credit Protection Act
CIRE Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
cit. Citado, citada, citação
Dir. Diretiva
DL Decreto-Lei
ed. Edição
ex. Exemplo
FIN Ficha de Informação Normalizada
FINE Ficha de Informação Normalizada Europeia
nº Número
op.cit. obra citada
p., pp. Página, páginas
PARI Plano de Ação para o Risco de Incumprimento
PERSI Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento
RAL Meios de Resolução Alternativa de Litígios
RGICSF Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
rev. Revisão
TAEG Taxa Anual de Encargos Efetiva Global
trad. Tradução
UE União Europeia
v. Ver
vol. Volume
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1

1. O CRÉDITO BANCÁRIO AOS CONSUMIDORES: ORIGEM, DEFINIÇÃO E


PREVISÃO NORMATIVA......................................................................................5
1.1. Noções preliminares sobre o crédito bancário ....................................................... 5
1.2. O Crédito aos consumidores..................................................................................9
1.2.1. A Regulação do Crédito aos Consumidores no Direito Comunitário
europeu.........................................................................................................12
1.2.2. O crédito ao consumo em Portugal..............................................................15
1.2.3. O crédito à habitação em Portugal..............................................................16
1.2.4. Noção de consumidor no âmbito bancário..................................................18

2. DA POPULARIZAÇÃO DO CRÉDITO AO SOBRE-ENDIVIDAMENTO....22


2.1.A cultura do consumo e as duas faces do crédito ................................................. 23
2.2.O fácil acesso ao crédito e a publicidade agressiva...............................................24
2.3.O sobre-endividamento..........................................................................................27
2.3.1. O conceito de sobre-endividamento.............................................................29
2.3.2. Os efeitos do sobre-endividamento .............................................................31
2.3.3. O tratamento do sobre-endividamento: os modelos tradicionais do “fresh
start e da reeducação...................................................................................32

3. OS DEVERES PRÉ-CONTRATUAIS COMO FORMA DE PREVENÇÃO AO


SOBRE-ENDIVIDAMENTO................................................................................. 36
3.1. As informações pré-contratuais............................................................................41
3.1.1. A forma de prestação das informações: a Ficha de Informação normalizada
Europeia.......................................................................................................42
3.1.2. A Taxa Anual de Engargos Efetiva Global (TAEG).....................................45
3.2. A publicidade dos contratos de crédito a particulares...........................................46
3.3. O dever de assistência...........................................................................................47

4. O DEVER DE AVALIAR A SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR............48


4.1. O Princípio do Crédito Responsável.....................................................................49
4.2. Conceito e critérios a serem utilizados na avaliação.............................................52
4.2.1. O Aviso nº4/2017 do Banco de Portugal......................................................54
4.2.2. Uma nota sobre a crítica do paternalismo ..................................................57
4.2.3. A avaliação da solvabilidade do consumidor “versus” a proteção da
intimidade da vida privada do consumidor..................................................58
4.3.O incumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do consumidor..................60
4.3.1. O incumprimento do dever pelo consumidor...............................................60
4.3.2. O Incumprimento do dever pelo mutuante..................................................61

5. AS PROBLEMÁTICAS EM TORNO DO INCUMPRIMENTO DO DEVER


DE AVALIAR A SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR...............................63
5.1. As sanções previstas para o incumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor.............................................................................................................64
5.2. Uma análise crítica sobre a escolha legal das sanções e o estudo de possíveis
consequências de natureza civil.............................................................................64

CONCLUSÃO................................................................................................................72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................75
INTRODUÇÃO

O crédito aos consumidores tem o seu surgimento, ainda que em formas


rudimentares, há vários séculos, de forma a sempre contribuir para a melhora da qualidade
de vida dos particulares e de suas famílias.
A assunção da sociedade pós-moderna, entretanto, caracterizada pela intensa
globalização da economia, a massificação dos contratos e, ainda, o desenvolvimento de
novas ferramentas aplicadas ao consumo, como o mercado digital e o investimento em
publicidade, trouxe consigo a expansão e democratização do crédito.
A manutenção da economia aquecida, dentro desse novo contexto globalizado,
passou a depender do crédito, como estímulo à produção e à circulação de produtos, assim
como para tornar o consumidor um participante ativo dentro do mercado.
A dinamização das relações negociais fez com que os contratos de crédito
passassem a ser tratados, cada vez mais, de forma impessoal e fossem elaborados, cada
vez menos, com margem à qualquer negociação. Ao mesmo tempo, passou a recair em
torno do crédito uma agressiva publicidade e o facilitando-se o acesso ao mesmo,
permitindo que os consumidores, de diferentes estratos sociais, pudessem adquirir bens,
que antes eram, por eles, intocáveis.
Sendo assim, como era possível de se prever, em meio a essa cultutra do consumo
e ao fácil acesso ao crédito, os incumprimentos dos contratos começam a ser cada vez
mais frequentes, fazendo surgir um novo fenômeno social, o sobre-endividamento, isto é,
o endividamento excessivo dos particulares, a ponto de impedí-los de adimplir o conjunto
das dívidas assumidas.
As consequências desse sobre-endividamento, por sua vez, vem se demonstrando
graves, a nível tanto econômico, quanto social. O crédito passou, então, a representar um
produto que não só trás trás satisfação pessoal aos consumidores, mas também que
oferece riscos aos mesmos.
Nessa panorama, a proteção do consumidor, assim como a prevenção ao sobre-
endividamento, dentro do contexto dos contratos de crédito, relativos ao crédito ao
consumo, bem como ao crédito à habitação, passaram a ser tema de preocupação dos
legisladores, fazendo surgir, inicialmente, diplomas comunitários, que, em sequência,
foram transpostos ao direito interno português.
Tais diplomas, os quais serão devidamente apresentados ao longo do trabalho,
consagram, em seu corpo, uma série de deveres pré-contratuais, que, com a finalidade de

1
garantir a devida proteção do consumidor e, primordialmente, a fim de impor a concessão
responsável de crédito, constituem-se em deveres de conduta a serem observados pelos
mutuantes.
Nesse sentido, o principal objeto de estudo no presente trabalho será o dever de
avaliar a solvabilidade do consumidor que, de forma sumária, imputa ao mutuante a
obrigação de, antes de conceder ou de aumentar o montante do crédito, examinar se o
consumidor possui capacidade, ou não, para reembolsar aquele crédito.
Se tal for adequadamente cumprido pelo mutuante, isto é, se o crédito for
concedido tão somente àqueles consumidores que tem condições de assumir e cumprir
aquele compromisso ao longo prazo, considerar-se-á que a instituição fornecedora do
crédito está a agir de forma diligente e responsável. Tal conduta, por conseguinte, é capaz
de mitigar os riscos de sobre-endividamento dos consumidores, sendo, portanto, a
principal manifestação do princípio do crédito responsável.
O que se pretende, portanto, com o presente trabalho é analisar os regimes
jurídicos em que tal dever encontra-se inserido, demonstrar a importância do seu
cumprimento, ao apresentar os motivos e as repercussões do sobre-endividamento na
economia e na sociedade e, enfim, expor a forma com que tal avaliação deve ser feita e
as suas formas de incumprimento, com suas respectivas consequências. Com isso, no
fundo, busca-se, além de simplesmente reafirmar a relevância da imposição de tal dever,
para a garantia da concessão responsável do crédito, averiguar se, na prática, o dever é
efetivamente capaz de evitar as situações de sobre-endividamento.
Para tanto, em primeiro lugar, será feita uma singela conceituação do crédito, bem
como uma breve abordagem histórica em torno da figura do crédito. Com essa
demonstração da evolução do crédito, será observada a antiguidade da figura, bem como
serão perpassadas as diferentes bases do crédito bancário, desde o mútuo civil até o mútuo
bancário.
Em sequência, abordar-se-á especificamente o crédito bancário aos consumidores,
a fim de o contextualizar e caracterizar, bem como com o intuito de apresentar as suas
bases normativas, tanto no que tange ao crédito ao consumo, quanto ao crédito à
habitação. Iniciando-se pelos diplomas comunitários europeus e, depois, expondo os
diplomas portugueses, sobre o tema.
Ainda nesse segundo capítulo, tendo em conta o sujeito passivo específico dos
contratos em análise, imprescindível será um estudo sobre a noção de consumidor dentro

2
da esfera bancária. Discutir-se-á, principalmente, a inserção, ou não, das pessoas coletivas
no conceito de consumidor.
Posteriormente, explorar-se-á a importância que os contratos de crédito aos
consumidores passaram a ter nas últimas décadas, desde a popularização do mesmo até a
chegada dos efeitos negativos dessa democratização do crédito, com o surgimento do
fenômeno do sobre-endividamento. Nesse capítulo serão verificadas as causas ou
elementos que podem potenciar o risco de sobre-endividamento e, em sequência, serão
analisadas as consequências do fenômeno e suas formas de tratamento.
Assim, primeiramente, será estudada a cultura do consumo, sendo apresentadas as
duas faces do crédito, uma vez que, qaundo utilizado de forma responsável pode
possibilitar à sociedade o acesso aos mais diversos bens, mas, quando usado de forma
descontrolada, pode causar graves impactos. E, nesse mesmo sentido, demonstrar-se-á a
repercussão que a publicidade é capaz de gerar nos consumidores e a sua influência na
contratação irresponsável de crédito.
Depois, o sobre-endividamento será devidamente conceituado, sendo
apresentadas as suas espécies, os seus efeitos e, por último, as formas de tratamento do
fenômeno. Neste último item, serão explanados os dois modelos tradicionais de
tratamento do sobre-endividamento e analisar-se-á as medidas tomadas por Portugal.
Com isso, partiremos para o quarto capítulo, no qual os deveres pré-contratuais
serão apresentados como a medida mais efetiva de prevenção ao sobre-endividamento.
Primeiramente, se chamará a atenção para certas particularidades dos contratos de
consumo. Isto porque, como característica instrinseca às relações de consumo, tem-se a
vulnerabilidade do consumidor e a possível hipossuficiência, informativa e econômica,
do mesmo. Ademais, com a massificação das relações, nota-se a adesão às cláusulas
conratuais gerais, retirando do consumidor, ainda mais, suas forças de negociação. Tendo
em conta tais elementos, pretende-se comprovar a necessidade de proteção do consumidor
nas contratações de crédito, mas, principalmente, salientar o quanto a assimetria
contratual, se não for devidamente amenizada, por meio da observância dos deveres pré-
contratuais, pode impactar na verificação de contextos de endividamento excessivo do
consumidor.
De uma forma puramente explanativa, então, os deveres pré-contratuais de
informação, assistência e de publicidade consciente, previstos nos diplomas atinentes ao
crédito, serão apresentados, sendo expostas as eventuais diferenças de tratamento no
diploma relativo ao crédito ao consumo e naquele referente ao crédito à habitação.
3
Após perpassados, ainda que supercialmente, tais deveres pré-contratuais, será
dado enfoque ao que, a nosso ver, constitui o principal dever de conduta consagrado nos
diplomas atinentes ao crédito: o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor. Em
primeiro lugar, explicitar-se-á o conceito do dever, sendo feitas as devidas referências aos
regimes do crédito ao consumo e do crédito à habitação. Na sequência, se evidenciará o
princípio do crédito responsável, que constitui o alicerce basilar do referido dever e,
depois, serão tratados os critérios de cumprimento do mesmo.
Pretende-se mencionar, em seguida, as formas de incumprimento do dever de
avaliar a solvabilidade do consumidor, abordando, primeiro, o descumprimento pelo
próprio particular e, por último, pelo mutuante.
Por fim, com o intuito de verificar se o dever, na prática, alcança o objetivo maior
de controle das situações de sobre-endividamento, far-se-á um estudo sobre as sanções
aplicadas ao mutuante, no caso de incumprimento do aludido dever, pela instituição
mutuante.

4
1. O CRÉDITO BANCÁRIO AOS CONSUMIDORES: ORIGEM, DEFINIÇÃO E
PREVISÃO NORMATIVA

1.1. Noções preliminares sobre o crédito bancário

Apesar da dificuldade de caracterização do crédito bancário, tendo em conta a sua


constante evolução, tentaremos traçar, de forma introdutória, um panorama geral a
respeito do tema, por julgarmos o seu entendimento essencial para o desdobramento do
trabalho, para fins de contextualização.
Em termos gerais, o crédito pode ser definido como uma “troca entre um bem
presente e uma contraprestação futura de um bem análogo”.1 Sob uma visão econômica
do crédito, três elementos podem ser enumerados como qualificadores do mesmo, sendo
eles: a) o tempo, tendo em vista que a contraprestação será realizada apenas em momento
posterior ao da entrega do bem mutuado; b) a confiança, já que, tanto o consumidor deve
confiar na entrega do bem pelo banco, como a instituição bancária tem que confiar no
futuro reembolso do bem pelo consumidor; c) e, por fim, o risco2, tendo em vista que
sempre haverá a possibilidade da contraprestação futura não acontecer.3
No que se refere a um conceito jurídico, porém, não se tem, ao menos no
ordenamento jurídico português, a construção de um conceito unitário para o termo. Isso
se justifica pela sua amplitude, que engloba diferentes figuras jurídicas, configurando um
risco tratá-las de forma conjunta e equivalente.4 Sendo assim, cabe ao intérprete dirigir-
se a cada lei que trata do crédito, a fim de extrair a noção de crédito ali exposta.
Assim sendo, o mútuo ou o empréstimo de dinheiro, quando realizados por
instituições bancárias, apresentam-se como típicos exemplos de crédito bancário, apesar
de não se confundirem com este.5 Isto porque, o crédito manifesta-se mais amplo do que

1 GOMES, Manuel Januário da Costa, Contratos Comerciais. Coimbra: Almedina, p. 260.


2 Sobre a figura do risco em diferentes àreas do conhecimento e suas respectivas interpretações sobre o
fenômeno , ver FRADE, Catarina, O direito face ao risco, in “Revista crítica de Ciências Sociais”, pp. 53-
72.
3 Cf, por todos, GOMES, M. J. C., Contratos...., op. cit., p. 260/261. Sobre o elemento temporal elencado,
o autor faz um relevante comentário, veja-se: “(...) conquanto economicamente o crédito bancário seja
um troca dierida, juridicamente o crédito é uma troca presente: dinheiro contra uma posiçãoimaterial
traduzida num ativo consubstanciado num direito de crédito”. P. 261
4 VASCONCELOS, Miguel Pestana de, Direito Bancário, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 160.
5 A delimitação entre o crédito bancário e as singulares operações contratuais revela-se mais notória no
direito italiano, no qual tem-se a figura do “fido bancário”, que se associa com a atividade da instituição
bancária, com a sua relação com os clientes, bem como com as normas fundamentais no que tange à
concessão de crédito. Cf. GOMES, M. J. C., Contratos...., op. cit.,p. 262.

5
o mútuo, por não se sustentar nos simples rituais que dão origem ao contrato de mútuo,
mas sim, na especial confiança que deve ser depositada no beneficiário do crédito.6
Essa autonomização do crédito ocorreu, ressalta-se, somente no século XIX, em
razão da revolução industrial. Isto porque, a possibilidade de reprodução da riqueza,
trazida pela era industrial, passou a exigir dos particulares montantes de dinheiro que
superavam as suas poupanças individuais. Para solucionar o problema, então, emergiu a
prática de recorrer aos profissionais do dinheiro, quem sejam, os banqueiros.7
O risco, inerente a essas operações, somado à futura retribuição do capital cedido
constituíam a forma de remuneração dos banqueiros, caracterizando tais operações como
naturamente onerosas8. Nesse contexto, o crédito, com a popularização da banca, passou
a representar um instrumento de suma importância na garantia do desenvolvimento das
diferentes economias.
A fim de deixar a noção de crédito um pouco mais clara, faz-se, em seguida, uma
breve consideração sobre a construção do instituto no âmbito jurídico. Como
mencionado, apesar do crédito bancário não se confundir com o mútuo, inegável é que
este último funciona como base fundamental para a criação das diferentes modalidades
do primeiro. Por isso, importante que, mesmo que a traço grosso, teçamos algumas
considerações sobre o mútuo e a sua evolução nos diferentes campos de aplicação, até o
momento em que se torna evidente a sua relação com o crédito bancário, atendo-se, é
claro, ao que de relevância para o presente trabalho.
Pois bem. Nos primórdios do contrato de mútuo, visualizam-se simples relações
de “solidariedade e de convívio humano”.9 Os bens de consumo tinham a sua transmissão
na comunidade baseada em uma ideia de excesso e necessidade, de tal forma que aqueles
com sobra de bens fornecia-os para aqueles, do seu grupo social ou familiar, que
estivessem precisando. Inicialmente, portanto, não havia a cobrança de qualquer

6CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário, 6ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p.. 667.
7 Sobre a prevalência do crédito ao mútuo, nessa situação, António Menezes Cordeiro explica que: “Para
certas cifras, o mutuum não era suficiente: tratava-se de organizar fluxos financeiros, apoiados, por vezes,
em figuras contratuais díspares e que visavam mobilizar investimentos produtivos, à medida que se
mostrassem necessários. A credibilidade (creditum) do beneficiário era fundamental, nas inerentes
operações”. Cf. CORDEIRO, A. M., Direito..., op. cit. p. 670.
8 Assim como ainda será melhor abordado, diferentemente era o mútuo, que “surgia como manifestação
da solidariedade, sendo gratuito”. Ibidem, p. 670
9 Cordeiro, António Menezes, Manual de direito bancário, 4º Ed., Almedina, Coimbra 2012, p. 623

6
contrapartida pela entrega do bem. O que se tinha instaurado era uma ideia de
solidariedade social, em que as pessoas se ajudavam em momentos de necessidade.10
Com o passar do tempo, contudo, a ideia da retribuição solidária começou a ser
analisada de maneira mais rigorosa, trazendo o sentido de uma restituição da coisa, com
especificações de gênero, qualidade e quantidade, fazendo surgir, assim, a noção do
empréstimo.1112
Atualmente, o mútuo civil encontra-se previsto no artigo 1142º do Código Civil
português, sendo nele conceituado como “o contrato por meio do qual uma das partes
empresta à outra dinheiro ou qualquer outra coisa fungível13, ficando a segunda parte
obrigada a restituir à primeira outro tanto do mesmo gênero e qualidade.”
O mútuo simples, destaca-se, pode ser gratuito ou oneroso, a dependender da
estipulação do pagamento de juros entre as partes. 14 Conforme o art. 1145º do CC, porém,
em caso de dúvida, presume-se a onerosidade do contrato.15 Em razão disso, Luís Manuel
Menezes Leitão afirma que a onerosidade, apesar de não ser uma característica essencial
do mútuo, manifesta-se como uma característica natural do mesmo.16

10 FERREIRA, Bruno, Contratos de crédito bancário exigibilidade antecipada, Coimbra: Almedina, 2011, p.
28.
11 Cfr. FERREIRA, B., op. cit., p. 28.
12 No Código de Seabra, o mútuo era previsto no art. 1507 e constituía-se como uma espécie de comodato.
O mútuo era o “o empréstimo que versasse sobre coisa que devesse ser restituída por outra do mesmo
género, qualidade e quantidade”. Nesse contexto, o mútuo surgia como “essencialmente gratuito”,
conforme o art. 1508 do Código, sendo que, se o empréstimo fosse retribuído, por objeto diferente do
que mutuado, a relação passava a ser analisada com base em outro tipo, qual seja, o da usura. Cf. GOMES,
M. J. C., op. cit., p. 314/315.
13 Sobre a fungibilidade da coisa, objeto do contrato, importante é a ressalva de Pires de Lima e Antunes
Varela de que “a mesma coisa ou género de coisas pode, todavia, ser fungível numa relação e funcionar
como não fungível, segundo a intenção dos contraentes, numa outra relação”. LIMA, Pires de, e VARELA,
Antunes, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição Revista e Atualizada (Reimpressão), Coimbra: Coimbra
Editora, 2010, pp.7643.
14 Faz-se nota de que a classificação do contrato gera divergências na doutrina. Sobre o assunto, ver
Verificar ABRANTES, José João, Algumas notas sobre o contrato de mútuo, in “Nos 20 anos do Código das
Sociedades Comerciais, Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco
Lobo Xavier”, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 1058; e
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações: Contratos em Especial, Vol. III, 13º ed.,
Coimbra: Almedina, 2019, pp. 383 a 423; GOMES, M. J. C., op.cit., pp. 316/317.
15 Menezes Cordeiro considera equivocada a opção legislativa, sob o fundamento de que na vida
cotidiana, em sociedade, revela-se comum o empréstimo entre pessoas do mesmo ciclo familiar e de
amigos, sem intuito lucrativo. Segundo o autor, tal presunção de onerosidade contraria o “sentir social”,
apenas fazendo sentido nas relações comerciais. Acrescenta o professor que o legislador se inspirou no
Código italiano, contudo, na Itália houve a unificação entre o direito civil e o direito Comercial, o que não
aconteceu em Portugal. Cf. CORDEIRO, A. M., Direito..., op. cit., pp. 673/674. No mesmo sentido,
manifesta-se GOMES, M. J. C., op. cit., p. 318 e VASCONCELOS, M. P., op.cit., p. 164.
16 LEITÃO, L. M. T. M., Direito das Obrigações..., op.cit., pp. 384 e ss.

7
Quanto à formalidade do contrato de mútuo, o art. 1143º do CC define que variará
de acordo com o seu valor, sendo que, quando superior a 2.000 euros, será necessário um
documento assinado pelo mutuário. Já nos contratos com valor superior a 20.000 euros,
em contrapartida, só serão válidos se forem celebrados por escritura pública ou
documento particular autenticado.
Como uma modalidade especial do mútuo, surgiu o contrato de mútuo comercial,
regulado no Código Comercial, nos arts. 394º a 396º. Trata-se do mútuo que tem como
objeto uma coisa destinada a qualquer ato mercantil, conforme o primeiro artigo citado.
A regulação do empréstimo mercantil é, no entanto, escassa, cingindo-se somente ao
caráter retribuído do mútuo e à sua forma.17 Em contraposição ao mútuo civil, o mútuo
comercial, segundo o art. 395º, sempre é oneroso.18 Além disso, no mútuo comercial
consagra-se a liberdade de forma, admitindo-se, independentemente do valor, qualquer
tipo de prova, confome art. 396 CCom.
Por fim, o mútuo bancário caracteriza-se por ser uma das operações ativas
principais de um banco, por meio do qual uma instituição bancária concede crédito.
Configura-se, em outras palavras, no modelo de concessão de crédito realizado em massa
e de forma profissional, pelos bancos.19
Segundo Engácia Antunes, o mútuo bancário (ou empréstimo bancário) é o “(...)
o contrato pelo qual o banco (mutuante) entrega ou se obriga a entregar uma determinada
quantia em dinheiro ao cliente (mutuário), ficando este obrigado a restituir outro tanto do
mesmo género e qualidade (‘tantundem’), acrescido dos correspondentes juros”.2021
Diferentemente do mútuo civil e do mútuo comercial, portanto, tal contrato é
firmado por um banqueiro no exercício da sua profissão e tem como objeto unicamente o

17 VASCONCELOS, M. P., op.cit., p. 185.


18 Estabelece o parágrafo único do art. 395º do CCom. que, na ausência de convenção, a retribuição será
equivalente à texa legal de juros, calculado sobre o valor a coisa cedida. Sobre esse ponto, Menezes Leitão
expõe que o texto art. 395º, que trata sobre a retribuição, deve ser tido como uma mera presunção, sob
o argumento de que, apesar de comerciantes, as partes também podem celebrar contratos de mútuo
gratuito, com base no princípio da autonomia privada. LEITÃO, L. M. T. M., Direito das Obrigações, op. cit.,
p.390. Nesse mesmo sentido, se manifesta Menezes Cordeiro, afirmando que, mesmo no direito
comercial, não se verificam quaisquer obstáculos a que, entre comerciantes, no exercício dos seus
comércios, sejam celebrados mútuos gratuitos. CORDEIRO, A. M., Direito..., op.cit.,p. 676.
19 VASCONCELOS, M. P., op.cit., p. 186.
20 ANTUNES, José Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra: Almedina, 2009, pp.497 e 498.
21 De acordo com o art. 4º, do DL nº 58/2013, de 8 de Maio, que trata da classificação dos juros segundo
o prazo e o seu regime, no que diz respeito ao seu vencimento, o mútuo bancário pode ser considerado
de curto prazo, quando o seu prazo de vencimento for inferior a um ano; de médio prazo, quando o prazo
for superior a um ano, mas inferior a cinco; e, por fim, de longo prazo, nos casos em que o prazo de
vencimento exceder cinco anos.

8
dinheiro. Trata-se, sendo assim, de uma categoria especial do contrato de empréstimo (art.
362º, do Código Comercial - CCom) e que, em comparação às demais modalidades de
mútuo elencadas possui uma importancia bastante elevada.
Quanto à forma do contrato em estudo, Menezes Cordeiro afirma que o mútuo
bancário também se diferencia dos demais pela sua “forma aligeirada”, uma vez que,
conforme o parágrafo único do Decreto-Lei (DL) nº 32.765, de 29 de abril de 1943, os
contratos de mútuo bancário podem provar-se por escrito particular, mesmo que a outra
parte não seja comerciante. 22 No entanto, a maior parte da doutrina, de forma mais
ponderada, a nosso ver, defende que o referido decreto é limitado, expondo que a Lei do
Crédito ao Consumidor impõe a redução a escrito do contrato firmado, conforme seu art.
12º e destacando a aplicação do CCom, nos casos em que a outra parte for comerciante
(arts. 394º e 396º, já mencionados)23.
Em conclusão, o mútuo bancário assume posição central e de extrema relevância
dentro da temática do crédito bancário. Entre os contratos de crédito bancário, o
empréstimo é, sem dúvidas, o mais frequentemente utilizado na prática bancária e o que,
consequentemente, possuiu um regime legal consolidado. Com a sua evolução, ademais,
e na tentativa de autonomização de uma figura mais ampla do que o mútuo bancário,
surgiu a ideia do contrato de crédito, conforme tentamos explicar anteriormente.24
Dentre os contratos de crédito, consideramos que dois deles ganham maior relevo,
por questões sociais e econômicais, quais sejam, o crédito ao consumo e o crédito a
habitação, motivo pelo qual serão o objeto de estudo da presente investigação.

1.2. O Crédito aos Consumidores

O crédito aos consumidores corresponde a qualquer empréstimo feito pelas


intituições bancárias a particulares, com fins de suprir as necessidades pessoais ou
familiares destes, no que concerne a aquisição de bens ou serviços.25 Dessa forma,

22 Cf. CORDEIRO, A. M., Direito..., op.cit., p. 688.


23 Ver GOMES, M. J. C., op. cit., p. 260 e ss. e VASCONCELOS, M. P., op.cit., p. 186/187.
24 Como explica Manual Januário da Costa Gomes, “ trata-se de uma figura ampla que alberga um conjunto
diversificado de subfiguras que têm como característica comum o facto de, através das mesmas, o banco
conceder crédito”. O autor, ainda, diferencia o termo “contrato de crédito” da expressão “operação de
crédito”. Segundo ele, essa última é ainda mais ampla do que a primeira e “tem a vantagem de abranger
situações de crédito cuja qualificação como contrato possa suscitar dúvidas”. GOMES, M. J. C., op.cit.,
p.321
25 Cf. FRADE, Catarina, A Regulação do Sobreendividamento, (Dissertação de Doutoramento), Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra, 2007, p. 47.

9
possível é a sua divisão em duas formas de crédito, já anunciadas: o crédito ao consumo
e o crédito à habitação, sendo, de forma sumária, o primeiro aplicável aos casos de
aquisição de bens móveis e serviços e o segundo para a aquisição de bens imóveis.26
Antes, todavia, de adentrarmos na apresentação e estudo de cada um deles,
relevante se demonstra salientar que a introdução do crédito aos consumidores na Europa
foi demorada, em razão da forte influência das interdições e tabus típicos dos séculos
passados. Isto porque, conforme é sabido, durante muito tempo, a cobrança de juros no
empréstimo de dinheiro foi condenado pela Igreja Católica, que, por sua vez, tinha grande
força sobre os constumes, a política e a economia dos Estados em que se fazia presente.27
Foi criado, por conta disso, um grande estigma negativo em torno do crédito, o
qual somente começou a ser quebrado pela racionalidade iluminista. No entando, ainda
assim, nessa época, o crédito apenas era concedido àqueles com alto poder aquisitivo,
sendo restrito, portanto, a uma pequena fração da sociedade, de maneira que, como ainda
será melhor exposto, a sua popularização passou a ocorrer unicamente a partir do século
XX.
Com isso, pode-se dizer que o desenvolvimento do crédito aos consumidores na
Europa ocorreu em função de uma “americanização” das sociedades europeias, uma vez
que foi nos Estados Unidos que se consolidou a verdadeira evolução do crédito aos
consumidores para a figura como a qual atualmente conhecemos28.
Os Estados Unidos, em 1968, editou, o Consumer Credit Protection Act (CCPA),
a primeira lei federal para a proteção dos consumidores de crédito, que, posteriormente,
foi aperfeiçoada e complementada por diversas outras normas29. Os Estados Unidos
foram, assim, os pioneiros na aprovação de uma legislação densa sobre o tema.

26 Cf. PATRÍCIO, José Simões; Direito Bancário Privado, Lisboa: Quis Juris?, 2004, p. 284
27 Nessa época, conorme é cediço, a concessão de crédito era rara e, quando existente, era realizada pelos
judeus. Tal prática, que ficou conhecida como usura até o final do séc. XIV, era marcada pelas condutas
abusivas, como a imposição de penas extremas, nos casos de não pagamento do empréstimo.
28 Gary Cross, historiador americano, inclusive, afirma que o crescimento dos EUA como potência mundial
foi promovida mais pela popularização do crédito na sociedade consumista, no século XX, do que
propriamente pelas suas ideias políticas. V. CROSS, Gary; An All-Consuming Century: Why Commercialism
won in Modern America, New York: Columbia Unversity Press.
29 Das referidas normas, citamos algumas, as quais julgamos mais relevantes: The Fair Credit Reporting
Act, de 1970; Credit Card Amendments to Truth in Lending, de 1970; Fair Credit Billing Act, de 1974; Equal
Credit Opportunity Act, de 1974, e Regulation B; Consumer Leasing Acts, de 1976; Fair Debt Collection
Practices Act, de 1977; Electronic Fund Transfer Act, de 1978, e Regulation E; e o Bankruptcy Act, de 1978,
revisto em 1984.

10
Na Europa, em contrapartida, a temática da proteção do consumidor apenas se
tornou prioridade, após a Segunda Guerra Mundial, mais exatamente no período chamado
de “Expansão Econômica” ou “Era do Capitalismo”.
A primeira manifestação legislativa europeia sobre o tema ocorreu na Grã-
Bretanha, depois de um estudo sobre o impacto do crédito aos consumidores na sociedade
inglesa, sendo publicado, em 1974, o Consumer Credit Act30, com forte influência do
diploma americano.
Nesse período, ainda haviam países, em especial a França, contrários a esse
movimento legislativo, com uma visão extremamente negativa sobre o crédito, como uma
espécie de “doença norte-americana”. Contudo, com a expansão do mercado creditício, a
França sentiu a necessidade de uma regulamentação, o que ocorreu em 1978, com a
criação da Loi Scrivener, mais conhecida como Lei Neietz, que, posteriormente, em 1993,
foi integrada pela publicação do Code de la Consummation. Ressalta-se que o regime de
proteção do consumidor constante desses diplomas configura, ainda hoje, o regime que
mais protege o consumidor em todo o mundo, em razão da desconfiança cultural sobre o
crédito, que se manteve ao longo dos séculos.
Sobre a proteção do consumidor, em Portugal ela começou já em 1976, com uma
previsão na Constituição Portuguesa, no art. 81º, alínea “h” da mesma, considerando-a
uma “incumbência prioritária do Estado”. Posteriormente, com as revisões
constitucionais os direitos dos consumidores subiram ao patamar de direitos
fundamentais. Todavia, não existe em Portugal um Código do Consumidor, mas tão
somente uma lei de defesa do consumidor, a Lei nº 24/96, de 31 de Julho. Cuida-se, não
obstante, de uma lei-quadro, isto é, uma lei que é concretizada por meio de outros
instrumentos legislativos, manifestamente com o objetivo de transposição de diretivas
comunitárias.31
Feitas tais considerações, passemos à análise da legislação comunitária atinente
ao crédito aos consumidores para, na sequência, examinarmos os diplomas portugueses
relativos ao Crédito ao Consumo e ao Crédito à Habitação, separadamente. Isto porque,
conforme se verá, o quadro legislativo português atual, referente à temática do crédito,
revela-se extremamente influenciado pelo direito comunitário.

30O referido diploma ainda encontra-se em vigor, tendo sido atualizado em 1995, com a finalidade de
traspor uma diretiva comunitária.
31 LAURENTINO, Sandrina, Os destinatários da Legislação do Consumidor, in “Estudos do Direito do
Consumidor”, nº2, 2000, pp. 415-434.

11
1.2.1. A regulação do crédito aos consumidores no direito comunitário europeu

A União Europeia tem, cada vez mais, ocupado-se da proteção do consumidor,


principalmente em razão do fortalecimento do mercado interno, que, inclusive, também
é fomentado por ela.32
Os contratos de crédito ao consumo foram matéria de legislação comunitária pela
primeira vez por meio da Diretiva 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, que foi,
posteriormente, alterada pelas Diretivas 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990 e Dir.
98/7/CE, de 16 de Fevereiro de 1998.
A primeira delas surgiu ainda em meados da década de 70, com o propósito de
harmonizar as diferentes legislações no que dizia respeito ao crédito ao consumo. Para
tanto, pode-se dizer que dois foram os principais temas da referida Diretiva: a garantia de
um efetivo mercado comum de crédito, com a livre circulação de bens e serviços e,
ademais, a adoção de uma política de informação e defesa dos consumidores, contra
condições de crédito abusivas. As outras duas, em contrapartida, surgiram apenas em
alteração da primeira, introduzindo, no âmbito comunitário, uma forma uniformizada de
cálculo da taxa anual de encargos efetiva global – TAEG. Ademais, a Dir. 90/88/CEE
teve seu foco voltado, principalmente, para a questão das informações transmitidas ao
consumidor nos contratos de crédito, ao passo que a Dir. 98/7/CE teve seu objetivo mais
centrado na pormenorização do cálculo do custo do crédito.
Foi em 2008, então, que foi publicada a Diretiva nº 2008/48/CE, revogando33 a
Diretiva nº 87/102/CEE. Conforme o art. 2º da Dir. nº 2008/48/CE, o diploma é aplicável
aos contratos de crédito, com exceção daqueles elencados no nº 2, do mencionado
dispositivo, dos quais ressaltamos: os contratos de crédito que prevejam a concessão de
um crédito garantido por um bem imóvel (alínea “a”); os contratos de crédito cuja
finalidade seja financiar a aquisição ou a manutenção de direitos de propriedade sobre
terrenos ou prédios existentes ou projectados (alínea “b”); e, ainda, os contratos cujo valor
total de crédtio seja inferior a 200 euros ou superior a 75.000 euros (alínea “c”).

32 MORAIS, Fernando Gravato & CAMPOS, Isabel Méneres, Consumo, In: SILVEIRA, Alessandra (coord.);
CANOTILHO, Mariana (coord.); FROUFE, Pedro Madeira(coord.), “Direito da União Europeia: elementos
de Direito e política da União”, Coimbra: Almedia, 2016, pp. 657-611.
33 O fundamento para tal revogação foi o de que haviam sido observadas diferenças substanciais entre as
legislações dos diferentes Estados-Membros, o que causava distorções de concorrência entre os
mutuantes na Comunidade e suscitava obstáculos ao mercado interno, nos casos em que os Estados-
Membros tivessem aprovado disposições mais restritivas do que as previstas na Diretiva nº 87/102/CEE,
conforme os nº 3 e 4 do preâmbulo da Diretiva nº 2008/48/CE.

12
Neste diploma europeu, o contrato de crédito é definido como “o contrato por
meio do qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito
sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro
semelhante”, assim como preceitua a alínea “c”, do art. 3º. A norma excetua, ainda, do
âmbito de aplicação da diretiva, os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento
de bens, com caráter de continuidade, nos casos em que o consumidor pague pelos
serviços ou bens a prestações, durante o período de validade do contrato.
O consumidor, por sua vez, é tido como “a pessoa singular que, nas transacções
abrangidas pela presente directiva, actua com fins alheios às suas actividades comerciais
ou profissionais”- (grifo nosso), conforme a alíena “a”, do retro mencionado artigo.
Quanto às inovações trazidas por essa diretiva em relação à anterior, podemos
citar os seguintes pontos: a) a imposição, como dever pré-contratual, da necessidade de
informação, por parte do credor, de quais são as garantias exigidas no contrato de crédito,
como preceitua a alínea “n”, do nº1, do art. 5º do diploma; b) a obrigação do mutuante
avaliar a solvabilidade do consumidor, conforme o seu art. 8º; c) e, ainda, a obrigação de
constar, de forma clara e concisa, no contrato de crédito ao consumo, as garantias e os
seguros que podem ser exigidos, como determina a alínea “o”, do nº2, do art. 10º também
da diretiva.
Ademais, imperioso ressaltar que a diretiva em análise surgiu com o propósito de
harmonização plena, o que significa dizer que os Estados-Membros não estão autorizados
a alterá-la ou introduzir novas disposições normativas para além daquelas constantes da
Diretiva.34 Mantem-se, todavia, a faculdade dos Estados-Membros adotarem normas que
não tratadas pelo diploma europeu.35
O crédito à habitação, por sua vez, é tratado, atualmente, na Diretiva nº
2014/17/UE, que alterou as Diretivas nº 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE)
nº 1093/2010.
A diretiva surgiu, conforme consta do seu preâmbulo, com o objetivo maior de
ultrapassar as desconfianças causadas pela crise financeira entre os consumidores e o
mercado de crédito, por meio da garantia de proteção a estes primeiros.36 Além de tentar

34 Cf. nº 9 do Preâmbulo da Diretiva 2008/48/CE. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-


content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32008L0048
35 O legislador português, a título de exemplo, introduziu no DL nº 133/2009, que ainda será analisado
com mais cuidado, a matéria da usura (art. 28º) e a matéria das vendas associadas (art. 29º).
36 GONÇALVES, Anabela Susana de Sousa, A avaliação de solvabilidade na Directiva sobre o Crédito
Hipotecário e o princípio do crédito responsável, in “Scientia Ivridica”, Tomo 65, nº 340 (Janeiro-Abril),
2016, pp. 113-134, p. 115.

13
amenizar as substanciais diferenças nas legislações dos diversos países, no que tangia à
concessão de crédito para imóveis de habitação, o que estava a diminuir o volume da
atividade transfonteiriça, reduzindo, consequentemente, a concorrência e aumentando o
custo do crédito, conforme o considerando nº 2 posto na diretiva.
A Diretiva 2014/17/UE aplica-se, como disposto na alínea “a”, do nº1 do art. 3º
do diploma comunitário, aos “contratos de crédito garantidos por hipoteca ou por outra
garantia enquivalente habitualmente utilizada num Estado-Membro sobre imóveis de
habitação ou garantidos por um direito relativo a imóveis de habitação” e, ainda, pelo que
previsto na alínea “b” do mesmo artigo, aos “contratos cuja finalidade seja financiar a
aquisição ou a manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios já
existentes ou projetados”. Pontua-se que existem exceções à esse âmbito de aplicação do
diploma, constantes do nº2, do artigo citado.
Quanto ao conceito de “consumidor”, a diretiva faz referência à definição utilizada
na Dir. nº 2008/48/CE, que, por sua vez, continha a mesma conceituação transcrita
anteriormente, ao tratarmos do crédito ao consumo.37 Apesar disso, a Diretiva nº
2014/17/UE demonstra-se mais completa e minusciosa quanto a proteção do consumidor,
primordialmente no que referente aos deveres pré-contratuais a serem observados antes
da formalização do contrato de crédito, em especial no que tange à avaliação da
solvabilidade do consumidor.38 Nos termos da Dir., a avaliação deve ser rigorosa, sendo
nela, pela primeira vez, definidos alguns parâmetros e critérios para a realização do
procedimento, bem como sendo determinado que os Estados-Membros deveriam
assegurar que o mutuante apenas disponibilizzasse crédito nos casos em que a avaliação
indicasse o provável cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, pelo
consumimdor (alínea “a”, do nº 5, do art. 18º).
Por fim, tal diretiva é, ao contrário da anterior, de harmonização mínima,
permitindo, assim, que os Estados-Membros adotem normas mais restritivas no que se
refere a proteção dos consumidores, desde que as disposições estejam de acordo com o
diploma comunitário. Excetuam-se, contudo, as normas referentes ao cálculo da taxa
anual de encargos efetiva global e à imposição do uso da Ficha de Informação

37 Conforme a alínea “a”, do art. 3º da diretiva nº 2008/48/CE, consumidor é “a pessoa singular que, nas
transacções abrangidas pela presente directiva, actua com fins alheios às suas actividades comerciais ou
profissionais”.
38 Assim também defende DUARTE, Rui Pinto; O novo Regime de Crédito Imobiliário a Consumidores (Dec.-
Lei 74-A/2017: uma apresentação), In: VASCONCELOS, M. P., “III Congresso de Direito Bancário”, Coimbra:
Almedina, 2018, p. 319.

14
Normalizada Europeia, as quais ainda serão analisados ao longo do trabalho e que são
objeto de harmonização máxima, sendo os Estados-Membros obrigadas a manterem a
redação sobre as referidas temáticas.

1.2.2. O crédito ao consumo em Portugal

O crédito ao consumo começou a ser regulado, em Portugal, pelo DL nº 359/91,


de 21 de setembro, por meio do qual foi feita a transposição da Dir.87/102/CEE,
anteriomente citada. O mencionado decreto foi alterado, posteriormente, pelo DL nº
101/200, de 2 de Junho e pelo DL nº 82/2006, de 3 de Maio. 39
Contudo, em 2009, tal diploma foi revogado pelo DL nº 133/2009, que encontra-
se atualmente em vigor e transpôs para o ordenamento jurídico português a Diretiva
2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu.
O âmbito de aplicação do diploma é equivalente à aquele mencionado quando
tratamos da Dir. nº 2008/48/CE.40 Quanto ao conceito de contrato de crédito, por outro
lado, a alínea “c”, do nº1, do art. 4º, do referido decreto o define como “ o contrato pelo
qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma
de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro
acordo de financiamento semelhante”. Como se nota, a definição é bem semelhante ao
que consta da Dir. a qual o diploma se propõe a transpor. O decreto apenas introduziu
especificações originais, com base na parte final do considerando nº 16 da referida
Diretiva, nº2008/48/CE, no qual, expressamente, o legislador se refere à utilização de
cartão de crédito como um produto de crédito.41 42

39 MORAIS, F. G. & CAMPOS, I. M., op.cit., p. 581.


40 Dispõe o art. 4º, nº2 do DL nº 133/2009 que estão excluídos do âmbito da definição de contrato de
crédito, os contratos de prestação continuada de serviços ou fornecimento de bens, como por exemplo o
contrato de fornecimento de eletricidade.Algumas operações também são excluídas da esfera de
aplicação do decreto, conforme determina o art. 2º do mesmo. Dentre as hipóteses de exclusão,
destacamos os contratos garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente, assim como os contratos
com finalidade de financiamento para a aquisição ou manutenção de propriedade sobre terrenos ou
edifícios, existentes ou projetados (alíneas “a” e “b”), que, no fundo, se referem ao crédito habitação.
Além disso, contata-se que o regime previsto no decreto não é aplicado a contratos de crédito cujo
montante toal seja inferior a 200 (duzentos) ou superior a 75.000 (setenta e cinco mil) euros, de acordo
com a alínea “c”, do retro artigo.
41 MORAIS, Fernando Gravato de, Crédito aos Consumidores: Anotação ao Decreto-Lei N.º133/2009,
Coimbra: Almedia, 2009, p. 28.
42 De acordo com essa conceituação, são consagrados como contratos de crédito: os contratos de
diferimento de pagamento, os contratos de mútuo, os contratos de utilização de cartão de crédito e os
contratos nos quais se tenha a função de financiamento. Cf. BERNARDES, Maria Fernandes, O dever de
avaliar a solvabilidade do consumidor no crédito ao consumo e no crédito à habitação. (Tese de mestrado).
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2018, p. 8.

15
É importante, ainda, destacar que o âmbito de aplicação do diploma é mais amplo,
do que aquele disposto no relativo ao crédito à habitação, o qual será estudado a seguir,
pelo fato de que o credor não ter que ser uma instituição de crédito ou uma sociedade
financeira. No entanto, vale ressaltar, na grande maioria dos casos, os contratos de crédito
ao consumo são celebrados por tais instituições e sociedades, pelo que se justifica o nosso
estudo sobre o tema.43
O consumidor, por sua vez, vem definido, na alínea “a”, do nº1, do art. 4º do
decreto, como “a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente
decreto-lei, atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional”- (grifo
nosso). Tal conceito, salvo pequenas alterações terminológicas, acompanha o diploma
comunitário.
Por fim, conforme o próprio preâmbulo do DL nº 133/2009 anuncia, os principais
temas ali transpostos para a legislação interna foram a obrigatoriedade, por parte do
credor, de avaliar a solvabilidade do consumidor em momento prévio à celebração de
contrato, que é o principal tema do presente trabalho, além do incentivo à realização de
transações transfonteiriças e, por fim, a maior eficácia do direito de revogação do contrato
de crédito.
Sendo assim, afirma-se que o legislador inovou na previsão de matérias como: a
publicidade dos contratos de crédito, prevista no art. 5º do decreto; as informações pré-
contratuais, preceituadas nos arts. 6º a 8º; o dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor, determinado no art. 10º; a invalidade do contrato coligado, como dispõe o
art. 18º; os mediadores de crédito, tratados no art. 25º e, por último, a usura, no art. 28º.

1.2.3. O crédito à habitação em Portugal

Como é cediço, a Constituição portuguesa elenca entre os seus direitos


fundamentais o direito à habitação, em seu art. 65º, nº1. A Declaração Universal dos
Direitos do Homem também prevê o referido direito, em seu art. 25º. Assim sendo, pode-
se dizer que tal garantia constitucional, principalmente quando posta em choque com os
baixos níveis de rendimento das famílias portuguesas, tornou necessária a criação de
políticas públicas de apoio à aquisição ou construção da habitação própria. 44 Até que se

43VASCONCELOS, L. Miguel Pestana de; Direito Bancário, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 347.
44CASTRO, Cláudia Silva, A proteção do consumidor nos contratos de crédito para imóveis de habitação.
Confronto entre as soluções propostas pela Diretiva 2014/17/UE e as consagradas pelo Regime Jurídico
do Crédito ao Consumo’’, in “Revista Electrónica de Direito”, junho de 2017, p.7.

16
consolidasse o diploma atualmente em vigor sobre o crédito à habitação, observou-se um
longo processo legislativo, com a publicação de variados diplomas, os quais faremos
referência apenas em nota, a fim de centralizar as atenções naquele com maior relevância
para o tema em estudo.45
O DL nº 74-A/2017 surgiu pela necessidade de transposição das disposições da
Diretiva nº 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho para a ordem jurídica
interna. O diploma é aplicável, conforme seu art. 2º, aos contratos de crédito cuja
finalidade seja a aquisição ou construção de habitação própria permanente, secundária ou
para arrendamento ou para a aquisição ou manutenção de direitos de propriedade sobre
terrenos ou edifícios já existentes ou projetados e, ainda, aos contratos de crédito que
estejam garantidos por hipoteca ou por qualquer outra garantia equivalente,
independentemente da sua finalidade. Além disso, o decreto-lei é também aplicável aos
contratos de locação financeira para habitação própria.
O contrato de crédito é definido na alínea “e”, do art. 4º, como “o contrato pelo
qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma
de mútuo, abertura de crédito, diferimento de pagamento ou qualquer outro acordo de
financiamento semelhante, designadamente locação financeira, abrangido pelas
disposições do presente decreto-lei”.

45De forma sucinta e fazendo uma breve retrospectiva sobre os atos legislativos portugueses referentes
ao crédito habitação, devemos, primeiramente, listar a regulamentação do crédito bonificado à
habitação, iniciado em 1976, que visava instituir o regime de financiamento para a aquisição da habitação
própria. Depois, surgiu o DL nº 515/77, com um regime de incentivos à compra ou construção da
habitação própria, por meio da implementação de taxas de juro bonificadas. Contudo, em 1980, foi
aprovado o DL nº 435/80, que regovou o anterior regime, permitindo um maior prazo para a amortização
das dívidas, assim como a possibilidade de ajuste de prestações mais progressivas, sem alteração nas
taxas de juros. Esse novo regime, porém, foi alvo de diversas alterações, até que, em 1983, também foi
regovado, com a aprovação do DL nº 459/83. Nessa época, o acesso ao crédito ainda era muito restrito,
ao passo que o regime de crédito à habitação era bastante rígido. Por isso, o legislador viu a necessidade
de ampliar o acesso ao crédito, surgindo, então, o DL nº 328-B/86. Esse diploma regulamentava a
concessão de crédito à aquisição, construção, beneficiação, recuperação ou ampliação de habitação
própria, secundária ou de arrendamento no regime de crédito geral, bonificado e bonificado jovem.
Ademais, o objeto de financiamento foi também estendido passando a englobar a aquisição de terrenos
destinados à construção de habitação própria permanente, bem como a aquisição e/ou construção de
segunda habitação ou de habitação para arrendamento. Esse diploma foi um marco para o início de uma
nova política de financiamento à habitação, caracterizada pela flexibilização e liberalização do acesso e
concessão de crédito. Resalta-se que apenas a partir de 1986 que toda a banca passou a ser autorizada a
tratar de questões atinentes ao crédito à habitação, sendo que antes tal atividade era restrita à Caixa
Geral de Depósitos, ao Crédito Predial Português e ao Montepio Geral. O diploma, ainda, manteve-se em
vigor durante 12 anos, até a aprovação do DL nº 349/98, que surgiu com o propósito de unificar e
consolidar o regime do crédito à habitação. Este último mantem-se em vigor, atualmente, porém de forma
parcial, tendo em vista a aprovação do DL nº 74-A/2017, que consiste no diploma mais recente sobre a
matéria. Cf. CASTRO, C. S., op. cit., p. 8.

17
O consumidor, a seu turno, é definido da mesma maneira com que conceituado no
diploma do crédito ao consumo, na forma como transcrito no item anterior.46 Não
obstante, comparativamente à lei que trata do crédito ao consumo, anteriormente
comentada, pode-se dizer que o DL nº 74-A/2017 traz um regime jurídico mais robusto e
detalhado ao crédito à habitação, essencialmente quanto à proteção do consumidor, da
mesma forma com que ressaltamos quando do estudo da Dir nº 2014/17/UE, em
comparação com a Dir. 2008/48/CE.
Ressalta-se que esse tratamento mais cuidadoso e diferenciado do legislador com
o crédito à habitação, em especial quanto à avaliação da capacidade do consumidor de
reembolsar o crédito hipotecário e sobre a garantia de uma tomada de decisão racional e
consciente do consumidor, justifica-se pela importância que o referido crédito assume na
vida financeira do consumidor.47 Isto porque, quando comparado aos outros tipos de
créditos ao consumo, o crédito para aquisição de habitação própria possui um valor
mutuado mais expressivo, um maior prazo de amortização e, também, consequências
mais significativas (execução da hipoteca).

1.2.4. Noção de consumidor no âmbito bancário

Apesar de fugir um pouco do objetivo do presente capítulo de apresentar o quadro


legislativo português referente à regulação do crédito aos consumidores, julgamos de
extrema relevância, antes de nos debruçarmos de forma mais detalhada sobre implicações
do referido crédito na sociedade, fazermos uma reflexão sobre a conceituação de
consumidor na ordem jurídica, em especial no âmbito bancário.
Nota-se uma dificuldade em encontrar, no direito interno português, um conceito
unitário para o termo. Como se observa, da leitura dos diferentes diplomas portugueses,
sempre que se pretenda definir o “consumidor” deve-se levar em consideração o contexto
normativo no qual o termo está empregado. Isto porque, dentro das várias normas
portuguesas, encontramos diversificados conceitos para o consumidor. E, em análise a
essas definições, como veremos a seguir, constata-se que uma grande culpada por esssa
complexidade de caracterização do termo é a discussão sobre a inclusão, ou não, de
pessoas coletivas no conceito de consumidor.

46 Conforme o art. 4º, nº 1, alínea “a”, o consumidor é “a pessoa singular que, nos negócios jurídicos
abrangidos pelo presente decretolei, atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou
profissional”.
47 Ver o preâmbulo do DL nº 74-A/2017

18
Segundo o DL nº 24/2014 (art. 3º, alínea “c”,), por exemplo, que trata dos
contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, consumidor é toda
“pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade
comercial, industrial, artesanal ou profissional” (destaque nosso)48.
A Lei de Defesa do Consumidor – LDC, por outro lado, considera consumidor
“todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer
direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter
profissional uma atividade econômica que vise a obtenção de benefícios”- (grifo nosso),
conforme o nº 1, do art. 2º do diploma.49
Observa-se, ademais, que, no Anteprojeto e no Projeto do Código do Consumidor
português50, “considera-se consumidor a pessoa singular que atua para a prossecução de
fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de
relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, age enquanto profissional”
(nº1 do art. 3º do mencionado projeto).
Contudo, nos artigos seguintes ao supra citado, são tratadas hipóteses de extensão
do regime (art. 4º do mesmo Projeto) e de restrições à aplicação do mesmo (art. 5º do
mesmo Projeto)51, sendo que, no primeiro caso, são beneficiadas pessoas que não são
consumidores, nos termos acima transcritos, e, no segundo, são retirados benefícios a
pessoas que, formalmente, são consumidores, porém, em um juízo material, não são
encontradas justificativas para a proteção especial delas.52

48 Verifica-se que o conceito não destoa muito do que enunciado nos diplomas europeus e internos sobre
o crédito ao consumo.
49 Sobre a importância da definição de consumidor nessa lei, em especial, Ana Prata defende que este é o
conceito que deve ser levado em conta na análise do DL nº 446/85, que ainda será citado por nós, tendo
em vista a sua relevância para o tema do crédito aos consumidores, ao regular as cláusulas contratuais
gerais. PRATA, Ana, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra: Almedina, 2010, p. 92,
nota 262.
50 Para maior aprofundamento sobre o tema da evolução do direito do consumo, ver ALMEIDA, Carlos
Ferreida de, O futuro do Direito do Consumo, In: CARVALHO, J. M. (org.), “I Congresso de Direito do
Consumo”, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 27-34; MONTEIRO, António Pinto, O direito do consumidor em
debate: evolução e desafios, In: CARVALHO, J. M., I Congresso de Direito do Consumo, pp. 11-26, Coimbra:
Almedina; e MORAIS, Fernando Gravato, A evolução do direito do consumo, In “RPDC”, nº 55, 2008, pp.
9-26.
51 O nº 2 do artigo citado dipõe que “(...) o tribunal ponderará, na situação concreta, de acordo com a
equidade, se e em que medida deve ser aplicado o regime mais favorável ao consumidor, quando este,
apesar de abrangido pelo art. 3.º, disponha ou deva dispor, em virtude da sua actividade e experiência
profissional, de competência específica para a transacção em causa”. Isto é, a aplicação do regime, mesmo
a pessoas que se enquadram na definição trazida pelo Projeto, dependerá das competências individuais
do particular.
52 Cf. MONTEIRO, António Pinto, A resposta do ordenamento jurídico português à contratação bancária
pelo consumidor, In “Boletim de Cieências Económicas: Homenagem ao prof. Doutor Anónio José Avelãs

19
No nº1, do art. 4º, do mencionado Projeto, prevê-se que as pessoas coletivas
podem se beneficiar do regime do Código, desde que provem que não possuem, tampouco
devem dispor, de competência específica para a transação em causa e desde que a solução
seja demonstrada mediante a equidade.53
Pela análise dessas disposições do Projeto do Código do Consumidor, verifica-se
que o intuito do legislador tem sido retirar do termo “consumidor” a obrigatoriedade de
um conceito fechado. Ao que tudo indica, a classificação de uma pessoa como
consumidor deve ir além da sua categorização como pessoa singular ou coletiva, tornando
relevante a apuração da existência, ou não, de competências a respeito da transação
efetuada na contratação. O que se observa, partindo de uma análise evolutiva dos
diplomas portugueses e suas respectivas definições de “consumidor”, é que o que fez com
que se criassem diferentes conceituações foi a necessidade, cada vez maior, de proteger
quem quer que se encontre na posição de consumidor.
Se tomadas em consideração as atuais condições de mercado em que, cada vez
mais, grades empresa “devoram” as pequenas e médias, bem como as dificuldades, no
cenário econômico contemporâneo de se manter uma atividade empresarial, não se revela
justo defender que a assimetria contratual é uma prerrogativa somente das pessoas
singulares.54
Ocorre, todavia, que, como bem expõe o professor António Pinto Monteiro, não
adianta o legislador português consagrar uma noção de consumidor em uma lei geral que
não serve para os “múltiplos domínios em que a lei recorre a tal noção – mas com sentido
diverso- para delimitar o seu âmbito de aplicação!”.55 A razão para as diferenças
conceituais do termo “consumidor” nos vários diplomas portugueses é a previsão do
termo nas normas comunitárias, as quais foram posteriormente transpostas para o direito
interno e que restringem à pessoa singular a noção de consumidor. Ainda conforme o
autor, com o qual concordamos, se uma noção de “consumidor” é definida em um código

Nunes”, Vol. LVII, Tomo II, Coimbra: Universidade de Coimbra Faculdade de Direito, 2014, pp. 2315-2348,
p. 2317.
53 Ressalta-se que o nº2, do artigo em análise, estende o que previsto no número anterior às pessoas
singulares que, na contratação, estejam atuando para o alcance de objetivos relacionados ao âmbito da
sua atividade profissional.
54 Cf. OLIVEIRA, Fernando Baptista de, Do conceito de consumidor: algumas questões e perspectivas de
solução, In: “Estudos do Direito do Consumidor”, nº 8, 2006/7, pp. 467-554.
55 Cf. MONTEIRO, A. P., A resposta..., op.cit., p. 2318/2319.

20
ou lei geral, ela deveria servir de base para todas as situações, que tenham como
destinatário o consumidor.56
Tendo em conta esses conceitos mencionados, mais uma vez nos perguntamos:
quem é “consumidor” nos contratos bancários? Frente, principalmente, à definição dada
pela Lei de Defesa do Consumidor, que utiliza-se da expressão “toda aquele a quem”57,
surge a dificuldade de saber se as pessoas coletivas também são ou podem ser
consumidores.
Como vimos anteriormente, de acordo com as diretivas de direito comunitário
sobre o crédito ao consumo e o crédito à habitação, é consumidor a pessoa singular que
atua fora do âmbito da sua atividade comercial, empresarial ou profissional.58 E, no direito
interno, viu-se que a definição do consumidor não foge muito ao que previsto em tais
diretivas.
A verdade é que, dentro do domínio bancário, o que ocorre é semelhante ao que
já narrado quanto à ordem jurídica portuguesa como um todo. Torna-se necessária a
análise individual de cada medida de tutela do consumidor para fins de averiguar o seu
destinatário.
É preciso ressaltar que, na esfera bancária, a conceitualização do consumidor
torna-se ainda mais complicada, pelo fato de que a introdução do termo “consumidor” na
linguagem bancária ocorreu de forma consideravelmente recente, por meio da Diretiva
2008/48/CE, na qual o mutuário passou de cliente bancário a consumidor.59
Pois bem. Certo é que existem medidas, consagradas no âmbito bancário, que
objetivam a proteção do consumidor em sentido próprio, como é o caso, por exemplo, do
crédito ao consumo e da contratação à distância.60 Tais diplomas delimitam o seu próprio
âmbito de aplicação ao consumidor, criando, para tanto, um conceito com sentido
técnico.61

56 Ibidem, p. 2319.
57 Sobre a utilização da expressão, na opinião de Fernando Baptista de Oliveira “pretendeu o legislador,
sem dúvida para nós, deixar ao cuidado da doutrina e dos ‘aplicadores do direito (a jurisprudência) a
tomada de posição perante as mais diversas situações (concretas) que se deparem”. OLIVEIRA, F. B.,
op.cit., pp. 467-554.
58 Cf. o art. 4º, nº 1 da diretiva 2014/17/UE, bem como o Art. 3º, alínea “a” da Diretiva 2008/48/CE.
59 Cf. CASTRO, C. S., op.cit, p. 14.
60 MONTEIRO, A. P. , A resposta..., op.cit., p. 2321.
61 Como afirma LAURENTINO, S., op. cit., p. 429/430: “(...) a pessoa colectiva só poderá ser considerada
consumidor se não tiver competência específica. No caso contrário, a Doutrina portuguesa pende para o
não reconhecimento às pessoas colectivas da qualidade de consumidor. Todavia, convém salientar que
para a aplicação de certos textos que as excluem expressamente, as pessoas colectivas não poderão ser
consideras consumidores”.

21
Não obstante, é preciso manter-se atento a caracterização do termo, uma vez que,
como exposto, é comum, ainda hoje, que as medidas de tutela do setor bancário tenham
como destinatários os “clientes”, pura e simplesmente, sem qualquer identificação de
quem se enquadra nesse conceito. Com isso, é importante reconhecer que não são todas
as medidas voltadas a defesa do consumidor, no âmbito bancário, que fazem referência
ao consumidor, em sentido próprio. Em algumas circunstâncias, a esfera de aplicação
subjetiva da medida de proteção abrange outros sujeitos da relação contratual bancária.
Como concluiu o professor António Pinto Monteiro, “protegido será o cliente, em alguns
casos, seja ele ‘consumidor’ em sentido técnico ou não – maxime o cliente pessoa
singular-, e até, por vezes, certas pessoas jurídicas.62

2. DA POPULARIZAÇÃO DO CRÉDITO AO SOBRE-ENDIVIDAMENTO

Após trazida a definição e feita apresentação normativa do crédito bancário aos


consumidores, torna-se necessário ressaltarmos a importância que o mencionado crédito
assume nos âmbitos social, econômico e financeiro mundiais.
Com o crédito, as atividades econômicas se multiplicaram e diversificaram. O
crédito passou, desde a revolução industrial, a ser o motor da criação e da circulação de
bens.63 Com isso, sem ele, muitas riquezas não poderiam ser criadas pelos investidores,
muitos empresários não poderiam evitar os momentos de crise ou, até mesmo, a falência
da sua sociedade e, em especial, muitos consumidores teriam que adiar, de forma
temporária ou definitiva, a obtenção de determinados bens, importantes para o seu bem
estar.
No entanto, devem ser admitidos também os incovenientes trazidos pelo crédito à
sociedade, na esfera tanto econômica como social, quando o seu uso se torna exagerado.
No presente capítulo, sendo assim, serão apresentados, primeiramente, a forma de
popularização do crédito aos consumidores e as razões que levaram à sua ocorrência, para
que, então, possamos investigar a respeito dos efeitos negativos advindos da
democratização e, principalmente, da vulgarização do crédito e as maneiras de preveni-
los.

62 MONTEIRO, A. P., A resposta..., op. cit., p. 2322


63 PATRÍCIO, J. S;op.cit., p. 277.

22
2.1. A cultura do consumo e as duas faces do crédito

A evolução e intensificação das relações comerciais transformou a nossa


sociedade em uma sociedade de consumo, com novos hábitos e estilo de vida mais
modernos. O que trouxe como consequência uma constante pressão sobre os indivíduos
para a aquisição continuada de bens, cada vez mais recentes e atualizados.
Assim sendo, por um lado, o crédito pode ser capaz de proporcionar às pessoas
uma melhor qualidade de vida, permitindo que elas tenham acesso a bens, aos quais,
somente com os seus rendimentos, elas não teriam condições de obter.
E, tais bens, ressalta-se, não são necessariamente bens supérfulos. Afinal, sabe-se
que o próprio ciclo da vida humana faz surgir necessidades que implicam em gastos altos,
como, por exemplo, o investimento na formação e na aquisição de uma habitação, quando
o indivídio encontra-se no início da vida adulta. Já em uma meia idade, iniciam-se os
planos de construção de uma família, sendo que, com os filhos, novos gastos são somados
ao orçamento familiar para a garantia, tanto da simples alimentação, quanto para a
educação das crianças. Enquanto que, em uma idade avançada aparecem as preocupações
com a saúde e a necessidade de determinados equipamentos especializados ou
medicamentos.
Dessa forma, atualmente, ultrapassa-se a ideia do crédito com uma conotação
simplesmente negativa, sendo imperioso que vejamos o risco do crédito, na verdade,
como um mal necessário à nossa sociedade.64 Importante frisar que, já há algum tempo,
o crédito deixou de ser um privilégio de poucos, ou melhor, da elite. Atualmente, diversos
estratos socioeconômicos têm o crédito como uma fonte de financiamento, fazendo com
que ele funcione como verdadeiro instrumento de desenvolvimento econômico das
próprias sociedades.
Ocorre, todavia, que o crédito, apesar de todos esses benefícios, também provoca,
como era de se esperar, efeitos negativos sobre a sociedade, caso a sua utilização não seja
consciente. Não obstante a tradicional cultura de poupança em Portugal, a taxa de
endividamento do país tem vindo a aumentar, nos últimos anos65. O endividamento, por

64Ver BATISTA, António Sarmento, Como Evitar e Recuperar o Crédito Malparado, Vida Económica,
Porto, 2007, p. 31.
65 Conforme dados fornecidos pelos Banco de Portugal, mesmo no ano de 2020, com a pandemia e o
aumento das restrições ao crédito, o endividamento dos particulares cresceu 1,7% em relação a 2019.
Ainda segundo a instituição, em 2020, os empréstimos a habitação cresceram 2,1% face a 2019 e os ao
consumo cresceram 0,8%. Sobre esse dado, o Banco de Portugal ressaltou que o crédito ao consumo teve
o seu crescimento desacelerado, “essencialmente a partir de março de 2020, refletindo as alterações do

23
si só, como ainda será melhor explicado, não representa motivo de preocupação, contudo,
caso não haja um controle sobre essa situação de endividamento, os problemas podem
começar a surgir, deixando os particulares em estado de extrema vulnerabilidade.
É cediço que, com a popularização do crédito, ele passou a constituir uma forma
de gestão corrente do orçamento familiar.66 As políticas de incentivo ao consumo
ocorridas nesse período trouxeram novos parâmetros para a conduta e a inserção do
indivíduo em grupos dentro da sociedade. Nesse contexto, como já afirmado, a sociedade
passou, na pós-modernidade, a viver para o consumo, sendo o poder de consumo
responsável por definir os status sociais e a capacidade econômica dos indivíduos.
Sendo assim, apesar de não podermos generalizar, como demonstramos pela
existência de gastos necessários na vida dos indivíduos, o consumo, em muitos casos, sai
da esfera da necessidade e volta-se para a satisfação de puras vontades. E, como
consequência direta dessa mudança de costumes observou-se o fenômeno da diminuição
das poupanças e o aumento da procura pelo crédito.
Diante da democratização e facilitação do crédito, bem como com o surgimento
da sociedade de consumo, instaurou-se na mente dos particulares a possibilidade de
inversão da ordem, que, até então, era a natural das relações: poupar para depois
comprar.67 A sociedade passou, assim, a poder desfrutar instantaneamente dos bens e
pagar somente depois.
Com isso, apesar de se admitir que a democratização do crédito permitiu o acesso
de milhares de consumidores a melhores condições de vida, é também necessário
reconhecer que, evidentemente, a sua popularização conduziu a sociedade ao consumo
exagerado de bens efêmeros.

2.2. O fácil acesso ao crédito e a publicidade agressiva

Não obstante essa enorme expansão do mercado e o surgimento dessa era do


consumo, é imperioso reconhecer que não somente a conduta dos consumidores,

consumo provocadas pela pandemia do COVID-19”. No que diz respeito à taxa de incumprimento, porém,
o Banco observou uma diminuição de 2,1% em dezembro de 2019 para 1,8% em dezembro de 2020. Cf.
Banco de Portugal. (16 de abril de 2021). Impacto da COVID-19 na economia portuguesa em 2020. Fonte:
Notícias - Banco de Portugal: https://bpstat.bportugal.pt/conteudos/noticias/633/
66 FRADE, Catarina; MAGALHÃES, Sara. Sobreendividamento, a outra face do crédito, In: “Direitos do
consumidor endividado. Estudos sobre superendividamento e crédito ao consumidor”, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2006, p.23.
67 BAUMAN, Zygmunt, Vida a crédito, Tradução de Alexandre Werneck, Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 29.

24
consubstanciada no aumento da procura por crédito, que contribuiu para a chegada das
consequências negativas do crescimento do mercado de crédito. Afinal, para a ocorrência
de tais efeitos, muito também se deve à forma com a qual o crédito inicialmente passou a
ser concedido, isto é, em razão da concessão descontrolada e irresponsável de crédito.
Com a liberalização do mercado financeiro, as instituições fornecedoras de crédito
viram nele a oportunidade de enriquecerem e, durante muito tempo, passaram a concedê-
lo de forma indiscriminada e facilitada, prática que ficou conhecida como empréstimo
predatório (predatory lending).68 O pensamento das instituições mutuantes, nesses casos,
era o de que as decorrências do incumprimento de um contrato seriam facilmente
compensadas pelo lucro obtido nas demais operações desse mesmo contrato ou de outros.
Assim, o relevante, para elas, era a busca constante pelo lucro, o que se concretizava pelo
maior volume de operações de crédito.
Essa facilidade de acesso ao crédito, assistida no princípio do século XXI, já
permitia a previsão de sérias consequências em um momento posterior. A ausência total
de restrições à concessão de crédito, tanto à empresas, quanto às pessoas sigulares,
permitia, mesmo àqueles com alto nível de incumprimento do contrato e sem quaisquer
garantias, a aquisição dos mais diversos produtos.
Pode-se afirmar, por isso, que este facilistimo do crédito ao qual nos referimos
não se limita tão somente à questão da rapidez com que o crédito era obtido, mas também
com relação às diversas finalidades que eram dadas àquele crédito. Comprava-se de tudo,
por meio do auxílio do crédito, desde das coisas mais simples, como jantares e viagens, a
carros, ações e até a casa própria.
No caso específico de Portugal, em meio a um otimismo generalizado, no que
dizia respeito a economia do país, no século XX, os consumidores buscaram, por meio
do crédito, recuperar um atraso em relação aos demais países da União Europeia,
aumentando o consumo de determinado bens e serviço, em especial à aquisição da
habitação. Nesse contexto, as modalidades de crédito, bem como as instituições que o
concediam e os serviços e produtos os quais poderiam ser por elas comercializados
multiplicou-se.
Surgiram, nesse contexto, as situações de concessão do chamado “crédito rápido”,
nas quais, apesar de, normalmente, o valor do crédito ser baixo, os intermediários de

68NIEMI-KIESLÄINEN, Johanna, Consumer Bankruptcy in Comparison: Do we cure a market failure or a


social problem?, In: “Osgood Hall Law Journal”, vol. 37, nº 1 e 2, 1992, pp. 473-503.

25
crédito sequer avaliam o risco do incumprimento da obrigação, por parte do consumidor,
e concedem o crédito de maneira automática.69
Ademais, relacionada à esta ideia de facilitismo do crédito e, principalmente,
impulsionadora dessa expansão descomunal e atroz do mercado de crédito, temos, como
peça chave, a publicidade agressiva, utilizada pelas instituições de crédito.
A oferta de crédito passou a ser publicizada, de maneira cada vez mais frequente,
pelos mais variados e audaciosos meios de comunicação, desde as mídias televisivas, a
internet, o celular, por SMS, ligações ou até mesmo aplicativos. Assim, o alcance das
instituições aos consumidores passou a ser cada vez mais ampliado.
Além dessa exposição constante do consumidor às ofertas de crédito, mais
importante é mencionar a força com que essa publicidade, por meio das suas estratégias
de marketing e de conteúdo, é capaz de influenciar a mente de um simples consumidor.
Como se sabe, a publicidade, em qualquer outro âmbito de aplicação, promove e
potencializa as vontades dos particulares. No caso específico dos contratos de crédito,
todavia, em conjunto com a publicidade que vulgariza o consumo pelo simples consumo,
emerge a publicidade que estimula o consumo do crédito, banalizando a ideia do
endividamento e inserindo na sociedade a ideia de acesso instantâneo e fácil ao crédito.70
Dessa forma, a figura do crédito acaba por ser, inconscientemente, relacionada
pelo consumidor como instrumento de resolução dos seus problemas e de satisfação, pelo
alcance dos seus sonhos e objetivos, o que pode ser muito problemático, causando uma
tomada de decisão de forma irracional.71

69 CARVALHO, Jorge Morais, Manual de Direito do Consumo, 4ªEd., Coimbra: Almedina, 2017, p. 371.
Destaca-se que, como menciona o autor, na maioria das vezes, o contrato de crédito rápido é celebrado
fora do estabelecimento comercial por profissionais alheios ao próprio financiador. O autor também se
pronuncia sobre o tema em sua dissertação de doutoramento, entitulada “Os contratos de consumo:
reflexões sobre a autonomia privada do consumo”, apresentada em 2011, na Universidade nova de
Lisboa.
70 SILVEIRA, Vladimir Oliveira da; PRETA, Suzana Maria Pimenta Catta, A publicidade de Serviços Bancários,
In: GUERRA, Alexandre &. BENACCHIO, Marcelo, “Responsabilidade Civil Bancária”, São Paulo: Quartier
Latin, 2012, pp. 638-648, p. 641.
71 Acreditamos que a forma como é feita essa divulgação torna a postura da instituição bancárias
contraditória no que diz respeito à postura esperada do consumidor. Isto porque, a propaganda realizada
pelas instituições visam atingir o imaginário do particular, de forma a influenciar nas suas decisões.
Contudo, ao mesmo tempo, as instituições esperam que os consumidores, no ato da contratação, estejam
cientes dos elementos contratuais e se comportem de maneira racional, quanto aos riscos daquele
negócio. É preciso reconhecer que, como seres humanos, os consumidores não agem de acordo com critérios
objetivos de avaliação de riscos, principalmente quando são bombardeados por estímulos publicitários. Cf.
MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira, O sobreendividamento por créditos ao consumo e os pressupostos
de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante no processo de insolvência, In: “Estudos de
Direito do Consumidor, nº 12, 2017, pp. 337-387, p. 347.

26
O sociólogo Jean Baudrillard explicava que a mensagem transmitida pelo anúncio
publicitário não advém do simples conteúdo e produto ali exposto, mas sim da
transformação medular que ela busca causar no comportamento e no estilo de vida
daquele que vai receber a mensagem.72 O que o autor pretendeu alertar foi que a forma
da difusão da mensagem publicitária, assim como o seu conteúdo, servem apenas para
esconder a função real da publicidade. No anúncio de crédito, por exemplo, a mensagem
que ali se pretende transmitir não é a concessão daquele crédito, isto é, não gira em torno
das especificações daquele crédito. A mensagem que se intenta produzir, na realidade, é
a ideia de felicidade e de realização sentidas pelo consumidor, por meio da eventual
obtenção daquele crédito.
Destarte, a capacidade de pensar, de maneira racional e consciente, dos
consumidores acaba por ser prejudicada, quando bombardeados por anúncios
publicitários, expondo-os à tomada de decisões impulsivas, de forma a subestimar o real
risco daquela contratação. Acredita-se que cabe aos mutuantes, ainda no momento de
publicizar os seus produtos e serviços, ponderar sobre vulnerabilidade do consumidor e a
sua iliteracia financeira, a fim de evitar comportamentos irresponsáveis, de ambas as
partes.
Por isso, como veremos, tornou-se necessária a criação de normas reguladoras da
publicidade, bem como a regulamentação dela, dentro de outras legislações específicas,
como no caso do crédito aos consumidores. Chamamos atenção, contudo, para o fato de
que tais normas tem a capacidade de estabelecer limites à publicidade, no sentido de
impor deveres básicos de informação e esclarecimento nos seus conteúdos, evitando
abusos. Todavia, tais regras não podem impedir a publicidade de alcançar a sua finalidade
e, por isso, sempre haverá, por parte dos publicitários, a utilização de artifícios para
influenciar a mentalidade do consumidor. O que se pretende, através das normas, portanto
é que essa influência não seja abusiva, a ponto de induzir o consumidor a erro.

2.3. O sobre-endividamento

Após discutidos todos esse temas, podemos afirmar que a massificação das
relações de consumo, em conjunto com a diversificação e popularização do crédito, fez
com que a concessão do crédito deixasse de representar tão somente a melhora do bem

72BAUDRILLARD, Jean, A sociedade de consumo. Tradução de Arthur Mourão, Lisboa: Edições 70, 1995,
pp. 129-131.

27
estar do consumidor. Diante da agressiva publicidade em torno do crédito, assim como
da adesividade dos contratos e, primordialmente, pela forma facilitada de acesso ao
crédito, a capacidade dos consumidores de cumprir com as dívidas assumidas, dentro do
prazo ajustado, passou a ser comprometida.73
De maneira a piorar este quadro, conforme é sabido, o mundo enfrentou, em
2007/2008, uma forte crise econômica, que teve origem nos Estados Unidos, com a
chamada crise dos subprimes e que depois se estendeu à Europa, com a crise das dívidas
soberanas.74 Entretanto, como bem salienta Isabel Méneres Campos, a crise não foi tão
somente econômica e financeira, mas também uma crise “civilizacional, de valores, da
instituição Família, de gestão de recursos naturais, em resultado da extraordinária
mudança de hábitos de vida a que assistimos nas últimas décadas”, em decorrência do
progresso no nível de qualidade de vida observado na Europa e na América, desde o fim
da II Guerra Mundial.75
A crise financeira demonstrou como o comportamento irresponsável de
determinados agentes do mercado pode arruinar e colapsar as bases do sistema financeiro
mundial. Com isso, provocou-se uma situação de desconfiança entre os indivíduos, em
particular nos consumidores, o que desencadeou sérias consequências sociais e
econômicas. Isto porque, grande parte dos consumidores perdeu a confiança no setor
financeiro e, ao mesmo tempo, muitos deles passaram a ter cada vez mais dificuldade em
adimplirem os pagamentos dos seus emprétimos. Como consequência, houve o aumento
das situações de incumprimento dos contratos de crédito bancário e, por conseguinte, nos
casos mais graves, na declaração de insolvência do consumidor.
Sendo assim, a crise econômico-financeira trouxe como uma das suas principais
consequências sociais o endividamento em excesso dos consumidores, o que ficou
conhecido como sobre-endividamento.76

73 SIQUENEL, Roberto, Consumidor Superendividado: Tratamento jurídico na Sociedade de Consumo,


Porto: Editorial Juruá, 1976, p. 101.
74 Sobre os efeitos da crise financeira especificamente no que tange ao crédito à habitação, V. Leitão, Luís
Manuel Telles de Menezes, O impacto da crise financeira no regime do crédito à habitação, In: “Julgar”,
nº 25, 2015, pp. 49-63 e Martins, Andreia Marques, Do crédito à habitação em Portugal e a crise financeira
económica mundial, In: “Revista de Direito das Sociedades II”, 2010, pp. 719-794.
75 CAMPOS, Isabel Méneres, Crédito à habitação, In: CARVALHO, Jorge Morais (Coord.), “I Congresso de
Direiro do consumo”, pp. 159-176, Coimbra: Almedina, 2016, p. 160.
76 Sobre o termo “sobreendividamento”, importante se faz a nota feita por Maria Fernandes Bernardes
na sua tese de mestrado, confira-se: “ (...) apesar de ser uma nova realidade trazida pela crise financeira,
o conceito de sobre-endividamento começou utilizado pelo direito na Lei Neiertz (sob a designação de
surendettement) que veio introduzir em França o regime destinado ao tratamento colectivo das situações
e sobreendividamento dos consumidores, tendo sido a fonte inspiradora das posteriores iniciativas

28
2.3.1. O conceito de sobre-endividamento

É preciso, para a correta compreensão do termo sobre-endividamento, que se


façam algumas considerações e diferenciações. Primeiramente, importante pontuar que o
crédito ao consumo tem como efeito inerente o endividamento. Portanto, frise-se, a
situação de endividamento é normal, esperada e até mesmo estimulada pelas instituições
financeiras nas relações de concessão de crédito.
O multiendividamento, por sua vez, relaciona-se com o número de contratos de
crédito firmados pelo mesmo consumidor. Assim sendo, encontra-se multiendividado
aquele consumidor que possui múltiplas obrigações de crédito, o que, não
necessariamente, implica em um elevado risco de não cumprimento de tais obrigações.77
O incumprimento, de forma diversa, é configurado em toda e qualquer situação
em que uma obrigação de pagamento não é cumprida, de forma atempada.78 Contudo,
mais uma vez, não se trata de uma situação que se equivale a uma incapacidade do
devedor de arcar com o pagamento. Isso porque, existem situações em que o não
cumprimento da obrigação é por livre escolha do devedor, após um cálculo de custo
benefício do incumprimento.79
Diferente dessas figuras, por fim, surge o sobre-endividamento, que trata de
situações em que o consumidor devedor não possui condições de adimplir com a
integralidade de seus débitos ou encontra-se seriamente ameaçado de não conseguir
cumprir as obrigações assumidas, no momento em que elas forem se tornar exigíveis.80
Com isso, o sobre-endividamento pode ser encarado como a falência ou insolvência do
devedor consumidor.

normativas e estudos encomendados por outros países. Posteriormente foi tratado em 1992, pelo
Conselho Europeu, que considerou a situação de sobre-endividamento uma das prioridades
relativamente à matéria sobre o desenvolvimento da política de proteção dos consumidores91. Já em
Portugal, o conceito de sobre-endividamento começou a ser difundido a partir do final do séc. XX, por
Maria Manuel Leitão Marques.”. Cf. BERNARDES, M. F., Dever de avaliar a..., op. cit., p. 51/52.
77 MUNIZ, F. A. (2017). O sobre-endividamento por créditos..., op.cit., p. 340.
78 P. 84 http://repositorio.uportu.pt/jspui/bitstream/11328/361/2/TMD%201.pdf
79 Cfr. FRADE, Catarina. Desemprego e Sobreendividamento dos Consumidores: Contornos de uma
“Ligação Perigosa”, in “Projecto Desemprego e Endividamento das Famílias”, CES da FEUC, Coimbra, 2003,
p. 15.
80 Cf. Maria Manuel Leitão Marques; Vítor Neves; Catarina Frade; Flora Lobo; Paula Pinto; Cristina Cruz, O
endividamento dos consumidores. Coimbra: Almedina, 2000, p.1.

29
Francisco A. S. Muniz vai ainda mais além e afirma que o sobre-endividamento é
o “espelho da democratização do crédito”81. Sem dúvidas, o sobre-endividamento
constitui um risco para aquelas sociedades que se abriram ao crédito de forma demasiada,
colocando sobre ele a manutenção dos seus hábitos de consumo e do seu estilo de vida.82
Destarte, tendo em conta o conceito de sobre-endividamento, necessário se faz a
apresentação das suas modalidades.
Pois bem. Fala-se em sobre-endividamento passivo nos contextos em que as
circunstâncias causadoras da impossibilidade do consumidor adimplir suas dívidas,
contraídas anteriormente de boa-fé, ocorreram de forma imprevisível na vida do devedor,
como o desemprego, o divócio ou uma doença.
Contudo, é comum, também, que os consumidores não façam o devido
planejamento financeiro de seus rendimentos, antes de assumir compromissos que os
afete, contribuindo, dessa forma, para a sua eventual situação de sobre-endividamento.
Nesses casos, se está diante de uma situação de sobre-endivamento ativo.
Esse tipo de sobre-endividamento, o ativo, pode ser, ainda, dividido em dois:
inconsciente e consciente.83 O primeiro deriva de situações em que o consumidor, agindo
de boa-fé, contrai as obrigações que julga ser capaz de adimplir, porém, por falta de
educação financeira ou por ausência de informações devidas ou, ainda, pela concessão de
maneira irresponsável pelo credor, acabam se tornando insolventes.
O segundo, por seu turno, diz respeito a casos de conduta de má-fé do consumidor,
no ato da contratação, no qual o particular, mesmo ciente da sua impossibilidade de
cumprir com a obrigação, efetua a contratação. Tal subclassificação, como se constata,
surge a fim de retirar da esfera de proteção aqueles particulares que se sobre-endividaram
tendo consciência de que não teriam condições de cumprir com as obrigações assumidas,
agindo, portanto, de má-fé.
Por fim, realizadas tais distinções, salienta-se a importância de não se vulgarizar
o termo sobre-endividamento, de maneira a conceder ao consumidor a devida e necessária
proteção, sem qualquer tipo de exagero.Para tanto, é preciso sempre manter em mente

81MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira; O sobreendividamento por créditos ao consumo e os pressupostos


de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante no processo de insolvência, In: Estudo de
direito do Consumidor, nº 12, 2017, pp. 337-387, p. 345.
82 FRADE, Catarina, Sobreendividamento e soluções extrajudiciais: a mediação de dívidas, in “I Congresso
de Direito da Insolvência”, Coordenação Catarina Serra, Coimbra: Almedina, 2013, p.9.
83 Cf. Clarissa Costa Lima, O tratamento do superendividamento e o direito de recomeçar dos
consumidores, São Paulo: RT, 2014, p. 34-35

30
que o risco de incumprimento do contrato, assim como o simples endividamento do
consumidor, são inerentes ao contrato de crédito. Portanto, por mais que se reconheça a
vulnerabilidade do consumidor, é preciso também sempre ponderar a natureza do negócio
celebrado, a fim de obter uma noção real do panorama do sobre-endividamento.

2.3.2. Os efeitos do sobre-endividamento

Por trás da questão do sobre-endividamento encontramos problemas econômicos,


financeiros, sociais e psicológicos, o que faz com que o fenômeno seja de grande
complexidade e gere impactos em todas essas esferas, na mesma medida.
O sobre-endividamento provoca, no âmbito social, a exclusão daquele indivíduo
que se encontra na situação de incapacidade financeira, fazendo recair sobre ele um forte
estigma social e psicológico. Frente à sociedade, aqueles particulares ficam taxados como
“maus pagadores”, acarretando em diversas consequências negativas no cotidiano dele,
mas, principalmente, provocando transtornos de ordem psicológica.
É importante ressaltar que o consumidor sobre-endividado acaba por se enxergar
em mueio a uma dependência temporal do crédito, afinal, quanto mais ele foi se
endividando no passado, por mais tempo ele se vê preso àquela situação, mais parcelas
tornam-se vencidas e inadimplidas e, ao mesmo tempo, mais juros são cobrados e mais
do seu patrimônio é afetado, fazendo com que a sua motivação para o adimplemento
daquela dívida diminua cada vez mais.
Contudo, o sobre-endividamento também repercute no funcionamento das
próprias instituições mutuantes. O fenômeno, por causar o atraso nos reembolsos de
capital e de juros, motivando o reescalonamento de créditos, o que pode promover a piora
da situação contabilística das mesmas. Com isso, a solvabilidade do banco, ou outro
intermediário de crédito, pode ser seriamente prejudicada.
Com a imobilização do passivo, as intituições se vêem obrigadas a estender os
prazos dos créditos, o que pode, em razão do abalo na gestão do seu balanço, fazer com
que ele seja visto com maus olhos, no sentido de deixar de passar segurança e estabilidade
aos possíveis novos clientes. A captação de novos clientes e negócios, portanto, pela
instituição acaba por ser dificultada pelo sobre-endividamento.
Ademais, a crise financeira mundial por qual passamos foi o maior exemplo das
graves consequência do “bad credit” e, consequentemente, do sobre-endividamento, com

31
a falência de diversos bancos, com altas taxas de pobreza e desemprego e com o colapso
da economia. 84
Com isso, observou-se que o tratamento a ser dado ao sobre-endividamento
ultravassava tão somente a esfera individual, de cada consumidor, tornando-se necessário
que o problema do endividamento em excesso passasse a ser encarado como um
fenômeno próprio da sociedade de consumo, como um todo.85
Nesse mesmo sentido, forçoso é ressaltar a importância do tratamento do sobre-
endividamento afastando-se a ideia de que a imposição de medidas de prevenção ao
mesmo equivalham à medidas de proteção da inadimplência. Pelo contrário, tal prevenção
trará benefícios tanto para consumidor, como para as instituições e, sobretudo, para o
Estado.
Assim sendo, conceder o devido tratamento ao sobre-endividamento é assegurar
ao consumidor a sua inserção no meio social, assim como é possibilitar ao credor,
mutuante, o recebimento do reembolso daquele crédito, mantendo uma estrutura
econômica e financeira saudável. Tendo em conta, por conseguinte, a seriedade das
consequências do sobre-endividamento, os Estados tem buscado soluções para o
enfrentamento do fenômeno.

2.3.3. O tratamento do sobre-endividamento: os modelos tradicionais do “fresh


start” e da reeducação

Inicialmente, dois foram os modelos estabelecidos para o tratamento do sobre-


endividamento, sendo eles: o fresh start e a reeducação.
Os Estados de origem anglo-saxônica, em especial os Estados Unidos, foram o
berço do modelo do fresh start. Influenciado pela cultura do recurso generalizado ao
crédito (open credit society) e pela noção do consumidor como ator econômico presente

84 Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos, com a crise, malogrou a ideia de que o crescente aumento das
taxas de juros referentes aos créditos aos consumo compensariam o crescimento do risco dos créditos
concedidos. Como afirma o autor, ainda, sobre a referida crise financeira: “O crédito sub-prime quase
destruíu as economias liberais-capitalistas avançadas e semeou a pobreza, o desemprego e a crise social
e económica. ”VASCONCELOS, Pedro Pais de; Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais, In:
“E-BOOK FEVEREIRO 2015, DIREITO BANCÁRIO”, Centro de Estudos Judiciários, Pág 166.
85 LOPES, José Reinaldo Lima; Crédito ao consumidor e superendividamento – Uma problemática geral.
Revista de Direito do Consumidor, (jan-mar.), pp.17/59, São Paulo: RT, 1996. Como defende o autor, “É
preciso, de outro norte, encarar o endividamento a partir da oferta, da facilidade do crédito, da
agressividade da publicidade e de todos os fatores que geram atitudes impulsivas e patologias humanas
associadas ao consumo e conferir ao crédito e ao superendividamento um tratamento destinado a um
fenômeno próprio da sociedade de consumo, ao qual todos os indivíduos estão sujeitos,
independentemente de classe social, sexo, profissão ou índole.”

32
no mercado, que deve excercer livremente o seu direito de escolha, características dos
referidos Estados, o modelo surge com uma visão do sobre-endividamento como um risco
normal e esperado do mercado.86
Por isso, o objetivo desse modelo não é penalizar, de forma excessiva, o
consumidor que, ao recorrer ao crédito, se frustou e não obteve sucesso. A ideia principal
presente no modelo do fresh start, como o próprio nome já diz, é possibilitar um recomeço
ao consumidor, reintegrando-o o quanto antes à sociedade, a fim de que, na função de
agente econômico, possa retornar a consumir. Por isso, como afirmam Maria Manuel
Leitão Marques e Catarina Frade, o modelo se identifica por soluções por meio das quais
“são liquidados os bens do devedor, pagas as dívidas possíveis e perdoadas as restantes.
Depois disso, o devedor pode recomeçar a sua vida.”.87 Dentro desse modelo, destarte,
não existem preocupações quanto às condições em que o consumidor acabou por chegar
à situação de sobre-endividamento.8889
Em contrapartida, nos países da Europa Continental, de tradição católica, ainda
sob resquícios da anterior “demonização” do crédito, o conservadorismo fala mais alto na
criação de um modelo de tratameto do sobre-endividamento. O modelo que se consolida,
em meio a essa ideia do Estado como garantidor dos direitos universais, é o modelo da
reeducação.
O referido modelo centra-se no pressuposto de que o consumidor sobre-
endividado falhou ao alcançar tal situação, no entanto, ao mesmo tempo, ele é
considerado vítima de todo o sistema de promoção ao endividamento. Com isso, sob a
ótica do modelo da reeducação, cabe à sociedade se responsabilizar por reeducar o
consumidor sobre-endividado, sobretudo nos casos de sobre-endividamento passivo.90

86 MACHADO, Wilson Pantoja; O Sobreendividamento do consumidor luso-brasileiro, In: RJLB, Ano 2,


nº4, pp. 1655-1699, 2016.
87 MARQUES, Maria Manuel Leitão e FRADE, Catarina; Regular o Sobreendividamento, In: “Observatório
do Endividamento dos Consumidores – Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra”, Coimbra
2003
88 MACHADO, Wilson Pantoja; Superendividamento: a responsabilidade pré-contratual do credor, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2018.
89 Em comentário ao modelo do fresh start policy, Lara Modica afirma que o regime de falências dos
Estados Unidos, apesar de ser o exemplo mais extremo do tratamento jurídico do sobreendividamento,
funciona. No entando, bem ressalta a autora que, o sucesso do modelo não está ou não é somente pela
isenção de “penalização”, mas sim pela simplicidade e a celeridade do procedimento, além de uma
disciplina completa quantoao regime de isenções. A autora, também, trata do enfrentamento do sobre-
endividamento na Itália. Cf. MODICA, Lara; Il Plano del consumatore Sovraindebitado: Tentativi di reforma
e prospettiva europea, In: Europa e Diritto Privado, nº 3, pp. 617-657, Milão: Giuffré editore, 2016.
90 Cf. FRADE, Catarina; Bankruptcy, stigma and rehabilitation. ERA Forum 13, pp. 45–57, 2012.

33
Assim sendo, o que se pretende é que o devedor pague pelo máximo possível das suas
dívidas, seja à custa do seu patrimônio atual ou dos rendimentos futuros.91
Apesar dessa diferenciação dos referidos modelos, a realidade atual é que ambos
os modelos vêm se associando, com a incorporação de caracterísicas de um e de outro
mutuamente, a fim de se adaptarem à dinâmica mundial hodiena e, de fato, ampliarem a
capacidade de tratamento do sobre-endividamento.92
De uma forma geral e resumida, portanto, pode-se afirmar que o contraste entre
os dois modelos analisados consubtanciava-se, principalmente, no fato de que, ao
enfrentarem o sobre-endividamento, o modelo do fresh start preconizava o seu remédio,
enquanto o da reeducação preocupava-se com a sua prevenção.
Em Portugal, vê-se a manifestação dos dois modelos. A insolvência do particular
é tratado pelo Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE, nos artr.
235º e 248º, bem como entre os artrs. 249º a 263º do diploma. Por influência do modelo
do fresh start, além da questão de que os consumidores se vêem tratados, quando
insolventes, por meio de um diploma originalmente criado para a realidade empresarial93,
nota-se que a característica principal do procedimento constante do referido Código é a

91 Na França, a Lei 89/1010 de 1989 trata sobre o endividamento dos consumidores, tendo sido, inclusive,
incorporada ao Código de Consumo do país (Lei 93/949 de 1993). No diploma, prevê-se um procedimento
amigável cujo objetivo é a obtenção do pagamento de todos os credores do consumidor, que tenha agido
de boa-fé, por meio de um plano solicitado pelo devedor, no qual pode conter abatimento ou redução de
juros ou, ainda, a remissão de valores. Pretende-se, assim, que a insolvência seja decretada apenas em
último caso, isto é, se nõ houver sucesso no procedimento. Para maior aprofundamento, V. PAISANT,
Gilles; El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho francês, In: “Estudos de
Direito do Consumidor”, Coimbra, nº 3, pp. 69-92, 2001. Quanto ao regime italiano, no que tange à
reestruturação de dívidas, assim como sobre a figura do consumidor, V. ALECCI, Simone; Il
sovraindebitamento del consumatore in prospettiva rimediale : note a margine di cass., civ., 1 febbraio,
In: “Europa e Diritto Privato”, nº 1, Milão: Giuffré Editore, 2017 e FARINA, Marilena Rispoli; La nuova
disciplina del sovraindebitamento del consumatore, In: “Il diritto Fallimentare e dele Società Commerciali,
Ano 89, nº 6, pp. 643-662, 2014. Para uma visão sobre as diferentes experiências de enfrentamento ao
sobre-endividamento nos países europeus, em especial, V. PELLECCHIA, Enzo; Il sovraindebitamento del
consumatore : esperienze legislative a confronto, In: “Rivista del Diritto Privato, Napoli, Ano 30, nº 3, pp.
427-458, 2012.
92 Partindo do fresh start como exemplo, o legislador norte-americano começou a perceber que, em
algumas situações, melhor do que simplesmente liquidar o patrimôio do consumidor, seria melhor
submetê-lo a um novo plano de pagamento da sua dívida. Nesse sentido, FRADE, Catarina. Mediação do
sobreendividamento: uma solução célere e de proximidade, In: Themis: Revista de direito, Ano VI, nº11,
2005, pp. 201-213.
93 Vê-se que, na Itália, o mesmo ocorre. Carlo Rinaldi, sobre o tema, comenta que “In un unico contesto
si era deciso di strutturare la proceduradi composizione della crisi da sovraindebitamento sia per
l’imprenditorenon fallibile che per il debitore civile secondo modalità pienamente omo-genee. Tuttavia
è evidente che questa omogenità non sussiste: si pensi chenell’organizzazione di una impresa, anche
piccola, un fattore molto impor-tante è costituito dal lavoro dependente”, Cf. RINALDINI, Carlo; Il
procedimento per la composizione dela crisi da sovraindebitamento: note a prima lettura, In: “Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura civile”, vol. 66, nº4, pp. 1409-1420, Milão, 2012, p. 1409.

34
sua judicialização. Conforme as disposições do Código, ressalta-se, não há previsão de
uma fase prévia de negociação ou mediação entre as partes, credor e devedor.
Sob influência do modelo reeducacional, por outro lado, surgem em portugal
politicas públicas para fornecimento de educação financeira ao consumidores, pregando-
se, primordialmente, a ideia de um consumo responsável. 94
Além disso, foram criados, por meio do Decreto-Lei nº 227/2012, o Procedimento
Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI e o Plano de
Ação para o Risco de Incumprimento – PARI. Sobre o tema, não se pretende fazer uma
abordagem minuciosa, até mesmo porque é uma temática com peso suficiente para dar
motivo a um estudo próprio, mas, ao se falar de prevenção ao sobre-endividamento,
impreterível, ao menos, apresentar os referidos procedimentos. O PARI, primeiramente,
enquadra-se aos processos de clientes que ainda estão sem incumprir o respectivo contrato
bancário, com a finalidade exatamente de detectar, de forma precoce, o risco de um
possível incumprimento e, talvez, de sobre-endividamento. O PERSI, a seu turno, surge
com o objetivo de corrigir situações de incumprimento, por meio da negociação entre os
consumidores e as instituições de crédito.95 O consumidor, necessariamente, é inserido
no procedimento entre o 31º e o 60º dia, após a verificação do incumprimento do contrato.
É importante frisar que metódos de resolução de conflitos como o PERSI devem
ser, ao máximo, procurados e aproveitados pelo consumidor, quando ele ainda tem a
capacidade de reestabelecer a sua condição financeira ou, ao menos, quando esteja em
uma posição passível de realizar um renegociação com a instituição financeira. Isto
porque, tais métodos extrajudiciais são muito mais céleres, com menor custo e geram uma
menor exposição do devedor aos estígmas sociais de uma insolvência.96
Destas medidas citadas, com exceção da educação financeira dos consumidores,
nota-se que todas as outras são providências que apenas podem ser tomadas, após já
realizada a contratação do crédito bancário.

94 Sobre a importância da educação financeira dos consumidores, V. Catarina Frade, A literacia financeira
na gestão do risco de crédito, In: SERRA, Catarina (Coord.), “II Congresso de Direito da Insolvência”, pp.
333-346, Coimbra: Almedina, 2014.
95 Para mais esclarecimentos sobre o procedimento, em uma análise crítica, V. Paulo Câmara, Crédito
bancário e prevenção do risco de incumprimento: uma avaliação crítica do PERSI, In: SERRA, Catarina
(Coord.), “II Congresso de Direito da Insolvência”, pp. 313 e ss. , Coimbra: Almedina, 2014.
96 Sobre o tema da resolução alternativa dos conflitos, V. Paulo Fonseca, A Arbitragem e a Mediação: os
desafios do novo regime de resolução alternativa de litígios, In: “Estudo de Direito do Consumo”, pp. 447-
461, Lisboa: AAFDL, 2017; e Catarina Frade, Sobreendividamento e soluções extrajudiciais..., op.cit.

35
Ocorre, contudo, que, a fim de proteger ainda mais o consumidor e evitar a sua
insolvência, a prevenção ao sobre-endividamento pode ocorrer também e, a nosso ver, de
maneira ainda mais eficaz, antes mesmo da celebração do contrato de crédito. Nesse
sentido, surgiram, primeiramente no âmbito comunitário europeu e, posteriormente, nos
diplomas nacionais, como se apresentou anteriormente, as previsões dos deveres pré-
contratuais97, a serem observados pelas instituições, os quais assumiram um papel de
extrema impotância no tema dos contratos de crédito.

3. OS DEVERES PRÉ-CONTRATUAIS COMO FORMA DE PREVENÇÃO AO


SOBRE-ENDIVIDAMENTO

Pode-se afirmar que, nas diretivas anteriomente mencionadas e,


consequentemente, nos diplomas que as transpõem, a matéria que foi tratada com maior
empenho e acuidade foi a referente aos deveres pré-contratuais impostos aos profissionais
que se propõem à celebrar contratos de crédito.
Com o intuito de permitir que os consumidores tomem suas decisões de maneira
racional e consciente, as informações repassadas e as condutas realizadas no momento
pré-contratual passaram a ter mais atenção do legislador.98 Com isso, alguns deveres pré-
contratuais passaram a ser impostos ao credor.
É fundamental, ao tratarmos de deveres pré-contratuais em relações de consumo,
dissertarmos a respeito da vulnerabilidade do consumidor e, também, sobre a assimetria
contratual dos contratos de crédito. Isto porque, tais questões reforçam ainda mais a
relevância do cumprimento de tais deveres, além de revelarem, em si próprias, mais um
motivo para a previsão dos referidos deveres pré-contratuais, qual seja: a mitigação do
risco de desequilíbrio contratual nas relações consumeristas de crédito.
Sobre o tema, sabe-se que a vulnerabilidade é característica inerente à própria
qualidade de consumidor, identificando-o, nas relações contratuais, como a parte mais

97 Sobre deveres pré-contratuais, por todos, V. CORDEIRO, António Menezes; Da boa fé no direito Civil,
Coimbra: Almedina, 2013, p. 546 e ss.. Conforme ensina o autor, tais deveres, oriundos da aplicação da
culpa in contrahendo na jurisprudência alemã, podem se dividir em: deveres de proteção, deveres de
esclarecimento e deveres de lealdade.
98 Apesar de se referenciar ao modelo do fresh start é preciso fazer a ressalva de que, mesmo no CIRE, as
características do modelo são mitigadas, uma vez que, por exemplo, é previsto um prazo de 5 (cinco) anos
de cessão, que não permite que o devedor seja perdoado logo após a liquidação do seu patrimônio.

36
fraca.99100 Contudo, apesar do reconhecimento do consumidor como a parte fraca da
relação contratual, o que garante a especial proteção a ele em tais relações é, aliada à
situação de vulnerabilidade, a constatação da sua hipossuficiência. É a hipossuficiência,
portanto, como característica individual do consumidor, que, a depender do caso
concreto, poderá gerar um sério desequilíbrio na relação entre as partes, tornando
necessário o resguardo do consumidor.
Salienta-se, no entanto, que não obstante a presunção somente da vulnerabilidade
do consumidor nas relações de consumo, pode-se afirmar que, na grande maioria das
circunstâncias, em especial nos casos de contratos de crédito, a hipossuficiência técnica
e econômica dele também será facilmente verificada no caso concreto.
Além disso, esse estado de vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor é
constatado ou, melhor, reafirmado pela assimetria contratual existente. Trata-se a
assimetria contratual de um contexto em que é possível vislumbrar um notório
desequilíbrio de poder entre as partes. Essa assimetria pode estar presente em qualquer
tipo de contrato, contudo, sem dúvidas, ela é mais gritante e evidente nos contratos que
envolvem relações de consumo, exatamente pela intrínseca vulnerabilidade do
consumidor e pela diferença de poder econômico que se pode presumir entre as partes.101
E, por isso, as relações de consumo são consideradas relações contratuais tipicamente
assimétricas.
Tal assimetria, como já adiantado, pode se dar em duas esferas: econômica e
informativa. A primeira, a assimetria econômica, ocorre nos contextos em que, entre as
partes contratantes, existe uma delas que assume uma posição econômica e financeira
muito superior a outra. Com isso, uma das partes acaba por ter mais poder negocial sobre
a outra, abrindo chance para a imposição de condições contratuais desfavoráveis à parte
mais débil.

99 No direito italiano, a expressão usada para caracterizar o consumidor, nesses casos, é contraente
debole. Segundo Lorenzo Delli Priscoli, considera-se um consumidor como “debole”, isto é, fraco, quando,
dentro de uma relação contratual, esta parte tenha um poder de barganha substancialmente menor do
que o outro contratante, gerando, assim, um desequilíbrio na relação. DELLI PRISCOLI, Lorenzo, La
rilevanza dello status per la protezione dei soggetti deboli nel quadro dei principi europei di rango
constituzionale, in: “Rivista del diritto commerciale”, Piccin, n.º 2, 2012, pp. 311-353 (p. 334).
100 De acordo com Fernando Noronha, o início do movimento de proteção aos contratantes vulneráveis
começou em razão da ausência de legislação que os tivesse como foco específico, como era o caso dos
consumidores e, também, dos trabalhadores. Cf. NORONHA, Fernando, Direito das Obrigações, 3ª edição,
São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 356.
101 Sobre as variadas circunstâncias de constatação de assimetria contratual, V. ROPPO, Vincenzo, Il
Contratto del duemila, 4º ed.,Torino: Giachipelli, 2020.

37
A segunda, a assimetria informativa, por sua vez, relaciona-se com o nível de
conhecimento discrepante entre as partes, a respeito do conteúdo das cláusulas
contratuais. É importante destacar que a assimetria informativa não implica na presunção
de que uma das partes seja tecnicamente superior ou inferior a outra, o que se deduz, na
verdade, é a maior capacidade congnitiva da parte com relação a um tema ou dentro de
um contexto específicos.
Notamente, os bancos, no nosso caso de estudo, além de possuírem muito mais
informações quantitativas sobre o crédito, possuem também mais informação qualitativa
sobre ele, além de possuírem, obviamente, uma melhor capacidade econômica e
financeira. Ou seja, nas relações de crédito, as instituições são bem mais capazes de
analisarem, ponderarem e compreenderem as circunstâncias atinentes aos contratos de
crédito. E essas competências, sem dúvidas, influenciam na tomada de decisões sobre a
contratação, ou não, do contrato de crédito. Observa-se seguramente, por conseguinte,
que, nos contratos de crédito aos consumidores, facilmente podem ser identificadas, na
grande esmagadora maioria dos casos, as duas formas de assimetria contratual
mencionadas.
E, é exatamente por essa assimetria que os deveres pré-contratuais de informação,
assistência e, especialmente, o de avaliar a solvabilidade do consumidor, os quais ainda
serão analisados separadamente, ganham tanta relevância nos contratos em estudo. É
preciso que, por meio destes deveres anexos, seja conferido ao consumidor o acesso a
todos os elementos relevantes para a sua decisão, de forma clara e completa, para que ele
tenha a sua opção de escolha maximizada e a sua confiança reforçada no produto bancário
e no sistema financeiro.
Ademais, imperioso trazer ao estudo o tema das cláusulas contratuais gerais, tendo
em vista que a adoção das mesmas é uma das principais causas para a assimetria
contratual. 102 Essa modalidade de contratação acentua e concretiza a assimetria de forças
entre as partes. Isto porque, nos contratos de adesão, a fase de negociação, na qual,
normalmente, se consuma uma verdadeira comunicação entre as partes, é extinta,

102Em matéria de cláusulas contratuais gerais, v. ANA PRATA, Contratos de Adesão..., op. cit., 2010;
ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais
gerais, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Vol. I, jan., 2002.; No que diz respeito à inclusão de
cláusulas contratuais gerais no contrato de crédito ao consumo, v. JORGE MORAIS CARVALHO, Os
contratos de Consumo. Reflexão sobre a autonomia privada no Direito do Consumo, (Tese de
Doutoramento), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011, pp. 178-195 e 510-526.

38
trazendo como característica essencial a unilateralidade, desde as práticas comerciais pré-
contratuais até estipulação do conteúdo do contrato.103
Tal regime surgiu na tentativa de aceleração dos trâmites contratuais, em
circunstâncias em que a celeridade é posta em um maior nível de superioridade do que a
vontade individual, que, por sua vez, é substituída por standards pré-elaborados. Ou seja,
relaciona-se com a massificação das relações contratuais.
Dessa forma, conforme é sabido, é imposto aos aderentes , uma situação de
privação de qualquer poder negocial no que tange aos conteúdo dos contratos que firmam.
Quando submetidos a esse regime, os aderentes (e por isso a nomenclatura) não possuem
a oportunidade de oferecerem contrapropostas, apenas lhes restando a opção da aceitação
formal e total das cláusulas redigidas pela contraparte, se objetivarem ter acesso aos bens
ou serviços ofertados.104
Apesar da regulação das cláusulas contratuais gerais no DL nº 446/85, o diploma
não trás um conceito preciso sobre o que sejam tais cláusulas, sendo que a missão da
definição das mesmas acaba por ficar a cargo da doutrina.
Luís Manuel Menezes Leitão, por exemplo, ensina que as cláusulas contratuais
gerais “consistem em situações típicas do tráfego negocial de massas em que as
declarações negociais de uma das partes se caracterizam pela pré-elaboração,
generalidade e rigidez”.105 Acrescenta o autor que “(...) está-se nesses casos perante
situações em que uma das partes elabora a sua declaração negocial previamente à entrada
em negocições (pré-elaboração), a qual aplica genericamente a todos os seus contraentes
(generalidade), sem que a estes seja concedida outra possibilidade que não seja a sua
aceitação ou rejeição, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de discutir o conteúdo
do contrato (rigidez)”.106
De acordo com o art. 1º do decreto mencionado, o regime das cláusulas contratuais
gerais é aplicado aos contratos de adesão107, sendo abrangidos nesse conceito os contratos

103 MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais, 7º edição, São Paulo: RT, 2014, p. 79
104 É importante destacar que, apesar de uma das partes ter a sua liberdade de estipulação limitada, isso
não descaracteriza o negócio jurídico, uma vez que o essencial para a sua caracterização é a autonomia
da vontade, ou seja, a possibilidade do contraente regular por si os próprios interesses, mesmo que dentro
de esquemas legais pré-determinados. Cf. TELLES, Inocêncio Galvão, Manual dos contratos em Geral, 4ª
ed., Coimbra: Almedina, 2010, p. 313.
105 LEITÃO, Luís Manuel Telles de Menezes, Direito das obrigações, 15ª ed., Vol. I, Coimbra: Almedina,
2018, p. 32.
106 Ibidem, p. 32/33.
107 A respeito da suposta diferença entre as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão, dois
são os posicionamentos encontrados na doutrina portuguesa. O primeiro é no sentido de reconhecer a

39
padronizados por meio das cláusulas gerais, como especialmente utilizados no âmbito do
crédito ao consumo, bem como os contratos individualizados que contêm cláusulas
instituídas especificamente por uma das partes para um contrato específico, como
normalmente realizado nos casos de crédito à habitação.108
Dito isso, é preciso reconhecer que a utilização das cláusulas contratuais gerais
gera, sem dúvidas, uma maior dificuldade no conhecimento do conteúdo do contrato,
assim como favorece a utilização de cláusulas abusivas. Tal fato contribui para o estado
de vulnerabilidade do consumidor, bem como institui um desequilíbrio de forças na
contratação, caracterizando, na maioria das vezes, a assimetria contratual.109
Tendo isso em conta, o próprio legislador reconhece os riscos dos contratos
sujeitos ao regime das cláusulas contratuais, em especial no que tange à inserção de
cláusulas abusivas. Segundo a lei, portanto, para que as cláusulas sejam admitidas, é
essencial que elas sejam conexas ao contrato, sejam comunicadas ao aderente e tenham o
seu conteúdo esclarecido à contraparte. Por isso, os deveres de informação e de assistência
pré-contratuais, ganham tamanho destaque nessas relações contratuais. Torna-se
imperioso promover uma formação consciente da vontade negocial do aderente, no nosso
caso, do consumidor, evitando o desconhecimento, por parte deste, a respeito do objeto
ou das condições do contrato.110 Acredita-se, sendo assim, que, com a devida
transparência e prestação acertada de informações, durante a fase de formação da vontade
do consumidor, é possível atenuar os efeitos da assimetria informativa entre as partes.111
No contexto do crédito aos consumidores, como veremos a seguir, houve ainda
um reforço dos referidos deveres pré-contratuais, em cada um dos diplomas já
mencionados.

equivalência entre os dois termos. Nesse sentido, v. TELLES, Inocêncio Galvão, Das condições gerais dos
contratos e da diretiva europeia sobre as cláusulas abusivas, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo,
n.º 2, abril, 1995, pp. 7-21. Outros, entendem que os contratos de adesão são gênero, do qual as claúsulas
contratuais são espécie. Como por exemplo: PRATA, Ana, Contratos de adesão..., op. cit.,2010 e
MONTEIRO, António Pinto, O novo regime jurídico..., op. cit., 2002.
108 Cf. ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Contrato I – Conceitos, Fontes, formação, 5ª ed., Coimbra: Almedina,
2015, p. 182-189.
109 Ibidem, p. 167. O autor afirma que a contratação em massa, típica da revolução comercial ocorrida,
trouxe inegáveis vantagens, como a enconomia de tempo, a redução de custos e a prevenção de lacunas.
Contudo, segundo ele, também são inegáveis as desvantagens inerentes à esse tipo de contratação,
consubtanciadas no abuso de poder negocial e no desequilíbrios dos riscos contratuais.
110 SOUSA, Joaquim Ribeiro de, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 49.
111 Conforme o regime do DL nº 446/85, o desrespeito aos três pressupostos elencados, isto é, a não
observância devida dos deveres pré-contratuais de informação e assistência, resultam na não inclusão
das cláusulas no contrato, como determinam os art. 5º, 6º e 8º do diploma.

40
Importante, por fim, pontuar que os deveres pré-contratuais de informação e de
diligência, dos quais ainda trataremos de forma específica, nos casos dos contratos de
crédito bancário, possuem forte influência do princípio “know your client”, apesar deste
não ser exclusivo das atividades de intermediação.
Isto significa dizer que, a fim de prevenir o prejuízo dos interesses do consumidor,
bem como evitar eventuais litígios por incumprimento, as instituições devem,
necessariamente, conhecer o seu cliente. Isto porque, reconhece-se que o nível da
informação e da assistência prestadas pelo proponente ao consumidor vai depender do
perfil financeiro e social do cliente a quem se pretende prestar o serviço.112
Sendo assim, a avaliação sobre o cumprimento, ou não, dos deveres pre-
contratuais, pela instituição de crédito, passa por um princípio de proporcionalidade, na
medida em que o cuidado no fornecimento das informações deve ser maior, quanto mais
limitadas forem as garantias e a capacidade de ganho do consumidor.
Posto isso, passemos, finalmente, ao estudo de tais deveres, destacando-se que
será feita uma análise de todos aqueles deveres elencados nos diplomas em estudo, por
julgarmos essenciais ao completo entendimento a respeito da dimensão do crédito aos
consumidores, contudo o maior enfoque e aprofundamento será dado ao dever de avaliar
a solvabilidade do consumidor, o qual virá tratado em capítulo separado.

3.1. As informações pré-contratuais

Primeiramente, cumpre observar que, em relação ao decreto anterior que tratava


do crédito ao consumo, a principal inovação do DL nº 133/09 consistiu na previsão do
momento e da forma da prestação das informações pré-contratuais.
O art. 6º do referido decreto determina que o credor ou o intermediário de crédito
devem, na data de apresentação da oferta de crédito ou em momento anterior à celebração
do contrato de crédito, prestar as informações necessárias para que o consumidor possa
comparar as diferentes ofertas e, assim, tomar uma decisão esclarecida e informada.
Quanto ao crédito à habitação, o art. 8º do DL nº 74-A/2017, impõe ao mutuante
e, dependendo do caso, aos intermediários de crédito, que prestem, tanto na negocição,

112 Nesse sentido, inclusive, decidiu, recentemente (09/03/2021), o Tribunal da Relação de Lisboa no
julgamento do Processo de Apelação nº 14647/19.8T8LSB.L1-7, no qual a Redatora Amélia Alves Ribeiro,
fez constar como parte da sua ementa que “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto
maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da
proporcionalidade inversa).”.

41
quanto na celebração e vigência dos contratos crédito, informações completas,
verdadeiras, atualizadas, claras, objetivas e adequadas ao consumidor, considerado em
sua individualidade, de forma legível.
Sobre o dever de informação, é preciso atenção, contudo, para que ele não tome
uma proporção dessarazoada. Afinal, o excesso de informação também pode ser
prejudicial. Em primeiro lugar, porque uma quantidade muito grande de informação pode
desencorajar os particulares à contratação ou à leitura do contrato, fazendo com o que o
consumidor sequer tente compreender o que está ali descrito.113
Em segundo, porque o fornecimento de demasiada informação pode tornar a
missão do consumidor de compreender o que ali está disposto mais difícil. Isto porque,
os elementos mais importantes para a tomada de decisão sobre contratação podem se
“perder” no longo texto ou, até mesmo, o próprio texto pode induzir o particular a erro
sobre os pontos que merecem a sua atenção, por estarem destacados, por exemplo.114 Tal
fato pode fazer com que o contrato não seja analisado, portanto, na sua completute.
É preciso, portanto, encontrar um equilíbrio, de maneira que a prestação de
informação seja realizada na justa medida para a devida compreensão do consumidor
sobre a contratação a ser realizada. Veremos, a seguir, como os decretos relativos ao
crédito aos consumidores lidaram com o assunto.

3.1.1. A forma de prestação das informações: a Ficha de Informação


normalizada Europeia

113 FERNANDES, Luís A. Carvallho, Teoria Geral do direito Civil, 2ª ed., Vol. II, Lisboa: Universidade Católica
de Lisboa Editora, 1996, p. 270.
114 Sobre a referida indução a erro, Mariana Júdice, na sua tese de mestrado, bem destaca que o próprio
consumidor pode também se induzir a erro, dando maior importância para um determinado elemento de
informação. A mestre ainda exemplifica: “(...) é o caso, por exemplo, dos consumidores que baseiam a
decisão de contratar um empréstimo exclusivamente no valor da prestação mensal126. A este respeito,
importa salientar que, à luz do enquadramento jurídico bancário atual, o valor da prestação pode estar
condicionado à manutenção de certos produtos e serviços financeiros (as chamadas “vendas associadas
facultativas” 127), ou, nos casos de contratos de crédito com taxa de juro variável, às variações do
indexante128, motivo pelo qual o valor da prestação tipicamente pode apresentar alterações. Neste
sentido, a avaliação do produto apenas com base nesse elemento (desconsiderando, por exemplo, os
elementos respeitantes às circunstância de variação da taxa de juro) pode revelar-se insuficiente para
uma tomada de decisão ponderada e esclarecida de contratar um empréstimo.”. JÚDICE, Mariana,
Economia comportamental e prestação de informação nos mercados bancários de retalho, (Tese de
Mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018, p. 47.

42
Os referidos decretos em estudo, além de preverem a necessidade de prestação das
informações ao consumidor, dispõe também a respeito da forma por meio da qual tais
informações devem ser exaradas.
No que tange ao crédito ao consumo, o nº2 do art. 6º do DL nº 133/09 estabelece
que as informações devem ser prestadas em papel ou qualquer outro suporte duradouro,
através da ficha de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores,
chamada FIN.
No nº 3 do citado dispositivo, o legislador especifica quais os elementos essenciais
que devem ser informados adequadamente ao consumidor, acrescentando que, em caso
de serem prestadas informações adicionais, essas informações devem ser entregues em
documento separado, elaborado de forma clara, concisa e legível, podendo ser
consideradas anexo à FIN, conforme o nº 4 do mesmo artigo.
Tendo isso em conta, apenas pode-se afirmar que o consumidor foi devidamente
informado se, mesmo em casos de contratação à distância, o credor tiver lhe fornecido a
FIN, conforme o nº 5, do art. 6º.
No art. 6º, ainda, o legislador cuida das comunicações telefônicas, instituindo um
regime específico e delimitando informações mínimas que devem ser incluídas (nº6), bem
como os casos de contratação à distância por solicitação do consumidor (nº 7). Nesse
último caso, a lei determina que o credor deve “facultar ao consumidor, na íntegra e
imediatamente após a celebração do conrato de crédito, as informações pré contratuais
devidas através da ‘Informação normalizada europeia em matéria de crédito a
consumidores’ ”.115
Ademais, o credor fica obrigado a, mediante solicitação, fornecer, de forma
gratuita, um cópia da minuta do contrato (nº8, do art. 6º)116. E, por fim, determina-se que
cabe também ao credor ou intermediário de crédito a prova de que as informações foram
prestadas, conforme determina a lei.
A legislação do crédito à habitação, por sua vez, trata da questão das informações
pré-contratuais, iniciando por classificá-las em dois tipos: as informações pré-contratuais

115Cf. nº 7 do art. 6º do DL nº 133/09.


116Sobre essa questão, importante ressaltar que a jurisprudência já tem se posicionado no sentido de
que, na ausência de entrega da cópia, o consumidor não poderá, depois de celebrado o contrato e no
caso de eventual incumprimento, por sua parte, recorrer-se a tese de nulidade do contrato, sob
argumento de tal conduta constituir abuso de direito. Nesse sentido: PORTUGAL. Tribunal da Relação de
Lisboa. Processo de Apelação nº 603-06.0TBPTS-A.L1-6. Relator: Eduardo Petersen Silva. Lisboa, 19 nov.
2017.

43
de caráter geral, previstas no art. 12º do DL nº 71-A/2017 e as informações pré-contratuais
personalizadas, constantes do art. 13º do mesmo diploma.
As informações pré-contratuais de caráter geral são aquelas que devem ficar
disponíveis, de forma permanente, nos sítios das instituições mutuantes na Internet,
conforme o nº1, do art. 12º do DL nº 74-A/17. As informações gerais devem, também,
ser disponibilizadas em suporte papel ou outro meio duradouro, nos balcões dos
mutuantes ou dos intermediários de crédito, caso seja solicitado pelo consumidor (nº2 do
citado artigo). O nº 3º do art. 12º enumera quais os elementos devem ser obrigatoriamente
incluídos na informação geral transmitida, sendo importante mencionar que, pela forma
como são anunciadas, tais informações caracterizam-se como um mero convite a
contratar.117
Quanto às informações pré-contratuais personalizadas, o seu modelo de
disponibilização segue semelhante ao que antes enunciado sobre o crédito ao consumo.
Entretanto, prevê-se, no nº1, do art. 13º do decreto, que as informações personalizadas
devem ser fornecidas aos consumidores por meio da Ficha de Informação Normalizada
Europeia (FINE), em papel ou outro suporte duradouro (nº3). Portanto, a FIN,
anteriormente citada, passou a ser conhecida, nos casos dos contratos de crédito à
habitação, como FINE, uma vez que regida por normas europeias. O objetivo dessa
modificação foi a garantia ainda maior dos interesses dos consumidores, na tentativa de
aumento da transparência e eficiência do mercado de crédito europeu.
Além disso, o nº 2 do artigo em estudo determina que, em simultâneo à
comunicação da aprovação do contrato de crédito, os mutuantes devem entregar, junto da
FINE, uma minuta do contrato de crédito. Nesse cenário, afirma-se que, ao contrário das
informações pré-contratuais de caráter geral, as informações pré-contratuais
personalizadas constituem uma proposta comercial.
Inova o DL nº 74-A/2017, contudo, ao, em consonância com o que determinado
na Diretiva nº 2014/17/UE, estabelecer, nos nº 4 e 5 do art. 13º, um período de reflexão
para o consumidor. Segundo estes dispositivos, os mutuantes permanecem vinculados à
proposta contratual feita ao consumidor durante o prazo mínimo de trinta dias, sendo
impossibilitado ao consumidor que aceite a referida proposta durante os primeiros sete
dias deste prazo.118

117Ver ALMEIDA, Carlos Ferreira de – Contratos I, 3ªEd.., Almedina, Coimbra, 2005, p. 104.
118 Sobre o início de contagem do prazo de trinta dias, apesar do diploma não fazer constar
expressamente, concordamos com Jorge Morais Carvalho, quando o autor afirma que, por análise lógica

44
E, por fim, em semelhança ao regime exposto na lei do crédito ao consumo, o nº
9º, ainda do art. 13º, estipula que, em caso de informações adicionais se fizerem
necessárias, a disponibilização delas deve ser feita em documento separado, posto como
anexo à FINE.

3.1.2. A Taxa Anual de Engargos Efetiva Global (TAEG)

A taxa anual de engargos efetiva global, comumemente abreviada por TAEG,


“mede o custo do empréstimo para o cliente, por ano, em percentagem do montante
emprestado”, como explica o Banco de Portugal.119 No seu cálculo, leva-se em conta os
juros, as comissões, as despesas (impostos e emolumentos), os seguros, a comissão de
manutenção de conta à ordem (quando obrigatória), a remuneração do intermediário de
crédito ( se de responsabilidade do consumidor) e outros encargos.
O fornecimento da TAEG ao consumidor permite, dessa forma, que este possa ter
noção do valor exato, em porcentagem, que terá que pagar.120 Esta taxa é de suma
importância, pois funciona como o principal elemento diferenciador, para auxílio do
consumidor, no momento de comparação de diferente propostas, de diferentes instituições
de crédito. 121
Por isso, a TAEG deve, obrigatoriamente, ser indicada, ainda pré-
contratualmente, na FIN (Ficha de Informação Normalizada), no caso de crédito aos
consumidores, conforme alínea “g”, do nº3, do art. 6º, do DL nº 133/09, ou na FINE
(Ficha de Informação Normalizada Europeia), quando se tratar de crédito à habitação,
como enuncia a alínea “g”, do nº 3, do art. 12º do DL nº 74-A/2017.

ao dispositivo, o prazo deve começar a contar desde o momento da entrega da FINA e da minuta do
contrato de crédito. Afinal, a partir desse ponto é que o consumidor possui condições de refletir sobre
todos os elementos e imposições contratuais. CARVALHO, Jorge Morais; Crédito ao Consumo e Crédito à
Habitação, in “Estudos de Direito Bancário I”, Coordenação António Menezes Cordeiro, Manuel Januário
da Costa Gomes, Miguel Brito Bastos e Ana alves Leal, Coimbra: Almedina, 2018, p. 319 e p. 320.
119 Cf. Banco de Portugal. (2021). O que é a TAEG e para que serve? O Banco de Portugal explica. Fonte:
Banco de Portugal: https://www.bportugal.pt/page/o-que-e-taeg-e-para-que-serve-o-banco-de-
portugal-explica
120 MORAIS, Fernando Gravato de; Crédito aos Consumidores: Anotação ao Decreto-Lei N.º133/2009,
Coimbra: Almedina, 2009, p. 110.
121 CASTRO, Cláudia Silva; A proteção do consumidor nos contratos de crédito para imóveis de habitação.
Confronto entre as soluções propostas pela Diretiva 2014/17/UE e as consagradas pelo Regime Jurídico
do Crédito ao Consumo, in “Revista Electrónica de Direito”, nº2, junho de 2017, p. 22.

45
Ressalta-se que a obrigatoriedade de indicação da taxa, de forma clara, não se
limita à proposta de crédito, mas abrange também a publicidade do crédito, como será
demonstrado a seguir.

3.2. A publicidade dos contratos de crédito a particulares

Um ponto que merece destaque, dentro da discussão dos deveres pré-contratuais,


primordialmente o de informação, diz respeito à publicidade dos contratos de crédito aos
consumidores. É comum, assim como já afirmado, que as instituições de crédito se
utilizem, na divulgação dos seus produtos e serviços de crédito, de uma ideia de facilidade
e imeaditismo da concessão do crédito, como já mencionado.
Sendo assim, algumas medidas são tomadas a fim de amenizar os efeitos dessa
publicidade agressiva sobre os consumidores. Nota-se que o legislador comunitário e o
português, sensíveis à aliteracia financeira do consumidor, não tão somente proibiram a
publicidade enganosa, mas também preocuparam-se em delimitar regras positivas a
respeito dos termos do negócio.122
O principal exemplo disso relaciona-se com a obrigatoriedade de indicação da
TAEG em toda publicidade ou comunicação comercial nas quais um credor se proponha
a conceder crédito ou se sirva de intermediário de crédito, ainda que apresentado como
gratuito ou sem juros123, conforme art. 5º do DL nº 133/09 e no nº1, do art. 10 do DL nº
74-A/2017.
O legislador vai mais além e determina que, caso um mesmo anúncio contenha
mais de uma condição de contratação, o credor obriga-se a indicar a TAEG para cada um
dos diferentes produtos, conforme art. 5º, nº 2 do Dl nº 133/09 e o art. 10º, nº 2 do DL 74-
A/2017. Caso isso não seja possível, o mutuante deverá indicar a taxa mais elevada entre
aqueles que podem ser aplicadas aos produtos anunciados.124

122 Sobre a regulação da publicidade do crédito em outros países, V. Morais, Fernando Gravato;
Publicidade Financeira, In: RPDC, nº 48, pp.82.1- 82.19, 2006.
123 Sobre a norma fazer menção a contratos de crédito sem juros, Fernando Gravato de Morais faz a
interessante observação de que se trata de uma incoerência legislativa, ao passo que o art. 2º do decreto
na sua alínea “f”, do nº1, determina que estão excluídos do âmbito de aplicação do diploma os contratos
de crédito em que o crédito seja concedido sem juros ou encargos para o consumidor. O autor afirma que
na elaboração do texto normativo foi feita uma confusão entre o crédito gratuito, em que a TAEG é igual
a zero e o contrato que, apesar de se apresentar como gratuito, pela ausência de pagamentos de juros,
impõe ao consumidor o pagamento de outras importâncias, como de comissões. Cf. MORAIS, F. G.;
Crédito aos Consumidores..., op.cit., p. 41.
124 Sobre essa solução doutrinária, Fernando de Gravato Morais se manifesta de forma contrária,
afirmando que “ sendo referenciada apenas uma única taxa, embora mais do que um contrato, aquela
valerá, em princípio, para todos eles.” Cf MORAIS, F. G.; Crédito aos Consumidores..., op.cit.

46
Ainda sobre a indicação da TAEG, o legislador português impôs, no nº3, do art.
5º do DL nº 133/09 e no nº3, do art. 10º do DL nº 74-A/2017, que a sua assinalação deve
ser realizada de forma visível e reconhecível, quando se tratar de anúncio escrito, ou de
maneira perceptível, em casos de publicidades em meios audiovisuais.
No regime do crédito habitação prevê-se, ainda, expresssamente que “as
comunicações comerciais e de publicidade sobre contratos de crédito devem ser leais,
claras e não enganosas, sendo proibida, em especial, qualquer forma de comunicação que
possa criar falsas expetativas nos consumidores quanto à disponibilização ou ao custo de
um crédito”, conforme o art. 9º do DL nº 74-A/2017. Ademais, dispõe a referida lei que
o incumprimento do art. 10º, o qual trata da publicidade, como mencionado, pode gerar
ao credor uma sanção contraordenacional, nos termos do art. 29º do DL º 74-A/2017.

3.3. O dever de assistência

As legislações sobre o crédito aos consumidores reconhece que o simples


fornecimento das informações por parte do mutuante ao consumidor pode não ser
suficiente e, por isso, consagra o dever de assistência ao consumidor.
Relativamente ao crédito ao consumo, o dever de assistência encontra-se previsto
no art. 7º do DL nº 133/09. Conforme o nº1 do citado artigo, diante das informações
prestadas pelo mutuante, pode se fazer necessária a prestação de alguns esclarecimentos
para o consumidor, a fim de efetivamente lhe permitir avaliar o contrato de crédito a ele
proposto. Para tanto, cabe ao credor, além de fornecer as informações, como já tratado,
explicar as características principais dos seus produtos oferecidos, descrevendo os efeitos
específicos de cada um deles e tratando, em especial, das consequências do não
pagamento. Estes esclarecimentos devem, segundo o nº 2 do artigo em análise, ser dados
de forma “clara, concisa e legível”, além de terem que ser entregues ao consumidor em
“suporte duradouro reprodutível”.
O tema, no diploma referente ao crédito à habitação, aparece tratado no art. 14º.
No nº 1 do retro artigo, o dever de assistência é exposto de forma muito semelhante àquela
constante do decreto-lei do crédito ao consumo, anteriormente demonstrado. Referido
dever é tido como um dever de prestar esclarecimentos ao consumidor, permitindo que
ele consiga avaliar o contrato que lhe está sendo proposto, tendo em conta as suas
necessidades e sua situação financeira.

47
Além do mais, o nº 2, do art. 14º do DL 74-A/2017 define que o consumidor deve
ser informado pelo mutuante da possibilidade de resolução separada do contrato de
determinados serviços e do contrato de crédito à habitação, nos casos de venda associada
facultativa de um serviço acessório, como por exemplo um contrato de seguro.
Observa-se, portanto, que o dever de assistência guarda estrita relação com o dever
de informação, em ambos os regimes jurídicos do crédito. A diferença mais relevante
entre os dois diplomas, no que tange à matéria do dever de assistência, diz respeito à
forma com que o dever deve ser cumprido. Enquanto o DL nº133/2009 exige que os
esclarecimentos sejam feitos em “suporte duradouro e reprodutível”, como pontuado, o
DL nº74-A/2017 não exige qualquer forma especial, sendo suficiente, assim, que os
esclarecimentos sejam prestados verbalmente.

4. O DEVER DE AVALIAR A SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR

Assim como adiantado, mais um dever pré-contratual é anunciado nos diplomas


sobre o crédito aos consumidores, qual seja, o dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor.
Como exposto anteriormente, a concessão e a contração irresponsáveis de crédito
tornaram-se um grande problema do mercado de crédito, sobretudo por condutas
irresponsáveis dos agentes de mercado e pela ausência de regulamentação sobre o tema.125
Nesse contexto, verifica-se, cada vez mais, consumidores em situações de sobre-
endividamento, o que acarreta em sérias consequências, tanto para o próprio consumidor,
quanto também para o sistema econômico-financeiro como um todo.
Destarte, como visto, os deveres de informação e assistência pré-contratuais
ganharam bastante relevo. Contudo, apenas estes deveres não se revelaram suficientes
para obstar a concessão irresponsável do crédito, o que fez com que se incluísse, no âmago
do princípio do crédito responsável, que a seguir será tratado, a obrigação da avaliação
da capacidade financeira do consumidor, por parte do mutuante. A imposição deste dever,
portanto, surge com o objetivo de garantia da contratação responsável de créditos.
Ressalta-se que, com a imposição deste dever, foi chamada a atenção para o fato
de que a situação de sobre-endividamento dos consumidores estava longe de ser causada
tão somente por um descontrole ou aliteracia financeira do consumidor. Tornou-se

125 GONÇALVES, A.S.; op.cit., p. 120.

48
necessário frear a concessão de crédito de forma indiscriminada, muito em razão da
postura das instituições bancárias, que facilitavam, de todas as maneiras possíveis, a
aprovação de solicitações de crédito, em busca do lucro.126
Dessa forma, com o intuito maior de evitar o sobre-endividamento, a Diretiva nº
2008/48/CE introduziu, dentro da temática da concessão de crédito, a avaliação da
solvabilidade do consumidor, delineada no art. 8º do diploma. No âmbito interno, quando
tal diretiva foi transposta, a obrigação de avaliação da solvabilidade do consumidor
passou a ser prevista no art. 10º, do DL nº 133/2009.
De forma ainda mais completa e detalhada, surgiu a Diretiva nº 2014/17/UE que
previu a avaliação da solvabilidade nos seus artigos 18º e seguintes. E, consequentemente,
com a sua transposição para o direito interno, o referido dever também passou a ser
consagrado no DL nº 74-A/2017, nos arts. 17º e seguintes do mesmo.
A avaliação da solvabilidade do consumidor, manifesta-se, portanto, como um
mecanismo de proteção tanto do consumidor, de uma situação de sobre-endividamento,
quanto da própria instituição bancária, para garantia do bom cumprimento dos contratos
por ela firmados.127

4.1. O Princípio do Crédito Responsável

Como já exposto, assim como se tem como certo que o crédito é o combustível da
economia, também se sabe que o crédito, quando concedido de forma irresponsável, acaba
por gerar o efeito contrário.128
Tendo isso em conta, a Comissão Europeia assumiu, em 2002, o princípio do
crédito responsável como um ponto fundamental no crédito, no art. 9º da Proposta de
Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização das disposições
legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de
crédito aos consumidores129.130

126 V. SIQUENEL, Roberto; Consumidor Superendividado: Tratamento jurídico na Sociedade de Consumo,


Porto: Editorial Juruá, 1976, p. 103. Como menciona o autor, a instituição de crédito viu, na abertura de
crédito aos consumidores, a possibilidade de aumentar as suas vendas, sua produção, seu faturamento
e, principlamente, o seus lucros.
127 Frota, Ângela; Crédito ao consumidor, In: R. P. Ataíde, & C. L. Barata, “Estudo de Direito do consumo”,
pp. 375-393. Lisboa: AAFDL, 2017, p. 184. (Frota, 2017)
128 MUNIZ, F. A. S.; op.cit., p.354.
129 Bruxelas, COM(2002) 443 final. Disponível em: https://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2002:0443:FIN:PT:PDF
130 GONÇALVES, A.S.; op.cit., p. 120. Conforme a autora, ainda, o princípio já era reconhecido,
anteriormente, em outras legislações, como é o caso da Suíça, em que havia previsão rigorosa da

49
Nessa Diretiva, o princípio em questão pressupunha uma avaliação, por parte do
mutuante, das capacidades de reembolso do consumidor, constituindo esse dever em uma
obrigação de meios, que deve ser realizado tendo por base a “consulta das bases
centralizadas de dados e pela análise das respostas fornecidas pelo consumidor ou pelo
garante, pelo pedido de constituir garantias, pela verificação dos dados fornecidos por
intermediários de crédito e pelo tipo de crédito oferecido”, conforme consta do texto do
artigo mencionado.
Importante destacar que, pela previsão da diretiva, a análise de solvabilidade do
consumidor, pelo mutuante, não é “neutra”, significando dizer que a não observância
dessa obrigação resulta na responsabilidade civil deste último, se constatado um nexo
entre a celebração do contrato e a ausência ou falha na realização da referida avaliação.
Não obstante, foi ressaltado no dispositivo que o que ali posto não eximia o consumidor
de também atuar com prudência na contração de créditos.
Contudo, a referida proposta de diretiva recebeu diversas críticas, sob os
principais argumentos de transparecer uma natureza paternalista, além de responsabilizar
excessivamento o mutuante.131 Por isso, assim como ainda será demonstrado, o dever de
avaliar a solvabilidade do consumidor aparece na Diretiva nº 2008/48/CE de forma menos
rigorosa, deixando para cada Estado-Membro a opção de concretizar o dever da maneira
mais conveniente. Na Diretiva referente ao crédito à habitação, em comparação, a norma
determinadora da obrigação de avaliar a capacidade de reembolso do consumidor surge
mais extensa e completa, muito, a nosso ver, por influência da crise econômica e
financeira vivida nos anos anteriores ao do diploma, com a consequência do sobre-
endividamento. Contudo, já adiantamos, apesar desse cenário, a responsabilidade civil do
mutuante, nos casos de concessão irresponsável de crédito, não foi aventada na diretiva.
Feita essa contextualização sobre o surgimento do princípio, voltemos ao estudo
da sua essência. Segundo o princípio do crédito responsável, as instituições, pautadas nas
premissas de diligência e lealdade, devem promover a concessão responsável de crédito,
levando em conta a situação financeira, os objetivos e as necessidades dos consumidores,
assim como a natureza, o montante e as características do contrato de crédito.132

obrigação de avaliar a capacidade do consumidor, como maneira de prevenção ao sobrendividamento.


Além da Bélgica, que também estabelecia na lei Relativa ao Crédito ao Consumo, o dever de avala=iar a
solvabilidade do consumidor.
131 GONÇALVES, A.S.; op.cit., p. 121
132 Cf. art. 3º do Aviso nº4/2017 do BdP, que ainda será melhor analisado ao longo do capítulo.

50
O princípio do crédito responsável funciona, assim, como um limite à autonomia
das intituições de crédito, estabelecendo um conjunto de responsabilidades e de valores
de solidariedade nas relações de consumo de crédito.
Destaca-se que o princípio não cinge-se somente ao dever de avaliar a
solvabilidade do consumidor, mas, sem dúvidas, o pressupõe. O princípio, de forma
ampla, busca a mútua concessão, entre as partes, de informações completas, verdadeiras
e apropriadas, a fim de assegurar uma contratação responsável de crédito.
Nesse sentido, nota-se, como se vem repetindo ao longo do trabalho, que, com
base no princípio do crédito responsável, são impostas obrigações a ambas as partes, de
maneira que cabe ao mutuante a concessão responsável do crédito, assim como cabe ao
consumidor a contração responsável do mesmo. A obrigação do mutuante abrange todos
os deveres pré-contratuais já elencados, incluindo a questão da publicidade. Enquanto ao
consumidor recai o dever de fornecer informações verídicas sobre a sua situação
financeira, bem como a imposição de uma postura prudente, consciente e até mesmo
diligente no sentido de buscar o conhecimento da área financeira, a fim de comparar as
diferentes propostas e fazer as melhores escolhas.
É importante salientar, ademais, a estreita relação que o referido princípio guarda
com o princípio da confiança. A confiança em qualquer relação contratual aparece como
ponto chave, porém acreditamos que, nas relações de consumo, em especial, as de
concessão de crédito, esse elemento ganha ainda mais relevência, justamente pela
assimetria existente entre os contratantes, que, como visto, demonstra-se tanto
econômica, quanto informativa e, ainda, negocial.
Dessa forma, quando a confiança se institui nos contratos de crédito, entende-se
que ambas as partes contratantes possuem deveres recíprocos no sentido de assegurar que
o objeto do contrato seja concretizado, nos moldes como contratado. A confiança, assim
sendo, tem conexão com a manutenção da legítima expectativa depositada no contrato de
crédito.

4.2. Conceito e critérios a serem utilizados na avaliação

O dever de avaliar a solvabilidade do consumidor, como já adiantado, é um dever


pré-contratual (ainda que reafirmado durante a vigência do contrato), que obriga ao credor
a atuar diligentemente, a fim de ponderar se o particular possui, ou não, a capacidade de

51
cumprir o contrato de crédito. Nessa avaliação, portanto, a instituição bancária averigua
se o consumidor tem condições financeiras de reembolsar o crédito, a longo prazo.
Importante pontuar que a observância de tal dever é exigida também já durante a
vigência do contrato, em um momento anterior ao aumento do montante de crédito
concedido, caso solicitado, conforme os nº 4, dos arts. 10º e 16º do DL nº133/09 e DL nº
74-A/2017, respectivamente.
Com a imposição desse dever ao mutuante, pretende-se possibilitar uma melhor
gestão do risco do incumprimento nos contratos de crédito aos consumidores.133 E, com
isso, promover uma política de prevenção ao sobre-endividamento dos cidadãos. Assim
sendo, o credor deve, no momento da avaliação de solvabilidade, se orientar pelos
critérios do crédito responsável, partindo da premissa do pacta sunt servanda de que “os
contratos são sempre para serem cumpridos” e tendo também como base o princípio da
boa-fé objetiva.134
A avaliação deve fundar-se, principalmente, nas informações fornecidas pelo
próprio consumidor, destacadamente aquelas sobre os seus rendimentos. Porém, o credor
deve utilizar-se também de informações obtidas pela consulta em bases de dados de
responsabilidades de crédito (nº 2, do art. 10º, do DL nº133/09 e alínea “c” e “d”, do nº1,
do art. 16º, do DL 74-A/2017), tanto para pesquisa sobre todo o histórico financeiro do
consumidor, quanto para confirmar as informações prestadas por ele.
Salienta-se que, caso o crédito seja negado com fundamento nas consultas às bases
de dados, o credor deve informar, de forma gratuita e imediata, a rejeição, bem como
justificá-la, salvo em situações em que a prestação dessas informações seja proibida por
disposição do direito comunitário ou nacional ou se contrária a objetivos de ordem pública
ou de segurança nacional (nº3, do art. 10º do DL nº 133/09 e nº 3, do art. 16º do DL nº
74-A/2017).
Como se pode observar da leitura das normas em análise, a legislação sobre o
crédito à habitação, em seus arts. 16º a 19º, trata da avaliação de solvabilidade de forma
mais extensa e exigente do que o art. 10º, do decreto-lei do crédito ao consumo. Por isso,
o diploma traz consigo algumas especificidades sobre a temática.
Em primeiro lugar, no nº1 do art. 16º da lei do crédito à habitação, determina-se
que a avaliação da solvabilidade do consumidor não deve ter por base o valor do imóvel

133 CASTRO, C. S.; A proteção do consumidor..., op.cit.


134 BERNARDES, M. F. op.cit., p. 35.

52
que excede o montante do crédito, tampouco se fundar na ideia de que o imóvel se
valorizará, salvo situações de concessão de crédito para construção ou realização de obras
no imóvel.
Em segundo, prevê-se expressamente na lei que o mutuante apenas deve celebrar
o contrato de crédito, se a avaliação de solvabilidade do consumidor tiver sido positiva,
no sentido de indicar a possibilidade de que aquele cumpra com as obrigações atinentes
ao contrato (nº2, do mencionado art. 16º). Essa, sem dúvidas, foi uma grande novidade
do diploma, pois concretiza um dever do mutuante de não contratar, tendo em conta os
resultados obtidos da avaliação da solvabilidade do consumidor. Entretanto, como ainda
será abordado, a aplicabilidade prática dessa disposição acaba por se prejudicada.
Além disso,estabelece o nº 6 do retro artigo mencionado que os mutuantes devem
elaborar e implementar um documento interno, em que estejam descritos o método de
avaliação da solvabilidade, assim como os elementos e procedimentos nos quais ela irá
se fundar.
O art. 17º, no seu nº 3, impõe ao mutuantes, também, a obrigação de criarem
processos individuais para cada consumidor que teve sua solvabilidade avaliada,
contendo toda a documentação relevante analisada, primordialmente, o relatório de
avaliação do imóvel, as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da
capacidade financeira, bem como as propostas contratuais apresentadas. Tais processos
devem ser arquivados durante a vigência do contrato e nos cinco anos seguintes ao seu
termo.
Por trás dessa determinação de uma maior clareza das normas e maior controle
dos documentos, atinentes à avaliação da solvabilidade do consumidor, acreditamos que
está uma valiosa estratégia de aumento da confiança do consumidor no mercado de
crédito. Além de, é claro, facilitar a atividade fiscalizatória das entidades reguladoras e
de supervisão.
Por fim, o art. 18º do diploma em análise estipula a necessidade de realização de
uma avaliação do imóvel, objeto do contrato de crédito, por perito avaliador
independente, devidamente registrado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
(nº1). Os relatórios decorentes dessa avaliação devem ser entregues, em cópia, ao
consumidor, salvo quando a avaliação for feita com recursos do próprio, situação em que
ele é o titular de tais documentos (nºS 2 e 3). O consumidor pode, ainda, impugnar, por
escrito, os resultados e fundamentações da avaliação, devendo o mutuante oferecer

53
resposta (nº4). Caso seja necessário, o consumidor pode requerer uma segunda avaliação
do imóvel (nº5)

4.2.1. O Aviso nº4/2017 do Banco de Portugal

Em 2017, o Banco de Portugal emitiu um Aviso, o Aviso nº4/2017, a fim de


estabelecer os procedimentos e critérios a serem observados no ato da avaliação de
solvabilidade do consumidor pelas instituições de crédito. O objetivo da norma foi o de
unificar e uniformizar os parâmetros e procedimentos de análise da solvabilidade do
consumidor na concessão de crédito em Portugal, tanto para o crédito à habitação, quanto
para os casos de crédito ao consumo.
A avaliação de solvabilidade, no Aviso, é definida, no art. 2º, como “a avaliação
da capacidade e propensão de o consumidor cumprir as obrigações decorrentes do
contrato de crédito”. E, no momento dessa avaliação, segundo as normas do Aviso (art.
5º, nomeadamente), as instituições de crédito devem se atentar, além dos rendimentos e
despesas do consumidor, a outros elementos, como a natureza, o montante e as
características do contrato de crédito; a idade e a situação profissional do consumidor; o
cumprimento de obrigações assumidas pelo consumidor em outros supostos contratos de
crédito.
No que diz respeito às informações e documentos indispensáveis à correta
avaliação de solvabilidade de consumidor, o art. 6º do Aviso estabelece que a instituição
deve advertir o consumidor, de forma expressa, que a não prestação das informações,
assim como a prestação de informações falsas ou desatualizadas acarretarão na negativa
da concessão de crédito ou, se for o caso, no não aumento do total do crédito (nº2). Além
disso, prevê-se, expressamente, que, nas hipóteses de pedido de aumento do crédito torna-
se essencial a atualização das informações financeiras que a instituição possui do
consumidor, proibindo, assim, que a análise seja feita sobre as informações concedidas
inicialmente pelo particular (nº3). Essa atualização das informações, sem dúvidas, é
essencial para uma correta análise da capacidade de reembolso do consumidor. Afinal, ao
longo dos anos o contexto de vida e, consequentemente os rendimentos, gastos e
responsabilidades dos indivíduos mudam.
Sobre os rendimentos do consumidor, que devem ser a principal base da avaliação
de solvabilidade, o Banco de Portugal indicou que importam aqueles que, pelo seu

54
montante e periodicidade135, apresentam caráter regular, conforme estabelece o nº1, do
art. 7º do Aviso. Com isso, nota-se uma maior grau de exigência para a procedência da
concessão do crédito. É preciso, por meio da constância do recebimento dos rendimentos
do consumidor, deduzir-se a segurança de que o pagamento das prestações do empréstimo
poderão ser adimplidas.
Ademais, em casos de consumidores que sejam trabalhadores independentes ou
que obtenham rendimentos sazonais, a norma estipula que diligências adicionais devem
ser realizadas pela instituição, a fim de determinar o nível de rendimento daquele
particular (art. 7º, nº4).
Pelo art. 9º do Aviso, ainda, a instituição de crédito é autorizada a determinar os
rendimentos e as despesas regulares do consumidor por estimativa, desde que o contrato
que se pretende celebrar tenha o montante total igual ou inferior ao valor equivalente a
dez vezes a remuneração mínima mensal garantida.
A norma fornece, portanto, um inteligente cálculo de proporção entre o
rendimento garantido do consumidor e o valor total e parcelado do crédito, de forma a
chegar a um valor mínimo de segurança na concessão do crédito, para que o risco daquele
contrato seja controlado. Não obstante, deixamos registrado um certo receio com essa
disposição. Isso porque, acreditamos que, no contexto do crédito aos consumidores, é
preciso sempre considerar que, por trás dos números, existem vidas reais, nas quais
muitos aspectos afetam na distribuição desse rendimento, tido como garantido, no
pagamento das despesas familiares. Dessa forma, o tema merece um estudo mais
aprofundado, a fim de verificar se, de fato, existem situações em que a completa avaliação
da solvabilidade do consumidor pode ser suprimida.
O art. 10º, por sua vez, é, a nosso ver, o grande triunfo do Banco de Portugal na
elaboração do Aviso nº4/2017. Isto porque, conforme o nº1, do referido dispositivo, na
avaliação de solvabilidade do consumidor, a instituição deve, além dos pontos já
mencionados, considerar também quaisquer cirsuntâncias futuras que, sendo previsíveis,
possam impactar negativamente o nível de endividamento do consumidor e,
consequentemente, a sua condição de adimplir com as obrigações advindas do contrato
de crédito. Alguns exemplos dessas circuntâncias vem descritas nos seguintes nºs do art.
10º, senão vejamos: a) o termo do contrato de trabalho ou de prestação de serviços do

135Determina-se, nesse mesmo artigo, que a instituição leve em conta os rendimentos auferidos pelo
consumidor, pelo menos, nos três meses anteriores à data em que se procede à avaliação, assim como a
evolução registrada destes redimentos, durante o período assinalado (art. 7º, nº2).

55
consumidor, durante a vigência do contrato de crédito (nº2); b) a intervenção do
consumidor em outros contratos de crédito, seja como fiador ou como avalista (nº3); c) o
aumento do indexante aplicável, em casos de contratos de crédito sujeitos à taxa de juro
variável ou mista; d) exigência de período de carência no pagamento de juros ou de capital
no contrato de crédito; e) e, por fim, a previsão no contrato de crédito do diferimento do
pagamento de parte do capital mutuado.
Nota-se que, com o que exposto no art. 10º do Aviso, a avaliação deixa de ser
puramente técnica, passando a ponderar o histórico e a capacidade financeira particular
de cada consumidor, dentro do contexto de vida deste. Assim, o longo caminho para a
proteção mais efetiva do consumidor, bem como para a prevenção do endividamento,
parece se encurtar.
Outro passo importante para a tentativa de garantia de tais objetivos, foi a previsão
do art. 11º, na qual consta que a instituição de crédito apenas deve celebrar o contrato ou
aumentar o montante total de crédito quando obtiver um resultado da avaliação da
solvabilidade do particular que ateste a capacidade daquele de cumprir as obrigações
decorrentes do contrato. Importa lembrar que havia previsão semelhante no DL nº 74-
A/2017, que cuida do crédito à habitação, contudo não havia qualquer manifestação
legislativa nesse sentido no que se referia ao crédito ao consumo, no DL nº 133/09.
Fora isso, assim como define a lei do crédito à habitação, o Aviso, em seu art.12º,
ordena que os credores criem, em suporte duradouro, processos individuais para os
consumidores que já tiveram sua solvabilidade avaliada.136 Da mesma forma, também
impõe a criação de procedimentos internos nas instituições que tratem da avaliação da
solvabilidade. No nº 2 do Aviso são, inclusive, assinalados quais os pontos que o
procedimento deve especificar, quais sejam: as informações e os documentos a serem
solicitados aos consumidores, o método e os critérios utilizados na avaliação, as unidades
de estrutura com responsabilidade no processo de avaliação, com a devida descrição de
suas competências e, por fim, os procedimentos que os funcionários da instituição devem
adotar na avaliação.137

136 O prazo estipulado para a conservação desses processos individuais também é o mesmo do previsto
no DL nº 74-A/2017: durante a vigência do contrato e nos cinco anos subsequentes.
137 Esses procedimentos devem ser atualizados sempre que necessário, bem como divulgados na estrutura
interna da instituição para todos os trabalhadores envolvidos na concessão de crédito, de forma a permitir
a consulta imediata e permanente dos mesmos ao documento, conforme os nºs 3 4 do art. 13º do Aviso
nº 4/2017.

56
4.2.2. Uma nota sobre a crítica do paternalismo

É importante, depois de feitas todas essas considerações sobre o dever dos


mutuantes analisarem a solvabilidade do consumidor, afastar o argumento de que a
imposição de tal obrigação revele uma postura errada, por ser demasiadamente
paternalista por parte do Estado.
Isto porque, não obstante a lei acabe por obrigar o consumidor a agir de forma
contrária a sua própria vontade, em determinadas situações, em razão do resultado da
avaliação da capacidade de reembolso deste, é preciso ter em mente que, mais do que
apenas proteger o consumidor, existe, dentro dessa temática do crédito aos consumidores,
um interesse maior e geral, que também merece ser tutelado.
Assim sendo, entre os interesses do consumidor, que se dividem no fácil acesso
ao crédito e na prevenção do sobre-endividamento, a lei, acertadamente, apesar de
assumir uma postura paternalista, opta por assegurar o segundo.138
Como é sabido, o sobre-endividamento é um problema que contribui para o
desequilíbrio do sistema financeiro, como um todo. Dito isso, o dever de avaliar a
solvabilidade de consumidor está longe de se configurar somente como um instrumento
de proteção ao consumidor. Tal dever é, na verdade, um meio de prevenção à situação de
sobre-endividamento, caracterizando-se, assim, como uma medida de proteção de
interesse público.139
É importante, ademais, lembrar que, com a estipulação do dever em estudo e,
também, da não contratação, em casos de avaliação negativa, a instituição de crédito, por
um lado, também é impedida de satisfazer a sua vontade, qual seja, conceder o crédito e
obter lucros. Porém, mais uma vez, sobrepesa a importância da garantia de que esses
contratos sejam cumpridos, sem a insolvência do consumidor.

4.2.3. A avaliação da solvabilidade do consumidor “versus” a proteção da


intimidade da vida privada do consumidor

138 Cf. CARVALHO, J. M; Crédito ao Consumo e..., op.cit., p. 322.


139CARVALHO, J. M. Manual de Direito do Consumo, op.cit.,, pp. 271-272 e GONÇALVES, A. S.; op.cit.,
p.122. A autora bem expõe que “a importância que esta obrigação assume na directiva do Crédito ao
Consumo é um reflexo da necessidade de proteção não apenas dos interesses do consumidor e dos
interesses do mutuante contra eventuais incumprimentos, mas também de interesses sociais gerais de
atenuação das repercussões sociais, financeiras e económicas do sobre-endividamento”.

57
Outra problemática que envolve o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor
é referente à proteção da vida privada do particular.140 Conforme já mencionado, as
legislações sobre o crédito aos consumidores estabelecem que, para o apuramento das
informações necessárias à avaliação da solvabilidade do consumidor, os mutuantes são
autorizados a terem acesso às bases de dados públicas e privadas sobre consumidores.
Os fichários de crédito consistem em bases de dados, nas quais constam
informações sobre o passivo e o ativo dos devedores, que servem de base, como já
comentado, para a análise da capacidade de reembolso dos consumidores.141 Tais
fichários podem ser positivos ou negativos, sendo que, no primeiro, todo o histórico
creditício do consumidor pode ser consultado, como por exemplo na Central de
Responsabilidades de Crédito, enquanto, no segundo, constam apenas os incidentes
negativos de pagamento, como ocorre nos casos das listas públicas de execuções.
A polêmica em torno da privacidade do consumidor recai mais sobre os fichários
positivos de crédito, ao passo que, por meio deles, consegue-se obter informações a
respeito do hábito e da vida econômica dos consumidores. Com isso, alguns142
argumentam que estes cadastros violam os direitos da personalidade, assim como a
dignidade do consumidor.
Outros, porém, ressalta-se, acreditam que tais cadastros devem ser encarados de
forma positiva, tendo em conta que podem facilitar a obtenção do crédito, bem como
auxiliar na negociação das taxas de juros, para aqueles consumidores “bons pagadores”.
Sem grande aprofundamento no estudo do assunto, acreditamos, sucintamente,
que os fichários possuem uma relevância significativa dentro dos contratos de crédito e

140 Segundo Pilar Jiménez Rius, o setor bancário foi “uno de los primeiros sectores de la economia
española donde há surgido el conflito entre la protección del derecho a la intimidad e de los clientes y la
utilización de las nuevas tecnologias.Los motivos concretos, entre otros, han sido la inclusión indevida de
personas en ficheiros de morosos, la incorporación de datos errôneos en ficheiros relativos a la solvência
patrimonial, la utilización de datos para fines comerciales y de marketing sin ajustarse a lo estabelecido
en la normativa, etc...”. RIUS, Pilar Jiménez; Análises de la regulácion del tratamiento de datos personales
realizado por las Entidades de Crédito en España, In: “Revista Española de Derecho Adminitrativo”, nº 110,
Abril-Junio, 2010, pp. 228-229.
141 MARQUES, M.M.; NEVES, V.; FRADE, C.; PINTO, P. & CRUZ, C., O endividamento dos consumidores.
op.cit.,, p. 208.
142 Maria Manuel Leitão Marques, apesar de reconhecer que os fichários representam um banco de dados
mais completo e eficaz dos que puramente negativos, defende que deve haver uma limitação nas
informações nele constantes, sob pena de se ferir a honra e a vida privada dos consumidores. MARQUES,
Maria Manuel Leitão (Coord). O endividamento dos consumidores. Coimbra: Almedina, 2000, p. 208.

58
devem, por isso ser criados e mantidos, sempre atualizados143, desde que o acesso a eles
seja restrito às instituições financeira e a quem mais o consumidor autorize.
Como defende Jorge Morais de Carvalho, o texto do nº2 do art. 10º do DL nº
133/09, no qual consta a possibilidade do credor de consultar a “outras bases de dados
consideradas úteis para a avaliação da solvabilidade dos consumidores”, não deve ser lido
de forma tão abrangente, como uma espécie de autorização genérica.144 Como afirma o
autor, o mutuante apenas poderá consultar outras bases de dados, que não a lista pública
de execuções, se tiver autorização do consumidor para tanto.
Contudo, antes de finalizar as considerações sobre o tema, é importante ressaltar
que o nº 4, do art. 11º do DL nº 133/09, assim como a alínea “c”, do nº 1 do art. 16º do
DL nº 74-A/2017, determinam que a consulta a base de dados no ato da avaliação de
solvabilidade do consumidor deve ocorrer em respeito às normas de proteção de dados
pessoais, em especial o regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), Regulamento
nº 2016/679.
Conforme expressamente previsto no dispositivo citado do DL nº 133/09, é
proibida a divulgação a terceiros dos dados recolhidos para fins da avaliação da
solvabilidade do consumidor, a fim de proteger os dados relativos às pessoas singulares,
conforme institui a Lei nº 58/2019145. Assim, deve considerar-se que a recolha dos dados
só poderá visar a análise do risco do crédito, excluindo-se a sua utilização comercial.
Na legislação sobre o crédito à habitação, no artigo supra mencionado, impõe-se,
ainda, que todas as consultas às bases de dados devem ser sempre realizadas com o
conhecimento e consentimento do consumidor.

143 Para mais aprofundamentos sobre a proteção de dados pessoais na esfera do crédito ao consumo e a
respeito da importância de atualização das bases de dados, ver FEDERICO FERRETTI, A European
Perspective on Consumer Loans and the Role of Credit Registries: the Need to Reconcile Data Protection,
Risk Management, Efficiency, Over-indebtedness and a Better Prudential Supervision of the Financial
System, in “Journal of Consumer Policy”, vol. 33, 2010, pp. 14-24.
144 CARVALHO, J.M., Manual de Direito do Consumo, op.cit., p. 411.
145 Destaca-se o que previsto nº 2 do art. 10º da referida Lei, que trata sobre o dever de sigilo e
confidencialidade: “O encarregado de proteção de dados, bem como os responsáveis pelo tratamento de
dados, incluindo os subcontratantes, e todas as pessoas que intervenham em qualquer operação de
tratamento de dados, estão obrigados a um dever de confidencialidade que acresce aos deveres de sigilo
profissional previsto na lei.”.

59
Cabe, portanto, às instituições de crédito e sociedades financeira, a garantia de que
as informações veiculadas nas bases de dados, assim como determina a lei de proteção da
privacidade, estarão protegidas, sendo vedada a sua transmissão.146

4.3. O incumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do consumidor

Antes de mais nada, é fundamental a diferenciação entre o incumprimento do


dever de avaliar a solvabilidade do consumidor e o incumprimento do própro contrato de
crédito. Até mesmo porque, o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor diminuiu o
risco, exatamente, de incumprimento do contrato de crédito, isto é, do não cumprimento
pelo consumidor das obrigações decorrentes daquele contrato.
Dito isso, iniciemos o estudo sobre a temática do incumprimento do dever de
avaliar a solvabilidade do consumidor identificando, primeiramente, as diferentes
maneiras que ele pode ocorrer.

4.3.1. O incumprimento do dever pelo consumidor

A primeira das hipóteses de incumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do


consumidor refere-se ao incumprimento por parte do próprio consumidor, quando ele,
deliberadamente presta informações falsas ao fornecedor de crédito.
Assim como já informado, o mutuante, para realizar devidamente a avaliação da
solvabilidade do consumidor, se ampara nas informações que obtêm junto do próprio
consumidor e das informações constantes das bases de dados de responsabilidades de
crédito.
Tendo isso em conta, podem ocorrer situações em que o credor conceda o crédito
ao consumidor, baseado em informações falsamente prestadas pelo consumidor, sem a
devida verificação da veracidade dos dados. Trata-se, sendo assim, de um incumprimento
do dever de avaliação da solvabilidade por parte do consumidor, que, intencionalmente,
fornece informações inverídicas, com fins à obtenção do crédito.
Esse tipo de incumprimento somente é previsto no DL nº 74-A/2017, no nº 5 do
art. 16º do mesmo.147 Segundo esse dispositivo, o mutuante pode resolver ou alterar o

146 FROTA, Mário; Do regime jurídico do crédito ao consumidor na União europeia e seus reflexos em
Portugal: a inversão do paradigma, In: Revista Portuguesa de Direito do Consumo, nº 65 (Março 2011),
pp. 9-47, 2011, p. 29.
147 Com isso, abre-se uma lacuna no que se refere aos créditos ao consumo, tendo em vista que tal
modalidade de incumprimento não é tratada pelo DL nº 133/09, tampouco pelo Aviso nº 4 do BdP.

60
contrato de crédito, mesmo que em prejuízo do consumidor, se restar comprovado que
este último omitiu ou falsificou informações.
Como defende Anabela Gonçalves, a previsão do retro mencionado artigo
caracteriza-se como uma forma de equilíbrio da posição do mutuante e do consumidor.148
Isto tendo em conta que o princípio do crédito responsável impõe ao mutuante a obrigação
da avaliação da solvabilidade, de forma diligente e prudente, sendo justo que, em caso de
má-fé do consumidor, o credor possa se desvincular do contrato. Até mesmo porque,
como será visto no próximo tópico, em hipótese de ocorrência de uma avaliação
deficiente pelo mutuante, o mesmo é impedido de libertar das obrigações do contrato.
Ademais, o consumidor também se submete à norma do art. 227º do Código Civil,
isto é, ao dever de boa-fé na formação dos contratos. Dessa forma, uma conduta
deliberada do consumidor de falsear informações não poderia deixar de ser penalizada.
Observa-se, porém, que, nesses casos de conduta de má-fé do consumidor, o
credor também pode vir a ser penalizado pela não averiguação da veracidade das
informações prestadas pelo primeiro. Conforme determina a alíenea “d”, do art. 29º do
DL nº 74-A/2017, tal conduta do mutuante é caracterizada como contraordenação,
punível nos termos da alínea “m”, do art. 210º do Regime Geral das Instituições de
Crédito e Sociedades Financeiras - RGICSF.

4.3.2. O Incumprimento do Dever pelo Mutuante

No que tange ao incumprimento, por parte do mutuante, do dever de avaliação da


solvabilidade do consumidor, podemos elencar três possibilidades, sendo elas: i) a
concessão do crédito sem a prévia realização da avaliação do risco de incumprimento do
contrato, ou seja, sem que o credor tenha cumprido o dever de diligência pré-contratual;
ii) a concessão do crédito, com base em uma errônea ou deficiente avaliação da
solvabilidade do particular; iii) e, por último, a concessão do crédito, mesmo após a
execução da análise da solvabilidade do consumidor e a obtenção de um resultado
negativo, isto é, a constatação de que o consumidor não tem capacidade financeira para
cumprir com as obrigações atinentes ao futuro contrato de crédito.
Primeiramente, necessário ressaltar que, tanto o art. 10º do DL nº 133/2009,
quanto o art. 16º do DL nº 74-A/2017, constituem normas cujo conteúdo é imperativo.
Isto significa dizer que as condutas nelas descritas devem ser obrigatoriamente seguidas

148 GONÇALVES, A.S., op.cit., p. 129

61
pelas partes, vedando-se o seu afastamento, tendo em conta que tais normas visam, além
da proteção do consumidor, salvaguardar interesses gerais, como já defendido.149
Dessa forma, a concessão do crédito sem a devida diligência já representa um
sério risco de endividamento excessivo do consumidor e consequente instabilidade do
sistema financeiro. A concessão de crédito, frente a uma avaliação negativa da capacidade
financeira do consumidor, porém, manifesta-se ainda mais gravosa. Afinal, nessas
situações, o credor expõe um consumidor, que já não está “saudável” financeiramente, a
uma circunstância que vai potencializar essa sua realidade, prejudicando-o ainda mais.
Relembramos que, na legislação do crédito ao consumo, tanto a interna, como a
comunitária, nada é mencionado a respeito da conduta a ser tomada pelo mutuante, após
a obtenção do resultado da avaliação da solvabilidade, isto é, se tal resultado deve
condicionar, ou não, a decisão da instituição concedente de crédito.
Contudo, tendo em conta as disposições do Aviso nº4/2017 do BdP, bem como
considerando o princípio do crédito responsável, é possível defender que o resultado
negativo da avaliação de solvabilidade deve resultar no dever do mutuante recusar o
crédito.150
As normas referentes ao crédito à habitação, por outro lado, estipulam
expressamente que o mutuante apenas concederá crédito aos consumidores que, após a
avaliação, tenham a sua capacidade econômica-financeira comprovada, para o devido
cumprimento do contrato.
Sobre essa obrigatoriedade de não contratar, é importante pontuar que não se pode
afirmar violação ao princípio da liberdade contratual do mutuante. Tal liberdade é
assegurada pelos diplomas atinentes ao crédito à habitação, tendo em vista que é
esclarecido pelo legislador que o resultado positivo da avaliação de solvabilidade do
consumidor não obriga o mutuante a celebrar o contrato de crédito. O que se observa,
portanto, é apenas uma limitação da liberdade contratual, na situação de averiguação de
incapacidade de reembolso do consumidor, a fim de salvaguardar o princípio do crédito
responsável.
No que se refere à terceira possibilidade de incumprimento do dever pelo
mutuante, o diploma do crédito à habitação determina que, no caso de constatação de que

149CARVALHO, J.M; Manual de Direito do Consumo, op.cit..


150Em sentido diferente, ANTHI PELLENI (2014, p. 304) apud ANABELA GONÇALVES (2016) defende que,
levando em consideração a letra da norma e a evolução ocorrida entre a proposta da diretiva de crédito
aos consumidores e o seu texto final, o mutuante não está obrigado a recusar a concessão de crédito,
perante uma avaliação negativa. Cf.GONÇALVES, A. S., op.cit., p. 130.

62
a avaliação foi feita de maneira incorreta, não é permitido ao credor que resolva ou altere
o contrato de crédito, em prejuízo do consumidor, salvo caso de má-fé do consumidor no
fornecimento das informações (nº 5, também do art. 16º).
Nesse ponto, agiu bem o legislador, ao passo que, por meio dessa disposição,
demonstrou que a avaliação da solvabilidade deve ser levada com seriedade e realizada
de forma responsável pelo mutuante.

5. AS PROBLEMÁTICAS EM TORNO DO INCUMPRIMENTO DO DEVER DE


AVALIAR A SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR

Conforme já sabido, considera-se que o credor agiu diligentemente, quando todos


os critérios estipulados na lei foram devidamente cumpridos e observados por ele, sendo
garantida a concessão do crédito somente àqueles consumidores com capacidade de
adimplir com as obrigações assumidas.
De forma repetida, também já foram apresentadas as consequências
socioeconômicas do incumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do consumidor.
Todavia, resta analisarmos a tratativa do incumprimento do referido dever na legislação
atinente ao crédito, no que tange aos efeitos jurídicos deste incumprimento.
Isto porque, em um cenário ideal, em que o dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor é corretamente cumprido, tem-se, em prática, uma medida de prevenção ao
sobre-endividamento.151 Entretanto, nos casos de incumprimento do mencionado dever,
a garantia desse objetivo maior, de evitar o sobre-endividamento, passa a depender das
sanções aplicadas a tais situações.152
E, infelizmente, pelo que se nota, as sanções previstas na lei para os casos de não
observância ao dever de analisar a solvabilidade do consumidor são insuficientes, no
sentido de não dissuadir condutas contrárias ao mesmo.153

151 Nesse mesmo sentido, MATILDE CUENA CASAS, El sobreendeudamento privado como causa de la crisis
financeira y su necessário enfoque multidisciplinar, in “Prestamos responsable y ficheiros de solvência”, L.
Prats Albentosa e M. Cuena Casas (coord.), Cizur Menor, 2014, p. 55.
152 GONÇALVES, A. S., op.cit., p.128.
153 Nesse mesmo sentido, Cf. GONÇALVES, A. S. op.cit.; CARVALHO, J. M., Os contratos de consumo...,
op.cit.; BERNARDES, M. F., op.cit.; CASTRO, C.S., op.cit.

63
5.1. As sanções previstas para o incumprimento do dever de avaliar a
solvabilidade do consumidor

Primeiramente, cumpre ressaltar que nenhuma das diretivas comunitárias


determina o regime da sanções aplicáveis às situações de violação das normas nacionais
responsáveis pelas suas respectivas transposições, deixando cada Estado-Membro,
portanto, competente para solucionar a questão.
Em Portugal, nos termos dos arts. 30º, nº1, do DL nº 133/2009 e 29º, alínea “v”
do DL nº 74-1/2017, nos casos em que o dever de avaliar a solvabilidade do consumidor
for ignorado pelo mutuante ou quando este optar por conceder o crédito, mesmo com base
em uma avaliação de solvabilidade negativa, a instituição incorrerá em uma sanção de
natureza contraordenacional.
O que se constata, dessa escolha legislativa nos referidos diplomas, é que, em
ambos os regimes de crédito, o legislador foi extremamente brando com relação ao regime
sancionatório do incumprimento do referido dever. O que parece, a nosso ver, é que, nesse
ponto, esqueceu-se o legislador português do peso que tal incumprimento tem no cenário
financeiro, de forma geral, mas, também e principalmente, na vida dos consumidores. São
esses últimos, na verdade, que acabam por sofrer com as consequências mais gravosas do
incumprimento desse dever, que pela lei, deveria ser cumprido pelo mutuante.
Até mesmo porque, conforme os arts. 210º e 211º do RGISF, nos quais estão
previstos os ilícitos de mera ordenação social, praticados pelas instituições de crédito, o
montante da coima estabelecida para essas circunstâncias (3.000 euros a 500.000 euros)
não chega a ser tão relevante, no contexto de tais instituições.154

5.2. Uma análise crítica sobre a escolha legal das sanções e o estudo de
possíveis consequências de natureza civil

Conforme dito, os decretos-leis atinentes ao crédito, em Portugal, não


estabeleceram, pelo menos expressamente, qualquer sanção civil ao incumprimento do
dever de avaliação da solvabilidade do consumidor.

154Como ensina Armindo Matias, qualquer conduta desconforme com a legislação bancária, ainda que
na forma tentada ou negligente, é tida como ilícito contraordenacional, punível com coima. MATIAS,
Armindo Saraiva; Regime Sancionatório em Direito Bancário, In: Revista da Ordem dos Advogados, abr.,
Ano 62 – Vol. II, 2002.

64
Tendo isso em conta, pergunta-se se o consumidor endividado, que está sendo
demandado pelo credor, pelo incumprimento do contrato de crédito firmado, pode, a fim
de se esquivar das suas obrigações, utilizar-se do argumento de que o mutuante não
realizou ou, se realizou, ignorou os resultados negativos da sua avaliação de
solvabilidade.155
Inicialmente, em razão da tamanha relevância do dever de avaliação da
solvabilidade do consumidor dentro dos contratos de crédito, constituindo-se, inclusive,
na principal expressão do princípio do crédito responsável, julgamos inaceitável acreditar
que a ausência de estipulação expressa de uma sanção cível para o incumprimento do
dever de avaliar a solvabilidade do consumidor seja considerada como uma espécie de
silêncio eloquente do legislador. Isto é, reconhecemos inconcebível aceitar que a não
manifestação do legislador sobre qualquer sanção, nessas situações, equivalha a simples
inexistência dela.
Isto porque, conforme foi demonstrado ao longo do presente estudo, as diretivas
comunitárias sobre o crédito, com consequente criação da legislação interna sobre o
assunto, surgiu pela rápida e exponente expansão do mercado de crédito, que, por sua
vez, trouxe para o cenário global preocupações a respeito do devido cumprimento dos
contratos.
Sendo assim, como já exposto, o grande ponto de destaque e de inovação das
diretivas comunitárias mencionadas e, logicamente, dos diplomas internos sobre o crédito
aos consumidores, em relação às normas que encontravam-se em vigor, anteriomente, foi
exatamente a maior preocupação com o consumidor e a necessidade de garantia da
concessão de crédito de forma responsável. O que foi concretizado, principalmente, pela
imposição do dever de avaliar a solvabilidade do consumidor.
Destarte, tendo em mente, de forma clara, os objetivos da criação dos regimes de
crédito aos consumidores, tem-se que não há outra conclusão possível de se chegar a não
ser a errônea omissão do legislador, ainda que não intencional, quanto a penalização civil
dos mutuantes, nos casos de descumprimento do dever em análise. A nosso ver, entender
de maneira diferente, faria cair por terra todo o fundamento legislativo de prevenção ao
sobre-endividamento, existente nas diretivas e decretos estudados.

155 Sobre esse assunto, também se manifesta a magistrada Cláudia Cristina Moreira Salazar, em sua
tese de mestrado, nomeada Crédito Responsável e Dever de Avaliação da Solvabilidade do Consumidor,
apresentada à Universidade Católica Portuguesa do Porto, em 2012.

65
Posto isto, o que nos resta é investigar quais soluções jurídicas são encontradas no
ordenamento jurídico português, passíveis de adequação a essa situação de
incumprimento do dever e que façam cumprir, efetivamente, a finalidade para a qual os
diplomas relativos ao crédito foram criados.
Primeiramente, surge a hipótese de declaração de nulidade do contrato celebrado
em inobservância do dever de avaliação da solvalidade do consumidor. Como se é sabido,
porém, a fim de que um contrato seja considerado nulo, dois são os aspectos a serem
observados: a ausência de um elemento essencial e contemporâneo do negócio, que
prejudique a sua formação, ou a violação de uma norma legal imperativa.156
Por óbvio, o caráter imperativo de uma norma visa, primordialmente, a proteção
de interesses gerais, os quais, como é cediço, são fundamento para o regime e as
consequências mais graves da nulidade.157 Em uma primeira análise, então, poderia se
subentender que os arts. 10º e o art. 16º dos decretos sobre crédito ao consumo e crédito
à habitação, respectivamente, por serem normas imperativas, ensejariam, em caso de
descumprimento, a nulidade do contrato.
Contudo, como ensina Jorge Morais Carvalho, nos casos de normas com conteúdo
imperativo, manifesta-se fundamental que se diferencie as situações em que a violação à
lei se situa no âmbito do objeto do contrato daquelas em que o incumprimento diz respeito
a fatores circunstanciais do contrato.158 Isto porque, apenas no primeiro caso anunciado,
irá se determinar a nulidade do contrato.
Tendo isso em conta, o descumprimento do dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor não é ensejador da declaração de nulidade do negócio, uma vez que tal
incumprimento não encontra-se ao nível do objeto do contrato. Além disso, ainda
conforme as orientações do professor, pelo fato da lei prever uma outra solução legal, que
não a nulidade do negócio, e que, nesse caso, é a sanção contraordenacional, “pode-se
entender-se que não existe no regime jurídico um juízo suficientemente negativo sobre o
contrato celebrado a ponto de justificar a sua invalidade”.159
Em resumo, o dever de avaliar o risco do incumprimento do contrato não compõe
uma referência da natureza do contrato de crédito, constituindo-se, na verdade, em um
dever de conduta. Dessa maneira, não obstante a imperatividade dos preceitos retro

156 MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. (reim.), Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 625.
157 Ibidem, p. 620; CARVALHO, J. M., Crédito ao consumo..., op. cit., p. 323.
158 CARVALHO, J. M., Crédito ao consumo..., op. cit., 323.
159 CARVALHO, J. M., Crédito ao consumo..., op. cit., 323.

66
citados, o contrato não pode ser considerado nulo pelo o incumprimento de um dever de
conduta.
Ademais, ressalta-se que o regime de crédito dos contratos ao consumo (DL nº
133/2009) elenca, expressamente, as hipóteses de anulabilidade e nulidade do contrato de
crédito, nos nºs 1 e 3, do art. 13º do diploma. São exemplos: o desrespeito à forma exigida
para a celebração do contrato e a ausência de especificação do procedimento a ser adotado
para que o consumidor exerça o direito de livre revogação do contrato.160
Sendo, portanto, desconsideradas as possibilidades de alegação de nulidade e
anulabilidade do contrato, nos casos de descumprimento do dever em estudo, indaga-se a
possibilidade de caracterização do instituto do abuso de direito.161
Notório é que o Código Civil, por meio do art. 334º, qualifica como abusiva a
conduta do titular de um direito que aje de forma a exceder os limites impostos pela boa-
fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito.
Uma das formas de manifestação do abuso de direito é o venire contra factum
proprium, o qual contempla, como se sabe, a vedação do comportamento contraditório,
isto é, o desacordo entre duas condutas de um mesmo agente. Nas palavras de Menezes
Cordeiro, “Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma
pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém,
contrariado pelo segundo.”162
A proibição do vcfp, dessa forma, consiste na garantia de tutela da expectativa ou
da confiança legítima que a conduta da parte faltosa, tida como contraditória, acaba por
despertar na contraparte. No caso em análise, portanto, estamos a analisar a hipótese de
de argumento de que o mutuante, ao conceder crédito, sem realizar a avaliação de
solvabilidade do consumidor, ou, tendo realizado, não considerar o resultado negativo
obtido, assume um comportamento contraditório, quando exige do consumidor
endividado o adimplemento do contrato. Isto porque, supostamente, ao decidir conceder
o crédito, o mutuante cria no consumidor a expectativa de que ele possui condições de
arcar com as obrigações atinentes àquele contrato.
Apesar de reconhecemos a possibilidade de tal fundamentação, acreditamos que
consagrá-la como a melhor solução para o caso do incumprimento do dever de avaliação

160 No DL nº 74-A/2017 não há essa previsão expressa sobre os pressupostos de nulidade e anulabilidade
do negócio. Sendo assim, aplicam-se as normas concernentes aos contratos de mútuo bancário.
161 Sobre os pressupostos e a gênese do abuso de direito, V. CORDEIRO, António Menezes, Da boa fé no
Direito Civil, Coimbra: Almedina, 2017, p. 661 e ss.
162 Ibidem, p. 745.

67
do risco de incumprimento do contrato seria exagerado. Até mesmo porque, alguns
poderiam considerar a ocorrência de uma vulgarização do instituto do abuso do direito,
se admitida nestas circunstâncias.
Principalmente, pela dificuldade de se criar um vínculo objetivo de contrariedade
entre a primeira conduta do mutuante, a de incumprir o dever de avaliar a capacidade
financeira do consumidor, e a segunda, de exigência do pagamento.163 Isto porque, por
mais que se deduza que a concessão irresponsável do crédito pode levar ou agravar a
situação de sobreendividamento do consumidor, não se pode afirmar, como até mesmo
dito no início do trabalho, que a ausência do pagamento se deu, única e exclusivamente,
pela concessão do crédito. Ainda que o consumidor tenha o seu pedido de crédito aceito
e tenha criado uma expectativa de que tenha capacidade para adimplí-lo, não se tem tão
clarividente que tal confiança foi o que o levou a incumprir o contrato.
Ademais, de forma também contrária à utilização do instituto nesses casos,
poderia-se argumentar que, se assim fosse, o consumidor seria por demais protegido,
podendo gerar nestes, inclusive, um mal hábito de recurso ao abuso de direito, a fim de
se desobrigar do adimplimplemento do contrato. De forma oposta a esperada, portanto,
essa solução de embasamento no abuso de direito poderia gerar o efeito reverso: aumentar
o incumprimento dos contratos e aumentar o crédito malparado.
Nesso ponto, importante relembrar que o objetivo do dever em estudo é equilibrar
as relações de crédito, em promoção não só da concessão, mas também, da contração
responsável do crédito. Por isso, o mutuante não pode se responsabilizar por toda e
qualquer situação de sobre-endividamento, ainda que tenha sido incumprido o dever de
analisar o poder de reembolso do consumidor. Assim, o caso concreto sempre carecerá
de avaliação específica para a identificação das reais causas da situação de sobre-
endividamento do consumidor.
Ainda dentro do abuso de direito, poderia ser aventado, também, o dever do credor
de mitigar o seu póprio prejuízo. De acordo com a doutrina portuguesa, o duty to mitigate
the loss vem categorizado como mais uma modalidade de exercícios abusivos de direito.
De forma sumária, o dever, que tem origem no sistema da common law, tem como
principal fundamento o interesse social, estabelecendo que o credor não deve agir de
forma a majorar o prejuízo do devedor. Contudo, por mais que o mencionado dever tenha

163Como ensina o professor Menezes Cordeiro, “só se considera como venire contra factum proprium a
contradição direta entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento
do autor”. CORDEIRO, A. M., Da boa fé..., op.cit., p. 746.

68
ganhado grande expressividade dentro de outros ordenamento jurídicos, como o
brasileiro164, no que se refere às demandas relativas ao crédito, tem-se que, em Portugal,
a aplicação do dever ainda é restrita e limitada.
Nesse contexto, outro instituto jurídico, também fundado no princípio da boa-fé,
revela-se pertinente, a fim de enquadrar juridicamente aquele credor que ignora o dever
de avaliar a solvabilidade do consumidor, ou as consequências dele, qual seja: a
responsabilidade pré-contratual.165
Conforme é sabido, o Código Civil português prevê, no seu art. 227º, a culpa na
formação dos contratos, afirmando que aqueles que negoceiam devem, tanto nos
preliminares como na formação do contrato, agir conforme as regras da boa-fé, sob pena
de responder pelos eventuais danos que forem culposamente causados à contraparte.
Dentro da temática da culpa in contrahendo, a doutrina estabelece três espécies
de deveres acessórios concretizadores do princípio da boa-fé na formação dos contratos,
sendo eles: o dever de proteção, o dever de lealdade e o dever de informação.166
A respeito do tema que ora nos propomos examinar, o dever de proteção é aquele
que merece destaque, ao passo que determina que as partes devem evitar condutas
suscetíveis de causar danos à outra parte.167
Ocorre, contudo, que o reconhecimento deste dever de conduta nao é unânime na
doutrina portuguesa, sob o fundamento de alguns professores de que não há motivo para
a sua inserção, no direito português. Isto porque, assim como os demais deveres pré-
contratuais, o dever de proteção tem origem na Alemanha, porém, ao contrário do
ordenamento jurídico alemão, em Portugal, o lesado já possui a devida proteção, por meio
da responsabilidade extracontratual, estabelecida no art. 483º do Código Civil.168
Sobre a discussão, concordamos com o professor Menezes Cordeiro, quando ele
afirma a importância, ainda assim, do referido dever pré-contratual, com o intuito de criar
um reconhecimento de um dever específico de proteção, na esfera pré-negocial,

164 Sobre o tema no direito brasileiro, V. STRASSACAPA, Felipe; A obrigação do credor em mitigar seu
prejuízo: uma perspectiva brasileira, In: “Revista Jurídica Unicuritiba”, vol. 03, nº 44, 257-274, 2016 &
FARIA, G. d., LUCCA, M. d., & ABDO., N. D., Dever de mitigar o prejuízo e o superendividamento bancário,
Leme: JH Mizuno, 2020 & MARTINS-COSTA, Judith, A boa-fé no direito privado, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000; FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson; Contratos: Teoria Geral e Contratos
em Espécie, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
165 Para estudos aprofundados sobre o instituto da responsabilidade pré-contratual, por todos, V.
CORDEIRO, A. M., op.cit., pp. 527-657.
166 Tais deveres são oriundos da jurisprudência alemã e para maior detalhamento sobre o tema, V. ,
CORDEIRO, A. M., op.cit., pp. 546 e ss.
167 Ibidem, p. 583.
168 Cf. ALMEIDA, Carlos; Contratos I..., op.cit., p. 198.

69
possibilitando, assim, uma resolução mais eficaz nos casos de violação do mesmo. Não
obstante, reconhemos que a aplicabilidade prática dessa teoria é mínima.
Sendo assim, os casos jurisprudenciais, referentes aos contratos de crédito aos
consumidores, em que se tem vislumbrada a culpa na formação dos contratos são, na sua
grande e esmagadora maioria, decorrentes da violação do dever pré-contratual de
informação.169 Assim sendo, conclui-se que, por mais que, a nosso ver, o descumprimento
do dever de avaliar a solvabilidade do consumidor configure uma clara maneira de
violação a um específico dever pré-contratual de proteção, releva-se necessário admitir
que tal ideia, não tem, na realidade dos tribunais, sido tão debatida ou acolhida. O que se
verifica é que, para que, tratando-se de contrato de crédito aos consumidores, a culpa in
contrahendo seja reconhecida, ainda que por descumprimento do dever de analisar a
capacidade de reembolso do devedor, é necessário que, ao mesmo tempo, haja havido
uma violação também ao dever pré-contratual de informação. Dessa forma, este instituto
também não resolve, por completo, o nosso problema posto.
Tendo sido feitas todas essas considerações e verificando-se que os instrumentos
constantes do ordenamento jurídico português, apesar de existentes, são insuficientes à
devida responsabilização dos credores irresponsáveis, ousamos sugestionar ao legislador
português a alteração das suas normas relativas ao crédito, a fim de fazer constar uma
sanção específica para os casos de descumprimento do dever de avaliar a solvabilidade
do consumidor. Assim, acreditamos que o interesse geral será melhor protegido, a fim de
evitar o sobre-endividamento do consumidor, bem como a sanção será clara, expressa e
melhor adequada ao tipo de incumprimento em análise.
É importante ressaltar que, no art. 11º da Proposta de Directiva do Crédito ao
Consumo, na versão de 2002, a sanção prevista para os casos de incumprimento da
obrigação de conceder crédito de forma responsável era a possibilidade dos Estados-
Membros optarem pela perda de juros e despesas para o mutuante e a manutenção do
benefício de pagamento escalonado do montante total do crédito pelo consumidor.170
Todavia, tal sanção foi retirada da versão final da Diretiva referente ao Crédito ao
Consumo, que, como já informado, deixou aos Estados-Membros a responsabilidade de
definirem as sanção a a serem aplicadas, assim como a relativa ao crédito à habitação.

169 De forma exemplificativa, citamos os seguintes acórdãos: PORTUGAL. Tribunal da Relação de Lisboa.
Processo de Apelação nº 785/12.1TVLSB.L1-6. Relatora: Fátima Galante. Lisboa, 19 jun 2014; PORTUGAL.
Tribunal da Relação de Coimbra. Processo de apelação nº 41136/17.2YIPRT.C1. Relator: António Carvalho
Martins. Coimbra, 21 maio 2019.
170 GONÇALVES, A. S.; op.cit., pp. 132/133

70
Como exemplos que deveriam ser seguidos por Portugal, temos a Lei Federal
Suiça sobre o Crédito ao Consumo, que sanciona o mutuante que, de forma grave,
descumpre a obrigação de avaliar a solvabilidade do consumidor, com a perda do valor
do crédito, incluindo juros e taxas.171 Nesse regime jurídico, ainda, ao consumidor é
possibilitado o requerimento dos valores já pagos, com base na tese de enriquecimento
sem causa.
A lei belga tocante ao crédito ao consumo, a seu turno, prevê a possibilidade do
julgador, em caso de violação à obrigação de análise da capacidade de reembolso do
consumidor, determinar a isenção, total ou parcial, dos juros de mora ao consumidor,
além da possível redução do valor da prestação ao preço do bem ou serviço ou ao
montante emprestado.
Observa-se que, por meio de normas nesse sentido, se torna possível a garantia da
eficácia do dever pré-contratual em estudo, como uma medida de prevenção ao sobre-
endividamento. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que sanções como as expostas,
da lei suiça e belga, podem afetar o alcance do crédito, no sentido de dificultar o acesso
ao mesmo por toda e qualquer gama de consumidores, tendo em conta que, o custo do
crédito tendencialmente irá aumentar. Contudo, como se pretendeu demonstrar durante
todo esse trabalho, o sobre-endividamento é um fenômeno que merece ser adequadamente
contido e prevenido, o que faz com que a concessão e a, claro, a contração responsável
de crédito sejam essenciais. Para tanto, qualquer atitude que vá em direção oposta à ideia
de crédito responsável deve ser devidamente penalizada, por meio de sanção, destaca-se,
que seja, verdadeiramente, eficiente e capaz de despersuadir o praticante da conduta.172

171 Ibidem, p. 132


172 Com a mesma opinião, GONÇALVES, A.S., op.cit., p. 133 e CARVALHO, J. M.; Os contratos de
consumo..., op.cit., p. 374.

71
CONCLUSÃO

Ao longo desse trabalho, nos debruçamos sobre os contratos de crédito aos


consumidores, partindo da investigação do surgimento do crédito no âmbito bancário, da
análise da sua evolução e democratização aos consumidores, até o estudo das suas
particularidades, das suas consequências sociais e econômicas, e das medidas necessárias
para a atual garantia do crédito responsável. Durante todo o estudo, considerou-se o atual
panorama dos contratos de crédito e a relevância que eles assumiram, a partir,
principalmente, do século XX, tendo em conta a globalização, a intensificação das
transações de mercado e a massificação das relações. Considerando, então, toda a
exposição realizada, procuramos responder a todas as problemáticas postas no início e
durante o trabalho, as quais tentaremos agora sintetizar em poucos parágrafos.
Primeiramente, compreendeu-se que os contratos de crédito aos consumidores se
subdividem em crédito ao consumo, destinado à aquisição de bens móveis e serviços, e
em crédito à habitação, proposto para a aquisição de bens imóveis. Ademais, restou
esclarecido também que tais contratos tiveram sua aceitação mais demorada na Europa,
tendo seu início nos Estados Unidos. Contudo, o fortalecimento do mecado interno
europeu, demandou a regulamentação dos referidos contratos, destacando-se, nos
diplomas elaborados, a preocupação com o consumidor.
Atualmente, vigoram as Diretivas nº 2008/48/CE, referente ao crédito o consumo,
e a nº 2014/17/UE, relativa ao crédito à habitação. Apesar de suas particularidades foi
possível observar que os conceitos básicos, como de contrato de crédito e de consumidor,
constantes dos dois diplomas comunitários revelam-se bem semelhantes. Importante
ressaltar, todavia, que, primordialmente, por ter sido elaborada após a crise financeira
mundial, a Diretiva a respeito do crédito à habitação traz disposições mais completas e
rigorosas, a fim de assegurar uma maior proteção ao consumidor, bem como de fortalecer
a ideia do crédito responsável.
No direito interno, as referidas diretivas foram transpostas, sendo que a matéria
atinente ao crédito ao consumo encontra-se prevista no DL nº 133/2009 e a relativa ao
crédito habitação no DL nº 74-A/2017. Conforme se demonstrou, poucas são as alterações
feitas pelo legislador português naquilo que essencial às mencionadas diretivas, até
mesmo porque a Diretiva nº 2008/48/CE é de harmonização plena.
No que tange à noção de consumidor no âmbito bancário, verificou-se a dificuldade
de, dentro do ordenamento jurídico português, se encontrar um conceito unitário para o

72
consumidor, sendo necessário, em cada aplicação do termo, a análise do contexto
normativo em que ele está inserido. Quanto aos contratos de crédito aos consumidores,
constatou-se, ainda que por nós seja considerado ultrapassado, que apenas é considerado
consumidor a pessoa física, sendo excluídas as pessoas coletivas.
Sobre o processo de expansão do crédito, concluiu-se que, como principais
propulsores para a vulgarização do mesmo, é possível apontar a assunção da cultura do
consumo, na pós-modernidade, bem como a promoção do fácil acesso ao crédito e a
publicidade agressiva que passou a girar em torno dele.
Ainda sobre a popularização do crédito, evidenciou-se a face positiva do
empréstimo, ao possibilitar aos mais diversos segmentos da sociedade a aquisição ou
acesso aos mais variados tipos de produtos e serviços, que, sem ele, não seria viável.
Contudo, demonstrou-se que, ao mesmo tempo, o consumismo exarcebado e o
pensamento individualista das instituições de crédito, apenas focadas na obtenção de
lucro, em conjunto com a vulnerabilidade do consumidor, que, na grande maioria dos
casos dos contratos de crédito, desdobra-se na hipossuficiência do mesmo, revelam a face
negativa que o crédito é capaz de assumir nos âmbitos social e econômico, além de
confirmarem a necessidade de salvaguarda dos interesses dos consumidores.
O crédito, sendo assim, deixou de representar apenas uma oportunidade de melhora
do bem estar do consumidor. A sua vulgarização fez nascer um fenômeno capaz de gerar
graves consequências, qual seja, o sobre-endividamento. Apresentou-se, assim sendo, o
fenômeno, que, em resumo, representa o endividamento excessivo do consumidor, a
ponto de impedí-lo de cumprir com suas obrigações já vencidas ou prestes a vencer.
As repercussões deste fenômeno, como se demonstrou, são extremamente
expressivas, ocasionando problemas desde a ordem psicológica do consumidor até à
saúde financeira do Estado. E, por isso, provou-se a imprescindibilidade de criação de
métodos de tratamento do mesmo, mas, em especial, de prevenção dele.
Nessa senda, mais uma vez, foram os deveres pré-contratuais que ganharam
destaque. Restaram explicitados, durante o trabalho, os deveres pré-contratuais de
informação, assistência e publicidade, bem como a importância de cada um deles, para a
verdadeira compreensão do consumidor sobre os termos do contrato de crédito. Não
obstante, ficou evidenciado que, a nosso ver, a medida com a maior capacidade de garantir
a concessão responsável do crédito e, consequentemente, prevenir o sobre-
endividamento, foi a consolidação do dever de avaliar a solvabilidade do consumimdor.

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O referido dever impõe ao mutuante a obrigação de, antes de conceder o crédito,
examinar a capacidade de reembolso do consumidor, por meio das informações
fornecidas pelo próprio particular, bem como mediante a consulta de bases de dados de
responsabilidades de crédito. Consiste tal dever, destarte, na principal expressão do
princípio do crédito responsável.
Ao contrário do DL nº 133/2009, o DL nº 74-A/2017 previu, expressamente, que o
mutuante deveria se limitar a celebrar o contrato de crédito somente com aqueles
consumidores que obtiveram resultado positivo na avaliação de solvabilidade, isto é,
naqueles casos em que as condições do consumidor indicaram a sua capacidade de
cumprir com as obrigações atinentes ao contrato. A fim de encerrar quaisquer dúvidas
sobre essa determinação, no que tange ao âmbito de aplicação dela, tendo em vista o
silêncio da lei referente ao crédito ao consumo, o Banco de Portugal emitiu o Aviso
nº4/2017. Definiu-se, por meio do Aviso, que a instituição apenas deve conceder o
crédito, quando tenha uma avaliação que atesta a capacidade do consumidor. Dessa
forma, tounou-se inquestionável a sujeição da concessão do crédito a um resultado
positivo da avaliação de solvabilidade do consumidor. Sobre este tema, afastou-se a tese
de paternalismo exagerado. Concluiu-se que, muito mais do que a “simples” proteção do
consumidor, visa o legislador a proteção de um interesse social e geral, ao impor o dever
de avaliação da solvabilidade do consumidor e as suas consequências.
Por último, após estudados as formas de incumprimento da referida obrigação pré-
contratual, notou-se que a legislação não se preocupou em penalizar as condutas
violadoras do credor, como deveria. O que se observou é que a sanção contraordenacional
prevista em lei para o incuprimento do dever pré-contratual estudado revela-se
completamente insuficiente para desencorajar as instituições a realizarem tal conduta
violadora. E, apesar de estudadas algumas possíveis soluções jurídicas para que os
mutuantes, nesses casos, fossem adequadamente responsabilizados civilmente,
acreditamos que apenas uma alteração na legislação seria capaz de gerar tal efeito.
Isto posto, faz-se imperioso concluir que o dever de avaliar a solvabilidade do
consumidor inaugura, em tese, um enorme passo a caminho da garantia da concessão do
crédito responsável, com a consequente proteção do consumidor e prevenção ao sobre-
endividamento. No entanto, infelizmente, enquanto não houverem formas efetivas de
penalização civil do mutuante que incumpre o referido dever pré-contratual, tais objetivos
estarão longes de serem alcançados, prejudicando a eficiência prática do dever.

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