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OS OLHOS DO Chapeleiro1 estavam fechados, mas ele estava acordado. De fato, não
tinha dado uma piscadela no que parecia ser uma eternidade, mesmo que não pudesse ter
sido mais do que um mero quarto de eternidade que se passou. Ele ouviu o barulho da
fechadura e da porta da cela se abrir, pouco antes de uma grande mão o puxar rudemente
do beliche para o chão, onde o que parecia ser um pé de botas ligou-se às costelas. Seu
corpo instintivamente se curvou na posição fetal, como se só isso o protegesse, caso o
dono do pé decidisse fazer um espancamento completo, em vez de um único chute. A dor
passou por ele como um relâmpago, seus nervos gritando. Abrindo um olho, olhou para
o Guarda Vermelho que se aproximava e sentiu um pouco de alívio. Por uma vez, talvez,
a sorte estivesse, se não do seu lado, pelo menos não galopando completamente na direção
oposta.
Seu rápido vislumbre disse ao Chapeleiro que este guarda estava ficando um
pouco velho para administrar os espancamentos completos. Os espancamentos
apropriados exigiam uma grande quantidade de pisadas energéticas, assim como
vigorosas intimidações, chutes entusiasmados e xingamentos espirituosos. Havia um
molde decididamente rosado nesse guarda, como se ele tivesse passado muitos anos fora
patrulhando as fronteiras da Rainha, sua cor lentamente descorando sob o beijo brutal do
sol do País das Maravilhas2. Ele parecia cansado e desgastado, e o Chapeleiro notou uma
rachadura na armadura do joelho esquerdo. O Chapeleiro quase sorriu, decidindo-se
completamente, os espancamentos apropriados estavam bem além da capacidade desse
guarda. O Chapeleiro ficou imaginando o que acontecera com todos os guardas mais
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Hatter
2
Wonderland
jovens, mais robustos e mais carmesins que a rainha costumava enviar para administrar
os estragos reais.
Talvez tivessem, de alguma forma, caído em desgraça com a rainha. Agora, esse
era um pensamento adorável que o animou consideravelmente, apesar da dor nas costelas.
Ele se perguntou se as cabeças vermelhas dos outros guardas ainda estavam presas a seus
corpos vermelhos, ou enfeitando uma série de cavilhas decorando o gramado dos jogos
de croqué3 da Rainha.
Afinal de contas, nunca foi muito ofensivo para a Rainha chamar o Machado.
Seu temperamento era tão rápido que ele não ficaria surpreso se esse decadente velho
Guarda Vermelho fosse tudo o que ela tinha sob seu comando.
– Levante-se.
Outro chute, embora não tão poderoso quanto o primeiro, mandou o Chapeleiro
se levantar. Ele foi tão rápido, pelo menos, quanto a dor em suas costelas permitiria.
– Uma intimação correta e adequada? Oh céus. Isso não vai acontecer. De modo
nenhum. Olhe para mim! – Ele limpou inutilmente a imundície que se agarrava ao casaco
e às pernas da calça. Dois dedos saíram cobertos por uma teia de aranha particularmente
horrível cravejada de pequenos cadáveres de moscas. Ele fez uma careta e afastou-a. –
Eu não estou vestido para uma intimação adequada. Não, de fato. Você simplesmente
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deve voltar e pedir a Sua Majestade uma intimação correta e inapropriada. – Ele se sentou
na beira do beliche e cruzou as pernas. Puxou as luvas cinzentas sem dedos, um pouco
sujas e gastas, e socou a cartola sobre a cabeça. – Não se preocupe comigo. Vou esperar
aqui mesmo.
O Guarda Vermelho poderia estar desbotado, mas ainda era tão forte quanto
qualquer um que o Chapeleiro conhecia. Ele se perguntou, por um breve momento, se os
guardas eram escolhidos por sua força, ou se eram de alguma forma, infundidos com isso
quando aceitavam o trabalho. Ele não ficaria surpreso se fosse o último. Os médicos da
rainha tinham uma gama enorme de remédios medicinais à sua disposição.
Ele revirou os olhos. Maravilhoso. A própria pessoa esperando por ele era a
primeira pessoa que o queria morto, de preferência com uma batida sobre a cabeça e
pescoço com seu próprio condenável martelo de croqué e a primeira pessoa que desejava
vê-lo morto, sem dúvida, de uma forma muito desconfortável, provavelmente envolvendo
óleo quente e lanças. Ter a Rainha Vermelha esperando por ele fazia as coisas, oh, muito
divertidas.
Sua bengala bateu contra as lajes enquanto seguia ao longo das passagens
sinuosas do Castelo Vermelho. Ele na verdade não tinha problemas em andar; a bengala
era mais uma afetação, um acessório, não uma necessidade médica. Quando lhe era dada
a escolha, ele não ia a lugar nenhum sem ela. Era uma bengala bonita, como essas coisas
eram, esculpida em alguma madeira exótica dura e escura. Era tão retorcida e nodosa
quanto sua alma e senso de humor, e encimado por um diamante azul-cobalto do tamanho
de um ovo de ganso. Bastante impressionante, de fato. Bom para golpear também, o que
ele provou, quando de repente girou nos calcanhares e atingiu o Guarda Vermelho em
cima da cabeça com ela.
– Você aí! Chapeleiro! Pare! – Outro Guarda Vermelho, este, décadas mais
jovem e mais avermelhado do que a anterior, chamou de um pátio de jardim próximo. –
Agarrem-no!
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O Chapeleiro não precisou se virar para ver a dúzia de Guardas Vermelhos
aproximando-se rapidamente dele por trás - ele podia ouvi-los vagando pelo pátio, soando
como uma manada de elefantes em sapatilhas. Quando eles se apressaram e o prenderam
ao chão, eles pareciam como uma manada de elefantes também. Porcos, todos e cada um
deles. Eles realmente precisavam largar as tortas.
Passado o tempo suficiente – supôs que esperavam que, com o tempo e a pressão
de seu peso combinados o transformaria em um diamante e confiava que ficaram
completamente desapontados quando ele permaneceu descontroladamente carnudo – o
peso foi levantado e ele foi puxado para seus pés.
Suas costelas, doloridas devido aos primeiros chutes, doíam de novo, embora ele
se recusasse a deixar os guardas verem sua dor. O orgulho teimoso não era exatamente
uma virtude, mas estava próximo o suficiente para que ele contasse como tal,
especialmente porque tinha muito poucas autênticas. Ele roçou as lapelas, esperando que
sua indignação aparecesse tão bem quanto os hematomas que ele sabia estarem
florescendo em seu rosto. – Meu chapéu e bengala, por favor.
– Céus, sim. Essa bengala tem uma maldição muito cruel. Olha o que aconteceu
comigo desde que a tenho! Preso em uma festa de chá interminável, então trancado na
masmorra da Rainha por tanto tempo, esquecido e abandonado com espancamentos
duradouros em intervalos regulares, apenas para ser arrastado em sua presença para o que
eu só posso supor ser uma decapitação, e com pouca esperança em qualquer coisa, que
não seja o meu pescoço encontrando meu próprio machado. – Ele puxou a gola para
completar.
Aquele guarda imediatamente jogou para outro. – Eu não! Eu não quero ser
amaldiçoado!
O Chapeleiro assistiu a esse estranho jogo de batata quente por um tempo, mas
logo ficou entediado, pois parecia não haver esperança de um vencedor claro até que três
dos quatro Guardas Vermelhos morressem de velhice. Desde que ele realmente não queria
esperar tanto tempo, estendeu a mão e arrancou a bengala em pleno ar entre os
lançamentos. – Bem. Sendo a alma bondosa que sou, vou levar uma pela equipe, por
assim dizer.
– De fato. Tudo o que peço por este grande sacrifício é o retorno do meu chapéu.
Temo que meu cabelo fique frio sem isso.
Ele pegou a cartola, socando-a no alto da cabeça com um tapinha afetuoso. – Ah,
querida. Como eu senti sua falta!
– Perdoe-me, Sr. Chapeleiro, mas...
Eles se empurraram, formando uma linha reta, então começaram a marchar para
oeste, através do pátio em direção às portas abertas além dela.
No final, a coisa que ele mais amava era o que o entregara. – Lá está ele, nos
arbustos de hortênsias! Eu posso ver sua cartola espiando através das folhas!
Oh, por que, ele se perguntou pela centésima milésima vez, eu decidi me tornar
um Chapeleiro? Se eu tivesse ouvido meu pai e me tornado um peixeiro, isso nunca teria
acontecido. Um peixe nunca teria revelado a minha posição. Um peixe frio poderia ter
feito meus atacantes se sentirem desconfortáveis, e um peixe escorregadio poderia ter
facilitado minha fuga. De fato, um arenque, particularmente da variedade vermelha,
poderia ter levado meus perseguidores a uma direção falsa, mas nenhum peixe em que eu
possa pensar teria me exposto aos guardas.
Maldito por ter um toque de moda e um amor profundo e duradouro por todas as
coisas!
Ele fez outra tentativa desanimada de escapar, mas sua contorção só fez com que
os Guardas Vermelhos aumentassem o controle sobre ele. Eles o arrastaram pelo pátio e
pelas portas duplas do outro lado, o que levou a um longo corredor interno do castelo.
Para seu desalento, talvez mais do que sua captura, estava o conhecimento de que sua
bengala permanecera para trás, jogada na terra atrás dos arbustos, e os guardas,
convencidos de sua maldição, recusaram-se a voltar para ela.
O corredor era familiar para ele. Papel de parede de veludo vermelho cobria as
paredes, e um tapete grosso e carmesim listrava o chão de laje em linha reta, lembrando
ao Chapeleiro de uma língua longa e vermelha. Ele franziu o nariz, pensando - não pela
primeira vez - que andar naquele corredor em particular sempre fazia com que se sentisse
como um produto descartado passando pelo trato digestivo do castelo. Através dos dentes
e passando pelas gengivas...
Chapeleiro sabia onde o corredor terminava. Era o caminho que conduzia à sala
do trono. Ele também sabia o que havia em um pátio externo ao lado da sala do trono, e
foi isso que levou seus joelhos a virarem gelatina.
O bloco do carrasco - lar do Machado5.
Os ossos pareciam fugir de sua carne, e ele caiu nos braços de seus captores, a
cabeça caindo para frente enquanto seus dedos arrastavam sulcos no carpete vermelho.
Ele estava condenado.
Ele pensara que era uma bênção a princípio, quando ele, Arganaz e Coelho
Branco6 tinham conseguido literalmente irritar o Tempo7, e foram amaldiçoados a reviver
a mesma hora do chá repetidas vezes, particularmente quando ele descobriu que A Festa
do Chá, enquanto durasse, manteria o dom da juventude. Agora, ele achava simplesmente
um desperdício. Depois de todos esses anos passados na prisão, ele ainda parecia tão
jovem quanto era quando tomou seu primeiro gole de chá, mas que bem faria ele? Sua
cabeça, jovem ou não, ainda rolaria. Ele só esperava que a maldição da Imortalidade
desaparecesse quando sua cabeça deixasse seus ombros. Ele odiaria ser uma cabeça sem
corpo; talvez preso em uma lança na sala do trono, condenado a entreter convidados de
festas e servir como um porta-chapéus.
Chapeleiro conhecia aquele grito horrível. Isso sempre fazia com que quisesse
limpar seus ouvidos com atiçadores de ferro quentes. Havia apenas uma criatura no País
das Maravilhas que poderia fazer esse som.
A Rainha Vermelha.
Sem sair de seu lugar no chão, ele tocou os dedos na aba da cartola, inclinando-
a levemente. – Majestade. Você está parecendo tão atraente quanto antes. Seria pedir
demais para os cães reais levá-la de volta para onde quer que eles a tiraram?
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Axe
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Dormouse e White Rabbit
7
Time
Seu grito de indignação ecoou, tornando-o três vezes mais doloroso nos ouvidos.
– Chamem o Machado!
Uma nova voz interveio – felizmente para a cabeça do Chapeleiro – antes que o
Machado respondesse ao chamado da rainha. – Majestade, uma palavra, se eu puder?
Contra seu bom senso, o Chapeleiro inclinou a cabeça para poder ver o palco. A
rainha, redonda, verticalmente desfavorecida e com cabeça grande como qualquer de seus
antepassados, sentava-se no trono, os saltos de seus pés minúsculos tamborilando uma
irritante melodia contra as pernas da cadeira. Seu vestido de seda vermelha, enfeitado
com um tecido fofo de arminho tingido de vermelho, envolvia-a em ondulações e dobras,
deixando apenas a cabeça, as mãos e os pés expostos. Ela segurava um cetro de ouro em
sua mão, que era, o Chapeleiro pensou maliciosamente, não tão impressionante quanto
sua bengala agora perdida.
O rosto da rainha não era tão bonito quanto impressionante, da mesma forma que
uma cobra venenosa era atraente – interessante de se olhar, sim, mas muito melhor
quando visto à distância. Seu rosto era oval, os olhos de um tom curioso de amarelo que
se aprofundava em laranja quando seu temperamento explodia, o que era basicamente o
tempo todo. Empilhadas no alto da cabeça, havia mechas intrincadas de cabelos da cor
8
Cat
do sangue, presos no lugar por muitos alfinetes de cornalina 9. Um diadema de ouro
cravejado de rubi circundava a base de sua touca alta.
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tinha os maiores olhos verdes e os dentes mais brancos e afiados que Chapeleiro
conseguia se lembrar de ter visto em um felino. Ele abriu os membros em um longo e
preguiçoso alongamento, depois rolou de lado e deu um sorriso largo e cheio de dentes.
– Não deve ser muito apressada, Majestade. Sem cabeça, onde o chapéu do Chapeleiro
descansaria? Não seria bom ter um chapéu perdido rolando sobre o reino, querendo ou
não, tropeçando nas pessoas. As pessoas podem nos achar desalinhados.
Ela atirou-lhe um olhar fulminante. – Você nunca fala claramente? Talvez fosse
a sua cabeça que eu deveria mandar cortar.
O sorriso do Gato ficou mais largo quando seu corpo desapareceu, deixando
apenas a cabeça para trás. Era uma visão muito desconcertante, o que, é claro, era o
motivo pelo qual Chapeleiro suspeitava que o Gato fazia isso com tanta frequência. –
Receio que isso já tenha sido tentado, Majestade, e sem muito sucesso, se bem me lembro.
– O resto dele reapareceu tão gordo e peludo como sempre. – Pense por um momento,
sua mais alta vermelhidão. Sem a cabeça, ninguém saberia que ele é o Chapeleiro.
Acredito - e por favor, corrija-me se estiver errado - a figura agora no País das Maravilhas
busca o Chapeleiro, não apenas o Chapéu. Simplesmente não faria sentido enviar um
Chapeleiro sem cabeça para... nosso convidado.
O rosto da rainha ficou vermelho como as muralhas do castelo. Uma mão apertou
o braço de seu trono até que suas articulações estalaram. A outra mão apertou o cetro de
ouro que ela carregava com tanta força que deixou marcas de dedos embutidas no metal.
– Intruso! Intruso! Invasor! Não será permitido! Fora com a cabeça dele!
– Agora, Alteza, nós concordamos que a cabeça dele deve permanecer ligada ao
corpo até descobrirmos como ele chegou aqui e o que ele quer, não é?
– Majestade, nós acabamos de passar por isso. Temo que você não possa
decapitá-lo também. Ainda não, pelo menos.
O Chapeleiro fez uma careta. O Gato não poderia simplesmente deixar de
decapitá-lo? Era realmente necessário adicionar a parte “ainda não”?
A rainha saltou em seu trono. – Claro que posso! Eu sou a rainha. Posso fazer o
que quiser. Fora com a cabeça dele! Fora com sua cabeça! Fora com todas as suas
cabeças! – Os olhos dela se arregalaram tanto que o Chapeleiro temia que eles pudessem
sair de seu crânio e voar através da sala como um par de ervilhas jogadas por crianças
mal comportadas na mesa de jantar.
– É por isso que estamos enviando o Chapeleiro para nosso convidado, para atraí-
lo para interrogatório.
Ela tentou fazer uma barganha e apontou para o Chapeleiro. – Mas este está
pedindo por um bom corte. Talvez apenas um pequeno arranhão, então? Um corte em seu
pescoço com a lâmina? Apenas um arranhão. Ninguém vai notar. Ninguém vai se
importar. Vou me contentar com um barbear rente neste momento.
O Gato estalou a língua para ela. – Não, majestade, não agora. Você conhece as
regras. Fora ou não, nada ao meio.
– Ah bem… caramba. – Aquilo foi o mais próximo que a rainha chegou a um
palavrão. Ela poderia pedir decapitações suficientes para inundar o País das Maravilhas
com um oceano de sangue, mas ter uma palavra de quatro letras passando por seus lábios
era simplesmente muito para seu estomago digerir. Até mesmo o leve xingamento que
ela conseguiu fez com que os que estavam na sala do trono respirassem em choque,
incluindo o Gato e o Chapeleiro. – Então, ambas as cabeças vão rolar o mais rápido
possível!
– Sim, estamos falando sobre sua cabeça. Está ficando por agora. O porquê disso
é... é... – A Rainha franziu os lábios por um momento. – Gato, me diga de novo porque
devo manter a cabeça dele em seus ombros?
– O menino Alice pergunta por ele e, por sua vez, precisamos que ele nos traga
o visitante para interrogatório.
– Majestade, cubra suas orelhas. – O Gato esperou até que a Rainha terminasse
de lhe atirar sua mais sombria e feroz carranca, e bateu as palmas das mãos contra as
orelhas novamente. Ela começou a cantarolar uma música que poderia ser cativante se
não tivesse sido tão terrivelmente desafinada. O Gato virou-se para Chapeleiro. – Nós
não sabemos o seu nome verdadeiro ainda. Ele é, como nossa patrulha de reconhecimento
nos diz, o irmão de Alice, e é por isso que nos referimos a ele como “Garoto Alice”.
O Gato assentiu. – Você conhece alguém mais com esse nome no País das
Maravilhas?
– Bem, parece que ela tem, e agora ele está aqui, e perguntando por você.
– Eu? Por que eu? – O Chapeleiro franziu a testa, seus dedos se preocupando
com um dos grandes botões roxos em seu colete de brocado ligeiramente gasto e
ligeiramente brilhante. – Eu não o conheço. Nunca conheci o sujeito. Mal conhecia sua
irmã quando ela estava aqui. Tudo parece um pouco à frente, não acha?
– Ah, essa é a questão, não é? Nós não sabemos por que ele está aqui ou por que
está perguntando por você. Ele se recusa a responder a qualquer pergunta. Nem mesmo
da Largarta10, e você sabe, a Pillar tem maneiras de fazer as pessoas falarem.
Ele olhou para o Gato esperando por respostas. – Então, nós não temos a menor
ideia do nome dele, porque está aqui, ou o que quer comigo?
– Não. – O Gato gesticulou em direção à rainha. – Majestade acha que ele quer
a mesma coisa que ela achava que Alice queria, principalmente derrubar seu regime. Se
você se lembra, pouco antes de deixar o País das Maravilhas, Alice foi a Rainha... por um
curto período de tempo.
Ele olhou para a rainha novamente. Se ela ficasse mais irritada, o Chapeleiro
estava preocupado que sua cabeça pudesse explodir. Não que isso fosse necessariamente
uma coisa ruim, pensou o Chapeleiro, mas ela faria uma bagunça horrível, e estou na
zona de respingo. Ele era mais esperto do que dar voz a esse pensamento em particular,
10
Pillar.
e sabiamente manteve dentro de sua cabeça onde pertencia. – O que Sua Majestade deseja
que eu faça?
Ela suspirou pesadamente. – Encontre o Garoto Alice e traga-o aqui para que
possamos fazer perguntas a ele. – Ela arqueou uma sobrancelha e curvou os lábios em um
sorriso malicioso. – E depois corte a cabeça dele!
Ela mostrou os dentes. – E eu lhe concederei um perdão total por seus crimes.
A rainha recompensou-o com outra batida de seu cetro. – Então por que você
ainda está aqui?
HENRY FICOU de pé, esfregando a cabeça. Doía, não como se tivesse batido
nele, mas como se estivesse doente, embora, pelo seu conhecimento melhor, ele não
estivesse. Ele olhou para a luz do sol brilhando para ele, mas rapidamente desviou os
olhos antes da intensidade queimar suas córneas. Quando o sol nasceu e onde ele esteve
enquanto estava subindo? A última coisa de que ele se lembrava é que era noite, e ele
estava se sentindo bem.
Onde ele esteve? Ele tentou pensar, lutando através das teias de aranha em sua
mente que obscureciam suas memórias. Ah sim. Ele estava começando a lembrar, embora
tudo ainda estivesse nebuloso. Houve uma festa. Foi um jantar, oferecido por sua irmã,
Alice, não foi? Ele franziu a testa, tentando lembrar mais.
Havia pizza, ele lembrava claramente disso, mas queijo e calabresa não
causariam perda de memória, causaria? Nunca o fez antes.
Não houve uma discussão? Bem, claro que houve. Isso pode não ser uma
lembrança tanto quanto um bom palpite. Ele e Alice sempre brigavam. Na verdade, era
uma ocasião rara quando eles não trocavam farpas. Às vezes punhos voavam. E, em uma
ocasião memorável, enviaram meia dúzia de finos pratos de porcelana zunindo na cabeça
um do outro.
Este não tinha sido apenas a velha briga de irmão/irmã, no entanto, tinha? Não,
tinha sido uma briga, a mesma que eles tinham desde que eram crianças, de uma forma
ou de outra. Ela insistia que tinha caído em uma toca de coelho e, mais tarde, atravessou
um espelho para um mundo fabulosamente confuso chamado “País das Maravilhas”.
Ele insistia que a mãe deve ter repetidamente a deixado cair de cabeça quando
criança, e se ela continuasse insistindo que coelhos usavam coletes e arganazes davam
festas do chá, ele só precisaria falar com o marido de Alice, Phillip, sobre arranjar umas
boas e longas férias para ela no asilo de loucos local. Talvez algumas centenas de volts
de eletricidade entre suas orelhas fossem suficientes para espalhar seu cérebro.
Honestamente, ele não podia esperar por junho, quando finalmente alcançaria
dois de seus objetivos de vida dentro de dias um do outro - seu décimo oitavo aniversário
e sua formatura do ensino médio. A combinação o libertaria, e ele planejava deixar a casa
de seus pais, sua irmã e seu passado compartilhado em sua poeira, enquanto se
aproximava de um futuro livre de contos lunáticos de coelhos que usavam relógios de
bolso e Rainhas Vermelhas.
Um futuro onde ele estaria livre para ser ele mesmo, onde não haveria
esconderijo, sem abaixar a cabeça, sem fingir que não ouvia os sussurros e insultos sobre
sua irmã maluca, e nenhum remorso por deixar tudo para trás.
Mesmo que ela realmente acreditasse em suas mentiras audaciosas, ele sentiu de
todo o coração, seus desaparecimentos e sua recusa em dizer a verdade, o que tinha levado
o pai deles para a bebida, e a mãe deles para uma sepultura prematura.
Hoje em dia, seu pai raramente saía de sua suíte, permanecendo em um estado
de entorpecer inebriado. Ele não se importava se a casa pegasse fogo desde que sua bebida
fosse entregue. Henry duvidava de ter visto seu pai mais de meia dúzia de vezes no ano
anterior. Ouvi-lo, sim. As tiradas bêbadas do pai eram praticamente lendárias. Mas ver?
Não, quase nunca. Era igualmente bom - papai era um bêbado malvado que costumava
deixar seus punhos falarem por ele. Outra razão pela qual Henry contava os minutos até
que pudesse sair de casa para sempre.
Henry colocou a culpa pela condição de seu pai diretamente nos delicados
pezinhos de Alice. Para Henry, o pai deles era um gigante inacessível que sempre
governou sua casa com uma vontade de ferro inflexível e inabalável. Certamente ele
nunca teria afundado tão baixo se não fosse pelo peso das mentiras ridículas de Alice
puxando-o para baixo.
Depois havia o tio Leonard, o irmão da mãe, que chegara há vários anos, logo
após a morte da mãe, e não saíra desde então. Tio Leonard era gentil o suficiente, Henry
supôs, mas até ele acreditava nos contos de Alice. Essa era a extensão da família de Henry,
e ninguém, nem uma única alma na casa, ficou do lado dele contra Alice.
Henry não só não conseguiu acreditar no absurdo de Alice, como também nunca
conseguiu perdoar Alice. Houve muitas vezes em que ele mal conseguiu permanecer na
mesma sala que ela. Se ela pedisse desculpas, contasse a verdade sobre o País das
Maravilhas, admitisse que era um sonho ou uma invenção e contasse o que realmente
havia acontecido com ela, então talvez. No entanto, contanto que ela insistisse que suas
mentiras eram a verdade, ele não queria fazer parte dela. Na verdade, ele só concordou
em participar da festa porque o marido de Alice, Phillip, convidou. Phillip era um sujeito
bastante simpático e Henry sempre gostara dele. Afinal, não era culpa de Phillip que Alice
fosse maluca.
Ontem à noite seu sorriso parecia genuíno, e ele pegou a bebida da mão dela.
Agora parecia que ele deveria ter escutado seus instintos. O que ela colocou nela? Parecia
um ponche e cheirava a ponche, mas definitivamente não tinha gosto de ponche.
Lembrou-se de um gosto complicado enchendo sua boca, o sabor lembrando-o de
caramelo, pudim de figo, fígado, cebola, e repolho tudo misturado em uma combinação
singularmente horrível. Antes que ele pudesse reclamar, porém, o gosto foi rapidamente
seguido por uma sensação de que o mundo estava mudando de eixo, e então... nada.
Nada, isto é, até que ele acordou em uma cama macia de musgo, com picos de
dor em sua cabeça e o gosto de pés sujos em sua boca. Cuspiu no chão e enxugou os
lábios com as costas da mão - por tudo de bom que isso fez. O gosto se agarrava a sua
língua como uma criança assustada às saias da mãe.
Um olhar superficial ao redor lhe disse que estava em um jardim, mas ele não
tinha a menor noção de a quem o jardim pertencia ou onde estava localizado. Nada parecia
nem um pouco familiar para ele. Não era o lindo e cuidadoso jardim de rosas na casa de
seus pais, onde ainda morava, nem o canteiro de margaridas e miosótis mais distante do
quintal de Alice. Também não era um jardim em qualquer parque que ele frequentasse,
nem pertencia a nenhum dos seus amigos e conhecidos. Ele nunca tinha visto isso no
terreno da escola, ou em qualquer lugar da cidade. Ninguém que ele conhecesse teria um
jardim como este, ligado às suas casas. Era muito estranho, muito estranho, muito...
muito.
Por um lado, a flora aqui era ridícula. Cada planta era escandalosamente enorme,
ostentando flores enormes e pesadas, flores com cheiro adocicado e brilhantemente
coloridas, e grossas hastes de vegetação que pairavam bem acima de sua cabeça. Elas
formavam uma área retangular grande e aparentemente impenetrável de folhagem, e ele
teve que esticar o pescoço para ver o topo. Espinhos do tamanho de baionetas impediam-
no de subir ou empurrar as paredes florais.
Por outro lado, havia uma grande criatura parecida com uma lagarta nas
proximidades de um enorme cogumelo. O inseto tinha o tamanho de um pequeno pônei
e estava coberto com um pelo azul brilhante e pontudo, manchado de amarelo pálido.
Pior, estava fumando de um enorme cachimbo de narguilé roxo. Um caracol de fumaça
azulada preguiçosa se enrolava em torno de sua cabeça, e um cheiro doce e picante
pairava pesado no ar, fazendo Henry se sentir um pouco tonto.
– Garoto Alice, estamos entediados. Talvez você nos divirta. Diga-nos... por que
você é?
Ótimo. Ele estava ouvindo coisas, assim como as vendo e cheirando. Garotos de
dezessete anos poderiam ter derrames? Talvez ele teve um desses. Ele colocou um dedo
na garganta, sentindo o pulso. Estava forte e estável, e não dava nenhuma explicação do
motivo pelo qual ele estava delirante.
A lagarta respondeu ao seu silêncio, soprando uma série de anéis de fumaça em
sua direção.
Henry tossiu, acenou com a mão na frente do rosto em um esforço inútil para
afastar o ar esfumaçado e tentou não inalar. – Porque eu sou…?
– O que?
– Tão burro quanto sua irmã, nos atrevemos a dizer. Perguntamos por que você
é e você responde que é o que é. – A lagarta deu uma tragada funda em seu cachimbo.
Depois de um momento ou dois, ela soltou outro longo fluxo de fumaça que envolveu a
cabeça e o pescoço de Henry como um laço de carrasco. – Por que devemos nos importar
com o que você é? Você é você e nós somos nós. Nosso único interesse é por que você é.
Henry tossiu novamente. – Por que estou tendo essa conversa? Você não é real.
As lagartas não crescem até o tamanho dos móveis de jardim, e mesmo se o fazem, não
falam, e definitivamente não fumam. Você é uma alucinação. – Ele gesticulou ao redor
dele, batendo em uma margarida do tamanho de um pneu de caminhão. – Eu tive algum
tipo de ruptura psicótica. Tudo isso faz parte de uma ilusão, provavelmente provocada
por qualquer coisa que Alice me fez beber ontem à noite. Ela me envenenou, a pequena
idiota!
– Quem? – Ele balançou a cabeça. – Deixa pra lá. Não importa. Eu preciso ir
para casa.
– E onde é isso, Garoto Alice? – A lagarta fez um giro com seu cachimbo. – Em
que direção você deveria ir?
– Casa é… é… bem, eu não sei exatamente o caminho. Eu não sei onde estou.
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Twit, no original.
– Novamente, a resposta é óbvia. Estamos aqui, com você. – A lagarta inalou de
novo, depois soltou outro grosso fluxo de fumaça azul. – Realmente, você deve prestar
mais atenção à conversa.
Aquele nome ampliou os olhos da lagarta. Ele se inclinou, apontando para Henry
com seu cachimbo de narguilé, cortando Henry. – O Chapeleiro, você diz? Por que ele?
– Eu não sei por que. Eu nem sei se existe tal pessoa, ou como ele poderia me
ajudar.
– Eu o que?
– Existe.
Henry enfiou os dedos pelos cabelos, puxando com força o suficiente para trazer
lágrimas aos olhos, quase ao final de sua sagacidade com a criatura irritante. Ou
alucinação. Ou seja, lá o que diabos isso fosse. – Claro que eu existo! Estou bem aqui.
– Talvez você seja uma invenção da nossa imaginação. – A lagarta soprou uma
fita especialmente espessa de fumaça em Henry. – Não seria a primeira vez que
conversamos com nós mesmos. Nós gostamos bastante, na verdade. Somos bem
espirituosos, sabe.
– Você é louco!
Henry cerrou os dentes, tentando manter seu nível de voz e seu temperamento
sob controle. Ele quase conseguiu. – Foda-se o Chapeleiro!
– Por favor. Nós poderíamos nos importar menos sobre com quem o Chapeleiro
escolhe dormir com ou não. Nós poderíamos acrescentar, nem deveria importar a
ninguém.
Ele franziu a testa e balançou a cabeça, depois deu as costas para a lagarta.
Depois de um momento ou dois, ele se iluminou. – Talvez eu ainda esteja inconsciente,
e tudo isso seja um sonho. Talvez o que quer que Alice tenha me dado tenha me derrubado
e eu ainda esteja dormindo. – O humor dele se deteriorou rapidamente em medo. – Por
outro lado, talvez eu esteja morto, e isso seja o inferno. Não pode ser o paraíso, porque
duvido que lagartas irritantes e gigantes sejam permitidas ali, drogadas ou não. Eu não
me sinto morto, entretanto, não com essa dor de cabeça tão forte. – Ele começou a
massagear suas têmporas. – Embora se estou no inferno, é lógico que eu seria condenado
a suportar todo tipo de sofrimento. Ambas: as dores na cabeça, – ele olhou de volta para
a lagarta. – E a dor de aguentar pessoas chatas.
Ele abaixou as mãos, determinado a ignorar a dor. Focando sua atenção, ele
andou de um lado para o outro na área retangular do jardim, procurando por buracos na
folhagem espessa o suficiente para se espremer sem ser furado pelos espinhos, mas não
encontrou nenhum. Ele não podia escalar pela mesma razão. Escavar não era uma opção,
não sem uma pá. Finalmente, em desespero, ele se voltou para a lagarta. – Como faço
para sair daqui?
– Você não parece que pode fazer muita coisa. Essa não foi a nossa pergunta.
Estamos bem conscientes de que as aparências enganam, por isso perguntamos se você
pode ou não voar.
– Não. Vai doer. – Henry deu um passo para longe da parede de vegetação e
espinhos, só para estar seguro.
– Talvez a dor não seja tão terrível quanto você teme que seja.
– E talvez seja pior. Você já viu o tamanho desses espinhos? Tem que haver
outro jeito!
Henry ficou boquiaberto com a lagarta. – O Jagua quem? Eu nunca ouvi falar de
um pássaro Jubijubi e 'frumioso' não é nem uma palavra. Você quer saber o que penso?
Eu acho que a erva fedorenta que está fumando apodreceu seu cérebro. Ou isso ou aquilo,
tudo ainda é uma alucinação, uma que é atribuída ao absurdo total.
A lagarta guinchou um som fino, frágil e desesperado. – Não! O que você está
fazendo? Oh, seu garoto mal. Você é um menino terrível! Devolva para nós! Devolva!
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Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!
– Absolutamente. Assim que você me disser como sair deste jardim! Tem que
haver um caminho. Você entrou. Eu entrei. A lógica diz que, se há uma entrada, deve
haver uma saída. – Ele balançou o cano, provocando a lagarta.
– Agora você está entendendo. Talvez haja esperança para você depois de tudo.
Nós te contamos o segredo, garoto! Devolva-nos agora!
– Você não me disse nada além de bobagem! Como faço para sair daqui?
–Isso! Isso! – A lagarta bateu no cogumelo com mais força. – Isso permitirá que
você entre.
O lábio de Henry se curvou quando olhou para o fungo gigante no qual eles
estavam. – Você quer dizer que eu tenho que comer um pouco dessa porcaria? Eu odeio
cogumelos.
– Bem. Então fique. É escolha sua. Agora respondemos sua pergunta. Dá-nos o
nosso cachimbo! – A lagarta aproximou-se de Henry, todas as dezesseis mãos fazendo
movimentos de agarre para o cano, o rosto dela contorcido num grunhido.
– Bem! Mas se comer não funcionar ou me deixar doente, eu vou voltar aqui e
enfiar esse narguilé na sua bunda! – Ele não sabia se a lagarta realmente tinha uma bunda,
ou se tinha, onde estava localizada, mas parecia uma boa ameaça para Henry de qualquer
maneira. Ele jogou o cano na lagarta.
– Tão estúpido quanto sua irmã! – A lagarta rosnou atrás dele. – Chato, irritante
e bravo! Saia do nosso cogumelo e saia da nossa Toca!
Ainda assim, o Chapeleiro pensou, acho que é melhor do que andar. Por mais
desconfortável que o passeio fosse, eliminou pelo menos um dia e meio de meu tempo de
viagem. Também provavelmente eliminou um centímetro inteiro de minha altura
comprimindo minha espinha, mas a pessoa não pode ter tudo.
Os aldeões que atiravam pedras estavam a par da rota. Ele teria ficado mais
chocado se eles não tivessem aparecido e jogado pedras em seu transporte. Afinal de
contas, ele estava andando na carruagem real ridiculamente vermelha, uma
monstruosidade ostensiva e pretensiosa sobre rodas, se é que havia uma, um veículo que
praticamente gritava: – Aqui vem a Rainha Vermelha, a Causa de Todas as Suas Aflições.
– Os aldeões não lhe tinham nenhuma queixa pessoal - eles esperavam que a Soberana
estivesse dentro, não o Chapeleiro. Os aldeãos simplesmente pensaram que tinham uma
chance de acertarem a Rainha diretamente em sua cabeça carmesim com um de seus
mísseis rochosos. Eles ficariam muito desapontados ao descobrir que nunca tiveram uma
chance, já que a Rainha estava em segurança abrigada em sua sala do trono no castelo. O
Chapeleiro não queria ser o único a desiludi-los, e emitia um som alto, gritos estridentes
de vez em quando apenas para ouvir a onda de gritos que inevitavelmente o seguiam.
13
Bandersnatch
e lentamente. O Chapeleiro desejou ardentemente que o que quase lhe deu uma mordida
já estivesse temperado e assado em fogo baixo. A coisa feia poderia ter conseguido encher
a boca do Chapeleiro, se um dos pés não tivesse sido atingido por uma raiz que a lançou
em um pântano próximo. Ele esperava fervorosamente que um crocodilo maltratado que
morasse naquele pântano, achasse que o Capturandam faria uma refeição excelente e
saborosa. A aversão do Chapeleiro por Capturandams não conhecia limites.
A Toca da Lagarta, conhecido por todos que viviam no País das Maravilhas
como um lugar para evitar entrar a qualquer custo, era também um dos locais menos
favoritos do Chapeleiro. Não porque fosse tão difícil escapar como uma armadilha de
dedo chinesa - afinal, ele era uma das poucas pessoas a par do segredo de escapar dela -
mas por causa de seu dono tagarela.
A lagarta, com suas perguntas absurdas, induzidas por drogas e seu hábito de
sempre se referir a si mesma à maneira plural ‘nós’, era o suficiente para fazer com que
qualquer um que entrasse em sua Toca se empalasse em um dos espinhos gigantescos,
melhor do que permanecer em sua companhia, o Chapeleiro incluído.
Ainda assim, ele não tinha escolha se queria encontrar o Menino Alice, ou
qualquer que fosse o nome verdadeiro do sujeito, e, ao fazê-lo, esperançosamente
eliminaria seu próprio encontro com o Machado. Para não mencionar alimentar sua
própria curiosidade, que era, às vezes, mais uma fera voraz do que a mais frívola
Bandersnatch, e provavelmente ainda mais provável que fosse o meio de sua morte. Ele
suspirou e estendeu a mão para puxar gentilmente o cordão de veludo roxo.
De algum lugar no fundo das paredes verdes, um delicado sino musical soou.
Parecia uma gargalhada de cristal, tão delicada, frágil e doce que quase dava uma dor de
dente ao Chapeleiro ao ouvi-la.
A risada molhada da Lagarta fez o Chapeleiro trincar os dentes. – Ora, ora. Nós
temos regras, como você está bem ciente. Nós fazemos as perguntas.
– Vamos lá, Lagarta. Não seja um idiota. Apenas responda a pergunta para que
eu possa continuar com a minha vida, e você possa continuar com... er, seja lá o que for
que está fazendo aí além de chupar esse maldito narguilé.
Chapeleiro rangeu os dentes com força suficiente para machucar sua mandíbula.
– Bem. Qual é a sua pergunta?
O som de Caterpillar limpando sua garganta flutuou através das folhas. Parecia
que ele estava gargarejando vidro. – O que é frio às vezes e quente em outras, e vermelho
para todos, apesar de alguns Vermelhos acharem que eles são azuis?
Deuses, como eu odeio esses jogos estúpidos! Ele pensou por um momento,
depois suspirou. Era tão óbvio! A Lagarta deve estar perdendo seu toque. Ele costumava
inventar enigmas que realmente testavam o intelecto.
– Não, não! Não há vezes. Nós fazemos as perguntas, não você. Você conhece
as regras, Chapeleiro!
– Lagarta...
– Vamos dormir. Não deve ser uma soneca longa... apenas três ou quatro dias.
A voz da Lagarta estava cheia de presunção. – Muito bem. Outro enigma, então.
Nós vemos longe, vemos perto, temos espíritos, contamos horas. O que nós somos?
Ele teve pouco prazer no gemido frustrado de Caterpillar. Ele simplesmente não
tinha tempo para mais tolices. Havia, percebeu, uma maneira de obter respostas sem
entrar na Toca. Era um truque sujo e um pouco dissimulado, mas ele estava desesperado.
Ele enfiou a mão no bolso, afundando até o cotovelo, procurando um objeto em particular.
Um sorriso iluminou seu rosto enquanto seus dedos se fechavam em volta e o retiravam.
– Você sabe o que estou segurando agora, Lagarta?
– Oh, eu diria que você vai querer a resposta para esta aqui, Lagarta. Está tudo
bem. Eu não vou te forçar a jogar. Eu vou te dar a resposta. É um palito de fósforo. Um
adorável palito de madeira com ponta vermelha. Um golpe contra a sola do meu sapato e
vou queimar sua preciosa Toca até o chão.
– Minto? Você deveria me conhecer melhor que isso. Posso estar louco e, de vez
em quando, posso fazer a verdade parecer uma rua tortuosa em uma cidade retorcida, mas
não sou mentiroso. – O Chapeleiro levantou um pé e raspou o fósforo sobre a sola do
sapato. Uma pequena chama irrompeu em vida, piscando no final do bastão de madeira.
Ele segurou-a em direção à parede de vegetação e suavemente soprou a fumaça subindo
da chama, observando a fina serpente entre as folhas na Toca. – Cheira isso? Isso é
simples fumaça, meu amigo, mas como eles dizem, onde a fumaça está, o fogo não pode
estar muito atrás.
Bem, claro que ele foi. A única outra direção era para cima e, a menos que o
Menino Alice mantivesse um canhão no bolso com o qual pudesse se atirar na estratosfera
superior, sua única opção seria descer. – E então, para onde?
– Nós não sabemos. Nós não assistimos. Nós não nos importamos.
Comer o fungo não era o único recurso da Lagarta. Havia uma maneira muito
mais fácil e segura de deixar a Toca - através de uma porta secreta na folhagem que apenas
a Lagarta, o Chapeleiro e alguns outros conheciam. Fazer o Menino Alice comer o
cogumelo era uma indicação de quanto a Lagarta não gostava dele.
– Você apagou a chama, Chapeleiro? Por favor, Chapeleiro?
O Chapeleiro suspirou. Por mais que a Lagarta fosse irritante, ele era em essência
uma criatura simples e inofensiva, que cuidava de seus próprios negócios, a menos que
você cometesse o erro de invadir sua Toca, ou o deixasse convencê-lo a compartilhar de
seu cachimbo. Seus enigmas eram incômodos, mas benignos. Ele também não fizera
nenhum mal ao Chapeleiro dessa vez e respondera à sua pergunta. Só porque o Chapeleiro
não estava feliz com a resposta, não significava que a Toca da Lagarta deveria queimar.
– Sim, está apagado. Você está seguro.
É claro que o rei poderia estar vivo, ponderou Chapeleiro, não pela primeira vez.
Fingir a própria morte seria uma maneira brilhante de escapar da vida com a rainha.
De qualquer forma, foi por isso que a Rainha proibiu a Lagarta de alimentar
qualquer outra pessoa com seu cogumelo. Se ela descobrisse que o Menino Alice comeu
um pouco, ela teria a cabeça da Lagarta. Embora o Chapeleiro não nutrisse nenhum
carinho especial pela Lagarta, ele não gostava mais da rainha. Não haveria mais cabeças
para ela, não se ele pudesse ajudar.
– Entre, Chapeleiro.
Ele se sentou e se espreguiçou, sentindo sua espinha estalar como milho no fogo.
Parecia que ele estava procurando por dias, mas uma olhada em seu relógio de bolso
mostrou que menos de uma hora tinha passado. Por que o Tempo diminuía ou acelerava
adversamente para o que quisesse? Se ele queria que o Tempo passasse rapidamente, o
relógio arrastava as mãos em volta do rosto com a velocidade de um caracol morto.
Quando ele queria que o Tempo diminuísse, acelerava, passando por ele em um borrão.
O Tempo, ele decidiu, tinha uma natureza decididamente contrária, e ainda carregava
rancor contra o Chapeleiro de todo o desastre da Festa do Chá.
– Garoto Alice! Isso seria muito mais fácil se você apenas aparecesse! – Seu
olhar aguçado examinou a área gramada ao pé do cogumelo gigante, então lentamente se
dirigiu para a imensa parede verde. A área dentro da Toca não era tão grande, talvez um
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Nota de tradução (Sekhmet) - Intraduzível. No original, formiga = ants, então seriam: Elif ants (elefantes),
gi ants (gigantes), pique ants (picantes), Ascend ants e descend (sobem e descem), e a clairvoy ant
(clarividente).
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bottlecaps, snowcaps, hubcaps, e nightcaps. Jewelweed, hawkweed, carpetweed, e fireweed.
mero quarto do tamanho do salão de baile da Rainha, mas se ele tivesse que vasculhar
tudo em suas mãos e joelhos, ele provavelmente seria um velho barbudo no momento em
que terminasse. Ou pelo menos teria as mãos e joelhos extremamente doloridos.
Ele poderia alegar que o Menino Alice estava morto. Marche até a rainha e diga
a ela que a Lagarta o comeu. Ou fumou, o que pode ser mais crível.
Nesse ponto, ela faria uma das duas coisas: pediria a cabeça da Lagarta, ou
entraria em uma raiva profunda por perder a chance de matar ela própria o Menino Alice,
e cortaria a cabeça do Chapeleiro como um substituto inferior.
Ele abaixou-se para que seu nariz praticamente tocasse a terra, procurando no
chão por qualquer sinal do Menino Alice. Por fim, depois de ter procurado uma área tão
ampla quanto o Menino Alice poderia ter coberto nas poucas horas desde que comera o
cogumelo e encolhera, ele viu um par de pequenas pegadas pequenininhas em um monte
de sujeira macia.
Ele olhou em volta novamente, pisando cautelosamente para que não esmagasse
inadvertidamente a Colina das Formigas e o Menino Alice com ela. Ali, a cerca de trinta
centímetros, parecia o provável culpado. Um formigueiro subia como uma espinha da
terra preta.
Embora nenhuma opção fosse particularmente atraente, ele admitiu que poderia
ter pelo menos uma chance minúscula de sobreviver se escolhesse o segundo.
Revirando os olhos para o céu e proferindo uma oração meio lembrada de sua
infância, Chapeleiro voltou-se para o cogumelo da Lagarta e se preparou para ficar
pequeno.
CAPÍTULO QUATRO
Levou um bom tempo para concluir que, ao contrário do que ele pensava
originalmente, as folhas e flores das plantas que envolviam o grande cogumelo da lagarta
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não tinham crescido até tamanhos gigantescos, mas em vez disso, ele havia encolhido até
o tamanho de um grande ácaro de poeira.
Esta não foi uma conclusão a que ele chegou facilmente. De fato, um argumento
internalizado sobre o assunto guerreou dentro dele por um tempo. Nenhum homem, muito
menos Henry, iria querer admitir que ele era pequeno, iria? Pequeno, fraco, franzino,
frágil e indefeso... pelo menos, é isso que o pai de Henry diria. O que seu pai, que mal
podia suportar Henry agora, pensaria dele se Henry tivesse encolhido?
Não, ele não acreditaria. Nunca. Ele não ficou menor. Até onde sabia, ele era do
mesmo tamanho normal e saudável que sempre fora. Deve ser que todo o resto tenha
aumentado para proporções inacreditáveis.
Quando caiu, porém, uma coisa curiosa aconteceu. Começou a questionar por
que o tamanho deveria importar tanto para ele. Ele tinha amigos que eram mais baixos e
outros que eram mais altos. Algumas pessoas que conhecia eram mais magras, algumas
mais gordas. Eles eram todos de boa qualidade, pessoas sólidas, generosas e confiáveis.
Seu tamanho físico certamente não tinha nada a ver com o tamanho de seus corações.
Então era nisso que seu pai acreditava? Que seu tamanho só faz um superior?
Claro que não. Ele tinha um amigo, Marcus, que mal chegava ao ombro de Henry, mas
ainda segurava uma faixa preta no tae kwon do, e podia facilmente derrubar Henry em
sua bunda. Outra amiga, Mallory Ames, era delicada e frágil, mas possuía uma mente tão
nitidamente brilhante que se formara dois anos antes do resto do círculo de amigos e já
estava bem encaminhada para obter seu diploma universitário.
O pai de Henry acreditava que grande era melhor em todas as coisas. É claro
que, estando bêbado a maior parte do tempo, seu pai dizia muitas coisas que eram mais
mentira do que verdade. As coisas que Henry já suspeitava serem lixo, como a crença de
seu pai de que a cor da pele, ou onde a pessoa estudava, quanto dinheiro a família tinha
ou quem amava, tornava a pessoa melhor ou inferior a outra. Talvez fosse a hora de Henry
reexaminar mais suas convicções, em vez de acreditar cegamente no que quer que seu pai
lhe dissesse.
A verdade neste caso, ele percebeu, era que o tamanho do corpo não importava
muito no esquema das coisas. Era o tamanho do espírito, a profundidade do coração e o
poder da mente que contava mais do que centímetros de ossos e quilos de carne. Seus
amigos valiam mais do que ouro para ele, independentemente de seu tamanho, cor ou
origem.
Pelo menos, era isso que ele esperava que fosse verdade.
A queda era, porque não parecia querer acabar. Poderia uma pessoa cair para
sempre? Quanto tempo antes que ele morresse de sede ou fome, e apenas seus ossos
continuassem a cair?
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Ele fechou os olhos com força enquanto mergulhava em direção à terra,
preocupado que quando finalmente chegasse ao fundo, ele se quebrasse em um milhão de
pedaços como uma garrafa de cristal caindo sobre um chão de ladrilhos. Portanto, o
primeiro quicar o pegou de surpresa.
Um momento ele estava caindo, no seguinte ele ricocheteou numa folha como
se fosse um trampolim e deu uma cambalhota no ar. Ele pousou em outra folha e quicou
naquela também. Depois de mais alguns saltos involuntários, ele começou a se divertir,
saltando de uma folha para outra com uma mira surpreendentemente boa.
Ele saltou mais algumas vezes, apontando para uma folha mais baixa a cada vez,
até que se sentiu confiante de que estava perto o suficiente do chão para pular para ele
sem se machucar. Sua sorte resistiu - uma cobertura das folhas caídas do ano passado
cobria a terra dura. Foi surpreendentemente suave e amorteceu sua aterrissagem.
Henry fez uma pausa por um momento, com as mãos nos joelhos, respirando
com dificuldade, com os sentidos oprimidos enquanto observava seu novo ambiente.
Tudo parecia excessivamente brilhante e perfumado - o verde da grama, o marrom da
terra, os amarelos, vermelhos e laranjas de folhas caídas, e os cheiros elementares da terra
e da vegetação. Era incrivelmente adorável, doce e pouco sofisticado, e o fez sorrir apesar
de suas circunstâncias.
Este era um novo mundo para ele, um lugar onde tudo era gigante. Muito em
breve, percebeu que isso significava problemas de tamanho gigantesco também. Ele tinha
encolhido para aproximadamente o mesmo tamanho de um ponto no final de uma
sentença, e não importava o quão forte era seu coração, ou indomável sua vontade, ou
afiada sua mente, isso significava que sua vida poderia estar em perigo simplesmente
porque seu corpo era muito, muito pequeno.
Apenas a poucos passos de distância de onde ele estava, uma aranha do tamanho
de um pequeno carro pendia de uma teia tão grossa quanto o cabo de uma ponte. Os
múltiplos olhos vermelhos do aracnídeo o observavam com cuidado, com paciência,
como se a criatura estivesse certa de que Henry, mais cedo ou mais tarde, se convidaria
para sua rede para o almoço.
Um formigueiro se erguia como uma pequena montanha ao longe. Ele podia ver
as formigas trabalhadoras subindo e descendo os lados, carregando folhas e outros
pedaços de matéria vegetal em suas mandíbulas incrivelmente fortes, e quase podia
imaginá-las levando-o para dentro, apresentando-o à rainha como uma espécie de manjar.
Perto dali, vislumbrou através das imensas folhas de grama, uma forma dourada
deslizante, sinuosa e marrom que parecia ter quase dois andares de altura. Ele podia ouvir
o chocalho da cauda fazendo vibrar em seus ossos como um trovão, e congelou, agachado
contra uma raiz até ter certeza de que tinha ido embora.
Até mesmo criaturas inofensivas, aquelas que normalmente não picam, mordem
ou bicam, podiam ser mortais para ele em seu tamanho atual. Uma borboleta pousou em
uma lâmina de grama próxima e tremulou asas tão grandes quanto flechas de tenda de
circo. A brisa que elas causaram quase o derrubou.
Henry logo percebeu que era uma situação de vida ou morte, e ele estava em
uma desvantagem distinta sobre a fauna local. Ele não tinha armas, presas, veneno, garras
ou pinças. Ele não podia voar para longe, nem se esconder debaixo da terra para escapar
de predadores, ou habilmente mudar sua cor para se misturar com o fundo.
Se estivesse, isso poderia significar apenas uma coisa: ele estava em uma grande
e profunda merda.
Um som chamou sua atenção e ele inclinou a cabeça, escutando. Tramp. Tramp.
Tramp. Ele percebeu que era o som de muitos pés marchando, como um exército em
movimento. Tramp. Tramp. Tramp. E estava se aproximando.
Girando, ele sentiu o pânico arranhando sua garganta enquanto examinava a área
imediata, procurando por um possível esconderijo. Ele era pequeno - minúsculo, na
verdade. Ele deveria ser capaz de se esconder em qualquer lugar, certo?
Errado.
A área ao redor dele, enquanto espessa, com altas e finas lâminas de grama e
muitos seixos altos, provia cobertura tão escassa quanto uma floresta de palmeiras poderia
no mundo que ele deixou para trás, tinha palmeiras realmente crescidas nessa floresta, ele
receava.
Finalmente, ele viu uma noz enorme e seca no chão. Do tamanho de um grande
pedregulho, a casca rachada e enegrecida da noz poderia fornecer um lugar para se
esconder. Ele correu e se escondeu atrás dela. Sua sorte pareceu durar. Ela provou ser
apenas meia concha, rachada e o fruto comido há muito tempo por alguma criatura, a
meia concha vazia descartada. Ele se encolheu no espaço vazio deixado pelo fruto que
faltava, esperando que a concha pudesse fornecer cobertura suficiente para protegê-lo de
qualquer coisa que estivesse marchando em sua direção.
O som estava mais perto agora. Tremores ondulavam no chão sob a casca. Ele
podia ouvir sons estranhos de cliques além do pisoteio de muitos pés. Parecia que um
exército inteiro estava em marcha.
Formigas.
Formigas vermelhas enormes, cada uma do tamanho de um ônibus urbano,
haviam se reunido perto da noz, de pé em uma linha reta e arregimentada que se estendia
até onde ele podia ver. Suas mandíbulas enormes clicavam enquanto antenas parecidas
com chicotes acenavam no ar.
Seu medo, tão recentemente deixado de lado por sua curiosidade, deu uma
cotovelada no caminho de volta à sua consciência, como um valentão da quarta série
através de uma multidão de estudantes de jardim de infância, congelando a respiração em
seus pulmões. Infelizmente, sua respiração não ficou congelada. Descongelou
rapidamente, fluindo como um rio passando por seus lábios na forma de um grito
estridente e áspero.
A próxima coisa que soube, foi que sentiu a concha elevando-o no ar. Olhando
para a borda da concha, viu que uma formiga havia colocado suas mandíbulas em volta e
estava carregando-a, e ele, para fora.
Para sua surpresa, a formiga levou-o através da vegetação espessa que formava
as paredes do covil da lagarta - ele e as formigas eram tão pequenos que os espinhos não
representavam perigo para eles. Eles passaram bem debaixo deles sem sequer um
arranhão.
Agora o que ia fazer? Era um longo, longo caminho. Ele não podia pular, não se
não quisesse arriscar quebrar uma perna ou ser esmagado sob os pés da formiga.
Tampouco queria alertar as formigas para sua presença dentro da casca. Elas podiam
decidir que seria um bom lanche rápido na estrada. Sua única escolha parecia ser esperar
até que, com sorte, a formiga baixasse a concha e conseguisse escapar.
A formiga o carregou pelo que lhe pareceu ser muito tempo, e ele quase foi
embalado para dormir pelo balanço uniforme da formiga. Então o mundo subitamente se
inclinou em um ângulo agudo, e ele deslizou um pouco antes de seus pés baterem no lado
oposto da concha. Espreitando por cima do lado novamente, ele percebeu que a formiga
estava descendo em um túnel de algum tipo.
Agora era a hora, talvez sua única chance de escapar! Mas como? Estava tão
escuro que ele não conseguia ver a mão na frente do rosto.
– Psst.
Henry inclinou a cabeça. O que era esse som? Não soou como as formigas. Soava
como um sussurro rouco.
– Eu sou o Chapeleiro. Dê dois passos à sua direita, depois mais quatro passos à
frente.
– Eu te conheço?
Não havia como confundir o sarcasmo no tom da voz sussurrada. – Oh, peço
desculpas. Talvez devêssemos ter uma introdução formal enquanto as formigas nos
comem! Isso satisfaria sua necessidade de convenção social?
Henry engoliu uma réplica brusca para a resposta sarcástica e deu dois passos
para a direita e quatro para frente. Ele mal sufocou um grito quando uma mão segurou
seu ombro.
Henry estendeu a mão para tocar um dedo no orbe brilhante. – Como você está
fazendo isso?
Henry sentiu seu último nervo esticar e estalar. Ele deu um empurrão em
Chapeleiro. – Eu não sou nada como minha irmã!
– Shh! Você quer que nos comam? Olha, eu estou saindo daqui. Você está vindo
ou quer ficar para trás e descobrir se as formigas preferem carne escura ou clara?
Henry estalou, tão zangado que quase se esqueceu de como estava assustado.
Quase, mas não completamente. – Não, vamos. – Ele colocou a mão no ombro do
Chapeleiro. – Mas quando sairmos, você vai me dizer como pode fazer isso com vaga-
lumes e como você conhece minha irmã.
– Claro, claro. Vamos, antes que percebam que seu almoço está fugindo.
O Chapeleiro levou Henry por um longo túnel. Eles abraçaram o lado barrento,
ficando abaixados, mergulhando em uma das muitas alcovas sempre que uma formiga
chegava perto demais deles. Gradualmente, a escuridão diminuiu até que o orbe brilhante
que Chapeleiro segurava não era mais necessário. Ele soltou e se afastou.
Pareceu demorar uma eternidade, mas o caminho finalmente deu uma guinada
para cima, levando à superfície. – Agora o que? – Henry olhou para onde o sol - e
liberdade - acenava. – Nós tentamos sair?
Henry revirou os olhos. – Caso você não tenha notado, o sol está brilhando.
Chapeleiro lançou-lhe um olhar duro. – Você vai nos tirar daqui? Não? Então
me deixe trabalhar. – Ele segurou o guarda-chuva e abriu. O guarda-chuva se abriu,
protegendo os dois. Chapeleiro pegou a mão de Henry no momento em que o guarda-
chuva começou a girar loucamente, girando como um pião. Inacreditavelmente, começou
a subir o túnel, carregando o Chapeleiro e Henry com ele. Eles flutuaram para cima e para
fora do formigueiro, e sobre um campo cheio de flores silvestres.
Parecia ser a vez do Chapeleiro revirar os olhos. – Guarda-chuva? Não, não, não
seja bobo. Este é um Sobre-chuva. Você é realmente muito idiota, não é?
– Quem é você?
– Eu te disse. Eu sou o Chapeleiro. Agora você pode me dizer por que está aqui
e por que estava perguntando à Lagarta sobre mim.
– Bem, claro que há algo errado com a cabeça dela. Ele fuma erva
continuamente. Essa coisa não faz exatamente de você um estudioso, sabe. – Chapeleiro
bateu no lado de sua cabeça. – Mata a massa cinzenta. Mas não diga a Lagarta que eu
disse isso. – Ele dobrou seu Sobre-chuva e o armazenou dentro de seu chapéu antes de
recolocar o chapéu na cabeça, colocando-o em um ângulo bacana. – Eu acho que é óbvio
que você está no País das Maravilhas. E claro que existo. Estou aqui, não estou? Agora
respondi suas perguntas. É justo que você responda a minha.
– País das Maravilhas? Você quer dizer o lugar que Alice sempre fala? Isso é
ridículo. Não há tal lugar!
– Ainda assim, mais curioso e mais curioso, aqui você está exatamente no centro
dele. E essa é outra questão, a propósito. Realmente, preciso explicar as regras de novo?
A frustração fez Henry querer gritar. “Todo mundo fala em enigmas por aqui?”
– Quais regras? Do que você está falando?
– Tsk, tsk. Essas são mais duas perguntas! Realmente, você é tão grosso quanto
lama. Estou começando a pensar que Alice é a pessoa mais brilhante da sua família.
Desta vez, um som frustrado se libertou do controle de Henry. Começou como
um estrondo profundo em seu peito, rolou pela garganta e explodiu através de seus lábios
em um grunhido feroz.
O Chapeleiro sorriu. – Eu não deveria ter esperado nada menos que isso. – Ele
acenou para Henry acelerar seu passo. – Vem, vem. Deve estar por aqui em algum lugar.
Ah, espere... aí está! Isso é o que eu tenho procurado. Graças a Deus, aquelas criaturas
Mimsicais e as Pintalouvas18, não conseguiram. Nós teríamos um tempo demoníaco para
conseguir isso de volta daqueles pássaros sombrios.
– Eu? Com licença. Eu nunca falo nada além da verdade. Às vezes pode ser
flexível, talvez um pouco floreada, mas ainda assim, no final, sempre a verdade. – O
Chapeleiro levou Henry a uma garrafa grande, facilmente do tamanho de um Buick. A
garrafa era verde e estava deitada de lado na grama. – Mimsicais, para sua informação,
significa algo que é miserável e frágil. Os Pintalouvas certamente se encaixam nessa
descrição, posso lhe dizer. Pássaros frouxos e desajeitados, eles são, e propensos a
18
Mimsy e Borogroves
arrebatar qualquer coisa que encontrem, de modo que quem o tenha perdido esteja fadado
a ficar tão deprimido quanto eles. – O Chapeleiro olhou para Henry. – Me dê uma mão
com isso. Precisamos virar isso.
Eles colocaram as mãos no lado frio e liso da garrafa e empurraram até que seus
dentes rangessem e suas espinhas estourassem. Assim que Henry tinha certeza de que a
garrafa nunca se moveria, começou a rolar, centímetro por centímetro. Eles continuaram
empurrando até que um rótulo dourado fosse revelado. Estava sujo de seu tempo gasto
deitado na terra, mas as palavras impressas eram perfeitamente legíveis.
Dizia: “Beba-me”.
O Chapeleiro riu e deu um tapa na garrafa com a palma da mão. – Esta é a mesma
garrafa que sua irmã bebeu, se não me engano, e parece que sobrou muita coisa. Agora,
você repetidamente disse que não é nada como sua irmã. Em outras palavras, você é o
oposto dela. Se for esse o caso, então a poção nesta garrafa deve ter o efeito oposto sobre
você do que a ela e fazer você crescer. – Ele deu um empurrão em direção ao pescoço da
garrafa. – Continue. Entre lá.
Ele deu uma fungada e quase vomitou. Cheirava a uma combinação do vestiário
da escola depois de um jogo de futebol especialmente difícil, e a lixeira atrás do Mickey
D's19 em um dia quente de verão. Ele olhou de volta para a boca da garrafa. O Chapeleiro
realmente esperava que ele bebesse essa porcaria desagradável?
19
McDonald’s
– E você?
O riso flutuou pelo longo gargalo, o som crescendo cada vez mais alto até que
estrondeava como um trovão. De repente, um par de olhos enormes e escuros estava
olhando para ele através do vidro da garrafa verde. Uma boca se esticou em um sorriso
tão largo quanto um vagão de trem. – Eu sou o Chapeleiro. Eu não preciso de poções.
Magia está no meu sangue. Vá em frente agora. Tome um gole. Nós não temos o dia todo.
Segurando seu nariz com dois dedos, ele mergulhou a mão no líquido roxo,
juntando um pouco na palma da mão. Ele colocou nos lábios e bebeu o mais rápido que
pôde, tentando muito não provar enquanto deslizava por sua língua e garganta abaixo.
O gosto era tão ruim quanto parecia, viscoso e nojento ao mesmo tempo, mas
felizmente, ele não teve muito tempo para explorar o horrível sabor, porque naquele
momento, coisas começaram a acontecer, que tiraram sua mente de sua boca.
Tão logo engoliu a sujeira, começou a crescer. Seu corpo expandiu-se em todas
as direções - para cima, para baixo, para os lados - enchendo rapidamente a garrafa. Por
um instante ele ficou preso ali, incapaz de se mexer, incapaz de respirar, com o rosto
contra o vidro. Ele podia sentir a pressão se formando enquanto seu corpo insistia em
continuar a se expandir, e o vidro que não se dobrava, se recusou a dobrar. Então…
smash! A garrafa se fragmentou em milhões de minúsculos pedaços de vidro, explodindo
para longe dele em uma chuva de fragmentos brilhando ao sol.
Ele mal sentiu os dedos se curvando em um punho, ou seu braço puxando para
trás para dar um soco no rosto bonito e sorridente do Chapeleiro.
CAPÍTULO SEIS
Henry, ocupado dançando com a mão que usara para golpear Chapeleiro debaixo
da axila, murmurando todos os tipos de epítetos, lançou-lhe um olhar mortal, como se
todo o incidente fosse culpa do Chapeleiro.
Era mais do que um pouco irritante. Afinal de contas, quem estava no chão na
extremidade traseira, com uma mandíbula dolorida e o que parecia um dente solto, e quem
ainda estava em pé? Ele lutou para ficar de pé, ainda segurando seu queixo. – Com o que
você está tão bravo? Sou eu quem foi atingido!
Isso parou Henry em sua dança. Sem aviso, ele soltou um grito meio
estrangulado e se lançou em Chapeleiro. A combinação de seu peso e gravidade achatou
o Chapeleiro no chão novamente.
– Você me fez entrar na garrafa. E me fez beber aquela gosma roxa, quando todo
o tempo você tinha o poder de ficar grande! Por quê? Por que você faria isso? O que eu
fiz para você?
O Chapeleiro sacudiu a cabeça. – Você não entende. Sim, eu posso trabalhar um
pouco de magia, mas apenas em mim mesmo. Até eu tive que comer o cogumelo da
Lagarta para ficar pequeno. Eu não tenho o poder de te tornar grande. Se eu fizesse, eu o
teria voltado ao normal no Formigueiro Vermelho, em vez de arriscar seu pescoço - e o
meu próprio, eu poderia acrescentar - escapando do jeito que fizemos.
– Bem, então, por que você não ficou grande e me levou para fora?
Henry bufou. – O tipo que não seria golpeado por me fazer beber aquela porcaria
roxa. Grande Aventura e Lição Importante? Eu praticamente posso ouvir as letras
maíusculas. Que monte de bobagens. – Ele desviou o olhar por alguns instantes, depois
se voltou para o Chapeleiro. – Eu acho que te devo desculpas. É só esse lugar. Está me
afetando! Primeiro a lagarta, depois encolher e cair, depois as formigas, depois ter que
beber a poça roxa... – Ele enfiou os dedos no cabelo, torcendo os fios loiros. – Eu ainda
não tenho certeza de onde estou ou como cheguei aqui, e não tenho ideia de como voltar
para casa!
– Falando nisso, a Lagarta disse que você estava perguntando por mim.
Isso fez Henry piscar novamente. – Um, sim. Sim. A última coisa que lembro
antes de desmaiar foi da minha irmã me dizendo para procurar o Chapeleiro. É você,
certo?
– Assim parece. Embora existam muitas outras criaturas aqui que alegam estar
loucas ou que foi provado, eu sou o único Chapeleiro no País das Maravilhas.
Todo o ar parecia escapar de Henry, deixando-o tão vazio quanto um balão
antigo. – Então é verdade? Isso é o País das Maravilhas? Alice não tem mentido todos
esses anos?
Não era mentira, afinal de contas. Não exatamente. Ele apenas deixou de fora o
fato de que quando ela livrasse o País das Maravilhas de Henry, ele estaria em duas partes
distintas.
Henry franziu a testa. – Alice costumava falar sobre a Rainha Vermelha. Ela não
parecia gostar muito dela.
– Eu quis dizer que minha irmã não gostava da Rainha Vermelha. Alice disse
que ela era louca.
– A rainha Branca? E ela, então? Ela me mandaria para casa? Talvez possamos
ir até ela.
– Não posso.
– A Rainha Vermelha mandou cortar sua cabeça logo depois que Alice saiu pela
última vez. A cabeça do Rei Branco também rolou.
Henry engoliu em seco e agarrou o pescoço como se quisesse impedir que sua
cabeça rolasse. – Sua própria irmã e cunhado? Por mais que eu deteste a minha às vezes,
nunca tentaria decapitar Alice. Isso é horrível!
– Você faz parecer que ela estava errada em querer seguir as regras. Regras
trazem ordem. Você mesmo disse isso.
O Chapeleiro elevou o volume de sua voz, como se quisesse que alguém que
espionasse a conversa o ouvisse melhor. – Sim, eu disse isso, claro. A Rainha Vermelha
ordenou que todos obedecessem às regras. Muito sábia da parte dela. – O Chapeleiro
olhou ao redor e baixou a voz para um sussurro de novo. – Mas que diversão há em ser
ordenado? Nenhuma. Regras são apenas um punhado de enigmas, obstáculos e barreiras
amarrados e torcidos juntos com o único propósito de sugar o último pedaço de diversão
de cada experiência. Eu acho que elas estariam crivadas de rachaduras por quantas vezes
foram quebradas, e se eu descobrisse que um idiota as fica colando novamente, eu daria
a ele uma boa surra com minha bengala.
– Não faz meia hora, quando eu era pequeno, você ficou lá e me disse que as
regras deveriam ser seguidas a todo custo!
– Acredito que minhas palavras exatas foram ‘diz a rainha’. Isso não significa
que eu acredite.
– Sabe o que? Você é maluco e acho que ficarei melhor sozinho. – Henry ergueu
o queixo e começou a andar em outra direção, como se soubesse para onde estava indo.
– Eu vou encontrar o meu próprio caminho para casa, não graças a você.
O Chapeleiro sabia muito bem que Henry não duraria meio dia no País das
Maravilhas sem ele. Nem ele duraria metade de um dia se voltasse para o Castelo
Vermelho sem Henry a reboque. – Eu não iria por aí se fosse você.
Henry olhou por cima do ombro e fez um barulho rude, mas continuou andando.
Homem teimoso. Não, modifique isso. Tolo cabeça dura é uma descrição mais
apropriada, pensou o Chapeleiro. Ele ignorou a pequena voz em sua cabeça que se
perguntava se o Chapeleiro não achava a qualidade um pouco atraente. Em voz alta, ele
reiterou: – Eu realmente não iria por esse caminho.
20
Great Sinking Sands
O passo de Henry vacilou, diminuiu a velocidade e parou. Ainda assim, ele não
se virou. – Afundamento de Areia? Você quer dizer areia movediça 21?
– Ha! Não há nada rápido sobre isso. Ele o suga lentamente, centímetro por
centímetro aterrorizantes, até que finalmente o puxa para baixo da superfície e enche seus
pulmões com areia grossa e úmida. É uma maneira horrível e dolorosamente lenta de
morrer, e, francamente, não é uma escolha que eu escolheria se fosse minha escolha.
– Ela também tem o poder de mandar você para casa. Alice não encontrou
magicamente o caminho de casa nem uma, mas duas vezes, sabe. – Essa foi a magia da
rainha. – O Chapeleiro não tinha ideia se estava dentro do poder da Rainha Vermelha ou
não. Por tudo que ele sabia, o retorno de Alice para casa não era nada além de um par de
acidentes felizes.
Mesmo que a rainha possuísse tal magia, ele duvidou que ela levantasse seu dedo
mindinho para ajudar Alice. Na verdade, agora que o Chapeleiro pensava sobre isso, se a
Rainha Vermelha poderia enviar Alice para casa, ela teria feito imediatamente no inicío,
mas ele também sabia que admitir isso, tão somente serviria para empurrar Henry para
tentar suas chances sozinho nos Grandes Afundamentos ou com outro dos arredores
igualmente mortais do País das Maravilhas. Ir ver a Rainha Vermelha realmente era a
escolha mais segura para o estrangeiro desarmado e não iniciado. Além disso, ainda havia
a cabeça do próprio Chapeleiro e sua tênue ligação com o resto dele a considerar. Afinal
de contas, ela lhe prometera imunidade se ele entregasse Henry.
21
No original quicksand, “areia rápida”.
Henry parecia estar pensando também. Mudou o peso de um pé para o outro,
mordeu o lábio inferior e lançou longos olhares na direção do Afundamento de Areia.
Finalmente, ele se voltou para o Chapeleiro. – Ok. Acho que não tenho escolha. Eu vou
com você... por enquanto.
Ele se endireitou quando Henry deu alguns passos hesitantes naquela direção,
depois recolocou o chapéu e deu um baque para acertar sua coroa. – Tudo bem então.
Vamos.
Henry parecia surpreso e irritado, como se a distância não tivesse ocorrido antes,
e ele estava irritado agora. – A que distância fica o castelo da Rainha Vermelha?
Chapeleiro considerou sua resposta. – Não tenho certeza. Mais do que uma
bagatela, mas certamente mais curta que uma cólera.
– Por que é que tudo o que você diz não faz sentido, ou é misturado em um nó
gigante e complicado?
Ele esperava.
Direção nunca foi realmente o seu forte. O Chapeleiro uma vez se perdeu em seu
próprio armário, e poderia ter passado fome se não fosse pelos biscoitos que guardava
nos bolsos do casaco.
Falando em biscoitos, ele se lembrou de que fazia muito tempo desde a última
vez que comeu. Enfiou a mão no bolso e procurou um pouco antes de pegar alguns
bolinhos adoráveis. Ele graciosamente ofereceu um a Henry, que, depois de alguns
momentos de hesitação, aceitou. Mastigando, seguiram em frente.
A escuridão estava caindo quando chegaram a uma cerca baixa de ripas rachadas,
correndo em ambas as direções, até onde podiam ver. O Chapeleiro interrompeu e espiou
por cima da cerca. Aquelas árvores, aquelas flores... sentiu o vento soprar contra seu rosto
quando, apenas um momento antes, estivera às suas costas e sabia onde estavam, embora
não tivesse percebido que precisariam atravessar a área para chegar ao castelo da rainha.
Ele certamente não se lembrava de tê-lo passado no caminho para a Toca.
Chapeleiro resistiu em puxar algo pesado do bolso - ele tinha uma edição em
capa dura do Etiqueta da Hora do Chá em algum lugar - e daria uma surra em Henry.
Como alguém tão bonito poderia ser tão estúpido? – A escuridão vem rapidamente no
País das Maravilhas, e todo tipo de feios saem. Goblins. Trolls. Fidgits. Você não quer se
deparar com um Fidgit no escuro da noite, acredite em mim! Agora, vamos nos acomodar
da melhor forma possível e dar algumas piscadelas, hein? Além disso, esta cerca marca o
início de Etnerf22. Não é uma terra fácil de atravessar e só um tolo tentaria sem uma boa
noite de sono.
22
Nota de tradução (Sekhmet): Frente, lido de trás para frente. No original: Drawrof
uma jarra de pedra de chá gelado e uma pequena fogueira crepitante que cuspia faíscas
verdes e púrpuras. Ele colocou a panela para aquecer no fogo e serviu chá para os dois.
– Como você faz isso? – Henry ficou boquiaberto com a coleção que o
Chapeleiro tirou do bolso.
– Fazer o que?
– Carrega todas essas coisas no seu bolso? Você é um mago? É isso aí, não é?
Você é como Copperfield ou Criss Angel23.
– Não. Eles são mágicos. Eles fazem truques... enganam com as mãos.
– Eu não posso imaginar o que o tamanho das mãos tem a ver com qualquer
coisa.
– Não, não tamanho… engano. – Henry bufou uma mecha de cabelo dos olhos
e parecia frustrado. – Eles fazem mágica.
Chapeleiro inclinou a cabeça. – Hmm. Algo muito maçante. Isso explica muito
sobre você e sua irmã, no entanto. No País das Maravilhas, a magia é tão parte de nós
quanto a nossa pele. É possível viver sem isso, mas seria muito desconfortável. Veja. O
guisado está pronto.
Ele colocou em tigelas para os dois. Por ora, Henry parecia mais inclinado a
alimentar sua boca do que exercitar a língua, e como o Chapeleiro também estava com
fome, o silêncio desceu sobre o pequeno acampamento.
23
Mágicos famosos que se apresentam, principalmente, em Las Vegas.
puídos e deu um para Henry. Enrolando-se no segundo, fingiu dormir até ouvir os roncos
suaves de Henry.
O Chapeleiro notou que o rosto de Henry era bastante atraente quando o sono
atenuava sua expressão quase constantemente rude. Seu cabelo era tão loiro quanto o de
sua irmã Alice, com um ligeiro movimento nos fios sedosos que faziam as mãos do
Chapeleiro inexplicavelmente coçarem para tocá-los. Pestanas compridas e castanhas
cintilavam nos olhos que ele já sabia serem da cor de um céu de verão. As linhas de suas
maçãs do rosto salientes e mandíbula quadrada e afiada eram indiscutivelmente
masculinas, mas ainda assim muito bonitas. O Chapeleiro podia ver a teimosia de Henry
no conjunto de sua mandíbula, mesmo enquanto dormia.
Em suma, Henry era mais do que agradável aos olhos, um fato que o Chapeleiro
sabia que faria com que viajar com ele fosse interessante e extraordinariamente perigoso,
porque, se havia uma coisa que o Chapeleiro mais amava no mundo, era a beleza. Ele era
atraído para isso, se queria ser ou não. Mulheres bonitas, homens bonitos, ambos
incendiavam um fogo dentro dele que, muitas vezes, o colocava em apuros mais cedo ou
mais tarde.
Novamente.
Ele ainda estava tentando falar algum sentido quando finalmente adormeceu.
Eles quebraram seu jejum com uma refeição rápida de chá e biscoitos tirados do
bolso do Chapeleiro, durante o qual o Chapeleiro mal falou mais do que um punhado de
palavras.
Henry se perguntou por que isso acontecera, o que mudara, já que no dia anterior
ele temia que a única maneira de conseguir que o Chapeleiro calasse a boca seria pregar
os lábios do Chapeleiro juntos. Ele orou por silêncio ontem, mas hoje, agora que estava
aqui, achou um pouco desconcertante, embora não quisesse admitir isso. O silêncio o
deixou desconfortável, e ele se viu imaginando se havia dito ou feito algo errado, apenas
se perguntava por que isso deveria ser importante para ele, mesmo que tivesse feito.
Portanto, foi uma espécie de alívio quando o Chapeleiro finalmente se dignou a falar,
apenas para acalmar as vozes desconcertantes em sua cabeça.
Até que, isto é, ele tentou entender o que o Chapeleiro estava dizendo.
Henry inclinou a cabeça. – Por que você está falando assim? Você está falando
bobagens, Chapeleiro.
Chapeleiro olhou para ele. – Odiputse otorag. – Ele se virou e caminhou de volta
para a cerca novamente, em seguida, subiu de volta. – Você não estava ouvindo ontem à
noite? Eu te disse que isso marcava o limite de Etnerf.
Henry apenas sacudiu a cabeça e encolheu os ombros. – Nunca ouvi falar disso.
24
Nota de tradução (Sekhmet): leiam de trás para frente.
Chapeleiro revirou os olhos. – Eu deveria saber. Diga-me, Henry, o que eles
ensinaram na escola? Você foi para a escola em algum momento, não foi?
– Claro que sim! Eu estava me preparando para me formar em junho, espero que
com honras.
– Bem, que tipo de escola era essa? Escola de peixe? Porque certamente não
poderia ter sido uma escola de aprendizado se você nunca ouviu falar de Etnerf antes!
– Certo. Tudo em Etnerf é para trás. Uma vez que você pule a cerca, precisa falar
para trás, andar para trás, pensar para trás, comer para trás, fazer xixi para trás e
praticamente se inclinar para trás ou os Snilmerg, os guardiões de Etnerf, vão mandá-lo
de volta para o começo, forçando você a fazer tudo de novo.
– Para trás. Tudo? Como você pensa para trás? – Ele realmente não queria pensar
em como alguém poderia fazer xixi para trás. Ele prometeu a si mesmo que seguraria até
que seus olhos ficassem amarelos antes de descobrir também.
Henry suspirou. Ele realmente não viu onde tinha uma escolha. Ele assentiu. –
Eu suponho que sim.
– Então, vamos embora! A luz do dia, como dizem, está sendo desperdiçada. –
O Chapeleiro pulou a cerca novamente e começou a andar de costas. Depois de um
momento ou dois, Henry se juntou a ele.
Era desconcertante andar para trás por território desconhecido, para dizer o
mínimo. Surpreendentemente, no entanto, ele não bateu ou tropeçou. Talvez tivesse a ver
com a magia do País das Maravilhas. Certamente, se ele tentasse isso em casa, teria
quebrado um tornozelo ou sido atropelado por um carro muito antes. Novamente, não
tinha visto nada maior do que um esquilo, então ser pisoteado não era uma grande ameaça.
Ele ainda achava que era enervante não ser capaz de ver onde estava indo. Ficou
claro para ele que nunca realmente apreciara o dom da visão antes. Ele sempre aceitou
isso como garantido, mas agora que ele não podia ver a estrada diante dele, sentia falta
disso, e estava muito grato por sua visão perfeita.
O Chapeleiro escolheu esse momento para deixar para trás seu tratamento
silencioso e falou. O que ele disse e o que Henry ouviu foi: – Oçomla od setna odal ortuo
ao ragehc someved són. Ogral otium é oãn Frente etnemzilef. – mas o que Henry entendeu
foi: – Felizmente Etnerf não é muito largo. Nós devemos chegar ao outro lado antes do
almoço.
Bem, o que você sabe? Parecia que, enquanto em Etnerf, o cérebro de uma
pessoa corria para trás também, permitindo que alguém facilmente entendesse a fala para
trás. Isso facilitou muito as coisas e incentivou Henry a continuar a conversa. Ainda era
estranho ter seus lábios formando as palavras para trás, embora estivesse confiante de que
o Chapeleiro o entenderia quando dissesse: – O castelo da Rainha Vermelha fica do outro
lado de Etnerf? – mas saiu: – Frente ed odal ortuo od acif Alhemrev Ahniar ad oletsac o?
– Hum, não?
– Claro que não! Assim, portanto, a área em que eles vivem deve, às vezes, ser
maior e, em outros momentos, menor. É apenas lógico.
– É melhor não pensar muito nisso. A lógica pode ser tóxica se tomada em
grandes doses. Basta dizer que nos levará algum tempo para chegar ao castelo da rainha.
Eles caminharam por um tempo em silêncio enquanto Henry tentava arduamente
não pensar na lógica complicada e completamente falha do Chapeleiro, e se maravilhava
com a forma como o País das Maravilhas, cheio de tais regras, conseguia não entrar em
colapso como uma estrela moribunda, deixando um buraco negro escancarado para trás.
Era tudo muito confuso. E estranhamente lindo ao mesmo tempo. As cores eram
todas tão luminosas, embora também fossem ao contrário. O céu era um trecho
perfeitamente único de verde esmeralda, enquanto a grama, as árvores e os arbustos
apareciam em todos os tons de azul, de marinho à azul claro. Flores pintadas em tons de
cinza empalideciam ao lado de ervas daninhas de cores vibrantes, enquanto as borboletas
usavam capas sombrias de cinza e preto, mas traças, besouros e aranhas ofuscavam os
olhos com um arco-íris de tons.
Foi então que ele percebeu algo tão estranho que, uma vez percebido, destacou-
se entre todas as outras peculiaridades do lugar. – Chapeleiro? Este lugar é muito bonito.
Eu acho que as pessoas gostariam de morar aqui. Onde estão? Eu não vi ninguém desde
que passamos por cima da cerca. Na verdade, até agora, você é a única pessoa que eu
conheci desde que cheguei aqui.
– O que você quer dizer? Por que está me olhando como se eu fosse louco?
– Só quando eu estava pronto para admitir que você poderia não ser tão chato e
sem sentido como sua irmã... A maioria das pessoas aqui, evidentemente eu mesmo
excluído, sabem ficar longe da Toca da Lagarta, para não passarem seus dias em um
nevoeiro alucinógeno. E aqui? Pense nisso, Henry. Tudo em Etnerf está para trás! As
pessoas nasceriam velhas aqui, e progressivamente ficariam mais jovens à medida que
crescessem. Que tipo de pais as crianças fariam, eu me pergunto? Que tipo de bebês
adultos fariam, engatinhando em fraldas, chupando chupetas? Quão difícil seria para uma
criança adulta fazer arrotar uma criança-adulto? E crianças em meio aos terríveis dois
anos! Porque, a primeira birra pode acabar em derramamento de sangue!
A boca de Henry formou uma perfeita letra O. – Oh. Eu não pensei sobre isso.
Suponho que isso não funcionaria bem para ninguém, né?
– Bah. Como um homem sábio disse uma vez, eu sou tão velho quanto a minha
língua e um pouco mais velho que meus dentes, e isso é bom o suficiente para mim. Eu
não preciso ser mais jovem, obrigado. A idade é apenas um número, de qualquer forma,
e um bom por um tempo muito curto, então por que se preocupar em acompanhar? Além
disso, sou um caso especial. Eu já fui amaldiçoado pelo Tempo, e não há como reverter
seus efeitos, mesmo que eu quisesse.
– Eu sou mais velho que você, mas mais jovem que a sujeira debaixo dos seus
pés. Satisfeito?
Henry jogou as mãos para o ar. – Gah! Você torna tudo complicado, até mesmo
as perguntas mais simples.
– Claro que foi. Por que alguém procuraria intencionalmente ser maçante e
sucinto? Isso faria uma pessoa horrivelmente chata, eu deveria pensar. Não, é muito
melhor, na minha opinião, ser grande e deliciosamente intrincado o máximo possível.
De repente, ambos entraram em contato com um objeto duro e imóvel, fazendo
com que a caminhada deles - e a conversa deles - parasse de repente.
Henry revirou os olhos e começou a se virar para subir a cerca, mas Chapeleiro
o deteve.
– Não! Você ainda está no Etnerf! Você deve se mover para trás ou os Snilmerg
o obrigará a voltar para onde cruzamos pela primeira vez!
Henry congelou, seu corpo meio girado. Pelo canto do olho, pensou ter visto
vagamente figuras de chifres ameaçadores, movendo-se pela grama azul alta. Ele
rapidamente virou para trás e cuidadosamente escalou a cerca para trás, prendendo a
respiração até que caiu do outro lado.
– Obrigado. – Henry se virou lentamente; ele meio que esperava que pequenas
mãos com garras o agarrassem e o arrastassem de volta por cima da cerca. Diante dele,
espalhava-se uma área pantanosa que parecia muito menos convidativa do que Etnerf. –
Onde estamos agora?
25
Clareira do Nunca
CAPITULO OITO
Era o odor do esgoto, do molhado, do lodo, do mofo e do limo, das coisas mortas
inchadas e estufadas. O Chapeleiro mexeu no bolso e pegou um lenço perfumado, usando-
o para cobrir o nariz. Felizmente, era um dos perfumados com chocolate. O último lenço
que ele puxara para fora era perfumado por trutas, embora até o fedor de peixe velho fosse
preferível ao fedor da Clareira do Nunca. Ele encontrou um sobressalente e entregou a
Henry. Ele pegou um leve aroma de morango quando ele passou por cima do ombro.
A voz de Henry soou ligeiramente abafada pelo lenço. – O que é esse cheiro
horrível? Cheira à açougue.
– Não há caminho de volta. Olhe. – O Chapeleiro apontou para trás deles. Não
havia nada além de uma tela semi-sólida de árvores e membros emaranhados, lianas,
raízes e trepadeiras. A cerca que acabaram de subir se foi.
– Merda!
– Abra seus ouvidos. Eu disse que algumas coisas entram, mas nunca saem. Nem
todas as coisas. Há uma chance de conseguirmos passar.
– Uma boa chance. Embora, se ficarmos aqui por muito mais tempo, isso irá
rapidamente cair em nenhuma chance. As criaturas que vivem na Clareira do Nunca
tendem a reivindicar quaisquer objetos suficientemente lentos para serem pegos como
jantar. – Ele acenou com a cabeça em direção a uma longa e escamosa besta que estava
quase submersa em um lago salgado. Apenas as narinas e os olhos vermelhos espiavam
acima da linha d'água. O Chapeleiro sabia que logo abaixo da superfície havia uma boca
larga cheia de dentes muito afiados.
A luz era sempre cinzenta nas Clareiras do Nunca, escura, como se fosse um
crepúsculo perpétuo, prejudicando a visão e impedindo o movimento, exceto para os
habitantes que faziam do pântano sua casa. O Chapeleiro sabia de muitos além dos
crocodilos e morcegos, e todos eles eram igualmente perigosos e famintos.
– Tudo bem comigo. Não tenho vontade de passar mais tempo aqui do que o
necessário. Nós poderíamos correr, não poderíamos? Quanto mais rápido melhor.
– Não, isso não é uma boa ideia! Quanto mais rápido você se mover, mais ruim
será a lama e a sujeira em seus pés, tentando atrasá-lo. Mova-se rápido demais e você se
verá parado, um alvo perfeito para qualquer uma das criaturas famintas que vivem aqui.
Chapeleiro estalou a língua. – Não julgue todo o País das Maravilhas pelos
poucos lugares que você viu até agora. A maior parte é muito bonita. Por exemplo, os
Campos de Diamantes são particularmente brilhantes na época da colheita, quando os
frutos de diamante brilham como um milhão de fadas ao luar.
– Exatamente o meu ponto. Você nos viu apenas no nosso pior. Você deveria
nos dar uma chance antes de julgar. – Ele avistou uma barbatana cinza triangular nas
folhas acima de sua cabeça e se abaixou, puxando Henry para baixo com ele, e bem a
tempo. Uma mandíbula pontuda cheia de dentes afiados e levemente angulados caiu para
eles das árvores, fechando-se com o som de uma centena de tesouras cortando, perdendo
a cabeça por centímetros. Ele retornou ao bosque de vegetação tão rapidamente quanto
apareceu. O Chapeleiro assistiu em alívio quando a nadadeira se moveu rapidamente
pelas folhas, indo para o sul.
ELES CAMINHARAM pela lama grossa por horas, ou pelo menos se sentiam
assim. O Chapeleiro não podia ter certeza. A luz nunca escurecia ou iluminava-se na
Clareira, mas permanecia um cinza constante, e ele certamente não podia ver o sol ou a
lua através da espessa cobertura de vegetação acima de sua cabeça. Podia ser madrugada,
meio-dia ou meia-noite, ou algum dia no meio. Não tinha como saber quanto tempo havia
passado desde que entraram no pântano e, portanto, não faziam ideia de quanto tempo
demoraria antes que saíssem novamente.
Ele ainda segurava a mão de Henry. Estava quente, o aperto forte. Era uma mão
boa, robusta, criada para trabalho duro e perfeita para segurar as mãos em geral. Ficou
imaginando quantas outras mãos ela mantinha, e se algum de seus proprietários era
especial para Henry.
Para sua surpresa, ele se viu esperando que não houvesse um conjunto particular
de mãos esperando em casa por Henry. Ele gostava da sensação da mão de Henry na sua,
e mais, encontrava-se começando a gostar do resto de Henry também. Talvez ele tivesse
julgado mal Henry quando se conheceram no Formigueiro. Talvez Henry não fosse tão
parecido com Alice quanto o Chapeleiro supusera.
Ele tentou soar casual. – Então, Henry, você vê muito a Alice? Vocês se dão
bem?
Henry bufou. – Alice e eu somos como cebolas e sorvete. Nós não nos
misturamos com frequência e, nas raras circunstâncias em que o fazemos, geralmente é
um desastre.
Ah! Ele estava certo. Henry não era próximo de Alice e parecia não gostar dela
quase tanto quanto o Chapeleiro. Isso foi um pouco de alívio, embora o Chapeleiro não
tivesse certeza de por que deveria se importar.
– Eu sei porque eu não gosto da minha irmã - eu tenho uma vida inteira de razões,
na verdade - mas o que ela fez com você, Chapeleiro?
O Chapeleiro decidiu ser honesto, algo que ele geralmente se esforçava para
evitar sempre que possível. Tão diferente de mim, ele pensou, talvez eu tenha pegado uma
doença de algum tipo. Preciso ver o médico, suponho. Ele mergulhou de qualquer
maneira. – Muitos, muitos anos atrás, fui amaldiçoado pelo Tempo para passar a
eternidade vivendo e revivendo uma Festa do Chá com Arganaze e o Coelho Branco. De
novo e de novo, bebendo a mesma maldita xícara de chá, comendo os mesmos bolos
velhos... Foi horrível, mas acho que me acostumei com isso.
– Oh, bem, ela tropeçou na nossa Festa do Chá, você vê, e rudemente se convidou
para se juntar a nós. Então, ela criticou e replicou terrivelmente, indo e vindo sobre os
erros mais simples, perguntando pergunta após pergunta, tanto que ela até conseguiu
perturbar Arganaz, um feito difícil, porque, como eu tenho certeza que você já sabe,
arganazes estão praticamente em coma de pé. Então ela saiu, deixando o resto de nós para
resolver o problema. E porque? Porque eu fiz a ela um simples enigma. O tempo ficou
tão perturbado com o comportamento dela que ele esqueceu a maldição e nos deixou ir.
Algo sombreou os olhos de Henry, algo que parecia suspeitamente com simpatia
para o Chapeleiro. – Desculpe, Chapeleiro. Ela é uma verdadeira idiota às vezes. Pelo
menos, ela era quando ela era pequena. Ela mudou um pouco desde que se casou. – Henry
corou, como se de algum modo fosse culpado pelas deficiências de sua irmã.
– Hã. Isso é fácil. Estou surpreso que Alice não tenha sabido a resposta.
– Já estabelecemos que você é muito mais esperto que sua irmã. – O Chapeleiro
olhou para Henry com o canto do olho para ver sua reação ao pequeno elogio e ficou
satisfeito ao ver um sorriso curvar os lábios de Henry. – Então, qual é a resposta?
O Chapeleiro piscou novamente. – Hã. Sim, acho que funciona, não é? Bom
show.
Henry puxou as mãos unidas, mas Chapeleiro se recusou a soltar. – Então, qual
é a resposta real?
– A verdadeira resposta?
– De que lado você está, afinal? – O Chapeleiro resmungou, mas ele se iluminou
alguns momentos depois. – Veja! Estamos quase fora da Clareira do Nunca!
Com certeza, a luz à frente foi lentamente se tornando mais brilhante, cortando
a densa escuridão do pântano da Clareira do Nunca e afastando as sombras. O Chapeleiro
acelerou o ritmo, ansioso para deixar o pântano e todos os seus residentes mortais e cheios
de dentes para trás.
Só depois de passar pelo último trecho do pântano sombrio e ficar sob o brilhante
sol do País das Maravilhas, o Chapeleiro se deu conta de que ainda segurava a mão de
Henry. Henry pareceu perceber ao mesmo tempo, porque eles soltaram as mãos um do
outro e deram um passo para longe, sem encontrar os olhos um do outro.
– Temos algumas horas restantes antes do pôr do sol. Melhor continuar andando.
– Ele esperava que eles tivessem luz suficiente para subir nas colinas suaves antes de
precisar acampar. A área adjacente ao pântano era relativamente plana e salpicada de
flores silvestres de cheiro adocicado. Isso seria um alívio depois de todo o tumulto que
eles sofreram desde que saíram da Toca da Lagarta, mas o Chapeleiro sabia que ainda
tinha seus próprios perigos.
Henry olhou para o Chapeleiro e depois deu uma olhada mais demorada. O
Chapeleiro estava mastigando o interior de sua bochecha e linhas de preocupação
vincaram sua testa. Ele parecia assustado, embora sobre o que, Henry não podia
adivinhar. Depois de escapar das formigas monstruosas do Formigueiro Vermelho, e
administrar a natureza retrógrada de Etnerf, e de navegar pela traiçoeira Clareira do
Nunca, a caminhada deles pela campina coberta de flores com a brisa perfumada de
padaria foi quase uma viagem. Que terror poderia ter o cheiro de um doce assado no
forno? – Chapeleiro? O que é isso? Você precisa me dizer. Você parece praticamente
assustado em suas calças.
– Então? O que há de tão assustador nisso? Elas não parecem difíceis de escalar.
Henry tirou a mão do Chapeleiro da boca. – Por favor, pare de fazer isso? – Ele
franziu a testa e cruzou os braços sobre o peito. – Estou enjoado e cansado de sua conversa
fiada, enigmas e tagarelice sem sentido. Diga-me o que está acontecendo ou não vou dar
outro passo.
– Sério? – Henry levantou uma sobrancelha. – Claro que eu posso. É uma maldita
margarida.
– Os Padeiros?
O Chapeleiro assentiu. – Eles são uma raça de gigantes que vivem nas montanhas
e fornecem à todo o País das Maravilhas produtos assados. Biscoitos, bolos, tortas… Cada
mimo assado vem daqui. Seus enormes fornos estão construídos nos contrafortes.
– Então?
– Você não entende? Os fornos nunca são acessos no final do dia. Eles só são
operados nas primeiras horas da madrugada! Os Padeiros vão trabalhar no meio da noite.
Henry levantou um ombro. – Então eles decidiram dormir e assar no final do dia.
E daí?
– Não é engraçado!
Henry mordeu com força a língua para parar de rir. O Chapeleiro estava
verdadeiramente aterrorizado. – Eu estou, hum... sinto muito, Chapeleiro.
– Não, sério. Sinto muito. – Ele realmente se sentiu mal e colocou a mão no
braço do Chapeleiro. Henry sabia por experiência que ser ridicularizado não era
agradável. As pessoas riram dele toda a sua vida por causa dos contos de Alice. – Por
favor me perdoe. Eu estava fora de linha. Deve ter sido horrível para você.
Henry pegou a mão do Chapeleiro e deu um tapinha nela. Ele acenou com a
cabeça em direção às colinas. – Isso não é uma enorme cadeia de montanhas. Talvez
possamos encontrar uma maneira de contorná-las.
Henry sorriu. – Talvez eles tenham chegado ao outro lado e gostado mais de lá,
e é por isso que eles nunca voltaram. Você nunca pensou nisso?
– Realmente, eu moro aqui, você sabe. Por que você deve questionar cada
palavra que sai da minha boca?
Henry pensou sobre isso. Por que? Ele tinha a suspeita de que era porque o
Chapeleiro - e o País das Maravilhas em geral - estava tão intimamente ligado a Alice.
Desde que ele passou quase a vida inteira não acreditando nela, duvidar do Chapeleiro
parecia uma progressão natural. – Desculpe. Você está certo. Eu acho que tenho
problemas com qualquer coisa relacionada ao País das Maravilhas. Eu nunca acreditei
nas histórias de Alice, você sabe. Eu sempre pensei que ela fez tudo para chamar a
atenção. Acho que lhe devo desculpas quando voltar.
Henry assentiu e tentou mudar de assunto. Ele achou que falar sobre as virtudes
de Alice era um passatempo desconhecido e desconfortável. Ele apontou para o oeste. –
O que é lá?
– Rio Venom. É uma hidrovia que começa nas Cachoeiras Sem Cabeça, a oeste
do Toca da Lagarta. Ela corta as Montanhas da Confecção e deságua no Lago Morto-
Vivo. A água é venenosa e ácida. É um rio de pedras, águas turvas ásperas e turbulentas
e vórtices rodopiantes que derreterão sua jangada debaixo de você e a carne de seus ossos
dentro de cinco minutos depois de embarcarem nela. E isso é só se você conseguir navegar
pela costa para chegar à água em primeiro lugar. As margens são o local de alimentação
e reprodução das cobras venenosas, dos basiliscos, das aranhas e de uma espécie
especialmente feroz de fogo de fava.
– Sim, claro. É chamado assim porque muitas partes são maravilhosas, mas
também porque é uma maravilha que alguém alguma vez sobreviva a algumas delas. – O
Chapeleiro pegou a mão de Henry e começou a puxá-lo para as colinas. – Nossa única
escolha é passar por cima das colinas. Quando estivermos nas montanhas, haverá bastante
cobertura para nos manter escondidos dos exércitos de Padeiros quando os cruzarmos.
Vamos. Mantenha a cabeça abaixada, e se você ouvir alguém gritar 'fogo'… abaixe-se.
O Chapeleiro sacudiu a cabeça. – Você realmente não acha que seria tão simples
assim, acha? As flores na Colina do Esquecimento produzem um pólen narcótico. É
grosso no ar e inevitável. O pólen é tóxico e é tão poderoso que você não será capaz de
resistir a comer ou beber tudo à vista. – Ele apontou para a colina. – Vê aquelas coisas
pálidas e irregulares espalhadas pela colina?
Henry assentiu. – Você quer dizer aquelas formações rochosas? Sim, eu as vejo.
– Essas não são pedras. Esses são os corpos calcificados de pessoas que
estupidamente acreditaram que a bonita e pequena colina era segura.
Henry não tinha que adivinhar. Ele podia ver tubarões de todos os tamanhos
diferentes nadando através da água, incluindo várias espécies que ele conhecia e muitas
outras que ele não conhecia. Tubarões martelo, tubarões-tigre, tubarões-touro e pelo
menos três grandes tubarões brancos circulavam continuamente a colina, junto com
tubarões-roxos, tubarões listrados e um que parecia quase tão grande quanto uma baleia
e comia vários tubarões enquanto nadava.
– Essa é a Colina Ovo. Ninguém tem certeza do que está incubando lá dentro,
mas seja o que for, estamos todos bastante confiantes de que será feio e faminto quando
chocar. Que, pela aparência das rachaduras que cruzam a superfície, pode ser a qualquer
momento.
Isso deixou a colina final e maior. Uma escova espinhenta cobria-o, mas Henry
não conseguia distinguir nada vivo, pulsante, saliente, nadando, jorrando, mordendo ou
brilhando nele. – O que é isso?
– Colina Picante. Está coberto de arbustos que picam como vespas. – Ele olhou
para Henry. – Você é alérgico a picadas de abelha?
– Não. Não que isso signifique que eu goste de ser picado, no entanto.
ERA MUITO mais difícil do que o Chapeleiro lembrava. Então, novamente, ele
não estava na área desde que era criança, e as crianças eram notoriamente ágeis. Não
importa o quão cuidadosamente eles pisavam, a escova espinhenta pegava suas calças,
atravessando o tecido para arranhar a pele por baixo. Isso não era como tomar algumas
picadas de abelha. Isso parecia como se eles estivessem atravessando uma piscina cheia
até a borda com vespas chateadas.
– Ai! Ai, ai, ai, ai. – Ele levantou os joelhos para o alto enquanto caminhava,
esperando dar pelo menos a uma perna de cada vez uma pausa dos espinhos mordedores,
ainda que temporário.
Henry adotou uma abordagem diferente. Ele dava longos e desajeitados pulos
pelos espinhos, parecendo um coelho que fumava erva. Seu método não parecia melhor
sucedido do que o do Chapeleiro, mas o Chapeleiro admitiu que era muito mais divertido
de assistir.
– Nós deveríamos ter arriscado com a Colina Ovo. – Henry parecia um pouco
ofegante, sem dúvida de todos os saltos intensos que ele estava fazendo. – O que quer que
saia daquela colina - ai - não pode ser pior do que esses espinhos.
– Nunca diga nunca. Ai. Eu aprendi que a única coisa que todas as criaturas
grandes e pequenas, sejam elas humanas ou animais, têm em comum ao nascerem é a
fome. Eu preferiria ser picado do que servir como a primeira refeição de um pesadelo
recém-nascido.
– Você não pode saber que iria querer nos comer. Ai. Talvez o que esteja nesse
ovo seja vegetariano.
Chapeleiro olhou para ele com desconfiança. – Depois de ver tudo o que você
tem visto do País das Maravilhas até agora, você realmente acha que as coisas
funcionariam desse jeito? Ai.
– Você vai me perdoar, mas até agora o País das Maravilhas é um saco, de bolas
grandes, gordas e peludas de macaco.
De alguma forma, apesar da dor aguda, o Chapeleiro riu. – Isso é, meu amigo.
Às vezes, isso acontece.
Dentro dos limites do vale, havia filas e mais fileiras de figuras parecidas com
humanos. Um olhar disse a Henry que eles não eram humanos. Suas cabeças, mãos e pés
eram muito grandes e redondos demais, e seus corpos, quando vistos de lado, eram muito
planos.
Uma figura comprida saiu da linha de frente dos soldados de gengibre. Ele usava
dragonas amarelas de alcaçuz e carregava uma espada de balas de chocolate. Ele levantou
e apontou para a Milícia do Açúcar. Sua voz era surpreendentemente profunda e
rudimentar para um biscoito. – Carregar!
Um assobio chamou sua atenção. Antes que Henry pudesse reagir, o Chapeleiro
empurrou-o para o chão e caiu em cima dele. Por cima do ombro do Chapeleiro, Henry
viu uma bola de chocolate do tamanho de uma bola de boliche cair, atingindo o chão ao
lado deles.
– Meu Deus! Isso poderia ter nos matado! – O medo congelou o peito de Henry,
dificultando a respiração. Foi muito próximo. Se Chapeleiro não o tivesse empurrado para
baixo, a bola poderia ter tirado a cabeça de Henry. Ele virou o olhar para encontrar o
Chapeleiro. – Você salvou minha vida.
O canto da boca do Chapeleiro se curvou em um sorriso indiferente, mas desde
que ele permaneceu deitado sobre Henry, ele realmente não podia esconder seu medo.
Henry podia sentir o coração do Chapeleiro acelerado. – Não foi nada.
O Chapeleiro não fez nenhum movimento para se levantar. Quanto mais Henry
ficava ali, a pressão do corpo do Chapeleiro prendendo-o ao chão, mais os sons da batalha
pareciam se desvanecer. Ele começou a notar como a mandíbula do Chapeleiro acentuava
seu lado esperto. Como os olhos do Chapeleiro eram de um marrom quente e escuro, não
totalmente negros como Henry pensara. E principalmente, como os lábios do Chapeleiro
eram cheios e macios. Ele se perguntou se eles se sentiriam quentes, e que gosto teriam.
Como é que com a guerra tão perto, com balas de canhão de malte de chocolate
voando e armas de gelo queimando, que eu posso estar pensando em beijá-lo? Este
maldito lugar finalmente me empurrou para o limite. Eu devo estar maluco. Louco. Com
certeza. Por que estamos apenas deitados aqui? Precisamos sair daqui antes de sermos
mortos!
Em sua cabeça, ele se repreendeu ferozmente, mas não falou uma única palavra
em voz alta. Em vez disso, ele levantou a cabeça e tocou os lábios no do Chapeleiro.
No fim das contas, eram tão macios e duas vezes mais quentes quanto Henry
imaginara, e tinham gosto de chá de hortelã.
Nada o surpreendeu mais do que quando Chapeleiro o beijou de volta, sua língua
provocando o lábio inferior de Henry. Exceto talvez pelo fato de que por um longo e feliz
momento, Henry estava perfeitamente contente em ficar ali no campo de batalha no País
das Maravilhas, com pedaços de soldados de gengibre e Milícia de Açúcar ao seu redor,
balas de canhão de malte de chocolate voando, sendo beijado por Chapeleiro.
Eles escalaram o que parecia ser uma eternidade para Henry. O caminho era
íngreme e, em pouco tempo, os joelhos e as costas doíam. Ele olhou para trás uma vez e
viu o vale divididos pela guerra espalhados muito abaixo. Eles vieram mais longe do que
ele pensava.
Henry ainda estava com medo de falar. Ele podia ver uma figura gigantesca
bloqueando o sol no outro extremo do vale. Ele baixou a voz para um sussurro. – O que
é que foi isso?
Nenhum deles mencionou em voz alta, mas pelo menos para Henry, o beijo deles
nunca saiu de sua mente, nem mesmo quando o Gigante passou tão perto que Henry podia
sentir a loção pós-barba do Gigante - um pouco picante e noz-moscada, como a torta de
abóbora de sua avó. Ele achou a lembrança quase tão agradável quanto o beijo em si, mas
não pôde deixar de se perguntar o que o Chapeleiro pensava sobre isso.
O Chapeleiro parecia contente em fingir que nada havia acontecido. Henry podia
entender isso, até certo ponto. Ele não era tão estúpido a ponto de acreditar que todo
mundo estava fora e confortável em sua própria pele. Algumas pessoas negavam a atração
que sentiam.
Não foi a primeira vez que Henry beijou um menino. Ele teve um namorado uma
vez. Ele e James namoraram por quase seis meses no segundo ano, e fizeram mais do que
simples beijos. Um sorriso lascivo enrugou sua bochecha enquanto se lembrava. Ele tinha
saído com Sarah antes de James, e Rachel depois, e nenhuma das meninas usava anéis de
pureza também.
Ainda assim, nenhum deles tinha sido o que Henry consideraria relacionamentos
“sérios”. Eles tinham sido divertidos, mas ele não ficara com o coração partido quando
eles terminaram. Durante toda a sua vida ele se sentiu como se estivesse procurando por
algo, que algo estava faltando e que ele nem sabia o nome, mas ele sabia que não tinha
sido nem James nem nenhuma das garotas.
Poderia ser que ele devesse estar procurando no País das Maravilhas o tempo
todo? Mesmo quando ele repreendeu Alice por contar mentiras e acreditou que não
poderia existir? Pela primeira vez, ele começou a questionar seus próprios motivos para
não acreditar em Alice. Teria sido porque ele realmente pensava que ela estava mentindo,
ou tinha alguma parte pequena e feia dele com ciúmes de seus contos?
Ele não sabia. Era tudo muito confuso. O que ele sabia era que ninguém que ele
namorou antes o beijou cegamente na poeira de um campo de batalha, enquanto balas de
canhão de malte de chocolate assobiavam no alto, e o cheiro de pão de gengibre pairava
pesado no ar. Nenhum de seus beijos tinha queimado tanto em sua memória que nem
mesmo os passos trovejantes de um gigante poderiam desalojá-los.
CAPÍTULO ONZE
Surpreendentemente, nunca ficou mais frio, não importando o quanto mais alto
eles subissem. A temperatura ficou quente por causa dos enormes fornos no sopé das
montanhas. Calor viajava para cima, e eles produziam o suficiente para aquecer até
mesmo os picos das montanhas mais altas.
Espere. O que?
– Não importa. A rainha acredita que você fez isso. Oh, seu julgamento foi
espetacular, eu ouso dizer. Argumentos se prolongaram por tanto tempo que a Rainha
realmente bocejou. Eu nunca vi tal exposição. Claro que, no final, você foi considerado
culpado.
– Muito sensato de você concordar. Agora, se você não se importa, o que diz de
nos apressamos, sim? Estamos atrasados. – O Coelho mostrou ao Chapeleiro a cara do
relógio de bolso de novo, como se para provar a ele o quão atrasados eles realmente
estavam.
Henry franziu a testa para ele, mas o Chapeleiro fingiu não notar, mantendo sua
atenção no Coelho. Ele lidaria com os sentimentos feridos de Henry mais tarde.
– Eu não sou nada como Alice! – Henry olhou para o Coelho, seu lábio enrolando
sobre os dentes.
O Chapeleiro deu um passo para a esquerda, efetivamente se colocando entre
Henry e o Coelho. – Entende? Existem circunstâncias atenuantes. Ele é muito
desagradável. De maneira tão barulhenta. Eu não matei o tempo. Se qualquer coisa, eu
salvei, fazendo ele se apressar, apesar de sua natureza argumentativa.
– Ei! Você está do lado de quem? Eu não sou argumentativo! – Henry colocou.
O Chapeleiro sorriu para Henry por cima do ombro. – Obrigado por provar meu
ponto.
O Coelho acenou com a mão para os dois. – Não importa. Você sabe como é
com a rainha. Ela nunca muda seus veredictos.
Henry puxou seu ombro. – Que promessa? Você não disse nada sobre uma
promessa da Rainha, Chapeleiro.
– Você acabou de dizer que não estamos atrasados! – Henry gritou, suas
bochechas ficando muito vermelhas.
– Eu menti. – O Chapeleiro virou-se, não querendo ver a dor e raiva nos olhos
de Henry. Mentindo sobre mentir sobre mentir. Foi uma nova baixa, mesmo para ele. Ele
tentou não se livrar do peso da culpa pressionando seus ombros enquanto seguia o Coelho
pela floresta em direção ao castelo da Rainha Vermelha.
Henry agarrou seu braço e o puxou para uma parada. Eles observaram o Coelho
pular na distância, nunca desacelerando, obviamente convencido de que os dois iriam se
apressar atrás dele agora que ele havia provado o quão atrasados eles estavam. – O que
você quis dizer quando disse que mentiu? Sobre o que você mentiu?
Henry cruzou os braços sobre o peito. O olhar em seu rosto era positivamente
assassino. Era óbvio para o Chapeleiro que Henry não estava dando um passo até ter uma
explicação.
– Decepar... você quer dizer... – A mão de Henry foi para o pescoço como se
para proteger sua garganta macia. – Eu não pretendo nada disso! Estou aqui por acaso.
Eu só vou explicar as coisas para ela e...
– Explicar? Para a Rainha Vermelha? – O Chapeleiro não pôde evitar que uma
risada sardônica escapasse de seus lábios. – Ninguém explica nada para a rainha. Ela é
construída apenas com maldade e teimosia unidas por alguns fios de narcisismo e uma
boa dose de presunção. Ela cortaria sua cabeça se você tentasse convencê-la a cortar sua
cabeça.
Pálido como leite, Henry começou a andar de um lado para o outro, com as mãos
presas aos lados da cabeça, como se para impedir que seu cérebro escapasse por suas
orelhas. – Por quê? Porque você mentiu para mim?
– Eu não fiz. Não de verdade. Se você se lembra, eu disse que a rainha queria
que eu te levasse para o castelo, e essa era a verdade. Simplesmente omiti a parte de
perder a cabeça. – O Chapeleiro sentiu-se vazio por dentro. Ele soou como um idiota até
para si mesmo. Então, novamente, ele nunca esperou ter sentimentos por Henry, além de
gratidão por fornecer uma maneira de manter sua própria cabeça presa aos ombros. As
novas acusações contra ele por matar o Tempo eram falsas; a rainha tentava garantir que
o Chapeleiro - e, por sua vez, Henry - fossem entregues a ela pelo Coelho. Ele não estava
preocupado com eles, mas estava preocupado com Henry. – Escute-me. A rainha não é
uma boa esportista, mas não precisamos vê-la para chegar em casa.
– Oh? Por que eu deveria acreditar em uma palavra que você diz de novo?
Henry parou de andar e encarou Chapeleiro. – Então o que eu devo fazer? Ficar
aqui para sempre? Eu tenho uma vida em casa! Amigos. Família. – Ele pegou sua camisa
e calças, que estavam imundas de sua passagem pela escalada de Clareira do Nunca e
Montanha das Confecções. – Roupas limpas!
– Eu não posso! Ela é minha irmã e, além disso, devo desculpas a ela. Eu estava
errado. Ela estava dizendo a verdade todos esses anos. Eu tenho outra família além de
Alice, você sabe. Lá está meu pai... Ele bebe, mas ainda é meu pai. Além disso, há o
irmão de minha mãe, Leonard, que apareceu alguns anos atrás. As pessoas dependem de
mim. Eu tenho que voltar!
– Bem, como eu disse - se você estivesse ouvindo, o que obviamente não estava
- existe outro jeito. Eu sei onde está o espelho mágico, o que Alice usou na última vez
que veio ao País das Maravilhas. – O Chapeleiro se permitiu um pequeno sorriso
triunfante. – É lógico que se ela usou para chegar aqui, então você pode usá-lo para chegar
em casa. – Seu sorriso escorregou, e ele sussurrou, quase sob sua respiração. – A não ser
que seja mágica de mão única, como a porta da Toca da Lagarta.
Colocando as mãos atrás das costas e colocando o queixo para baixo, Henry
recomeçou a andar. Era óbvio para o Chapeleiro que ele estava pensando nas coisas. – Eu
suponho que se o espelho não estiver lá, então eu não estou pior do que estou agora. Eu
sempre posso voltar para o Castelo Vermelho, certo?
Ele olhou para longe, onde o Coelho não era mais do que um ponto no horizonte,
depois virou para o noroeste. Sua voz soava muito mais animada do que ele se sentia. –
Por este caminho! Vamos, vamos nos animar. Temos quilômetros a percorrer antes do
anoitecer. Quilômetros para ir. – Ele partiu em um ritmo acelerado, com Henry ao seu
lado.
– Alice foi rainha uma vez. Ela não contou? – O Chapeleiro suspirou e começou
a andar. Como ele suspeitava, Henry manteve o ritmo com ele. – Foi anos atrás, no final
da última visita de Alice aqui. Claro, há aqueles que acreditam que é verdade, outros que
insistem que não era nada mais do que um sonho do Rei Vermelho, e outros que acreditam
que Alice era a única a sonhar, mas desde que eles se foram há anos, não há como verificar
de qualquer maneira. Eu nem tenho certeza de como isso aconteceu, já que é
singularmente incomum para alguém que não nasceu para a coroa usá-lo. Tudo o que sei
é que supostamente envolveu um jogo de xadrez, um Cavaleiro Branco e algum tipo de
bolo.
– Você sabe, eu não tenho certeza. – O Chapeleiro bateu com o dedo no queixo.
– Certamente nada tão comum quanto bolo de baunilha. Talvez fosse algo da variedade
invertida, uma vez que certamente transformou a monarquia em alvoroço por um tempo.
Claro, então Alice desapareceu novamente, e as coisas voltaram ao normal, ou para o que
é normal aqui na maioria dos dias, então eu suponho que isso realmente não importa.
O Chapeleiro franziu a testa, pensando. Ele não tinha pensado nisso antes. – Eu
não sei com razão. Alice não nasceu para a realeza - ela era uma plebeia que ganhou a
coroa. Ainda assim, ela a segurou por um tempo, mesmo que fosse apenas uma questão
de horas, e desapareceu sem nunca renunciar formalmente. Você é do sangue dela, mas,
francamente, eu não sei o que isso faz de você.
O silêncio desceu por mais alguns minutos antes de Henry falar de novo. – Alice
e sua coroação duvidosa de lado, e a minha outra pergunta? Como pode haver duas
rainhas em uma terra?
– Essa é outra história.
– Bem, nós temos tempo, certo? Eu não vejo o Castelo Branco em nenhum lugar
por aqui.
O Chapeleiro soprou um fio de cabelo dos olhos. – Anos e anos atrás, irmãs
gêmeas nasceram para a rainha governante. Uma era pura, doce e gentil com todos. Nunca
uma palavra aguda passou por seus lábios. Ela era amada por todos que a conheciam. A
outra gêmea era tão crua e cruel quanto sua irmã era boa. Ela tinha um sorriso torto e uma
alma distorcida.
– Hum, não.
– Por favor, por favor. – Henry disse, com apenas um leve indício de sarcasmo.
– Quando seus pais se recusaram a mudar de ideia, ela planejou sua vingança
com cuidado. Primeiro, ela tomou um marido, um bom companheiro, que realmente
deveria ter sabido melhor. Poucas semanas depois do casamento, e antes que eles
pudessem declarar oficialmente sua irmã Sucessora ao Trono, seus pais morreram em
circunstâncias suspeitas - eles morreram sufocados com torta de corvo, um prato que
ninguém sabia apreciar.
A recém-casada, sendo a mais velha por meros minutos, reivindicou o trono para
si mesma sob as Regras do País das Maravilhas para a Real Progressão, que permite que
a criança mais velha herde a coroa a menos que seja decretado o contrário formalmente
pelo rei e rainha. Seu primeiro pedido foi banir sua irmã para o outro lado do País das
Maravilhas, proibida de entrar no Castelo Vermelho novamente.
– Então é por isso que ela quer minha cabeça? Porque Alice se tornou rainha?
O Chapeleiro assentiu, sem sentir o mesmo júbilo. – É isso aí. Nós estaremos lá
antes do anoitecer.
Antes de a noite cair, ele descobriria se poderia mandar Henry para casa através
do espelho, ou se Henry estava preso aqui no País das Maravilhas. Nenhuma das opções
fez o Chapeleiro muito feliz. Se Henry fosse para casa, o Chapeleiro sentiu que sentiria
falta de algo maravilhoso antes que tivesse a chance de apreciá-lo. Se Henry ficasse, os
dois viveriam fugindo da Rainha Vermelha, ou pior, perderiam a vida por causa da ira
malévola dela. A dele era, como dizia o velho País das Maravilhas, uma situação de perder
e perder.
Não havia fosso – o Chapeleiro lembrou-se de que a Rainha Branca era muito
receptiva a todos que procuravam uma audiência com ela -, mas mesmo de longe podiam
ver as altas portas de entrada dupla pendendo de suas dobradiças. A totalidade do castelo
tinha uma aparência angustiante, triste e de alguma forma insuportavelmente solitária,
como se o propósito fosse abrigar a vida, mas agora era casa apenas para fantasmas.
O Chapeleiro fez uma pausa, olhando para as quatro torres. Os restos da bandeira
da Rainha Branca ainda ondulavam de um poste no alto da torre nordeste. Embora
estivesse rasgado e cinza de exposição, ele ainda podia distinguir a rosa branca em seu
centro.
– O lugar parece estar deserto há muito tempo. – Disse Henry. – Você tem
certeza que o espelho ainda está aqui?
O Chapeleiro encolheu os ombros. – Espero que sim. Estava aqui da última vez
que passei por esta área, mas a Rainha Branca estava muito viva naquela época.
– Ótimo. Ótimo. O que eu faço se não estiver aqui? – Henry começou a bufar e
resmungar, com as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo. – Chapeleiro, responda-
me. O que eu vou fazer?
Sua voz sumiu quando ele avistou algo ao longe, aproximando-se da borda leste
do prado. Seus olhos se arregalaram e seu estômago revirou. – Henry?
– Corre.
Henry se virou e olhou para o leste, onde uma forma escura se espalhava pelas
flores brancas como sangue derramado na água. – O que é isso?
Enquanto fugiam, ele notou que quase nenhuma decoração foi deixada no
castelo. Não havia estátuas, poucas pinturas e apenas um par ou dois de móveis. Foi bem
e devidamente saqueado. Ele começou a duvidar que o espelho ainda estaria lá, embora
ele não desse voz ao seu medo. Eles descobririam em breve.
Ele podia ouvir vozes fracas agora. A Guarda da Rainha Vermelha deve ter
entrado no castelo. Colocando uma nova rajada de velocidade, ele agarrou a mão de
Henry novamente e correu pelo longo corredor. Finalmente chegando ao fim, ele tentou
a alça da porta do quarto da rainha.
Estava trancado.
Ele mexeu, torceu, puxou e xingou, mas a maçaneta não se moveu. – Droga!
Está trancado.
– O que?
– Sua mágica. Certamente você pode abrir uma porta com ela, certo? Quero
dizer, você podia se tornar grande, e você tinha a luz do raio, e você tem um bolso que
provavelmente tem um elefante em algum lugar. Diga-me que não pode abrir uma porta
simples! – A voz de Henry era estridente e oscilava à beira da histeria.
– Eu... eu não sei como... – O Chapeleiro fez uma pausa. Magia. Poderia ser a
porta guardada por um simples feitiço? Ele encolheu os ombros. Valia a tentativa. Afinal
de contas, não poderia doer, e parecer tolo se não funcionasse era a menor de suas
preocupações agora. Olhando diretamente para a maçaneta, ele disse: – Abra.
Nada.
– Por favor. Até eu sei que essa é a palavra mágica, Chapeleiro. – Os lábios de
Henry se curvaram em um pequeno sorriso satisfeito, apesar da dúvida de sua situação.
Não que uma mera fechadura mágica pudesse manter os Guardas Vermelhos
fora do quarto por muito tempo - eles simplesmente iriam quebra-la para entrar, mas
compraria para o Chapeleiro e Henry mais alguns momentos preciosos.
Vermelho era a cor de sua gêmea e, sem dúvida, a Rainha Branca detestava.
Talvez o feitiço da fechadura tivesse feito o seu trabalho, porque ao contrário do
resto do castelo, esta sala parecia intocada. Sob os pés deles, um tapete de cores brilhantes
e retorcidas amortecia seus passos. Um grande leito de cisnes dominava uma parede,
coberto de travesseiros fofos e um edredom grosso da cor das esmeraldas. Outras grandes
peças ornamentadas de mobília: um armário, uma cômoda e uma penteadeira, estavam
espalhadas, sua madeira brilhando como se fossem polidos naquele mesmo dia. Nem uma
partícula de poeira estragava suas superfícies.
Seja qual fosse o feitiço de limpeza que a Rainha Branca tenha lançado, ainda
devia estar em vigor, pensou o Chapeleiro, olhando ao redor do quarto. Então ele
congelou, apontando. – Olha, Henry, ali! Na esquina. É isso!
– Uau. É enorme. Por que não consigo me ver nele? Está tudo enevoado. – Henry
estendeu a mão para limpar a superfície, mas o Chapeleiro segurou sua mão.
O Chapeleiro bufou e olhou para ele como se fosse um idiota. – Porque toda vez
que alguém passa pelo espelho, eles levam um pouco de magia com eles. Se muitas
pessoas fizerem a viagem muitas vezes, toda a magia do País das Maravilhas
desaparecerá. Então onde nós estaremos? É por isso que a Rainha Branca o manteve aqui,
vigiado em todos os momentos.
Fazia sentido, de uma maneira estranha e distorcida - como quase todo o resto
no País das Maravilhas, Henry percebeu.
Houve uma batida repentina na porta do quarto. Os Guardas Vermelhos haviam
chegado. As portas estremeceram como se algo pesado estivesse sendo batido contra ele
do outro lado.
Henry assentiu e fechou os olhos com força. Ele respirou fundo várias vezes e
fez alguns falsos começos.
Atrás deles, o som de madeira lascada chamou sua atenção. Eles se viraram e
viram um painel quebrado de madeira no centro da porta com um machado alojado nele.
Enquanto observavam, uma mão invisível soltou a cabeça do machado. Outro golpe brutal
ampliou a fenda na porta.
O Chapeleiro agarrou o braço de Henry. – O que você está esperando? Eles vão
romper a qualquer minuto!
Era como caminhar por uma poça de xarope de milho. Essa era a única maneira
de Henry descrever a sensação de entrar e sair pelo espelho. O não bastante fluido era
claro, mas gelatinoso, e enchia cada fenda do corpo - as orelhas, o nariz, e ele suspeitava,
os olhos e a boca, se não os tivesse instintivamente apertados. Levou apenas um momento
para passar pelo líquido viscoso, mas isso era bastante longo, no que dizia respeito a
Henry.
Surpreendentemente, quando ele entrou no outro lado, ele estava tão seco quanto
antes de entrar no espelho. Qualquer substância que envolvesse a membrana entre os
mundos, secava instantaneamente quando atingia o ar.
Henry agradeceu pelos pequenos favores. Ele teria odiado ser atolado pelo
xarope, pingando longas filas de espelhos por todo o lugar.
Havia uma parede branca diante dele, que ele rapidamente percebeu ser um
lençol. Empurrando-o para o lado, ele saiu da frente do espelho. Ele estava em um sótão,
cheio de caixas de lixo e troncos e brinquedos descartados. Ele só esperava que o sótão
estivesse na casa de Alice. Ele teria odiado ter que explicar sua presença para outra
pessoa.
Henry parou ao som da voz familiar. Girando ao redor, ele ficou cara a cara com
Chapeleiro.
– Por que não? Minha única outra opção era ficar para trás e permitir que a rainha
cortasse minha cabeça por deixar você escapar. Simplesmente escolhi a opção menos
dolorosa e, pelo geral, permanente. – Ele tocou a ponta de uma cadeira de balanço e tocou
a poeira deixada em seu dedo indicador. – Eu pergunto de novo... onde estamos?
Ele fez sinal para o Chapeleiro segui-lo. A única saída do sótão era uma escada
que dava para o teto. O único problema era que não era construído para ser aberto de
dentro do sótão - apenas do corredor abaixo. Ele imaginou que os construtores não
tivessem contado com ninguém que aparecesse magicamente no sótão por meio de um
espelho encantado.
Ele levou o Chapeleiro a uma das duas únicas janelas do sótão. Era pequena e
redondo, mas grande o suficiente para cada um deles passar. Henry destrancou e abriu-a.
Havia um grande carvalho que se aproximava da casa de Alice e seus galhos se
espalhavam pela janela. Ele pulou da janela para uma pequena saliência e pulou para um
largo membro. – Vamos lá, Chapeleiro. É fácil.
– Juro. Nenhum tubarão. Apenas alguns pardais, e eles não vão te machucar.
Não demorou muito para descer usando os galhos robustos do carvalho. Foi
apenas um pequeno salto desde o mais baixo até o chão. Henry pegou o Chapeleiro pela
mão e atravessou uma passagem limpa, passou por uma fileira de sebes bem aparadas e
subiu a escada da varanda até a porta de Alice. Havia uma pequena campainha redonda
ao lado da maçaneta da porta e ele a apertou. De dentro da casa, soaram sinos delicados.
Eles não tiveram que esperar muito. A porta se abriu para revelar Alice, vestindo
uma camiseta azul clara e jeans. Seus gêmeos de dois anos de idade, Carol e Louis,
ficaram de joelhos. Seu sorriso era sardônico, na melhor das hipóteses, quando os viu. –
Henry! Eu não esperava você de volta tão cedo. E olha quem o Gato arrastou! Ou melhor,
olhe quem o Gato cuspiu. Eu teria dificuldade em imaginar o Gato querendo levá-lo a
qualquer lugar, Chapeleiro.
Para surpresa de Henry, Alice riu e abriu a porta. – É bom ver você também,
Chapeleiro. Por favor entre.
Henry seguiu o Chapeleiro para dentro, imaginando a relação entre sua irmã e o
Chapeleiro. Ele pensava que se odiavam pelo modo como falavam um do outro, mas
Alice estava rindo, e o Chapeleiro também não parecia muito chateado.
– Estes são meus gêmeos, Carol e Louis. – Alice acariciou seus cachos loiros.
Eles pareciam exatamente com a mãe deles. – Eles têm dois anos de idade.
O Chapeleiro ficou boquiaberto. – Você quer dizer que você os gerou? Eu acho
que um de vocês é o bastante para os dois mundos, muito obrigado.
Alice riu novamente e levou os dois para sua sala de estar. – Fiquem à vontade.
Vou pegar algumas bebidas e depois pode me dizer o que achou do País das Maravilhas,
Henry, e por que diabos você trouxe o Chapeleiro aqui. – Ela atravessou uma porta em
arco que levava à cozinha.
Por alguma razão, Henry sentiu como se tivesse que se defender. Ele gritou
depois de Alice. – Eu não o trouxe! Ele só… me seguiu para casa. Como um cachorrinho.
– Ela desafiou a Rainha Vermelha e mais tarde pegou a coroa, mesmo que fosse
por pouco tempo. A Rainha Vermelha adoraria ver sua cabeça rolar. É por isso que ela te
queria tanto. Se ela não conseguisse arrancar a cabeça de Alice, o do seu irmão seria um
substituto satisfatório. – O Chapeleiro tirou o chapéu e alisou o cabelo. – Alice e eu
concordamos em falar mal um do outro a todo custo, então ninguém suspeitaria que
éramos amigos. Fui jogado na prisão para apodrecer porque a rainha suspeitava que eu
não odiava Alice tanto quanto eu dizia, mas sem qualquer prova definitiva, ela não podia
ordenar que minha cabeça rolasse - pelo menos não enquanto eu ainda pudesse ser útil.
para ela, de qualquer maneira.
– Aqui vamos nós! – Alice colocou uma bandeja sobre a mesa de café em frente
ao sofá, e serviu-lhes copos altos de chá gelado. – Limão?
– Por favor. – Disse o Chapeleiro. Seu chapéu estava em seu joelho e suas costas
estavam eretas. Quando ele pegou o copo para tomar um gole, seu dedo mindinho se
estendeu graciosamente. – Excelente chá. Arganaz ficaria muito satisfeito.
Alice se acomodou em uma poltrona. Os gêmeos se sentaram em ambos os lados
dela, observando Henry e Chapeleiro com grandes olhos azuis e sombrios. – Como está
Arganaz?
Um olhar triste roubou o sorriso de Alice. – Ele ainda está amaldiçoado? Ele não
escapou quando você fez?
A expressão de Alice ficou dura. – Isso é horrível. Pobre Arganaz! É tudo culpa
da Rainha Vermelha. Foi ela quem acusou você e o Arganaz de matar o Tempo. Vocês
eram ambos inocentes também.
– Eu sei. Ela só piorou desde que você saiu. Você não acreditaria no caos que
ela causou. Ela é bem maluca, você sabe. Sem o Rei Vermelho para temperar suas birras,
cabeças rolaram por todo o País das Maravilhas. – O Chapeleiro tomou um gole de chá
novamente. – Há hortelã nisso? É muito delicioso.
Sem outra palavra, ela correu para a escada e subiu para o segundo andar. Ela
desapareceu por um corredor.
Henry se virou para Chapeleiro. – Que diabos está acontecendo aqui? Ela está
agindo estranhamente? Quero dizer, mais estranhamente do que o habitual? Você tem
alguma ideia do que está acontecendo?
– Bem, essa boca parece estar emitindo algum tipo de líquido glutinoso por toda
a sua calça.
Henry olhou para cima. Um cavalheiro alto, vestindo uma jaqueta escarlate,
estava na escada. Alice pairou logo atrás dele. – Oh, olá, tio Leonard. Eu não sabia que
você estava ficando com Alice. Chapeleiro, este é o irmão da minha mãe, Leonard.
A boca do Chapeleiro se abriu até que sua mandíbula quase tocou seu peito. Ele
fechou e curvou-se na cintura, a testa quase batendo contra a mesa de café. Quando ele
se endireitou novamente, a expressão mais estranha de admiração iluminou seus olhos. –
Não, Henry. Este é o Rei Vermelho.
CAPITULO QUATORZE
– CHAPELEIRO! Tão bom ver você de novo, e com a cabeça ainda presa! Como
você conseguiu isso? Eu teria pensado que a rainha teria decepado isso anos atrás. – A
voz de Leonard era forte e vibrante, embora o cabelo e a barba bem aparada fossem
prateados. Ele desceu a escada com um passo leve e sentou-se em uma poltrona estofada
na sala de estar. – Por favor sente-se. Nós não somos de cerimônias neste mundo.
– Henry, meu filho, sente-se antes que você caia. – Leonard arqueou uma
sobrancelha branca e espessa. Ele inclinou a cabeça. – Você está bem, Henry? – Ele se
virou para Alice. – Ele está bem? Talvez devêssemos chamar um médico. Eu sabia que
deveríamos ter contado a ele mais cedo.
– Ele não teria acreditado em nós então, Sua Majestade. – Alice respondeu. Ela
se levantou e foi até Henry, pedindo que ele se sentasse no sofá. – Eu conheço meu irmão.
Ele não teria acreditado até ver tudo com seus próprios olhos. – Ela sorriu para Henry. –
Meu irmão é muito obstinado para fazer o contrário.
Ele acreditava, é claro, e relutantemente concordou que Alice estava certa sobre
sua teimosia, mas não conseguiu perder a expressão de choque e descrença em seu rosto.
– Ele... Ele…
– Sim, Henry. O tio Leonard é realmente o rei vermelho. Bem, na verdade, ele
não é nosso tio, é claro. Nós só dissemos isso para explicar sua presença em nosso lar ao
Pai. Felizmente, o pai nunca conheceu a maioria dos parentes da mãe, então a mentira se
sustentou. – Alice deu um tapinha no ombro de Henry. – Você entende agora porque
guardamos o segredo de você, não é?
– Não, Alice. Eu não entendo. Eu não entendo nada disso! – Henry afastou a
mão de Alice. Ele se virou para Chapeleiro. – Você estava nisso? Você sabia que ele
estava aqui? É por isso que você me seguiu pelo espelho?
O Chapeleiro sacudiu a cabeça. – Não, claro que não, Henry. Juro pela minha
honra que não sabia. – Ele olhou para o Rei Vermelho. – Todo mundo no País das
Maravilhas acha que você está morto, senhor. Eu pessoalmente sempre esperei que você
simplesmente tivesse fugido, mas nunca suspeitei que você poderia ter vindo com Alice
através do espelho.
– Ah, sim. – Leonard assentiu. – Talvez sair fosse tomar o caminho do covarde.
– Bobagem. – Alice balançou o dedo para Leonard. – Ela teria encontrado uma
maneira de fazer sua cabeça rolar. Estou certa disso.
– Sente-se, Henry. Vou explicar tudo. – A autoridade na voz de Leonard fez mais
para convencer Henry de que Leonard era quem Alice e Chapeleiro alegavam que ele era
do que qualquer outra coisa. Henry sentou-se.
– Na segunda vez que Alice veio ao País das Maravilhas, eu já tinha decidido
deixar o Castelo Vermelho. Eu não podia suportar o que minha esposa estava se tornando,
ou o que ela estava fazendo para o mundo que eu amava. Eu também não conseguia pará-
la. Talvez eu fosse muito fraco ou... Bem, eu a amei uma vez, você sabe. Em todo caso,
pensei que tirar uma licença sabática me ajudaria com as decisões difíceis que eu
precisava tomar. Ele se virou e sorriu para Alice. – Então a querida Alice ganhou a coroa
e tornou-se rainha. Ela se ofereceu para me levar para casa com ela, para que eu pudesse
ter uma folga dos meus problemas, e eu concordei. Nós viemos através do espelho no
castelo da Rainha Branca. Eu pretendia retornar. Eu realmente pretendia. Eu até trouxe
um raro feitiço de retorno engarrafado comigo para o caso de algo acontecer ao espelho
do Castelo Branco na minha ausência. – O Rei Vermelho suspirou, e dentro dele estava
todo o desgosto que ele sofreu. – Eu não contei com o fato de ser tão legal aqui. Ninguém
gritando dia e noite, sem cabeças rolando pelo carpete... Eu queria ficar para sempre.
– E você seria muito bem-vindo para ficar, Sua Majestade. – Disse Alice. Ela
sorriu para ele. O carinho entre eles era evidente para todos.
– Obrigado, minha querida. – Ele olhou para Henry. – Você foi um rapaz muito
rude, como eu me lembro. Sempre duvidando das histórias de sua irmã, menosprezando-
a, ameaçando tê-la trancada… Você deveria ter vergonha.
Henry tinha vergonha, e isso aparecia em seu rosto. – Eu sei disso agora. – Ele
se virou para Alice. – É uma das razões pelas quais eu não podia esperar para chegar em
casa. Desculpar-se. Mana, eu sinto muito, sinto muito por tudo que eu disse e fiz. Eu perdi
tantos anos que poderíamos ter desfrutado juntos por ser um idiota estúpido e tolo. – Seu
rosto queimava com a sua confissão, mas ele se forçou a olhar Alice nos olhos. – Você
estava certa o tempo todo. Sobre tudo. Você pode me perdoar?
Alice sorriu para ele e deu um pulo, jogando os braços ao redor do pescoço dele.
Ela o abraçou com força e, pela primeira vez desde que Henry pôde se lembrar, ele a
abraçou de volta. – Claro que eu te perdoo. Se você me perdoar por mandar você para o
País das Maravilhas despreparado.
Henry sorriu. – Bem, tem isso. Por que você fez isso? Fico feliz que tenha feito,
porque eu era muito tonto para acreditar em você do contrário, mas o que fez você fazer
isso agora?
– A ideia foi minha, Henry. – Leonard tocou no peito e fez uma breve reverência.
– Mea culpa. Minha culpa totalmente. Eu senti que a animosidade entre vocês dois
precisava terminar, e a única maneira de fazer isso era você ver o País das Maravilhas
com seus próprios olhos, então eu usei o feitiço de retorno engarrafado em você. –
O Chapeleiro mordeu o lábio e olhou para Henry. – Ele não sabe. Ele saiu com
Alice, lembra?
Leonard empalideceu. – Diga-me que minha esposa não... nem mesmo ela
poderia ser tão horrível a ponto de colocar sua própria irmã no machado.
– Não, Alice. Você não tinha como saber o quão insana minha esposa se tornaria.
Se alguém é culpado, sou eu, por me esquivar do meu dever e deixar o País das Maravilhas
desprotegido. – Leonard engoliu em seco e enxugou os olhos, depois olhou para o
Chapeleiro e Henry. – Você diz que ela está fora de controle agora?
Para seu crédito, o Chapeleiro hesitou apenas por um momento. – Claro, Sua
Majestade.
– Eu vou, senhor. – Alice colocou a mão no ombro do Rei Vermelho. Seu sorriso
era trêmulo, mas ela levantou a cabeça.
– Não, Alice. Você tem filhos agora. Sua responsabilidade está com eles e seu
marido. – Leonard deu um tapinha na mão dela e olhou para Henry. – E você, Henry?
Você viu o País das Maravilhas. Você vai me ajudar a salvá-lo?
Voltar? Ele tinha acabado de fazer uma jornada que ele não tinha certeza se
sobreviveria para chegar em casa, e Leonard queria que ele voltasse?
Então, novamente, havia partes do País das Maravilhas que eram lindas, e até
mesmo as partes assustadoras tinham uma certa singularidade que deveria ser preservada.
Além disso, se ele não voltasse, provavelmente nunca mais veria o Chapeleiro.
Esse pensamento fez com que ele se sentisse um pouco enjoado, embora não soubesse
por que deveria. Ele não gostava muito do Chapeleiro, não é?
A lembrança de seu beijo encheu sua mente, junto com o gosto do Chapeleiro
em sua língua. Oh, aquele beijo, aquele beijo miserável, horrível e maravilhosamente
surpreendente! Isso o perseguiria para sempre?
– Sim. – Disse Henry. Ele sentiu o Chapeleiro apertar sua mão. – Eu vou voltar
e ajudar. – Ele se virou para o Chapeleiro e viu um sorriso no rosto do Chapeleiro que
queimou Henry até os dedos dos pés. Ele devolveu com um dos seus próprios.
Ele não viu Alice e Leonard trocarem um olhar conhecedor, mas ouviu Leonard
dizer: – Excelente. Vamos sair de manhã.
De manhã, Henry pensou. O que significa que temos a noite toda aqui. Ele não
questionou por que o pensamento de passar tempo com o Chapeleiro em seu próprio
mundo o fez feliz, mas o fez.
Quando saíram da casa de Alice pela primeira vez, a rua estava silenciosa, mas
quando chegaram à rua principal, o tráfego era muito mais pesado. O Chapeleiro apertou
o braço de Henry, seus olhos escuros arregalados e redondos. – Que tipo de bestas são
essas? Meu Deus, olhe! – Ele apontou para um ônibus escolar amarelo brilhante. Esse
comeu dúzias de crianças! A expressão dele ainda estava assustada, e ele continuou
olhando os veículos na rua como se pudessem pular para o meio-fio e engoli-lo. – Oh, o
horror!
– Relaxe, Chapeleiro. Isso é só um ônibus. São carros, caminhões e táxis. Eles
são máquinas, não animais. Mais ou menos como carruagens. As pessoas os dirigem e
andam neles para se locomoverem mais rápido. Eles funcionam com um motor a
combustão e são abastecidos com gasolina, embora alguns sejam híbridos e usem uma
combinação de eletricidade e gás.
– Não, não. Você não entende. Os fósseis não vão a lugar algum.
Henry soltou um suspiro exasperado. – Deixa pra lá. Apenas entenda que eles
não vão te machucar desde que você não pule na frente deles. Se algum bater em você,
isso pode te matar.
– Ah. Foi assim que eles comeram todas aquelas pessoas? Eles correm suas
presas para baixo, e depois devoram isso? Quão medonho.
Henry bateu com a mão no alto da cabeça como se quisesse evitar que a dor de
cabeça que ele estava desenvolvendo escapasse dos limites de seu crânio e decidiu deixar
as explicações para mais tarde. Era muito frustrante. Ele se perguntou se ele parecia tão
denso quando apareceu no País das Maravilhas, e deu um sorriso tímido quando admitiu
para si mesmo que provavelmente teria sido ainda pior. – Se você confia em mim, eu
prometo que nada aqui vai te machucar.
O Chapeleiro olhou longa e duramente para Henry, depois sorriu e acenou com
a cabeça e pareceu relaxar. Sua curiosidade era interminável, assim como suas perguntas.
Pelo menos, parecia assim para Henry.
Ele insistiu que os arranha-céus, subindo quarenta ou mais andares acima da rua,
tinham que ser obra de gigantes. Henry tentou pacientemente explicar sobre arquitetos,
equipes de construção e os gigantescos guindastes usados para construir os prédios, mas
ele sabia que o Chapeleiro não acreditava nele.
– Sim.
26
Nota de tradução (Sekhmet): Eu tive que adaptar. No original é: puxar a perna, e ‘como você pode puxar
minha perna. Eu estou em cima dela’. Então usei tirar sarro da cara. Sarro também é Resíduos de nicotina
acumulados no tubo de cachimbos, então pensei que se adequava.
– Este é um estabelecimento de comer estranho. – Comentou o Chapeleiro. Ele
tirou o chapéu e colocou-o no joelho antes de enfiar outro punhado de pipoca na boca. –
Seria muito melhor se estivéssemos frente a frente, não é?
Ao redor deles, as pessoas o mandaram ficar quieto e diziam para ele se sentar.
Henry riu e puxou o Chapeleiro de volta ao seu lugar. – Shh! Eles não são
gigantes. São apenas imagens em movimento de pessoas projetadas em uma tela.
O Chapeleiro pareceu duvidoso. – F-fotos? Você quer dizer que eles não são
reais?
– Não. É tudo um show. Como teatro. Eles têm isso no País das Maravilhas, não
têm?
– Temos trupes de atores viajantes, sim. Eles vão de cidade em cidade realizando
grandes obras, como a Ode a um Pássaro Jubjub, e Oh, Jabberwock, eu dificilmente
conheci Ye.
– Isso é igual. Pense neles como pinturas que podem se mover e falar. Eu
prometo que eles não podem te machucar.
– Claro que você sabia. – Henry sorriu para ele e ofereceu-lhe mais pipoca.
– Você sabe que é apenas um filme, certo? – Henry jogou o recipiente vazio de
pipoca no lixo ao sair do cinema. – Star Wars existe desde antes de eu nascer. É um
clássico.
– Você quer dizer que é uma fábula, como as contadas por contadores de
histórias viajantes no País das Maravilhas?
– Sim. Exatamente.
– Tudo parecia tão real! Parece que seu mundo também é um lugar de
maravilhas, Henry.
– Eu suponho que sim. Eu nunca pensei nisso dessa maneira antes. Eu cresci
com coisas como arranha-céus, carros e filmes. Nunca pensei neles como algo que não
fosse comum antes.
– Você tem um ponto. – Henry riu e levou o Chapeleiro para fora do cinema.
Enquanto caminhavam pelo quarteirão, o Chapeleiro congelou de repente e apontou para
a rua em direção a um pequeno restaurante de fast food White Castle27.
27
Castelo Branco.
Chapeleiro sacudiu a cabeça. – Eu acredito que eu nunca vou entender o seu
mundo, Henry.
– Eu moro aqui e nem sempre entendo isso. – Henry sorriu. – Falando de comida,
quer experimentar algo que é incrível?
– Ok. É aqui. – Ele levou o Chapeleiro para a torre inclinada de Pizza, e pediu
uma grande pizza com queijo extra e pepperoni. – Se você pensou que a pipoca era boa,
espere até provar isso!
Uma vez que a pizza foi servida, nenhuma outra palavra foi dita além de
pequenos grunhidos alegres enquanto eles devoravam a coisa toda. A boca do Chapeleiro
estava coberta de molho de tomate, e havia um pouco de queijo pendurado em um fio
fino de seu queixo. – Seu mundo é incrível, Henry! Primeiro milho estalado e imagens
em movimento de gigantes, então este Pete Ah. É maravilhoso!
– Pizza. Uma palavra. E eu concordo, é muito bom. Mas assim foi a comida que
você fez no País das Maravilhas. E eu não posso tirar uma fogueira e uma panela do meu
bolso aqui.
– Você tem trovadores neste mundo? Onde eles estão? Eu não posso vê-los. –
Ele se levantou, tentando obter uma visão melhor. – Também tínhamos músicos
itinerantes no País das Maravilhas. Eles cantariam sobre a história do País das Maravilhas,
indo de cidade em cidade. Pelo menos, eles fizeram antes que a Rainha Vermelha cortasse
suas cabeças. Ela nunca gostou muito da história. Ainda assim, gostava de ouvir os
trovadores e os bardos.
– Hum, se você quer dizer música, então sim, nós temos bandas e cantores. Rock
and roll, baby.
– Não. Rock and roll é o estilo da música. Este é o Queen28 que você ouve tocar.
– Qual rainha? Não a vermelha. Eu a ouvi cantar e ela soa como um Capturandam
presa numa armadilha para ursos.
Henry sorriu. – Não esse tipo de rainha. É o nome de uma banda, o grupo de
pessoas que você ouve cantando.
– Ah. Um nome estranho, mas boa música. Bastante cativante. Eu gosto disso.
Agora, onde estão esses mestres de melodias régios? Ainda não os vejo.
– Eles não estão realmente aqui. O que você está ouvindo é apenas uma gravação
em uma caixa, mais ou menos como o filme que fomos ver.
– Oh! Compreendo. Que maravilha ter música ao seu alcance! O dono deste
estabelecimento deve ser muito rico para ter essa magia em seu empório de pizza.
Henry sacudiu a cabeça novamente e riu. – Pizzaria, e você não precisa ser rico
para possuir música. Quando voltarmos para Alice, lembre-me de lhe apresentar um MP3
player.
Henry riu novamente. – Você vai ver. – Ele olhou para o relógio de pulso e
suspirou. – Desculpe, Chapeleiro. Está ficando tarde. É melhor voltarmos para a casa de
Alice. Eu acho que o tio Leonard... er, o Rei Vermelho quer começar cedo de manhã.
Eles saíram da pizzaria e voltaram para o bairro de Alice. Eles tinham acabado
de virar a esquina para o quarteirão de Alice, quando o Chapeleiro agarrou a mão de
Henry e o puxou para uma parada.
28
Rainha.
– Acabei de perceber que provavelmente não ficaremos sozinhos novamente
depois disso. Henry, eu queria dizer... quero dizer... – A língua do Chapeleiro parecia
estar tropeçando em palavras do jeito que um bêbado tropeça nas curvas. – Você e eu,
nós… oh, por que nos incomodar. Às vezes as palavras não são suficientes de qualquer
maneira.
O beijo pareceu durar para sempre e não quase o suficiente ao mesmo tempo. O
Chapeleiro se afastou muito antes que Henry quisesse. Sua respiração era quente e
cheirava levemente ao alho da pizza, mas fez Henry sentir-se um pouco tonto, como se
estivesse girando em círculos por muito tempo.
– Eu me sinto da mesma forma. Suponho que teremos que pensar em nos separar
em algum momento. Mas não esta noite.
– Não, não esta noite. – Henry inclinou o rosto para Chapeleiro e ficou encantado
quando Chapeleiro procurou seus lábios novamente.
Por um breve momento, Henry se perguntou quando parou de não gostar
ativamente do Chapeleiro... Talvez no campo de batalha nas Montanhas da Confecção,
ou enquanto caminhava pelo Clareira do Nunca. Ou talvez Henry nunca realmente não
gostasse do Chapeleiro, apenas tinha a ideia de não gostar muito dele. Então o pensamento
se foi e Henry se perdeu de novo na eletricidade de seu beijo.
O beijo deles dessa vez teve uma sensação mais gentil e ansiosa. Fez Henry
desejar mais, mas ambos sabiam que já era hora de voltar para casa.
– É melhor voltar antes que Alice chame a polícia para nos procurar. – Henry
relutantemente se afastou. Eles começaram a caminhar de volta para a casa de Alice.
Henry estava consciente de que estavam de mãos dadas e, pelo olhar no rosto do
Chapeleiro, ele também estava. Henry se perguntou por que o pensamento de deixar o
Chapeleiro para trás o incomodava tanto.
Posso pensar nisso mais tarde, como o Chapeleiro disse, Henry pensou,
apertando ainda mais a mão do Chapeleiro. – Por enquanto, tudo o que devemos nos
preocupar é com a Rainha Vermelha, e como vamos derrubá-la sem perder a cabeça.
Mas pensar no beijo deles era muito mais divertido do que pensar em estratégias
de guerra, e logo todos os pensamentos da Rainha Vermelha foram empurrados para fora
da cabeça de Henry, substituídos pela lembrança de lábios quentes, bafo de alho e
relâmpagos em seu corpo.
CAPÍTULO QUINZE
Alice colocou garrafas de café quente e chá na mesa, junto com um prato de ovos
mexidos e outro de bacon crocante. Acrescentou ainda outro prato cheio de torradas e
colocou alguns potes pequenos de compotas e geleias sobre a mesa antes de se sentar. –
Bem, estamos todos aqui. Quais são seus planos, Sua Majestade?
Leonard serviu-se dos fofos ovos amarelos e algumas tiras de bacon antes de
passar os pratos para o Chapeleiro. – Bem, contanto que o espelho nos permita retornar
ao Castelo Branco, e não nos despeje no meio do Grande Afundamento de Areia, ou do
Deserto de Areia de Açúcar Sem Fim, nossa primeira prioridade será encontrar o caminho
para o Castelo Vermelho.
– O que você quer dizer? O espelho mandou Alice para o Castelo Branco, e você
e nós aqui de lá. Por que não deveria nos mandar de volta? – Perguntou Henry, com a
boca cheia de torrada e geleia de laranja.
– Meu palpite é que ela deixou onde está, e talvez tenha colocado uma guarda. –
Alice acrescentou. – Você vai me desculpar, Sua Majestade, mas a Rainha Vermelha
nunca foi conhecida por ser muito brilhante ou ter muita iniciativa.
– Como? – Henry perguntou. – Como podemos pará-la? – Ele não tinha pensado
sobre o Rei Vermelho e a Rainha como um casal, como seus próprios pais devem ter sido
uma vez, antes de sua mãe morrer e seu pai começar a beber. Colocou um novo giro em
sua opinião sobre a Rainha Vermelha. Não mudou exatamente o que ele pensava dela -
ele ainda concordava que ela era um monstro e precisava ser parada antes de cortar a
cabeça de todo mundo no País das Maravilhas - mas ele percebeu que ela era, afinal de
contas, apenas humana. Ou o que se passava por humano no País das Maravilhas, de
qualquer maneira.
– Essa seria a pergunta, senhor. – O Chapeleiro colocou sua xícara no pires com
um toque suave. – Ela mesma não representa uma ameaça física, mas ainda comanda os
Guardas Vermelhos. Enquanto a maioria deles está ficando um pouco velho, ainda há
muitos bons anos restando neles. Nós três não poderíamos superar todos eles.
– Não vamos precisar. – Leonard esticou o braço e bateu a coroa de ouro em sua
cabeça. – Eu ainda sou o Rei Vermelho, não sou? Os Guardas Vermelhos são meus para
comandar.
O Chapeleiro deu de ombros e desviou os olhos. – Bem, senhor, você meio que
desapareceu no ar. A maioria do País das Maravilhas acredita que você morreu, e o resto
acha que você abdicou e fugiu com uma das camareiras.
Henry contemplou o problema. Ele não tinha certeza de que Leonard não tivesse
fugido. Na verdade, ele tinha certeza de que era exatamente o que Leonard havia feito.
Então, como alguém conseguia convencer um exército a seguir um líder que eles
acreditavam tê-los abandonado? A resposta veio a ele como um puxão de uma vara afiada.
Ele realmente pulou. – Claro! Ao explicar que a saída de Leonard era necessária para
derrubar a rainha.
Henry tentou explicar. – Suponha que houvesse algo neste mundo que o Rei
Vermelho precisasse, algo que asseguraria a vitória sobre a Rainha Vermelha. Ele
precisava sair para pegá-lo, mas sempre pretendia voltar.
– Então, você acha que a melhor maneira de ganhar a confiança dos Guardas
Vermelhos é mentir para eles? Henry, eu tenho vergonha de você. – Alice franziu o cenho
para ele, como só uma irmã mais velha era capaz.
Normalmente, esse olhar faria Henry se contorcer, mas não dessa vez. Ele sabia
que ele estava certo. – Não, você não entende! Ele veio até aqui para encontrar algo de
que precisava para enfrentar a rainha - sua coragem, seu orgulho e sua determinação. –
Henry sorriu e deu um tapinha no braço de Leonard. – Depois de viver com a loucura da
Rainha Vermelha por todos esses anos, você simplesmente perdeu o seu caminho, Sua
Majestade. Você precisava vir aqui para encontrá-lo novamente.
O Chapeleiro riu e bateu na mesa com a mão, fazendo sua xícara chacoalhar em
seu pires. – Isso é brilhante, Henry! Você não estaria mentindo, senhor e conhecendo a
Rainha Vermelha, duvido que alguém a culpasse por isso.
– Você não acha que estaria admitindo fracasso? – Leonard mordeu o lábio
inferior, fazendo a barba dele balançar. – Um rei não pode parecer fraco.
– Bem, com certeza, quando o Tempo gosta de você. – Disse o Chapeleiro. Ele
olhou para Henry, que riu quando o Chapeleiro revirou os olhos. – Mas fique do lado
ruim do Tempo apenas uma vez, e isso vai te deixar em uma Festa do Chá interminável
com um Arganaz psicótico.
– Bem. – Disse Alice. – Talvez ele fosse um pouco peculiar. Mas, novamente,
eu era uma criança petulante e detestável, não era?
Todos riram, embora a piada não fosse tão engraçada assim. Henry supôs que se
sentia bem porque proporcionava uma liberação da tensão que vinha se formando
lentamente. Ele estava muito ciente, como ele tinha certeza de que todo mundo estava,
do perigo do plano deles.
Henry largou a xícara e fez algo que não fazia há anos. Ele pegou Alice em seus
braços e abraçou-a com força. – Eu te amo, irmã. Me desculpe, se eu não acreditei em
você antes, e por ser tão idiota sobre isso.
Para sua surpresa, havia lágrimas nos olhos de Alice quando ela finalmente se
afastou de seu abraço. – Eu sei, e eu sinto muito por ser tão teimosa sobre tudo, e por
mandar você para o País das Maravilhas despreparado.
– Está tudo bem. – Disse Henry. – Tem sido uma aventura, com certeza. Quando
eu voltar, planejo fazer as pazes com você. Eu prometo.
Henry franziu a testa. Por que ele teve a sensação de que Alice não achava que
ele voltaria? Ele se sacudiu. Não seja idiota. Claro que ela acredita que você vai voltar.
É o estresse, só isso. Todo mundo está no limite. Ele devolveu seu sorriso trêmulo e
recuou enquanto os outros se despediam.
Alice levou-os até as escadas para o segundo andar da casa, alertando-os para
ficarem quietos para não acordarem o marido e os filhos. Ela pegou uma corrente em um
painel do teto do corredor, puxando uma escada para o sótão.
– Do que você está falando? Vou lhe contar tudo quando voltar. – Henry franziu
a testa e sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Alice não acreditava que ele voltaria?
– Bah, o Gato? Ele merece uma bota rápida no traseiro peludo, não um
agradecimento. – O Chapeleiro bufou. – Nunca conheci uma fera mais contrária e
frustrante na minha vida.
Alice acenou com suas preocupações. – Oh, dê a ele uma chance. Algo me diz
que você mudará de ideia.
Uma vez mais, passaram pelo denso e viscoso líquido que compreendia a
passagem entre os mundos. Era desconfortável, mas não doloroso, embora Henry não
estivesse ansioso para revê-lo no caminho de volta para casa depois que a missão estivesse
concluída.
– Shh. Não se mexa, não fale. – O Chapeleiro sussurrou, mas não se virou.
Henry sentiu um arrepio de medo e baixou a voz para um silvo. – O que é isso?
São os guardas vermelhos?
– O que vamos fazer? – Henry subiu lentamente até a ponta dos pés e espiou por
cima do ombro do Chapeleiro. Ele nunca tinha visto um Capturandam, e se eles não
conseguissem passar pelas criaturas, nunca teriam a oportunidade de ver um - ou qualquer
outra coisa - novamente.
Eram todas criaturas grandes, embora duas delas fossem um pouco menores.
Uma família talvez, pensou Henry. Mãe, pai e dois descendentes. Seus corpos eram
robustos, mas segmentados como os de uma formiga, apoiados por seis pernas
semelhantes a elefantes e terminando em caudas sinuosas com ponta de espinhos. Suas
cabeças eram longas e estreitas, principalmente mandíbulas cheias de um número
assustador de dentes longos e irregulares. Ele achava que seus pescoços eram
ridiculamente curtos, quase inexistentes, até que um deles disparou como um telescópio,
trazendo aquelas mandíbulas aterrorizantes, quase a pouca distância de Leonard.
– Não, droga. Eu pensei que era uma esfera explosiva. – A mão do Chapeleiro
escorregou de volta em seu bolso.
– Chapeleiro, eles vão atacar! – Em seu terror, Henry esqueceu de sussurrar. Não
que isso importasse - os rugidos de Capturandam quase o afogaram de qualquer maneira.
O Chapeleiro soltou uma risada. – Claro! É óbvio agora, não é? Você é um gênio,
Sua Majestade.
Henry olhou entre eles, totalmente confuso. Teriam eles esquecido que estavam
sendo cercados pelos frenéticos Capturandams em seu poema estúpido? Antes que ele
pudesse dizer qualquer coisa, tanto Leonard quanto Chapeleiro viraram as costas para os
Capturandams.
– Evite eles, Henry. Ignore-os. Eles não aguentam. Eles vivem do medo e
atenção. Não mostre nada, e eles vão embora. – Explicou Chapeleiro.
29
Bandersnatch no original. Snatch, quer dizer abocanhar.
Henry sentiu um tapinha no ombro e quase saltou da calça jeans. Ele abriu os
olhos para ver Leonard e o Chapeleiro sorrindo para ele.
– Eles foram embora! Nós vencemos nossa primeira batalha, mas acho que
devemos sair rapidamente antes que eles decidam voltar e dar outra chance. – Disse
Leonard. Ele liderou o caminho em direção à porta.
O Chapeleiro seguiu, com Henry se arrastando atrás com pernas trêmulas. Onde
quer que a família Capturandam tivesse desaparecido, não estava dentro das ruínas do
castelo, pelo menos não à vista das áreas pelas quais o trio se apressava, a menos que
encontrassem um esconderijo em algum lugar. Henry não viu nada ou ouviu deles na
saída do Castelo Branco, não que ele estivesse reclamando. Ele ficaria feliz se ele nunca
mais visse um. De todas as coisas loucas e assustadoras que ele tinha visto no País das
Maravilhas, ele classificou os Capturandams como o número um na lista. Ainda assim,
ele teve que admitir que eles eram os mais fáceis de derrotar, uma vez que Leonard se
lembrara de como fazer isso. Como muitos valentões, Capturandams perdiam o interesse
quando ninguém prestava atenção a eles. Ele teve a sensação, no entanto, de que a
mordida do Capturandam teria sido ainda pior do que seu latido ensurdecedor.
– Henry! Henry, não! – O Chapeleiro gritou para ele, correndo em sua direção.
Maldito Chapeleiro. Um desmancha-prazeres de proporções cósmicas. – Eu
preciso de um banho, Chapeleiro. Só vai levar um minuto. – Ele correu em direção à água,
tirando a camisa e tirando os sapatos enquanto corria.
Ele tentou afastar o Chapeleiro. Ele tinha que chegar à água. Tinha. Se ele não o
fizesse, ele morreria. Ele sabia disso. Sentiu em seus ossos. Ele se virou para o Chapeleiro,
mostrando os dentes. – Me deixe ir!
– Não! Henry, é uma das bruxas do rio. Ela colocou um feitiço em você. Se você
entrar na água, ela vai te puxar para baixo e te afogar antes de te comer. Nós teremos sorte
de encontrar alguns de seus ossos deslizando a jusante quando ela tiver terminado. – O
Chapeleiro passou os braços ao redor de Henry, puxando-o para perto, segurando-o com
força, recusando-se a soltar, por mais que Henry lutasse.
– Você está mentindo! Você quer que eu morra! Me deixa ir. Eu tenho que ir
para a água!
Lentamente, à medida que se afastavae do rio, sua compulsão por nadar começou
a diminuir e, por fim, desapareceu completamente, deixando-o imaginando por que ele
achava que era uma boa ideia para começar. Ele cheirou suas axilas. Ele não fedia. Bem,
não mais do que o habitual, de qualquer maneira. E nem estava muito quente lá fora -
havia uma brisa fresca soprando.
Henry sorriu. – Está bem. O que aconteceu? O que é que foi isso? Eu realmente
senti que ia morrer se não fosse ao rio.
– Era uma das Bruchas do Rio. – O Chapeleiro tirou o chapéu e se abanou com
ele. Evidentemente tinha sido uma fuga apertada. – Existem vários tipos diferentes,
nenhuma deles é boa. Nem todo rio tem uma, mas o Rio Branco tem sido o lar de uma
escola deles há séculos. Eles lançam feitiços do rio como redes de pesca e, uma vez que
capturam alguém, convencem-no de que é a morte permanecer seco. A menos que seja
contido e removido do alcance do feitiço, a pessoa geralmente corre para a água, onde a
bruxa vai pegá-los, puxá-los para baixo, afogá-los e depois comê-los à vontade.
– Eu acho que te devo meus agradecimentos. Você salvou minha vida, os dois
de você. – Henry olhou de Leonard para o Chapeleiro. – Eu continuo esquecendo como
as coisas são diferentes e quanto eu não sei sobre nada no País das Maravilhas.
O Chapeleiro sorriu. – Assim como eu não sabia nada sobre o seu mundo. Se
você se lembra, eu pensei que seus carros eram monstros com barrigas transparentes, que
tinham comido pessoas.
Henry tinha que admitir que a admissão do Chapeleiro fez com que ele se
sentisse um pouco melhor em ser apanhado no feitiço da Bruxa do Rio. Ele devolveu o
sorriso ao Chapeleiro.
30
Passo em falso.
31
Inimigo pah.
– Está correto. – Disse Leonard. – Tocar uma campainha antes da outra é um
erro terrível. Eles nunca nos permitiriam ficar, se isso acontecesse.
– Sim. Dum gosta de falar sobre o clima, em especial o bom tempo, o céu limpo
e os dias ensolarados. – Disse o Chapeleiro. – Dee também gosta do clima, mas prefere
falar de chuva e noites tempestuosas, céus negros divididos por raios.
Henry parecia bastante aturdido. Seus olhos continham uma espécie de olhar
enevoado e vazio que preocupou o Chapeleiro um pouco. – Não importa, Henry. Talvez
Leonard e eu devêssemos fazer isso. Você espera aqui.
O Chapeleiro e Leonard ficaram em frente a um dos caminhos gêmeos que
levavam às casas. Bloqueando olhares com Leonard, o Chapeleiro contou. – Um... dois...
três! – Eles saíram com o três, cada um dando um passo quase idêntico em seu caminho.
– Passo. – Repetiu o Chapeleiro, e os dois deram outro, e assim por diante, até
chegarem às portas da frente das respectivas casas ao mesmo tempo. – Dedo na
campainha. Empurrar no três! – Disse o Chapeleiro. – Um, dois, três!
Ou Dum.
Ele não sabia qual. Ele sempre teve dificuldade em diferenciá-los. Não era
realmente culpa dele - eram gêmeos idênticos, afinal de contas. Ambos eram quase tão
largos quanto altos, calvos como um ovo de Dodô, e usavam camisas listradas de
vermelho e amarelo combinando com macacões desbotados. Andavam descalços, no
verão e no inverno, e as solas dos pés estavam negras de sujeira e brilhantes de calos.
Olhos azuis esbugalharam por trás de óculos sem armação, enquanto mãos do tamanho
de um presunto foram plantadas em seus quadris largos.
– Tweedle! Sou eu, Chapeleiro! – Do outro lado, ele ouviu Leonard dizer a
mesma coisa para o outro gêmeo. – Bom te ver, meu velho! Tem sido um tempo, não é?
– Eu aprecio a oferta, Tweedle, mas Leonard está visitando seu irmão, e nós
temos um extra. – Ele apontou para Henry com o queixo, e soube que Leonard estava
passando pela mesma rotina com o gêmeo de Tweedle. – Nós sabemos como você se
sente sobre terceiras rodas, então talvez pudéssemos nos visitar do lado de fora, todos
nós.
– Rainha Aliche?
Tweedledee (ou Dum) espiou pela porta para Henry. – Ele se parece com Aliche.
Tudo bem. Faça-o entrar. Tomaremos chá.
– Não, não. Se eu fizesse isso, só haveria três de nós aqui! – Ele apontou para
Tweedledum (ou Dee), depois para si mesmo, depois para Henry. – Um, dois, três. Viu?
Precisamos nos encontrar do lado de fora para que seja um número redondo.
―Shim. Quero dizer sim. Seis. Você, eu, Leonard, seu irmão, Henry e Alice.
– Tweedle, eu já expliquei isso antes. Henry é irmão de Alice. Como você e seu
irmão. Isso faz com que seja seis.
– Você ele… Aliche... – Tweedledum (ou Dee) pareceu que por um momento
sua cabeça de melão tremendo poderia explodir, o que fez o Chapeleiro considerar se ele
deveria ou não arrancar um guarda-chuva do bolso. Mas então Tweedledee (ou Dum)
pareceu chegar a uma decisão. – Ok. Isso é lógico.
O Chapeleiro escondeu o suspiro aliviado que tentou passar por seus lábios e
sorriu. – Muito bom. Devemos ir?
– Oh, shim! Aliche nos salvou do corvo, você sabe! – Tweedledum (ou Dee)
exclamou.
Tweedledee (ou Dum) assentiu vigorosamente de acordo. – Nós íamos ter uma
batalha porque ele... – Ele apontou para seu irmão gêmeo – ...quebrou meu chocalho.
– Não, eu não fiz! – Tweedledum (ou Dee) estendeu a mão e deu um empurrão
no irmão.
– Retire! – Tweedledee (ou Dum) retribuiu o favor, empurrando com força
suficiente para balançar seu irmão em pé.
– Oh, ele pode ter a minha cama. – Disse Tweedledum (ou Dee), sorrindo seu
largo sorriso dentado.
– Não, ele pode ter minha cama. – Insistiu Tweedledee (ou Dum). Seu sorriso
combinava com o do irmão.
– Meninos, meninos. O príncipe Henry não pode ficar em nenhuma das suas
casas. Lembra? Isso faria três em cada casa. Nós passamos por isso antes. Não, o príncipe
Henry gostaria de passar a noite no seu celeiro. – O Chapeleiro apontou para um grande
celeiro vermelho que se estendia para o lado das casas.
– Todo mundo. Eles não fazem isso da mesma maneira em seu mundo? O que
eles fazem... deixam os animais dormirem no chão? – Leonard e Chapeleiro riram do
absurdo disso. – Eu lhe disse que íamos dormir com as galinhas. – Respondeu Leonard.
– O que você acha que eu quis dizer? Vamos, vamos bater o feno.
Ele estava prestes a rolar e tentar voltar a dormir, quando o barulho que o
assustara voltou. Era um som estridente, metal contra metal. Não foi o volume do som
que o acordou - o barulho não era excessivamente alto. Era o fato de não pertencer ao
celeiro. Era um barulho estranho, diferente. Metal contra metal. Como uma espada
deslizando livre de uma bainha.
Ele se perguntou se ela sabia que seu marido estava de volta ao País das
Maravilhas. Ele só podia esperar que ela não o fizesse. Seus planos dependiam disso.
Surpresa era realmente sua única arma contra ela. Ele saberia em poucos minutos, assim
que os guardas avistassem Leonard.
Ele se perguntou como ela poderia saber que eles estavam de volta, ou onde eles
estavam. Ela deve ter tido alguém vigiando o Castelo Branco, ele pensou. Um guarda
deixado para trás para relatar se voltássemos. Se ela soubesse que nós viemos através
do espelho, ela saberia que o único lugar na área para procurar abrigo seria no
Tweedles. Ele xingou baixinho. Eu não teria acreditado que ela fosse tão inteligente. Eu
faria bem em lembrar disso. Ela é louca, não é idiota.
– Oi! Você, Chapeleiro! E você... er, Menino Alice. Você está preso por ordem
de Sua Majestade, a Rainha Vermelha. – O maior guarda, um gigante vermelho, explodiu.
Ele deu um passo à frente e produziu um pergaminho. – Você é acusado de desprezo
duvidoso e insultos de primeiro grau. A punição é a morte.
– Oh, querido. – Disse o Chapeleiro. – Deixe-me adivinhar como... por
decapitação?
O Chapeleiro encolheu os ombros. – Bem, ela poderia nos aprisionar. Ela já fez
isso antes. – Ele sabia muito bem. Suas costas doíam, lembrando-se do colchão fino que
cobria o catre em que ele dormiu em sua cela por tantos anos.
– Claro. – O guarda olhou para os homens atrás dele e baixou a voz. – Fazer de
outra maneira significaria que minha cabeça rolaria.
Com a cabeça erguida e os ombros para trás, a coluna ereta como uma flecha,
Leonard entrou na luz vestido com toda a sua elegância real. Sua coroa de ouro brilhava
na luz da lanterna.
– Q-quem é você?c– O Guarda Vermelho segurou sua espada na frente dele, e
deu um passo para trás. – U-um fantasma?
– Garanto-lhe que não sou um fantasma. Eu sou o Rei Vermelho e exijo sua
lealdade! – Leonard aproximou-se do guarda, olhando para seu longo nariz.
– O-o rei vermelho? Mas você está morto! A Rainha Vermelha disse isso. – O
guarda estava obviamente aturdido. Ele deveria acreditar ou não deveria? Seu dilema era
óbvio em sua expressão confusa.
– Ele não parece morto. Ele está respirando, não é? – Outro guarda, apenas um
pouco menor que o primeiro, disse. Ele fungou, obviamente orgulhoso de suas
habilidades dedutivas e totalmente confiante que ninguém poderia refutar sua conclusão.
– Isso não significa nada. Pode ser que ele esteja apenas fingindo respirar. – O
primeiro guarda olhou para Leonard. – Você está? Fingindo?
O Chapeleiro decidiu que já tinha o suficiente. – Talvez, mas isso não importa.
– Por quê? – Perguntou o Chapeleiro. – Por que importa se ele está morto ou
não, se ele está bem aqui na sua frente? – Ele examinou as unhas, em seguida, poliu-as
contra a lapela enquanto esperava que os guardas respondessem.
– Porque... porque... – Os guardas olharam um para o outro, suas expressões se
contorcendo em olhares gêmeos de confusão frustrada.
– Vivo ou morto, não importa. Tudo o que importa é que este é o Rei Vermelho,
e você jurou obedecê-lo. O Chapeleiro virou-se para Leonard. – Sua Majestade. Acredito
que esses guardas podem ser culpados de traição, recusando-se a aceitar sua palavra sobre
a questão de você estar vivo ou não.
– Parem com isso, vocês dois! Fale mais uma palavra sobre o assunto, qualquer
um de vocês, e eu enviarei vocês dois para o Machado. Se vocês me obedecerem a partir
deste momento sem hesitação, tudo será perdoado. – Ele olhou para a tropa de guardas e
dirigiu-se a todos eles. – Como seu rei, ordeno a todos que embainhem suas armas. Sua
fidelidade foi para minha esposa na minha ausência, mas seu rei voltou. O Chapeleiro é
meu tenente e Henry, Menino Alice, é meu convidado de honra. Vocês vão obedecer ao
Chapeleiro e protegê-los tanto quanto você faria a mim. Está claro?
O sorriso do Chapeleiro escapou de seu controle. Ele jogou o braço em volta dos
ombros de Henry e acenou para Leonard. – Excelentemente feito, senhor. Vamos marchar
sobre o Castelo Vermelho agora?
A MARCHA fácil pegou Henry de surpresa. Ele estava esperando pântanos mais
aterrorizantes, ou atrasados, ou gigantes mal-humorados atirando canhões de doces para
bloquear seu caminho, mas em vez disso ele se viu caminhando por um caminho bem
viajado sem obstáculos à vista. A vegetação exuberante cobria os dois lados do caminho,
mas nada parecia ameaçador de forma alguma. Tudo o que ele podia ver eram árvores,
arbustos, flores e a ocasional abelha ou coelho da variedade que não usava colete. Nada
parecia ter dentes ou garras ou ser perigoso.
Foi bastante enervante. Ele ficou esperando que algo horrível acontecesse, tanto
que quando nada aconteceu, ele ficou ainda mais ansioso. Finalmente, ele não aguentou
mais a normalidade.
O Chapeleiro piscou para ele e olhou em volta. – Onde? Eu não vejo nada.
Ele se viu forçado a ser chato. Ele tentou gritar, mas tudo o que conseguiu foi
um tom monótono. Ele tentou correr, mas foi incapaz de se mover mais do que um passo
vagaroso. Até mesmo a escolha de palavras dele era entediante. Ele não podia xingar além
de um “raios” sincero, embora ele repetidamente tentasse. Era enervante. Ele não sabia
que tipo de magia o estava controlando, ou como conseguia fazê-lo, mas o deixou muito
desconfortável.
Como se Henry esperasse alguma coisa além de uma resposta mediana nesse
lugar mediano. Ele suspirou e resignou-se a manter o ritmo sem pressa.
Ao meio-dia, ele percebeu que as árvores estavam ficando mais esparsas, até que
finalmente o caminho se alargou em um prado largo cheio de flores de cores brilhantes.
Todos os sentidos de Henry foram atacados ao mesmo tempo, como se saindo da Floresta
Neutra, a terra mergulhasse de cabeça em modo excessivamente estimulante.
As cores eram tão brilhantes que ele mal podia olhar para elas sem seus olhos
fecharem. Idem para o sol; Ele brilhava tão intensamente que ele podia sentir sua pele
queimando através de sua camisa, e ele temia que seu cabelo pudesse explodir em chamas,
se ele não encontrasse algo para cobri-lo em breve. Embora excessivamente quente, o
vento era rápido o suficiente para que ele se inclinasse um pouco para continuar
avançando. A grama sob os pés estava rígida e áspera; elas se agarravam às pernas da
calça como cactos em miniatura. Até o canto dos pássaros parecia errado. Era alto e
chocante, e fez Henry querer tapar as duas orelhas com os dedos.
Ele plantou as duas mãos na cabeça para tentar evitar que o sol derretesse o
pouco cérebro que ele retinha e virou-se para o Chapeleiro. – Onde estamos agora? – Ele
teve que gritar para ser ouvido sobre o vento.
– Você está certo demais. – Chapeleiro respondeu e riu. – Faça o que fizer, não
beba licor aqui. Uma vez eu cometi o erro de pedir uma cerveja com o Gato de Cheshire
em uma taverna localizada logo acima da fronteira ocidental das Planícies do Excesso.
Adormeci no meio do caminho e não acordei por uma semana.
– Eu vou manter isso em mente. – Respondeu Henry. Ele inclinou a cabeça para
o vento. – Ainda está longe do Castelo Vermelho?
– Não. Está do outro lado das Planícies do Excesso. Alguns dizem que é por isso
que a rainha é tão horrível. Eles alegam que o quarto dela fica de frente para as planícies,
e o vento leva o excesso de poeira para dentro dele todas as noites. Torna-a
excessivamente teimosa.
– Eles precisam explicar seu comportamento, e é uma razão tão boa quanto
qualquer outra, suponho. – Disse Leonard. Ele estava tão quieto que Henry quase
esquecera que estava com eles. – Eu gosto de acreditar que nossos problemas começaram
quando ela não conseguiu conceber uma criança, mas eu sei que não é a verdade. Muitos
casais não têm filhos por várias razões. Alguns não podem ter filhos, e alguns optam por
não os ter, mas, em ambos os casos, raramente resultam em decapitações descontroladas.
Não, minha esposa era má antes disso - apenas me recusei a ver. Eu queria tanto que ela
fosse a mulher dos meus sonhos que esqueci ou expliquei os sinais de alerta. Eu dei
desculpas para o comportamento dela até que progrediu a um ponto em que até eu não
conseguia mais ficar cego aos defeitos dela. Foi quando saí. Eu não deveria. Saí e deixei
o País das Maravilhas desprotegido da loucura da minha esposa.
– Não se culpe, Sua Majestade. Você teve dificuldades todos esses anos. Ela
voltou muito de sua agressão em você. – Disse o Chapeleiro.
– Os homens geralmente não gostam de admitir que foram abusados, pois não?
O que eu entendi é que não há vergonha em dizer isso. – Respondeu Leonard. – Eu
percebi que isso não me faz menos homem. Demorei muito tempo para poder dizê-lo, e
ainda mais antes de acreditar, e até agora apenas deixei para trás e seguir em frente.
– Sim. – Disse o Chapeleiro. – Senhor, você estava muito perto da situação. Você
sofreu nas mãos dela, mas não viu como ela estava afetando seus assuntos. Demorou para
colocar tudo em perspectiva.
Leonard parecia estar mais ereto e seu sorriso ficou um pouco mais ousado. –
Você está certo. Eu posso ver isso agora. Mas eu devo muito a vocês dois. Obrigado a
vocês dois. Se você não tivesse ido ao mundo de Alice, eu poderia ter me convencido a
nunca mais voltar ao País das Maravilhas.
Henry ficou emocionado. Ele teve uma introspecção excessiva o suficiente para
durar uma vida inteira. Foi incômodo e embaraçoso, e o deixou sentindo um pouco
choroso, algo que ele definitivamente não estava propenso a ser. Ele fungou e acelerou o
ritmo, ansioso para deixar as Planícies do Excesso atrás dele.
– Bem, normalmente eu acho que é óbvio que devemos ir para o leste, mas com
este ser o País das Maravilhas, eu questiono se essa seria a escolha mais sábia. – Disse
Henry.
O Chapeleiro sorriu para ele e deu um tapinha nas costas dele. – Agora você está
pensando como um verdadeiro País das Maravilhaser, meu filho! – Ele apontou para a
estrada que levava ao sucesso. Era liso e cheio de flores de cheiro adocicado e graciosas
árvores de sombra. – O sucesso nunca é um caminho tão fácil de percorrer quanto parece,
e raramente tão doce quanto se espera. Em Ruínas, no entanto, pode-se encontrar algo
que vale a pena, seja uma lição ou algo mais tangível. Veja as ruínas do Castelo Branco,
por exemplo. Tudo foi destruído, mas a única coisa que precisávamos era o espelho.
– Eu nunca realmente pensei sobre isso antes. – Henry olhou para a estrada para
Ruínas. Era cravejado de rochas, e rachaduras profundas ondulavam através dela, o que
tornava a caminhada traiçoeira. A vegetação que a margeava era marrom, murcha e
apodrecida. As árvores tortas de ambos os lados do caminho estavam sem folhas e
manchadas. No geral, parecia desolada e implacável. Ele não podia ver ninguém tomando
aquela direção voluntariamente.
O que, claro, era o ponto principal. A Rainha Vermelha não queria que ninguém
que ela não quisesse visitando o Castelo Vermelho o encontrasse. Somente aqueles que
descobriram o segredo dos caminhos iriam até lá.
Ajudou um pouco, que todos os outros estavam tendo o mesmo problema que o
Chapeleiro. Os Guardas Vermelhos, por exemplo, nunca as criaturas mais graciosas,
começaram a cair uns sobre os outros. Até mesmo Leonard teve que percorrer devagar e
cuidadosamente o caminho para evitar acabar em uma pilha indigna de veludo vermelho
e arminho. O problema era que o caminho continuava mudando com pouco ou nenhum
aviso. Olhar para o futuro para ver aonde você estava indo não adiantava nada, porque
quando seus pés alcançavam a parte do caminho que seus olhos viram, a estrada se
alterara. Os buracos apareciam e desapareciam; pedras se moviam, balançando e rolando
sob seus pés, jogando-o fora de equilíbrio.
Henry, no entanto, parecia estar se divertindo um pouco. Ele pisava de uma rocha
escarpada para outra, pulando sobre as rachaduras mais profundas da terra como uma
gazela loira. Mesmo quando uma pedra ou buraco o jogava fora de equilíbrio e ele
cambaleava, ele sorria e continuava. O Chapeleiro sorriu para si mesmo, admirando os
movimentos enérgicos de Henry e sua forma esbelta, mas claramente bem musculosa...
particularmente a última.
Ele nunca esteve mais feliz do que quando Henry concordou em acompanhá-los
de volta ao País das Maravilhas. Não era porque o Chapeleiro sentia que a causa era
perdida sem a ajuda de Henry - embora o Chapeleiro estivesse contente por ajuda -, mas
porque não queria se despedir de Henry. Ele queria mais tempo com Henry, mais
oportunidades para refletir sobre como ele se sentia em relação a Henry e vice-versa, e
por que era tão difícil compreendê-los nunca mais estar juntos novamente.
O Chapeleiro era um homem inteligente e experiente, e ele tinha uma ideia, por
mais absurda que fosse. Ele suspeitava que não estava apenas atraído por Henry, mas que
em algum lugar durante suas viagens juntos, na verdade, ele começou a se apaixonar pelo
Menino Alice.
Pelo menos, ele pensou que poderia ser amor. Por tudo o que ele sabia, o que ele
estava sentindo poderia ser o início de uma estranha e letal febre do pântano, algo captado
durante sua jornada mal-humorada pela Clareira do Nunca.
Além disso, era possível que ele amasse? Poderia ser verdade? Ele, o Chapeleiro
Maluco do País das Maravilhas, Mestre Mago, amaldiçoado pelo Tempo, Conhecedor de
Chá Extraordinário, e mais recentemente a Mão Direita do Rei Vermelho? Poderia ser
possível que ele tivesse finalmente se apaixonado? Ele nunca teve antes, ele tinha certeza
disso. Então por que agora? Por que Henry?
O mero pensamento de viver sem Henry fez seu estômago sentir como se tivesse
tomado uma queda longa e rápida com uma parada repentina no final. Havia opções, é
claro, mas nenhuma delas era nem um pouco atraente. Poções de amor estavam
disponíveis se alguém soubesse onde perguntar, mas elas eram notoriamente não
confiáveis. Ele odiaria usar uma e acabar sendo o interesse amoroso de um pássaro Jubjub
ou de uma Morsa, ou alguma outra criatura igualmente terrível.
De qualquer forma, ele não gostou muito da sensação de obrigar Henry a amá-
lo. Seria como se eu fosse obrigado a comer uma padaria inteira cheia de bolos, ele
pensou. Oh, as primeiras mordidas podem ser doces, mas no final, é provável que eu
esteja vomitando cheesecake de chocolate em meus sapatos.
O que ele deveria fazer? O que ele deveria dizer? Deveria arriscar confessar seus
sentimentos a Henry ou guardá-los para si mesmo? Eles estavam se aproximando
rapidamente da última parte de sua jornada juntos. Logo eles estariam no Castelo
Vermelho e, para melhor ou pior, um confronto com a Rainha Vermelha. Se o confronto
terminasse favoravelmente para eles, e suas cabeças não rolassem, então o que? E se
Henry quisesse retornar ao seu próprio mundo?
O Chapeleiro supôs que poderia seguir Henry de volta para a casa de Alice
através do espelho, mas e depois? Se Henry não quisesse o Chapeleiro, não estaria melhor
do que estava aqui. Pior, porque ele estaria em um mundo estranho que ele não entendia,
sozinho. Eu também posso permitir que um daqueles monstros automobilísticos rolantes
me devore e acabe com isso, então. Ele engoliu em seco, sem saborear um futuro gasto
rolando na barriga de uma fera de metal.
Era em momentos assim que ele desejava que sua vida fosse um livro só para
que ele pudesse virar para a última página para ver como tudo acabava.
A ESTRADA para Ruína logo mostrou como ela ganhou seu nome e, como se
viu, as rochas e os buracos eram problemas menores.
Henry não viu uma única porta que não estivesse pendurada de forma torta nas
dobradiças, ou totalmente ausente. As paredes ostentavam grandes e pequenos buracos;
as varandas da frente caíram e faltavam degraus. Os telhados, planos e inclinados,
ostentavam buracos onde telhas haviam sido arrancadas, e grandes buracos haviam sido
perfurados por elas. O paisagismo em torno das estruturas era ou selvagem e
descontrolado ou marrom e meio morto, muitas vezes crescendo em janelas quebradas ou
portas abertas, como se a terra estivesse tentando se mudar, o mais novo inquilino de uma
aldeia agonizante.
Henry ficou boquiaberto de queixo caído para ele. – Você quer dizer que as
pessoas moram aqui? Por escolha? Por que eles não consertam o lugar?
– Consertar! – O Chapeleiro pareceu chocado. – Pelo amor de Deus, por que eles
iriam querer fazer isso depois de terem gasto todo o tempo e dinheiro para destruí-lo tão
bem?
Henry voltou-se para as ruínas. – Você quer dizer que eles fizeram isso de
propósito? Eles gostam desse jeito?
– Claro. Ruína tem os melhores destroços do País das Maravilhas. Você não vai
encontrar melhor em qualquer lugar, eu prometo. Ora, eles foram eleitos como “O melhor
Destroço” pela Associação de Arquitetos do País das Maravilhas durante vinte anos
seguidos. – O Chapeleiro enfiou as unhas na lapela e sorriu. – Eu, é claro, tive o prazer
de experimentar o ambiente terrível várias vezes. Nem todo mundo pode dizer isso, hein?
Henry não entendia tudo, mas encolheu os ombros e atribuiu-o a algo que só um
nativo do País das Maravilhas poderia apreciar. Isso realmente não o incomodava tanto
assim. Afinal de contas, ele também não entendia mais nada nesse mundo estranho. O
País das Maravilhas quase parecia projetado para ser estranho. Se assim for, conseguiu
esplendidamente, na sua opinião.
Enquanto eles continuavam pelo caminho, ele notou que cada ruína estava
consistentemente dilapidada e em estados apropriados de aflição. Henry também viu
pessoas se movendo entre os prédios. Ele não ficou surpreso ao descobrir que os
moradores da Ruína pareciam tão decadentes e negligenciados quanto suas casas. Todos
estavam vestidos em tons de cinza empoeirados, as calças, os casacos, os vestidos e os
aventais adequadamente surrados e remendados, os sapatos usados e gastos. Ninguém
sorria ou ria; todos pareciam usar expressões tristes idênticas em seus rostos, até mesmo
as crianças.
A ruína parecia exatamente um lugar tão miserável para se viver quanto sua
aparência implicava. Ele se perguntou por que alguém escolheria morar em Ruína, então
percebeu que talvez sua residência não fosse por escolha. A rainha, por reputação, era um
tipo implacável. Era possível que ela forçasse essas pessoas a viver aqui?
Henry ficou mais impressionado com Ruína do que ele esperava ser. Parecia que
era preciso muita dedicação para que toda uma aldeia fosse tão diversa, mas tão decrépita.
Enquanto pensava sobre isso, ele se perguntou se poderia ficar morando lá. Certamente
não por um período prolongado de tempo. Pense nisso! Isso exigiria uma tremenda
quantidade de trabalho manter esse lugar. Todos os prédios, os altos, os curtos, os
compridos e os atarracados, devem ser cuidadosamente cuidados, garantindo que todas
as superfícies estivessem bem cobertas de poeira e teias de aranha artisticamente cobertas
em cada canto. Cada um deve ser arquitetonicamente sadio para não desmoronar na
cabeça de seus moradores, mas parecer tão frágil quanto uma folha de papel de seda em
uma tempestade de vento. Todos os jardins precisariam ser plantados a cada estação com
capim e musgo, e cuidadosamente podado de qualquer linda flor silvestre que possa criar
raízes. As árvores devem ser enfeitadas com mortalhas gotejantes de musgo espanhol e
envoltas em vinhas. Qualquer nova folha de desbaste deve ser arrancada e descartada.
A higiene pessoal exigia atenção constante também, supôs. O cabelo nunca deve
ser uniformemente aparado, mas deixado para crescer selvagem e despenteado, não
importa o quanto o vento o enrole em emaranhados engordurados. Barbas e bigodes
devem poder crescer, por mais que coçam. As unhas ou crescerão selvagens ou mordidas,
e devem estar constantemente sujas em todos os momentos. Os sorrisos nunca devem ser
brancos, mas amarelados e de preferência faltando um dente aqui e ali.
Henry puxou o cotovelo do Chapeleiro. – Por que essas pessoas moram aqui?
Eles parecem positivamente infelizes.
O Chapeleiro olhou para a cidade e assentiu. – Eu suponho que eles são. Eu sei
que as pessoas que nascem em Ruína frequentemente deixam de sair, e algumas que não
nascem em Ruína às vezes acabam morando lá. Há aqueles que afirmam que Ruína é
necessária para que outras partes do País das Maravilhas possam florescer. Seu
pensamento é, sem os miseráveis pobres, como pode haver os outros privilegiados? Com
quem eles se comparariam sem os que moram na Ruína?
Henry franziu a testa, pensando nisso. Não parecia certo para ele. – Você acredita
nisso?
Tudo, das árvores aos pássaros que esvoaçavam entre eles, dos arbustos às
tímidas criaturas da floresta que espreitavam sob seus galhos, tudo se transformara em
uma única cor.
– Não, não, você entendeu mal. Eu sou o rei vermelho. Eu tenho pessoas que
fazem coisas para mim, como polir minha coroa, e afofar meus travesseiros, e elaborar
planos e tal.
Henry sacudiu a cabeça. – Eu não tenho um plano. Eu não saberia como começar
a fazer um.
Leonard fez uma careta para eles. – Bem, alguém tem que ter um plano.
Chapeleiro, eu ordeno que você formule um imediatamente.
– Eu? Você não pode simplesmente... eu... – Gaguejou o Chapeleiro, olhando
para frente e para trás entre Henry e Leonard, e finalmente socou o chapéu de volta e
xingou. – Bem, de todos os idiotas sujos! – Ele começou a andar de um lado para o outro,
parando de vez em quando para dar um olhar a Leonard tão sombrio e sujo que fez com
que várias moscas involuntariamente zumbissem em seu caminho para cair como
pequenas pedras, mortas. – Bem. Vamos pensar sobre isso. Não podemos invadir os
portões da frente agora, podemos? – Ele apontou o polegar na direção dos Guardas
Vermelhos, os quais ainda tentavam se desembaraçar e se levantar. – Não com esse lote.
As portas, no entanto, eram o menor dos seus problemas. Chegar às portas seria
muito mais difícil do que abri-las assim que o Chapeleiro e seus amigos chegassem lá. Se
eles chegassem lá.
Leonard limpou a garganta e deu outra olhada na parede. – Bem, er… suponho
que devamos entrar.
– Por meios comuns, eu deveria pensar. Através das portas. – Leonard fez sinal
para o guarda avançar. – Você primeiro, então. Continue. Nós estaremos bem atrás de
você.
O guarda começou a se levantar, mas depois parou e afundou ainda mais do que
antes. – Eu acho que você deveria nos liderar, Sua Majestade. Vendo você na frente daria
coragem aos homens.
O Chapeleiro revirou os olhos. – Sua Majestade, parece óbvio que devemos
pensar em uma tática diferente de apenas entrar pela porta da frente como se estivéssemos
atendendo a rainha para o chá.
– Por que não? – Henry perguntou. – Não é isso que ela menos espera que
façamos?
– Eu acho que ela acredita que nós estamos mortos, na verdade. Ela certamente
não teria colocado os guardas para vigiar nosso retorno pelo espelho do Castelo Branco
se ela não achasse que nos matariam. O problema, Henry, é o fosso. – O Chapeleiro
apontou para a pequena ponte levadiça que levava às portas do castelo. Para cima, proibia
a viagem segura através dele para o castelo. Embaixo, águas barrentas se agitavam com
espuma vermelha. – Está cheio de crocodilos famintos.
– Como você sabe que eles estão com fome? – Henry perguntou.
– Porque os crocodilos estão sempre com fome. Eles são principalmente apenas
dentes e estômago, você sabe. Leva muito para preenchê-los. – O Chapeleiro sentou-se e
encostou as costas na parede. – Mesmo se conseguimos atravessar o fosso, as portas da
frente são patrulhadas por um Jaguadarte, e esse é o nosso maior problema.
Henry bufou e fez uma careta para o Chapeleiro. – Espere um minuto. Alice me
disse que um garoto matou o Jaguadarte com uma espada...
– Vorpal. Ele a matou com uma espada vorpal. – O Chapeleiro deu um tapinha
no braço de Henry. – Boa tentativa, no entanto. E é verdade, mas este é um Jaguadarte
diferente, um filhote do antigo, criado e alimentado pela mão da rainha, ou assim é dito,
e portanto especialmente vil.
– Tanto quanto qualquer um sabe, é. É algo no modo como a lâmina é feita, veja
você. – Explicou Leonard. – O processo torna-o especialmente afiado e quase
inquebrável. A lâmina de vorpal é a mais forte conhecida no País das Maravilhas.
Qualquer outra coisa iria apenas se chocar contra a pele da armadura de Jaguadarte.
O Chapeleiro riu. – Não. Está na minha cabeça há algum tempo encontrar uma,
mas até agora não tive sorte. Eu tenho um abridor de cartas vorpal e um conjunto completo
de facas de bife vorpal, mas espadas de vorpal são poucas e distantes entre si. – Ele deu
um tapinha na perna de Henry. – Entretanto, sendo meu eu maravilhosamente inventivo
e incrivelmente engenhoso, tenho um plano. Nós simplesmente vamos para trás.
– Para trás? – Henry levantou uma sobrancelha. – O que isso significa? Por favor,
me diga que não tem nada a ver com Etnerf! Eu realmente odiei esse lugar.
– Não, não, claro que não. Se isso acontecesse, eu estaria falando ao contrário,
não estaria? Então eu teria dito, 'vamos para a frente, o que não faria sentido. – O
Chapeleiro bateu na testa de Henry com o dedo indicador. – Bobo, menino bobo. Não,
vamos entrar, ou seja, pela porta dos fundos, que normalmente só é usada para sair do
castelo. Ele está localizado perto da masmorra, onde tive a infeliz sorte de estar
encarcerado por algum tempo.
– Exatamente! – O Chapeleiro tentou não soar tão cheio de si mesmo, mas ele
simplesmente não podia evitar. Quando ele tinha momentos de gênio como esse, ele
simplesmente não conseguia se manter dentro de sua pele, onde ele pertencia. Era
inevitável que um pouco dele escapasse. – Agora, todos mantenham a cabeça baixa.
Seguiremos esse muro até a parte de trás do castelo. – O Chapeleiro inclinou o corpo ao
meio, tentando manter sua metade superior mais baixa que a parede e sua metade inferior
mais alta que o chão. Não foi tão fácil quanto parecia.
Henry deu um tapinha nas costas do Chapeleiro. – Chapeleiro, o fosso não vai
até o fim?
– O que? Ah sim. O fosso. Claro que sim. Caso contrário, não seria um fosso.
Seria apenas um lago lamacento e infestado de crocodilos. – O Chapeleiro pôs a mão no
alto do chapéu para evitar que caísse para a frente sobre os olhos.
Mais uma vez, Henry bateu no Chapeleiro, derrubando o chapéu. – Bem, não há
crocodilos na metade traseira do fosso também?
Mais uma vez, o dedo de Henry cutucou o Chapeleiro. Seu chapéu desceu sobre
os olhos novamente. Estava realmente ficando muito chato. – Mas Chapeleiro, nós ainda
não temos que descobrir um caminho além dos crocodilos?
Henry piscou e ainda parecia confuso, mas pelo menos suas perguntas haviam
cessado... no momento. Considerando que era Henry, o Chapeleiro não tinha dúvida de
que o alívio seria momentâneo. Ele grunhiu e juntou os pés embaixo dele, depois
continuou o seu embaralhamento meio dobrado, seguindo a parede ao redor da parte de
trás do castelo.
Foi uma longa caminhada, muito mais longa do que Chapeleiro se lembrava, e
ele se perguntou se a distância aumentara em sua ausência. Talvez o castelo tivesse tido
um surto de crescimento. Quando chegaram ao canto mais distante do castelo, as costas
do Chapeleiro estavam de mau humor por terem ficado agachadas por tanto tempo. Na
verdade, estavam gritando com ele. Não com palavras, lembre-se, mas com grandes
sobressaltos pontiagudos de dor que talvez fossem ainda mais eficazes do que a fala real
e o deixaram com uma sensação de mimetismo. Ele não era tão jovem quanto costumava
ser. Ou tão flexível, parecia.
Ele deu uma rápida espiada pela parede para se certificar de que não havia
Guardas Vermelhos patrulhando a parte de trás do castelo, o que, é claro, não havia. Ele
não esperava que houvesse algum. Como Leonard observou antes, ninguém jamais tentou
entrar na masmorra, apenas sair dela. Levantando-se, ele estremeceu quando sua espinha
se realinhou ruidosamente. Parecia que um punhado de pedrinhas caíam sobre um prato
de porcelana.
– Agora o que? – Henry perguntou. Ele estava se inclinando para trás, com as
mãos na parte baixa das costas, como se tentasse impedir que suas vértebras inferiores
escapassem.
– E como vamos fazer isso? Eu odeio apontar isso, mas não há ponte levadiça
deste lado. – Henry gesticulou em direção ao fosso. – Duvido que nadar seja uma opção.
– Mesmo a distância da parede, as costas enrugadas dos crocodilos flutuando na água
barrenta e avermelhada eram óbvias.
– Nadar? Que ridículo! Claro que não podemos nadar. – Disse o Chapeleiro. Ele
riu e balançou a cabeça. – Realmente, Henry, o que você poderia estar pensando? – Ele
colocou uma mão em cima da parede baixa de pedra e pulou para o outro lado. – Nós
vamos caminhar.
Os olhos de Henry se abriram e ele balbuciou um pouco. – Andar! Como?
– A maioria das pessoas usa os pés para realizar a tarefa. Como isso. Observe de
perto. – O Chapeleiro apontou para as botas e colocou um pé na frente do outro. – Viu
como é feito? – Ele riu com a expressão frustrada nublando o rosto de Henry. Henry,
Chapeleiro decidiu, era positivamente adorável quando estava confuso. Ele sorriu e
curvou um dedo para Henry o seguir enquanto se dirigia para o fosso.
– Você sabe muito bem que eu quis dizer como íamos andar sobre a água, já que
não há ponte!
Henry se virou para Leonard. – Não, não podemos andar sobre a água no meu
mundo! Isso é ridículo!
– Então, por que sugerir isso? – Perguntou o Chapeleiro. Ele balançou sua
cabeça. – Realmente, Henry, às vezes você não faz sentido algum. – Ele apontou para o
fosso. – Vamos usar os degraus, é claro.
Henry olhou na direção indicada por Chapeleiro. – Você é maluco? Aqueles não
são degraus - são crocodilos!
– Claro que eles são. Em que você faz degraus em seu mundo? – Perguntou o
Chapeleiro.
Henry jogou as mãos para o ar. – Feito de… pedras. O quê mais?
– Sim, eles flutuam e mordem, se você se esqueceu. – Henry apontou. – Eles vão
comê-lo se você pisar neles.
Leonard levou-os para o fosso. Os grandes crocodilos, alguns com mais de seis
metros de comprimento, flutuavam como troncos mortais na água turva e vermelha. Suas
mandíbulas se abriram, mostrando bocados de dentes brancos longos, afiados e
brilhantes. – Agora, deixe-me pensar. Qual era a música que liga o feitiço? – Ele assobiou
algumas notas. – Não, não é isso. – Ele bateu o queixo com um dedo, então sorriu e
estalou os dedos. – Ah sim! Eu me lembro agora. Vocês vão ter que me desculpar. – Ele
disse para Henry e Chapeleiro. – Já faz um tempo desde que eu tive que usar a porta dos
fundos. – Ele assobiou novamente, baixo, depois alto, e depois de alguma forma para os
lados.
As mandíbulas dos crocodilos se fecharam como uma dúzia de portas se
fechando, e seus corpos maciços manobraram em um caminho improvisado que ia da
margem do rio até uma pequena doca nos fundos do pátio do castelo. Suas bocas
permaneceram fechadas, mas seus olhos rolavam, observando Leonard e o resto da festa.
– Muito bom, homens, er… crocodilos. Vocês devem permitir que eu e meus
convidados passemos ilesos. – A voz de Leonard era alta e autoritária. Ele apontou um
dedo para um dos maiores crocodilos do grupo. – Isso vale para você também, Ervilha.
Tire um pedacinho de alguém, e vou fazer um par de botas. Veja se eu não sei.
Arrastando a parte de baixo da capa sobre a dobra do braço, Leonard pisou com
cuidado na parte de trás do crocodilo mais próximo, depois saltou para o próximo, e assim
por diante, até que finalmente chegou ao cais. Ele se virou e fez sinal para o Chapeleiro
e Henry. – Vamos, pare de chorar!
Henry afastou a mão dele. – Sério? Você quase me deixou doido na Colina
Picante, explodiu nas Montanhas Confecção, comido pelos tubarões-das-árvores na
Clareira do Nunca, e nem vamos falar sobre...
Henry bufou, o que fez o Chapeleiro tirar a mão, passando os dedos na frente do
casaco. – Ai credo. Eu faria bem sem um punhado de seu ranho, Henry, muito obrigado.
– Então não coloque a mão debaixo do meu nariz. – Henry deu de ombros e
sorriu, seus olhos brilhando.
O Chapeleiro não pôde deixar de devolver o sorriso de Henry. – É uma coisa boa
que eu gosto de você.
Ele sorriu mais largo, e não se incomodou em fingir que discordava de si mesmo.
O guarda os seguiu, um por um. Ervilha se comportou direito até o último guarda
que estava cruzando. Então ele ergueu a grande cabeça para fora da água e bateu na bota
direita do guarda.
O Chapeleiro podia jurar que Ervilha estava rindo quando o guarda soltou um
grito horripilante e perdeu o equilíbrio. Girando os braços, o guarda caiu para trás na
água. Em meio a muitos respingos e xingamentos, o guarda conseguiu nadar até o cais e
seus colegas guardas o tiraram da água.
Leonard balançou o dedo para Ervilha novamente, mas estava rindo demais para
admoestar o crocodilo. Em vez disso, ele tentou controlar suas risadas enquanto
caminhava até a porta do castelo.
Era uma pequena porta, ao contrário das gigantes e ricamente esculpidas portas
na frente do castelo. Aquelas eram para mostrar; estas era puramente para uso ordinário.
Estava trancada, mas se abriu com o som da voz do Rei Vermelho.
Agora, nada ficava entre eles e a Rainha Vermelha. Era hora do espetáculo.
CAPÍTULO VINTE E UM
O Chapeleiro sacudiu a cabeça. – Oh, eu posso dizer que eles não estão aqui há
muito tempo. Aqueles são Pelosface32, de uma vila no nordeste. Grupo engraçado de
pessoas. Todos na sua tribo têm barba, até as mulheres e crianças, exceto os bebês mais
novos. Eles usam suas barbas como moeda. Precisa comprar um novo par de botas? Solte
uma ou duas polegadas do seu bigode para pagar por elas. O vendedor trança aquele
pedaço de cabelo em sua própria barba, tornando-a mais longa e mais cheia e, portanto,
mais rica. Além disso, durante o meu infeliz encarceramento aqui, eu era o único
prisioneiro. Eles devem ter vindo depois que eu saí. Engraçado isso. A rainha geralmente
não se incomoda com sentenças de prisão problemáticas, quando um rolar rápido de
cabeça serve.
Um dos prisioneiros magros e peludos veio até as barras de sua cela, olhando
atentamente para eles. – Abençoe minha barba! Pode ser? Isso é realmente… é! – Ele
virou a cabeça e assobiou para seus companheiros de prisão. – Dê uma joelhada e mostre
algum respeito pelo nosso rei! – Ele mergulhou em um joelho, inclinando a cabeça. Sua
32
Furface.
longa e cheia barba roçava o chão, recolhendo pedaços de poeira como um esfregão. –
Sua Majestade! Todos pensamos que você estava morto!
– Ela... – O rosto de Barba de Pescoço - o pouco que podia ser visto sob seus
pelos faciais - empalideceu, e lágrimas vieram aos seus olhos. – Oh, foi horrível, Sua
Majestade! Ela ordenou que nós, o povo Pelosface do Norte... nos barbeássemos!
Os homens atrás dele gemeram em voz alta como se sentissem dores e juntaram
as barbas, segurando-as protetoramente nas mãos.
– Grande Deus! – Leonard engasgou e pôs a mão no peito. – O que ela estava
pensando? Seria mais fácil fazer com que o Gato de Cheshire mudasse as suas listras do
que convencer um Pelosface a raspar a barba! Eles são parte de quem você é, como a cor
dos seus olhos, ou a forma dos seus ouvidos. Como se atreve a condená-los pelo simples
ato de ser como a Natureza queria que você fosse? – Ele se virou para o Chapeleiro e
Henry. – Isso sela isso. Não posso mais duvidar da incompetência da minha esposa. Ela
é uma ameaça e perigo para todos no País das Maravilhas que eu não posso e não vou
tolerar por mais um momento.
– Oh, Sua Majestade! Eu sabia que você não abandonaria o seu povo! – Barba
de Pescoço arrancou uma mecha de cabelo de bom tamanho, estremecendo ao fazê-lo. –
Por favor, aceite este pequeno sinal de nosso apreço. – Ele estendeu-o para Leonard, que
graciosamente aceitou o cacho de cabelos prateados e enfiou-o em um bolso.
Henry observou os Pelosface enquanto seguiam Leonard pela porta dos fundos
e distraidamente esfregou a penugem no próprio queixo. Imagine, condenando alguém
por simplesmente se recusar a fazer a barba! Não fazia sentido para ele. Qual era o motivo
da Rainha Vermelha em meter o nariz nas barbas dos Pelesface? Ninguém estava dizendo
que ela tinha que ter uma também.
Henry pensou por um momento. – Ela tinha sete anos e meio, acho, e agora tem
vinte e dois anos. São quatorze anos e meio. Eu tinha apenas dois anos e meio quando ela
voltou. Eu cresci ouvindo suas histórias do País das Maravilhas.
A voz do Chapeleiro era muito suave. – Quatorze anos e meio? Pareceu muito
mais tempo.
Henry se virou para ele, com a boca aberta em choque. – Você foi trancado aqui
por tanto tempo? Alice disse que você já era adulto quando ela conheceu você na Festa
do Chá. Quantos anos você tem?
O Chapeleiro apontou para a terceira cela à sua esquerda. – Aquela foi minha.
Gah! Eu esperava nunca mais ver isso novamente. – Ele riu, mas Henry não achou que
ele parecia muito divertido.
Leonard desapareceu pelo arco e eles correram para alcançá-lo. – Obrigado, Sua
Majestade. – Disse o Chapeleiro. – Isso vem como um alívio.
– Nunca tema. – Disse o Chapeleiro. Ele remexeu no bolso, retirando vários itens
- uma caneca, uma moldura fotográfica e o guarda chuva que Henry lembrava da fuga do
Formigueiro Vermelho - e os entregou a Henry para segurar, antes de puxar um pedaço
de papel dobrado. O papel parecia velho, vincado e amarelado com a idade. Ele
cuidadosamente desdobrou-o, segurando-o na frente dele.
Henry fez malabarismos com os itens que o Chapeleiro lhe entregara quando se
inclinou para ver o que era o papel. Era um mapa.
– Eu sempre soube que isso viria a calhar. – O Chapeleiro apontou para uma seta
no mapa, que ostentava grandes letras brancas que diziam: “Você está aqui”. – Só
precisamos seguir este mapa para passar pelo labirinto.
– Absurdo. Pense nisso. Não importa onde estivéssemos, estaríamos lá, o que, é
claro, faria isso aqui para nós, não é? – O Chapeleiro estalou a língua. – Realmente,
Henry, eu pensei que você entenderia o País das Maravilhas um pouco melhor agora.
Ele estava certo, é claro. Henry deveria ter sabido melhor do que perguntar. Era
muito mais fácil no País das Maravilhas apenas seguir o fluxo e não examinar as coisas
de perto. Na verdade, agora que ele pensava sobre isso, ele pensou que poderia ser o que
fazia todo o trabalho mágico - você tinha que acreditar que o mago estava realmente
tirando um coelho de um chapéu vazio. Sem acreditar, era apenas um cara louco com uma
cartola e um coelho de estimação.
Foi isso que tornou Ruína uma realidade? As pessoas acreditaram que alguém
precisava viver na Ruína para que os outros pudessem aproveitar mais? Se fosse, ele não
achava que estava certo. Parecia algo que a Rainha Vermelha poderia ter inventado, um
plano que não era um plano, mas uma outra maneira de punir as pessoas e mantê-las sob
seu calcanhar. E as pessoas de Ruína? Por que eles ficaram? Eles também acreditavam?
Ele arquivou as perguntas para refletir sobre isso algum tempo depois, e voltou
sua atenção para o labirinto em si. Seu olhar percorreu os lados frondosos e viu espinhos
pontiagudos que cobriam as paredes verdes dos arbustos grossos. Isso lembrou muito a
Henry do covil da lagarta. Talvez as sementes da sebe da lagarta tivessem semeado as
que formavam o labirinto, ou vice-versa. Em ambos os casos, não havia chance de ele
abrir um atalho através das paredes sem se espetar.
Henry ficou muito feliz pela confissão do Chapeleiro ter vindo depois que eles
saíram do labirinto.
Leonard passou por eles e sorriu. – Eu sempre amei essa parte do jardim. Um
empolgante jogo de xadrez era exatamente o que eu precisava nos dias em que minha
esposa se ocupava em tornar minha vida miserável.
– Claro. Que estúpido de minha parte. – Henry suspirou, pegou uma folha de
uma topiaria de um cavaleiro e a ergueu diante dos olhos, examinando-a. Parecia uma
folha comum, verde e em forma de ponta de flecha. Cheirava verde também, ou teria
cheiro de verde, ele imaginou, se as cores tinham odores. O verde cheiraria assim, como
um dia quente e preguiçoso de verão.
Esta folha em particular era idêntica a qualquer uma de um milhão de folhas que
ele tinha visto em árvores em seu próprio mundo, completamente normais, exceto que ele
realmente acreditava que esta era imbuída de algum tipo de magia mística e incognoscível
que lhe permitiria mover-se quando jogador deu uma ordem. Por que ele não deveria
acreditar? Não era mais estranho do que qualquer outra coisa que ele tinha visto no País
das Maravilhas. – Cavaleiro para F3. – Ele murmurou, jogando a folha de lado.
– Henry! – Leonard estalou a língua. – Realmente, não temos tempo para jogar.
Agora, coloque o cavaleiro de volta e vamos em frente.
Talvez ele tivesse. Ele certamente se sentia mais confortável no País das
Maravilhas agora que acreditava, do que antes, quando passava todo o tempo
questionando e duvidando de tudo ao seu redor. Seu sorriso ainda estava em seu rosto
quando ele passou pelo Cavaleiro e disse: – Cavaleiro para o G1. – Ele mal notou o
Cavaleiro saltando de volta sobre o mesmo Peão para seu quadrado original, como se
topiarias saltitantes fossem tão comuns quanto moscas domésticas.
Não havia mais tempo para refletir sobre a magia, ou crença, sobre a natureza da
Ruína, ou sobre qualquer uma das inúmeras outras questões que rondavam na mente de
Henry depois que sua descoberta recém-descoberta se encaixou. Todo o grupo,
Chapeleiro, Leonard, Henry e os Guardas Vermelhos, todos pararam completamente
depois que passaram pelo lado mais distante do tabuleiro de xadrez.
Diante deles havia uma longa faixa de grama, não muito larga, mas bastante
exuberante e cravejada de postigos de croqué. No outro extremo, um bando de flamingos
cor-de-rosa salpicava, cada pássaro descansando confortavelmente em longas e finas
pernas negras. Seus pescoços longos e graciosos se enrolavam sobre as costas, com as
cabeças bem arrumadas sob as asas.
Henry viu uma esfera azul brilhante brilhar em uma extremidade do item. – O
que é isso, Chapeleiro?
Henry deu um tapinha no braço do Chapeleiro. – Para onde essa porta leva?
Outra masmorra? A cozinha?
Os guardas se entreolharam. – Uh, aí. Bem ali. – Ele apontou a espada para os
pés do Chapeleiro.
– Aqui mesmo? – Perguntou o Chapeleiro, apontando para o mesmo lugar. – Isso
não está lá. Está aqui. Você está propositadamente tentando nos confundir?
O primeiro Guarda Vermelho pensou. Observá-lo tentando dar sentido a isso era
positivamente doloroso. Finalmente, ele pareceu encontrar uma solução. – Tudo bem,
então, quem vai aqui? Isto é melhor?
Chapeleiro encolheu os ombros. – Se por 'aqui' você quer dizer lá onde você está,
então não. Por outro lado, se por 'aqui' você quer dizer aqui onde estamos, então sim, é
melhor. Para responder sua pergunta, nós vamos aqui.
– Quem é você? – Gritou o Guarda Vermelho. Ele parecia bem confuso e meio
confuso, e continuou se voltando para o segundo Guarda Vermelho em busca de ajuda.
O segundo não parecia entender o que o Chapeleiro estava falando também, então não
tinha absolutamente nenhum valor para o primeiro.
– Receio que 'quem' não é meu nome. Na verdade, não conheço ninguém
chamado 'Quem'. – O Chapeleiro virou-se para Henry. – Você conhece alguém chamado
Quem? – Ele se virou para o guarda. – Não há quem aqui.
Talvez os dois guardas fossem leais a Leonard, ou então estavam tão aliviados
de não ter mais que tentar descobrir a conversa dupla do Chapeleiro que se ajoelharam e
abaixaram a cabeça. – Senhor! Nós pensamos que você estava morto!
– Sim, isso parece ser um equívoco popular. Eu não estou, como você pode ver.
Nem um pouco. Nunca estive. – Leonard fez sinal para que eles se levantassem. – Estou
aqui para destronar minha esposa.
Os dois novos guardas olharam para seus companheiros, depois um para o outro.
– Isso é uma ordem, senhor?
Não pareciam inclinados a acreditar que Leonard os estava comandando ou, mais
provavelmente, esperavam que não fosse o caso. – Isso é uma ordem oficial, senhor, ou
é mais como um pedido?
Leonard fez uma careta para o guarda. – É uma ordem oficial. Um comando. Ele
suspirou e revirou os olhos quando o guarda ainda hesitou. – Faça isso agora.
Henry se inclinou e sussurrou para o Chapeleiro. – Hum, você tem algum tipo
de arma no seu bolso? Eu me sinto um pouco inútil aqui. Acho que me sentiria melhor se
tivesse alguma coisa com que nos defender quando formos para a sala do trono.
– Chapeleiro, isso é um guarda-chuva. A única coisa que vai ser bom é se eu for
atacado por uma chuva repentina.
– Cabeças maiores. Parece que a cada geração, suas cabeças incham um pouco
mais. É a vaidade cada vez mais espessa no sangue deles. A vaidade é uma coisa inchada
e desagradável e ocupa um bom espaço dentro do crânio. Cada novo Príncipe ou Princesa
Vermelha parece ter maior do que seus pais. Eu deveria saber. Uma vez, eu era o
Chapeleiro Real. – O orgulho brilhou nos olhos do Chapeleiro. – O pai da rainha não
usaria chapéu que não viesse da minha loja.
– Eu me pergunto se a cabeça dela inchou mais desde a última vez que a vi. Eu
sempre achei que, se ficasse ainda maior, iria estourar como um balão e poupar muitos
problemas para nós. – Disse o Chapeleiro ao chegarem ao final do corredor. Um par de
imensas portas duplas esculpidas estava entre elas e a sala do trono. – Eu suponho que
ela não seria tão complacente a ponto de se auto-explodir, não é?
Nenhum dos dois parecia muito ansioso para obedecer, e ambos se certificaram
de ficar escondidos em segurança atrás das portas enquanto eles lentamente as abriram.
– O que é isso? Quem está aí? – A voz da rainha, aguda e afiada como vidro
quebrado, ecoou na sala do trono. – Coelho! Descubra quem se atreve a entrar na minha
sala do trono sem um anúncio formal. É rude. Fora com suas cabeças!
– Erm, se a cabeça deles devem ser removidas antes ou depois de descobrir quem
é, Majestade? – A voz do Coelho era muito mais tímida que a da rainha, embora ainda
audível. A acústica na sala do trono era excelente para esse propósito.
Uma voz diferente respondeu pela Rainha Vermelha. – Eu deveria pensar que
pedir depois que suas cabeças rolassem resultaria em uma resposta menos que satisfatória.
O Chapeleiro teve que admitir que Leonard tinha uma figura imponente e não
pôde deixar de admirá-lo. Leonard estava alto, sua expressão real e orgulhosa, seus olhos
brilhando como chamas azuis. Até mesmo o Chapeleiro sentiu-se tentado a se ajoelhar,
embora tenha se convencido ao contrário disso em breve.
Leonard fez um gesto para si mesmo. – Como você pode ver, eu não estou nem
um pouco longe. Eu estou totalmente aqui.
A rainha rangeu os dentes e agarrou os braços do trono com tanta força que suas
unhas se enterraram na madeira. – Bem, então eu te sentencio ao Machado. Fora com a
sua cabeça! Eu ordeno isso!
Leonard se inclinou um pouco para frente. Ele não gritou, nem sequer levantou
a voz, mas a palavra ecoou pelo quarto de qualquer maneira, trazendo um suspiro coletivo
de todos, talvez simplesmente porque ninguém nunca tinha ouvido a palavra na Presença
da rainha antes.
– Não.
A rainha soltou um grito diferente de qualquer outro ouvido em todo o País das
Maravilhas. Ele rasgou a sala do trono, quebrando as vidraças restantes, todos os copos
de vinho na sala e o par de óculos do Coelho. Ele ricocheteou nas paredes como uma
coisa viva, derrubando cadeiras, arrancando o material de todas as almofadas reais e
fazendo a gigantesca coroa pendurada acima da cabeça da rainha balançar. – O que você
disse?
A porta lateral, que dava para o pátio, abriu-se e Machado entrou na sala do trono
ao chamado da rainha. Machado era apenas isso - um enorme Machado de duas lâminas,
animado por magia poderosa, e encantado para fazer o lance da Rainha. Sua borda afiada
brilhou brilhante enquanto balançava através do ar em arcos maciços.
Cada cabeça, isto é, exceto a de Leonard. Ele subiu os poucos degraus até o
tablado e ficou ao lado do trono. Ele ignorou o Machado e sorriu presunçosamente para
a esposa, como se soubesse algo que ela não sabia. Como se viu, ele sabia. – Você
governou todos esses anos porque eu era muito fraco ou muito indiferente para fazer o
meu dever. Esse é o meu pecado e eu viverei com ele para sempre. Não mais vou me
esquivar da minha responsabilidade. Você pode ser real pelo sangue, enquanto eu sou
meramente real pelo casamento, mas você, minha querida, é um monarca terrível e um
ser humano terrível. Eu declaro um golpe, aliviando sua coroa.
Leonard, no entanto, fez algo inesperado. Ele se recusou a ficar parado e ter a
cabeça cortada corretamente. Quando o Machado cortou o ar em direção ao pescoço de
Leonard, ele se abaixou.
Em vez de cortar a carne de Leonard, O Machado passou por cima de sua cabeça
e cortou o arame que segurava a enorme coroa sobre a cabeça da rainha.
A pesada e sólida coroa de ouro caiu diretamente para baixo, como uma
protuberância latejante, cobrindo completamente a rainha da cabeça aos pés. Ele tombou
do trono com o mesmo som estridente e rolou alguns metros pelo chão antes de parar.
Tudo o que viram da rainha eram as pontas dos sapatos vermelhos.
O Machado caiu no chão, batendo ruidosamente, antes de cair imóvel. Ficou ali
muito desiludido, como um Machado comum. O Chapeleiro tentou se aproximar com a
ponta do sapato.
A mão de Henry escorregou na dele. – Ela está... ela está morta? – Seu rosto
estava pálido, mas seu aperto era quente e firme.
O Chapeleiro apertou a mão dele. – Olhe o Machado. Sua magia se foi. Era
encantado em obedecer à Rainha Vermelha apenas, então eu diria que as chances são de
que ela tenha se ido. Não posso dizer que sinto muito, e também não acho que ninguém
mais sinta. Ela não se apegou exatamente a ninguém, com o corte da cabeça das pessoas
a torto e a direita.
Ninguém se adiantou. O Chapeleiro não achou que alguém fosse. Era muito
trabalho, administrar um reino do tamanho de País das Maravilhas. Pelo menos, era
quando foi feito certo, e o monarca não gastava todo o seu tempo ordenando que cabeças
rolassem. Havia muitos detalhes para tratar - brigas para arbitrar, disputas de propriedade
para resolver, magia para dispensar ou dispersar conforme necessário. Certamente, havia
muito trabalho e não havia benefícios suficientes no que dizia respeito ao Chapeleiro.
Com grande poder vinha grande responsabilidade e dores de cabeça ainda maiores.
Leonard foi bem-vindo a isso. Todos os outros, Henry, os Guardas Vermelhos, o Coelho
e o Gato de Cheshire, todos pareciam concordar, já que ninguém se ofereceu.
Leonard sorriu. Ele lançou um olhar penetrante para a coroa gigante e as pontas
dos sapatos de sua ex-mulher. – Bem então. Isso está resolvido. Eu suponho que precisarei
encomendar uma nova coroa. Nada pesado e de metal, mesmo ouro, é muito
desconfortável de usar. Estou pensando em algo em um bom derby, talvez. Acha que
consegue criar um para mim, Chapeleiro?
O Gato de Cheshire flutuou mais perto do trono, ainda sorrindo. – É muito bom
ter você de volta, Sua Majestade.
Leonard devolveu o sorriso do Gato. – Obrigado, Gato. Você fez bem. Lembre-
me de recompensá-lo mais tarde. Por acaso sei onde há uma quantidade substancial de
catnip de um excelente ano armazenado.
O Gato bocejou e começou a se arrumar. – Claro que sim. Alguém tinha que
ficar para trás para garantir que a rainha não destruísse completamente o País das
Maravilhas.
O Chapeleiro virou-se para Leonard, incrédulo. – Você disse ao Gato que você
estava saindo, mas não eu? A rainha quase me matou!
Leonard assentiu e se virou para Henry. – Henry, meu rapaz, quero agradecer-
lhe por voltar aqui para me apoiar. Eu suponho que é óbvio que não voltarei ao seu mundo,
mas e você?
Henry mordeu o lábio e olhou para o Chapeleiro. – Não tenho certeza. Eu tenho
que decidir agora?
– Claro que não. – Leonard piscou para ele. – Você é bem-vindo para ficar no
País das Maravilhas pelo tempo que desejar. Tenho certeza de que o Chapeleiro não se
importaria em abriga-lo. A suíte Royal do Chapeleiro é bastante espaçosa.
Isso foi o suficiente para afastar a mente do Chapeleiro do Gato quando ele
percebeu que tinha coisas muito mais doces a considerar. Coisas como Henry, e seu beijo,
e se haveria mais beijos como esse no futuro. Ele sorriu e apertou a mão de Henry
novamente. – Eu ficaria muito feliz por Henry ficar comigo. Enquanto ele quiser
permanecer aqui.
Ele sentiu o calor fluir de sua testa até os dedos dos pés quando Henry sorriu e
apertou a mão de volta. – Eu acho que eu gostaria disso, tio Leonard... er, Sua Majestade.
O Chapeleiro parecia ter beijado Henry até deixa-lo bobo, já que um sorriso mal-
humorado permanecia no rosto de Henry e ele não conseguiu desafiar a confissão de
Leonard. O Chapeleiro nem sabia se Henry ouvira. – Bem, eu, por exemplo, acho que
País das Maravilhas ficou um pouco mais maravilhoso quando Henry chegou. Agora, se
você não se importa, Sua Majestade, eu acho que você tem alguma limpeza para fazer.
Então você terá anúncios para fazer, mensageiros enviados para o restante do País das
Maravilhas, assim por diante e assim por diante. Henry e eu temos algumas coisas para
conversar também, então nos retiraremos para a Suíte do Chapeleiro Real até que você
precise de nós novamente.
– Por que não estou surpreso? Acho que vou ter que substituir quase todo o
pessoal, hmm? Bem, as primeiras coisas primeiro. Eu preciso de um novo escriba real.
Minha caligrafia é como um arranhão de frango. – Disse Leonard. – Coelho, como está
sua caligrafia?
Leonard fez uma careta para o Coelho. – A única coisa que você deve correr
atrás é uma pena e um pergaminho. Agora, Coelho, antes que eu tenha um súbito desejo
por ensopado de coelho.
– Não deixe que ele sofra, Chapeleiro. – Henry sussurrou. – Você não tem uma
caneta ou algo nesse seu bolso?
O Chapeleiro se encolheu. – Eu disse que sentia muito. Muito bem. – Ele enfiou
a mão no bolso e retirou uma grande e branca pena, um pequeno pote de tinta e um pedaço
de pergaminho amarrado com um laço vermelho. Ele os entregou ao Coelho. – Não diga
que eu nunca te dei nada.
Leonard olhou por cima da cabeça do Coelho. – Chapeleiro? Henry? O que vocês
ainda estão fazendo aqui?
Henry dobrou uma camisa e colocou-a na pequena pilha de outras em sua nova
mala. Uma mochila, o Chapeleiro chamou. Era de couro marrom e tinha alças para mantê-
la fechado. Era extremamente antiquada, mas era tudo o que ele podia encontrar nas lojas
fora do Castelo Vermelho.
Ele foi até a cômoda estreita e tirou dois pares de calças, mas quando se virou
para a mala, estava vazia. Ele se virou para ver o Chapeleiro colocando suas camisas em
uma gaveta da cômoda.
Agarrando as camisas da gaveta, ele as segurou atrás das costas para que o
Chapeleiro não pudesse recuperá-las. – Chapeleiro! Eu continuo fazendo as malas e você
continua descompactando. Eu nunca terminar assim.
– Esse é o ponto principal. Além disso, você não precisa empacotar. Você não
está saindo realmente.
– Por quê? Você gosta daqui, não é? Você gosta de mim, não é?
O Chapeleiro sentou ao lado dele, parecendo que alguém tinha acabado de matar
seu filhote. – Por que, Henry? Por que não ficar aqui comigo? Esta é a sua casa também.
– Eu tenho que voltar porque Alice merece saber o que aconteceu e que eu estou
bem. Além disso, ela, Phillip e as crianças são toda a família que deixei no mundo além
do meu pai. E meu pai... ele precisa de ajuda, e eu preciso ver que ele entenda.
O Chapeleiro fungou e se virou, mas Henry viu uma lágrima brilhar em seus
olhos escuros. – Eu sei.
– Eu ficaria se pudesse. – Disse Henry. Ele colocou a mão no braço do
Chapeleiro. – Esses três meses foram ótimos e eu amei todos os lugares que você me
levou. Cachoeiras Diamante, a incubadora de Jubjubs, a Caverna Gelo Fogo... – Ele
balançou a cabeça e lutou contra as próprias lágrimas. – Só estar com você foi uma
aventura que nunca vou esquecer.
Henry sorriu. – Venha comigo! Há tantos lugares no meu mundo que eu quero
te mostrar. Cidade de Nova York. O grande Canyon. Os oceanos Atlântico e Pacífico.
– Ele não pode se contentar com os chapéus que você já fez por um tempo?
– Oh, eu não sei. Um rei precisa manter as aparências. Não seria bom que as
pessoas o vissem no mesmo chapéu com muita frequência. As pessoas começariam a
falar. Eles diriam que seu Chapeleiro Real é insuficientemente suficiente para fornecer
armarinhos reais. Além disso, não é realmente sobre os chapéus, Henry. É sobre
responsabilidade e honrar minha palavra.
Henry suspirou. – Compreendo. Acho que tenho que voltar sozinho. – Ele
devolveu as camisas à mala e fechou a tampa, prendendo as correias, depois olhou para
o Chapeleiro. – Eu vou sentir sua falta, horrivelmente. – Ele estendeu a mão para um
abraço, e eles ficaram lá por um longo tempo, encostados um no outro como se ambos
pudessem tirar força do outro. Inclinando a cabeça para trás, ele deu um beijo suave nos
lábios do Chapeleiro, depois se afastou e pegou sua mala. – É melhor eu ir embora. É um
longo caminho de volta ao Castelo Branco. Eu gostaria de alcançar o Tweedledee e o
Tweedledum antes do anoitecer.
Henry não confiava em sua própria voz para responder. Ele apenas balançou a
cabeça e saiu do quarto sem olhar para trás novamente.
Por mais difícil que fosse, ter o Chapeleiro escolhendo sua responsabilidade para
com Leonard acima de ir com Henry era ainda pior. Ele pensou que ele queria mais o
Chapeleiro do que isso. Descobrir que ele estava errado era como uma faca no coração
que continuava a empurrar mais fundo e torcer cada vez que ele pensava sobre isso.
Ele limpou uma lágrima irada com as costas da mão. Ele estaria em casa em
breve - ele podia ver as torres quebradas do Castelo Branco à distância - e ele trabalharia
para esquecer tudo sobre o Chapeleiro e o País das Maravilhas. Em seu mundo, havia
outras pessoas, pessoas mais parecidas com ele. Ele encontraria outra pessoa para amar.
Alguém que não falava em conversa fiada o tempo todo. Alguém que não tirava
todos os tipos de coisas malucas de um bolso mágico. Alguém que sabia o que era um
motor de combustão, e que não acreditava em selar um dragão, era o meio de transporte
mais rápido disponível.
Porque não há ninguém como o Chapeleiro, ele pensou vagamente, com a cabeça
baixa enquanto caminhava. Não no meu mundo ou no País das Maravilhas.
– Henry! Henry!
Henry sorriu. Eu quase posso ouvir sua voz. Eu me pergunto quanto tempo vai
demorar até eu esquecer como ele soa? Esquecer como ele é? Ou como seus beijos me
fizeram sentir?
– Chapeleiro? O que você está fazendo aqui? – Henry sentiu um dedo hesitante
de excitação cutucar sua barriga. – Você tem me seguido todo esse tempo?
– Por que você estava me seguindo? Nós nos despedimos. – Henry sentiu suas
bochechas queimarem e desviou o olhar. – Você deixou perfeitamente claro que sua
responsabilidade com Leonard era o que importava.
O Chapeleiro agarrou Henry pelos ombros e forçou Henry a olhá-lo nos olhos. –
Escute-me. Eu sou um homem muito estúpido. Meu dever com Leonard é importante, e
não posso simplesmente esquecer, mas você também é importante para mim. Mais
importante do que qualquer compromisso real ou qualquer chapéu que eu pudesse ser
chamado para fazer para o rei. Achei que Leonard iria ressuscitar o Machado quando
soube que te mandei sozinho. Ele me disse para pegá-lo, mesmo que eu tivesse que correr
todo o caminho. Na verdade, pediu-me que me dissesse que não voltaria até que você
estivesse doente e cansado de me ter por perto. – Ele sorriu e puxou Henry para perto, em
um abraço de urso. – Então você vê, eu tenho que ir com você. Se eu não fizer isso, vou
estar em violação direta de uma ordem real.
O tempo não deve ter sido ofendido porque voou enquanto eles conversavam e
riam, subindo a colina até o Castelo Branco, e subindo para o quarto onde o espelho
mágico esperava.
Sorrindo um para o outro, eles atravessaram para o outro lado para o futuro deles
no mundo de Henry.
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