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DOI: 10.1590/1413-81232018249.

27472017 3395

Revisão da literatura sobre implicações para assistência de

revisão review
usuários de drogas da descriminalização em Portugal e Brasil

Literature review on the implications of decriminalization for the


care of drug users in Portugal and Brazil

Rafael de Oliveira Mendes (https://orcid.org/0000-0001-9984-0277) 1


Paula Gibin Pacheco (https://orcid.org/0000-0002-6543-0605) 1
João Pedro Campos Ouro Vian Nunes (https://orcid.org/0000-0001-5260-2335) 2
Pedro Salles Crespo (https://orcid.org/0000-0002-3913-0916) 3
Marcelo Santos Cruz (https://orcid.org/0000-0003-0057-2095) 1

Abstract Introduction: Substance use problems Resumo Os problemas relacionados ao uso de


remain at the core of public concern in countries drogas se mantêm como foco de preocupação em
sharing a common culture and a distinct history países que têm uma história em comum e traje-
like Brazil and Portugal. Objective: To describe tórias distintas como Brasil e Portugal. Objetivo:
findings of scientific literature about the impli- descrever os achados na literatura científica sobre
cations of drug legislation change for the care of os impactos das mudanças na legislação sobre
drug users in Brazil and Portugal. Methods: This drogas na assistência a estas pessoas nos dois paí-
is an integrative review of literature that considers ses. Método: revisão integrativa da literatura, por
inclusion and exclusion criteria, sample selection, meio de critérios de inclusão e exclusão, seleção da
analyses and categorization of 21 articles selected amostra, análise e categorização dos estudos com
that were published in databases PubMed, SciE- a escolha de 21 artigos publicados nas bases Pub-
LO and Biblioteca do Conhecimento on-line (B- Med, SciELO e Biblioteca do Conhecimento on-li-
ON) and included ordinances and laws related to ne, mais portarias e leis referentes ao tema. Resul-
the subject. Results: We observed that production tados: Observa-se que é escassa a produção sobre
on the repercussions of changes of legislation on as repercussões das mudanças da legislação para a
care is scarce. Alcohol and tobacco are still a mat- assistência. Nos dois países, o álcool e o tabaco se
ter of concern in both countries. In Portugal, con- mantêm como foco de preocupação. Em Portugal,
cerns about heroin-related issues have declined a preocupação com os problemas relacionados ao
in recent years, but opioids use prevalence rates uso de heroína diminuiu nos últimos anos, mas as
remain well above those of Brazil. Crack-related taxas de prevalência do uso de opióides se man-
problems are a Brazilian reality without parallel têm muito acima das do Brasil. Os problemas com
in Portugal. In both cases, some actions are in o crack configuram uma realidade brasileira sem
1
Instituto de Psiquiatria, place to change the policy in favor of a reduced paralelo em Portugal. Em ambos os casos, há ini-
Universidade Federal repressive approach, with differentiation between ciativas para a mudança da política em direção à
do Rio de Janeiro. Av.
Venceslau Brás 71, users and drug dealers, increased punishment of diminuição da abordagem repressiva, com a dife-
Botafogo. 22290-140 Rio dealers and reduced punishment of drug users. renciação entre usuários e traficantes, o aumento
de Janeiro RJ Brasil. Key words Brazil, Drug, Public policies, Portu- da punição dos traficantes e abrandamento da pu-
mendes_med@hotmail.com
2
Centro Hospitalar Lisboa gal, Legislation nição dos usuários.
Norte, Universidade de Palavras-chave Brasil, Droga, Políticas públicas,
Lisboa. Lisboa Portugal. Portugal, Legislação
3
Hospital Garcia de Orta.
Almada Portugal.
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Mendes RO et al.

Introdução e emigrantes de origem paquistanesa e indiana


em Moçambique, que faziam uso de heroína2. A
As mudanças na legislação sobre drogas em Por- queda do regime militar e a súbita abertura do
tugal há mais de 10 anos foram acompanhadas país para o resto da Europa levou a um aumento
de modificações na assistência naquele país. Pa- considerável do uso de drogas, que, aliado a uma
ralelamente, mudanças ocorrem também no profunda falta de informação acerca das substân-
Brasil. Conhecer os efeitos das modificações nas cias psicotrópicas e dos seus diferentes efeitos,
leis de diferentes países pode ser uma maneira de originaram um tipo de consumo com uma alta
poupar esforços, compartilhar conhecimentos taxa de problemas associados – principalmen-
e aprender com as experiências existentes. Mes- te entre os usuários de heroína. Já em 1997, em
mo considerando as diferenças de contexto entre um estudo da Comissão Europeia3, portugueses
Brasil e Portugal, não há dúvidas de que, além de indicavam as drogas como o principal problema
raízes históricas e culturais, compartilhamos ou- social do país.
tras semelhanças. Conhecer quais foram às im-
plicações para a assistência de pessoas com ne- Dados epidemiológicos
cessidades de saúde decorrentes do uso de álcool
e/ou outras drogas, que resultaram das mudan- Conforme se observa na Tabela 1, álcool e
ças da lei em Portugal e no Brasil foi o motivo da tabaco são as drogas mais consumidas nos dois
escolha desses países para o estudo. países. Além destas, no Brasil em 2005, as drogas
Conhecer seus efeitos pode viabilizar tanto a com maior uso na vida foram maconha (8,8%),
adequação dos serviços de assistência quanto o solventes (6,1%) e benzodiazepínicos (5,6%).
aperfeiçoamento da legislação e, principalmente, Comparações entre os levantamentos realizados
a interlocução entre as instituições e profissio- em 2001e 2005 no Brasil demonstraram aumen-
nais dos campos da Justiça e da Saúde nos dois to nas estimativas de uso na vida de maconha,
países. O objetivo do presente trabalho é descre- solventes, benzodiazepínicos, cocaína, estimu-
ver uma revisão integrativa da literatura sobre lantes, alucinógenos e crack4. Entre estudantes
as mudanças nos sistemas de assistência e saúde do ensino fundamental e médio da rede pública
que atendem pessoas com necessidades de saúde e privada das capitais brasileiras, o uso na vida
decorrentes do uso de álcool e/ou outras drogas; de drogas (incluindo álcool e tabaco) reduziu en-
nas leis sobre drogas e de que forma as mudanças tre 2004 e 20105. Neste período, o uso na vida de
nas leis impactam a assistência destas pessoas nos crack manteve o percentual de 0,7% estável nesta
dois países. população.
O Brasil constitui rota de tráfico por ter ex- Nas últimas décadas, a preocupação com o
tensa fronteira com os países produtores de co- crescimento do uso do crack veio se somar aos
caína e maconha que são escoados pelo mar e principais problemas de saúde pública e social
pelo ar para os maiores mercados consumidores do Brasil, na atualidade. Estima-se que existam
mundiais. A disponibilidade de drogas gerada cerca de 370.000 usuários de crack nas principais
neste comércio e a ineficiência do policiamento capitais do país e Distrito Federal6, a maior par-
nas fronteiras, além de fatores sociais como a po- te deles vivendo em situação de vulnerabilidade
breza, a desigualdade social e a insuficiência de social, com problemas de saúde e uso de outras
investimentos em políticas sociais (saúde, cul- drogas lícitas e ilícitas7.
tura, educação) criam um meio propício para
crescimento de mercado consumidor de drogas
ilícitas no Brasil1. Método
A sociedade portuguesa era conservadora até
o final da década de 60 e início da década de 1970, Trata-se de uma revisão integrativa que visa des-
pouco aberta às sociedades modernas ociden- crever os achados na literatura científica sobre as
tais, governada por uma ditadura militar e com implicações para as ações de assistência das mu-
grande influência da Igreja Católica. Por estes danças das leis sobre o uso de drogas no Brasil
motivos, o fenômeno do uso de drogas iniciou- e em Portugal. Foram levantados os artigos pu-
se mais tarde e com menor impacto do que em blicados em periódicos indexados nas bases de
outros países europeus. Em Portugal, os primei- dados Scielo, Pubmed e a Biblioteca do Conhe-
ros usuários eram na sua maioria militares que cimento on-line (B-on). Para este estudo foram
usavam cannabis ao retornarem das ex-colônias definidos critérios de inclusão e exclusão de ar-
portuguesas da África, onde este uso era comum, tigos sobre o tema geral “Assistência” e critérios
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Tabela 1. Prevalências de uso (%) de drogas na vida e nos últimos 30 dias em levantamentos populacionais no
Brasil e em Portugal.
Brasil4 Portugal8
Uso na vida Uso nos últimos Uso na vida Uso nos últimos
30 dias 30 dias
Álcool 74,6 38,3 73,6 50,3
Tabaco 44 18,4 46,2 26,3
Cocaína (inalada) 2,9 0,4 1,2 0,1
Cocaína (crack) 0,7 0,1
Inalantes 6,1 0,4 * *
Benzodiazepínicos 5,6 1,3 * *
Maconha 8,8 1,9 9,4 1,7
Heroína 0,1 0,0 0,6 0,0
Alucinógenos 1,1 0,2
LSD 0,6 0,6
Cogumelos * *
Ectasy * * 1,3 0,2
Anfetaminas 3,2 0,3 0,5 0,0
* Sem informações no estudo citado.

sobre o tema geral “Legislação”. Os critérios utili- me os critérios de inclusão e exclusão. Todos os
zados para selecioná-los pelos títulos foram: resumos selecionados foram lidos e selecionados
Assistência. Inclusão: artigos originais que para leitura na integra conforme os critérios de
descrevem a rede de assistência a pessoas com inclusão e exclusão. Cada uma destas etapas foi
problemas com substâncias, incluindo críticas, realizada por dois pesquisadores para evitar viés
história, descrições mais locais ou mais abran- de seleção. A leitura de artigos na íntegra permitiu
gentes da rede. Exclusão: artigos que tratam do a identificação dos temas abordados que são apre-
álcool com outras finalidades que não o consu- sentados na sessão Resultados. Os procedimentos
mo humano (por exemplo: combustível); artigos da revisão integrativa estão descritos na Figura 1.
que descrevem estudos sobre abordagens especí- Foram incluídas na revisão as portarias e leis
ficas de tratamento (por exemplo: ensaios clíni- referentes aos temas assistência e legislação sobre
cos, relatos de caso etc.) ou prevenção. drogas referenciadas nos artigos encontrados.
 Legislação. Inclusão: artigos originais que
descrevem as leis sobre drogas ilícitas, incluindo
críticas, história, descrição. Exclusão: artigos que Resultados
tratam das leis sobre beber e dirigir; artigos que
tratam das leis sobre propaganda, venda ou uso De uma forma geral, os artigos encontrados têm
de bebidas alcoólicas e tabaco. um caráter descritivo, com abordagem crítica
Foram utilizadas as palavras chaves: droga, ál- tanto da história da evolução da legislação quan-
cool, política, Brasil, Portugal, lei, legislação, rede, to da implementação da rede de assistência nos
assistência e reforma psiquiátrica e suas corres- dois países. Foram encontrados poucos artigos
pondentes em inglês: drug, alcohol, policy, Bra- (n = 3) que discutem especificamente a implica-
zil, Portugal, law, legislation, network, assistance, ção das mudanças das leis para a assistência em
treatment, psychiatric reform. As mesmas foram Portugal e nenhum sobre o contexto brasileiro.
usadas de forma agregada: os termos “Brasil” ou Descrevemos de forma sintética adiante os temas
“Portugal” em conjunto com os termos “droga” abordados nos artigos encontrados.
ou “álcool” e conjugados com cada um dos de-
mais termos. Assim foram usados para construir Brasil – Legislação
cada linha de busca e procedimento similar foi
realizado com os termos em inglês. Os problemas decorrentes de uso de drogas
Os artigos encontrados com estas palavras no Brasil começaram a ser percebidos como pre-
chaves foram selecionados pelos títulos, confor- ocupação social no final do século XIX e início
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Mendes RO et al.

Procedimentos da revisão integrativa

Bases de dados:
. Medline
Fase 1: definição de base de dados
. SciELO
. B-ON

Descritores:
droga, álcool, política, Brasil, Portugal,
Fase 2: definição dos descritores
lei, legislação, rede, assistência e
reforma psiquiátrica

374 artigos excluídos


Fase 3: análise de títulos e resumo 430 artigos encontrados . Artigos repetidos (n = 201)
. Artigos não encontrados na
íntegra (n = 8)
. Não correspondem ao tema
(n = 165)

Fase 4: análise dos textos 56 artigos analisados 35 artigos excluídos


completos integralmente . Artigos repetidos (n = 19)
. Não correspondem ao tema
( n = 16)

21 artigos incluídos na revisão

Figura 1. Procedimentos da revisão integrativa.

do século XX. Assim, o decreto 4.294, de 1921, cio da ditadura militar10. Então, a partir de 1964,
ofereceu bases legais para detenções e prisões ocorreu um período de progressiva implantação
de usuários e vendedores de drogas ilícitas9. O do modelo “bélico de política criminal para dro-
modelo médico-sanitarista, com a visão dos usu- gas” 10.
ários como doentes e incapazes necessitados de A partir dos anos 60, o uso de diversas dro-
tratamento, e dos comerciantes como sendo de- gas foi amplamente difundido nos meios de pro-
linquentes a serem punidos prevaleceu até o iní- testos contra governos e guerras, passando a ser
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símbolo de subversão. Neste contexto, ampliou- são tiveram papel importante em favor do pro-
se a lista de substâncias ilícitas, ocorreu a equi- cesso de constituição de uma política específica
paração de usuários a traficantes, a proibição da de saúde. É o caso do Conselho Federal de Entor-
apologia, plantio e produção, além de endureci- pecentes (CONFEN) e da Secretaria Nacional de
mento das penas, da fiscalização e da repressão. Políticas Antidrogas (SENAD), que contribuíram
Acompanhando o recuo de algumas políticas re- para a viabilização dos programas de RD e esti-
pressoras da ditadura militar no Brasil ao final da mularam o trabalho dos centros de tratamento,
década de 70, a lei de tóxicos de 1976 passou a pesquisa e prevenção.
reconhecer a importância de estratégias preven- Desta forma, a política para as drogas no final
tivas e de tratamento para a dependência de dro- do século XX é caracterizada pela coexistência de
gas. A partir de então, as leis passam a endurecer leis proibicionistas, com distinção entre usuários
contra o tráfico e abrandar para o uso de drogas. e traficantes e admissão das estratégias de RD.
Seguindo essa tendência, a Lei dos Crimes A lei 11.343, promulgada em 2006, mantém-
Hediondos, de 1990, equiparou o tráfico ilícito se em vigor até o momento e prescreve medidas
de entorpecentes aos crimes considerados mais para prevenção do uso indevido, atenção e rein-
graves, enquanto a Lei das Penas Alternativas, de serção social de usuários e dependentes de dro-
1998, era proposta para evitar que a maioria dos gas. Traficantes e usuários passaram a ser tratados
usuários sofresse pena de privação de liberdade. distintamente na lei. Sobre o porte de drogas para
Em 1997, foi aprovada a lei estadual em São Pau- uso pessoal, a justiça retributiva, baseada no cas-
lo que regulamenta políticas de redução de danos tigo, foi substituída pela justiça restaurativa, cujo
(RD), e somente em 2005 foi aprovada lei com o objetivo maior foi a ressocialização por meio de
mesmo objetivo em nível federal. penas alternativas, como advertência sobre os
Seguindo as orientações da XX Sessão Especial efeitos das drogas, prestação de serviços à comu-
da Assembleia Geral da ONU (UNGASS), realiza- nidade que se ocupem da prevenção/recuperação
da, em 1998, para discutir o problema mundial de usuários e medidas educativas. Desta forma, o
das drogas, o Brasil criou o Conselho Nacional porte de drogas foi despenalizado no Brasil, sig-
Antidrogas (CONAD) sendo um órgão colegiado, nificando o fim da pena de privação de liberda-
para orientações no seu campo de atuação e a Se- de16. Apesar disso, o encarceramento por delitos
cretaria Nacional Antidrogas (SENAD), elabora- relacionados às drogas tem aumentado no Brasil9.
dora das políticas oficiais antidrogas, juntamente Nos últimos anos, devido ao importante au-
com o Departamento de Polícia Federal11. mento no uso de crack no Brasil, a preocupação
Paralelamente, depois de um começo polê- com o tema das drogas ilícitas tomou novo im-
mico, as Estratégias de RD, focavam inicialmente, pulso. O decreto 7.179 de 201017 implementou
na prevenção de doenças transmissíveis12. Estas o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e
estratégias vêm sendo progressivamente assimi- outras drogas, seguindo o modelo de prevenção,
ladas nas políticas de saúde no país e se mostra- cuidado e autoridade. Paralelamente, amplia-se
ram úteis como forma de aproximação inicial a discussão da lei de drogas, inclusive a ausência
aos usuários, em diferentes fases motivacionais13 de critério objetivo (como a quantidade de droga
e em seus ambientes de consumo14. em posse) para a definição legal de quem é usuá-
Em 2002, foi aprovada “A Nova Lei de Tóxi- rio e quem é traficante.
cos” e implementada a “Política Nacional Anti-
drogas”, baseada no tripé prevenção, tratamento Brasil – Assistência
e repressão. Em 2005, essa política foi substituída
pela “Política Nacional Sobre Drogas”, que prio- Até o final dos anos 80, a assistência públi-
rizou a prevenção. Ela criou novas estratégias, ca à saúde mental era centrada nos hospitais
como a taxação de bebidas alcoólicas e tabaco, conveniados. Neste período ocorreu a expansão
visando geração de recursos para tratamento do número de serviços privados, beneficentes e
dos usuários, reafirmou as políticas de RD e não espontâneos como Comunidades Terapêuticas
mencionou tratamento forçado como estratégia e grupos como os Alcoólicos Anônimos. Na dé-
a ser seguida, como citava a versão anterior. As- cada de 90, surgiram iniciativas governamentais
sim, a política de saúde para usuários de drogas, para diminuir a carência de serviços por meio da
estabelecida em 2003, buscava romper com a tra- construção de uma ampla rede extra-hospitalar18,
dição repressiva do aparato jurídico14. treinamento de equipes de multiprofissionais e
Segundo Machado e Miranda15, algumas prá- definição de políticas específicas para problemas
ticas originárias do campo de controle e repres- com drogas19.
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Mendes RO et al.

Esta rede se encontra em expansão e conta tentes no Brasil contam com uma equipe multi-
com serviços e ações distintas de modo a con- disciplinar que se desloca a partir do seu ponto
templar a diversidade das pessoas que usam fixo para desenvolver suas atividades de atenção
drogas. Entre os elementos e ações da rede se com os usuários de drogas onde eles estão.
encontram as desenvolvidas pela Rede de Aten- Em 2011, incluíram-se entre os dispositivos
ção Básica, que envolvem as Unidades Básicas de da rede de atenção em álcool e drogas as Unida-
Saúde (incluindo os centros de saúde e postos de des de Acolhimento (UA)29. As UA têm caráter re-
saúde), a Estratégia de Saúde da Família (que in- sidencial transitório e voluntário, com o objetivo
clui as equipes do Programa de Saúde da Família de oferecer cuidados contínuos para usuários em
e os Agentes Comunitários de Saúde), os NASFs situação de vulnerabilidade social e familiar. Até
(Núcleos de Apoio a Saúde da Família) e os Con- abril de 2015 haviam sido criadas 34 Unidades de
sultórios na Rua (destinados ao atendimento da Acolhimento25. Encontra-se em debate23 a forma
população de rua). Estes dispositivos têm enor- mais adequada de atender às pessoas com pro-
me acesso a usuários de álcool e outras drogas, blemas com drogas nas situações que necessitam
porque atendem a grande parcela da população internação. Os dispositivos utilizados atualmente
em seu território, realizam ações como identifi- são os leitos de hospital geral, os CAPS ad III e as
cação precoce, intervenção breve20 e tratamento Comunidades Terapêuticas.
dos casos menos graves21. A atenção às necessidades não atendidas pelas
No caso do atendimento nas Unidades de redes da saúde é efetuada pela articulação com
Atenção Primária à Saúde, como as Unidades outras redes (de assistência social, de educação e
Básicas de Saúde, Vargas et al.22 afirmam que de justiça) de forma interdisciplinar/ interseto-
estas unidades têm a característica de serem de rial30. A rede de Assistência Social inclui os Cen-
alta rotatividade e pouco tempo de permanência tros de Referência Especializados de Assistência
dificultando a abordagem da equipe para a con- Social (CREAS) – que promovem o acesso a di-
tinuidade do tratamento. Além disso, segundo reitos sócio-assistenciais e os Centros de Referên-
Andrade23, embora tenha havido expansão, a Es- cia Especializados para População em Situação
tratégia da Saúde da Família ainda apresenta co- de Rua (Centro POP).
bertura populacional muito frágil, inferior a 20%
em algumas grandes cidades. A baixa cobertura Portugal – Legislação
prejudica o vínculo territorial entre o paciente e
a instituição e é um fator de sobrecarga dos Cen- Em Portugal, ao final dos anos 1990, o gover-
tros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas no convocou um comitê de peritos de diversas
(CAPS ad), comprometendo as funções para as áreas para redigir um relatório aprofundado da
quais estes foram concebidos23. situação e que, ao mesmo tempo, elaborasse um
Os CAPS ad, que têm papel central na rede, conjunto de recomendações para uma estratégia
são amplamente inseridos na orientação de de- de intervenção global. As conclusões desta co-
sinstitucionalização dos pacientes, buscando missão foram o ponto de partida para uma série
manter ou reintegrá-los em suas comunidades. de alterações legislativas nos anos seguintes in-
Busca-se a parceria e autonomia do paciente, in- cluindo a descriminalização do uso de droga31.
clusive na construção do projeto terapêutico, evi- Assim, foi aprovada pelo governo32, a primeira
tando moldes rígidos24. Até abril de 2015, haviam Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga e a
sido criados 308 CAPS ad no Brasil25. No entanto, Toxicodependência (ENLCDT).
segundo Souza et al.26, apesar da riqueza nas pro- Até julho de 2001, o uso de drogas era consi-
postas de intervenções dos CAPS ad, na prática derado crime punível com até 3 meses de prisão
verifica-se que muitas atividades preconizadas ou multa pecuniária. Se a quantidade de drogas
não chegam a ser efetivadas. apreendida fosse superior a 3 doses diárias, a
Outra fragilidade da rede de atenção a pessoas pena de prisão podia chegar até 1 ano. A posse
com problemas com drogas se refere às dificulda- de drogas também era sempre considerada cri-
des de acesso a ela. Como grande parte das pes- me, podendo ser punível de diferentes formas
soas que têm problemas com drogas não acessa conforme fosse considerada para uso pessoal ou
os serviços sociais e de saúde e muitos deles vi- tráfico.
vem em situação de rua27, os Consultórios na Rua A mais emblemática das medidas introduzi-
(CR) surgiram a partir de 201128 com o objetivo das pela Estratégia Nacional foi a descriminali-
de oferecer cuidados em saúde aos usuários em zação do uso, aquisição e a posse para consumo
seus próprios contextos de vida. Os 129 CR25 exis- próprio de todas as substâncias psicoativas atra-
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vés da aprovação da Lei n.º 30/200033, e, poste- Portugal – Assistência
riormente, no Decreto-Lei n.º 130-A/200134. Esta
nova Lei mantinha o estatuto de ilegalidade das A oferta de tratamento a usuários de drogas
drogas, mas a punição do seu uso e posse foi mo- era praticamente inexistente em Portugal an-
dificada. Qualquer cidadão não será punido ju- tes de 197335. Após a revolução de 1974, foram
dicialmente caso o uso ou a posse de drogas seja criados pelo Ministério da Justiça os Centros de
inferior ao equivalente a dez vezes o consumo Estudo da Profilaxia de Droga para atividades de
diário. Para aplicar esta nova Lei, foram criadas prevenção, tratamento e inserção social. Apenas
as Comissões para a Dissuasão (CD) da Toxico- em 1987, surgiu a primeira unidade de tratamen-
dependência, em substituição aos tribunais cri- to no âmbito do Ministério da Saúde (MS), o
minais. Centro das Taipas, em Lisboa. Ainda sem suporte
As CD são constituídas por três membros, legal foram surgindo algumas iniciativas de RD
nomeados pelos Ministros da Saúde e da Justiça. como o Programa STOP SIDA de troca de serin-
O membro designado pelo Ministro da Justiça é gas em 1993 e o Programa Substituição Opiácea
um jurista, os outros dois são geralmente profis- com Metadona em 1996.
sionais de saúde ou da área social. As comissões A partir da década de 90 e em paralelo com a
são apoiadas por uma equipe técnica de psicó- descriminalização do uso de drogas, procedeu-se
logos, sociólogos ou assistentes sociais, e juristas. a expansão da rede de serviços públicos para pre-
Quando os consumidores são abordados, a polí- venção, tratamento e reinserção de dependentes
cia fica com os seus dados, apreende a substân- de drogas. Isto ocorreu em consonância com a
cia ilegal e a pessoa é então notificada para com- ENLCDT, com a criação, no MS, do Serviço de
parecer perante a Comissão. Se uma pessoa não Prevenção e Tratamento da Toxicodependên-
comparecer, uma sanção administrativa pode cia e subsequente aprovação da Lei n.º 736, em
ser aplicada na sua ausência, como por exemplo, 1997. Também, foram criados serviços na área
uma multa, revogação da carteira de motorista da redução de riscos e minimização de danos37,
ou licença de uso e porte de arma, serviço comu- tais como: Equipes de Rua, Gabinetes de Apoio
nitário ou proibição de frequentar determinados (fornecem serviços de higiene e alimentação mí-
locais. Na CD, as motivações para o uso, o his- nimos, apoio psicológico e social, cuidados de
tórico de consumos, questões de dependência, enfermagem, preservativos, utensílios para uso
questões familiares e laborais são discutidas e endovenoso por troca de seringas, apoio médi-
caso se justifique é feito o encaminhamento para co e psiquiátrico), Programas de Substituição
tratamento e acompanhamento. Opiácea de Baixo Limiar de Exigência, Centros
Um resumo das diferenças da legislação do de Acolhimento (espaços residenciais temporá-
Brasil e de Portugal é visto no Quadro 1. rios que funcionam 24h/dia), Centros de Abrigo

Quadro 1. Diferenças e semelhanças da legislação para drogas no Brasil e em Portugal.


Brasil16 Portugal38
Pena de Prisão por tráfico de Sim até 15 anos Sim até 12 anos
droga ilícita
Pena de prisão por consumo de Não Não
droga
Diferenciação entre usuário e Interpretação (subjetiva) do Juiz Quantidade de droga apreendida (≤
traficante 10 dias de uso)
Tipo de ofensa do uso Crime Infração administrativa
Local da administração das Tribunal Comissões de Dissuasão (Ministério
sanções a usuários da Saúde)
Sanções possíveis para usuários - Advertência - Suspensão do porte de arma
- Prestação de serviços à - Cassação de autorização para
comunidade exercício de profissão
- Comparecimento a programa - Proibição de frequentar certos
educativo lugares
- Multa - Multa
3402
Mendes RO et al.

(espaços de pernoite) e Pontos de Contato e In- vel de risco leva em consideração o padrão atual
formação (serviços de sensibilização, informação do uso de drogas, a presença de comportamentos
e escutadas populações com foco na prevenção). de risco em diversas esferas do funcionamento
Em 2004, a reavaliação da ENLCDT resultou individual (saúde, sexualidade, social, familiar) e
na elaboração do Plano Nacional de Luta Contra situações comórbidas.
a Droga e a Toxicodependência Horizonte 2012, No Nível de Intervenção I estão envolvidos
mantendo os princípios do humanismo e prag- os Cuidados de Saúde Primários. No Nível de
matismo, centralidade no cidadão, da territoria- Intervenção II estão envolvidos os Cuidados de
lidade e das respostas integradas. Saúde Especializados, como os Centros de Res-
Com a publicação da nova orgânica do MS, posta Integrados, as Unidades de Alcoologia, as
aprovada pelo Decreto-Lei n.º 124/201139, o Go- Comunidades Terapêuticas públicas e as Equipes
verno procedeu à criação do Serviço de Interven- de Apoio Intensivo à Cessação Tabágica. O Ní-
ção nos Comportamentos Aditivos e Dependên- vel III exige a intervenção dos Centros de Res-
cias (SICAD) com a função de planejamento e postas Integradas (como o Centro das Taipas em
acompanhamento de programas de redução do Lisboa43) ou de outras Unidades especializadas,
uso e prevenção. As atividades de prevenção são como as Unidades de Desabituação (internação
focadas nos jovens e coordenadas pela SICAD de curta duração), as Unidades de Alcoologia e as
em cooperação com o Ministério da Educação Comunidades Terapêuticas (internação de longa
e a Polícia, assim como com ONG’s financiadas duração) e os Serviços de Especialidades Médico
pelo Estado. Assim, as equipes desenvolvem ativi- Cirúrgicas Hospitalares.
dades de prevenção nas escolas, centros desporti- A Ressocialização visa o apoio ao regresso
vos, centros de saúde e em contextos festivos. Foi (ou início) à vida profissional44 e dados da região
ainda desenvolvido um website com informações do Algarve (sul do país)45 demonstram resulta-
dirigidas a jovens40 e uma linha gratuita de apoio dos positivos. À semelhança do que acontece na
telefônico. O estilo de comunicação foi delibera- maioria dos países europeus (17 dos 21 que re-
damente indireto, promovendo um estilo de vida portaram essa informação46) em Portugal existe
saudável evitando a abordagem questionável de habitação gratuita disponível para usuários que
condenar agressivamente o consumo41. O pro- é condicionada ao encaminhamento para trata-
grama Escola Segura consiste em policiamento mento ou à sua conclusão, o que ainda pode ser
de proximidade junto às escolas, dissuadindo o considerado como de inspiração abstencionista46.
tráfico junto a estas. Lisboa foi uma das 5 cidades europeias escolhi-
A população alvo da RD consiste em usuários das para um projeto piloto fundado pela União
de heroína e cocaína de longa data com fragilida- Européia de Habitação Primeiro, não condicio-
des sociais e de saúde, que não pretendem ou não nal ao tratamento e com resultados globalmente
conseguem abandonar o uso e que não contatam positivos na qualidade de vida47.
os serviços da rede de apoio, como os serviços
de tratamento da dependência. O estado finan- Implicações da Estratégia Nacional da luta
cia albergues e equipes de rua majoritariamente contra a droga
através de ONG’s. Equipes de rua realizam visitas
diárias aos lugares onde os usuários de heroína Adam e Raschzok48 sugerem que a mudança
costumam se agrupar e distribuem kits com se- da lei com base em evidência científica e a opi-
ringas e agulhas limpas, água destilada, gaze e um nião de peritos técnicos (Comissão para a Estra-
preservativo aos consumidores. tégia Nacional de Combate à Droga) em Portugal
Existem muitas estruturas diferentes entre as foi possível por haver na ocasião simultanea-
que prestam cuidados de assistência a usuários. mente uma grande pressão do problema com as
Esta complexidade reflete a história atribulada drogas (especificamente, a heroína), instituições
da criação de respostas aos usuários, e também policiais e judiciais muito sobrecarregadas favo-
resulta em diferenças nas estruturas existentes e ráveis à mudança na lei e a ausência de crenças
competências de cada uma entre diferentes regi- ideológicas contrárias à descriminalização no
ões do país. Atualmente, o SICAD tenta organi- Partido Socialista, no poder em 2001.
zar e articular todas estas estruturas preconizan- O tema da Droga e a sua descriminalização
do um algoritmo para encaminhamento dividido não são politicamente neutros. O filtro ideológi-
por área geográfica e por 3 níveis de intervenção co dos autores tende a juntar-se à complexidade
de acordo com a avaliação do risco da situação que uma análise dos resultados implica e ao fato
em que a pessoa se encontra42. A definição do ní- de não existir um Portugal-controle, ou seja, um
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país hipoteticamente igual a Portugal onde não Portugal. Em Portugal, a preocupação com os
tivesse existido mudança de lei para uma compa- problemas relacionados ao uso de heroína dimi-
ração direta. Assim, mesmo olhando para dados nuiu nos últimos anos, mas as taxas de prevalên-
objetivos, torna-se impossível perceber se as mu- cia do uso de opióides se mantêm muito acima
danças foram relacionadas unicamente à mudan- das do Brasil.
ça de lei e não ao resto da reforma na assistência Nos dois países ocorre o debate sobre estra-
aos usuários bem como a outros fatores (a crise tégias de tratamento e sobre a necessidade de
econômica portuguesa e outras tendências do adequação das leis. Em ambos os casos, há ini-
mundo globalizado). ciativas para a mudança da política no sentido da
De qualquer forma, mais de uma década após diminuição da abordagem repressiva, com a dife-
a reforma, ela goza de uma aceitação generalizada renciação entre usuários e traficantes, o aumento
e um impacto positivo na diminuição das con- da punição dos traficantes e abrandamento da
sequências sanitárias relacionadas com o abuso punição dos usuários. No entanto, confirman-
de droga49. Pode-se destacar: 1) Aumento do nú- do a oscilação na abordagem do problema, em
mero de usuários em tratamento50; 2) Aumento dezembro de 2017, o governo do Brasil colocou
do consumo em adultos; 3) Redução do uso em em discussão, na CONAD, a resolução que no-
jovens, contrário à tendência europeia; 4) Di- vamente propõe um modelo proibicionista com
minuição da carga sobre o sistema judicial, au- ênfase na abstinência. Estas alterações propostas
mento das apreensões de droga e da confiança na não fizeram parte do escopo do presente estudo
polícia, apesar de ser de difícil avaliação objetiva, de revisão, no entanto, foram divulgadas ante-
a opinião da polícia sobre a lei, assim como a de riormente à publicação desse artigo e incluem
usuários sobre a relação com a polícia já foi alvo elementos importantes para a sua atualidade.
de algum estudo qualitativo de forma indepen- Portugal tem há mais de 10 anos experiência
dente2,51; 5) Redução do uso problemático, ilus- de legislação bem menos repressiva e a revisão
trado pela diminuição de novas infecções HIV da literatura sugere que as mudanças implemen-
em usuários de drogas50 e do número de consu- tadas foram articuladas de modo a envolver os
midores de drogas injetáveis50. atores (profissionais e instituições) da Justiça e
da saúde de modo mais abrangente do que no
Brasil. Não encontramos estudos sobre a reper-
Discussão cussão das modificações da lei para a assistência
no Brasil.
A revisão da literatura revela que é escassa a pro- Em Portugal, há poucos estudos com alguns
dução sobre as repercussões das mudanças das resultados bastante favoráveis e outros não. Entre
leis para a assistência nos dois países. São encon- os resultados favoráveis da modificação das leis
trados muitos estudos sobre epidemiologia nos encontramos: a redução do uso por jovens, a di-
dois países, mas poucos sobre avaliação das po- minuição da sobrecarga sobre o sistema judicial,
líticas. Os artigos encontrados são principalmen- redução do uso problemático, diminuição de no-
te descritivos com críticas e avaliações pessoais. vas infecções por HIV, diminuição do número de
Encontrou-se maior quantidade de artigos brasi- consumidores de drogas injetáveis. Entre os des-
leiros. Observa-se também que há semelhanças e favoráveis: o aumento do consumo (uso na vida)
diferenças entre as duas realidades. As semelhan- em adultos. Sobre este último indicador servem
ças e diferenças foram notadas no que se refere como atenuantes o fato de o aumento se reportar
ao contexto do uso e às preocupações com este ao uso na vida [segundo a própria EMCDDA8,
uso, a dinâmica histórica de modificações das das 3 medidas de prevalência, o uso na vida é a
leis, suas repercussões sobre a clínica e a reorga- mais vaga (...) não refletindo a atual situação do
nização da política de assistência. uso de drogas] e o aumento seguir uma tendên-
Por exemplo, nos dois países persiste a pre- cia europeia mantendo-se o consumo português
ocupação com os problemas relativos ao uso abaixo da média europeia8.
de substâncias psicoativas. Igualmente nos dois
países, o álcool e o tabaco se encontram entre as Perspectivas
drogas mais relacionadas a problemas de saúde e
o uso pelos jovens se mantém como um foco de A escassez de produção científica sobre o
preocupação. No entanto, o crescimento do uso e tema nos dois países demonstra a necessida-
os problemas relacionados ao uso do crack confi- de de ampliação do conhecimento por meio de
guram uma realidade brasileira sem paralelo em pesquisas que permitam efetivamente identificar
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Mendes RO et al.

as implicações das mudanças na legislação sobre outras drogas nos dois países. Tais ações precisam
a assistência. Para tal, impõe-se que a literatura ser planejadas para médio e longo prazo e não
científica seja complementada pela análise de do- podem ser realizadas para obter resultados ime-
cumentos governamentais e de ONGS e articula- diatos, apesar da demanda da gestão, profissio-
da aos estudos com os atores no campo, incluindo nais e população por respostas instantâneas. As
gestores, profissionais e população assistida. Por mudanças na legislação e na rede de assistência
isso, a importância de pesquisas-intervenções que operadas no Brasil e em Portugal com a tendência
levem em conta metodologias de implementa- de substituição de uma abordagem repressiva por
ção ampliadas, participativas, levadas a cabo em uma de saúde pública podem propiciar um maior
rede e contextualizadas52. De toda forma, o que diálogo entre as instituições da saúde e da justiça
é descrito na literatura sugere que é preciso pro- e uma atenção mais adequada às pessoas que têm
gredir nas ações de prevenção ao uso de álcool e problemas com drogas nos dois países.

Colaboradores

RO Mendes: revisão da literatura sobre a epide-


miologia do uso de drogas no Brasil, revisão do
artigo. PB Pacheco: revisão da literatura sobre a
legislação no Brasil. JPCOV Nunes: revisão da li-
teratura sobre a assistência em Portugal. PS Cres-
po: revisão da literatura sobre a legislação em
Portugal. MS Cruz: concepção, método e revisão
sobre a assistência no Brasil. Todos os autores
participaram da discussão e efetivamente da re-
dação do artigo.
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