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INTRODUÇÃO À

GEOTECNIA

Amabelli Nunes dos Santos


Rupturas hidráulicas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar o conceito de rupturas hidráulicas e o fenômeno da erosão


superficial.
 Reconhecer o fenômeno da areia movediça.
 Descrever o fenômeno chamado piping.

Introdução
A presença de água nos vazios dos solos provoca a redução da re-
sistência no maciço terroso. Quando ocorre fluxo de água, ou seja,
quando há movimento hídrico no interior dos solos, essa redução se
torna mais intensa, podendo até causar a nulidade da resistência ao
cisalhamento dos solos, como ocorre no fenômeno conhecido como
areia movediça. Essa movimentação interna da água ainda pode carrear
as partículas de solo, ocasionando o fenômeno denominado piping.
Ademais, quando isso ocorre na superfície, pode acarretar a erosão
superficial das camadas do solo.
Neste capítulo, você vai entender a importância do estudo da per-
colação e fluxo de água nos solos, identificando diferentes rupturas
hidráulicas e os fenômenos de areia movediça e piping.

1 Rupturas hidráulicas e o fenômeno da erosão


superficial
Define-se ruptura hidráulica como a perda de resistência e estabilidade do
solo devido aos efeitos das pressões geradas pela movimentação da água no
maciço de solo. Vargas (1977) descreve dois tipos de rupturas hidráulicas
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que podem ocorrer em solos. O primeiro deles refere-se à perda de peso que
as pressões de fluxo exercem de maneia ascendente ao solo, causando um
“levantamento” das partículas, chamado de areia movediça. O segundo é
chamado de piping, ou retroerosão tubular, que provoca uma erosão interna
em que as partículas de solo são carreadas por forças de percolação no interior
do maciço, assemelhando-se ao processo de erosão superficial que ocorre
mediante à ação das chuvas.
Segundo Trillo (1999), a palavra erosão provém do latim erodere, que
significa “roer”. No âmbito da geotecnia, a erosão dos solos é definida como
o processo de desagregação e posterior transporte das partículas de solo.
A intensidade com que a erosão pode acontecer depende de diversos fatores,
como a geologia, o clima e a ação antrópica.
Em termos de velocidade, a erosão superficial pode ser classificada como
natural — quando ocorre devido ao constante processo de formação dos solos
— ou acelerada — quando a ação humana provoca a aceleração do processo
erosivo mediante desmatamento, por exemplo. Também se pode classificar
a erosão quanto ao agente erosivo, como pela ação de águas pluviais ou pela
ação do vento, na chamada erosão eólica.
A erosão por ação hídrica é responsável por danos como queda de mo-
radias, perda de solo agricultável, soterramento de estradas, assoreamento
de rios e canais, poluição, redução da capacidade de armazenamento de
reservatórios de água, entre muitos outros. No entanto, todos esses danos
podem ser prevenidos, pois é possível prever o desencadeamento e a evolução
desses processos, sendo necessário conhecer as potencialidades do solo e
sua suscetibilidade à erosão.

Erosão hídrica
A erosão hídrica decorre do processo de desagregação de maciços rocho-
sos ou terrosos e do transporte pelas águas pluviais. Esse tipo de erosão
pode se manifestar na forma de erosão pluvial, erosão laminar, erosão
por escoamento difuso (ravinas) ou erosão por escoamento concentrado
(voçorocas) (Figura 1).
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Figura 1. Processos de erosão hídrica.


Fonte: Adaptada de Teixeira et al. (2009).

A erosão pluvial é proveniente da energia de impacto do agente de encontro


ao solo, que além de desintegrar parcialmente os agregados naturais, liberta as
partículas finas, projetando-as para fora do maciço, conforme apresentado na
Figura 2. Além disso, os agregados vão preenchendo os poros da superfície do
solo, provocando a selagem e a consequente diminuição da porosidade, o que
aumenta o escoamento das águas. O papel do salpicamento (splash) varia não
apenas com a resistência do solo ao impacto das gotas d’água, mas também
com a própria energia cinética das gotas de chuva.

Figura 2. Desprendimento das partículas de solo pelo impacto das gotas de chuva.
Fonte: WATER... (2020, documento on-line).
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Por sua vez, a erosão laminar (Figura 3) se processa durante fortes pre-
cipitações, quando o solo superficial já está saturado, sendo produzida por
um desgaste suave e uniforme da camada superficial. Tal fenômeno se desen-
volve quando há poucos obstáculos e é considerado muito comum em regiões
semiáridas. Seja como for, é de difícil observação e pode ser percebido pelo
aparecimento de raízes ou marcas nas estruturas, além de variar dependendo
de diversos fatores, como regime de chuvas, cobertura vegetal, topografia e
solos (GOMES, 2001).

Figura 3. Erosão por escoamento laminar.


Fonte: Fürst (2017, documento on-line).

Bigarella, Becker e Santos (1994) definem que a erosão em sulcos é suces-


sora da erosão laminar, podendo igualmente se originar de precipitações muito
intensas. Não existe qualquer limite definido que seja capaz de determinar
onde a erosão laminar acaba e onde a erosão em sulcos começa. No entanto,
a erosão em sulcos provoca “caminhos” mais preponderantes no solo.
A cada ano, o canal se aprofunda, devido à erosão das enxurradas, podendo
atingir alguns metros de profundidade. A ravina corresponde ao canal de esco-
amento pluvial concentrado, apresentando feições com traçado bem definido e
podendo alcançar elevadas profundidades. As ravinas costumam assumir uma
forma alongada, mais comprida do que largas e com profundidades variáveis.
Raramente são ramificadas e não chegam a atingir o nível d’água subterrânea.
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Já a voçoroca é um tipo de erosão semelhante às ravinas, mas que atinge


o nível d’água. A voçoroca é o estágio mais avançado da erosão acelerada,
correspondendo à passagem gradual do processo de ravinamento, até atingir
o lençol freático, com o aparecimento de água. O potencial erosivo do voçoro-
camento depende da concentração do fluxo hídrico e do gradiente hidráulico
promovido pela água subterrânea, com desenvolvimento do fenômeno de
piping. A Figura 4 apresenta os tipos de processos erosivos provocados por
escoamento difuso e concentrado.

Figura 4. Tipos de erosão: (a) sulcos; (b) ravinas; (c) voçoroca.

O controle corretivo das erosões consiste na execução de um conjunto


de obras, cuja finalidade é evitar ou diminuir a energia de escoamento das
águas pluviais sobre os terrenos desprotegidos. Isso pode ser obtido com obras
no sistema de drenagem: pavimentação, guias, sarjetas, galerias, etc. Dessa
forma, pode-se efetuar:
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 microdrenagem — importante no controle e prevenção da erosão, pois


evita o escoamento direto sobre o solo através de estruturas de captação
e condução das águas superficiais;
 macrodrenagem — responsável pelo escoamento final das águas
pluviais drenadas, até atingir os locais adequados para deságue em
dissipadores de energia, ou seções artificiais ou naturais, hidrauli-
camente estáveis;
 obras de extremidade — são os dissipadores de energia, dispostos
nas saídas do emissário, tendo como finalidade reduzir a veloci-
dade das águas, permitindo um escoamento tranquilo no talvegue
receptor.

Além disso, a vegetação superficial, normalmente retirada de maneira


equivocada para obras de construção, é fundamental para mitigar os processos
erosivos no solo, uma vez que reduz a influência direta de desagregação e
transporte provocados pelos agentes erosivos.

Os tipos de erosão podem ser facilmente identificados pela profundidade do solo que
a degradação atinge. A erosão laminar ocorre como uma “lavagem” do solo, atingindo
a parte mais superficial. A erosão em ravinas alcança maiores profundidades, mas
não atinge o nível d’água. Quando o processo de degradação atinge o nível d’água,
recebe o nome de voçoroca.

A ruptura hidráulica pode ser descrita como a perda da resistência e


da estabilidade do solo por efeito das pressões de percolação d’água. Essa
ruptura está associada à perda total ou parcial de resistência em virtude de
fluxos ascendentes ou pelo carreamento de partículas do solo por forças
de percolação, o que pode ocorrer tanto na superfície quanto no interior
do maciço.
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2 Areia movediça
No fenômeno conhecido como areia movediça, a areia perde sua resistência
ao cisalhamento, ou seja, sua capacidade de suporte. Nessas condições, a areia
passa a apresentar propriedades de um fluido. Esse fenômeno ocorre quando
a areia está submetida a um fluxo ascendente de água e, simultaneamente,
quando a força de percolação gerada pelo fluxo ascendente se iguala ou supera
a força efetiva vertical do solo (Figura 5).

Figura 5. Processo de formação de areia movediça.


Fonte: Adaptada de Bonsor (2001).

A permeabilidade de um solo pode ser descrita como a maior ou menor


facilidade que o maciço apresenta de permitir a passagem de água através
de seus poros. Numericamente, essa permeabilidade pode ser expressa pelo
coeficiente de permeabilidade (k). De maneira experimental, o engenheiro
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francês Henry Darcy (1803–1858) observou que o fluxo ocorria com certa
vazão (Q) que poderia ser obtida por meio de uma formulação, conhecida
como a lei de Darcy, expressa por:

onde A corresponde à área transversal da amostra e i é o chamado gradiente


hidráulico.
Considerando a Figura 6, o gradiente hidráulico (i) pode ser descrito como
a carga que se dissipa ao longo da percolação, sendo definida como a razão
entre a perda de carga total no sistema (h) pela extensão do corpo de prova (L):

Figura 6. Permeabilidade dos solos.


Fonte: Adaptada de Pinto (2006).
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A carga total nos solos é calculada pela soma das cargas altimétrica, pie-
zométrica e cinética. A carga cinética é comumente desprezível frente às
demais. Veja a seguir um exemplo de como calcular essas cargas usando um
permeâmetro.

Exemplo 1
O que queremos aqui é determinar as cargas hidráulicas nos pontos A, B e C
do permeâmetro exibido na Figura 7.

Figura 7. Exemplo de permeâmetro.

Primeiro, vamos determinar as cargas altimétricas, dadas em relação ao


nível de referência (N.R.):

 ponto A → hA(A) = N.R., logo há = 0;


 ponto B → hA(B) = 50 – 25 = 25 cm;
 ponto C → hA(C) = 50 cm.
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Já para determinar as cargas piezométricas, tomamos a carga hidráulica


sobre o ponto considerado, levando em conta a carga que já se dissipou ou que
vai se dissipar ao longo do solo. Assim, a carga a dissipar a cada extensão do
solo = gradiente hidráulico (i):

Para calcular a carga piezométrica, basta determinar a altura da coluna


d’água que faz pressão em um determinado ponto e subtrair a contribuição
da energia que já foi dissipada até esse ponto:

 ponto A → hP(A) = 50 + 5 + 20 = 75 cm;


 ponto B → hP(B) = 25 + 5 + 20 – (0,4 × 25) = 40 cm;
 ponto C → hP(C) = 5 + 20 – (0,4 × 50) = 5 cm.

Assim, a carga total equivale à soma das cargas altimétricas com as cargas
piezométricas em cada ponto:

 ponto A → hT(A) = 0 + 75 = 75 cm;


 ponto B → hT(B) = 25 + 40 = 65 cm;
 ponto C → hT(C) = 50 + 5 = 55 cm.

Percebe-se que a diferença dos valores de um ponto para o outro equivale


a 10 cm de coluna d’água. Esse valor se deve à equidistância entre os pontos
e, por sua vez, ao gradiente hidráulico.

Estudo da areia movediça em laboratório


O fenômeno da areia movediça pode ser constatado em laboratório por meio do
ensaio de permeâmetro (Figura 8). Digamos que a carga hidráulica (h) aumenta
progressivamente. Nessa situação, a tensão efetiva ao longo da espessura do solo
diminuirá até se tornar nula. Quando isso ocorre, as forças de contato de grão para
grão vão se anulando, até chegar ao ponto em que se tornam iguais a zero. Assim,
os grãos permanecem, teoricamente, nas mesmas posições, mas não transmitem
forças através dos pontos de contato. A ação do peso dos grãos se contrapõe à ação
de arraste por atrito da água que percola para cima. Como a resistência das areias
é proporcional à tensão efetiva, quando esta se anula a areia perde completamente
sua resistência, desenvolvendo o estado definido com areia movediça.
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Figura 8. Tensões no solo em um permeâmetro com fluxo ascendente.


Fonte: Adaptada de Pinto (2006).

Com o equilíbrio do ponto localizado na interface solo/peneira, onde a pres-


são equivale à tensão total, tem-se que a tensão total (σ) é
e a poropressão (u) é , em que:

 γw: peso específico da água;


 γsub: peso específico saturado do solo.

Quando a tensão total se iguala à poropressão, ocorre o fenômeno da areia mo-


vediça. Assim, a partir da igualdade dessas equações, é possível definir o gradiente
hidráulico crítico do solo (ic) que ocorre para uma altura de carga crítica (hc) como:

O gradiente crítico para maior parte dos solos é de aproximadamente 1,0,


pois o peso específico submerso dos solos é da ordem do peso específico da
água (CAPUTO; CAPUTO, 2015). No entanto, quando o gradiente hidráulico
em um solo se torna maior ou igual ao gradiente crítico, o fenômeno da areia
movediça ocorre. Dessa forma, atingida a condição de fluxo para ic, resulta uma
perda total da resistência ao cisalhamento da areia, que passa a se comportar
similarmente a um líquido em ebulição. Em resumo, a condição i ≥ ic implica
em pressões efetivas nulas em quaisquer pontos do maciço, ou seja, o solo
perde totalmente a resistência.
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Exemplo 2
Digamos que um ensaio de permeabilidade de carga variável com fluxo des-
cendente tem as dimensões apresentadas na Figura 9. É possível observar dois
solos distintos. O solo A é areia e apresenta área de 100 cm2, comprimento
de 20 cm e coeficiente de permeabilidade de 4 × 10 -3 cm/s. O solo B também
é areia e apresenta área de 400 cm 2, comprimento de 10 cm e coeficiente de
permeabilidade de 2 × 10 -3 cm/s. Com base nos dados fornecidos, temos de
identificar se ocorrerá o fenômeno da areia movediça (ic), em alguma dos
solos apresentados.

Figura 9. Exemplo de ensaio de permeabilidade.

A partir da Figura 9, observa-se uma carga hidráulica (h) equivalente


a 20 cm. Uma parcela dessa carga se dissipa em A (h a) e a outra parcela
se dissipa em B (h b). Dessa forma:

No entanto, as vazões presentes no sistema são iguais. Como a vazão


corresponde ao produto do coeficiente de permeabilidade (k) pelo gradiente
hidráulico (i) pela área da amostra, tem-se:
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Sabendo que:

A partir dos dados obtidos, obtém-se o gradiente crítico das amostras apresentadas:

Na areia A, o fluxo é horizontal, logo não atende à condição de fluxo ascendente


que poderia provocar o fenômeno de areia movediça. Assim, apesar de apresentar
o gradiente hidráulico crítico elevado, não justificaria a ocorrência do fenômeno.
Já na areia B, o fluxo é ascendente, o que poderia ocasionar o fenômeno.
No entanto, o gradiente hidráulico crítico torna a ocorrência da areia movediça
remota, pois, para que isso ocorresse, o peso específico natural dessa areia
deveria ser de no máximo 14 kN/m3. Assim, o peso específico submerso seria
equivalente a 4kN/m3, igualando-se à força de percolação provocada pelo
produto entre o gradiente crítico e o peso específico da água (4 × 10 = 4kN/m3).
Porém, dificilmente uma areia apresentaria peso específico tão baixo, devido
às próprias partículas que constituem seu esqueleto sólido, o que faz com que
areias, em geral, apresentem peso específico natural superior a 18 kN/m3.
Nesta seção, você percebeu que um fluxo ascendente se opõe à força da
gravidade e pode até mesmo fazer com que as forças de contato entre as par-
tículas sejam completamente neutralizadas. Em tal situação, a tensão efetiva
é reduzida a zero e o solo se comporta como um líquido muito viscoso. Esse
estado é conhecido como condição de areia movediça. Na natureza, essa
condição é geralmente observada em areias finas.
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3 Piping
A migração de partículas através dos vazios dos solos devido a elevadas
forças de percolação caracteriza um fenômeno mundialmente conhecido
como piping, ou ainda retroerosão tubular. O piping pode ser definido como
a remoção hidráulica de solo subsuperficial, causando a formação de canais
e cavidades subterrâneas (BOUCHER, 1995). Em outras palavras, o piping
é o processo de erosão interna do solo que ocorre de forma tubular. Durante
esse, processo o solo é carreado entre os seus vazios.

Um exemplo da ocorrência desse fenômeno é a surgência de água em talude a jusante


de uma barragem de terra, em que o desenvolvimento de tensões axiais é pequeno,
resultando em valores baixos das forças de atrito entre as partículas. Essas partículas
ficam sujeitas a serem arrastadas por decorrência da percolação da água, dando início
ao mecanismo de erosão interna regressiva que pode resultar no colapso da estrutura.

A Figura 10 ilustra o processo do piping através do corpo de uma barragem, entre


o corpo e a fundação de uma barragem e através da fundação de uma barragem. Na
figura, é possível observar que, ao serem carreadas, as partículas criam vazios cada
vez maiores dentro do maciço, o que faz o processo se agravar com o passar do tempo.

Figura 10. Fenômeno de piping em uma barragem.


Fonte: Adaptada de Lüthi (2011).
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A plasticidade dos solos é um dos fatores determinantes na formação do


piping. O caminho de percolação é mais propenso a se formar em solos sem
coesão do que em solos coesivos ou plásticos, pois as ligações entre partículas
do solo argiloso funcionam como uma camada impermeabilizante, evitando
a formação do tubo e, por consequência, a erosão do solo.
Como apresentado na Figura 10, o piping pode ocorrer tanto no corpo
de um aterro quanto na fundação que suporta uma barragem. Isso se deve
principalmente à geologia da fundação. Quando o solo é do tipo aluvial
ou composto de rochas, por exemplo, a possibilidade de ocorrência desse
fenômeno se torna mais tangível, pois esses solos apresentam maiores per-
centuais de vazios, facilitando a ligação do gradiente hidráulico a montante
com o solo a jusante.
Juntamente com a liquefação, o piping é uma das principais causas de
rupturas de barragens ao redor do mundo. Existe uma grande dificuldade
em se contornar o piping, uma vez que, ao ser iniciado, o processo de erosão
interna aumenta drasticamente em pouco tempo. Assim, medidas urgentes
devem ser tomadas ao se detectar a ocorrência de piping, visando evitar os
riscos e danos humanos, ambientais e financeiros que esse fenômeno pode
impor no caso de ruptura da estrutura hidráulica.
Às vezes, o processo de erosão interna é agravado por falhas nos sistemas
de drenagem. Dessa maneira, um dos dispositivos mais eficientes para evitar
e/ou conter esse tipo de processo é sem dúvida um bom sistema interno de
drenagem.
Os principais fatores condicionantes ao processo de piping são (BOU-
CHER, 1995):

 as condições de compactação do maciço;


 a ausência de transições adequadas entre os materiais granulares;
 a presença de fundações arenosas.

Alguns autores citam indícios para identificar a ocorrência desse fenômeno.


Os que apresentam processos mais corriqueiros são:

 mudança na curva granulométrica antes e depois do ensaio de filtro


(KENNEY; LAU, 1985);
 alteração na declividade da curva de velocidade de filtração versus o
gradiente hidráulico (SKEMPTON; BROGAN, 1994);
 taxa de perda de partículas finas (MOFFAT, 2005);
 mudança brusca dos gradientes hidráulicos com o tempo (MOFFAT, 2005).
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Além dos indícios citados, destaca-se também a detecção visual do pi-


ping. Em barragens, é comum a verificação de fluxo de água limpa por anos.
No entanto, quando essa água que emerge se torna turva, com aspecto barrento,
isso pode indicar desenvolvimento de piping. Esse processo pode ser um
indicativo de carreamento do material pelo aterro ou fundação da barragem,
o que requer tratamento corretivo imediato. Segundo Silva (2016), o tempo
necessário para desenvolvimento do processo de piping varia bastante, depen-
dendo da susceptibilidade dos materiais à erosão e dos gradientes hidráulicos
envolvidos. Estágios perigosos do processo podem ser atingidos em minutos,
dias ou meses.
De forma geral, a melhor estratégia para reduzir a ocorrência de piping
é a utilização de filtros ou barreiras (como valas de vedação das fundações
de uma barragem) que possibilitem a redução das velocidades de percolação,
reduzindo, por sua vez, as forças de arraste das partículas dos solos.
A Comissão Internacional de Grandes Barragens (INTERNATIONAL
COMMISSION ON LARGE DAMS, 2015) elenca algumas intervenções
que podem ser adotadas isoladamente ou em conjunto para minimizar ou até
mesmo prevenir a progressão do piping, com destaque para:

 rebaixamento do nível do reservatório — pode-se utilizar as comportas


do vertedouro ou descarregadoras de fundo;
 instalação de poços de alívio de pressão no aterro e na fundação;
 construção de filtros invertidos em áreas onde constata-se a surgência
de água com partículas sólidas;
 construção de bermas de estabilização para reduzir a probabilidade de
alcance da erosão e para aumentar a estabilidade dos taludes;
 lançamento de material granular (areia/cascalho/enrocamento) a mon-
tante nos vazios de focos erosivos, com o intuito de bloqueá-los.

Onde existe fluxo de água do material com granulometria mais fina para
a mais grossa, é comum o transporte de partículas finas. No entanto, o car-
reamento excessivo de partículas é caracterizado como uma patologia que
pode levar ao desenvolvimento de piping, um dos principais fenômenos que
ocasionam colapso de barragens no mundo. Segundo Silva (2016), um dos
métodos utilizados para controle do fluxo é a introdução de dispositivos
internos de drenagem na barragem e na fundação. Dessa forma, verifica-se
a necessidade de projetar e construir adequadamente a estrutura, além de
implementar um eficiente monitoramento e gestão para garantir sua susten-
tabilidade econômica, social e ambiental.
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