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VOL.

4 7 – 2 0 1 8

Número Especial
Em homenagem a José H. Ferreira Marques
Editora Convidada: Maria Eduarda Duarte
Conselho Editorial / Editorial Board

Editor: Maria Eduarda Duarte


João Manuel Moreira Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa Maria José Chambel
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa
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Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa
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2002-2005
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa
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2006-2011
Faculdade de Psicologia e CE, Universidade de Coimbra
Manuel Rafael Instruções aos autores:
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa https://sites.google.com/site/revistaportuguesadepsicologia
Maria do Céu Taveira /instrucoes-aos-autores
Escola de Psicologia, Universidade do Minho
ISSN 2183-3699 (versão electrónica / electronic version)
ISSN 0872-0304 (versão impressa / print version)
REVISTA PORTUGUESA DE

PSICOLOGIA
2018 – VOL. 47 – 95-130 – https://doi.org/10.21631/rpp47_95

José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico


João M. Moreira
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

RESUMO ABSTRACT
A carreira de José Ferreira Marques é, sem dúvida, uma The career of José Ferreira Marques is undoubtedly one of
das mais marcantes na história da psicologia em Portugal, the most striking in the history of psychology in Portugal,
sobretudo pelo papel que desempenhou na consolidação particularly due to the role he played in the
institucional da psicologia no nosso sistema educativo, institutionalization of psychology in our education system,
quer na formação de nível superior, quer na intervenção both in professional training through higher education and
dos psicólogos nos diferentes níveis de ensino. Embora in the intervention of psychologists at all levels of
muito se tenha escrito sobre o Prof. Ferreira Marques, no schooling. Although much has been written about him in
contexto das diversas homenagens que lhe foram feitas, the context of the various tributes, these writings remained
esses escritos permaneciam parcelares e desconexos. É fragmentary and disconnected. It is this lack of an overall
essa ausência de uma abordagem de conjunto que este approach that the current article seeks to overcome.
artigo procura superar. Precisamente devido à especial Precisely due to the special importance of his role at the
importância da sua atuação no plano institucional, a vida e institutional level, the life and career of José Ferreira
carreira de José Ferreira Marques estão estreitamente Marques are closely linked to the evolution of Portuguese
ligadas àquilo que foi a evolução da psicologia portuguesa psychology in the second half of the 20 th century. Given
da segunda metade do século XX. Sendo a historiografia that the historiography of psychology in Portugal is scarce
da psicologia em Portugal escassa e igualmente and equally disconnected, it became necessary to present
desconexa, tornou-se necessário fazer aqui não só um in here not only a biographical sketch of Prof. Ferreira
esboço biográfico do Prof. Ferreira Marques, mas também Marques, but also a historical background, in its
um enquadramento histórico, nos seus antecedentes e no antecedents and in the economic, social and political
contexto económico, social e político, mais extenso do que context, more extensive than would be necessary in other
seria necessário noutras circunstâncias. Esta necessidade circumstances. This need had the additional advantage of
teve sobretudo a vantagem de salientar a potencial highlighting the potential utility of the synthesis, in the
utilidade da síntese, na historiografia da psicologia, entre historiography of psychology, between the perspective,
a perspetiva, atualmente tão criticada, do “grande vulto”, e currently so criticized, of the “great figure”, and that of the
a da “história da psicologia em contexto”. “history of psychology in context”.

Palavras-chave: história da psicologia, Portugal, José H. Keywords: history of psychology, Portugal, José H.
Ferreira Marques Ferreira Marques

NOTA DO AUTOR

Agradeço a todos aqueles que me ajudaram na realização deste artigo, partilhando as suas informações, experiências
e memórias, diretas ou indiretas, do convívio com o Prof. Ferreira Marques, assim como as suas opiniões,
naturalmente pessoais e subjetivas ou, ainda, fornecendo-me ou encaminhando-me para documentação relevante.
Sem querer hierarquizar os seus contributos, enumero-os aqui por ordem alfabética, esperando não me esquecer de
nenhum: Prof. Adelina Lopes da Silva, Prof. Ana Sofia Medina, Prof. Danilo Silva, Prof. Isabel Janeiro, Prof. José

Autor correspondente:  João Manuel Moreira, joao.moreira@campus.ul.pt


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Moreira

Manuel Palma Oliveira, Prof. Maria Eduarda Duarte, Prof. Maria Odília Teixeira, Prof. Mário Boto Ferreira, Prof.
Paulo Cardoso e Prof. Rodrigo de Sá Nogueira Saraiva. A alguns dos já mencionados, assim como ao Prof. Justino
Magalhães, Coordenador do Grupo de Investigação em História da Educação do Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa, agradeço a leitura atenta do texto e as sugestões que ajudaram a melhorá-lo
significativamente. As opiniões e informações contidas neste artigo, porém, são da minha exclusiva responsabilidade
e só a mim podem ser assacadas quaisquer imprecisões ou enviesamentos. Devido ao escasso tempo que foi possível
dedicar ao estudo de um percurso pessoal tão rico e que tão fortemente se entrelaça com a história da psicologia, o
resultado final é inevitavelmente desequilibrado, com alguns pontos a receber uma análise mais detalhada e outros
a serem abordados de forma bem mais superficial do que a sua importância requeria, sobretudo pela dificuldade em
aceder à informação ou por eu próprio não ser especialista em psicologia vocacional. A este propósito, gostaria ainda
de agradecer a algumas outras pessoas que me ajudaram nessa busca de informação, nomeadamente ao pessoal da
Divisão de Documentação, com destaque para o Dr. Gaspar Matos, e à Dra. Ana Paula Balão, do Núcleo de Gestão
de Recursos Humanos da Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, pelo auxílio
em situar com rigor cronológico alguns acontecimentos. Finalmente, uma referência muito especial à esposa do
Prof. Ferreira Marques, Sra. D. Olga Henzler Ferreira Marques, por ter tido a disponibilidade para ler o artigo e
corrigir alguns detalhes factuais. O ter ela achado que o texto fazia justiça ao Prof. Ferreira Marques e ao seu percurso
foi para mim fonte de grande satisfação.

______________________________________

OS ANTECEDENTES

José Henrique da Costa Ferreira Marques nasceu em Lisboa, a 23 de dezembro de 1936. A sua família residia na
Travessa do Carmo, donde decorreu o ter-se iniciado no meio académico na Escola Primária Nº 73, localizada no
Largo do Carmo, Nº 9, 1º andar, com o Professor Américo Crisóstomo Pires (Ferreira Marques, 1959), de quem
voltaremos a ouvir falar. Curiosamente, tanto esta escola como o próprio local do seu nascimento situavam-se a
pouco mais de 100 metros do local onde a Ordem dos Psicólogos viria a ter a sua primeira sede. Daí transitou para
o Liceu Passos Manuel, para o 1º ano do Curso Geral dos Liceus (atual 5º ano de escolaridade). Terminado o então
5º ano (atual 9º), a opção pela área de Letras obrigou-o a deslocar-se do Bairro Alto para o Alto de Santo Amaro,
onde frequentou o Liceu D. João de Castro. Concluiu com brilhantismo os 6º e 7º anos, com dispensa de exame oral
em todas as disciplinas (que se obtinha através de uma nota mínima de 16 na prova escrita) e matriculou-se na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1954, no curso de Ciências Históricas e Filosóficas.

À época em que José Ferreira Marques começou a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, não
existiam ainda os atuais edifícios da Cidade Universitária. A Faculdade de Letras estava instalada numa parte do
antigo Convento de Jesus, da Ordem Terceira de S. Francisco, na posse do Estado desde a extinção das ordens
religiosas em 1834 (Couvaneiro, 2012). Funcionava, assim, em instalações anexas às da Academia das Ciências,
que se mantém até hoje no mesmo local. Curiosamente, e como o próprio assinala num breve manuscrito
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José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

autobiográfico redigido para um reencontro de antigos colegas do Passos Manuel (Ferreira Marques, sem data),
também aqui se tratou de um regresso às origens, pois este situa-se justamente do outro lado do mesmo (grande)
edifício.

Só em 1958 entraram em funcionamento as atuais instalações da Faculdade de Letras, no novo campus da


Universidade de Lisboa então construído perto do Campo Grande. Aí veio José Ferreira Marques concluir o último
ano da sua licenciatura. É importante esclarecer, para os mais jovens e menos avisados, que também não existia na
altura em Portugal um curso superior de psicologia. Para a sua criação iria o Prof. Ferreira Marques contribuir
decisivamente, como veremos. Quase só dentro dos departamentos de filosofia nas Faculdades de Letras, e nas
Faculdades de Medicina, se estudava e investigava então alguma coisa de psicologia (Bairrão, 1968; Carneiro,
1997), situação análoga ao que acontecia em Espanha (Carpintero, 2003/2004) e na Grécia (Georgas, 2000), mas
não na generalidade dos outros países da Europa.

Várias razões podem facilmente ser apontadas para este atraso, ainda que a história da psicologia em Portugal
permaneça quase totalmente por escrever, e tenha dado origem a pouquíssimo interesse e raríssimas publicações.
Bastou, aliás, ao Prof. Ferreira Marques publicar um artigo (Ferreira Marques, 2000) e uma conferência (Ferreira
Marques, 1994b) para se tornar num dos autores mais importantes sobre o tema (Pinto, 2002). O desenvolvimento
incipiente do Ensino Superior em Portugal foi sem dúvida uma das razões para o surgimento tão tardio da formação
superior em psicologia. Até à implantação da República em 1910, apenas existia em Portugal uma única
Universidade, a de Coimbra, que durante séculos fez parte da memória de juventude da elite intelectual portuguesa.
A Universidade de Lisboa, incluindo a Faculdade de Letras, seria criada por decreto de 22 de março de 1911, embora
já existisse desde 1859 o Curso Superior de Letras, a funcionar nas instalações em que a nova Faculdade permaneceu
até 1958. A escassez de recursos financeiros, de recursos humanos qualificados e, sobretudo, de uma economia
suficientemente desenvolvida para sustentar a nova profissão, não permitiram à 1ª República desenvolver o ensino
superior a ponto de conseguir institucionalizar o ensino da psicologia a esse nível. Mais tarde, a implantação do
regime autoritário do Estado Novo foi sem dúvida a causa principal de um atraso que nos colocou a grande distância
daquilo que se ia passando noutros países da Europa.

Este período salazarista constitui uma época extremamente interessante e cuja história seria muito relevante fazer.
Veja-se, como pequeno exemplo, os obstáculos levantados em 1967 à criação da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise (Barahona Fernandes, 1967/1997). Segundo refere o próprio Prof. Ferreira Marques (1994b), tentativas
várias foram feitas no sentido de criar, a partir das Faculdades de Letras, um curso de licenciatura em psicologia,
sobretudo “aquando da restruturação dos seus planos de estudo em 1957 e em 1968, mas as dificuldades e os
obstáculos mostraram-se inultrapassáveis. Em 1968, a licenciatura em Psicologia chegou mesmo a ser incluída no
texto do respetivo Decreto-Lei e retirada pouco antes da sua publicação” (Ferreira Marques, 1994b, p. 150; cf.
Ferreira Gomes, 1977, p. 282). Diz-se, mas será talvez impossível confirmar documentalmente, que na origem desta
eliminação à última hora terão estado os tumultos do maio de 68 em França, nos quais se dizia que os estudantes de
psicologia tinham tido papel de destaque, o que despertou os receios do governo de então.
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Moreira

Mas mesmo sem a existência de um curso próprio, havia já conhecimento e investigação em psicologia na
universidade portuguesa. Merecem referência, pelo seu caráter atual e mesmo inovador para a época, os trabalhos
dos Profs. Alves dos Santos e Sílvio Lima na Universidade de Coimbra na década de 1920 (Machado, 2014; Pinto,
1993), mas nomes como Faria de Vasconcelos, em Lisboa (Ferreira Marques, 1986, 2000), Newton de Macedo, no
Porto (Ferreira Marques, 2000) e Carrington da Costa, em Braga (Magalhães, 1995, 1996), entre outros, poderiam
ser mencionados. No Curso Superior de Letras de Lisboa, as novas ideias da psicologia experimental,
institucionalizadas por Wundt no primeiro laboratório de psicologia experimental, em Leipzig, em 1879, eram
conhecidas e apreciadas pelos principais professores de filosofia à altura da sua transformação em Faculdade,
Francisco Adolfo Coelho e Joaquim António da Silva Cordeiro (Moreira de Sá, 1971).

A psicologia existia, aliás, já há várias décadas no Curso Superior de Letras, primeiro como matéria incluída nas
disciplinas de filosofia e, desde o ano letivo de 1889/1890, através de um Curso Livre (extracurricular) de Psicologia
Aplicada à Educação, criado por Manuel Ferreira Deusdado (Couvaneiro, 2012; Ferreira Gomes, 1977). Só foi,
porém, integrada no currículo de forma autónoma com a reforma republicana de 1911, que criou a disciplina
semestral de Psicologia Experimental, no 4º ano do curso de Filosofia, incluindo trabalhos práticos, e determinou
que para esse efeito fossem criados nas Faculdades de Letras Laboratórios de Psicologia Experimental (Ferreira
Gomes, 1977, 1990). Enquanto em Coimbra esta determinação foi logo colocada em prática pelo Prof. Alves dos
Santos (Abreu, 1990; Machado, 2014), em Lisboa iria ser preciso esperar bastante mais. A criação do laboratório só
viria a dar-se graças ao trabalho do Prof. João António de Matos Romão, outra figura a merecer mais detalhado
estudo pela historiografia da psicologia portuguesa. Apesar das insistências que este vinha desde 1913 fazendo
quanto à importância da criação do laboratório, por razões orçamentais só em 1930, com uma nova reforma do
ensino universitário, ele seria instituído (Moreira de Sá, 1971).

Após a aposentação do Prof. Matos Romão, o Laboratório de Psicologia passaria a ser dirigido pelo Prof. Artur
Moreira de Sá, que lhe sucedeu como figura principal do ensino da psicologia na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. É importante dizer que a sua atividade de investigação foi sobretudo dirigida para a história
da filosofia em Portugal (Moreira de Sá, 1984) e para a história da Universidade Portuguesa, com a recolha e
publicação sistemática de muita documentação acerca das suas origens (Moreira de Sá, 1966/1985, 1973/1979). É
por isso opinião de alguns que o seu interesse pela investigação em psicologia era escasso. Seja como for, alguns
aspetos merecem destaque. Em primeiro lugar, e apesar de a sua disciplina de base ser a filosofia e ter dedicado à
história a maior parte do seu labor investigativo, o seu doutoramento foi realizado na área da psicologia. Tal como
era comum na época, o doutoramento, versando sobre “Inteligência e personalidade” (Moreira de Sá, 1954), não
consiste fundamentalmente num trabalho de investigação, mas sobretudo numa revisão da literatura, que pretende
apresentar o estado da arte acerca do assunto, de uma forma aparentemente mais pedagógica do que com
preocupações de trazer um contributo original. A bibliografia apresentada é bastante extensa, com 834 referências,
atualizada e menciona os principais autores, correntes e problemáticas do seu tempo, refletindo os contactos e a
experiência internacional que teve.
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José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

De facto, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, Moreira de Sá teve oportunidade de visitar instituições
universitárias de diversos países e travar conhecimento com investigadores conceituados. De entre estes, merece
destaque Hans Eysenck, que lhe enviou mesmo uma cópia do manuscrito datilografado do seu livro The structure
of human personality (Eysenck, 1953), que só seria publicado numa altura em que a tese estaria quase concluída.
Os contactos internacionais dessa época alargaram-se também aos Estados Unidos, algo inédito da parte de
portugueses na área da psicologia até essa altura. Aí frequentou, segundo o Prof. Ferreira Marques (2000), um curso
de psicologia na Universidade de Harvard, com o famoso behaviorista B. F. Skinner, no ano letivo de 1948/49. Para
além disso, visitou o também influente Teachers’ College, da Universidade de Columbia, onde o próprio Ferreira
Marques lhe seguiria os passos anos depois.

O seu papel como precursor do caminho que viria a ser o do Prof. Ferreira Marques é ainda visível noutros aspetos.
Enquanto Matos Romão, influenciado por Henry Piéron, se interessou sobretudo pela psicofísica sensorial (Ferreira
Marques, 2000), os interesses de Moreira de Sá orientaram-se mais para a psicologia aplicada e para a medida
psicológica, sobretudo da inteligência. De facto, a única parte do seu doutoramento em que são apresentados dados
empíricos refere-se a questões de medida da inteligência. A propósito da discussão sobre se haverá diferenças entre
países no nível médio de inteligência dos seus povos, Moreira de Sá (1954) apresenta alguns resultados, obtidos no
âmbito de seis teses de licenciatura por si orientadas, em que foram utilizados instrumentos de avaliação psicológica.
Não se tratava, naturalmente, de versões já plenamente adaptadas e aferidas, aspeto que destaca quando refere que
comparações legítimas entre resultados dos mesmos testes em diferentes países não poderiam ser feitas até que esse
trabalho estivesse concluído.

Não será atualmente possível dizer se este interesse de Moreira de Sá pela psicologia aplicada, e sobretudo pela
medida da inteligência, se revestiu de um caráter estratégico, por pensar que mais facilmente o regime salazarista
aceitaria uma psicologia aplicada, que contribuísse para o desenvolvimento económico, do que uma psicologia mais
teórica, que valorizasse o espírito crítico. E dentro da psicologia aplicada, não uma psicologia clínica que enfatizasse
o mal-estar pessoal e social, mas antes o estudo das diferenças individuais na capacidade intelectual, quiçá na
esperança de que ele sustentasse cientificamente a hierarquia social. Em Espanha, Helio Carpintero (2003/2004)
afirma que foi de facto a psicologia aplicada que constituiu a ponta-de-lança que abriu caminho às outras áreas, e
presume que algo de semelhante se terá passado em Portugal. A coincidência temporal (segundo Ferreira Marques,
1994b, datam de 1948 e 1957 as primeiras tentativas sérias de criação de uma licenciatura em psicologia) apoia essa
ideia, mas constitui mera sugestão circunstancial.

Seja como for, quando José Ferreira Marques inicia na Faculdade de Letras de Lisboa os seus estudos de psicologia,
ainda que integrados na filosofia, fá-lo sob a direção de um Professor cujo interesse, pelo menos na investigação em
psicologia, se centrava sobretudo na adaptação para Portugal de instrumentos de avaliação da inteligência,
enaltecendo o grande valor dos trabalhos de David Wechsler, a cuja escala para adultos, Wechsler-Bellevue Adult
Scale (a única disponível em 1954) se refere como “a mais célebre e moderna” das escalas métricas da inteligência
(Moreira de Sá, 1954, p. 19). Não surpreende por isso que aquele que foi certamente o mais brilhante e empenhado
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Moreira

dos estudantes que supervisionou escolhesse aplicar na sua tese de licenciatura a então recente escala de Wechsler
para a avaliação da inteligência em crianças, a WISC (Wechsler Intelligence Scale for Children).

Outra importante figura viria, porém, a assumir significativa importância na carreira intelectual do Prof. Ferreira
Marques: António Sena Faria de Vasconcelos (Ferreira Marques, 1986). Nascido em Castelo Branco em 1880, Faria
de Vasconcelos iniciou os seus estudos pela área do Direito, tendo-se formado em Coimbra em 1901, mas
rapidamente os seus interesses derivaram para a psicologia e a pedagogia. Preocupado com a sociedade e a sua
transformação, vê nas ciências sociais, mas sobretudo na educação, o melhor meio para a promover (Machado, 2016;
Patrício, 2010). Inscreve-se na Faculdade de Ciências Sociais de Bruxelas em 1902, e aí se doutora em 1904 com
uma tese (em francês) intitulada “Esquisse d'une théorie de la sensibilité sociale” (“Esboço de uma teoria da
sensibilidade social”). Objeto da mais alta classificação, raramente atribuída, é imediatamente contratado como
Professor da Universidade, onde vai reger a disciplina de Pedagogia. Em 1911, cria a expensas suas e dirige uma
escola em Bierges, Bélgica, inspirada pelo movimento da “Escola Nova”. Permanece na Bélgica até à invasão alemã
de 1914, quando se desloca para a Suíça, indo trabalhar no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, o mais
importante centro do movimento da Escola Nova. Aí pontificavam os nomes de Edouard Claparède, Adolphe
Ferrière e Pierre Bovet, já seus conhecidos e admiradores do trabalho que produzira na sua escola belga, por eles
considerada como um dos melhores casos de implementação dos princípios do movimento. Em 1915, funda nova
escola na Suíça, agora já para ambos os sexos em conjunto, um dos poucos princípios da Escola Nova que a
legislação belga não lhe tinha permitido aplicar. Por recomendação de Ferrière e Claparède, viaja para Cuba em
outubro de 1915, com a missão de aí implantar uma escola de acordo com o modelo da Escola Nova. De Cuba segue
para outros países latino-americanos, acabando por se fixar em Sucre, na Bolívia, como Diretor da Escola Normal
(nome habitualmente dado na época às instituições de formação de professores) da Universidade de Chuquisaca,
realizando em ambos os casos obra meritória e publicando diversos trabalhos sobre pedagogia e direção de escolas.

Regressado a Portugal em 1920, é um dos fundadores do grupo da Seara Nova, onde se integravam nomes como
Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Raul Proença e Raul Brandão. Continua a publicar
escritos relacionados com a educação e tem importante influência na reorganização do ensino proposta em 1923 por
outro elemento ligado à Seara Nova, o então ministro João Camoesas (Ferreira Gomes, 1977, p. 277-280). Nesta
proposta incluíam-se muitas medidas importantes, algumas das quais só muitos anos mais tarde seriam
implementadas (como a passagem do Ministério da Instrução a Ministério da Educação ou a obrigatoriedade de
completar o Ensino Secundário para ingressar em cursos de formação de professores). Em 1921, assume a regência
da disciplina de Pedagogia na Escola Normal Superior de Lisboa (que viria a dar origem à atual Escola Superior de
Educação de Lisboa) e, no ano seguinte, concorre e é admitido como professor no Grupo de Filosofia da Faculdade
de Letras de Lisboa. Aí asseguraria, para além de várias disciplinas de filosofia, as aulas da disciplina de Psicologia
Geral, até à sua morte em 1939.

Talvez mais importante ainda, em 1925 consegue, por proposta e diligências suas, a criação do Instituto de
Orientação Profissional (IOP), que tem como objetivos a prestação de serviços e a difusão de informação relativa à
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orientação profissional (Faria de Vasconcelos, 1926/2009, 1928/2009, 1931/2009). Beneficiando da doação


testamentária de D. Francisca Barbosa de Andrade, que adquire por isso o direito de lhe associar o nome da sua
familiar Maria Luísa Barbosa de Carvalho, o Instituto é instalado inicialmente no edifício da Assistência Pública
(antecedente histórico da atual Segurança Social), situado na então chamada Praça do Brasil, atual Largo do Rato,
por ter sido essa a instituição a que tinha sido feito o legado testamentário. Depois de adaptadas as instalações e
adquiridos e instalados os equipamentos necessários, o Instituto é solenemente inaugurado pelo Presidente da
República, General Gomes da Costa, em 30 de junho de 1926. Em 1929, seria transferido para o Largo Trindade
Coelho, esquina com a Travessa da Queimada, no Bairro Alto, onde se manteria por muitas décadas. Aí, e para além
de o dirigir até à sua morte, Faria de Vasconcelos promove a edição de um boletim, no qual publicará numerosos
estudos acerca das escolhas profissionais, de provas de avaliação de aptidões, e monografias sobre diversas
profissões, assim como outros artigos sobre temas relacionados com a seleção profissional e a psicologia do trabalho.

Embora não tenha havido contacto pessoal entre os dois (Faria de Vasconcelos tinha já falecido havia 15 anos
quando Ferreira Marques ingressou como aluno na Faculdade de Letras), o legado de Faria de Vasconcelos era
encarado com grande respeito e apreço na Faculdade, o que foi transmitido ao jovem aluno e assistente por
professores que ainda com ele haviam trabalhado, como Vieira de Almeida, Délio Nobre Santos e Orlando Ribeiro
(Ferreira Marques, 1986). Na sua influência poderemos talvez encontrar as raízes do interesse de Ferreira Marques
na orientação escolar e profissional e na inovação educativa, que viriam mais tarde a cristalizar na sua adesão às
ideias pioneiras de Donald Super. O valor que atribuía à obra de Faria de Vasconcelos é bem visível no facto de ter
dedicado grande parte dos últimos anos da sua vida a coligir e editar as suas obras completas. É, porém, a figura de
Moreira de Sá que parece ser a mais influente na sua dissertação de licenciatura.

O DESPONTAR

Não havendo lugar neste contexto a uma análise profunda e detalhada da dissertação de licenciatura apresentada por
José Ferreira Marques à Faculdade de Letras em julho de 1959, ainda assim alguns aspetos devem ser salientados.
De comum com a tese de doutoramento do seu antecessor (surgem dúvidas acerca da aplicabilidade do termo
“mestre”, visto que, não existindo a figura formal do “orientador”, é pouco claro o grau de responsabilidade de Artur
Moreira de Sá neste trabalho) temos a articulação de dois grandes temas da psicologia (inteligência e personalidade
vs perceção e inteligência) e os dados empíricos obtidos a partir da aplicação de testes de aptidão intelectual.
Diferenças notórias são no entanto também visíveis: a dissertação de licenciatura de Ferreira Marques contém já
assumidamente uma parte de investigação empírica, não se limitando a citar trabalhos de que foi orientador, e a
articulação efetiva dos dois temas não é praticamente inexistente, como na tese de Moreira de Sá, embora exiba as
marcas da tradição da escrita filosófica e esteja longe daquilo que é hoje norma em qualquer trabalho de investigação
em psicologia.

Após a apresentação da evolução histórica dos conceitos filosóficos acerca da perceção, detém-se sobretudo na
análise das conceções atomistas e associacionistas, que contrasta com a da Psicologia da Forma (Gestalt). Embora
esta seja geralmente vista como tendo sobrepujado de alguma forma a perspetiva empirista/associacionista que a
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Moreira

antecedeu historicamente, a posição de Ferreira Marques não lhe é favorável, atribuindo-lhe um caráter demasiado
estático, independente da experiência e não suscetível à aprendizagem e ao desenvolvimento. É ao mencionar a
perspetiva Piagetiana que encontra o primeiro caminho capaz de iluminar o papel da inteligência na perceção, mas
a sua posição em relação aos trabalhos de Piaget é, de forma algo surpreendente, bastante negativa e crítica. Chega
mesmo a escrever que Piaget “apresent[a] uma construção teórica mais frágil do que outras que já foram expostas”
(Ferreira Marques, 1959, p. 91), mas o principal motivo para a rejeição da abordagem Piagetiana parece ser outro e,
para quem o conheceu, bem característico da sua personalidade. Pretende para a sua dissertação fazer uso “de
processos de investigação seguros, preocupação que me acompanhou sempre neste trabalho, como se verá, e que
me afastou, por exemplo, da posição tomada por Piaget e seus colaboradores” (Ferreira Marques, 1959, p. 4, itálico
nosso). Esta preocupação com a segurança, metodológica mas não só, que virá a ser uma constante da sua carreira,
é visível noutras passagens deste trabalho de juventude. A opção por estudar os aspetos intelectuais da perceção
através da aplicação de subtestes de uma escala de inteligência que fazem apelo a processos percetivos, se pode
parecer algo limitadora, é justificada com “a segurança que deste modo se obtém” (Ferreira Marques, 1959, p. 98,
itálico nosso). “A segurança que a minha aplicação de subtestes de inteligência dá ao estudo de determinados
aspectos da percepção provém não só do uso de métodos objectivos mas também da referenciação obtida, assim,
por um dos domínios mais bem estudados em Psicologia” (Ferreira Marques, 1959, p. 9, itálico nosso).

A articulação entre perceção e inteligência é, deste modo, feita fundamentalmente através da demonstração de que
as “formas primárias” enfatizadas pela psicologia da Gestalt não se impõem de forma automática, mas são
construídas através da atividade própria do sujeito, aliando as suas capacidades intelectuais intrínsecas à sua
experiência do mundo. Comprova, assim, que a perceção é um processo que se desenvolve, através de uma
aprendizagem, na qual é possível encontrar importantes diferenças interindividuais e intergrupais (interculturais,
sobretudo), mostrando ainda como a capacidade de elaboração percetiva se relaciona com a capacidade intelectual
e de resolução de problemas, corroborada pela avaliação dos professores quanto ao desempenho intelectual das
crianças.

Para chegar a estas conclusões, aplicou a uma amostra de 45 crianças entre os 6 e os 10 anos de idade um conjunto
de subtestes da Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças (WISC). Justifica a utilização da WISC em
detrimento da Escala de Stanford-Binet, por estar organizada em subtestes, o que permitiria outras possibilidades de
análise, evitando a necessidade de agregar itens de uma forma não fundamentada pela autoridade e investigação dos
criadores da escala (de novo a segurança…) e dispondo de imediato de uma forma de derivar uma pontuação que
permitiria fazer facilmente comparações entre tarefas de tipos diferentes. Dado o foco nos processos percetivos, a
escolha recaiu sobre “os subtestes de Completamento de Gravuras (Picture Completion), Disposição de Gravuras
(Picture Arrangement), Ajustamento de Blocos (Block Design) e Composição de Objectos (Object Assembly)”
(Ferreira Marques, 1959, p. 146). Para recolher estes dados, procedeu como muitos dos atuais estudantes de
mestrado: recorreu ao seu antigo Professor da Primária, Américo Crisóstomo Pires, na altura já diretor da também
“sua” Escola Primária Nº 73.
103
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

Concluída a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas com a classificação de 17 valores, uma das mais altas,
senão a mais alta, atribuída nessa época, foi imediatamente convidado pelos Profs. Délio Nobre Santos e Moreira
de Sá para ingressar como assistente no Grupo de docentes de Filosofia. A proposta foi aprovada por unanimidade
pelo Conselho Escolar da Faculdade de Letras, de modo que assumiu funções em novembro de 1959.

No seu primeiro ano de serviço docente, ficou encarregue, para além das aulas teóricas e práticas de “História da
Filosofia Antiga”, das aulas práticas de “Introdução à Psicologia” e de “Psicologia Experimental e Aplicada”
(Ferreira Marques, 1969a). Este percurso foi entretanto interrompido pela chamada para cumprir o serviço militar
obrigatório, a partir de novembro de 1960. Durante a maior parte deste, esteve colocado no Centro de Estudos
Psicotécnicos do Exército (CEPE), na altura a funcionar em Caxias. Também aí a sua ação pioneira se viria a revestir
de grande relevância, e de novo encontramos os seus antecedentes nos passos pioneiros de Faria de Vasconcelos,
ajudando ainda mais a justificar o apreço de Ferreira Marques pela sua obra.

Com efeito, e segundo nos diz o seu colaborador Luís Caeiro (2002), a aplicação da psicologia às questões militares
estava, no início dos anos 60, extremamente atrasada em Portugal. Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, a
necessidade de seleção e afetação do pessoal mobilizado para a I Guerra Mundial (1914-18) deu origem a grandes
desenvolvimentos na psicologia, sobretudo a nível dos testes de aplicação coletiva, em Portugal ter-se ia que esperar
até à década de 1930 para ver Faria de Vasconcelos proferir algumas palestras na Escola Central de Oficiais, em
Caxias, e publicar o primeiro livro sobre o tema (Faria de Vasconcelos, 1937/2010). Depois disso, só em 1950 o
Capitão Engº Ernesto de Almeida Freire, do Grupo de Companhias de Trem Auto (GCTA) criou o primeiro sistema
“psicotécnico” para a seleção de condutores de viaturas, sistema que viria depois a ser utilizado noutras unidades
militares (Caeiro, 2002).

A psicologia militar só teve maior desenvolvimento com a criação, em setembro de 1960, do CEPE. Acontece que
essa criação coincidiu temporalmente com a entrada no serviço militar do aspirante Ferreira Marques, ocorrida em
novembro de 1960. Terão porventura “as suas excepcionais [sic] capacidades, a forte motivação para a investigação
e a atualidade dos seus conhecimentos” (Caeiro, 2002, p. 72) chegado ao conhecimento da hierarquia militar, que
determinou que, tendo já feito o Curso de Oficiais Milicianos em 1958, prestasse o seu serviço nos quadros do
CEPE. Ora, logo em março de 1961, deflagra a guerra colonial em Angola e, a 13 de abril, Salazar pronuncia, em
discurso transmitido pela rádio e televisão, a famosa frase “Para Angola, rapidamente e em força!” O Aspirante
Ferreira Marques, como muitos outros quadros do CEPE, é mobilizado para o Ultramar, mas os esforços do Diretor
conseguem convencer a hierarquia da importância e utilidade do trabalho do CEPE, e consegue-se que este prossiga
e os seus quadros não sejam enviados para ações de combate nas colónias.

Não havendo quem se lhe pudesse comparar em termos de preparação técnica e científica na área da avaliação
psicológica para a seleção e classificação do pessoal, o Aspirante Ferreira Marques desempenhou um papel essencial
na afirmação do CEPE durante os anos em que aí trabalhou, até passar à disponibilidade, em abril de 1963, embora
permanecesse ligado ao CEPE, como consultor técnico, até 1970. Pouco havendo até então sido feito em termos de
psicologia nas forças armadas portuguesas, foi preciso lançar tudo quase desde o início, não apenas criando modelos
104
Moreira

de avaliação, seleção e classificação do pessoal, e construindo ou adaptando e estudando do ponto de vista


psicométrico as provas necessárias, mas sobretudo familiarizando a hierarquia com a “nova linguagem psicológica”
(Caeiro, 2002, p. 72) e convencendo-a do seu valor para a instituição militar. Foram tempos sem dúvida difíceis e
rodeados de receios e incertezas, mas também de desafios importantes que, para além de lhe valerem “um extenso
louvor na folha de serviços” (Caeiro, 2002, p. 73) lhe permitiram aprofundar conhecimentos e adquirir ampla
experiência prática, não só de avaliação psicológica num contexto intensamente aplicado, como de relacionamento
institucional. Dos seus inumeráveis contributos para o trabalho do CEPE neste período, ainda hoje reconhecidos na
memória da instituição, destaca Luís Caeiro (2002) (a) a organização do modelo de seleção de praças, (b) a
preparação do modelo de seleção de sargentos e oficiais, com a utilização, inovadora em Portugal, de provas de
observação de grupo, (c) a construção, adaptação e estudo psicométrico de diversas provas psicológicas para estes
efeitos e (d) a elaboração de inúmeros textos técnicos integrados nos manuais dos cursos e estágios em que foi
instrutor.

Concluído o serviço militar, regressa à Faculdade de Letras para retomar a sua carreira académica, agora orientada
para os estudos preparatórios do doutoramento. Neste sentido, procura alargar os horizontes da sua formação,
compreendendo provavelmente que não seriam os seus antigos mestres, ou outros em Portugal, que poderiam
catalisar o avanço dos seus conhecimentos e do seu trabalho de investigação. Essa preocupação seguiu-se aliás,
imediatamente à conclusão da licenciatura, de tal forma que, logo no verão de 1960, antes de ser chamado a cumprir
o serviço militar, se deslocou a Inglaterra e França com esse propósito (Ferreira Marques, 1969a). Em Inglaterra
visitou o Department of Psychology do University College de Londres, chefiado na época por George C. Drew, a
Applied Psychology Unit criada pelo Medical Research Council na Universidade de Cambridge e dirigida na altura
por Donald Broadbent, e o Institute of Experimental Psychology, da mesma universidade, onde contactou, entre
outros, com Richard Gregory. Em Paris, frequentou o Laboratoire de Psychologie da Clinique des Maladies
Mentales et de l’Encéphale, onde travou conhecimento com o psiquiatra Pierre Pichot, um dos principais
introdutores dos testes psicológicos no diagnóstico clínico em França, o Laboratoire de Psychologie Expérimentale
et Comparée da École Pratique des Hautes Études e o Laboratoire de Psychologie Génétique da Sorbonne, onde
conheceu Pierre Oléron, Paul Fraisse e, sobretudo, Maurice Reuchlin. Este psicólogo e investigador, muito ligado
às questões da orientação escolar e profissional, por onde começou a sua formação, mas simultaneamente ao estudo
e avaliação das diferenças individuais através de métodos quantitativos (a sua tese de doutoramento versou sobre os
métodos de análise fatorial para uso dos psicólogos), viria a ser uma das referências científicas, mas também
pessoais, mais importantes na carreira do Prof. Ferreira Marques.

Mas ao mesmo tempo que procura aprofundar os seus conhecimentos em psicologia diferencial, avaliação
psicológica e metodologias de investigação, tem de assegurar o pesado serviço docente na Faculdade de Letras,
cujos cursos de licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas e depois em Filosofia se destinavam sobretudo à
formação de professores para o Ensino Secundário. Durante os anos de preparação do doutoramento, leciona
disciplinas de “Axiologia e Ética”, “Introdução à Psicologia”, “Psicologia Experimental e Aplicada” e “Psicologia
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José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

Escolar e Medidas Mentais”. Intervém também em larga escala na orientação de trabalhos do Seminário de
Psicologia dirigido por Moreira de Sá, bem como na arguição de dissertações de licenciatura desenvolvidas nesse
âmbito (Ferreira Marques, 1969a).

Em paralelo, a sua vida pessoal passa também por importantes desenvolvimentos, com o casamento em julho de
1965 e o nascimento do primeiro filho em novembro de 1966, a que se seguiriam outros dois, em abril de 1972 e
em dezembro de 1973 (Ferreira Marques, sem data). Mas é sobretudo o primeiro, José Frederico Henzler Ferreira
Marques, que merece especial referência, por ter seguido as suas pisadas na carreira acadêmica, na mesma instituição
se bem que não na mesma área de especialização, pelo que não poderemos deixar de o voltar a mencionar mais
adiante.

Num terceiro plano ainda, desenvolve o importantíssimo projeto do que viria a ser a sua tese de doutoramento.
Dados os antecedentes, no seu próprio trabalho anterior e no departamento em que se integrava, e a preocupação
com a aplicação prática e a futura criação de uma licenciatura em Psicologia, não surpreende que tenha estabelecido
como objetivo desse trabalho a adaptação e aferição para Portugal da WISC, cujas qualidades e potencial utilidade
repetidamente aponta. Com esse objetivo, consegue em 1963 ser nomeado bolseiro do Centro de Estudos de
Psicologia e de História da Filosofia, dirigido então por Moreira de Sá e financiado pelo Instituto de Alta Cultura, e
que viria a ter continuidade, com diferentes designações, dentro da futura Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa. Embora por certo tivesse mantido comunicação epistolar com os importantes
contactos conseguidos na viagem de 1960, foi este apoio financeiro que lhe permitiu voltar a Paris em 1966, onde
reencontrou Fraisse, Pichot e Reuchlin, na altura já Diretor do Laboratoire de Psychologie Différentielle e do Institut
National d'Étude du Travail et d'Orientation Professionnelle (INETOP; Ferreira Marques, 1969a).

A maior parte da década de 1960 dedicou-a, portanto, ao desenvolvimento do “vasto trabalho de investigação”
(Ferreira Marques, 1969b) envolvido na adaptação, estudo psicométrico e aferição da WISC. A escolha da WISC
poderá motivar alguma surpresa, pois não é um instrumento de grande utilidade na orientação escolar e profissional,
de que se viria a ocupar predominantemente no resto da sua carreira nem, aliás, em outros tipos de projetos em que
se envolveu. Pelo contrário, a utilização da WISC é mais comum em aplicações clínicas, das quais sempre se
manteve afastado e nas quais nunca se considerou, nem procurou tornar-se, competente. Desencorajava até os seus
estudantes e colaboradores que exerciam a sua atividade em contexto escolar de se ocuparem de aspetos clínicos,
preferindo que centrassem a sua atividade no domínio da orientação para a carreira. A WISC viria a ter, deste modo,
reduzida importância na sua atividade futura. Este aspeto pode ser alvo de múltiplas leituras. Note-se, mais uma vez,
o seguir da tradição do seu antecessor, Artur Moreira de Sá, cujo tema de doutoramento em nada correspondeu ao
que posteriormente foi a sua atividade predominante. Por outro lado, podemos ver aqui um aspeto de modernidade
no percurso de José Ferreira Marques, no sentido de que, ao contrário do que era tradição na sua época, o
doutoramento não constituiu o pináculo da sua carreira científica e a obra central da sua vida, mas apenas o último
trabalho de caráter escolar, realizado na dependência dos seus mestres para mostrar a sua competência de
investigador antes de se lançar na construção do seu próprio percurso académico.
106
Moreira

Neste aspeto, a escolha do tema do doutoramento faz todo o sentido, inserindo-se na continuidade daquilo que era
a orientação imprimida por Moreira de Sá ao trabalho no Laboratório de Psicologia da Faculdade de Letras de
Lisboa, centrada na adaptação e aplicação de instrumentos de avaliação psicológica. Neste contexto, sendo as escalas
individuais de inteligência de Wechsler consideradas as mais aperfeiçoadas da época, e a WISC, na altura em que o
trabalho se iniciou, provavelmente o mais utilizado de todos os instrumentos de avaliação psicológica (algo que
continuou a ser por muitos anos, Simões, 2002), era natural que o mais brilhante e empenhado dos estudantes de
Moreira de Sá a adotasse como fulcro do seu projeto de desenvolvimento de uma carreira de investigação. Este
projeto, centrado mais nos aspetos puramente investigativos e, especialmente, psicométricos do que na intervenção
psicológica, contrasta com o que viria a fazer mais tarde na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, em
que chamou a si os aspetos aplicados, deixando maioritariamente a outros os componentes da investigação
diferencialista e da psicometria.

Mas se podemos considerar este trabalho como de alguma forma desligado de utilidade futura no seu percurso
pessoal, obviamente não o é no caminho que abriu a outros. Sendo a WISC talvez o mais importante dos
instrumentos de avaliação psicológica da época, a sua disponibilidade numa cuidada adaptação e aferição para a
população portuguesa viria abrir potencialidades de afirmação da prática dos psicólogos que não se podem separar
das tentativas que nesse período se faziam para a criação de um curso universitário de psicologia e a sua afirmação
como classe profissional. Se Ferreira Marques pouco utilizou a sua própria versão da WISC nos trabalhos posteriores
ao doutoramento, muitos outros o fizeram, e com grande proveito, durante muitos anos (Almeida, 2002; Simões,
2002). Sobretudo aqueles que se dedicavam àquelas áreas do diagnóstico clínico ou da intervenção individualizada,
por exemplo, em casos de dificuldades escolares, que o próprio sempre, paradoxalmente, evitou. Começou aqui,
talvez, o seu percurso de “construtor de impérios”, como lhe chamou Albano Estrela (2002), seu companheiro de
viagem em boa parte do percurso.

Por outro lado ainda, a escolha da WISC para o trabalho de doutoramento revestia-se de aspetos pragmáticos,
também muito relevantes na sua personalidade. A decisão quanto ao tema da dissertação de licenciatura foi por certo
influenciada, em elevado grau, pela orientação do laboratório em que se inseria e do seu diretor. Chegada a altura
de prosseguir para o doutoramento, desperdiçar todo o trabalho já realizado e a experiência e conhecimentos
adquiridos para ir embarcar num projeto completamente novo teria um custo considerável.

Deste modo, após a conclusão da licenciatura, o trabalho não teve praticamente interrupção, se excetuarmos
porventura o período do serviço militar. Quando em 1963 colabora no I Curso Prático de Testes Mentais, organizado
por Moreira de Sá para divulgar o trabalho que no seu laboratório se fazia, e nele apresenta a WISC (Ferreira
Marques, 1963, p. 27; texto publicado também na Revista da Faculdade de Letras, no mesmo ano), refere que “este
trabalho, tenho-o vindo a desenvolver há cerca de dois anos, dentro das actividades [sic] do Laboratório de
Psicologia desta Faculdade, e foram já feitas centenas de aplicações em que também tem colaborado um bom e
relativamente numeroso grupo de alunos que preparam a sua licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas”. Não
sabemos se esta referência a “centenas de aplicações” já realizadas significa que o trabalho de tradução e adaptação
107
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

estaria já nesta altura concluído, mas em qualquer caso é reveladora do cuidadoso trabalho e da ampla experiência
direta de Ferreira Marques com a aplicação da WISC.

Neste contexto, não é de mais realçar, e ainda hoje isso ressalta da leitura da tese (Ferreira Marques, 1969b) o
extremo cuidado colocado no rigor metodológico, no ajustamento aos pressupostos psicométricos de Wechsler e às
melhores práticas da psicometria do seu tempo, na preocupação com a representatividade da amostra e com a sua
dimensão (1000 casos, de aplicação individual e bastante demorada, não esqueçamos) suficiente para assegurar a
adequada confiança nas tabelas normativas dela derivadas. Se considerarmos como a realidade demográfica e
sociológica de Portugal era bastante diferente, tendo 74% da amostra sido recolhida em localidades com menos de
10.000 habitantes e apenas 13% nos grandes centros de Lisboa e Porto (seguindo de muito perto as percentagens
indicadas pelo censo populacional de 1960), as infraestruturas viárias muito menos desenvolvidas do que hoje, as
deslocações mais demoradas, custosas e incómodas, e todas as tecnologias de registo e tratamento da informação
absolutamente primitivas por comparação com o que hoje temos disponível, o trabalho realizado não pode deixar
de impressionar. Embora tivesse contado com o apoio financeiro do Instituto de Alta Cultura, através de uma bolsa
de estudos no país, e da colaboração de algumas pessoas que selecionou, formou e supervisionou, o próprio autor
se encarregou da totalidade das aplicações das provas em 23 dos 38 concelhos, espalhados por todas as regiões do
país, em que recolheu dados (não é indicado na tese exatamente quantas das 1000 aplicações realizou pessoalmente),
e o número de colaboradores foi bem menor do que o utilizado nos trabalhos congéneres realizados noutros países:
apenas quatro, a que se podem adicionar nove alunos cujas dissertações de licenciatura, realizadas sob a orientação
de Ferreira Marques, envolveram a aplicação da WISC, gerando protocolos cuja qualidade foi por ele julgada como
suficiente para serem incluídos na amostra de aferição; mas estes foram recolhidos, na sua maioria, na cidade de
Lisboa). Sobretudo nestas condições de escassez de recursos, a extrema qualidade do trabalho final, muito superior
ao de qualquer outro realizado na época sobre a WISC em qualquer país da Europa, muito contribuiu para o prestígio
do seu autor junto dos colegas com quem mantinha contacto noutros países.

Defendeu a sua tese de doutoramento, em provas públicas realizadas entre 11 e 16 de julho de 1970, perante todos
os professores catedráticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ainda de Manuel Lopes de Almeida
e Arnaldo de Miranda e Barbosa, da Universidade de Coimbra, tendo sido aprovado com 19 valores. Foi logo
proposto como Professor Auxiliar da sua Faculdade e iniciou funções em setembro de 1970. No mesmo ano, publica
o manual da versão portuguesa da WISC (Ferreira Marques, 1970), abrindo as portas à sua utilização na prática da
avaliação psicológica em Portugal. No ano seguinte, publica dois importantes artigos de caráter teórico (Ferreira
Marques, 1971a, 1971b), provavelmente com o objetivo de se apresentar ao concurso para Professor Extraordinário
da Faculdade de Letras.

O primeiro, sobre “O problema da validade em psicologia diferencial”, resultado de uma conferência proferida na
Faculdade de Letras e a convite da sua direção, posteriormente publicado em separata da Revista da Faculdade de
Letras, mas também referenciado como Monografia Nº 3 do Laboratório de Psicologia da Faculdade, debruça-se
sobre o conceito de validade, estabelecendo o objetivo bastante ambicioso de “contribuir para o desenvolvimento
108
Moreira

de uma teoria da validade das medições e avaliações de diferenças psicológicas, teoria essa generalizada a toda a
metodologia diferencial” (Ferreira Marques, 1971a, p. 63). Se é discutível que este objetivo tenha sido atingido, é
inegável que o autor, com uma subtileza que a leitura dos seus trabalhos prévios mostra que tinha vindo a burilar
com os anos e que surge aqui com uma forma que os seus colaboradores de anos mais tardios sem dúvida
reconhecem, acompanha a tendência que por essa altura se verificava a nível internacional de privilegiar o que
chama “validade de construção” (tradução do inglês construct validity) como conceito capaz de unificar os diferentes
entendimentos do conceito de validade. Não que o faça, como dissemos, de forma muito direta e comprometida. As
pistas são subtis mas, para um leitor atento, perfeitamente claras.

Depois de enumerar algumas definições de validade e de apresentar os aspetos em que era entendida na época (i.e.,
validade de conteúdo, validade relativa a um critério e validade de construção), discute mais largamente este último,
referindo a sua origem no estudo da validade dos métodos projetivos e a sua particular relevância para os
instrumentos de avaliação da personalidade. Prossegue enumerando algumas críticas ao conceito de validade de
construção, nomeadamente da parte dos condutistas (behavioristas) e do seu operacionismo metodológico,
motivadas pelo uso que o conceito implica de construtos hipotéticos na interpretação dos resultados das medidas.
Mas numa simples frase, nas conclusões, deixa para a posteridade a sua posição bem clara, se bem que não colocada
em grande evidência e apresentada com uma aparente desqualificação: “julga-se ter mostrado neste estudo sobre a
noção de validade – e não apenas quanto à validade de construção – a importância de se estabelecer realmente uma
ponte entre os aspetos metodológicos e teóricos, encarados numa perspetiva o mais generalizada possível no âmbito
da psicologia diferencial, encarando não só os testes, mas todas as outras técnicas de investigação ou de exame”
(Ferreira Marques, 1971a, p. 82). Leia-se aqui, sobretudo, o desejo de integrar num mesmo conceito de validade não
só as medidas de inteligência como as da personalidade, incluindo as projetivas, e ainda outras, como as entrevistas
de orientação, os processos de seleção e avaliação do pessoal nas organizações ou mesmo o diagnóstico clínico,
recorrendo ou não a testes (Ferreira Marques, 1971a, p. 64). Ora, sendo apontadas as dificuldades com o uso da
validade de conteúdo e da validade relativa a um critério em muitos desses instrumentos ou processos de avaliação,
depreende-se facilmente, embora o autor não chegue a dizê-lo de forma aberta, que apenas a validade de construção
pode constituir o desejado quadro integrador das noções de validade. Com isto toma Ferreira Marques (subtil e
prudentemente, como era seu timbre), uma posição que a evolução futura dos debates sobre o conceito de validade
viria a apoiar decididamente. E fá-lo numa altura em que, não sendo a posição inteiramente inovadora (o conceito
de validade de construção tinha sido proposto em 1958), não era ainda de todo consensual a nível dos maiores
especialistas: 15 anos mais tarde, Frank Landy (1986) ainda se veria na necessidade de publicar um artigo numa das
mais importantes revistas de psicologia a nível mundial, defendendo essa mesma posição.

Mais interessante ainda, por aquilo que revela sobre a inflexão do percurso profissional e científico do Prof. Ferreira
Marques nesta fase, é o segundo artigo, acerca das perspetivas teóricas sobre a inteligência (Ferreira Marques,
1971b). Nele menciona várias das questões então em debate, que o espaço disponível não nos permite apresentar
em detalhe (ver Afonso, 2018, neste número). Mas particularmente relevante, e algo surpreendente para quem
109
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

conheça o seu trabalho anterior, são as implicações que retira para o desenvolvimento futuro de instrumentos de
avaliação da inteligência. Partindo dos dados da investigação, que demonstram que as capacidades intelectuais se
organizam de forma hierárquica, com um núcleo central de inteligência geral (fator g) e fatores de grupo
relativamente independentes, interroga-se sobre que atitude tomar quando se trata de validar (e desenvolver,
presume-se), métodos para a medida da inteligência. E aqui, a sua posição, no meu entender, não podia ser mais
clara: “penso que a alternativa clássica: testes ‘manta de retalhos’ ou testes homogéneos de g, devia antes ser hoje
em dia substituída pela alternativa: baterias diferenciais de testes homogéneos nos quais uma nota combinada nos
dá um índice geral ou testes homogéneos de g. Porém, o melhor, em psicologia aplicada, será usar uns e outros”
(Ferreira Marques, 1971b, p. 12).

Ou seja, aquilo que Ferreira Marques aqui defende, ainda que, mais uma vez, sem o destacar nem o dizer claramente,
é o abandono dos testes “manta de retalhos”, que agrupam tarefas muito diversificadas sem um critério teórico
unificador, e pretendem fornecer um único indicador geral de inteligência cuja natureza fica algo indefinida por não
ser apoiado em fatores de grupo bem definidos, permanecendo a dúvida se afinal estaremos ou não perante o mesmo
fator g que a análise fatorial identificou. Ora, o exemplo mais conhecido destes testes “manta de retalhos” são
justamente as escalas desenvolvidas por Whechsler, cuja composição em subtestes não se baseia em nenhum modelo
teórico e não corresponde a uma estrutura de fatores de grupo, validados pela análise fatorial ou enquadrados de
forma sólida por um modelo teórico bem fundamentado. Isto é tanto mais surpreendente quanto o próprio autor tinha
praticamente acabado de terminar o seu doutoramento sobre a WISC, um dos melhores exemplos daquilo cujo
abandono recomenda!

Estas considerações ligam-se, entretanto, e de forma bastante evidente, àquilo que já tinha escrito nas conclusões da
sua tese de doutoramento, em que faz importantes críticas à WISC, mostrando compreender com toda a clareza a
origem das suas limitações, nas suas raízes históricas e nos contextos visados para a sua aplicação:

A WISC, inicialmente marcada, como [a Wechsler–Bellevue Intelligence Scale, na qual se baseia], por uma
preocupação característica de emprego clínico, tem a sua base racional posta em causa pela análise fatorial,
a qual, aliás, como procurámos demonstrar, é susceptível [sic] de dar novas, valiosas e originalmente
insuspeitadas perspectivas [sic] de estudo diferencial e, assim, educacionais e clínicas (Ferreira Marques,
1969b, p. 243).

As possibilidades de diagnóstico de diferenças intra-individuais vieram psicomètricamente [sic] a revelar-


se fracas. Como também o nota Guilford, não se podia ter chegado a resultados satisfatórios, para o que se
exigiria afinal provas com intercorrelações baixas [o que não acontece com os subtestes da WISC,
concebidos como indicadores alternativos e paralelos da inteligência geral] (Ferreira Marques, 1969b, p.
250).

Esta insatisfação com a construção da WISC e os resultados que ela fornece, se por um lado resulta sem dúvida da
sua preocupação com o rigor teórico e metodológico e com a relevância dos instrumentos de avaliação psicológica
110
Moreira

para o desenvolvimento da psicologia diferencial, por outro lado parece-nos igualmente resultar de preocupações
com a aplicabilidade prática e com a grande viragem do percurso profissional do Prof. Ferreira Marques nesta fase
da sua carreira. Não se baseando num modelo teórico sólido nem na definição empirista da análise fatorial, a WISC,
como outras escalas de Wechsler, não tem o seu ponto forte na determinação de perfis de diferenças intra-individuais
em dimensões múltiplas das aptidões cognitivas, mas sim na representação de variadas facetas do comportamento
adaptativo no domínio intelectual, que apontam claramente para a avaliação clínica como sua área predominante de
utilidade prática. Ora, sendo esse um domínio com o qual José Ferreira Marques, no seu estilo contido, publicita a
sua pouca afinidade (Ferreira Marques, 1969b, p. 15), e do qual, em toda a sua carreira, se manteve escrupulosamente
afastado, não admira que não tenha praticamente depois deste trabalho voltado a realizar qualquer estudo com a
WISC. Aliás, nenhuma outra escala de Wechsler foi aferida para Portugal pelos seus seguidores diretos, havendo
apenas o desenvolvimento de uma forma experimental da WAIS-III (Afonso, 2007). Este trabalho, porém, foi
realizado já bastantes anos depois e por via indireta, sendo orientado pela sua discípula Maria José Miranda (2002),
que dele recebeu o testemunho da liderança dos estudos psicométricos e diferencialistas na Faculdade. Os seus
interesses iriam agora tomar um novo caminho, no qual a WISC pouca utilidade teria.

NOVOS RUMOS

Com efeito, consultando o seu curriculum vitae (Ferreira Marques, 1978), verificamos que logo em setembro de
1972 participa no Colóquio Internacional sobre a Formação de Conselheiros de Orientação, promovido pela
Associacion Internationale d’Orientation Scolaire et Professionelle (AIOSP) em Jouy-en-Josas, França. Embora
seja a sua primeira participação registada num congresso dedicado à Orientação Escolar e Profissional (tinha
participado no ano anterior no Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, em Liége, mas a sua comunicação
consistiu no trabalho atrás discutido sobre a medida da inteligência; Ferreira Marques, 1971b), por certo não era
visto como um principiante na matéria, pois foi logo eleito Presidente da Comissão Nº 1 (dedicada ao tema “O
conhecimento do indivíduo e do meio na formação dos conselheiros”) e encarregado da elaboração do respetivo
relatório, posteriormente publicado no Bulletin da AIOSP. De facto, menciona, no artigo que escreveu em
homenagem a Donald Super aquando do seu falecimento em 1994, que teria mantido contacto próximo com este
grande vulto da Orientação Escolar e Profissional desde 1967 (Ferreira Marques, 1994b). Em agosto de 1973,
participa no 5º Congresso Mundial de Orientação Escolar e Profissional, de novo dirigindo os trabalhos de um dos
ateliers, a convite da comissão organizadora. A partir daqui e por várias décadas, é à Orientação Escolar e
Profissional que irá dedicar a parte principal do seu trabalho académico. Em termos históricos, é importante registar
como esta mudança de percurso é anterior ao acontecimento histórico que pouco depois se daria, e que viria trazer
uma avassaladora mudança na sua vida, como na de tantos outros portugueses.

De facto, na vida do Prof. Ferreira Marques, a mudança de percurso pessoal em termos científicos quase coincidiu
com a mais importante das mudanças históricas desse período temporal, a revolução de 25 de abril de 1974, mas a
primeira não resultou da segunda, como os dados históricos claramente demonstram. A mudança para a Orientação
Escolar e Profissional não resultou da preocupação em assegurar a empregabilidade dos futuros licenciados em
111
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

psicologia. Pelo menos em termos concretos dos cursos que viriam a ser criados, embora não seja possível excluir
a ideia de que essa preocupação estaria latente, na permanente esperança da criação de uma licenciatura em
psicologia. Talvez se esperasse que a abertura da “Primavera Marcelista” dos primeiros anos de década de 1970
tornasse realizável esse sonho.

Ora, em vez disso o que aconteceria seriam as mudanças radicais trazidas pelo 25 de abril e pelo período
revolucionário que se lhe seguiu. Mas ao mesmo tempo que a abertura democrática do novo regime fazia entender
que estaria agora aberto o caminho para que Portugal se juntasse a todos os outros países desenvolvidos, criando um
curso universitário de psicologia, outros aspetos da revolução teriam implicações na Faculdade de Letras. Os
movimentos revolucionários que então se desenvolveram empenharam-se, logo de início, em afastar todos aqueles
que eram considerados como ligados ao anterior regime. Na primeira linha estaria, entre muitos outros, Artur
Moreira de Sá, cujas afinidades com o regime eram bem conhecidas. Afastado (na altura dizia-se “saneado”) Moreira
de Sá, José Ferreira Marques ficou como o único doutorado em Psicologia na Faculdade de Letras. Tendo
conseguido escapar às movimentações revolucionárias que colocavam em causa todos aqueles que não se tinham
abertamente pronunciado contra o regime salazarista, acabou colocado na posição dianteira e com a responsabilidade
de liderar o processo de criação de um curso de licenciatura em Psicologia, na Universidade de Lisboa e em Portugal
como um todo.

Este foi um período conturbado, tanto no país como nas Universidades portuguesas, e em especial na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e no grupo de docentes e alunos avançados ligados à psicologia. Sendo impossível,
em tão pouco espaço e com tão pouca investigação histórica realizada, falar em detalhe sobre este período, importa
apenas deixar registadas algumas linhas importantes. Daquilo que se sabe, torna-se evidente que Ferreira Marques
se consciencializou perfeitamente do momento histórico que se vivia para a psicologia em Portugal e do papel que
nele teria que desempenhar. E sem dúvida que o desempenhou cabalmente, não obstante os reparos, limitações e
críticas que a qualquer ser humano seria sempre possível apontar com justeza.

Com efeito, logo nos meses seguintes à revolução começa a dinamizar reuniões para que se preparem as bases para
a criação de um curso de licenciatura em psicologia na Universidade de Lisboa, ao mesmo tempo que cria novas
oportunidades para quem queria seguir uma formação superior em psicologia, organizando um curso de pós-
graduação em “Psicologia Diferencial e Suas Aplicações Educacionais” e um curso livre de “Psicologia da
Personalidade” (Ferreira Marques, 1978). Através destas atividades, procura recrutar e formar potenciais futuros
docentes para a licenciatura em psicologia, ao mesmo tempo que desenvolve diligências junto do Ministério da
Educação no mesmo sentido. Do grupo que havia frequentado essas formações e os seminários de dissertação com
ele e com Moreira de Sá, sobretudo nos últimos anos, sairiam boa parte dos docentes que permitiriam o arranque do
curso.

Ao mesmo tempo, é preciso ter em conta a situação no conjunto do país. As três universidades públicas com
condições de implantação que lhes poderiam permitir abrir a breve trecho cursos de psicologia eram as de Lisboa,
112
Moreira

Coimbra e Porto. E nessas três, apenas dois doutorados havia com efetiva especialização na área da psicologia.1 Não
terá sido apenas pela sua localização geograficamente mais próxima aos centros do poder político, mas também pelo
seu perfil de personalidade, que Ferreira Marques assumiu a liderança, pelo menos informal, do grupo que entretanto
se formou reunindo elementos das três universidades, com o objetivo de conseguir criar em todas três,
simultaneamente, o curso de Psicologia. Mais uma vez, não é demais repeti-lo, a informação disponível é escassa,
e haverá que tentar recolhê-la e sistematizá-la para fazer uma história mais detalhada e objetiva deste período. Na
breve pesquisa que foi possível efetuar, apenas encontrei menção explícita a um encontro entre esse grupo e o
ministro da educação do IV Governo Provisório (José Emílio da Silva), que terá tido lugar em junho de 1975 (Pinto,
2007).

Dos contactos entre as três universidades e o Ministério terá certamente resultado algum grau de compromisso, por
parte deste, com a criação do curso, e o encorajamento às Faculdades para que começassem (ou continuassem) a
desenvolver experiências pedagógicas de formação em psicologia que lhe pudessem servir de base. Cada uma das
Universidades seguiu o seu percurso neste processo, que será sem dúvida essencial investigar e contar, mas tal não
é possível neste momento e neste contexto. Na Faculdade de Letras de Lisboa foram criados, no letivo de 1975/76
um conjunto de “cursos do Departamento de Psicologia reconhecidos pelo Ministério da Educação como condição
de acesso ao 2º ano do curso de Psicologia a criar em 1976/77” (Ferreira Marques, 1978, p. 19). Era, de facto, o
arranque das primeiras licenciaturas em psicologia em Portugal, como viria a ser reconhecido pelo Decreto-Lei Nº
12/77 de 20 de janeiro, que as instituiu de direito, determinando, no Nº 2 do seu Artigo 8º, que “nas escolas em que
no ano lectivo [sic] de 1975-1976 hajam já sido tentadas experiências pedagógicas com vista ao ensino da psicologia,
e mediante proposta fundamentada apresentada pela respectiva [sic] comissão instaladora, poderá ser autorizada,
por despacho do Ministro da Educação e Investigação Científica, a inscrição num 2º ano do curso e o seu
funcionamento.”

Ao longo dos anos que se seguiram, o Prof. Ferreira Marques empenhou-se sobretudo na criação e manutenção das
condições para o funcionamento do curso, nos seus mais variados aspetos, tanto conceptuais como práticos. Dentro
destes, tem especial relevância a agregação de um conjunto de pessoas que pudessem assegurar o serviço docente,
recorrendo não só aos antigos alunos de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa como a outros que tinham
realizado formações superiores em Psicologia, sobretudo no estrangeiro. Sendo impossível neste momento enumerá-
los a todos de forma sistemática, não quero correr o risco de ofender alguém, omitindo o seu nome quando outros
foram mencionados. Além disso, é importante não esquecer, o curso surgiu com um caráter interdisciplinar, não só
como forma de concitar apoios dentro da universidade, como também de assegurar contributos em áreas do
conhecimento essenciais para a formação dos psicólogos e que não era, por razões óbvias, possível encontrar
psicólogos capazes de lecionar. Era o caso, por exemplo, da Matemática e Estatística, para o que se recorreu à

1
Para além do Prof. Ferreira Marques, o Prof. José Ferreira da Silva (1968), da Universidade de Coimbra.
113
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

colaboração da Faculdade de Ciências mas, sobretudo, da biologia, genética, fisiologia, neurologia, psiquiatria, etc.,
para o que se contou com a colaboração essencial da Faculdade de Medicina.

Neste contexto, seria injusto omitir, entretanto, a existência do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA).
Fundado entre 1962 e 1964 por uma confederação de congregações religiosas católicas (Bairrão, 1968; Borges,
1986), teve o meritório objetivo de se substituir ao Estado, que faltara à sua obrigação social e histórica de criar
condições para que a ciência da psicologia desse o seu contributo à sociedade, através da formação de profissionais
que aplicassem os seus conhecimentos à multiplicidade de problemas pessoais e sociais que afetavam a sociedade
portuguesa. Assim sendo, seria previsível que o ISPA se julgasse com direito a desempenhar um papel,
eventualmente cimeiro pelo seu pioneirismo, na criação da formação de nível superior em psicologia em Portugal.
De facto, embora o curso ministrado pelo ISPA fosse reconhecido como Curso Superior pelo Ministério da
Educação, não lhe era reconhecido o grau de licenciatura. Por razões que a investigação histórica deveria também
aprofundar, o ISPA surgiu, nesta fase, claramente perdedor. Uma possível explicação, que me foi sugerida mas sem
base documental, é a de que para tal terá contribuído a convicção de alguns de que estaria demasiado sob a influência
da extrema esquerda durante o período revolucionário que se seguiu ao 25 de abril. Sem a devida investigação,
entretanto, tal não passará de uma hipótese. Em qualquer caso, não só não foi a partir do ISPA que as primeiras
licenciaturas em psicologia foram criadas, como o seu curso continuou sem o reconhecimento como licenciatura,
mesmo após estas terem sido criadas em Lisboa, Coimbra e Porto. A situação foi ainda agravada quando, em
legislação de 1979, se estabeleceu o grau de licenciatura como requisito para o acesso à carreira técnica superior da
função pública. Só a partir de 1984, quando já quatro anos de licenciados tinham saído das faculdades públicas, os
diplomados pelo ISPA passaram a ser reconhecidos como licenciados. Sendo assim, não admira que a criação da
licenciatura em Psicologia, sobretudo na Universidade de Lisboa, tivesse sido muito contestada pelos responsáveis,
docentes, alunos e ex-alunos do ISPA, o que resultou em alguns episódios de confronto direto, com invasão de
instalações e interações algo agressivas, pelo menos a nível verbal, no contexto das quais o Prof. Ferreira Marques
manteve sempre a maior serenidade.

Entretanto, o seu principal desafio nesta fase passava pela manutenção e consolidação do Curso Superior de
Psicologia. Com o avanço dos primeiros alunos no sentido da conclusão do curso, a preocupação já não se limitava
à consolidação institucional e científica da formação, mas alargava-se agora também à questão da sua
empregabilidade. Nesse domínio, deixando mais uma vez a outros as aplicações clínicas, Ferreira Marques centrou
os seus esforços na área da Orientação Escolar e Profissional, em que vinha a desenvolver trabalhos já desde há
vários anos. Não pode com certeza ser desligada destes propósitos a sua iniciativa de organizar em Lisboa, na
Fundação Calouste Gulbenkian, o seminário internacional da AIOSP (Association Internationale de l'Orientation
Scolaire et Professionnelle), logo em 1975. Com a presença de numerosos convidados e participantes estrangeiros,
numa altura em que a situação política instável, que caracterizou o período revolucionário do pós-25 de abril, não
encorajava as viagens turísticas a Portugal, este evento não pôde deixar de ter um impacto considerável junto das
instâncias governamentais. O Prof. Ferreira Marques rentabilizava assim os seus contactos internacionais para ajudar
à consolidação da psicologia, não só na universidade como no país em geral. Merecem especial destaque as
114
Moreira

participações neste evento do Prof. José Germain, da Universidade de Madrid, que desempenhou um papel fulcral
na criação das licenciaturas em psicologia nas universidades espanholas em 1968, e do já mencionado Donald Super.

O nome de Donald Super (Ferreira Marques, 1994) é especialmente relevante dado que, mais uma vez, o percurso
pessoal de Ferreira Marques se cruzou com as grandes mudanças históricas deste período. De facto, os fundamentos
teóricos e a prática da orientação escolar e profissional sofreram por esta época uma profunda mudança, muito por
influência do contributo intelectual de Donald Super (Ferreira Marques, 1994a; Savickas, 1994). Até aos anos 60, a
orientação escolar e profissional tinha o seu principal fundamento na psicologia diferencial, procurando realizar o
melhor ajustamento entre o perfil psicológico dos indivíduos e os requisitos e gratificações proporcionados pelos
diferentes tipos de atividades profissionais. Foi sobretudo graças aos trabalhos de Super que começou a difundir-se
a ideia de que a decisão vocacional não se limitava a um único momento determinante, mas envolvia um processo
contínuo de desenvolvimento de conhecimentos, de tomadas de consciência e de sucessivas decisões, que lhe davam
maior afinidade, afinal, com a psicologia do desenvolvimento (Super, 1953; Super, Crites, Hummel, Moser,
Overstreet, & Warnath, 1957). Para além disso, também por essa época se ia constatando que o modelo tradicional
do exame de orientação, realizado a pedido da criança/adolescente ou dos seus pais, tinha como resultado uma
intervenção de alcance muito limitado, de que apenas beneficiavam aqueles que estariam porventura menos
necessitados de intervenção, por estarem já mais sensibilizados para o problema. Em vez disso, começa nos anos 70
a dar-se prioridade a intervenções de caráter educacional (a career education ou “educação para a carreira”; Super,
1976a), através de programas estruturados e sistemáticos destinados a promover aquilo que Super (1955) tinha
teorizado sob o nome de “maturidade vocacional”. (De facto, o confronto entre as perspetivas que valorizavam
sobretudo a psicologia diferencial e aquelas que valorizavam sobretudo a pedagogia, na orientação escolar e
profissional, já se fazia sentir em França nos anos 50, como se pode ver em Reuchlin, 2001, Piéron, 1954, e Léon,
1957).

Agregando todos estes aspetos, Ferreira Marques vai desenvolver, na segunda metade dos anos 70, quando os
primeiros licenciados em psicologia se preparam para sair da sua e de outras universidades portuguesas, uma linha
de investigação e desenvolvimento de programas de intervenção extremamente inovador, mesmo a nível
internacional, mas que sobretudo em Portugal veio abrir toda uma nova era para o impacto social dos psicólogos
(Taveira, 2002). Baseando-se nos conceitos de Super, nomeadamente nos seus trabalhos dos anos 70 sobre a
estrutura e a avaliação da maturidade vocacional, que incluíram o desenvolvimento do Career Development
Inventory (CDI; Super & Thompson, 1979), e sobre as formas de intervenção que lhes estavam associadas (Super,
1980/1981/1982), Ferreira Marques e os seus colaboradores vão desenvolver um trabalho paralelo, que replica mas
que em boa medida vai mesmo para além do de Super, quer no terreno da avaliação (Ferreira Marques & Caeiro,
1981), quer sobretudo no da intervenção (Caeiro, 1977/1978/1979). A linha porventura mais importante e inovadora
deste trabalho passa pelo desenvolvimento de programas estruturados de intervenção em educação para a carreira,
destinados a serem incorporados no currículo do ensino regular. Este trabalho, planificado com uma extensão e
detalhe que ultrapassa largamente não só o desenvolvido por Super como aquilo que era prática noutros países até
115
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

bastante mais tarde (e.g., Repetto, 2001), teve como principal resultado a criação de um programa de intervenção
para o 9º ano de escolaridade, o Programa de Orientação da Carreira (POC; Ferreira Marques et al., 1998).

A escolha do 9º ano não foi, naturalmente, casual, partindo antes do reconhecimento de que é neste ponto do percurso
dos jovens pelo nosso sistema de ensino que se realizam as escolhas mais determinantes para o seu futuro. Para além
disso, as matérias lecionadas até esse nível, pelo seu caráter em geral bastante “académico”, não tendem a facilitar
o desenvolvimento do autoconceito vocacional, sobretudo em termos da tomada de consciência dos interesses. Ora,
a idade dos alunos do 9º ano de escolaridade corresponde, no modelo desenvolvimentista de Super, ao início da fase
de exploração, o que permite levantar fundadas dúvidas sobre a sua capacidade de realizar uma escolha de tamanhas
consequências nesta idade. Tudo isto apontava para a necessidade de uma intervenção psicológica neste processo, e
o modelo da maturidade vocacional de Super ajustava-se exatamente a esta necessidade, ao definir os elementos
necessários para um bom ajustamento nesta fase (Pinto, Afonso, Teixeira e Ferreira-Marques, 1995).

O POC, planeado em torno dos componentes da maturidade vocacional teorizados por Super (o Planeamento, a
Exploração, a Informação, a Tomada de Decisão e o Realismo), tinha o objetivo declarado de os promover, e a sua
eficácia foi desde o início avaliada através do CDI. A primeira versão do POC foi elaborada, além do Prof. Ferreira
Marques, por Luís Caeiro, Jorge Horta Alves, Helena Rebelo Pinto e Maria Eduarda Duarte (então seus assistentes
na Faculdade, a maior parte deles posteriormente doutorados) e foi aplicada pela primeira vez, em regime
experimental, de inscrição voluntária e gratuita, com 48 jovens de 3 turmas da Escola Secundária Rainha D. Leonor,
em Lisboa, no ano letivo de 1981/82 (Ferreira Marques et al., 1998; Pinto, 1984). Depois de uma avaliação
quantitativa (através do CDI) e qualitativa (através da experiência daqueles que o aplicaram diretamente), o
programa sofreu uma profunda revisão, tendo sido de novo aplicado no ano seguinte, agora já com 111 alunos de 5
turmas, e sujeito a uma avaliação mais formal. Dessa nova avaliação resultaram novos aperfeiçoamentos, e no ano
de 1983/84 a sua aplicação foi já alargada a muitas outras escolas.

Constituindo a primeira materialização em Portugal da intervenção defendida pelo movimento da “educação para a
carreira”, o POC ultrapassava a intervenção pontual dos exames de aconselhamento individual para colocar as
atividades de orientação no seio da atividade educativa, com uma intervenção contínua ao longo do ano letivo, em
sessões semanais cujo número e duração se adaptava às circunstâncias curriculares da sua implementação. Enquanto
ia sendo aperfeiçoado e avaliado, porém, a realização plena do seu objetivo último, a universalização a todos os
alunos do 9º ano, era tornada impossível pela ausência de psicólogos nas escolas. Nessa época, as atividades de
orientação realizadas no âmbito do sistema educativo, seguindo o modelo tradicional do exame de orientação,
estavam a cargo de algumas dezenas de “peritos orientadores” (Ferreira Marques & Teixeira, 1993), professores que
haviam recebido uma formação nesse sentido, providenciada pelo IOP.

A oportunidade para a entrada em grande escala de psicólogos para estas atividades viria a surgir em 1983, com a
criação do Ensino Técnico-Profissional. Com efeito, logo a seguir à revolução de 1974, e desejoso de evitar a
diferenciação de classes sociais que se verificava entre os alunos que seguiam, logo após o 6º ano, a via de ensino
liceal e a via técnica, o IV Governo Provisório, através do Despacho Nº 523/75, de 31 de dezembro de 1975,
116
Moreira

extinguiu o Ensino Técnico e instituiu uma via única, o chamado Ensino Unificado. Alguns anos mais tarde,
passados os fervores revolucionários e constatando-se tanto a falta de cursos que formassem técnicos para funções
que não requeriam qualificação universitária, uma vez que o Ensino Unificado estava moldado sobre a antiga via
liceal e não tinha preocupações de formação profissional, como a falta de motivação de muitos alunos pelo
prosseguimento de uma formação marcadamente académica, o IX Governo Constitucional, pela mão do Ministro
José Augusto Seabra, instituiu o Ensino Técnico-Profissional. Este, composto por cursos que podiam ser
frequentados após o 9º ano, veio criar novas necessidades a nível da orientação. Com efeito, as decisões a tomar
pelos alunos do 9ª tornavam-se agora mais complexas e difíceis, pois já não envolviam apenas escolher entre um
conjunto limitado de áreas para o prosseguimento dos estudos, mas sim uma escolha de importantes consequências
para o futuro, entre prosseguir uma via que os conduziria ao Ensino Superior, ou optar por aquela que os conduziria
a uma profissionalização mais rápida, mas com um nível de qualificações inferior. Neste contexto, tornou-se
relativamente mais fácil convencer os governantes da necessidade de garantir serviços de orientação que apoiassem
os alunos nestas escolhas. Não surpreende, portanto, que se tenha conseguido que o Despacho Normativo 194-A/83,
de 21 de outubro, que criou os cursos técnico-profissionais e profissionais dissesse, no seu Artigo 40, que “as
experiências dos cursos técnico-profissionais e dos cursos profissionais serão acompanhadas desde o seu início por
especialistas de orientação escolar e profissional”.

Implicava isto, portanto, que, pelo menos nas escolas em que funcionassem cursos técnico-profissionais ou
profissionais, fossem colocados tais especialistas. Com esse objetivo, foram adotadas pelo governo duas medidas
fundamentais para história da psicologia em Portugal. Na primeira, era aprovada a realização de experiências-piloto
de orientação profissional nas 42 escolas onde, logo no ano letivo de 1983/84, foram criados cursos profissionais ou
técnico-profissionais, ficando a sua organização a cargo das Faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação de
Lisboa, Coimbra e Porto, dentro das respetivas áreas de influência.

A segunda consistiu na nomeação, pelo Despacho Conjunto Nº 86/83/ME/MTSS, de 19 de setembro, de uma


comissão interministerial encarregue de definir a estrutura dos serviços de psicologia e de orientação profissional
nas escolas portuguesas. Esta incluía, para além do Prof. Ferreira Marques, que presidia, os Profs. Manuel Viegas
de Abreu, da Universidade de Coimbra, Bártolo Paiva Campos, da Universidade do Porto, e Maria José Miranda,
da Universidade de Lisboa, assim como três representantes de instituições oficiais com interesse na atividade de
orientação (Ministério da Educação, Ministério do Trabalho e Segurança Social; Abreu, 2002, p. 16). No seu
relatório final, datado de 13 de janeiro de 1984, a comissão defendeu que os serviços ficassem "sedeados nas escolas,
e não em centros regionais donde emanariam equipas itinerantes para acções [sic] de apoio a grupos de alunos delas
necessitados" (Abreu, 2002, p. 9). Mais concretamente, cada Conselheiro de Orientação Escolar e Profissional
(COEP) deveria ficar adstrito a uma escola, podendo haver mais do que um nas escolas de maior dimensão, e
eventualmente um mesmo COEP prestar serviço a mais do que uma escola, se estas fossem de pequena dimensão
(Ferreira Marques, 1985). Para além disso, defendia-se que os COEPs deveriam ter uma formação superior em
orientação, não tendo obrigatoriamente que ser professores, como acontecia com os “peritos orientadores” do IOP.
117
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

De facto, sendo estes em número claramente insuficiente para o propósito de acompanhar todos os cursos
profissionais e técnico-profissionais entretanto criados (Ferreira Marques, 1985; Ferreira Marques & Teixeira,
1993), essa lacuna só poderia ser suprida pelos psicólogos que entretanto começavam a sair, em números
consideráveis, das universidades. Daqui decorreram, no ano seguinte, os Despachos Nº 199/ME/84 de 20 novembro,
que autorizou a contratação dos psicólogos pelas escolas como técnicos especializados, e Nº 118/ME/84, de 12 de
julho, que criou os Núcleos de Orientação Escolar e Profissional nas Faculdades de Psicologia e de Ciências da
Educação de Lisboa, Coimbra e Porto, os quais iriam assegurar a coordenação, supervisão e enquadramento do
trabalho desses psicólogos. Seria, assim, o relatório da comissão presidida pelo Prof. Ferreira Marques a definir
aquilo que viria a ser, durante cerca de duas décadas, o grosso da ação dos psicólogos no sistema educativo em
Portugal.

Simultaneamente, e regressando à vertente académica, a luta do Prof. Ferreira Marques e dos seus colegas de outras
universidades tinha tido entretanto outro importante sucesso, com a institucionalização pelo Decreto-Lei nº 529/80,
de 5 de novembro, das Faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação nas Universidades de Lisboa, Coimbra
e Porto. Com isso, pondo termo à complexa situação de um curso dependente simultaneamente de faculdades com
interesses tão diversos como as de Letras, Medicina e Ciências, se conquistou a tão desejada autonomia para a
psicologia, ainda que em aliança com as ciências da educação. Não decorre daí, porém, que a fase das lutas políticas,
não no sentido ideológico mas no sentido de conquistar, junto das instâncias governativas, o lugar e os recursos que
considerava devidos e necessários ao desenvolvimento da psicologia enquanto ciência e profissão em Portugal,
estivesse terminada para Ferreira Marques. Na década de 80, o seu grande combate passou a ser o da construção de
um edifício próprio para albergar a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
que esteve durante os primeiros dez anos da sua existência (a que acrescem outros cinco de funcionamento do curso
antes de institucionalizada a Faculdade) disseminada por vários locais pouco adequados: numa pequena parte do
edifício da Faculdade de Letras, onde funcionavam os três primeiros anos do curso de psicologia; num edifício
alugado em Lisboa, na Rua Pinheiro Chagas Nº 19, onde funcionavam os 4º e 5º anos, e na Avenida do Brasil Nº 1,
edifício do World Trade Center, onde funcionavam os mestrados em ciências da educação (Magalhães, 2013).

Só após prolongada luta e diligências excecionalmente persistentes do Prof. Ferreira Marques e de outros
responsáveis da faculdade foi possível assegurar que esta dispusesse de instalações próprias e adequadas. Depois de
consideradas e sucessivamente afastadas várias outras soluções, quer envolvendo a adaptação de edifícios existentes,
quer a construção de um novo edifício em diversos possíveis locais, a opção inclinou-se para um terreno na Alameda
da Universidade, a nascente do local onde se situava a Faculdade de Letras. Embora dotada de todo o sentido, com
a continuação do projeto da Alameda da Universidade como agregadora dos edifícios das diversas faculdades da
Universidade de Lisboa, a juntar às de Letras e Direito, esta opção foi inviabilizada pela decisão do governo da
altura, tomada em grande parte à revelia da Universidade, de aí construir o novo edifício para o Arquivo Nacional
da Torre do Tombo. Esta opção, que fazia prever que a questão do edifício se iria arrastar ainda por mais alguns
anos, motivou na altura, para além dos protestos institucionais da Universidade (afinal, implicava colocar dentro do
campus um edifício que, apesar do seu interesse científico, nada ligava à Universidade) e, por maioria de razão, da
118
Moreira

Faculdade, deu mesmo origem a manifestações públicas por parte dos estudantes. Talvez ajudado por estes protestos,
foi pouco depois disponibilizado um outro terreno, situado justamente em frente do anteriormente considerado, ou
seja, junto à Faculdade de Direito. Nesta sequência, foi em dezembro de 1985 adjudicada à equipa do Arquiteto
Manuel Tainha a elaboração do projeto do novo edifício, sobretudo da sua 1ª fase (a 2ª, gizada nos seus traços gerais
mas não projetada ao pormenor, ficou adiada para fazer face a necessidades futuras; a construção recente do edifício
destinado ao IOP, ainda que posteriormente desviado para outras funções, veio inviabilizar a sua construção, pelo
menos nos moldes em que foi projetada).

Com a aprovação final do projeto pelo Reitor, em julho de 1987, seguiu-se a consignação no Programa de
Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) das verbas necessárias à
conceção e construção novo edifício e a declaração pelo governo da utilidade pública da expropriação, com carácter
de urgência, dos terrenos necessários à sua construção e que ainda não estavam na posse do Estado. Realizado o
concurso público para a empreitada de construção e adjudicada esta à empresa Construções Técnicas, SARL, foi
feito o lançamento da primeira pedra, pelo então Presidente da República, Mário Soares, em 15 de abril de 1988.
Finalmente, com a abertura à efetiva utilização do edifício em outubro de 1990, e a inauguração solene, também
pelo quase-vizinho Mário Soares em 12 de abril de 1991 (Magalhães, 2013), é legítimo dizer que estava
integralmente de pé a principal obra da vida do Prof. Ferreira Marques.

A SEGUNDA METADE DO ARCO-ÍRIS

No seminário da AIOSP organizado em Lisboa, em 1975, pelo Prof. Ferreira Marques, Donald Super (1976b, p.
139) apresentou pela primeira vez, no âmbito do seu modelo de desenvolvimento da carreira, a imagem do arco-íris
como forma de representar não só a grande trajetória de investimento-manutenção-desinvestimento que caracteriza
o percurso vocacional dos seres humanos, mas também o caráter multidimensional desse percurso, em que o
indivíduo desempenha diferentes papéis em diferentes cenários paralelos. Parece, aliás, que os últimos retoques ao
modelo terão sido feitos por Super durante a própria viagem de avião entre Nova Iorque e Lisboa. Seja como for, a
apresentação teve um forte impacto sobre todos a queles que a ela assistiram, o que levou mesmo Pierre Benedetto,
na sua intervenção final, a dizer que “muitos de nós estamos ainda seduzidos pelos reflexos deste arco nos lagos da
Fundação Gulbenkian” (Benedetto, 1976, p. 161).

Ora, esta metáfora, que Super continuaria a utilizar e desenvolver nos anos seguintes, aplica-se com inteira justeza
à descrição da carreira do Prof. Ferreira Marques. Se por um lado é fácil distinguir no seu percurso as diversas faixas
do arco-íris (a família, com certeza a mais importante, logo seguida da Faculdade, principal obra e bem mais precioso
da sua vida profissional, a investigação, a docência, o convívio internacional, os interesses paralelos; ver Van
Esbroeck, 2018, neste número, etc.), é igualmente possível distinguir dois grandes períodos temporais. Em primeiro
lugar, uma fase ascendente, desde a construção inicial do seu percurso científico e da sua carreira académica até à
institucionalização da formação superior em psicologia e da respetiva Faculdade, a terminar em larga medida com
a construção de raiz de um edifício para a albergar. Em segundo lugar, uma fase de manutenção em que procurou
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José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

sobretudo a afirmação e o desenvolvimento da “sua” Faculdade, do seu grupo de investigação e intervenção, e dos
serviços de psicologia e orientação profissional inseridos nas escolas.

Com um olhar cronológico, podemos melhor situar os principais acontecimentos da sua vida nas etapas temporais
definidas por Super. Depois de concluir a licenciatura com 22 anos, se casar aos 28 e ter o primeiro filho aos 29,
doutora-se com 33 anos, vive o 25 de abril com 37 e, aos 38, tem um papel crucial na criação dos cursos de
licenciatura em psicologia. O período da institucionalização da Faculdade, da criação do POC e da entrada dos
psicólogos de orientação nas escolas, encontra-o na faixa entre os 43 e os 48 anos. Segue-se o período da luta pela
construção do edifício, apenas concluído quando este é aberto ao usufruto por alunos, docente e funcionários, tinha
o Prof. Ferreira Marques os seus 53 anos. Ora, olhando para o esquema do arco-íris apresentado por Super (1976b),
é justamente no período entre os 30 e os 55 anos que o percurso de carreira está no seu nível mais elevado. Nesse
período, entre 1967 e 1992, situam-se de facto os acontecimentos determinantes do percurso biográfico do Prof.
Ferreira Marques, no encontro entre uma personalidade invulgar e o seu tempo histórico. O que destacar, então, do
período que se segue?

Não cabe aqui, por razões de tempo e espaço, fazer a história da implantação, desenvolvimento e transformação dos
serviços de psicologia escolar e da intervenção psicológica nas escolas, em que a personalidade do Prof. Ferreira
Marques marcou a sua época. Mencionemos em vez disso, e para começar, a sua carreira académica formal, em que
se tornou Professor Catedrático ainda na Faculdade de Letras, em 1979. Os cargos de gestão na Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, onde foi, primeiro, nomeado Presidente da
Comissão Instaladora, entre 1980 e 1981, depois eleito Presidente do Conselho Diretivo, entre 1981 e 1992, e do
Conselho Científico, entre 1992 e 1999. Além disso, dirigiu entre 1977 e 1999 o centro de investigação da Faculdade,
então designado Centro de Psicometria e Psicologia da Educação. Não poderíamos deixar de mencionar, também,
os diversos cargos em associações científicas internacionais, como a Association de Psychologie Scientifique de
Langue Française (APSLF), de que foi vice-presidente, entre 1985 e 1987, e presidente, entre 1987 e 1989 (Richelle,
2003/2004), a Association Internationale d’Orientation Scolaire et Professionnelle/International Association for
Educational and Vocational Guidance, AIOSP/IAEVG, de cujo Board of Directors foi membro a partir de 1979 e
a que presidiu entre 1991 e 1999 (Jenschke, 2003/2004; Repetto, 2003/2004), ou a International Association of
Applied Psychology, de cujo Board of Directors foi membro entre 1982 e 1998 e a cuja Divisão de Avaliação
Psicológica presidiu entre 1986 e 1990 (Merenda, 2003/2004). Especialmente importante, pela sua longa associação
a esta instituição (Lancry-Hoestland, 2003/2004), foi o convite que lhe foi dirigido em 1999 por Jean Guichard
(2018, neste número) para ser o primeiro presidente da recém-criada Comission Technique, órgão consultivo
máximo do INETOP, cargo que exerceu até 2002. Pelo mérito com que desempenhou esta missão, recebeu a
Médaille du Conservatoire National des Arts et Métiers (instituição de que o INETOP faz parte) e foi, a 31 de
outubro de 2002 condecorado pelo governo francês como Chevalier des Palmes Académiques (Jenschke, 2018, neste
número). A nível nacional, não poderíamos deixar de mencionar o exercício do cargo de Diretor do IOP, a partir de
1993 (Pinto & Soares, 2002), a Presidência da Direção da Sociedade Portuguesa de Psicologia, que exerceu entre
1976 e 1991, assim como a direção da presente revista [Revista Portuguesa de Psicologia], entre 1992 e 2001. Da
120
Moreira

sua ação nestes cargos muito haveria também para contar, mas os objetivos limitados deste trabalho e a escassez do
tempo disponível para a pesquisa arquivística não permitem que nos estendamos mais. Não podemos deixar de
anotar, ainda, a sua eleição para sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa (Abreu, 2018, neste número),
bem como a condecoração que lhe foi atribuída também pelo seu país natal, a Grã-Cruz da Ordem da Instrução
Publica, pelo Presidente da República Jorge Sampaio em 1 de fevereiro de 2006.

Um outro aspeto, pouco conhecido mas que importa destacar na sua faceta simultaneamente institucional e de
pioneiro da internacionalização, é o do seu papel no lançamento do programa Erasmus no âmbito da Psicologia. A
esse propósito, Marc Richelle (2003/2004) atribui-lhe um papel central na dinamização e coordenação do grupo de
trabalho que reuniu a partir de 2008 responsáveis pelas primeiras seis universidades que participaram no programa,
sobretudo no superar das dificuldades colocadas pelas diferentes estruturas da formação em psicologia nos países
envolvidos. A forma cordial, mas muito firme, como o Prof. Ferreira Marques defendeu que os estudantes
portugueses do 5º ano da licenciatura deveriam ser equiparados aos do último ano da formação em psicologia no
Reino Unido, por exemplo, e não aos do nível elementar, foi especialmente valorizada. Ajudado pelo excelente
desempenho dos primeiros estudantes da sua Faculdade selecionados para tomar parte neste programa, conseguiu
eficazmente convencer os colegas da Europa do Norte a abandonar o preconceito da superioridade da sua formação,
quando comparados com os docentes e estudantes dos países do Sul.

Em segundo lugar, e nesta sequência, cumpre destacar o seu trabalho docente, a nível da licenciatura, formando
muitos psicólogos que foram depois dar o seu contributo aos serviços de orientação nas escolas, mas também
transmitindo as noções fundamentais da orientação e da psicologia das carreiras a outros que seguiram caminhos
diversos, como foi o meu caso. A nível da orientação de mestrados e doutoramentos, procurou dar uma sólida
formação científica e metodológica àqueles que com ele colaboravam na docência, bem como na formação e
coordenação dos COEPs que exerciam a sua atividade nas escolas. Aqui deve ser incluída, em lugar de destaque, a
criação do Curso de Mestrado em Psicologia da Orientação e Desenvolvimento da Carreira, na Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, em 1993, o qual teve posteriormente sucessivas
edições (Duarte, Lima, Teixeira, Rafael, Afonso, Barros e Janeiro, 2002). Neste âmbito da formação pós-graduada,
através das teses e dissertações que orientou, foi também promovendo a investigação sobre aspetos psicológicos do
desenvolvimento vocacional (e.g., Janeiro, 2006) e a construção (e.g., Cardoso, 2006) ou a adaptação e estudo
psicométrico (e.g., Duarte, 1993) de instrumentos de avaliação relevantes para o aconselhamento de carreira.

Em terceiro lugar, não se pode deixar de mencionar a atividade de investigação, que manteve mesmo neste período
tardio da sua carreira, embora então sobretudo através da orientação de trabalhos como os acima citados, e muitos
outros. Ainda assim, é importante destacar a sua participação em dois importantes projetos internacionais, numa
altura em que a internacionalização e a criação de parcerias com grupos de investigação estrangeiros eram ainda
fenómenos muito raros no meio académico português.
121
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

O primeiro destes projetos tem, aliás, início num período bem anterior, mas decidimos incluí-lo nesta fase não só
porque a sua execução se prolonga até ao início dos anos 90 como por não se poder claramente incluir nos objetivos
da “fase ascendente”. Falamos do Work Importance Study, um projeto de grande dimensão, inspirado e liderado
ainda por Donald Super (que viria a falecer justamente na altura em que o projeto se concluía) e que teve por objetivo
compreender “como os indivíduos em contextos culturais e nacionais específicos veem o trabalho como parte das
suas vidas e como essas formas de ver influenciam as suas vidas, as suas famílias, as suas comunidades e, em última
análise, os seus países” (Super, 1995, p. xvii). A ideia do projeto germinou durante um simpósio no Congresso
Internacional de Psicologia Aplicada que teve lugar em Munique em 1978, na organização do qual Donald Super
atribui ao Prof. Ferreira Marques um importante papel (Super, 1995, p. xx). Continuado no ano seguinte com a sua
primeira conferência em Cambridge, Inglaterra, o projeto acabaria por envolver 11 países, cada um com os seus
líderes nacionais. Dentro destes, porém, o primeiro que Donald Super destaca no seu prefácio, não só pelo seu
contributo para o projeto como pelo seu papel de “líder ativo”, é o Prof. Ferreira Marques. Um pouco mais abaixo,
estende a referência destacada à sua esposa, Olga Ferreira Marques, pelo seu papel de anfitriã em muitos dos
encontros do projeto e pela sua facilidade linguística e de convivência internacional (embora o seu papel tivesse ido,
com certeza, muito para além desse).

Outro indicador do importante papel atribuído ao Prof. Ferreira Marques no projeto é o facto de ser da sua autoria
(em conjunto com a sua colaboradora mais antiga, a Prof. Maria José Miranda) o capítulo que, no livro que constitui
a súmula final do projeto, descreve o processo da sua construção conceptual e metodológica (Ferreira Marques &
Miranda, 1995). Na linha de evolução natural do modelo desenvolvimentista de Super, este processo envolveu a
escolha de conceitos que permitissem alcançar os principais objetivos do projeto, nomeadamente os de melhor
compreender o significado do trabalho em diferentes contextos culturais, de uma forma que satisfizesse os requisitos
metodológicos de um estudo comparativo internacional, fornecendo ao mesmo tempo dados relevantes e novas
ferramentas metodológicas para os psicólogos conselheiros de orientação que atuavam nos diferentes países. Estes
desideratos foram alcançados através da adoção de conceitos fundamentais: os valores e a saliência das atividades
(cf. o modelo do arco-íris de Super, já mencionado). Estes conceitos foram operacionalizados através de dois
instrumentos criados de raiz para o projeto, de forma colaborativa entre os investigadores dos diferentes países
envolvidos, num trabalho cuja organização e coordenação se deve ter revelado deveras desafiadora. Justamente o
contexto em que as melhores qualidades do Prof. Ferreira Marques se poderiam manifestar, como é notório pela
forma como o inspirador do projeto se lhe refere. Não cabe aqui analisar nem expor em detalhe os resultados do
projeto, muito relevantes naquilo que demonstraram quanto às semelhanças e diferenças entre países e entre etapas
da carreira quanto aos valores e à importância atribuída às diferentes atividades da vida (ver Šverko & Super, 1995).
Apenas de referir, para além do já mencionado, o excelente desempenho psicométrico das medidas desenvolvidas,
em que o contributo do Prof. Ferreira Marques não terá com certeza sido desprezível. Ficaram, assim, disponíveis
para os psicólogos de orientação novos conhecimentos e novos instrumentos de avaliação, quer a nível internacional
(Super & Šverko, 1995), quer em Portugal (Ferreira-Marques, 1980/1981/1982; 1989; Ferreira Marques, Horta
Alves, Duarte, & Afonso, 1985).
122
Moreira

Outra participação importante, até pelo seu caráter algo inesperado, entrando uma área completamente nova numa
fase tardia da sua carreira, foi a que teve num outro projeto internacional, apoiado financeiramente pela União
Europeia e envolvendo investigadores de cinco países, sobre atitudes e comportamentos favoráveis à preservação
do ambiente (Lévy-Leboyer, Bonnes, Chase, Ferreira-Marques, & Pawlik, 1996). Esta participação resultou dos
seus contactos e do seu prestígio internacional, e nomeadamente do seu envolvimento com a International
Association for Applied Psychology (IAAP). É provável que o facto de o projeto envolver o desenvolvimento
simultâneo de questionários paralelos em diferentes países, tal como tinha acontecido no Work Importance Study,
tenha feito com que a sua experiência fosse valorizada. Seja como for, a principal inspiradora do projeto parece ter
sido a investigadora francesa Claude Lévy-Leboyer, a que se juntou o alemão Kurt Pawlik. Sobretudo através da
proximidade deste com o Prof. Ferreira Marques, e do conhecimento entre todos construído na IAAP, foi-lhe
proposto participar no projeto com uma equipa de investigadores portugueses. Numa demonstração da sua abertura
a diferentes áreas da psicologia, e colocando a afirmação da Faculdade sempre à frente dos projetos mais específicos
do seu grupo de investigação, o Prof. Ferreira Marques envolveu neste projeto não a sua habitual equipa da secção
de Orientação Escolar e Profissional, mas antes jovens colegas ligados à psicologia social ou cognitiva, como José
Manuel Palma Oliveira, o jovem bolseiro Mário Boto Ferreira, e o seu próprio filho, José Frederico Henzler Ferreira
Marques, já Assistente na Faculdade.

De facto, o seu primogénito tinha-lhe seguido as pegadas, na psicologia e na carreira académica, embora numa área
bastante diferente (psicologia experimental, memória semântica e neuropsicologia). Licenciado em 1989, fez uma
carreira fulgurante, que todos reconhecem ser devida não à filiação, mas ao mérito e ao incansável trabalho, que o
levou ao doutoramento em 1997, a um lugar de Professor Catedrático e à Presidência do Conselho Científico, na
mesma Faculdade do seu pai, em 2010. De modo trágico, esta brilhante carreira seria prematuramente cortada pelo
diagnóstico, em 2013, de uma grave doença, que o viria a roubar ao nosso convívio a 20 de agosto de 2014.

Este duro golpe, para mais, atingiu o Prof. Ferreira Marques numa altura em que a sua própria saúde já claudicava
seriamente. Um inesperado e grave problema, ocorrido em maio de 1997 e provavelmente decorrente de uma queda,
teve uma recuperação lenta e difícil, o que o levou, passado pouco tempo, a começar a desligar-se progressivamente
dos seus numerosos cargos e intensos afazeres, até pedir e obter a aposentação das suas funções de Professor, em
abril de 2002. Ainda assim, manteve-se ativo na orientação de teses e dissertações, na Direção do Centro de
Investigação e noutras atividades que as suas energias ainda permitiam. Os problemas de saúde, entretanto, foram-
-se agravando ao longo da década seguinte, e a sua debilidade física e dificuldades motoras foram-se tornando
notórias. Ainda assim, a mente mantinha-se ativa, e continuava com regularidade a fazer uso do seu gabinete na
“sua” área de Orientação Escolar e Profissional, no “seu” edifício da “sua” Faculdade. Recordo como, em inícios de
2012, quando assumi o cargo de editor da Revista Portuguesa de Psicologia, sondei o seu filho acerca do seu eventual
desejo e disponibilidade para continuar a fazer parte do Conselho Editorial. Sugeriu-me que falasse com ele
pessoalmente, pois nessa mesma tarde viria trabalhar para o seu gabinete. Assim fiz, e não só aceitou o convite de
imediato e com entusiasmo, como se disponibilizou ainda para ser revisor de artigos submetidos, naquilo que a sua
123
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

saúde permitisse. O agravamento dos problemas de saúde não lhe permitiu, no entanto, manter esta disponibilidade
por muito mais tempo, e deixou progressivamente de frequentar a Faculdade, vindo a falecer no dia 5 de julho de
2015, tranquilamente e durante o sono.

CODA

Que dizer, na conclusão deste esboço biográfico, do que foi a vida e a obra do Prof. José Ferreira Marques? Dizer
que foi provavelmente a mais importante figura da psicologia portuguesa do século XX poderá ser controverso,
sobretudo para aqueles cujos sentimentos os ligam a outras instituições e a outros atores destacados, mas ninguém
contestaria que fosse um dos mais sérios candidatos a esse título. Em todas as grandes figuras da história se reúnem
as qualidades pessoais às oportunidades proporcionadas pela época que viveram, e o Prof. Ferreira Marques não é
exceção, como já mencionámos. Sobre as circunstâncias do seu tempo procurámos transmitir uma ideia
suficientemente completa para que o seu papel fosse compreensível, dada a escassez de informação disponível e
sistematizada sobre a história da psicologia em Portugal. Quais terão, então, sido as qualidades que permitiram ao
Prof. Ferreira Marques desempenhar o papel que teve nesse contexto, e realizar a obra que aqui celebramos? Tarefa
árdua e necessariamente subjetiva, mas a que penso não nos podemos furtar nesta hora. Sem querer entrar na
psicobiografia, nenhum daqueles que com ele conviveu ou que acompanhou a sua atividade durante os longos anos
da sua carreira profissional deixará de ter uma opinião bastante definida sobre a sua personalidade. Como estará ela
relacionada com a obra que deixou e com o seu impacto duradouro na Faculdade de Psicologia da Universidade de
Lisboa e na psicologia portuguesa em geral?

Para melhor compreendermos esta relação, parece-me essencial antes do mais olhar os frutos do trabalho e o legado
do Prof. Ferreira Marques, para tentarmos captar a essência qualitativa da sua atividade e, daí, da sua personalidade.
De entre estes frutos, poderíamos, sem grande receio de errar, nomear como os mais importantes a adaptação e
aferição da WISC, a criação da licenciatura em psicologia, da Faculdade e do seu edifício, do POC e outras
intervenções associadas, e dos Serviços de Psicologia e Orientação nas escolas.

Olhando para todos estes projetos, é evidente a sua característica comum de construções (cf. Estrela, 2002),
conseguidas através do labor continuado e persistente ao longo do tempo, de algo que perdure, sem se esgotar no
flamejar de uma inspiração momentânea. De facto, e como muitos dos seus críticos poderiam apontar, não se
encontram na obra do Prof. Ferreira Marques grandes propostas de inovações teóricas, que ele próprio atribua à sua
inspiração pessoal. Pelo contrário, o tema constante no seu percurso é o pegar na inspiração de outros,
nomeadamente David Wechsler, primeiro, e Donald Super, depois, cujo caráter inovador e potencialidades de futuro
identifica, e a partir daí criar estruturas que permitam a essa inspiração chegar a ter na vida de muitas pessoas os
efeitos que o seu potencial permitia. O mesmo fez com a ocasião histórica que a revolução de 25 de abril de 1974
ofereceu à psicologia portuguesa.

Mas o facto de nunca ter sequer tentado apresentar-se como criador original sugere-nos que, desde o início, não foi
esse o seu propósito. Todos os que convivem com o meio académico sabem como as aparentemente brilhantes
124
Moreira

inspirações, podendo impressionar os ingénuos, raramente dão origem a algo de relevante e perdurável, tanto por
falta de verdadeiro potencial como por falta de um trabalho construtivo e empenhado na realização desse potencial.

A fase em que, porventura, o Prof. Ferreira Marques mais se aproximou da exibição de brilhantismo intelectual foi
nos dois artigos de caráter teórico que publicou logo a seguir ao doutoramento. Nestes, apesar de se basear nas
conceções disponíveis à altura, pode dizer-se que se situa na vanguarda teórica da psicologia da inteligência e da
psicometria. Mas logo, ao invés de prosseguir nessa via, os seus interesses se afastam dessas temáticas para se
redirigirem no sentido da orientação escolar e profissional. Esta observação, parece-me, vem em apoio da minha
tese de que o predomínio da construção sobre a criação, no percurso do Prof. Ferreira Marques, se deve sobretudo
à forma como entendeu o seu papel e os seus objetivos.

Para quem tenha acompanhado o seu percurso, esta ideia parece-me coerente com aquilo que dele se conhecia.
Nunca se notou que se esforçasse por pôr em evidência aquilo que o diferenciava dos autores que o inspiravam, por
salientar o seu contributo pessoal, nem mesmo de forma implícita. Pelo contrário, aqueles que acompanharam a
forma como desenvolveu os seus principais trabalhos destacam a sua preocupação central em transpor com o
máximo rigor as ideias dos autores em que se baseava. A missão que se tinha atribuído era bem mais ampla do que
o alcançar de prestígio pessoal. A capacidade de visão, de conjunto e a longo prazo, é certamente mais rara do que
o discurso vistoso e intelectualmente cativante, ainda mais quando é servida por uma rara capacidade de trabalho ao
serviço de objetivos de longo prazo. E tudo na análise da sua atividade do Prof. Ferreira Marques sugere, na minha
opinião, que o próprio tinha intensa consciência destas suas capacidades e da responsabilidade que elas lhe traziam.
A sua entrada no universo da psicologia da orientação escolar e profissional dá-se, justamente, através da temática
do conhecimento de si mesmo, e parece-me que esta era uma das qualidades, talvez a menos valorizada, do Prof.
Ferreira Marques.

Com os seus objetivos bem claros, a sua postura sempre foi a de acentuar aquilo que era seguro, sólido, bem
fundamentado, quase incontestável, e que podia servir de base a uma estrutura firme, à concertação de esforços
coletivos para um objetivo tão consensual quanto possível. Se isso fazia com que alguns lhe atribuíssem escasso
brilho intelectual, isso não o afetava. Os seus objetivos não passavam por impressionar no curto prazo, mas sim em
construir solidamente para o futuro, sem se consumir em conflitos de protagonismo que pusessem em causa esse
objetivo. Conflitos pelo poder terá tido certamente mas, parece-me, sobretudo com aqueles a quem não reconhecia
as qualidades que sabia serem necessárias à construção daquilo que via como fundamental para a psicologia
portuguesa, ou simplesmente com aqueles cujos objetivos passavam por impedir essa construção.

Essas qualidades, como podemos ver pelos legados que deixou, tinha-as ele em extremo grau. A orientação para
objetivos a longo prazo, com um trabalho constante, sem oscilações de empenhamento. A sabedoria para ultrapassar
as dificuldades, não tentando, por exemplo, confrontar os obstáculos que sabia serem demasiado fortes para os seus
recursos, antes os contornando por vias alternativas. O ministro está irredutível? Insistir só poderia ser
contraproducente, mais vale tentar persuadir o secretário de estado e, com tempo e uma persistência incansável, o
125
José H. Ferreira Marques: Um esboço biográfico

objetivo acabava quase sempre por ser alcançado. A persistência. Com ela, e não com o confronto aberto, os
obstáculos iam sendo vencidos, por vezes quase que por exaustão. E a vitória não era a dele, era a daquilo por que
se batia. Não o poder pelo poder, mas a busca do poder pela convicção de ser aquele que melhor poderia cuidar de
que a nave fosse conduzida a bom porto.

É possível argumentar que muitos dos projetos do Prof. Ferreira Marques teriam visto a luz do dia
independentemente do seu papel. Mesmo sem ele, uma adaptação portuguesa da WISC teria sido criada, mais cedo
ou mais tarde. As licenciaturas e as faculdades de psicologia teriam também sido criadas, mais ou menos na mesma
época, assim como os serviços de psicologia nas escolas, que hoje em dia teriam aproximadamente o mesmo tipo
de práticas, semelhantes às de outros países.

Mas se as várias naves que capitaneou existiriam de qualquer forma, onde teriam chegado sem o seu comando?
Onde terá a sua ação feito a diferença? Muitas delas teriam com certeza chegado mais tarde. E todas elas teriam
chegado diferentes, ou a um porto diferente. O que seria hoje a Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
sem a ação do Prof. Ferreira Marques? O que seria hoje a prática dos psicólogos em Portugal, especialmente ao nível
das escolas? Como seriam hoje os cursos de psicologia nas universidades portuguesas? Diferentes, com certeza.
Piores em muitas coisas, certamente. Melhores nalgumas, talvez. Mas com as suas qualidades raras e uma noção
aguda do seu papel histórico, permanece indelével a sua marca de construtor, de que muitos beneficiaram e ainda
beneficiam no presente. Que o conhecimento e a reflexão sobre o seu percurso ajudem outros a construir como ele
o fez.

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