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Introdução
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Graduando em História pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP e bolsista pelo PIBIC/Fundação
Araucária mateus.torelli12@hotmail.com
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Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e professor de História
na Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP carreri@uenp.edu.br
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viés interpretativo. São problemas que surgem partindo da crítica à chamada historiografia
tradicional, ou seja, aquela narrativa histórica direcionada para um tipo específico de classe: os
“pioneiros’’. Um bom exemplo disso é a tese de Nelson Tomazi. O autor extrai essas
contradições no próprio discurso sobre o Norte do Paraná3. Nesse sentido, surgem concepções
como a reocupação e o vazio demográfico, que, por volta da década de 19904, apareceu para
dar um outro sentido de analisar a história de regiões, espaços e territórios específicos do Norte
do Paraná, além do mais, para realizar uma crítica a produções historiográficas, jornalísticas e
educacionais que visam enfatizar a figura do “pioneiro’’ como principal agente histórico em
dada localidade.
Mas afinal, o que significa reocupação? Que sentido traz o vazio demográfico para a
compreensão de determinado espaço? Como poderíamos nos apropriar dessas concepções para
reinterpretar a “colonização’’ de Cambará-PR, de outros municípios, e até da mesorregião do
Norte “Pioneiro’’? Partindo dessas questões, nosso objetivo será de fazer uma breve síntese
sobre a reocupação e o vazio demográfico, estabelecer um diálogo entre essas noções e como
alguns autores se apropriaram das noções reinterpretando seus espaços ao longo de diferentes
décadas. Buscaremos, mais adiante, elucidar como essas concepções foram fundamentais para
o desenvolvimento da pesquisa sobre a história desse local, município próximo à Jacarezinho e
de fronteira com Ourinhos-SP, sendo separados pelo rio Paranapanema.
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Segundo o autor (...) discurso "Norte do Paraná" traz consigo um conjunto de idéias e imagens, quase que
formando um bloco fundido e refundido onde a sua simples enunciação faz com que se faça uma identificação
com algumas idéias basilares: progresso, civilização, modernidade, colonização racional, ocupação planejada e
pacífica, riqueza, cafeicultura, pequena propriedade, terra onde se trabalha, pioneirismo, terra roxa, enfim, todo
um conjunto de idéias e imagens construído através de vários anos, mas estruturado, principalmente entre os anos
30 e 50, procurando assim criar uma versão, do ponto de vista de quem domina, para o processo da (re)ocupação
desta região. (TOMAZI, 1997, p. 12)
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Conforme Wander Proença: “Esses novos lugares sociais - as universidades – influenciaram diretamente a visão
historiográfica a respeito do Paraná. As produções oriundas dessa atmosfera acadêmica, por meio de projetos de
mestrados e doutorados dos professores que buscavam titulação para atender à demanda universitária, abriram um
leque de novas possibilidades de análises e abordagens para a historiografia que ascendia cada vez mais,
participando, juntamente com a virada historiográfica nacional, do processo de construção da cultura histórica,
mesmo que em uma pequena região em relação ao grande país. Como exemplos da primeira fase da produção
desse “lugar social” - Universidades Estaduais paranaenses, com pesquisas realizadas na UFPR, USP, UNICAMP
e UNESP - podem ser citados os seguintes autores e trabalhos: (...) Nelson Dácio Tomazi e “Norte do Paraná:
história e fantasmagorias”; “O Eldorado: representações da política em Londrina”, José Miguel Arias Neto; (...)
“O centro e as margens: boemia e prostituição na “capital mundial do café” (Londrina: 1930-1970)”, Antonio
Paulo Benatti; “As guerras épicas dos kaingang”, Lúcio Tadeu Mota, entre outros’’. (PROENÇA, 2015, p. 3049)
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Se referindo à influência, ele ressalta: “Somente muitos anos depois, surgiu outro trabalho significativo sobre a
questão indígena, incluindo os indígenas que habitaram as terras situadas ao norte do estado do Paraná. Este é o
trabalho de Lucio Tadeu Mota (1994) que procurou, em primeiro lugar, analisar e denunciar a construção da idéia
do "vazio demográfico", presente na historiografia paranaense, para depois analisar a presença e a resistência dos
Kaigáng no Paraná, recuperando a memória de luta deste povo”. (1997, p. 291)
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Por meio dessas noções, Freitag evidencia as intencionalidades políticas sobre aquela
região, pois para as empresas reocupar “(...) significava incorporar à nação um território
reconhecido como vazio e ali, estabelecer novas vivências (...)’’. Já para o Paraná significava
“(...) receber um solo ocupado, produtivo, mercantilizado, livre dos perigos representados pela
presença maciça de estrangeiros na região’’ (2007, p. 109). Assim, por intermédio com a
reocupação e o vazio demográfico, a autora conclui:
A partir desse ponto de vista, a história regional emerge quando estas
empresas colonizadoras assumem o território. Tudo o que, supostamente teria
ocorrido antes seria considerado "pré-histórico", arcaico e serviria, por
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Nisso, no que concerne na figura do “pioneiro’’ naquela localidade, afirma: Todavia, enunciados tais como:
“gente laboriosa”, “trabalhadores que amam a terra”, “sujeitos que plantaram cidades”, “pioneiros que derrubaram
matas”, “trabalhadores que plantaram progresso” ou ainda “colonos que plasmaram a civilização”, dentre outros
adjetivos, são elucidativos, pois apesar da imprecisão conceitual dos termos presentes nestas retóricas, tais idéias
esboçam com eloqüência, identidade para sujeitos. Alocuções dessa envergadura são atribuídas a todo migrante
de descendência européia, que por extensão reconhecem-se como laboriosos, pacíficos, econômicos, obstinados,
sacralizando assim, diferenças entre os sujeitos. (FREITAG, 2007, p. 102)
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Carla Conradi, por sua vez, em O Movimento dos Guarani de Reocupação de 2009, trata
do movimento de reocupação e resistência dos indígenas Guarani no território denominado
Ocoy-Jacutinga, no contexto da construção da Usina Itaipu na década de 1980. Se a reocupação
no fim do século XIX e no decorrer do XX significava o estabelecimento do sistema capitalista
e o advento do símbolo “pioneiro’’, por outro lado, a reocupação (no sentido da autora)
significava a luta e resistência dos Guarani sobre o seu território, que já tinha sido reocupado
pela empresa.
Receber a nova área seria uma forma de criar um novo espaço de negociação
com a Itaipu e a Funai, a luta pelos ideais guarani continuaria. As práticas
seriam, no entanto, construídas a partir da experiência de viver naquele novo
espaço. Estar na reserva permitiria conhecer melhor o outro, a sociedade
nacional, e construir formas de luta para se pensar o amanhã e reocupar o
território de 1500 hectares. (CONRADI, 2009, p. 4695)
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Sobre essa parte, a autora elabora uma síntese, expressando: “No início da colonização, o grupo financeiro de
Londres não tinha por meta lotear e vender a terra na forma da pequena propriedade, mas a de cultivar o algodão
na forma do latifúndio. Porém, essa iniciativa, como vimos, foi frustrada pela elite paranaense que se opôs ao
projeto da companhia em trazer Assírios do Iraque para trabalhar nas lavouras algodoeiras. Com isso, os ingleses
mudaram seus planos iniciais. Em vez do empreendimento agrícola nas formas do latifúndio e da monocultura
algodoeira, decidiram, ao contrário, partir para o ramo imobiliário, loteando e vendendo aquelas terras. E mesmo
assim, a ideia inicial era vendê-las em grandes lotes para atender a demanda de fazendeiros mineiros e paulistas
que queriam expandir seus investimentos agropecuários para o norte do Paraná.’’ (2015, p. 3403)
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dessa cidade, cabe indagar sobre como foi o processo de repovoamento – especificamente -
nessa localidade (no que condiz na relação entre os indígenas, posseiros e os reocupantes).
Destacando a reocupação e o vazio demográfico8, confirmamos que são concepções
basilares e fundamentais para reinterpretar a história de algumas regiões do Paraná,
evidenciando a contradição do “pioneiro’’ e os ocultamentos históricos que foram decorrentes
desse momento que vai demarcando localidades e impondo territórios no espaço em que se
encontra o Paraná; em um caso específico, vimos a reocupação sendo apropriada para a
interpretação da resistência indígena sobre seu território na década de 1980 se falando da
instalação da Usina Itaipu (Conradi, 2009).
Podemos constatar que o uso e a apropriação dessas noções, é utilizada e reutilizada em
diversos estudos, mesmo que não tenha o mesmo sentido e nem o mesmo recorte
historiográfico. O debate entre essas concepções surge a partir da dialogicidade que elas trazem
para a compreensão dos discursos, dos apagamentos, da exploração, da violência contra as
populações indígenas e sertanejas, junto com o ocultamento de sua presença na história do
Paraná (MOTA, 1992). Com base na reocupação e o vazio demográfico, evidencia-se a
presença indígena nesse espaço e ao mesmo tempo contrapõe-se a narrativa tradicional da
cidade de Cambará, que carrega consigo a idealização da figura do “pioneiro’’ de um lado e do
outro os discursos que corroboram para a imagem de um espaço “desocupado”. Assim, tivemos
que recorrer para jornais da época que nos ajudaram a contextualizar esse período de outra
maneira.
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Há ainda exemplos sobre o mito do vazio demográfico em compreensão para outras localidades do Paraná, como
no caso da região sudoeste. Cada espaço, na soma das relações sociais que ali se estabelecem, trazem consigo suas
próprias especificidades. Estudando o nordeste do Paraná e até outras regiões percebemos que após a reocupação
territorial há o advento da figura considerada “pioneira”, no sentido dos paulistas e mineiros. Já nos estudos de
Ronaldo Zatta, na região sudoeste, partindo da “colonização oficial” com a criação da Colônia Agrícola General
Ozório (CANGO) em 1943, enfatiza que a figura privilegiada na narrativa histórica são os catarinenses e gaúchos.
A intitulação de cunho pretencioso “pioneiro” não é algo exclusivamente voltada à análise dos paulistas e mineiros
que vinham reocupar o espaço ao norte do Paraná, mas também era voltada para populações localizadas no sul
desse país que vinham reocupar os locais que compreende o sudoeste desse Estado. Ver: ZATTA, Ronaldo. A
colonização oficial do sudoeste paranaense e o mito do “vazio demográfico”. XV Encontro Regional de História:
Curitiba, 2016.
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Para maior aproximação sobre esses relatos organizados pela Alba Pugas, ler a segunda parte do livro PUGAS,
Alba. De Alambari a Cambará: um resgate histórico. Ed. Iara Artes Gráficas LTDA: Cambará, 2002.
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Tais como citados anteriormente como Carreri (2021), Freitag (2007), Rodrigues (2016) e etc.
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Esses periódicos estão disponibilizados digitalmente no site da Biblioteca Nacional na parte da Hemeroteca
Digital. Além de O Paiz, encontramos outros que podem servir como base para a contextualização das relações
entre os seres, a terra e o Estado no nordeste do Paraná. Dentre esses jornais estão: Dezenove de Dezembro; Diário
da Tarde; A República (órgão do Partido Republicano Paranaense); O Commercio; O Dia; O Estado do Paraná.
Fora do Paraná, podemos citar: O Pharol (Minas Gerais); A Imprensa, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil, Jornal
do Commercio, O Fluminense, O Malho, O Paiz e O Puritano (Rio de Janeiro); Gazeta de Joinville (Santa
Catarina); e por fim, Correio do Sertão (São Paulo).
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Onde também poderia ser incluída a cidade de Cambará, ou (compreendendo o período de 1911) a Villa
Alambary.
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contra os bugreiros, como elucidado na citação anterior. Essa fonte jornalística acaba sendo
frutífera para a compreensão dessas condições em meio à reocupação. No caso de Cambará, a
evidência da presença indígena é notável, como por exemplo na toponímia do rio Alambari,
que, dado pelos indígenas Guarani, se torna um meio para explicitar sua passagem e presença
naquela localidade13.
Contudo, podemos perceber a diversidade indígena nessa localidade, como no caso da
primeira citação em que o jornal se refere aos Guarani, e na segunda citação, aos Kaingang.
Portanto, compreendemos o espaço de Cambará como um local que está em constante
movimento no início do século XX, desde que os indígenas e os sertanejos estavam sendo
empurrados pela frente de expansão, e ao mesmo tempo pela frente pioneira14 resultando em
relações conflituosas, tanto com o posseiro como com os “civilizados’’. Assim, confirmamos
também que o espaço não estava ausente de presença humana, ao contrário do que a
historiografia tradicional cambaraense (PUGAS, 2002; FARIA; 200115) dão a entender.
REFERÊNCIAS
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Para a compreensão do patrimônio Alambari e as representações indígenas contidas na cidade de Cambará, ver:
FIDELIS, Mateus Torelli. Reocupação do Norte Pioneiro do Paraná: o caso de Cambará, Alambary e os indígenas.
Revista Angelus Novus, v. 13, n. 18, p. 196003, 2002. https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/196003. Acesso
em: 10 ago. 2022.
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Para a compreensão das frentes que vinham reocupando esse espaço, consultar MARTINS, José de Souza. O
tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e
frente pioneira. Tempo Social, São Paulo, p. 25-70, 1996, p. 32.
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Segue um exemplo da interpretação histórica da autora de cunho memorialístico sobre Cambará: “Histórico –
As origens de Cambará se mesclam com as de Jacarézinho e Tomazina. Juntos, estes três municípios formaram
nos seus primórdios, uma verdadeira “ponta de lança” para aquilo que seria o grande desenvolvimento colonizador
em terras paranaenses, a partir dos anos trinta. A excepcional qualidade da terra, foi de fato, o que atraiu para a
região os primeiros moradores que se tem notícia. Em 1904, Francisco Moreira e Alexandre Domingos Caetano
(...) se estabeleceram às margens do Rio Alambari (...). Quando tudo ainda era a mais pura floresta, se
estabeleceram no incipiente povoado as famílias de Vigilato Barbosa, José Soares (Zé Pechinha), Francisco Lopes,
João Pires, José de Paula Garcia e tantos outros pioneiros de real valor (...). As pessoas é que fazem a história,
seguindo esta máxima, os povoadores de ALAMBARI não cruzaram os braços e deitaram o mato ao chão e na
terra as sementes de feijão, arroz e milho, entremeando o quadrilátero cafeeiro (...)”. (FARIA, 2001, p. 6) (Grifos
do autor)
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