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MÓ DULO 7 A cultura do salão

A CULTURA DO SALÃ O
O século XVIII decorreu sob os auspícios do Iluminismo, também designado «século das
Luzes», caracterizando um movimento intelectual que privilegiou a ciência como meio de
explicar o universo. Contrapondo a razão à fé e acreditando estarem a «iluminar» a sociedade
na direção da modernidade, os iluministas tiveram como antecedentes o Humanismo e o
Renascimento, encontrando nos salõ es aristocráticos um ambiente favorável ao debate, ao
esclarecimento e à explanação das suas questõ es e teorias.
O Rococó emergiu neste contexto cultural, definindo um novo conceito de espaço
arquitetó nico, mais requintado e confortável, no qual uma decoração efusiva desempenhava
um papel primordial. O termo deriva da expressão francesa rocaille, referindo-se a motivos
decorativos inspirados nos concheados, rochas marinhas e formas irregulares imitando
rochas e elementos vegetais utilizados no desenho de jardins e grutas artificiais no início do
século XVIII. O estilo desenvolveu-se, sobretudo, em França, como reação à solenidade do
classicismo defendido por Luís XIV, incidindo principalmente nos motivos decorativos e nos
adereços que passam a revestir os interiores dos boudoirs e dos cabinets. Ramagens,
floreados, chinoiseries (motivos de origem chinesa), linhas contorcidas, enleadas e enroladas
em composiçõ es fantasiosas, exuberantes e assimétricas são aplicados de forma exuberante
aos mais diversos objetos, adereços, mobiliário e revestimentos.
Surgido em Roma em meados do século XVIII, o Neoclassicismo apresentou-se tanto como
reação aos excessos formais do Barroco e à exuberância decorativa do Rococó , quanto ao
desejo de recriar os modelos da Antiguidade clássica, no contexto do renovado interesse por
esta época histó rica trazido pelas descobertas arqueoló gicas de Herculanum e Pompeia, bem
como dos estudos de Winckelmann, um erudito e historiador alemão estabelecido em Roma.
Um Capricho Arquitetónico, Francesco
Guardi, 1770-1780. Esta aproximação ao Classicismo não deixou de estabelecer uma relação estreita com a
No contexto da revalorização cultura contemporânea do Iluminismo, no rigor, sobriedade e racionalidade como
iluminista da técnica, isto é, no
enquadramento dos meios e dos
reinterpretavam o modo clássico; daí que esta fosse a corrente dominante adotada pelas
processos artísticos num espírito Repú blicas revolucionárias (Estados Unidos e França, depois das revoluçõ es) ou pelas cortes
científico, o género da veduta (vista) do chamado «despotismo ilustrado» (Carlos III em Espanha, Frederico II na Prú ssia, Catarina,
populariza-se entre os artistas.
Trata-se de captar a realidade
a Grande, na Rú ssia) para as quais este estilo pragmático, só brio e racional correspondia à
através de processos rigorosos e severidade e austeridade dos seus governos. Os principais fundamentos do Neoclassicismo
exatos, utilizando um instrumento foram enunciados por Winckelmann nas suas obras Meditações sobre a imitação das obras
equipado com lentes e espelhos que
refletem as imagens e permitem
gregas na pintura e na escultura (1755) e História da Arte da Antiguidade (1764), nas quais
estabelecer os seus contornos com proclamava a superioridade da arte grega e principalmente da sua escultura, paradigma da
exatidão. «nobre simplicidade e serena grandeza» a que deviam aspirar idealmente as artes. A partir de
Um dos grandes mestres da veduta foi
Guardi que, nas suas visões fantásticas
meados do século XIX, o termo «neoclássico» adquiriu um sentido pejorativo, identificando-se
dos lugares – o capriccio –, acrescentou com o academismo e com a arte oficial, normativa, conservadora e pouco imaginativa.
uma enorme espontaneidade à
pincelada, criando uma atmosfera
idílica e romântica.
Obras como esta revelam-nos
quanto o Neoclassicismo
e o Romantismo se inspiraram
em referências semelhantes.
«Capriccio» arquitetónico,
Canaletto, 1765.
Na sequência da revalorização do Classicismo, as
Capriccio Romano, Giovanni Paolo Pannini, 1734. ruínas antigas constituem uma fonte de inspiração
Nascido no impulso arqueológico de meados do século XVIII, o capriccio é um privilegiada pelos pintores setecentistas.
tratamento pictórico, fantasioso e lírico das ruínas antigas da cidade de Roma. Para além do seu aspeto pitoresco, essas
Monumentos, estátuas e demais elementos escultóricos e arquitetónicos são construções são testemunho de uma civilização
tratados com um interesse quase patológico e numa conceção quase «romântica». distante, mas uma referência a imitar.
Nesta composição, Pannini integra o Coliseu, a Coluna de Trajano e o Arco de Por outro lado, o seu estado fragmentário
Constantino, dominada por um corpo de três colunas coríntias no primeiro plano. convidava a reconstruir no imaginário o que o
tempo destruíra.

A Última Cena do Percurso do Libertino, William Hogarth, 1735.


Embora o centro da renovação moral da arte estivesse em Paris, a «cidade
das Luzes», este mesmo objetivo manifestou-se em Inglaterra através da obra
de Hogarth, numa autêntica cruzada contra a aristocracia e a tirania absolutista.
Numa perspetiva puritana, as suas pinturas criticam os costumes importados
do continente, mostrando os caminhos da virtude e as consequências do mal.
Nesta obra, o «libertino» surge num manicómio rodeado por loucos disfarçados
de reis e papas, colocando num mesmo nível libertinos e absolutistas, ou seja, tudo
o que repugnava a sua mentalidade puritana e liberal.
MÓ DULO 7 A arte dos «salões»
A CULTURA DO SALÃ O
Criados em 1667, os salons eram as exposiçõ es oficiais de arte patrocinadas pela
monarquia francesa, resultando o nome do facto destas exposiçõ es terem lugar no
Salon d’Apollon no Louvre. Limitadas inicialmente aos membros da Academia Real de
Escultura e Pintura, as mostras tiveram uma periodicidade irregular até 1737,
passando a bienais e a serem promovidas pela Academia de Belas-Artes.
A partir de 1789, ano da Revolução Francesa, os salons passaram a exposiçõ es anuais
e constituíam momentos importantes para a divulgação de artistas que aqui eram
legitimados e considerados publicamente. A seleção dos trabalhos era efetuada por
um jú ri cujos critérios de avaliação das obras eram, naturalmente, os padrõ es da arte
académica oficial pelo que afastava os artistas que não se submetessem a essas
normas. Os prestigiantes Salõ es da Academia de Paris destinavam-se a exibir os
trabalhos finais dos alunos da Academia, constituindo um importante momento no
contexto cultural e artístico da «cidade das Luzes», pois reunia artistas,
colecionadores, críticos de arte e toda a elite cultural da época que perfilhava os
mesmos valores e conceitos estéticos, segundo os valores do Classicismo.
A partir de 1889, os salons passaram a ser organizados pela Société des Artistes
Français, que nomeava um jú ri eleito entre os artistas que tinham exposto nos anos
anteriores. Todavia, o gosto clássico e académico continuou a imperar sobre outras
tendências mais inovadoras, pelo que estas exposiçõ es perderam gradualmente o
prestígio e o interesse diante das elites artísticas e culturais. De facto, a rejeição
liminar dos trabalhos que se afastavam destes critérios «classicistas» fez com que os
artistas progressistas organizassem paralelamente os designados «salõ es
independentes» para expor os seus trabalhos, disputando a notoriedade às
exposiçõ es oficiais. De tal modo que os muitos quadros que foram recusados no
Salão de 1863 fizeram com que o imperador Napoleão III admitisse a realização de
um «Salão dos Recusados» que pode ser considerado o início da pintura moderna.
Foi precisamente neste ano, no «1.º Salão dos Recusados», que, debaixo de grande
polémica, foi exposto o célebre O Almoço na Relva, de Manet, que haveria de servir de
Salão da Academia de Paris em 1787, referência e inspiração aos pintores impressionistas.
gravura, Piero Antonio Martini, 1787.
Os Salões da Academia eram
exposições organizadas
Em 1884 formou-se a Société des Artistes Indépendants que passou a organizar o
periodicamente pela Academia de «Salão dos Independentes», realizado anualmente e que se converteu no maior
Belas-Artes de Paris, aos quais apenas
tinham acesso os alunos
acontecimento artístico em Paris até à eclosão da I Guerra Mundial. Mais tarde, e
e membros da Academia após se como alternativa aos salons oficiais e aos salõ es independentes, artistas como
submeterem à avaliação de um jú ri. Matisse, Bonnard e Rouault fundaram o «Salão de Outono» em 1903, evento que
Os prémios concedidos, para além
do reconhecimento pú blico, eram deveria decorrer habitualmente nesta época do ano. Os salõ es de outono tornaram-
habitualmente pensões de estudo se famosos, por exemplo, por apresentar as exposiçõ es de homenagem a Gauguin
em Roma.
(em 1903) e a Cézanne (em 1907). Para além disso, foi precisamente no Salão de
Outono de 1905 que Matisse e os seus companheiros expuseram as obras que viriam
a ser identificadas como Fauves.
Galeria de Vistas de Roma Antiga,
Giovanni Pannini, 1758.
Pannini foi um pintor que trabalhou e
Roma distinguindo-se pelas veduta,
pinturas de «galerias de arte» com vistas
de Roma Antiga.
O género da veduta foi muito apreciado
nos círculos artísticos e culturais da
Academia de Paris, onde Pannini chegaria
a ensinar e a influenciar diversos pintores
da época.

Interior do Panteão de Roma,


Giovanni Pannini, 1757.
A reprodução dos principais monumentos
de Roma não só enalteceram a imponência
da arquitetura romana, como constituíam
testemunhos de uma civilização passada
que servia de modelo para o presente.
Neste sentido, as obras de Giovanni Pannini
foram igualmente importantes fontes de
informação e elementos de estudo para o
ensino nas Academias.
MÓ DULO 7 O «jardim inglês» e o retorno às «origens»
A CULTURA DO SALÃ O
O puritanismo inglês, tal como o de outros países protestantes, foi um fator que
contribuiu para a rejeição da extravagância do Barroco em Inglaterra, privilegiando
valores formais mais puros e elementares. Também a criação em Londres da
sociedade dos Diletantti (em 1732) contribuiu para a divulgação da arte clássica e
para a aplicação dos seus modelos à arquitetura inglesa. As várias expediçõ es que
esta sociedade de «diletantes» empreendeu à Grécia e ao Pró ximo Oriente
permitiram um contacto direto com a arte clássica e com peças escultó ricas, muitas
das quais «importadas» para Londres.
Tal como na arquitetura, também o tratamento da paisagem circundante dos
edifícios mereceu da parte da alta burguesia inglesa uma atitude distinta do Barroco
continental. Ao contrário da formalidade geométrica e do artificialismo dos traçados
reguladores impostos aos espaços envolventes, como nos Jardins de Versalhes de Le
Nô tre, os arquitetos ingleses adotaram uma atitude mais livre, tentando recriar as
paisagens clássicas descritas por Virgílio na Eneida. Deste modo, os «jardins
ingleses» refletiram a nova sensibilidade sobre a natureza que caracterizou o Século
das Luzes.
Um dos melhores exemplos do tipo de paisagismo pitoresco, aplicando a fó rmula do
«jardim inglês», foi construído por Sir Henry Hoare na sua propriedade em Wiltshire,
os Jardins de Stourhead, c. 1720. Estas paisagens presumidamente «naturais», mas
conseguidas artificialmente, dispunham pontes, lagos, árvores, edifícios histó ricos e
exó ticos, cuidadosamente organizados, de modo a criar irregularidades no terreno,
assimetrias e vistas inesperadas. Este movimento de retorno à simplicidade perdida,
em que se traduziu uma nova sensibilidade face à natureza, não foi estranho à teoria
do «bom selvagem» apresentada nos Discursos de Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778). Segundo o filó sofo francês, o homem no seu estado primitivo era livre, bom e
feliz, até ter sido corrompido pela sociedade e pela civilização.
No seu esforço para elaborar um fundamento para o Neoclassicismo, outros teó ricos
advogaram também o regresso da arquitetura à sua essência. Foram os casos de
Cordemoy (1631-1713) e do seu continuador Laugier (1713-1769), sugerindo que a
origem da arquitetura estava na cabana primitiva. Aliás, no frontispício da sua obra
fundamental o Essai sur l’Architecture (Paris, 1753), Laugier representava uma
construção de troncos de árvores, formando a coluna, o entablamento e o frontão,
isto é, a estrutura do templo clássico recentemente descoberto pelos arqueó logos de
Frontispício de Essai sur l’Architecture, de arte grega. Tratava-se de uma estrutura clara (sem ornamentos nem elementos
Marc-Antoine Laugier, publicado em 1753.
Representando a proposta de Laugier,
supérfluos), racional (de formas geométricas simples) e funcional (era eficaz em
a musa da arquitetura assinala a uma relação à função a que se destinava). A estas características, Carlo Lodoli (1690-
criança (metáfora do futuro) a origem 1716), um teó rico italiano, acrescentou a da representação: para além de racional e
da arquitetura: a mítica cabana rú stica, «o
modelo em que se inspirou todo o funcional, a arquitetura devia ser significante, isto é, exprimir a função a que se
esplendor da arquitetura». destinava. Ou não fosse este o espírito do Iluminismo, segundo Diderot: para além de
ú til e bela, a arte devia ser instrutiva.
Jardins de Stourhead – Ponte e Panteão,
Henry Hoare, Wiltshire, Inglaterra,
c. 1720.
O «jardim inglês», privilegiando o pitoresco e
o belo natural, construiu uma natureza
utópica, exagerando o acidental, a
imperfeição e a irregularidade, conceitos que
se opunham à racionalidade do Iluminismo.
Esta foi uma das primeiras expressões de
uma nova visão do mundo mais imaginativa
e emotiva que, com o tempo, se concretizaria
no Romantismo, uma reação aos modelos
matemáticos
do racionalismo neoclássico.

Jardins de Stourhead – Templo de Apolo,


Henry Hoare, Wiltshire, Inglaterra,
c. 1720.
Os jardins foram comprados por Henry
Hoare, filho de um rico banqueiro, a uma
família aristocrática.
Ao longo do século XVIII, e pela mão de
vários arquitetos, Hoare modelou o terreno,
desenhou bosques, fez nascer um lago
artificial e vários templos ao gosto da
Antiguidade Clássica.

Jardins de Prior Park – Ponte Palladiana,


Bath, Inglaterra, século XVIII.
Os Jardins de Prior Park foram adquiridos
pelo empresário e filantropo Ralph Allen em
1734.
A partir de então, encomendou ao poeta
Alexander Pope e ao paisagista Capability
Brown o arranjo
dos terrenos e a construção de pontes,
templos e de uma mansão «palladiana», esta
ú ltima projetada pelo arquiteto John Wood
em 1742.
O «jardim inglês» emergiu em Inglaterra no
princípio do século XVIII, numa reação ao
rigor geométrico do «jardim francês» do
século XVII.
Para além de materializar uma visão
idealizada da Natureza, o seu desenho
inspirou-se também nas paisagens
idílicas de Lorraine e Poussin.

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