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O Assassino de Andorinhas

Já faz muito tempo que no pacato local em que nasci vejo que a conta de andorinhas que
abrem voo não bate com a quantidade de andorinhas que pousam ao monte, “isso não
faz sentido!”, lembro-me da fascinação com um livro didático que li sobre animais de
pequeno porte quando o ler se tornou opção para quebrar a monotonia da parede de meu
quarto a luz do meu velho lampião, “Veja veja, aqui no livro diz que andorinhas são
animais migratórios, por que elas ficam parando aqui e não vão embora?”, meus avos
sempre me contavam que a montanha era gentil e justa, que oferecia para as pequenas
andorinhas “o conforto e o fim da vida”, por muito demorei a entender as palavras de
minha falecida e amada avó. Quando fui me tornando mais velho percebi que as
informações deixadas pelos graciosos pássaros eram mais que apenas contas de entrada
e saída, notei que o belo canto das andorinhas me trazia conforto quando trabalhava e
descansava, mas me abandonava sempre que a fome tomava meus desejos; ainda me
lembro de: limpar meu corpo ao descer do, descer com ele e comprar carne de carneiro
na alegre feira do vilarejo, preparar com meu arroz e a carne o sustento daquele dia, e
apenas após o sol passar a montanha e meu alimento acabar, sentir fome com o tardio o
fim do canto das andorinhas. Por muito tempo em minha vida questionei a anormal
estadia das andorinhas, acreditava muito nos livros, afinal eles que me permitiam sair da
colina e visitar o mar, e eles que me davam alguma explicação do porque a chuva
chovia. Não poderia ser mais tarde que iria descobrir por mim mesmo o que tanto
acalmava as andorinhas, “Não faz sentido! Como pode andorinhas pousar tanto e
sumirem? Mal vejo andorinhas ao redor de minha casa, o maior sinal é as penas que
descem pelo rio, e quando vejo andorinhas estão tão calmas! Que animal que abre mão
do voo para cantar e morrer em seguida?”, subi o morro, e cada vez mais adentrava a
calma floresta que decorava o topo da montanha, e quanto mais fundo ia, mais
andorinhas tranquilas pediam minha atenção, “Ué, andorinhas não se estabelecendo em
florestas, e mais, por que não se assustam comigo?”, ao contrario do que andorinhas
fazem, elas me chamaram para dentro para eu poder ver mais andorinhas que cada vez
mais pareciam pedir que eu entrasse em seu lar, até que cheguei ao centro da floresta, e
o que vi era mais anormal que as andorinhas ao monte. Estava cada vez mais confuso, e
toda vez que a duvida tomava minha cabeça a curiosidade reivindicava mais espaço, o
que vi no centro da floresta não era nenhum animal peculiar que questionaria minha
enxada, não era um canto misterioso de terapia mística, era um homem, mais que um
homem, um homem com uma muda de roupas, uma espada e sua paciência ao meditar.

Quando olhei aquilo fiquei pasmo; esfreguei meus olhos, sem sucesso, molhei-os com
um pouco da agua do rio, sem sucesso; por pouco me surpreendi ao perceber a fonte do
rio que me abastecia, não podia, aquele homem não me permitia, sentia claramente que
não era a espada dele que exigia minha atenção, mas por algum motivo, era o próprio
homem que me ordenava a observar, mas como isso? Ele não se dava ao esforço de
soltar uma única palavra, não me recompensava nem mesmo com um simples olhar; ele
era mais que do que eu era, essa era a única certeza que tinha e isso me irritava
profundamente, o segredo de todas as minhas duvidas era ele, e mesmo após eu
descobrir sabia que nunca o iria desvendar, o homem me provocava mais que minha
calma poderia suportar. Era estranho, vi o homem que harmonizava todas as andorinhas,
porem aquilo me trouxe ódio, e por algum motivo este ódio não me permitia se
desprender do egocêntrico ser; decidi então vigiá-lo, então comecei a acompanhar a
rotina daquele de quem eu não podia deixar para trás, ele ficava ao chão meditando por
aproximadamente 3 quartos do tempo, no que sobrava ele sacava sua espada, e
começava a golpear as arvores, o ar e as rochas, era de uma precisão merecedora dos
meus livros de fantasia, sentia que ele era capaz de partir ao meio uma flecha que
perfura o ar e vem em sua direção, mas quando estava considerando descer a floresta
atrás de meu arroz para trazer ao homem, ouvi o canto das andorinhas cessar, e então
todas focavam mais que nunca o enigmático ser. Era como se tudo mudasse, o sereno
clima que o homem trazia mudou, e me senti ameaçado pela sua presença, senti o
mesmo que sentia quando meu pai vinha para aplicar o mais severo dos castigos, e mais
uma vez curioso olhei ao meu redor. Todas as andorinhas já paravam de cantar,
paravam de caçar larvas e outros insetos e paravam de reparar seus ninhos, invés disso,
todas voltaram sua atenção ao homem, como um réu presta atenção ao juiz que declara
como aberto o julgamento, porem, o que mais me intrigava não era a repentina mudança
de comportamento das andorinhas, ou o fato de que pela primeira vez o homem olhou
para mim, mas sim o fato de que não sabia que de uma hora pra outra atribui respeito ao
senhor da exata mesma forma que as andorinhas faziam, cada vez mais eu entendia tudo
aquilo, mas quanto mais eu entendia, mais as palavras para explicar aquele estranho
fenômeno me fugiam. Naquele momento o homem levantou-se, escolheu uma das
andorinhas, se pôs em guarda com sua espada, e cortou a andorinha em quatro pedaços,
vi a andorinha esperar o homem agir, e ao mesmo tempo em que ele foi corta-la, ela
tentou fugir, mas por algum motivo o fato de um ser humano ultrapassar o veloz voo de
uma andorinha não me chocou, nem mesmo o fato de sua velocidade com a espada
enganar meus olhos fazendo-me crer que ele realizou três cortes no espaço ao mesmo
tempo, por algum motivo aquilo era levemente justificável e não me fazia grandes
duvidas. Aos poucos fui entendendo cada vez mais a maior duvida da minha vida, para
mim as andorinhas que eram escolhidas não mais eram aleatórias, fui entendendo que
aquelas andorinhas eram mais sabias que muita gente, elas não se deixavam morrer, mas
sabiam que seu proposito tinha acabado e apenas aceitavam o fim inevitável da vida,
demorei a finalmente desvendar o mistério do ser que tanto me intrigava e agora as
palavras de minha avó faziam sentido, entendi que ele era mais que um homem com
uma única muda de roupas, mais que um exímio espadachim, mais que a montanha,
mais que um assassino de andorinhas, ele era uma própria mensagem da natureza, era
filho de Alihana, e então, vi com meus próprios olhos o homem da minha vida morrer.

Ele já tinha atingido seu objetivo e aceitou com sabedoria seu fim, ele era quem tinha
que me ensinar essa grande lição e partir, ele que me ajudou a finalmente entender meu
proposito e realiza-lo, e finalmente cumpri meu objetivo, propagar a sabedoria desse
homem para aquele que leu até aqui, e para você digo adeus, agora que terminei meu
proposito posso finalmente descansar.

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