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EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: SEUS PRIVILÉGIOS E

REFLEXOS NA GARANTIA DA LIVRE CONCORRÊNCI

Eduardo Cristiano de Souza1

Resum
O presente trabalho tem o escopo de analisar os principais privilégios atualmente conferidos à Empre-
sa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), em especial os de índole tributária, e contrastá-los com a
garantia constitucional da livre concorrência. Sabendo-se que, mais e mais, vem a ECT ampliando seu
leque de prestação de serviços, o presente estudo evidenciou os efeitos malé cos disso na garantia da
livre concorrência, eis que, mesmo naqueles serviços desenvolvidos em regime de concorrência com a
iniciativa privada, esta empresa pública federal encontra-se açambarcada por benesses tributárias. O
trabalho foi desenvolvido utilizando-se o método dedutivo de pesquisa com amparo na legislação
brasileira codi cada e extravagante e, bem assim, na jurisprudência da Suprema Corte

Palavras-chave: Privilégios scais; Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; Livre concorrência

Abstrac
The present work has the scope to analyze the main privileges currently granted to the Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), especially those of a tax nature, and to contrast them with
the constitutional guarantee of free competition. Given that ECT has expanded its range of services,
this study has demonstrated the harmful effects of this in the guarantee of free competition, since even
in those services developed under a system of competition with the private sector, This federal public
company is being hoarded by tributary bene ts. The work was developed using the deductive method
of research with amparo in the Brazilian legislation codi ed and extravagant and, well, in the jurispru-
dence of the Supreme Court

Keywords: Tax privileges; Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; Free competition

INTRODUÇÃ

A proposta do presente trabalho é demonstrar que algumas benesses, em especial as


de cunho tributário, conferidas à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), quando
atua em atividades de caráter privado, vêm vilipendiando a garantia de livre iniciativa, máxi-
ma esta norteadora da ordem econômica
Para tanto, apresenta-se, no capítulo primeiro, a natureza jurídica da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos, traçando, nisso, breve relato histórico de seu surgimento,

1 Mestrando do programa de mestrado da Universidade de Marília - UNIMAR. Professor da Rede Gonzaga de


Ensino - REGES, unidade de Dracena/SP. Consultor jurídico em Administração Pública Municipal. Correio
eletrônico: dusouzafgc@gmail.com.

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bem como aspectos relacionados aos institutos organizacionais de desconcentração e descen-


tralização da Administração Pública. No mesmo quadrante, aborda-se as transmudações veri-
cadas no campo de atuação da ECT em cotejo com sua nalidade institucional consistente
no monopólio do serviço postal
Depois disso, no segundo capítulo, analisa-se alguns privilégios que vêm sendo con-
feridos pela Suprema Corte à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e os re exos deles
advindos no campo da livre concorrência, oportunidade em que se realiza levantamentos de
dados econômico-contábeis
Objetiva-se, com o presente estudo, demonstrar que alguns benefícios con ados, no
atual cenário econômico nacional, à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos vêm abalan-
do signi cativamente a garantia da livre iniciativa. Mais e mais esta empresa pública federal
vem ampliando seu leque de atuação e encampando atividades de nítida índole privada e,
mesmo assim, o regime jurídico a si aplicado abarca a benesse da imunidade tributária recí-
proca o que, à evidência, ofende a isonomia no campo concorrencial
O estudo justi ca-se na medida em que, após amadurecidas re exões sobre o tema
apresentado, o atual cenário jurídico pode vir a ser mudado e, com isso, fazer-se prevalecer a
garantia da livre concorrência, como assim o quer o Constituinte desde 1988
Por derradeiro, para concretização da pesquisa em foco, utilizar-se-á o método dedu-
tivo, associado aos instrumentos de pesquisa bibliográ ca, partindo-se da análise das normas
constitucionais, passando-se pelo Decreto-lei n.º 509, de 1969 e pela Lei n.º 12.490, de 2011,
e jurisprudencial, visando evidenciar a necessária mudança de entendimento quanto ao atual
regime jurídico aplicado à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em prol da garantia da
livre iniciativa

1 A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT) E SU


NATUREZA JURÍDIC

Como o âmago do presente estudo assenta-se na atual atuação econômica da Empre-


sa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em cotejo à garantia de livre concorrência,
mostra-se, como melhor início a estas linhas, apresentá-la e esmiuçar o regime jurídico a ela
aplicado
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública pertencente à
União, originou-se pelo quê os administrativistas chamam de descentralização. Criada pelo

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Decreto-lei n.º 509, de 20 de março de 1969, da lavra do então Presidente Costa e Silva, a
ECT é fruto da transformação do antigo Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), órgão
público federal, em empresa pública
Note-se, pois, a redação do art. 1º, do referenciado diploma legal, ao dispor que o
“Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) ca transformado em empresa pública, vin-
culada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Brasileira de Cor-
reios e Telégrafos (ECT)”.2
Aos entes políticos conferiu-se uma vasta gama de atribuições e, com ela, também o
poder de se auto-organizarem. O traço a auto-organização constitui, inclusive, uma das facetas
da autonomia administrativa assegurada aos entes federados pelo art. 18, da Carta Republi-
cana de 1988
Na tarefa de melhor dispor e organizar o serviço público, os entes políticos têm ao
seu alcance dois, ao menos, valiosos instrumentos jurídico-administrativos, quais: a descon-
centração e a descentralização
Tecendo considerações rápidas e gerais, Odete Medauar esclarece que referidos insti-
tutos “representam […] fórmulas organizacionais; indicam o modo pelo qual são divididas as
tarefas da Administração e o tipo de vínculo existente entre os diversos setores que realizam
essas tarefas”.3
Esclareça-se, de início, a desconcentração. Utilizando-se deste instituto, assevera Lú-
cia Valle Figueiredo, os entes políticos não estão a criar outras pessoas, mas, sim, atribuindo
determinadas competências a serem exercidas no âmbito da mesma pessoa. Em verdade,
acrescenta, traspassam-se atribuições, competências, a outros órgãos dentro do mesmo
centro.4
Preocupando-se em esclarecer a razão e o sentido da desconcentração, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro obtempera que

a Administração Pública é organizada hierarquicamente, como se fosse uma


pirâmide em cujo ápice se situa o Chefe do Poder Executivo. As atribuições
administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia,
criando-se uma relação de coordenação e subordinação ente uns e outros.
Isso é feito para descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume

2BRASIL. Decreto-lei n.º 509, de 20 mar. 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e
Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em 23 mai. 2017.
3 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56.
4 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 85.

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grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desem-
penho. A desconcentração liga-se à hierarquia.5 (grifo do autor

Mostra-se inconcebível, pois, sejam os serviços públicos prestados de forma concen-


trada em um ou pouquíssimos órgãos públicos. A razão de ser da desconcentração é justa-
mente melhor organizar a prestação dos serviços estatais e possibilitar maior e ciência no
atendimento aos administrados
A organização dos serviços públicos seguindo-se a técnica da desconcentração, como
muito bem esclarece Lúcia Valle Figueiredo, dá lugar a uma variedade de espécies de descon-
gestionamento da prestação de utilidades públicas. Diz-se, assim, que há desconcentração ter-
ritorial ou geográ ca quando os serviços são organizados em órgãos espalhados no espaço
territorial da pessoa política; desconcentração por matéria, quando os serviços são organiza-
dos segundo o assunto; e, por m, desconcentração hierárquica, quando há órgãos superiores
e órgãos subalternos no tocante às decisões proferidas no âmbito interno da pessoa política.6
No entanto, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), conforme se
adiantou em linhas acima, não se originou por força desse fenômeno administrativo. Ao con-
trário, veio à tona em razão de descentralização
Passa-se, portanto, ao estudo deste fenômeno organizativo
Analisando-o em cotejo com a desconcentração, Marçal Justen Filho a rma que a
diferença entre esses fenômenos “reside em que o mecanismo da descentralização produz a
transferência de poderes e atribuições para um sujeito de direito distinto e autônomo”.7
Celso Antônio Bandeira de Mello, dedicando-se ao assunto, enfatiza que a descen-
tralização “pressupõe pessoas jurídicas diversas: aquela que originariamente tem ou teria titu-
lação sobre certa atividade e aqueloutra ou aqueloutras às quais foi atribuído o desempenho
das atividades em causa”.8
Com efeito, enquanto na desconcentração ocorre organização interna dos serviços,
distribuindo-os e cazmente a vários órgãos públicos, vinculados, todos eles, à mesma pessoa
jurídica, na descentralização os serviços são transpostos a outra ou outras pessoas jurídicas
criadas pelo ente federado

5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 470.
6 Op. cit., p. 86.
7JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
272.
8MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.
151.

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O fenômeno da descentralização administrativa dá lugar ao surgimento da denomi-
nada Administração Indireta
Esclarecendo essa sistemática organizativa, Marçal Justen Filho preleciona que

todas as funções públicas são atribuídas constitucionalmente a esses entes


políticos [União, Estados, Distrito Federal e Municípios]. Mas o direito per-
mite que o ente político atribua uma parcela de suas competências adminis-
trativas a outros sujeitos de direito, criados diretamente por lei ou mediante
autorização legal. Essas outras pessoas jurídicas não são entes políticos, nem
titulares de poderes atribuídos diretamente pela Constituição. Utiliza-se a
expressão “Administração indireta” para referir-se a essas pessoas mera-
mente administrativas.9

Nos termos do art. 4º, inc. II, do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, que
dispõe sobre a organização administrativa federal, a Administração Indireta compreende as
seguintes categorias de entidades, todas dotadas de personalidade jurídica própria: (a) autar-
quias, (b) empresas públicas, (c) sociedades de economia mista e (d) fundações públicas.10
Em sede constitucional, prevê-se essas entidades no art. 37, inc. XIX, que assim dis-
põe: “somente por lei especí ca poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de em-
presa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar,
neste último caso, de nir as áreas de sua atuação”.11
Com essas considerações introdutórias em mente, passa-se ao estudo detido da em-
presa pública, eis que outra não é, pois, a personalidade jurídica assumida pela Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)

1.1 A EMPRESA PÚBLICA COMO UMA DAS ENTIDADES COMPONENTES DA AD


MINISTRAÇÃO INDIRET

Uma vez compreendidas as técnicas de organização dos serviços públicos e, bem as-
sim, sabendo-se que a ECT é fruto de descentralização administrativa, eis que, vale repetir, o
antigo Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), que até então ostentava posição de

9JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
274.
10 BRASIL. Decreto-lei n.º 200, de 25 fev. 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, esta-
belece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200compilado.htm>. Acesso em 23 mai. 2017.
11BRASIL. Constituição Federal, de 05 out. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 23 mai. 2017.

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mero órgão interno do Ministério de Comunicações, transforma-se, por força do Decreto-lei


n.º 509, de 1969, em empresa pública federal, é o momento de se conceber o conceito e prin-
cipais traços desta entidade da Administração Indireta
Utilizando-se da expressão empresas estatais – gênero do qual são espécies a empre-
sa pública e a sociedade de economia mista –, Hely Lopes Meirelles assim conceitua

empresas públicas são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo


Poder Público mediante autorização de lei especí ca, com capital exclusi-
vamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de
atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa
particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial.12
(grifos do autor)

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, após traçar rápido conceito de empresa pública,
designando-a de entidade paraestatal, adverte que ela não deve ser confundida com as empre-
sas incorporadas ao patrimônio público, pois, “embora tenham ambas em comum o fato de
seu capital ser público, a entidade paraestatal [empresa pública] se distingue pela peculiari-
dade da delegação legal de uma atividade econômica de interesse público”.13 (grifos do autor
Em sede legal, encontra-se a de nição de empresa pública no art. 5º, inc. II, do De-
creto-lei n.º 200, de 1967, com redação dada pelo Decreto-lei n.º 900, de 1969, que assim dis-
põe

Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito pri-


vado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei
para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a ex-
ercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo
revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.14

Curiosa observação, quanto à de nição legal supratranscrita, é realizada por Celso


Antônio Bandeira de Mello, o qual vê, neste dispositivo, assaz impropriedade. São essas as
suas colocações

não se pode admitir que tal designativo empresa pública que reservado –
como resultaria do art. 5º do Decreto-lei 200, conjugado com o art. 5º do

12 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 415.
13MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. p. 292-293.
14 BRASIL. Decreto-lei n.º 200, de 25 fev. 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, esta-
belece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200compilado.htm>. Acesso em 24 mai. 2017.

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Decreto-lei 900 – unicamente às empresas formadas por capitais de origem


governamental nas quais a integralidade ou a maioria acionária votante
pertença à União. Com efeito, não são de descartar hipóteses em que dita
maioria não seja da União, mas sim de uma autarquia sua ou de uma outra
empresa pública ou sociedade de economia mista, sobre remanescente de
capital da própria União, ou de algum Estado federado, de algum Município
ou de entidade da Administração indireta destes.15 (grifos do autor

Muito apropriadas e pertinentes as observações acima. Debruçando-se nas dis-


posições contidas no art. 5º, do Decreto-lei n.º 900, de 1969, veri ca-se que, ao contrário do
que indica a leva de administrativistas nacionais, não são apenas as empresas constituídas
com capital exclusivamente da União que ostentam o designativo empresa pública; outras
também o são. De certo, permite-se concorram, na formação do capital dessa entidade, recur-
sos de outras pessoas jurídicas de direito público, ou mesmo de pessoas jurídicas pertencentes
à Administração Indireta destas, bastando, entretanto, que a maioria do capital social votante
pertença à União
Diz-se que a empresa pública tem sua criação autorizada por lei, entretanto, seu
nascimento enquanto pessoa jurídica de direito privado ocorre tão só quando seus atos consti-
tutivos forem levados a registro. Diverso, porém, é o caso das autarquias, que, imbuídas de
regime jurídico de direito público, ganham existência desde o momento da entrada em vigor
da lei que as criou
Hely Lopes Meirelles ressalta que as empresas públicas, uma das espécies do gênero
a que denomina empresas estatais, destinam-se tanto à prestação de serviços públicos como a
atividades econômicas de relevante interesse nacional.16
Dois, ao menos, são os traços distintivos entre empresa pública e sociedade de
economia mista. Dedicando-se a eles, Raquel Melo Urbano de Carvalho obtempera que, quan-
to à forma jurídica, à empresa pública confere-se qualquer das em direito admitidas (quotas de
responsabilidade limitada, sociedade anônima, etc.); já à sociedade de economia mista, apenas
se admite sua constituição como sociedade anônima. Quanto à composição do capital,
prossegue, a empresa pública é formada única e exclusivamente por recursos públicos, ao pas-
so que a sociedade de economia mista constitui-se tanto de recursos públicos como de priva-

15MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.
187-188.
16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 415.

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dos, entretanto, necessariamente a maioria do capital social votante (ações ordinárias) deve
pertencer ao Poder Público que a constituiu.17
Gizados nesses termos os aspectos conceituais da empresa pública, enquanto pessoa
jurídica integrada à Administração Indireta, passe-se, doravante, à análise detida da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)

1.2 CONHECENDO A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFO

Consoante já dito, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) teve sua cri-
ação autorizada por meio do Decreto-lei n.º 509, de 1969, que, em seu art. 2º, de ne as
atribuições e nalidades a ela conferidas
Analisando-se referido dispositivo, facilmente se conclui que a atividade precípua e
que motivou a criação dessa empresa pública federal fora, incontestavelmente, a execução e o
controle, em regime de monopólio, dos serviços postais em todo o território nacional.18
A Magna Carta, então vigente à época da criação da ECT – Constituição Federal de
1967 –, de nia, em seu art. 8º, inc. XI, que a manutenção do serviço postal e do correio aéreo
nacional era de competência da União.19
Essa incumbência não se transmudou com a promulgação da atual Carta Republi-
cana, tendo-a, pois, mantido como competência exclusiva da União, conforme art. 21, inc. X
Eis aí, pois, a atividade e a nalidade precípuas que legitimaram a instituição da
ECT

Tratando do assunto com agudeza, Emerson Gabardo ponti ca que “a nalidade que
impulsionou a sua criação [da ECT] consistia primordialmente na execução e controle, em
regime de monopólio, dos serviços postais em todo o território nacional”.20

17CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Salvador: Jus Podivm, 2008. p.
734-736.
18BRASIL. Decreto-lei n.º 509, de 20 mar. 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios
e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em 25 mai. 2017.
19BRASIL. Constituição Federal, de 24 jan. 1967. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso em 25 mai. 2017.
20 GABARDO, Emerson. O regime jurídico da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos: entre serviço públi-
co e atividade econômica em sentido estrito. In: GONÇALVES, Guilherme de Salles; GABARDO, Emerson
(coords.). Direito da infraestrutura: temas de organização do Estado, serviços públicos e intervenção administra-
tiva. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 16.

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Em que pesem sobreditas molas que impulsionaram a instituição da ECT, nota-se,


pois, um desvirtuamento em seu objeto social, eis que, há pouco tempo, assomaram-se-lhe
outras incumbência que, nem de longe, assemelham-se a serviço postal
Efetivamente, a Lei n.º 12.490, de 16 de setembro de 2011, fruto da conversão da
Medida Provisória n.º 532, também de 2011, acrescentou ao art. 2º, do Decreto-lei n.º 509, de
1969, o inc. III, culminando por ampliar o rol de competências da ECT, de modo a legitimar-
lhe a explorar pseudos “serviços postais” consubstanciados em: logística integrada, nan-
ceiros e eletrônicos.21
Após explicitar que as novas prestações de serviços insertas ao campo de atuação da
ECT pelo novel inciso III não possuem conotação de serviço postal, Emerson Gabardo ad-
verte que se classi cam “como espécie de atividade econômica em sentido estrito, fato que
implica a atração de um conjunto normativo diferenciado, disciplinado por princípios e regras
especí cos e distintos do regime jurídico próprio dos serviços públicos”.22
De certo, o controle e a execução do serviço postal mostram-se, inquestionavel-
mente, espécie de serviço público e, diga-se de passagem, de relevante interesse coletivo. No
entanto, afasta-se, e muito, dessa órbita os serviços de logística integrada, serviços nan-
ceiros e eletrônicos (art. 2º, III, do Decreto-lei n.º 509, de 1969)
Essas atividades alinham-se, em verdade, à exploração direta de atividade econômi-
ca, em sentido estrito, pelo Estado, que, nesta excepcional e particular atuação, submete-se às
restrições contidas no art. 173, da Constituição Federal
Depois de asseverar que é justamente por meio da instituição de empresas públicas e
sociedades de economia mista que o Estado vem a desenvolver referenciadas atividades, ad-
verte Eros Roberto Grau que “apenas em duas hipóteses a exploração direta de atividade
econômica em sentido estrito é admitida […]: quando essa exploração for necessária (a) aos
imperativos da segurança nacional ou (b) a relevante interesse coletivo, conforme de nidos
em lei”.23

21BRASIL. Decreto-lei n.º 509, de 20 mar. 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios
e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em 25 mai. 2017.
22 Op. cit., p. 27.
23GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
276.

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Sobre o assunto, arremata André Ramos Tavares que “o Estado não tem autorizada,
pela Constituição, uma atividade paralela à atividade econômica desempenhada pelos agentes
privados. Sua intervenção é possível, mas condicionada e delimitada constitucionalmente”.24
Admitindo-se, no entanto, como legítimo à Empresa Brasileira de Correios e Telé-
grafos (ECT) desenvolver sobreditas atividades de nítido viés econômico, a ela, neste particu-
lar agir, deve-se carrear um arcabouço de normas jurídicas que dista, e muito, daquele a que
se submetem as entidades estatais prestadoras exclusivamente de serviços públicos
Visualizando essa necessária segregação de regimes jurídicos, o próprio art. 173, da
Constituição Federal, em seu § 1º, inciso II c/c o § 2º, assim preconiza

§ 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade


de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica
de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços,
dispondo sobre: […
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
[…
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão
gozar de privilégios scais não extensivos às do setor privado.25

E a razão dessa distinção é fácil de ser compreendida. Seu propósito, como bem ex-
plicitam Luiz Alberto e Vidal Serrano, “é, por evidente, assegurar o regime de competição en-
tre empresas, públicas e privadas, que disputem o mesmo segmento de mercado”.26
Desse modo, imperioso se faz pôr em “xeque” o regime jurídico a que se vem atual-
mente sujeitando a ECT, em especial quanto às prestações de serviços de índole estritamente
econômica, como as atividades de banco postal. Como visto, estas prestações não devem, se-
gundo a ordem econômica constitucional, se sujeitar ao mesmo regime dos serviços postais;
estes, genuínos serviços públicos de relevante interesse nacional, prestados em regime de
monopólio pela União (art. 21, X, da CF)
Constitui justamente esse o assunto a ser desenvolvido no capítulo que segue

24 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 276.
25BRASIL. Constituição Federal, de 05 out. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 26 mai. 2017.
26ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 474.

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2 OS PRIVILÉGIOS CONFERIDOS À ECT E A GARANTIA CONSTITUCIONA


DA LIVRE CONCORRÊNCI

Nesse particular capítulo, enfrentar-se-á o tratamento diferenciado a que se vem con-


ferindo à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em contraste com a garantia
constitucional da livre concorrência. Salta aos olhos referido contraste quando em jogo está a
atuação da ECT em seguimentos alheios ao monopólio postal, como é justamente o caso dos
serviços de correspondente bancário por ela desenvolvidos (banco postal)
Inicie-se, pois, pelo benefício da imunidade tributária prevista no art. 150, inc. VI,
alínea “a”, da Carta Republicana de 1988

2.1 EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA À EC

Um dos privilégios carreados à ECT diz respeito à imunidade tributária recíproca


também a ela extensível, na visão do Pretório Excelso
Enfrente-se, pois, o tema
O Constituinte brasileiro, não só de agora, sempre se preocupou em pôr a salvo de
tributação caríssimos bens jurídicos, e assim o fez, pois, lançando mão do instituto jurídico-
tributário da imunidade
Conceituando imunidade tributária, Hugo de Brito Machado assegura que se trata de
verdadeiro “obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra de tributação.
Resulta da superioridade da Constituição na hierarquia do sistema jurídico”.27
Debruçando-se com agudeza no tema, Regina Helena Costa visualiza dúplice na-
tureza jurídica à imunidade: de um lado, entende tratar-se de norma constitucional destinada à
demarcação da competência tributária dos entes políticos e, de outro, constitui verdadeiro di-
reito público subjetivo das pessoas, direta ou indiretamente, por ela favorecidas.28
Por sua vez, Roque Antonio Carrazza, ao enfrentar o assunto, defende que

sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em última


análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem a-
cerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, de conseguinte, o dever de se

27MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito constitucional tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
269.
28COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016. p. 104.

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absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.29 (grifo


do autor

Pelos conceitos supracitados, tem-se que imunidade, na seara tributária, constitui


verdadeiro obstáculo, posto em sede constitucional, ao entes políticos no que toca ao exercício
pleno de suas competência tributárias. Em verdade, trata-se de incompetência tributária, de
modo tal que o Constituinte dela se vale para demarcar, mais claramente, o campo de com-
petência tributária con ada aos entes federados
Veja-se, pois, a redação do art. 150, inc. VI, alínea “a”, da Constituição Federal que
cuida justamente da denominada imunidade tributária recíproca

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […
VI - instituir impostos sobre
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros30

Esse dispositivo constitucional imunizante, primando por reforçar o pacto federativo,


proíbe aos entes políticos se tributar, reciprocamente, por meio de impostos
Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, essa imunidade, dita recíproca, decorre do
princípio federativo “porque, se uma pessoa política pudesse exigir impostos de outra, fatal-
mente acabaria por interferir em sua autonomia. […] cobrando-lhe impostos, poderia levá-la a
situação de grande di culdade nanceira”.31
O texto constitucional, contudo, não se preocupou apenas com a Administração Dire-
ta no tocante a essa salvaguarda. No § 2º, de seu art. 150, deixa claro que é extensível também
às autarquias e fundações públicas
Em que pese literalmente não indicadas na regra extensiva, como bem obtempera
Leandro Paulsen, “o STF tem estendido a imunidade a empresas públicas e a sociedades de
economia mista quando prestadoras de serviço público típico em regime de monopólio, sem
concorrência com o setor privado. São exemplos a ECT e a INFRAERO, a CODESP e o
GHC”.32 (grifos do autor

29 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
p. 638.
30BRASIL. Constituição Federal, de 05 out. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 29 mai. 2017.
31 Op. cit., p. 645.
32 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
p. 106.

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Com a acuidade que lhe caracteriza, Roque Antonio Carrazza defende que as empre-
sas públicas e as sociedades de economia mista, “quando delegatárias de serviços públicos ou
de atos de polícia, são tão imunes aos impostos quanto as próprias pessoas políticas, a elas se
aplicando, destarte, o princípio da imunidade recíproca”.33 (grifos do autor
No que toca à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – empresa pública
federal, conforme antes apresentado –, já se encontra cristalizado, na jurisprudência do
Pretório Excelso, o entendimento segundo o qual referida entidade encontra-se salvaguardada
de tributação por impostos, eis que prestadora de serviços públicos
Note-se a ementa que segue

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE


CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPRO-
CA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVI-
DADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE
SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras
de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público
de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está
abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. -
R.E. conhecido e provido.34 (grifos nossos

Até aqui, mostra-se irretocável a tese que se consolidou no âmbito do Supremo Tri-
bunal Federal, eis que, de fato, instituída para prestar serviços públicos de nítido viés exclu-
sivista e assaz interesse nacional, a ECT deve sim ser, neste atuar, imune a impostos, como se
autarquia fosse
O que incomoda, por assim dizer, é o alargamento dessa benesse por parte da Supre-
ma Corte, de modo a também açambarcar os serviços prestados em regime concorrencial com
a iniciativa privada
Veja-se, pois, a ementa a seguir

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DE-


CLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CIVIL ORI-
GINÁRIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE RECÍPROCA À
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. 1. Não há

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
p. 652.
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 354.897/RS - Rio Grande do Sul. Relator:
Ministro Carlos Velloso. Julgamento em 17 ago. 2004. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261333>. Acesso em 29 mai. 2017.

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contradição ou omissão no acórdão questionado, o que afasta os pressupos-


tos de embargabilidade explicitados no art. 1.022 do Código de Processo
Civil vigente. 2. A decisão embargada enfrentou expressamente a preliminar
suscitada pelo MPF, de incompetência da Corte para julgar, como con ito
federativo (art. 102, I, f, CF/88), lide envolvendo a possibilidade de o Distri-
to Federal cobrar da ECT tributo inserido na competência municipal. 3. No
mérito, a jurisprudência da Casa já assentou o entendimento de que a imu-
nidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a”, e §§ 2º e 3º, da Constituição
Federal é extensível à ECT, prestadora de serviços públicos essenciais, obri-
gatórios e exclusivos do Estado, quais sejam, o serviço postal e o correio
aéreo nacional (art. art. 21, X, da CF/88). Esta imunidade subsiste em re-
lação a todas as suas atividades, incluídos os serviços não exclusivos, dis-
pensados em regime concorrencial, os quais se prestam, via subsídio cruza-
do, ao nanciamento do serviço postal de citário. 4. Embargos de decla-
ração rejeitados.35 (grifos nossos

Mostra-se tormentoso esse posicionamento


Destarte, entender imunes a impostos também os serviços dispensados, pela ECT, em
regime de concorrência a gura-se, à toda evidência, vilipêndio à garantia da livre concorrên-
cia (art. 170, IV, da CF)
Enfrentando o assunto, Roque Antonio Carrazza obtempera

de pouco valeria o caput do precitado art. 173 declarar competir preferen-


cialmente à iniciativa privada a exploração de atividades econômicas se as
empresas públicas e as sociedades de economia mista, intervindo no merca-
do, pudessem desfrutar unilateralmente de privilégios scais. Com isto,
acabariam fazendo uma verdadeira concorrência desleal, já que seus produ-
tos ou serviços, livres dos custos da tributação, tenderiam a ser mais baratos
que os das empresas privadas.36 (grifos do autor

Nesse diapasão, entende-se desmedido o tratamento scal atualmente dispensado à


ECT, eis que violador de valiosos princípios norteadores da ordem econômica, entre os quais
o da livre iniciativa e liberdade de concorrência
2.2 A GARANTIA DE IMPENHORABILIDADE DOS BENS DA ECT E SEUS REFLE
XOS NAS DEMANDAS JUDICIAIS EXECUTÓRIA

35BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária n.º 811/DF - Distrito Federal. Relator: Ministra
Rosa Weber. Julgamento em 09 dez. 2016. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12235090>. Acesso em 29 mai. 2017.
36 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
p. 652.

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Outro privilégio conferido à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) diz


respeito à característica da impenhorabilidade atribuída aos seus bens, o que, por conseguinte,
atrai a aplicação do regime de precatórios como sistemática para satisfação de débitos com
sentença judicial transitada em julgado (art. 100, da CF)
Cediço por muitos, a característica da impenhorabilidade somente alcança a classe de
bens tidos como públicos. E, para o Código Civil de 2002, assim o são aqueles pertencentes a
pessoas jurídicas de direito público; todos os demais são particulares, independentemente da
pessoa a que pertencerem (art. 98, do CC/02).37
São, por sua vez, pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, que, diga-se, são os entes políticos e formadores da chamada
Administração Direta. No que toca às entidades integrantes da Administração Indireta, apenas
possuem personalidade de direito público as autarquias e as fundações autárquicas
Nesse diapasão, forçoso se concluir, como também assim o fez Celso Antônio Ban-
deira de Mello, que os bens pertencentes a empresas públicas e sociedades de economia mista
não são, por conseguinte, bens públicos, eis que se tratam de pessoas jurídicas de direito pri-
vado.38
No entanto, mesmo assumindo a roupagem de pessoa jurídica de direito privado, a
ECT, quando da autorização legal para sua criação, atribuiu força de impenhorabilidade a seus
bens (art. 12, do Decreto-lei n.º 509/69).39
A consequência disso foi a atração, para sua órbita, da sistemática de precatórios
como meio para pagamento de dívidas consubstanciadas em sentenças judiciais com trânsito
em julgado, nos termos do art. 100, da Constituição Federal
Enfrentando o tema da execução em face da Fazenda Pública, Leonardo Carneiro da
Cunha, após advertir o traço da impenhorabilidade dos bens públicos, obtempera que, por esse
justo motivo, a execução, neste caso, “reveste-se de matriz especial, não percorrendo a senda
da penhora, nem da apropriação ou expropriação de bens para alienação judicial, a m de sa-
tisfazer o crédito executado”. E mais adiante, arremata: “Daí que se ajuíza a execução […],

37 BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 jan. 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 31 mai. 2017.
38MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.
903.
39BRASIL. Decreto-lei n.º 509, de 20 mar. 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios
e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em 31 mai. 2017.

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seguindo-se a oposição de embargos pela Fazenda Pública para, ao nal, ser, então, expedido
o precatório, em atendimento à regra inscrita no art. 100, da Constituição Federal”.40
Desse modo, em que pese o regime jurídico de direito privado envolver as empresas
públicas e, portanto, seus bens não gozarem da garantia da impenhorabilidade, o Supremo
Tribunal Federal, no particular caso da ECT, encampou, de há muito, a tese de que o art. 12,
do Decreto-lei n.º 509, de 1969, fora recepcionado pela Constituição de 1988. Desse modo,
seus bens não são passíveis de penhora, devendo adotar-se, como meio de satisfação de dívi-
das contra si, a sistemática dos precatórios judiciais
Veja-se, a propósito, a ementa do aresto a seguir

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Execução. - O Plenário desta


Corte, no julgamento do RE 220.906 que versava a mesma questão, decidiu
que foi recebido pela atual Constituição o Decreto-lei nº 509/69, que esten-
deu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à
Fazenda Pública, dentre os quais o da impenhorabilidade de seus bens, ren-
das e serviços, devendo a execução contra ela fazer-se mediante precatório,
sob pena de ofensa ao disposto no artigo 100 da Carta Magna. - Dessa orien-
tação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e
provido.41 (grifos nossos

Esse entendimento, inquestionavelmente, traz consigo signi cativos re exos à garan-


tia da livre concorrência, eis que, desempenhando atividades econômicas em sentido estrito, a
ECT, neste particular agir, deve igualar-se aos particulares, inclusive quanto ao rito de proces-
samento de execuções judiciais contra si
Com efeito, ainda que se alegue o alargamento atribuído à de nição de bens públicos
pelo Enunciado n.º 287 do Conselho da Justiça Federal, no sentido de que o rol do art. 98, do
Código Civil de 2002, não exaure em si todos os bens públicos, podendo, desse modo, “ser
classi cado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afeta-
do à prestação de serviços públicos”, nota-se perfeitamente que assim seriam unicamente os
bens vinculados à consecução de serviços públicos.42 (grifos nossos
Face a isso, a garantia de impenhorabilidade dos bens da ECT deve-se limitar àqueles
afetados à prestação de serviços postais, genuíno serviço público; os demais bens – aqueles

40 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2013. p. 308.
41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 336.685/MG - Minas Gerais. Relator: Mi-
nistro Moreira Alves. Julgamento em 19 abr. 2002. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=260992>. Acesso em 31 mai. 2017.
42BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n.º 287 aprovado na IV jornada de direito civil. Disponível
em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/258>. Acesso em 01 jun. 2017.

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vinculados ao desenvolvimento de atividades econômicas – devem sujeitar-se ao regime co-
mum da penhora. Ignorando-se, como de fato estão, essa necessária distinção, os agentes
econômicos atuantes no seguimento de serviços nanceiros encontram-se em assaz desvan-
tagem em comparação com a ECT, no que tange ao regime de execução judicial a que se su-
jeitam

2.3 A OFENSA À LIVRE CONCORRÊNCIA DEMONSTRADA EM NÚMERO

Consoante já dito, a Suprema Corte brasileira estende à ECT a garantia da imunidade


tributária recíproca, de modo tal que toda sua renda, todo seu patrimônio e todos os serviços
por ela prestados são imunes a impostos, inclusive os dispensados em regime de concorrência
com a iniciativa privada
Nesse diapasão, a seguir se demonstrará quanto de imposto deixou de ser recolhido ,
no exercício de 2015, pela ECT no tocante aos serviços de banco postal
Conforme dados extraídos do relatório de prestação de contas do exercício de 2015, a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) faturou cerca de R$ 1.164.351.000,00 (um
bilhão, cento e sessenta e quatro milhões, trezentos e cinquenta e um mil reais) com serviços
de banco postal nesse período.43
Considerando-se que, quanto ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS),
os municípios tendem, em sua maioria, tributar os serviços nanceiros com a alíquota máxima
que é de 5% (cinco por cento), forçoso se concluir que, em 2015, a ECT bene ciou-se com a
cifra de R$ 58.217.000,00 (cinquenta e oito milhões, duzentos e dezessete mil reais), referente
à “imunidade” desse imposto
Do mesmo modo, no que concerne ao Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica
(IRPJ), tem-se que, no mesmo período, a ECT, agraciada com a benesse em estudo, deixou de
recolher R$ 55.888.000,00 (cinquenta e cinco milhões, oitocentos e oitenta e oito mil reais), a
título desse imposto, considerando-se, para tanto, o regime de lucro presumido, cuja pre-
sunção de lucro para prestação de serviços em geral é de 32% (trinta e dois por cento) sobre o
faturamento, e a alíquota do IRPJ é de 15% (quinze por cento)

43ECT. Prestação de contas ordinária anual: relatório de gestão do exercício de 2015. Disponível em: <https://
www.correios.com.br/.../2015/Relatorio%20de%20Gestao%20de%202015.../ le>. Acesso em 02 jun. 2017. p.
240.

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As informações sobre o regime de tributação pelo lucro presumido e forma de apu-


ração do IRPJ foram extraídas do sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil (RFB).44
Nesse temeroso cenário, tem-se que, apenas em 2015, a ECT obteve vantagens s-
cais que, somadas, resultaram no importe de R$ 114.105.000,00 (cento e quatorze milhões,
cento e cinco mil reais), referente à imunidade de impostos estendida aos serviços postais
Frente a esse estado de coisas, vem bem a calhar a seguinte indagação: onde se en-
contra a garantia de livre iniciativa? Ora, agraciando-se com mais de R$ 114 milhões com o
não pagamento de impostos, a ECT, sem sequer sinais de hesitação, larga muito mais a frente
dos demais agentes econômicos na grande corrida da realização empresarial

CONCLUSÃ

Face ao desenvolvido acima, pode-se concluir que a Empresa Brasileira de Correios


e Telégrafos (ECT) assume a forma jurídica de empresa pública federal e, portanto, integrante
da denominada Administração Indireta. Sendo empresa pública, na formação de seu capital
presente estava, com exclusividade, recursos públicos da União e, no caso particular da ECT,
sua criação deu-se via transformação do antigo Departamento de Correios e Telégrafos (DCT)
em empresa pública e, isso, por meio do Decreto-lei n.º 509, de 1969
Sua nalidade genuína, conforme abordado, era manter e controlar o serviço postal e
o correio aéreo nacional, conforme art. 2º do supramencionado normativo legal
No entanto, por meio da Medida Provisória n.º 532, de 2011, convertida no mesmo
ano na Lei n.º 12.490, inseriu-se um novo inciso ao art. 2º, do Decreto-lei n.º 509, de 1969, de
modo tal que à ECT permitiu-se atuar em seguimentos que destoam, e muito, de sua nali-
dade institucional. É justamente o caso dos serviços nanceiros, em especial o denominado
banco postal
Assim agindo, inegavelmente a ECT está imiscuindo-se em atividades que fogem do
monopólio postal e, portanto, deveria experimentar o mesmo tratamento conferido às empre-
sas privadas em geral, sob pena de abalo à garantia da livre concorrência
Entrementes, não é isso o que vem decidindo o Pretório Excelso. Em julgados re-
centes, o Supremo Tribunal Federal acabou por estender a benesse da imunidade tributária
recíproca à ECT de modo integral, o que equivale a dizer que as atividades dispensadas em

44 SRFB. Perguntas e respostas sobre lucro presumido. Disponível em: <https://www.receita.fazenda.gov.br/pub-


lico/perguntao/dipj2014/Capitulo_XIII_IRPJ_LucroPresumido2014.pdf>. Acesso em 02 jun. 2017.

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regime de concorrência com a iniciativa privada, também elas, estão imunes a impostos. E o
argumento, para tanto, foi o de que esse benefício é em prol do nanciamento dos serviços
postais que, à evidência, são de citários
Irrefutavelmente, esse entendimento cristaliza em si um verdadeiro “privilégio
odioso”, eis que vilipendia a máxima da livre concorrência e, com isso, gera distorções na or-
dem econômica nacional
Espera-se, pois, que o Colendo STF reveja seu recente posicionamento e faça
prevalecer os desígnios constitucionais norteadores da ordem econômica

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