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Os serviços de telecomunicações no Brasil e

os direitos do usuário

Jete Jane Fiorati e Lucas de Souza Lehfeld

Sumário
1. Introdução. 2. A organização do mercado
consumidor e as cláusulas protetivas do usuá-
rio. 3. Considerações finais.

1. Introdução
A Agência Nacional de Telecomunica-
ções foi criada pela Lei nº 9.472/97, com a
função de órgão regulador das telecomuni-
cações, com sede no Distrito Federal, poden-
do, no entanto, estabelecer unidades regio-
nais, conforme o artigo 8º da supracitada lei.
Nesse sentido, há necessidade de deter-
minar suas principais características, como
sua natureza jurídica, estrutura funcional,
competências e atribuições como órgão re-
gulador e fiscalizador do setor de telecomu-
nicações.
Conforme o artigo 8º da Lei n º 9.472/97,
o órgão regulador do serviço de telecomuni-
cações constitui-se uma entidade da Admi-
nistração Pública Indireta.
“Administração indireta é forma-
da pelo conjunto de pessoas jurídicas
de direito público ou privado, às quais
a lei atribui o exercício de funções ad-
ministrativas. São sempre criadas por
lei específica, que lhes determina as
Jete Jane Fiorati é Professora Livre Docente
finalidades e/ou atribui funções: no
em Direito Internacional da UNESP, Mestre e
Doutora em Direito. caso de execução de serviços públi-
Lucas de Souza Lehfeld é Bacharelando em cos, trata-se de uma descentralização
Direito pela UNAERP e em Ciências Contá- funcional, pela qual entidade criada
beis pela FEA/USP/RP, Bolsista da FAPESP - passa a deter a titularidade e a execu-
Nível. ção do serviço” 1.
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Assim, verifica-se que as entidades da da lei, que possibilita à Agência estabele-
Administração podem ser denominadas cer objetivos e prerrogativas adequadas ao
nas seguintes modalidades: exercício das operações realizadas pelas
a) empresa pública: é aquela cujo capital é concessionárias no setor de telecomunica-
inteiramente público. Exerce atividades eco- ções. Prescreve o artigo 9º que a “Agência
nômicas ou serviços públicos e segue regi- atuará como autoridade administrativa
me jurídico de direito privado, por determi- independente, assegurando-se-lhe, nos ter-
nação constitucional. Uma vez que possui mos desta Lei, as prerrogativas necessárias
natureza privada, a lei apenas autoriza sua ao exercício adequado de sua competência”.
criação, devendo seus atos constitutivos se- Além da independência decisória para
rem transcritos no registro público; compor conflitos entre os interesses de con-
b) sociedades de economia mista: exercem cessionárias e usuários, controlar as ativi-
atividade econômica ou serviços públicos e dades realizadas no setor de telecomunica-
seguem regime jurídico de direito privado, ções, bem como fiscalizar a política tarifá-
por determinação constitucional. A lei ape- ria, a ANATEL também possui independên-
nas autoriza sua criação, devendo seus atos cia financeira e estrutural. Independência
constitutivos serem transcritos no registro financeira, pois cabe a ela arrecadar e ge-
público. As sociedades de economia mista renciar suas receitas, bem como adquirir e ali-
sempre assumem a forma de S/A; enar seus bens (inciso XXIV do artigo 19 da
c) fundações públicas: podem ser de direi- Lei nº 9.472/97). Já a independência estrutu-
to público ou privado, conforme o regime ral refere-se a sua independência adminis-
que lhes for atribuído por lei instituidora. trativa, ausente de subordinação hierárquica
São equiparadas às empresas públicas, ca- (§ 2º do artigo 8 º). É responsável também pela
racterizando-se por serem um patrimônio composição, nomeação e dispensa de seus
total ou parcialmente público, vinculado a membros com mandatos fixos, e outras prer-
uma finalidade, ao qual se atribui persona- rogativas adequadas ao seu exercício.
lidade jurídica própria; Em sua estrutura interna, a Agência pos-
d) autarquias: são pessoas jurídicas de sui como órgão máximo o Conselho Diretor.
direito público, podendo ser de âmbito fe- Conta, também, com um Conselho Consul-
deral, estadual ou municipal. São criadas tivo2, uma Procuradoria, uma Corregedoria3,
por lei, como forma de descentralizar a pres- uma Biblioteca4 e uma Ouvidoria5, além
tação de serviços públicos, visando a espe- das unidades especializadas incumbidas
cialização de funções. Possuem personali- de diferentes funções (artigo 8º, § 1º).
dade jurídica própria, portanto, patrimônio, O Conselho Diretor é composto por cin-
receitas e atribuições próprias, diferencian- co conselheiros, com mandatos de cinco
do-se da entidade da administração direta anos, vedada a recondução. Seu Presidente
que a criou. No que se refere à gestão finan- é nomeado diretamente pelo Presidente da
ceira e administrativa, esta é descentraliza- República, entre os seus integrantes e inves-
da, isto é, autônoma, embora sempre sujeita tido na função por três anos ou pelo que
a controle. restar de seu mandato de conselheiro, quan-
Diante das entidades relacionadas, a do inferior a esse prazo, vedada, também, a
Agência Nacional de Telecomunicações, recondução, nos termos do artigo 31 da Lei
conforme o artigo 8º da Lei n º 9.472/97, trata- nº 9.472/97.
se de uma entidade da Administração Públi- Como principais atribuições ao Conse-
ca Indireta, na forma de autarquia especial lho Diretor, pode-se destacar, conforme o
vinculada ao Ministério das Comunicações. artigo 22 da Lei nº 9.472/97:
A ANATEL possui independência de- a) aprovar normas próprias de licitação
cisória, assegurada pelos termos da referi- e contratação;

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b) propor o estabelecimento, bem como dos serviços prestados nos regimes público
alterações das políticas governamentais de e privado: cabe à agência o gerenciamento
telecomunicações; da política tarifária do setor de telecomuni-
c) editar normas sobre matérias de com- cações, no intuito de estabelecer tarifas con-
petência da Agência; dizentes com a realidade social;
d) aprovar editais licitatórios, homolo- c) deliberar na esfera administrativa
gar adjudicações, bem como decidir pela quanto à interpretação da legislação de te-
prorrogação, transferência, intervenção e lecomunicações e sobre os casos omissos,
extinção, principalmente em relação às ou- compondo conflitos de interesses entre pres-
torgas para prestação de serviço nos regi- tadoras de serviços e reprimindo infrações
mes público e privado, obedecendo ao pla- a direitos dos usuários: a agência regulado-
no aprovado pelo Poder Executivo; ra possui força decisória para solucionar
e) aprovar o regimento interno; conflitos entre usuários e concessionárias,
f) autorizar a contratação de serviços de principalmente quando houver lacunas na
terceiros, na forma da legislação em vigor. lei, no sentido de suprir as necessidades de
Verifica-se, no entanto, que a fiscaliza- ambas as partes;
ção dos serviços caberá exclusivamente à d) exercer, relativamente às telecomuni-
ANATEL. cações, as competências legais em matéria
Com relação à principal competência da de controle, prevenção e repressão às infra-
Agência Nacional de Telecomunicações – ções contra a ordem econômica, ressalva-
ANATEL6, verifica-se que, basicamente, con- das as pertencentes ao Conselho Adminis-
siste na implementação da política nacio- trativo de Defesa Econômica – CADE7: ape-
nal de telecomunicações. sar de possuir independência decisória,
Conforme o artigo 19, da Lei nº 9.742/ deve a ANATEL respeitar as decisões com-
97, à ANATEL também compete a adoção petentes ao CADE, já que as atribuições des-
de determinadas medidas para o atendi- ses dois órgãos estão delineadas;
mento do interesse público, bem como para e) adotar as medidas necessárias para o
o desenvolvimento tecnológico e social das atendimento do interesse público e para o
telecomunicações do país, sempre atuando desenvolvimento das telecomunicações
com independência, imparcialidade, lega- brasileiras: cabe à ANATEL promover o bem
lidade, impessoalidade e publicidade. Ade- comum, como também o desenvolvimento tec-
mais, podem-se relacionar outras atribui- nológico do setor de telecomunicações no país;
ções de suma importância: f) arrecadar e aplicar suas receitas, bem
a) expedir regras quanto à outorga, con- como adquirir e alienar seus bens: trata-se
tratos de concessão, fiscalização, nomeação da autonomia financeira da agência regu-
e dispensa de membros da agência, presta- ladora.
ção e fruição dos serviços de telecomunica- Em relação a este último aspecto, cabe
ções no regime público, bem como editar atos destacar que a ANATEL administra, com
de outorga e extinção de direito de explora- exclusividade, o Fundo de Fiscalização das
ção do serviço no regime público, aplican- Telecomunicações (FISTEL).
do sanções e realizando intervenções: cabe A União é autorizada a cobrar pela ex-
à agência reguladora a organização e fisca- ploração dos serviços de telecomunicações,
lização da prestação do serviço de teleco- constituindo o produto dessa arrecadação
municações pelas concessionárias, bem receita do Fundo de Fiscalização das Tele-
como o estabelecimento de diretrizes para a comunicações – FISTEL. Assim, conforme o
concessão do mesmo, aplicando sanções ou artigo 47 da Lei nº 9.472/97, temos que: “o
intervenções quando necessário; produto da arrecadação das taxas de fisca-
b) fixar, controlar e acompanhar tarifas lização de instalação e de funcionamento a

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que se refere a Lei nº 5.070/66 será destina- tende a ser mais eficiente que um outro com
do ao Fundo de Fiscalização das Telecomu- objetivos numerosos, imprecisos e conflitan-
nicações - FISTEL, por ela criado”. tes.
O FISTEL é constituído das principais A independência de instrumentos é a
fontes de receitas8: capacidade de escolher os instrumentos de
a) dotações consignadas no Orçamento regulação – tarifas, por exemplo – mais ade-
Geral da União, créditos especiais, transfe- quados aos seus objetivos, de forma eficiente.
rências e repasses que lhe forem conferidos; Em relação à independência financeira,
b) produto das operações de crédito que refere-se à disponibilidade de recursos ma-
contratar, no País e no exterior, e rendimen- teriais e humanos suficientes para a execu-
tos de operações financeiras que realizar; ção das atividades de regulação.
c) relativas ao exercício do poder conce- A título de exemplificação, há a Agência
dente dos serviços de telecomunicações, nos Nacional de Energia (ANEEL) e o projeto de
regimes público e privado, inclusive paga- lei de criação da Agência Nacional do Pe-
mentos pela outorga, multas e indenização; tróleo (ANP). É possível constatar o grau de
d) taxas de fiscalização dos serviços de independência que tem sido concebido para
telecomunicações 9; essas entidades. A independência de ins-
e) os recursos provenientes de convêni- trumentos dessas duas agências se acha
os, acordos e contratos (concessão, permis- comprometida, na medida em que não cui-
são ou autorização) celebrados com entida- dam da questão tarifária, ficando estipula-
des, organismos e empresas, públicas ou do que, nos três primeiros anos de sua exis-
privadas, nacionais ou estrangeiras; tência, as tarifas terão os reajustes e revi-
f) o produto dos emolumentos, preços ou sões definidos pelos Ministérios a que se
multas, os valores apurados na venda ou vinculam.
locação de bens, bem assim os decorrentes No que se refere à independência deci-
de publicações, dados e informações técni- sória, a ANEEL é dotada de características
cas, inclusive para fins de licitação; de nomeação de dirigentes que garantem
g) os decorrentes de quantias recebidas essa independência. Seus cinco diretores são
pela aprovação de laudos de ensaio de pro- nomeados pelo Presidente da República,
dutos e pela prestação de serviços técnicos com prévia aprovação do Senado Federal,
por órgãos da Agência Nacional de Teleco- para cumprir mandatos não coincidentes de
municações. quatro anos. Já a diretoria da ANP está es-
O órgão regulador, como uma autarquia, truturada para ter sua nomeação pelo Pre-
caracteriza-se por quatro dimensões: a in- sidente da República, por indicação do Mi-
dependência decisória, a independência de nistério de Minas e Energia, e não terá man-
objetivos, a independência de instrumentos datos fixos. Por outro lado, está sendo pro-
e a independência financeira. Conforme jetada a criação de uma outra instância
análise do Banco Nacional de Desenvolvi- decisória, vinculada ao Ministério de Mi-
mento Econômico e Social – BNDES, a inde- nas e Energia, o Conselho Nacional de Polí-
pendência decisória consiste na resistência tica do Petróleo, cujos membros terão man-
às pressões de grupos de interesse no curto dato de dois anos 10.
prazo. Quanto à independência dos objetivos,
Quanto à independência de objetivos, a ANEEL também possui maior indepen-
implica a possibilidade de buscar aqueles dência que a ANP. Entre as atribuições da
objetivos que não conflitam com o bem-es- ANEEL, estão as relacionadas ao zelo pela
tar do consumidor. Nesse sentido, um ór- boa qualidade do serviço, recebendo, apu-
gão regulador com um número pequeno de rando e solucionando queixas e reclamações
objetivos bem definidos e não conflitantes dos usuários, que serão cientificados, até

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trinta dias, das providências tomadas; o es- A sociedade de consumo, no entanto,
tímulo ao aumento da qualidade, produti- propiciou um desequilíbrio na relação for-
vidade, preservação do meio ambiente e con- necedor-consumidor, sendo que o fornece-
servação; o incentivo à competitividade e o dor (fabricante, produtor, construtor, im-
estímulo à formação de associações de usu- portador ou comerciante) assumiu, inega-
ários para defesa de interesses relativos ao velmente, uma posição de força na relação
serviço. Por outro lado, as funções da ANP de consumo, enquanto o consumidor tor-
são mais fortemente ligadas ao planejamen- nou-se a parte hipossuficiente.
to do que propriamente à atividade típica O mercado, perante essa relação, não
de um órgão regulador, não incluindo, en- detém instrumentos eficientes para superar
tre as suas funções, as ligadas aos direitos e tal vulnerabilidade do consumidor. Nesse
interesses do usuário. aspecto, restou necessária a intervenção do
“As atribuições definidas à ANP, Estado em suas três esferas: o Poder Legis-
no projeto de lei, são: a) avaliar as ne- lativo, por meio da formulação de normas
cessidades nacionais de abastecimen- jurídicas de consumo; o Poder Executivo,
to e planejar o seu atendimento, esta- por meio da implementação dessas; e o Po-
belecendo estoques estratégicos, a se- der Judiciário, solucionando eventuais con-
rem aprovados pelo Ministério de flitos resultantes das relações de consumo.
Minas e Energia; b) autorizar a impor- Por meio dessa intervenção estatal, visa-
tação e a exportação de petróleo e seus se proteger integralmente o consumidor.
derivados básicos, observado o Pro- Assim, faz-se necessário o regramento de
grama Nacional de Abastecimento” 11. todos os aspectos da relação de consumo,
No setor de telecomunicações, a Lei Ge- principalmente aqueles referentes aos pro-
ral de Telecomunicações criou a Agência dutos e serviços prestados.
Nacional de Telecomunicações – ANATEL, Diante desse novo cenário, toda e qual-
com natureza autárquica, assemelhada à quer legislação de proteção ao consumidor
estrutura e independência da Agência Naci- tem por objetivo garantir o equilíbrio da re-
onal de Energia Elétrica – ANEEL, órgão re- lação fornecedor-consumidor, seja reforçan-
gulador do setor nacional de energia elétrica. do a posição do consumidor, seja limitando
e proibindo certas práticas de mercado.
O modelo intervencionista funda-se em
2. A organização do mercado consumidor
normas jurídicas imperativas de controle da
e as cláusulas protetivas do usuário
relação de consumo. Nesse sentido, podem-
Para uma análise conjunta das normas se relacionar duas formas de modelo12: a) a
do Código Brasileiro de Defesa do Consu- intervenção estatal baseia-se em leis espar-
midor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de sas que regem o mercado de consumo, espe-
1990), bem como das cláusulas dos contra- cíficas para cada uma das atividades eco-
tos de concessão dos serviços de telecomu- nômicas diretamente relacionadas com o
nicações, principalmente aquelas relativas consumo, como publicidade, crédito, res-
aos direitos e deveres dos usuários, há ne- ponsabilidade civil pelos acidentes de con-
cessidade, primeiramente, de salientar a fun- sumo, garantias, etc.; b) intervenção estatal
ção social e econômica desse diploma legal. em que há ordenamentos jurídicos, que pre-
Assim, verifica-se que a sociedade do ferem tutelar o consumidor de modo siste-
século XX está inserida num modelo novo mático, optando por um complexo de nor-
de associativismo, qual seja, a sociedade de mas (código), em detrimento de leis espar-
consumo, caracterizada por um número sas. Esse modelo foi adotado pelo Brasil, por
crescente de produtos e serviços fornecidos meio da formulação do Código de Defesa
ao mercado. do Consumidor, sendo o país pioneiro na

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codificação do direito do consumidor em Penal, etc., bem como na legislação esparsa,
todo o mundo. a menos que com ele sejam incompatíveis,
O Código de Defesa do Consumidor dentro do princípio geral da revogação de
encontra sua fonte inspiradora no corpo uma lei antiga por outra nova. Verifica-se
da Constituição Federal de 1988. Ao cui- que a matéria relativa à proteção do consu-
dar dos Direitos e Garantias Fundamen- midor é complexa, sendo impossível a pre-
tais, a Carta Magna prescreve no inciso visão de tudo que se refere aos direitos e
XXXII do artigo 5º que “o Estado promove- deveres dos consumidores e fornecedores.
rá, na forma da lei, a defesa do consumi- O Código de Defesa do Consumidor estabe-
dor”. Tal preocupação também está inseri- lece perspectivas e diretrizes para a efetiva
da no artigo 70 do mesmo diploma legal, defesa ou proteção do consumidor, bem
que tutela a “ordem econômica, fundada como do devido equacionamento da rela-
na valorização do trabalho humano e na ção de consumo, qual seja, o equilíbrio entre
livre iniciativa”, tendo por fim “assegurar fornecedor e consumidor.
a todos existência digna, conforme os Primeiramente, deve-se verificar quais
ditames da justiça social”, desde que veri- são os conceitos legais de fornecedor e con-
ficados determinados princípios funda- sumidor trazidos pelo Código de Defesa do
mentais, como o de defesa do consumidor, Consumidor, a fim de realizar-se uma ana-
conforme inciso V, do artigo supramencio- logia quanto ao prestador de serviços de te-
nado. Não obstante, o artigo 48 do lecomunicações e seus usuários.
Ato das Disposições Constitucionais Em conformidade com o artigo 2º do Có-
Transitórias determina que o “Congresso digo de Defesa do Consumidor, a figura do
Nacional, dentro de cento e vinte dias da consumidor consiste em “toda pessoa físi-
promulgação da Constituição, elaborará, ca ou jurídica que adquire ou utiliza produ-
código de defesa do consumidor”. to ou serviço como destinatário final”. Não
Em conformidade com os preceitos cons- obstante, também se equipara a consumi-
titucionais, o Código de Defesa do Consu- dor a coletividade de pessoas, que esteja di-
midor demonstra uma estrutura moderna, retamente relacionada ao mercado de con-
em sintonia com a realidade nacional. Na sumo (parágrafo único do artigo 2º do Có-
verdade, trata-se de uma norma supralegal, digo de Defesa do Consumidor).
a qual apresenta inovações relevantes, como Nota-se que a concepção dada à figura
a formulação de um conceito amplo de for- do consumidor, nos termos da Lei nº
necedor, incluindo, dentro de tal concepção, 8.078/90, é exclusivamente econômica,
todos os agentes econômicos que desenvol- levando em consideração o personagem que
vem, direta ou indiretamente, atividades no no mercado de consumo adquire bens ou
mercado de consumo; um elenco de direitos então contrata a prestação de serviços, como
básicos dos consumidores, bem como ins- destinatário final. Por meio de tais ativida-
trumentos de implementação; proteção con- des, o consumidor visa suprir suas
tra todos os desvios de quantidade e quali- necessidades e não desenvolver uma outra
dade (vícios de qualidade por insegurança atividade negocial.
e vícios de qualidade por inadequação); con- Assim, pode-se entender como consumi-
trole das práticas e cláusulas abusivas, etc. dor qualquer pessoa, tanto física como jurí-
No entanto, há necessidade de ressaltar dica, isolada ou coletivamente, que contrate
que, apesar de ter sido criado o Código de para consumo final, em benefício próprio
Defesa do Consumidor, não deixaram de ou de outrem, a aquisição ou a locação de
existir outras normas relativas às relações bens, bem como a prestação de um serviço.
de consumo, existentes em outros diplomas Com relação à coletividade de pessoas,
legais, como os Códigos Civil, Comercial, conforme preceitua o parágrafo único do

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artigo 2º do Código de Defesa do Consumi- do consumidor. É todo comerciante, bem
dor, pode-se salientar que se trata de um como qualquer estabelecimento comercial,
número indeterminado de consumidores, os aquele que abastece ou fornece serviços ou
quais também intervêm no mercado de con- mercadorias, necessárias para suprir as ne-
sumo. Assim, tal dispositivo legal visa a cessidades do consumidor. Nesse sentido,
universalidade de consumidores de produ- o artigo 3º da Lei nº 8.078/90, ao estabele-
tos e serviços, bem como grupo, classe ou cer a figura do fornecedor como constituin-
categoria deles, desde que estejam relacio- te da relação de consumo, abrange todos
nados a um determinado produto ou serviço. quantos propiciem a oferta de produtos e
Nesse sentido, pode-se, indubitavelmen- serviços no mercado de consumo, de ma-
te, enquadrar a figura do usuário dos servi- neira a atender às necessidades dos consu-
ços de telecomunicações nessa concepção midores.
de consumidor. O usuário consiste naquele Traz ainda o preceito legal supramenci-
consumidor que contrata a prestação de ser- onado que o fornecedor pode ser público ou
viços de telecomunicações das empresas privado, entendendo-se, no primeiro caso,
concessionárias. ser o próprio Poder Público, por si ou então
Quanto ao parágrafo único do artigo 2 º por suas empresas públicas que realizam
do Código de Defesa do Consumidor, pode atividade de produção, bem como concessio-
o mesmo ser interpretado com relação à pres- nárias de serviços públicos. Vale salientar que
tação de serviços de telecomunicações, em um dos direitos dos consumidores consa-
que se verifica a coletividade de usuários grados pelo artigo 6º do Código de Defesa
de tais serviços, principalmente quanto do Consumidor, mais precisamente no seu
aos contratos de concessão de serviços inciso X, é a adequada e eficaz prestação
de telecomunicações, que possuem cará- dos serviços públicos em geral.
ter exclusivamente adesivo. Nesse sentido, prescreve o artigo 6º da
Quanto à outra parte de relação de con- Lei nº 8.078/90:
sumo, a figura do fornecedor também está “Art. 6. São direitos básicos do
prevista no artigo 3º do Código de Defesa consumidor:
do Consumidor. I - a proteção da vida, saúde e se-
“Fornecedor é toda pessoa física gurança contra os riscos provocados
ou jurídica, pública ou privada, naci- por práticas no fornecimento de pro-
onal ou estrangeira, bem como os en- dutos e serviços considerados perigo-
tes despersonalizados, que desenvol- sos ou nocivos;
vem atividades de produção, monta- II - a educação e divulgação sobre
gem, criação, construção, transforma- o consumo adequado dos produtos e
ção, importação, exportação, distri- serviços, asseguradas a liberdade de
buição ou comercialização de produ- escolha e a igualdade nas contrata-
to ou prestação de serviços.” ções;
Tal dispositivo prescreve que o fornece- III - a informação adequada e clara
dor é a pessoa, tanto física como jurídica, sobre os diferentes produtos e servi-
pública ou privada, que realize atividade ços, com especificação correta de quan-
de produção, montagem, criação, constru- tidade, características, composição,
ção, transformação, importação, exportação, qualidade e preço, bem como sobre os
distribuição ou comercialização de produ- riscos que apresentam;
tos ou prestação de serviços. IV - a proteção contra a publicida-
Verifica-se que o fornecedor, na relação de enganosa e abusiva, métodos co-
de consumo, é aquele responsável pela co- merciais coercitivos ou desleais, bem
locação de produtos e serviços à disposição como contra práticas e cláusulas abu-

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sivas ou impostas no fornecimento de las no inciso V de seu artigo 6º, traz em seu
produtos e serviços; corpo capítulo especial, de nº VI (Da Prote-
V - a modificação das cláusulas ção Contratual), amparando expressamen-
contratuais que estabeleçam presta- te o consumidor frente aos contratos, prin-
ções desproporcionais ou sua revisão cipalmente àqueles denominados “contra-
em razão de fatos supervenientes que tos de adesão”, que podem surpreender com
as tornem excessivamente onerosas; cláusulas consideradas abusivas (previstas
VI - a efetiva prevenção e repara- no artigo 51), dando-se, então, preponderân-
ção de danos patrimoniais e morais, cia à questão de informação prévia sobre o
individuais, coletivos e difusos; conteúdo de tais cláusulas, sob pena de
VII - o acesso aos órgãos judiciári- nulidade do instrumento contratual.
os e administrativos, com vistas à pre- Verifica-se que, além da informação que
venção ou reparação de danos patri- o fornecedor deve dispor ao consumidor
moniais e morais, individuais, coleti- contratante, conforme prescreve o artigo 46
vos ou difusos, assegurada a prote- da Lei nº 8.078/90, também há previsão, no
ção jurídica, administrativa e técnica mesmo diploma legal, de que a interpreta-
aos necessitados; ção quanto a cláusulas obscuras ou com
VIII - a facilitação da defesa de seus vários sentidos deve ser mais favorável ao
direitos, inclusive com a inversão do consumidor (artigo 47).
ônus da prova, a seu favor, no proces- “Art. 46. Os contratos que regulam
so civil, quando, a critério do juiz, for as relações de consumo não obriga-
verossímil a alegação ou quando for rão os consumidores, se não lhes for
ele hipossuficiente, segundo as regras dada a oportunidade de tomar conhe-
ordinárias de experiências; cimento prévio de seu conteúdo ou se
IX - (Vetado) os respectivos instrumentos forem re-
X - a adequada e eficaz prestação digidos de modo a dificultar a com-
dos serviços públicos em geral.” preensão de seu sentido e alcance.
Analisados os artigos 4º e 6º do Código Art. 47. As cláusulas contratuais
de Defesa do Consumidor, pode-se enqua- serão interpretadas de maneira mais
drar as empresas concessionárias de servi- favorável ao consumidor.”
ços de telecomunicações como fornecedores No que se refere ao inciso X do artigo 6º
de serviços aos consumidores (usuários). da lei supracitada, a prestação de serviços
Nesse sentido, a Lei nº 8.078/90, visando públicos adequados e eficientes deve ser re-
garantir e restabelecer o equilíbrio da rela- alizada pelo próprio Poder Público ou em-
ção fornecedor-consumidor, contribui, por presas públicas, concessionárias, permissi-
meio de instrumentos jurídicos, para a re- onárias, mediante remuneração tarifária.
gulamentação do setor de telecomunicações, Tanto a prestação do serviço, como a modi-
complementando a legislação específica cidade da tarifa devem estar de acordo com
(Lei nº 9.472/97). as normas ora estatuídas, em todos os senti-
Não obstante, os incisos V e X do artigo dos e aspectos versados pelos dispositivos
6º do Código de Defesa do Consumidor de- do novo Código do Consumidor. É nesse
vem ser observados quanto aos contratos de sentido que dispõe o artigo 22, caput, do
concessão de serviços de telecomunicações, mesmo diploma legal:
principalmente no que se refere a cláusulas “Art. 22. Os órgãos públicos, por
consideradas abusivas e à efetiva prestação si ou suas empresas, concessionári-
de tais serviços, com eficiência e qualidade. as, permissionárias ou sob qualquer
Quanto às cláusulas abusivas, o Código outra forma de empreendimento, são
de Defesa do Consumidor, além de referi- obrigados a fornecer serviços adequa-

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dos, eficientes, seguros e, quanto aos vistas, a saber13:
essenciais, contínuos.” a) tendo prestado o serviço, o defeito ine-
Diante da importância desses preceitos xiste;
legais, o Código de Defesa do Consumidor b) a culpa exclusiva do consumidor ou
faz-se presente, indubitavelmente, perante de terceiro.
o novo modelo de regulamentação das tele- Em consonância com o artigo 22 da Lei
comunicações. Além da legislação específi- nº 8.078/90, também prescreve a Lei nº
ca para a normatização, como a nova Lei 9.472/97, nos incisos I e XII do artigo 3º,
Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/ que o usuário de serviços de telecomunica-
97), e fiscalização, por meio da Agência ções tem direito de acesso a tais serviços,
Nacional de Telecomunicações – ANATEL, com padrões de qualidade e regularidade,
dos serviços prestados pelas concessioná- bem como à reparação dos danos causados
rias de telecomunicações, a Lei n º 8.078/90, pela violação de seus direitos. Não obstan-
por meio de seu complexo de normas jurídi- te, também dispõe o artigo 11 da mesma lei
cas, principalmente referentes à formação e sobre a essencialidade dos serviços de tele-
validade de contratos, também deverá ser comunicações prestados, havendo interven-
observada. ção na concessionária, por ato da Agência
As cláusulas do contrato de concessão Nacional de Telecomunicações – ANATEL,
de serviço de telecomunicações devem ser nos casos de:
analisadas, não somente sob os termos da a) paralisação injustificada dos serviços
Lei nº 9.472/97, mas sim sob a égide de toda de telecomunicações;
legislação que venha resguardar o direito b) inadequação, bem como insuficiência
do usuário frente a eventuais abusos pres- dos serviços prestados, não resolvidas em
critos em tais cláusulas. Daí é que devem prazos razoáveis e determinados;
ser observados os ditames do Código de c) desequilíbrio econômico-financeiro
Defesa do Consumidor, devendo o mesmo decorrente de má administração que preju-
regulamentar aspectos e situações não dique a continuidade dos serviços de tele-
abrangidos pela Lei Geral de Telecomuni- comunicações.
cações. Quanto aos novos contratos de conces-
Quanto à prestação de serviços públicos, são de serviços de telecomunicações, espe-
o Código de Defesa do Consumidor, em seu cificamente, evidencia-se a importância do
artigo 22, versa sobre a continuidade dos Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
serviços públicos considerados essenciais. 8.078/90) e da Lei Geral de Telecomunica-
Assim, podem ser relacionados nesse dis- ções (Lei nº 9.472/97). Na verdade, verifica-
positivo legal os serviços de telecomunica- se que a regulamentação do setor de teleco-
ções, fornecimento de energia elétrica, água municações, por meio da Agência Nacional
e saneamento básico, todos considerados de Telecomunicações – ANATEL, deve ser
como serviços essenciais à sociedade. complementada, em situações não abrangi-
O supracitado artigo prescreve, em seu das pela Lei nº 9.472/97, pelas normas do
parágrafo único, que: “nos casos de des- Código de Defesa do Consumidor.
cumprimento, total ou parcial, das obriga- A Lei nº 8.078/90, quanto a contratos de
ções referidas neste artigo, serão as pessoas concessão, estabelece preceitos legais que
jurídicas compelidas a cumpri-las e a repa- devem estar em harmonia com as normas
rar os danos causados, na forma prevista estabelecidas pela Lei Geral de Telecomu-
neste Código.” nicações.
Nesse sentido, tenha-se presente, por for- Assim, em análise conjunta dos diplo-
ça da remissão de tal parágrafo, as cláusu- mas legais supramencionados, pode-se res-
las excludentes de responsabilidade ali pre- saltar o inciso VIII do artigo 56 do Código

Brasília a. 37 n. 147 jul./set. 2000 119


de Defesa do Consumidor, o qual dispõe que que o artigo supracitado complementa a Lei
eventuais infrações das normas referentes à nº 9.472/97, que em seu corpo legislativo
defesa do Consumidor ficam sujeitas à san- estabelece sanções administrativas penais.
ção administrativa de revogação de conces- Em relação às sanções administrativas,
são ou permissão de uso, sem prejuízo das dispõe o artigo 173 da referida lei que qual-
de natureza civil, penal e das definidas em quer infração desta e de demais normas apli-
normas específicas. cáveis (entende-se, nessa parte, a aplicação
“Art. 56. As infrações das normas das normas do Código de Defesa do Consu-
de defesa do consumidor ficam sujei- midor), bem como verificada a inobservân-
tas, conforme o caso, às seguintes san- cia das obrigações resultantes dos contra-
ções administrativas, sem prejuízo das tos de concessão ou de qualquer ato de per-
de natureza civil, penal e das defini- missão, autorização de serviço ou até mes-
das em normas específicas: mo a autorização de uso de radiofreqüên-
I – multa; cia, sujeitará os agentes infratores às san-
II - apreensão do produto; ções de advertência, multa, suspensão tem-
III - inutilização do produto; porária, caducidade e declaração de inido-
IV - cassação do registro do pro- neidade, aplicáveis pela Agência Nacional
duto junto ao órgão competente; de Telecomunicações – ANATEL.
V - proibição de fabricação do pro- No que tange às sanções penais, pode-
duto; se observar que a Lei nº 9.472/97 penaliza
VI - suspensão de fornecimento de a realização de atividades clandestinas de
produtos ou serviços; telecomunicações, em conformidade com seu
VII - suspensão temporária de ati- artigo 18314. Observa-se que a clandestini-
vidade; dade consuma-se quando a atividade de te-
VIII - revogação de concessão ou lecomunicação é desenvolvida sem a com-
permissão de uso; petente concessão, permissão ou autoriza-
IX - cassação de licença do estabe- ção de serviço, bem como de uso de radio-
lecimento ou de atividade; freqüência e de exploração de satélite (pará-
X - interdição, total ou parcial, de grafo único do artigo 184 da Lei nº 9.472/
estabelecimento, de obra ou de ativi- 97).
dade; Ademais, verifica-se, em outro dispositi-
XI - intervenção administrativa; vo legal (inciso I do artigo 184) da mesma
XII - imposição de contra-propa- lei, a obrigação por parte da concessionária
ganda. de indenizar o dano causado pelo crime. Tal
Parágrafo único. As sanções pre- preceito harmoniza-se com a Lei nº 8.078/
vistas neste artigo serão aplicadas 90, que traz em seu artigo 14, de forma com-
pela autoridade administrativa, no plementada, a responsabilidade objetiva do
âmbito de sua atribuição, podendo prestador de serviços de telecomunicações
serem aplicadas cumulativamente, quanto à reparação dos danos causados aos
inclusive por medida cautelar antece- consumidores (usuários), em razão de even-
dente ou incidente de procedimento tuais defeitos relativos à própria prestação,
administrativo”. bem como em virtude de informações insu-
(...) ficientes ou inadequadas sobre sua fruição
Ainda quanto às sanções, o § 1º do arti- e riscos.
go 59 do Código de Defesa do Consumidor Conforme o § 1º do artigo 14 do Código
prescreve a pena de cassação aplicada à de Defesa do Consumidor, o serviço é consi-
concessionária de serviço público, em razão derado defeituoso quando não mais forne-
de violação legal ou contratual. Verifica-se ce a segurança que o consumidor dele pode

120 Revista de Informação Legislativa


esperar, levando-se em consideração as cir- rente, de quem são retiradas as vantagens e
cunstâncias relevantes, como o modo de for- a quem são atribuídos os ônus do contrato.
necimento; o resultado e os riscos que dele No entanto, vale lembrar que as cláusulas
se esperam; e a época em que foi fornecido. abusivas também podem estar presentes em
Também se verifica que a empresa con- qualquer contrato de consumo, sendo ele
cessionária de serviços de telecomunica- expresso ou verbal.
ções, como fornecedora de serviços, não será Ressalta-se que, apesar da terminologia
responsabilizada quando provar que, ten- “abusivas”, as cláusulas elencadas no arti-
do prestado o referido serviço, o defeito ine- go supramencionado não se confundem
xiste; ou quando a culpa é exclusiva do con- com o instituto de abusos de direito, previs-
sumidor ou de terceiro. to no parágrafo único do artigo 160 do Có-
Nesse sentido, caminham juntas as Leis digo Civil.
nºs 8.078/90 e 9.472/97, a fim de regularem Quanto à nulidade das referidas cláu-
de forma extensiva e eficiente a prestação sulas, essas têm sistema próprio dentro do
de serviços de telecomunicações. A ANA- Código de Defesa do Consumidor. Nesse
TEL, como órgão regulador, deve desenvol- sentido, observa-se que as normas sobre
ver a fiscalização das atividades de teleco- nulidades de outros diplomas legais (Códi-
municações, sempre em conformidade com go Civil, Código Comercial, Código de Pro-
as normas previstas nesses dois diplomas cesso Civil ou outras leis extravagantes) não
legais, que se complementam, buscando são totalmente aplicáveis às relações de con-
suprir de forma plena todas as necessida- sumo. A Lei n º 8.078/90, na realidade, reco-
des dos usuários, bem como regular o funci- nhece tais nulidades de pleno direito quan-
onamento de tais atividades. do enumera as cláusulas abusivas, porque
Ainda se faz necessária uma análise das ofendem a ordem pública de proteção ao
leis supramencionadas, principalmente consumidor.
quanto às cláusulas dos contratos de con- Vale lembrar que a nulidade da cláusu-
cessão de serviços de telecomunicações, no la abusiva deve ser reconhecida judicialmen-
intuito de se verificar eventuais vícios e abu- te, por meio de ação direta (ou, quando o
sos contidos nas mesmas. caso, reconvenção), de exceção substancial
Em razão de sua natureza jurídica pro- alegada na defesa (contestação), ou ainda
tecionista, o Código de Defesa do Consumi- ex officio pelo juiz. Quanto à sentença que
dor, em seu artigo 51, prescreve as cláusu- reconhece a nulidade da cláusula abusiva,
las contratuais abusivas relativas ao forne- tem natureza constitutiva negativa.
cimento de produtos e serviços, visando pro- A finalidade do Código de Defesa do
teger a parte hipossuficiente da relação de Consumidor, como norma supralegal, ao
consumo: o consumidor. Tais cláusulas são dispor em seu artigo 51 a nulidade de pleno
consideradas nulas de pleno direito, já que direito quanto às cláusulas contratuais abu-
são opressivas, onerosas e excessivas15. sivas, também pode ser aplicada à presta-
Conceitualmente, as cláusulas abusivas ção de serviços de telecomunicações, com-
são aquelas desfavoráveis à parte mais fra- plementando, novamente, de forma exten-
ca na relação contratual, qual seja, o consu- siva, a Lei nº 9.472/97. Assim, tal preceito
midor. Presente tal cláusula no contrato de legal é de suma relevância para a regula-
consumo, torna-se inválida a relação con- mentação e fiscalização do setor de teleco-
tratual pela ruptura do equilíbrio entre as municações pela ANATEL.
partes. Pode-se salientar que tais cláusulas, Nesse sentido, pode-se trazer para o
geralmente, são verificadas nos contratos de âmbito exclusivo da Lei nº 9.472/97 os di-
adesão, nos quais o estipulante se outorga tames do artigo 51 do Código de Defesa do
todas as vantagens em detrimento do ade- Consumidor, a fim de que as cláusulas abu-

Brasília a. 37 n. 147 jul./set. 2000 121


sivas sejam evitadas quando da formulação quanto à restituição de quantias pagas refe-
do contrato de concessão de serviços de te- rente a determinado serviço, entende-se que
lecomunicações. Como norma supralegal, o inciso II do artigo 51 do Código de Defesa
tal dispositivo legal deve ser observado e do Consumidor deve ser observado, princi-
aplicado pela Agência Nacional de Teleco- palmente com relação ao arrependimento de
municações – ANATEL, sem qualquer pre- usuários, quando esses já tenham realiza-
juízo às normas reguladoras dispostas na do o pagamento de tarifas referentes a servi-
Lei Geral das Telecomunicações (Lei nº ços de telecomunicações.
9.472/97). C) Cláusulas que determinam obriga-
Numa análise mais detalhada dos inci- ções consideradas iníquas, abusivas, que
sos do artigo 51, visa-se relacionar aqueles coloquem o consumidor em desvantagem
diretamente ligados à prestação de serviços exagerada, ou incompatíveis com os princí-
de telecomunicações. No contrato de con- pios da eqüidade e da boa-fé (artigo 51, IV,
cessão, deve-se evitar ou coibir a presença do CDC).
de cláusulas abusivas, as quais são nulas O Código de Defesa do Consumidor ado-
de pleno direito. Nesse aspecto, será anali- tou, de forma implícita, a cláusula geral de
sado de forma detalhada o artigo supramen- boa-fé, que deve estar inserida em todas as
cionado, principalmente quanto a sua apli- relações jurídicas de consumo, ainda que
cação ao instrumento contratual de conces- não expressa no contrato. Há necessidade
são de serviços de telecomunicações. de que as partes, ao perfazerem o negócio
A) Cláusulas que impossibilitem, exo- jurídico de consumo, ajam com boa-fé.
nerem ou atenuem a responsabilidade do Nesse sentido, ressalta-se a importância
fornecedor por vícios de qualquer natureza desse inciso, principalmente no que se refe-
dos serviços ou impliquem renúncia ou dis- re aos contratos de concessão de serviços de
posição de direitos (artigo 51, I, do CDC). telecomunicações, já que devem ser evita-
A empresa concessionária de serviços de das as cláusulas que estabeleçam obriga-
telecomunicações deve ser responsável pe- ções abusivas, posicionando o usuário em
los vícios de qualquer natureza referentes à desvantagem exagerada perante a conces-
prestação de serviço. Nesse sentido, precei- sionária prestadora dos serviços. É o que
tua o § 1º do artigo 94 da Lei nº 9.472/97 estabelece a Lei nº 9.472/97, ao dispor nor-
que, no cumprimento dos deveres legais, a mas sobre os contratos de concessão, prin-
concessionária, em qualquer caso, continu- cipalmente no que se refere à aplicação das
ará sempre responsável perante a ANATEL tarifas.
e os usuários, devendo prestar um serviço Assim, em conformidade com o artigo 93
de qualidade e capaz de suprir a demanda da supracitada lei, a ANATEL, como órgão
nacional. fiscalizador, deve observar se no contrato
B) Cláusulas que subtraiam ao consu- constam os seguintes aspectos: todas as re-
midor a opção do reembolso da quantia gras, critérios, indicadores, fórmulas e pa-
paga pelo consumidor (artigo 51, II, do râmetros definidores da implantação, ex-
CDC). pansão, alteração e modernização do servi-
O consumidor tem o direito de reembol- ço de telecomunicações, bem como de sua
so das quantias pagas, total ou parcialmen- qualidade (inciso III); a forma de cobrança
te, quando, por exemplo, houver arrependi- das tarifas, bem como seus critérios de rea-
mento (artigo 49 do CDC)16 por parte do con- juste e revisão (inciso VII); e os direitos, as
sumidor. Observa-se que tal preceito legal garantias e as obrigações dos usuários, da
pode ser aplicado quanto à prestação dos ANATEL e da concessionária (inciso IX).
serviços de telecomunicações. Apesar de a Quanto às tarifas, em conformidade com a
Lei nº 9.472/97 não prever expressamente finalidade do inciso IV do artigo 51 do CDC,

122 Revista de Informação Legislativa


devem ser condizentes com a realidade na- dor, não pode o contrato dispor de cláusu-
cional, com valores módicos e reajustáveis. las que determinem a utilização compulsó-
Também dispõe o artigo 103 da Lei nº ria do instituto da arbitragem.
9.472/97 que à ANATEL compete estabele- Quanto à aplicação desse preceito legal
cer a estrutura tarifária para cada modali- à prestação de serviços de telecomunicações,
dade de serviço de telecomunicação, levan- apesar de a Lei nº 9.472/97 não prever ex-
do em consideração os seguintes requisitos: pressamente a arbitragem, o inciso VII do
as tarifas devem ser fixadas expressamente artigo 51 do CDC deve ser observado na for-
no contrato de concessão, em conformidade mação do contrato de concessão de serviços
com o edital ou proposta apresentada no de telecomunicações já que se trata de uma
procedimento licitatório17 (§ 3º do artigo tendência atual para a solução de eventu-
103); poderá a concessionária cobrar tarifa ais conflitos entre os usuários e empresas
inferior à fixada, desde que tal redução se concessionárias.
baseie em critérios objetivos, bem como fa- Os modelos de Contratos de Concessão
voreça indistintamente todos os usuários, do Serviço Telefônico têm trazido a arbitra-
vedado o abuso do poder econômico (artigo gem como modo de solução de conflitos en-
106 da Lei nº 9.472/97); os descontos de ta- tre a ANATEL e a concessionária do serviço
rifa também somente serão admitidos quan- em alguns casos como: violação do direito
do abrangerem a todos os usuários que se da Concessionária à proteção de sua situa-
enquadrem nas condições, precisas e iso- ção econômica; revisão das tarifas e indeni-
nômicas, para sua fruição (artigo 107). zações devidas quando da extinção do pre-
D) Cláusulas que determinem a utiliza- sente Contrato, inclusive quanto aos bens
ção compulsória de arbitragem (artigo 51, revertidos. A submissão à arbitragem, nes-
VII, do CDC). ses casos, é obrigatória e proíbe a concessio-
Observa-se que a escolha pelas partes do nária de interromper as atividades vincula-
instituto da arbitragem para solucionar as das à concessão. Conforme se observa, não
lides existentes entre elas não significa re- se trata da relação de prestação de serviços
núncia ao direito de ação, porém ofende o usuários–concessionária e sim da relação
princípio constitucional do juiz natural. contratual, modalidade contrato adminis-
Com a realização do compromisso arbitral, trativo entre o órgão regulamentador e a con-
as partes apenas estão deslocando a juris- cessionária, excluindo portanto a aplicação
dição, exercida por órgão estatal, para um do Código de Defesa do Consumidor.
destinatário privado (juiz arbitral). Como o E) Cláusulas que permitam ao fornece-
compromisso só pode versar sobre matéria dor, direta ou indiretamente, variação do
de direito disponível, é lícito às partes utili- preço de maneira unilateral (artigo 51, X, do
zar tal procedimento. CDC).
O compromisso arbitral trata-se do ne- Verifica-se que o fornecedor não pode
gócio jurídico em que as partes obrigam-se deter o privilégio de alterar unilateralmente
a estabelecer o juízo arbitral fora da jurisdi- o preço no contrato de consumo, rompendo
ção estatal e a submeter-se à decisão do ár- o equilíbrio da relação jurídica constituída
bitro nomeado pelas partes, podendo ser por tal instrumento, prejudicando assim o
judicial ou extrajudicial18. Em razão de tal disposto no artigo 4º, III, do CDC.
compromisso, não se criam, modificam-se “Art. 4º. A Política Nacional das
ou se conservam direitos, funcionando ele Relações de Consumo tem por objeti-
como causa extintiva da obrigação, tão logo vo o atendimento das necessidades
seja prolatada a sentença arbitral. dos consumidores, o respeito à sua
Conforme a finalidade do inciso VII do dignidade, saúde e segurança, a pro-
artigo 51 do Código de Defesa do Consumi- teção de seus interesses econômicos,

Brasília a. 37 n. 147 jul./set. 2000 123


a melhoria da sua qualidade de vida, setor de telecomunicações, a ANATEL res-
bem como a transparência e harmo- tabelecerá o regime tarifário anterior, sem
nia das relações de consumo, atendi- prejuízo às devidas sanções cabíveis (§ 2º
dos os seguintes princípios: do artigo 204).
(...) Observa-se que, ao implementar novas
III - Harmonização dos interesses prestações, bem como utilidades ou como-
dos participantes das relações de con- didades relativas ao objeto do contrato de
sumo e compatibilização da proteção concessão, as empresas concessionárias
do consumidor com a necessidade de devem levar suas tarifas à ANATEL, para
desenvolvimento econômico e tecno- aprovação, com os devidos estudos sobre
lógico, de modo a viabilizar os princí- os possíveis impactos aos usuários dos ser-
pios nos quais se funda a ordem eco- viços de telecomunicações (artigo 105 da Lei
nômica (art. 170, da CF/88), sempre nº 9.472/97).
com base na boa-fé e equilíbrio entre Os mecanismos para reajuste e revisão
consumidores e fornecedores.” das tarifas, expressamente previstos na Lei
No inciso em comento, inclui-se a proi- nº 9.472/97, em seu artigo 108, devem cons-
bição da alteração unilateral das taxas de tar nos contratos de concessão, observan-
juros e outros encargos. Assim, devem as do-se, no que couber, a legislação específica.
partes, havendo qualquer modificação no Quanto aos ganhos econômicos decor-
modelo da economia nacional, reavaliar a rentes da modernização, expansão ou raci-
base contratual, a fim de, bilateralmente, onalização dos serviços de telecomunica-
comporem as alterações no preço e eventu- ções, bem como novas receitas arrecadadas
ais taxas de juros e encargos, preservando o de formas alternativas, serão compartilha-
equilíbrio da relação contratual. dos com os usuários de tais serviços, em
Quanto à aplicação desse preceito legal conformidade com o § 2º do artigo 108 da
no setor das telecomunicações, nota-se que Lei nº 9.472/97.
o Código de Defesa do Consumidor está em Não obstante, a oneração causada por
consonância com a Lei nº 9.472/97, princi- novas regras sobre os serviços de telecomu-
palmente no que se refere à fixação e aplica- nicações, em razão da álea econômica ex-
ção das tarifas aos usuários. Nesse sentido, traordinária, bem como em virtude do au-
pode-se relacionar alguns dispositivos da mento dos tributos ou encargos sociais (ex-
supracitada lei que se harmonizam com a ceto o Imposto de Renda), acarretará a revi-
finalidade de equilíbrio, a qual deve estar são do contrato de concessão (§ 4º do artigo
presente na relação entre usuários e conces- 108 da Lei nº 9.472/97).
sionárias. F) Cláusulas que autorizem o fornece-
Assim, o artigo 104 da Lei nº 9.472/97 dor a modificar unilateralmente o conteúdo
prescreve que, verificado o decorrer de no ou a qualidade do contrato, após sua cele-
mínimo três anos da celebração do contrato, bração (artigo 51, XIII, do CDC).
a ANATEL poderá, existindo ampla e efetiva Toda alteração contratual, supervenien-
competição entre as prestadoras do serviço, te da celebração do contrato, há de ser dis-
submeter a concessionária ao regime de liber- cutida bilateralmente entre o fornecedor e o
dade tarifária. No entanto, em conformidade consumidor. Assim, não é lícita a cláusula
com tal regime, a concessionária poderá de- que concede ao fornecedor o privilégio de
terminar suas próprias tarifas, devendo co- alterar unilateralmente o conteúdo ou a qua-
municá-las à Agência com antecedência de lidade do contrato, mediante estipulações,
sete dias de sua vigência (§ 1º do artigo 104). como modificações de prazos, preços ou ser-
Havendo aumento arbitrário dos lucros viços, visando manter a igualdade e o equi-
ou práticas prejudiciais à competição do líbrio contratual da relação de consumo.

124 Revista de Informação Legislativa


Apesar de a Lei nº 9.472/97 não dispor radas quando da alegação, por parte do con-
expressamente sobre coibir a alteração uni- sumidor, de onerosidade excessiva.
lateral do contrato por parte da concessio- Quanto à Lei n º 9.472/97, nos termos do
nária, será observado, na vigência do con- artigo 108, os mecanismos para reajuste e
trato de concessão de serviços de telecomu- revisão das tarifas devem estar previstos nos
nicações, o inciso XIII do artigo 51 do Códi- contratos de concessão, observando-se, no
go de Defesa do Consumidor. Há necessi- que couber, a legislação específica.
dade de manter as condições prescritas no Diante dessa análise conjunta dos diplo-
contrato de concessão dos serviços de te- mas legais, qual seja, as Leis nºs 9.472/97 e
lecomunicações, visando proibir qualquer 8.078/90, verificou-se que ambas visam ga-
alteração unilateral por parte da empresa rantir o equilíbrio na relação fornecedor (con-
concessionária, prejudicando o usuário, cessionária) e consumidor (usuário). Assim,
parte hipossuficiente nessa relação con- o Código de Defesa do Consumidor, por ser
tratual. uma norma supralegal, deve ser aplicado
Qualquer alteração unilateral, de forma também na prestação dos serviços de tele-
injustificada, das condições do instrumen- comunicações, suprimindo defeitos ou la-
to contratual deve ser coibida pela ANA- cunas da Lei n º 9.472/97, a fim de proporci-
TEL, que, como órgão regulador do setor de onar condições de execução e cumprimento
telecomunicações, fiscaliza as práticas exer- do instrumento contratual fixado entre o
cidas pelas empresas concessionárias, prin- usuário e a empresa concessionária.
cipalmente quanto à fixação e aplicação das
tarifas, onerando excessivamente os usuá- 3. Considerações finais
rios dos serviços de telecomunicações.
O trabalho realizado analisou as princi-
G) Presunção de vantagem exagerada
pais questões decorrentes da privatização
que se mostra excessivamente onerosa para
do setor de telecomunicações no Brasil, tan-
o consumidor, considerando-se a natureza
to na área jurídica, como na econômica (re-
do contrato, o interesse das partes e outras
lação de consumo).
circunstâncias peculiares ao caso (artigo 51,
Observou-se que a prestação dos servi-
§ 1º, III, do CDC).
ços públicos pelo próprio Estado, bem como
A onerosidade excessiva pode proporci-
por empresas estatais, tornou-se inadequa-
onar: a) o direito do consumidor em modifi-
da e insuficiente. Inadequada devido aos
car a cláusula contratual, a fim de que seja
mantido o equilíbrio do contrato, conforme crescentes processos de autarquização e
artigo 6º, V, do CDC; b) a revisão do contra- burocratização que se instalaram no Siste-
to em razão de fatos supervenientes não pre- ma TELEBRÁS, em razão das gestões que
vistos pelas partes quando da conclusão do lhe foram impostas, permitindo a interferên-
negócio (artigo 6º, V, do CDC); e c) nulidade cia política partidária no setor. Insuficiente
da cláusula por relevar a desvantagem exa- no que se refere ao atendimento à crescente
gerada ao consumidor, em conformidade demanda populacional do país, bem como
com o artigo 51, IV, e § 1º, III, do CDC. a necessidade de um desenvolvimento tec-
Verifica-se que a onerosidade excessiva nológico e qualitativo dos serviços de tele-
pode acarretar o enriquecimento sem cau- comunicações.
sa, ofendendo o princípio da equivalência No sentido de adotar uma nova concep-
contratual, o qual é instituído como base das ção de mercado, em que a competitividade,
relações jurídicas de consumo (artigo 4º, III, como fator dominante, faz-se presente, pos-
e artigo 6º, II, todos do CDC). sibilitando o desenvolvimento tecnológico
Vale ressaltar que somente as circuns- e a melhoria da qualidade dos serviços pres-
tâncias extraordinárias podem ser conside- tados, a Emenda Constitucional nº 8 de 1995

Brasília a. 37 n. 147 jul./set. 2000 125


“flexibiliza” o monopólio estatal no setor complementar a Lei nº 9.472/97. Caracteri-
de telecomunicações, abrindo espaço para zado pela sua função social e por normas
a iniciativa privada. gerais e supralegais, o Código de Defesa do
Assim, modificou-se o inciso XI do arti- Consumidor visa suprimir as deficiências
go 21 da Constituição Federal de 1988, per- legais no setor de telecomunicações, propor-
mitindo a concessão de serviços de utilida- cionando à Agência Nacional de Telecomu-
de pública a empresas de capital público e nicações – ANATEL melhores condições de
privado, bem como a criação de um órgão fiscalização e regulamentação dos serviços
regulador. de telecomunicações.
A constituição desse órgão regulador Em conformidade com os artigos 2º e 3º
das telecomunicações no País, com suas do CDC, os usuários dos serviços de teleco-
características e competências, consiste no municações, bem como as concessionárias
cerne do presente trabalho, já que a Agência prestadoras de tais serviços podem ser en-
Nacional de Telecomunicações – ANATEL, quadrados, de forma plena, nos conceitos
nesse novo cenário, tem função de suma de consumidor e fornecedor trazidos por
importância. A entrada de investimentos de esses preceitos legais.
capital privado, a competitividade “saudá- Assim a ANATEL, como órgão regula-
vel” entre as concessionárias, o controle de dor e fiscalizador, deve, em situações não
tarifas condizentes com a realidade social previstas pela Lei nº 9.472/97, principal-
são fatores que dependem direta e indireta- mente quanto a contratos de concessão de
mente da constituição desse novo órgão. serviços de telecomunicações (evitando
A Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, cláusulas abusivas, mantendo o equi-
chamada de Lei Geral das Telecomunica- líbrio na relação usuário–concessioná-
ções, dispõe sobre toda a organização dos ria), valer-se das normas da Lei nº 8.078/
serviços de telecomunicações, bem como a 90, já que se trata de preceitos supralegais,
criação e o funcionamento da Agência Na- aplicáveis às relações de consumo de bens
cional de Telecomunicações (ANATEL), e serviços. A utilização das normas do CDC
entidade integrante da Administração Pú- constitui um alicerce legal extensivo e com-
blica Federal Indireta, com regime autárqui- plementar para a regulamentação e fiscali-
co especial e vinculada ao Ministério das zação do setor de telecomunicações no
Comunicações. Brasil.
Caracterizada pela sua independência
administrativa, financeira e instrumental, a
ANATEL detém autonomia no controle e fis- Notas
calização do setor de telecomunicações, tan- 1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ad-
to no que se refere aos aspectos jurídicos ministrativo. 6. ed. São Paulo : Atlas, 1996. p. 56.
(concessões, licitações, etc.), quanto aos eco- 2
O Conselho Consultivo será integrado por re-
nômicos (preços de tarifas, novas tecnologi- presentantes indicados pelo Senado Federal, pela
as, equipamentos, concorrência, etc.). Câmara dos Deputados, pelo Poder Executivo e
por entidades representativas da sociedade, nos
Notou-se que, com o surgimento desse
termos do regulamento. O Presidente do Conselho
novo cenário, a legislação específica ao se- Consultivo será eleito pelos seus membros e terá
tor de telecomunicações (Lei nº 9.472/97), mandato de um ano (artigo 34).
apesar de complexa e extensiva, não é sufi- 3
A Corregedoria acompanhará permanentemen-
ciente para abranger todas as situações ju- te o desempenho dos servidores da Agência, avali-
ando sua eficiência e o cumprimento dos deveres
rídico-econômicas decorrentes da relação
funcionais e realizando os processos disciplinares
usuário–prestadora de serviços. (artigo 46).
Nesse sentido, verificou-se que há neces- 4
Ressalvados os documentos e os autos cuja
sidade da aplicação de normas que venham divulgação possa violar a segurança do País, se-

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gredo protegido ou a intimidade de alguém, todos Bibliografia
os demais permanecerão à consulta do público, sem
formalidades, na Biblioteca (artigo 39). ANTONELLI, C. Localized technological change in
5
O ouvidor será nomeado pelo Presidente da the network of networks: the interaction betwe-
República para mandato de dois anos, admitida en regulation and the evolution of technology in
uma recondução. Terá acesso a todos os assuntos e telecommunications. Industrial and Corporate
contará com o apoio administrativo de que necessi- Change. Oxford, v. 4., n. 4, 1995.
tar, competindo-lhe produzir apreciações críticas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉC-
sobre a atuação da Agência (artigo 45). NICAS. Referências bibliográficas: NBR 6023. Rio
6
Artigo 19 da Lei nº 9.472/97. de Janeiro, 1989.
7
Verifica-se que a Lei Geral de Telecomunica- BARROS, Aidil Paes de, LEHFELD, Neide Apare-
ções, apesar de exercer as competências legais de cida de Souza. Projeto de pesquisa e proposta
controle, prevenção e repressão das infrações da metodológica. 7. ed. Petrópolis : Vozes, 1998.
ordem econômica, não entra em conflito com as BRASIL. Comissão de Constituição e Justiça e de
normas do Conselho Administrativo de Defesa Eco- Redação. Proposta de Emenda à Constituição nº
nômica – CADE. 03/95: altera o inciso XI do art. 21 da CF. Brasí-
8
Lei nº 5.070/66, artigos 2º, 3º, 6º, parágrafo lia : Câmara dos Deputados, 1995.
único; 8º, § 2º. ______. Emenda Constitucional nº 8. Brasília : Câ-
9
O não-pagamento da taxa de fiscalização em mara dos Deputados, 1995.
2 (dois) exercícios funcionais ocasionará à conces- ______. Lei de Concessões e permissões: lei nº 8.987,
sionária sua caducidade, sem o direito de qualquer de 13 de fevereiro de 1995. Brasília : Congresso
indenização. Nacional, 1995.
10
MORAES, Luiza Rangel de. A reestruturação ______. Lei de licitações e contratos: lei nº 8.666, de
dos setores da infra-estrutura e a definição dos 21.06.1993, atualizada pela Lei nº 8.883 de
marcos regulatórios. Brasília : IPEA, 1997. p. 17. 08.06.1994. São Paulo : IMESP, 1993.
11
MORAES, Luiza Rangel de. Op. cit., p. 17. ______. Lei nº 9.295 de 19 de julho de 1996: lei que
12
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasi- dispõe sobre os serviços de telecomunicações e
leiro de defesa do consumidor: comentado pelos auto- sua organização, sobre o órgão regular e dá
res do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense Univer- outras providências. Brasília : Congresso Naci-
sitária, 1998. p. 8. onal, 1996.
13
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. ______. Lei nº 9.472 de 16 de julho de 1997: lei que
180. dispõe sobre a organização dos serviços de te-
14
Art. 183. Desenvolver clandestinamente ativi- lecomunicações, a criação e funcionamento de
dades de telecomunicação. Pena - detenção de dois um órgão regulador e outros aspectos institu-
a quatro anos, aumentada da metade se houver cionais, nos termos da Emenda Constitucional
dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil nº 8, de 1995. Brasília : Congresso Nacional,
reais). Parágrafo único - Incorre na mesma pena 1997.
quem, diretamente ou indiretamente, concorrer para BRASIL. Ministério das Comunicações. As teleco-
o crime. municações e o futuro do Brasil: flexibilização do
15
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. modelo atual. Brasília : Secretaria Executiva,
400. 1995.
16
Art. 49. O consumidor pode desistir do con- ______. Proposta de Emenda Constitucional nº 03/95:
trato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura altera o art. 21, XI, da CF – Voto separado.
ou do ato de recebimento do produto ou serviço, Brasília : Câmara dos Deputados, 1995.
sempre que a contratação de fornecimento de pro- ______. Proposta de Emenda Constitucional nº 03/95:
dutos e serviços ocorrer fora do estabelecimento altera o art. 21, XI, da CF – Parecer. Brasília :
comercial, especialmente por telefone ou a domicí- Câmara dos Deputados, 1995.
lio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o CRETELLA JUNIOR, José. Dos contratos adminis-
direito de arrependimento previsto neste artigo, os trativos. Rio de Janeiro : Forense, 1997.
valores eventualmente pagos, a qualquer título, ______. Tratado de direito administrativo. Rio de Ja-
durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de neiro : Forense, 1966/1972.
imediato, monetariamente atualizados. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito adminis-
17
Nos casos sem licitação, as tarifas serão fixa- trativo. 6. ed. São Paulo : Atlas, 1996.
das pela ANATEL e constarão obrigatoriamente ______. Parcerias na administração pública: conces-
do contrato de concessão (§ 4º do artigo 103 da Lei são, permissão, franquia, terceirização e outras
nº 9.472/97). formas. São Paulo : Atlas, 1996.
18
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. ENTERRIA, E. Garcia de. Curso de derecho adminis-
417-8. trativo. Madrid : Civitas, 1983.
Brasília a. 37 n. 147 jul./set. 2000 127
FAGUNDES, Jorge Luiz S. S. Serviços de telecomu- regulatórios. Brasília : IPEA, 1997.
nicações: progresso técnico e reestruturação com- MUKAI, Toshio. Estudos e pareceres de direito admi-
petitiva. Rio de Janeiro : IEI, 1995. nistrativo. São Paulo : Atlas, v. 1. 1997.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro OLIVEIRA, J.C. de. O papel do estado nas concessões
de defesa do consumidor: comentado pelos auto- de serviços públicos. Franca : Faculdade de Direi-
res do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense Uni- to da Universidade Estadual Paulista, 1995.
versitária, 1998. Tese de Doutorado.
JOHNSON, Bruce Baner et al. Serviços públicos no OLIVEIRA, Juarez de (org.). Constituição da Repú-
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tão pública. São Paulo : Edgard Blücher, 1996. ORTIZ, Gaspar Ariño. Teoria del equivalente econo-
LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Maria de An- mico en los contratos administrativos. Madrid :
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ed. São Paulo : Atlas, 1996. PESSINI, J. E. Competitividade da indústria de equi-
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Martha Maria dos, LEHEFELD, Neide Apare- e IEI/UFRJ, Financiado por MCT/FINEP/
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lho científico. São Paulo : Atlas, 1993. RODAS, J. Grandino. Sociedades comerciais e es-
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