Você está na página 1de 9

Agência Reguladora 

As agências reguladoras se formam com o Estado Gerencial Brasileiro,


quando o Estado deixa de ser executor e passa a ser regulador, como
vimos na primeira parte deste trabalho, com base nos arts 170, 173, 175 e
174 da CRFB.

O Estado, p.ex., ao desestatizar os serviços públicos de telecomunicações


cria a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL para controlar a
execução desses serviços pelos empresários ganhadores de uma
licitação, que passam a se chamar concessionários.

Este é o papel do Estado programado pela CRFB/1988.

De imediato, chamamos atenção para que não se confunda agência


reguladora com agência executiva, pois esta última apesar de ser uma
entidade autárquica, já existe e é qualificada por decreto com esta
denominação de agência executiva.

O único exemplo que temos da agência executiva é o INMETRO que


sempre existiu como autarquia, mas foi qualificado como agência
executiva, para possuir algumas vantagens.

As primeiras agências reguladoras foram ANEEL - Lei nº 9427/1996;


ANATEL - Lei 9472/1997 e ANP - Lei 9478/1997. São consideradas
agências reguladoras de primeira geração, por este motivo. Atualmente
existem mais de dez agências reguladoras federais e outras tantas
estaduais.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, temos a Agência de Energia e
Saneamento - AGENERSA - Lei nº 4555/2005 e a Agência de
transportes concedidos - AGETRANSP - Lei nº 4556/2005.

Depois de muito tempo, em âmbito federal foi criada a “Lei Geral das
Agências Reguladoras”, Lei nº 13.848/2019 que oferece regras gerais
sobre essas entidades autárquicas.

Percebam a dificuldade de se estudar agências reguladoras: a primeira foi


criada em 1996 e apenas no ano de 2019 passou a existir uma lei com
características gerais.

Em razão desta demora na criação das regras gerais, temos grandes


diferenças de uma agência reguladora para outra, até porque, como todas
são entidades autárquicas, todas foram criadas por lei específica, cada
qual com suas próprias características.

Até o aparecimento da lei geral federal, havia diferenças, até mesmo no


número de diretores e no mandato fixo de cada um no comando de uma
agência reguladora.

Os artigos finais da Lei nº 13.848/2019 alteraram as leis anteriores para


unificar o número de suas diretorias: 1 presidente e 4 diretores e de seus
mandatos em 5 anos.

O art. 3º da Lei nº 13.848/2019 elenca as características gerais das


agências reguladoras :

Lei nº 13.848/2019

Art. 3º A natureza especial conferida à agência


reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou

de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional,
decisória, administrativa e financeira e pela investidura
a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os
mandatos, bem como pelas demais disposições
constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à
sua implementação.

Até a criação dessa lei geral era utilizada a Lei da ANATEL, que apesar de
continuar válida, perde a referência para as demais agências. Percebam
as diferenças :

Lei nº 9472/1997

Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de


Telecomunicações, entidade integrante da
Administração Pública Federal indireta, submetida a
regime autárquico especial e vinculada ao Ministério
das Comunicações, com a função de órgão regulador
das telecomunicações, com sede no Distrito Federal,
podendo estabelecer unidades regionais.

…………………………………………………

§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à


Agência é caracterizada por independência
administrativa, ausência de subordinação hierárquica,
mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e
autonomia financeira.

A principal constatação dessas diferenças encontra-se na expressão
"independência administrativa”, que a nova lei geral alterou para
“autonomia administrativa”.

Sempre criticamos a expressão “independência” da Lei da ANATEL, até


porque é uma entidade da Administração indireta e é atingida por uma
supervisão ministerial.

Entretanto, apesar dessa vinculação, deve guardar uma autonomia


decisória resguardada por um mandato fixo para seus dirigentes, o que
impede uma exoneração por “capricho” do chefe do Poder Executivo.

Teoricamente o mandato fixo de seus dirigentes serve para preservar esta


forma de agir com autonomia. Um bom exemplo foi a relação do governo
Bolsonaro com a ANVISA durante a pandemia do Coronavírus, que, de
início, preocupou a todos quando indicou um almirante para presidi-la,
uma vez investido em mandato fixo, felizmente, agiu com autonomia e
manteve posicionamentos técnicos, que geraram conflitos com o Poder
Executivo..

Vale destacar a impropriedade da redação do art 3º da Lei nº


13.848/2019, transcrito acima. Percebam que logo no início da redação
afirma-se como característica das agências reguladoras “... ausência de
tutela ou subordinação hierárquica”.

Como já mencionamos, subordinação hierárquica não existe de fato, até


porque a hierarquia existe entre os órgãos de uma pessoa jurídica e não
entre pessoas jurídicas.

No entanto, não há acerto na afirmativa da citada Lei de que não existe


tutela, até porque no mesmo artigo, como já destacado, troca-se
"independência administrativa” por “autonomia administrativa”.

Sendo assim, se não existe também a tutela, melhor seria ter mantido a
expressão “independência administrativa” prevista na lei da ANATEL.

Sem dúvida nenhuma o tema mais importante a ser estudado nas


agências reguladoras é o seu poder normativo, afinal, o próprio nome da
entidade leva a entender que serão criadas regras para o setor regulado.

Por se tratar de uma entidade autárquica, os atos normativos das


agências reguladoras são atos administrativos normativos.

O principal ato administrativo normativo é o decreto, contudo este é


exclusivo do chefe do Poder Executivo. Por este motivo as agências
reguladoras optaram por utilizar as resoluções.

Como as agências reguladoras vão criar regras para o mercado regulado


por meio de ato administrativo normativo, é preciso muita atenção com a
famosa regra do inciso II do art 5º da CRFB: “Art. 5º
……………………………………………………………………………. II -
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;”

Todo cuidado deve ser tomado na criação de regras por meio de ato
administrativo normativo para regular o mercado de atuação de uma
agência reguladora.

Como compatibilizar a regra constitucional com o poder normativo da


agência reguladora?

Primeira providência é destacar que a resolução da agência reguladora


não regulamenta uma lei, e sim regula a atuação das empresas de um
determinado mercado.

Regulamento é uma coisa, a ação de “regular” é outra totalmente
diferente.

O decreto, ato administrativo normativo, que regulamenta uma lei, deve


respeito ao inciso II do art 5º da CRFB.

A resolução, ato administrativo normativo, ao criar uma regra técnica para


regular um setor da economia pode criar direitos e obrigações para as
empresas.

É fundamental citar o critério técnico da resolução, pois assim, a agência


reguladora não estará usurpando as atribuições do Poder Legislativo, pois
suas resoluções não têm conotação política.

O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto citando o professor


espanhol Eduardo Garcia Enterria, utiliza a expressão “deslegalização”
para fundamentar o poder normativo técnico das agências reguladoras.

A deslegalização permite à regulação não se prender ao inciso II do art 5º


da CRFB.

Quando temos as resoluções das agências reguladoras com a criação de


normas técnicas, temos exatamente o que se espera desta regulação, isto
é, maior rapidez na criação de regras para acompanhar as inovações do
mercado feita por profissionais com conhecimento técnico, e de seus
diretores, que integram os quadros da Agência Reguladora.

Também é muito utilizada a expressão “discricionariedade técnica” para se


referir ao poder normativo das agências reguladoras, em oposição a
“discricionariedade política", esta última de competência do Poder
Legislativo ao definir os temas a serem transformados em lei.

Quanto à formação dos quadros das agências reguladoras, temos que
separar a escolha de seus dirigentes e a contratação de seu pessoal
permanente.

Quanto à escolha dos dirigentes, esta se dá com uma indicação feita pelo
Presidente da República, que deverá ser ratificada pelo Senado Federal.

A indicação deverá recair sobre um profissional qualificado como


determina o art 5º da Lei nº 9986/2000:

Art. 5º O Presidente, Diretor-Presidente ou Diretor-


Geral (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor
ou da Diretoria Colegiada (CD II) serão brasileiros,
indicados pelo Presidente da República e por ele
nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos
termos da alínea “f” do inciso III do art. 52 da
Constituição Federal, entre cidadãos de reputação
ilibada e de notório conhecimento no campo de sua
especialidade, devendo ser atendidos 1 (um) dos
requisitos das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e,
cumulativamente, o inciso II: (Redação dada pela Lei
nº 13.848, de 2019).

I - ter experiência profissional de, no mínimo: (Incluído


pela Lei nº 13.848, de 2019).

a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, no campo


de atividade da agência reguladora ou em área a ela
conexa, em função de direção superior; ou (Incluído
pela Lei nº 13.848, de 2019).

b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos
seguintes cargos: (Incluído pela Lei nº 13.848, de
2019).

1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa


no campo de atividade da agência reguladora,
entendendo-se como cargo de chefia superior aquele
situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários
mais altos da empresa; (Incluído pela Lei nº 13.848,
de 2019).

2. cargo em comissão ou função de confiança


equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;
(Incluído pela Lei nº 13.848, de 2019).

3. cargo de docente ou de pesquisador no campo de


atividade da agência reguladora ou em área conexa;
ou (Incluído pela Lei nº 13.848, de 2019).

c) 10 (dez) anos de experiência como profissional


liberal no campo de atividade da agência reguladora ou
em área conexa; e (Incluído pela Lei nº 13.848, de
2019).

II - ter formação acadêmica compatível com o cargo


para o qual foi indicado.

Já os contratados para o quadro permanente de uma agência reguladora,


por esta se tratar de uma entidade autárquica, estarão submetidos ao
regime do cargo público, isto é, serão servidores públicos, estatutários, em
âmbito federal, regulados pela Lei nº 8112/1990.

Obviamente a forma de acesso será por meio de concurso público,
conforme sempre acontece no caso de preenchimento de cargo público.

Por fim, lembramos da “teoria da captura”, onde se procura evitar que


uma agência reguladora venha a ser capturada pelo governo ou pelo
mercado que atua, não apenas por meio de nomeações de seus
dirigentes, por conta de pressões políticas ou lobbies empresariais.

Atividade Extra

Parecer AC 51/2006 da AGU sobre a revisibilidade das decisões das


agências reguladoras pelo Ministério em que se encontra vinculada.
Disponível em: <
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:advocacia.geral.uniao:parecer:2006-
06-05;ac-51 >.

Referência Bibliográfica

ARAGÃO, Alexandre. Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense,


2005

Você também pode gostar