Você está na página 1de 4

AGÊNCIAS REGULADORAS

Origem. Para MSZP, no Direito Brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta
com função de regular as matérias de suas competências pode ser qualificada como agência reguladora, aqui considerada
em uma acepção ampla. Nesse sentido, acentua a autora que o único que constitui inovação é o próprio vocábulo. Na
década de 90, quando o Brasil, recém-saído de um longo período de ditadura e de um processo de impeachment do seu
primeiro Presidente eleito pelo voto direto, vivia um novo período democrático em ambiente de insegurança, o governo
resolveu implementar uma política de privatização de algumas entidades públicas e de concessão de serviços públicos que
eram prestados por entidades públicas em regime de monopólio. Para que essa pretensão governamental se mostrasse
exitosa, era necessário atrair um grande volume de capital de investimento. Trata-se de áreas como telefonia e energia, as
quais exigem centenas de milhões e até mesmo de bilhões de reais, em investimento. Diante dessa necessidade, imperioso
perceber que o investidor, nacional ou estrangeiro, não iria alocar os seus recursos se não sentisse a segurança de que
poderia explorar os serviços pelo tempo necessário para obtê-lo de volta, acrescido dos lucros que venham a tornar o
investimento rentável e sem a submissão às intempéries do humor político dos governantes. Essas agências vieram a
desempenhar os poderes que, na concessão, permissão e autorização de serviços públicos, eram, outrora, exercidos
diretamente pela própria entidade estatal, na qualidade de poder concedente, cabendo-lhe a responsabilidade pela licitação
e contratação dos serviços públicos, sua fiscalização e regulação. Nesse ambiente, nasceram as agências reguladoras
brasileiras, com inspiração no modelo norte-americano, em que as agências desfrutam de ampla independência no
exercício de suas atribuições. Nas agências de regulação independente norte-americanas, por exemplo, o Presidente da
República não possui competência para destituir o seu pessoal, sendo essa uma atribuição do Congresso, por se entender
que os poderes normativos e decisórios dessas agências exigem uma maior estabilidade para os seus membros. São
exemplos de agência reguladora a ANP, ANATEL, ANEEL, ANVISA, ANA, ANTAQ, dentre outros.

Características. A independência das agências reguladoras americanas, por óbvio, não poderia ser conferida às agências
pátrias, em virtude dos obstáculos constitucionais. No entanto, as agências reguladoras trouxeram algumas inovações que
conferiram um aspecto menos político e mais técnico a essas entidades, sobretudo a forma de escolha dos seus dirigentes
e o mandato a eles atribuído. Uma das principais características que conferem natureza técnica às agências reguladoras é
o fato de que suas decisões não se submetem à revisão de outro órgão integrante do Poder Executivo, mas, apenas, ao
controle de legitimidade exercido pelo Poder Judiciário. A Lei n° 13.848/2019, que trata da gestão, organização e controle
social das agências reguladoras, dispõe que a natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela
ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela
investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes
desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação.

Seus dirigentes são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado e exercem mandatos fixos, que
não devem coincidir com o mandato do Presidente da República, preservando, assim, o caráter técnico e de continuidade
da direção das agências reguladoras. Uma vez nomeados, os seus dirigentes só podem perder seus cargos em caso de
renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar que conclua pela aplicação
da perda do cargo, em razão do cometimento de falta funcional grave (Lei n° 9.986/2000, arts. 50, 6o e 90). A duração do
mandato e composição da diretoria varia de acordo com a lei criadora da agência.

O STF vem entendendo como constitucional a exigência prevista em lei que estabeleça a necessidade de aprovação prévia
pelo Poder Legislativo para a nomeação, pelo Chefe do Executivo, de dirigentes de autarquias e fundações públicas, tanto
as fundações públicas com personalidade jurídica de direito público quanto as fundações públicas com personalidade
jurídica de direito privado (ADIMC 2.225/SC, rei. Min. Sepúlveda Pertence, 29.06.2000).

Nosso ordenamento jurídico já possui entidades públicas integrantes da Administração Pública Indireta, com personalidade
jurídica de direito público, desempenhando atividades técnicas com uma maior independência em relação ao ente que a
criou, como é o caso das universidades, do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários, dentre outras. Dessa
forma, há que se reconhecer que a criação das agências reguladoras não passou de um marketing político e que, na
realidade, essas entidades são autarquias submetidas a um regime especial.

Quarentena. A Lei n° 9.986/2000, que trata da gestão de recursos humanos das agências reguladoras, estabeleceu, em
seu art. 8°, que os diretores das agências reguladoras ficam impedidos de exercer atividades ou de prestar qualquer serviço
no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu
mandato e que, durante a quarentena, o antigo diretor fará jus à remuneração compensatória equivalente à do cargo de
direção que exerceu e aos benefícios a ele inerentes. A quarentena em questão não existia para os demais ocupantes de
cargos públicos estratégicos até o advento da Lei n° 12.813/2013, que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de
cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego, que fixou a
quarentena de seis meses para os seguintes cargos e empregos públicos:
I - de ministro de Estado;
II - de natureza especial ou equivalentes;
III - de presidente, vice-presidente e diretor, ou equivalentes, de autarquias,
fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista; e
IV - do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis 6 e 5 ou
equivalentes.
Além dos agentes públicos mencionados acima, sujeitam-se ao mesmo disciplinamento os ocupantes de cargos ou
empregos cujo exercício proporcione acesso à informação privilegiada capaz de trazer vantagem econômica ou financeira
para o agente público ou para terceiro, conforme definido em regulamento. Apesar de as agências reguladoras possuírem
natureza de entidade autárquica especial, não se confundem com as autarquias, razão pela qual não podemos concluir que
as agências reguladoras estariam inseridas no inciso III, acima destacado. Ademais, pelo princípio hermenêutico da
especialidade uma norma deve ser considerada especial quando possuir na sua descrição legal todos os elementos típicos
da norma geral, acrescendo elementos de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial
acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se
assim 0 bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também seja previsto na geral,
conforme ensina Maria Helena Diniz. Portanto, ao regular, de forma geral, a quarentena dos ocupantes de diversos cargos
públicos, mas não tratar especificamente da situação do diretor das agências reguladoras, entendemos que a Lei n°
12.813/2013 não revogou 0 art. 8° da Lei n° 9.986/2000. Para reforçar o argumento acima, pode-se destacar que a redação
inicial da Lei nº 12.813/2013 pretendia revogar expressamente o citado art. 8° da Lei n° 9.986/2000, sendo objeto de veto
presidencial. Contudo, faz-se necessário salientar que a AGU vem entendendo que a Lei n° 12.813 alargou o prazo de
quarentena para seis meses para os dirigentes das agências reguladoras. Trata-se de entendimento que vincula os
membros da AGU, vez que aprovado pelo Advogado-Geral da União, mas que não foi objeto de aprovação pela Presidência
da República, razão pela qual não vincula toda a Administração Pública Federal. 0 desrespeito ao período de quarentena
pelo antigo dirigente pode submetê-lo ao crime de advocacia administrativa, além de poder caracterizar improbidade
administrativa. Durante o período da quarentena o ex-dirigente ficará vinculado à agência, fazendo jus à remuneração
equivalente à do cargo de direção que exerceu e aos benefícios a ele inerentes.

Regime de pessoal. A Lei n° 9.986/2000 inicialmente previu que as agências reguladoras teriam suas relações de trabalho
reguladas pela CLT, entretanto a Lei n° 10.871/2004 alterou tal disposição criando as carreiras das agências reguladoras,
as quais serão ocupadas por integrantes de cargos públicos, possuindo, dessa forma, relação estatutária.

Da interação e articulação das agências reguladoras. As agências reguladoras devem realizar ampla articulação e interação
com órgãos de defesa da concorrência, com o órgão de defesa do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, bem como com as agências reguladoras ou órgãos de regulação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
nas respectivas áreas de atuação, buscando zelar pelo cumprimento da legislação e realizando monitoramentos e
fiscalizações de sua competência. Importa salientar que no que concerne à articulação com agências e órgãos reguladores
estaduais, municipais e do DF não poderá ocorrer descentralização de atividades do Sistema Único de Saúde (SUS), que
observarão o disposto em legislação própria, sendo vedada a delegação de competências normativas.

Função regulatória. É considerada uma competência de as agências expedirem normas com o intuito de regularem a
prestação, a fiscalização e a fruição dos serviços públicos que lhe são afetos. No entanto, há que se indagar sobre a
natureza dessas normas, se poderiam possuir um caráter inovador ou se prestariam, apenas, para complementar leis
preexistentes. José dos Santos Carvalho Filho ensina que, na França, ocorre o fenômeno da deslegalização, que consistiria
em uma outorga de competência do Poder Legislativo a órgãos técnicos dotados de expertise, em razão da impossibilidade
fática reconhecida de os parlamentares dominarem e acompanharem a evolução de áreas como telefonia, energia, dentre
outras. Nessas situações, a agência reguladora possuiria competência para editar ato administrativo de caráter inovador, o
que significa legislar, cabendo ao Poder Legislativo a fiscalização dessa atividade legislativa, tolhendo-a quando
entendesse que há excesso ou dispondo de forma diversa, sempre que entender necessário ou, apenas, conveniente. A
deslegalização contribuiria para a produção de uma moderna legislação sobre temas técnicos, que sofrem constante
evolução, contudo, a deslegalização não é admitida pelo nosso texto constitucional, que confere ao Poder Legislativo a
competência para editar leis de caráter inovador, cabendo aos órgãos e entidades com função regulatória editar normas
complementares no intuito de melhor disciplinar as suas áreas de atuação. No entanto, o STJ entende que não há violação
ao princípio da legalidade na aplicação de multa prevista em resoluções editadas por agências reguladoras, haja vista que
elas foram criadas no intuito de regular, em sentido amplo, os serviços públicos, havendo previsão na legislação ordinária
delegando à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos no seu âmbito de atuação (AgRg no
AREsp 825.776/SC).

Em seu processo decisório, as agências reguladoras devem adotar práticas de gestão de riscos e de controle interno e
elaborar e divulgar programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais
destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção. A agência reguladora
deverá indicar os pressupostos de fato e de direito que determinarem suas decisões, inclusive a respeito da edição ou não
de atos normativos. O processo de decisão da agência reguladora referente a regulação terá caráter colegiado.
A adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou
usuários dos serviços prestados serão, nos termos de regulamento, precedidas da realização de Análise de Impacto
Regulatório

(AIR), que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo. A realização de AIR poderá ser
considerada obrigatória ou facultativa, nos termos definidos por regulamento interno de cada agência. Serão objeto de
consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as
propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos
serviços prestados. Caso a agência reguladora, no exercício de suas atividades, exorbite os limites de sua competência
institucional ou venha a contrariar política pública fixada pelo Poder Executivo federal, caberá a interposição de recurso
hierárquico impróprio ao ministério de sua área de atuação, nos termos fixados pelo Parecer Normativo n° 51/2006, da
AGU, aprovado pelo Exmo. Presidente da República e, portanto, vinculante para toda a Administração Pública Federal.
Segue trecho do Parecer acima mencionado: "Em suma, não há suficiente autonomia para as agências que lhes possa
permitir ladear, mesmo dentro da lei, as políticas e orientações da administração superior, visto que a autonomia de que
dispõem serve justamente para a precípua atenção aos objetivos públicos. Não é outra, portanto, a conclusão com respeito
à supervisão ministerial que se há de exercer sempre pela autoridade ministerial competente, reduzindo-se, no entanto, à
medida que, nos limites da lei, se atendam às políticas públicas legitimamente formuladas pelos Ministérios setoriais. Por
isso, se afirma que a autonomia existe apenas para 0 perfeito cumprimento de suas finalidades legais".

Enfim, as agências reguladoras possuem natureza jurídica de autarquias especiais, são criadas por lei específica, com a
finalidade de absorver as matérias antes concentradas no Executivo. Possuem certa independência em relação ao
Executivo, uma vez que possuem regime especial e mandato fixo.

► Importante!
Em relação às agências Reguladoras, não há controle de subordinação ou hierarquia, mas existe uma tutela administrativa
quanto aos fins.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?


□ "As agências reguladoras são autarquias em regime especial, sendo que os seus servidores efetivos são
selecionados por concurso público e são regidos por normas estatutárias".(2017)
□ “Segundo jurisprudência do STF, a subordinação da nomeação dos dirigentes das agências reguladoras à prévia
aprovação do Poder Legislativo não implica violação à separação e à independência dos poderes". (2008)
□ Quanto ao poder de polícia normativo das agências reguladoras, “inclui, no âmbito das agências reguladoras, a
possibilidade de tipificar ineditamente condutas passíveis de sanção, de acordo com o STJ.
□ Incorreta: "Quarentena é 0 mecanismo pelo qual o ex-dirigente de uma agência reguladora, seu cônjuge,
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, ficam impedidos
de desempenhar funções públicas, pelo período de quarenta dias a contar da data de sua exoneração".
□ incorreta: "As relações de trabalho nas agências reguladoras são regidas pela CLT e pela legislação trabalhista
correlata, em regime de emprego público". (2012)

Você também pode gostar