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INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS

CAROLINE COELHO DE OLIVEIRA LIMA

A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL:


UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ART. 40 DA LEI DE EXECUÇÕES
FISCAIS

TERESINA
2020
CAROLINE COELHO DE OLIVEIRA LIMA

A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL:

UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO ART. 40 DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS

Monografia apresentada ao curso de


Especialização em Direito Tributário do
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários
– IBET – Teresina - Piauí, como requisito
parcial para obtenção do título de
especialista.

Orientadora: Professora Camila Gomes de


Matos Campos Vergueiro

TERESINA-PI
2020
LIMA, Caroline Coelho de Oliveira. A prescrição Intercorrente na Execução Fiscal: uma
análise constitucional do art. 40 da Lei de execuções fiscais, 2020. Monografia apresentada
no Curso de Especialização em Direito Tributário, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários –
IBET.

Resumo

O Código Tributário Nacional instituído por meio da Lei Complementar nº 5.172/1966


dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário
aplicáveis à união aos estados, distrito federal e municipios. Dentre tais, traz as
hipóteses de extinção do crédito tributário por meio da prescrição, esta regulada no
seu art. 174. Por outro lado, a lei execuções fiscais nº 6.830/1980, no seu art. 40 traz
a previsão da extinção do crédito tributário decorrente da prescrição na sua
modalidade intercorrente. No entanto, esta norma fora introduzida no ordenamento
jurídico na forma de lei ordinária de modo a gerar questionamentos no que tocam à
constitucionalidade do dispositivo normativo. O presente trabalho visa debater a
prescrição na execução fiscal por meio dos diversos institutos que norteiam a relação
jurídico tributária bem como analisar a constitucionalidade do art. 40 da Lei de
Execuções Fiscais para regulamentar tal instituto.
Palavras-Chave: Execução Fiscal. Constitucionalidade. Prescrição Intercorrente.
Abstract

The National Tax Code 1966 instituted through a Complementary Law (Código Tributário, Lei
Complementar No. 5.172 / 1966), features the national tax system and the general institutions
of tax law related to the union, the states, the federal district, and city. Among such, it brings
as hypotheses of extinction, of tax credit, through prescription, that is regulated in the section
174. On the other hand, the Law of Tax Enforcement 1980 (Lei de Execução Fiscal, nº
6813/1980), in the section 40, brings a forecast of tax credit extinction resulting from the
prescription in its intercurrent form. However, this rule was introduced in the legal system in
the form of ordinary law generating questions that contests the constitutionality of the
normative device. The present paper aims to debate the prescription in the tax enforcement
through several institutes that guide the tax legal relationship as well as to analyze the
constitutionality of the section 40 of the brazilian Tax Enforcement Law for the Regulatory
Institute.

Keywords: Tax Enforcement. Constitucionality. Intercurrent prescription.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 6
1. A OBRIGAÇÃO E O CRÉDITO TRIBUTÁRIO – DE SUA
CONSTITUIÇÃO À EXTINÇÃO ............................................................. 8
1.1. Obrigação tributária ..................................................................................... 8
1.1.1. Elementos da obrigação tributária ........................................................... 9
1.1.2. Formas de constituição da obrigação tributária ....................................... 9
1.1.3. Formas de extinção da obrigação tributária ........................................... 12
2. O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL ....................................... 14
2.1. A Lei de execução fiscal – Lei nº 6.380/1980 ........................................... 14
2.2. Requisitos para propositura da ação de execução fiscal ....................... 14
2.3. O tempo no processo de execução fiscal ................................................ 16
3. A PRESCRIÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA .............................. 18
3.1. Definição de prescrição ............................................................................. 18
3.2. A prescrição e o crédito tributário ............................................................ 18
3.3. A prescrição intercorrente e seus fundamentos ..................................... 21
4. O ART. 40 DA LEI 6830/80 AO LUME DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL ............................................................................................ 24
4.1. Lei complementar x Lei ordinária ............................................................. 24
4.2. Análise constitucional do art. 40 da lei 6830/80 ...................................... 25
CONCLUSÃO ...................................................................................... 29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... 31
6

INTRODUÇÃO

A constante modificação de preceitos legais e entendimentos jurídicos seja


pela doutrina, seja pela jurisprudência, aliada à diversidade das normas jurídicas,
tornam o estudo da ciência jurídica indispensável ao desenvolvimento da sociedade
e suas relações.

Dentre as diversas searas desta ciência, sem dúvida o Direito Tributário é uma
das que mais geram debates nas academias, nos fóruns e tribunais de todos os graus
de jurisdição.

Não obstante vasta legislação esparsa que versa sobre o Direito Tributário, não
se deve analisá-lo sem o balizamento imposto pela Constituição Federal e o controle
de constitucionalidade.

O intuito do presente trabalho é aprofundar os conceitos e dinâmicas que


envolvem a relação jurídica tributária, abordando a obrigação tributária a partir da sua
constituição até a sua extinção.

Em específico, requer-se aprofundar uma das hipóteses de extinção do crédito


tributário, qual seja, a prescrição na sua modalidade intercorrente prevista no art. 40
da Lei de Execução Fiscal.

Ocorre que, o art. 40 da LEF, por se tratar de uma norma instituída por Lei
Ordinária, vem sendo constantemente debatida no que diz respeito à sua
constitucionalidade ao tratar de matéria reservada à lei complementar.

Naturalmente, os questionamentos que se impõem são entraves à tão


almejada segurança jurídica, o que torna salutar debatê-los com serenidade e se
utilizando da melhor técnica para contribuir de forma propositiva com a discussão
posta.

Por isto perpassaremos no capítulo 1 por conceitos básicos atinentes à


relação jurídica tributária desde o seu nascedouro até sua extinção, seguindo o
capítulo 2 analisaremos o processo de exação por meio da execução fiscal
analisando os requisitos de propositura e procedimentos estabelecidos pela lei de
execuções fiscais.
7

No capítulo 3 aprofundaremos a análise do instituto da prescrição e seus


fundamentos aplicada ao direito tributário de modo que possamos chegar ao
capítulo 4 para analisar o art. 40 da LEF ao lume da Constituição Federal,
objetivando solucionar a seguinte questão: o art. 40 da LEF é dotado de vício de
inconstitucionalidade? Em sendo inconstitucional, não há que se falar em prescrição
pós início do processo de execução fiscal?

O método de pesquisa a ser utilizado será o dedutivo, partindo de premissas


maiores (gerais), premissas menores (específicas) em busca de uma conclusão
coerente e fundamentada.
8

1. A OBRIGAÇÃO E O CRÉDITO TRIBUTÁRIO – DE SUA CONSTITUIÇÃO À


EXTINÇÃO

1.1. Obrigação tributária

Para uma melhor análise do tema proposto, faz-se necessário esclarecer


alguns pressupostos que serão fundamentais para o desenvolvimento deste
trabalho.

Desta forma, importante destacar o surgimento do crédito tributário, donde


considera-se ser este parte integrante e indissociável da obrigação tributária, vez
que sem o crédito não se percebe uma obrigação ao passo que sem a obrigação o
crédito perde seu fundamento de existência. (CARVALHO, 2019)

A obrigação tributária surge com o vínculo jurídico que se estabelece entre os


sujeitos ativo e passivo, quando da ocorrência da subsunção do fato à hipótese de
incidência prevista na norma tributária.

Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 446), “concretizando-


se o fato previsto no descritor da regra de incidência, inaugura-se, como vimos, uma
relação jurídica de conteúdo patrimonial, que conhecemos por “obrigação tributária””.

É, pois, o produto auferido da prática por parte do contribuinte e devidamente


vertido em linguagem competente, de qualquer ato definido na norma como passível
de prestação de natureza tributária em favor da fazenda pública (União, Estado,
Município ou Distrito Federal).

Neste sentido, leciona o professor Paulo de Barros Carvalho:

Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico
tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar
absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese
tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se, automática e
infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o
sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação,
ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.
(CARVALHO, 2019, p. 329).
9

1.1.1. Elementos da obrigação tributária

Ao analisarmos a estrutura da regra matriz de incidência tributária – RMIT,


consideramos que esta se subdivide em um antecedente, composto pelo critérios
material, temporal e espacial, descrevendo como, onde e quando pode se considerar
ocorrido o fato imponível, e um consequente composto pelos critérios pessoal e
quantitativo, os quais prescrevem os direitos e obrigações, quando da subsunção do
fato à hipótese de incidência.

Desta forma, a obrigação tributária se consagra com a prática do fato imponível


devidamente vertido em linguagem competente, em cujo conteúdo se identifica alguns
elementos caracterizadores do vínculo obrigacional, quais sejam: o sujeito ativo, o
sujeito passivo, o dever, o direito subjetivo e o objeto. Sinteticamente podemos
conceituá-los:

Direito subjetivo, é o elemento da obrigação destinado a quem cabe exigir a


prestação pecuniária decorrente da subsunção do fato imponível à norma tributária.

A redação do art. 119 do CTN prescreve que sujeito ativo da obrigação é a


pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o cumprimento.

Dever, é o elemento da obrigação daquele que pratica no mundo fenomênico


um fato imponível previsto na norma.

Sujeito Passivo, segundo a redação do art. 121 do CTN, é a pessoa obrigada


ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Em outras palavras, é o detentor do dever de realizar o crédito tributário em


favor do sujeito ativo em razão da prática no mundo fenomênico de fato jurídico
imponível previsto na norma e devidamente vertida em linguagem competente.

Objeto da obrigação é o centro de convergência do direito subjetivo e do


correlato dever, qual seja, a prestação de caráter patrimonial, dever de um e direito
subjetivo de outro. (CARVALHO, 2019).

1.1.2. Formas de constituição da obrigação tributária


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Considera-se lançamento, o ato jurídico administrativo de editar norma


individual e concreta que constitui a obrigação tributária e consequentemente o crédito
tributário, por se tratar de institutos indissociáveis.

O art. 142 do CTN prescreve que lançamento é “o procedimento administrativo


tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Não obstante o tratamento do lançamento como procedimento administrativo,


vale destacar as palavras do professor Paulo de Barros Carvalho:

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos


simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem
jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como
antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do
vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a
determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e
correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos
espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido. (CARVALHO, 2019, p.
474)

Conclui-se, pois, que o lançamento é o veículo introdutor de uma norma


individual e concreta que delimita a obrigação tributária e estabelece o dever de
prestação pecuniária ao sujeito passivo. Neste raciocínio, é o instrumento que verte
em linguagem competente a ocorrência no mundo fenomênico de um fato jurídico
imponível.

O Código Tributário Nacional prevê três modalidades de lançamento, de acordo


com o grau de participação do sujeito passivo, quais sejam: o lançamento por
declaração, o lançamento de ofício e o lançamento por homologação, nos art.
147, 149 e 150 respectivamente.

O lançamento por declaração, nos termos do art. 147 do CTN, é aquele


efetuado pela autoridade administrativa com base nas informações fornecidas pelo
sujeito passivo ou por terceiro em cumprimento de obrigações acessórias.

Neste sentido, o professor Ricardo Alexandre afirma que:


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O lançamento por declaração é efetuado com base na declaração do sujeito


passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária,
presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato in
dispensáveis à sua efetivação. (Alexandre, 2017. p. 451)

Nesta modalidade de lançamento, verifica-se uma importante colaboração do


sujeito passivo para a confecção do ato.

O lançamento de ofício, por sua vez, não possui qualquer colaboração do


sujeito passivo, de modo que o fisco se utiliza das informações que já possui a seu
respeito para efetuar o lançamento em expressa manifestação do seu dever de
tributar.

O artigo 149 do CTN traz os casos em que esta modalidade de lançamento


será efetuada, senão vejamos:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade


administrativa nos seguintes casos:

I - quando a lei assim o determine;

II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e


na forma da legislação tributária;

III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado


declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na
forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela
autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste
satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer


elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração
obrigatória;

V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa


legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo
seguinte;

VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro


legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício


daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por
ocasião do lançamento anterior;

IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta


funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade,
de ato ou formalidade especial.

Insta esclarecer que, o mero lançamento e a sua notificação ao sujeito passivo


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não é suficiente para constituir “em definitivo” o crédito tributário.

Em razão do princípio do contraditório e da ampla defesa, após a notificação


do lançamento é resguardado ao sujeito passivo o direito de insurgir-se contra a
imposição da obrigação tributária, iniciando assim, nas palavras do professor
Ricardo Alexandre (2017, p. 549) “a fase contenciosa do lançamento, o que,
conforme se deduz do art. 145 do CTN, pode gerar uma alteração do próprio
lançamento realizado”.
Conclui-se, portanto, que o crédito tributário estará definitivamente constituido
quando, após a notificação o sujeito passivo não exerça, no prazo legal, o direito ao
contraditório e ampla defesa, ou que após exaurida a fase contenciosa do lançamento,
se estabeleça a manutenção do lançamento anterior ou eventual alteração em
definitivo.

Verifica-se, portanto, que com a constituição definitiva irrompe a exigibilidade


do crédito tributário, ou seja, o direito da Fazenda Pública de cobrar o cumprimento
da norma individual e concreta introduzida.

O lançamento por homologação é a modalidade que conta com a


participação direta do sujeito passivo, devendo este prestar as devidas declarações,
instituir a norma individual e concreta e efetuar a prestação pecuniária liquidada para
posteriormente o fisco operar a homologação do pagamento.

Tal entendimento se constrói do art. 150 do CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja

legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem

prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a

referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo

obrigado, expressamente a homologa.

1.1.3. Formas de extinção da obrigação tributária

O art. 156 do CTN elenca as hipóteses de extinção da obrigação tributária e do


crédito tributário:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


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I - o pagamento;

II - a compensação;

III - a transação;

IV - remissão;

V - a prescrição e a decadência;

VI - a conversão de depósito em renda;

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos


do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo


164;

IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na


órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X - a decisão judicial passada em julgado.

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições


estabelecidas em lei.

A extinção do crédito tributário pressupõe o encerramento da relação jurídico


tributária que originou a obrigação tributária. Desta forma, na ocorrência de qualquer
das hipóteses previstas no artigo restará extinta a obrigação de prestação pecuniária,
seja em razão da quitação por meio do pagamento, compensação, transação,
conversão de depósito em renda, homologação de pagamento antecipado,
consignação em pagamento, seja pela perda do objeto da obrigação em razão da
prescrição, decadência, decisão administrativa irreformável ou decisão passada em
julgado.
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2. O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

Após definitivamente constituído o crédito tributário, não sendo devidamente


adimplida a prestação por parte do sujeito passivo e não ocorrendo nenhuma das
hipóteses extintivas ou suspensivas do crédito constituído, este se torna exigível,
cabendo ao sujeito ativo provocar a tutela jurisdicional do estado para ver alcançada
a satisfação do crédito tributário por meio da execução fiscal.

2.1. A Lei de execução fiscal – Lei nº 6.380/1980

Nos termos do art. 1º da LEF, a execução judicial para cobrança da dívida ativa
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é regida pela Lei nº
6.830/1980 – Lei de execuções fiscais e no que esta for omissa, serão aplicadas no
que forem compatíveis, as normas do código de processo civil de forma subsidiária.

Esta lei traz no seu bojo dispositivos de natureza material a exemplo do art. 2º
que define a dívida ativa tributária, e também processual, estabelecendo disciplina
própria no rito da ação executiva e tendo por objetivo tornar o processo mais célere
de modo que a execução fiscal já ajuizada não permaneça eternamente nos
escaninhos do Poder Judiciário ou da procuradoria encarregada do processo.

2.2. Requisitos para propositura da ação de execução fiscal


Como já foi dito anteriormente, a execução fiscal destina-se à cobrança da
dívida ativa das fazendas públicas.
No que tange a informar sobre o que é Dívida Ativa, em um conceito instrutivo
e sucinto de Theodoro Júnior temos que: “É o oposto de dívida pública. Esta é título
executivo, líquido, certo e exigível do poder público para com terceiros e aquela [dívida
ativa] é crédito dos Entes Federativos, necessário para posterior cobrança executiva”.
(THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 58)
É importante dizer que a Lei nº 6.830/1980 (LEF) que regulamenta o
procedimento da execução fiscal no ordenamento jurídico brasileiro, em seu artigo 2º,
§§ 1º e 2º, trouxe um conceito mais amplo de dívida ativa, entretanto, modificando as
suas espécies, além de definir a sua composição:
Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como
tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as
alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
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elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos


Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que
trata o art. 1º (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas
autarquias), será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não
tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais
encargos previstos em lei ou contrato.9 Com isto, quando se fala em dívida
ativa, devemos considerar, além do valor da dívida, a atualização monetária,
os juros e multa de mora e os encargos fixados legal ou contratualmente.

Com isto, quando se fala em dívida ativa, devemos considerar, além do valor
da dívida, a atualização monetária, os juros e multa de mora e os encargos fixados
legal ou contratualmente.

Consoante disposição do Código de Processo Civil, a execução deve se


fundamentar em um título executivo (CPC, art. 771) que corresponda a uma obrigação
líquida, certa e exigível (CPC, art. 783).

O título é o documento que, nos termos da lei, constitui o direito para o credor
de usar o processo executivo para realizar a prestação que o devedor está obrigado
a cumprir em seu favor.

A liquidez e certeza são atributos da obrigação corporificada no título, o qual,


por sua natureza documental, pode revelá-las, antes do acesso ao juízo da execução
forçada. Toda obrigação emerge de algum fato, de sorte que, para se aquilatar da
existência e do objeto de um vínculo obrigacional, é preciso conhecer, com segurança,
o fato jurídico que o gerou e a prestação que terá de ser realizada para o respectivo
cumprimento. (THEODORO JÚNIOR, 2016)

Para a Fazenda Pública valer-se do procedimento especial previsto na Lei


Federal nº 6.830, de 22/09/1980, é imprescindível a inscrição do débito na dívida ativa.

De acordo com disposto no art. 201, do CTN, “constitui dívida ativa tributária a
proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição
administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela
lei ou por decisão final proferida em processo regular”.

Conforme o disposto no art. 2º, § 3º, da LEF, o procedimento de inscrição da


dívida ativa é realizado pelo órgão de representação judicial da respectiva Fazenda
Pública. Inscrita a dívida ativa, emite-se a respectiva certidão de dívida ativa que torna
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o crédito exigível por ser o título executivo que autoriza a provocação da tutela
executiva.

Com a certidão de inscrição na dívida ativa a petição inicial será instruída


indicando, nos termos do art. 6º da Lei 6830/1980 o juízo ao qual se dirige, o pedido,
o requerimento para citação do executado e o valor da causa correspondente ao valor
estabelecido na certidão com os respectivos encargos legais.

2.3. O tempo no processo de execução fiscal

Após a propositura da ação de execução fiscal, o juízo competente apreciará


os requisitos de aptidão ao prosseguimento do feito, podendo deferir ou indeferir a
petição inicial.

O despacho que ordena a citação, deferindo a inicial, interrompe o prazo


prescricional, nos termos do artigo 8º, § 2º, da Lei 6.830/80 (LEF) e 174, I do CTN.
Efetuada a citação, terá o executado prazo de 5 (cinco) dias para pagar a dívida ativa
ou garantir a execução.

Como garantia da execução, o executado poderá efetuar depósito em dinheiro;


oferecer fiança bancária ou seguro garantia; nomear bens à penhora, observada a
ordem do artigo 11, ou indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela
Fazenda Pública (art. 9º da LEF).

Na hipótese de não ocorrer o pagamento, nem a garantia da execução de que


trata o artigo 9º da LEF, a penhora poderá recair sobre qualquer bem do executado,
exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis (art. 10 da LEF).

Garantida a execução, como meio de defesa, o executado poderá apresentar


no prazo de 30 dias (art. 16 da LEF) os embargos à execução podendo alegar toda
matéria fática e jurídica modificativas, suspensivas ou extintivas do crédito tributário.
Igual prazo será garantido à Fazenda Pública para manifestar-se a respeito dos
embargos apresentados (art. 17 da LEF).

Ademais, em caso de recebimentos dos embargos, estes serão julgados e a


decisão proferida poderá dar deferimento aos pedidos do executado, ou de determinar
os atos expropriatórios em relação aos bens penhorados em favor da Fazenda
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Pública, considerando-se o trânsito em julgado de decisão desfavorável ao sujeito


passivo (embargante).

Notadamente, o processo de execução fiscal é passível de restar infrutífero


ante a ausência de pagamento ou de bens penhoráveis. No entanto, o ordenamento
jurídico pátrio impõe mecanismos que se aplicam no sentido de garantir a segurança
jurídica e a não perpetuação de direitos e obrigações no decurso do tempo.

No próximo capítulo passaremos a analisar de forma aprofundada o principal


mecanismo de garantia da segurança jurídica pelo decurso do tempo, qual seja, a
prescrição em matéria tributária.
18

3. A PRESCRIÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

3.1. Definição de prescrição

O instituto da prescrição pode ser encontrado em todos os ramos das ciências


jurídicas, de modo a dar efetividade a um dos mais importantes princípios do
ordenamento, qual seja, a segurança jurídica.
Importante ressaltar que, a segurança jurídica não está posta apenas para
proteger as pretensões do sujeito de direitos. Vai além. Impõe-se para resguardar
também o sujeito detentor de obrigações, de modo que, uma vez que o sujeito ativo
de determinada obrigação não exerça a sua pretensão de exigir o cumprimento dessa,
não poderá, em razão do decurso do tempo, pleiteá-la eternamente. (ALEXANDRE,
2017)
A prescrição, em seu sentido mais amplo, corresponde à perda da pretensão
de se exercer determinado direito que lhe convém.
Para o Direito Tributário, a prescrição é caracterizada pela perda do direito de
exigir o crédito tributário em razão da inércia do sujeito ativo em prover as medidas
cabíveis para ver satisfeito o seu crédito.
Sob a ótica do sujeito passivo, a prescrição é meio de defesa a impedir a
perpétua exação por parte do sujeito ativo da obrigação tributária.
Neste sentido leciona Renata Elaine Silva:
A prescrição restringe a aplicação de um direito, qual seja, de exigir o crédito
tributário pelos meios legalmente estabelecidos. Caso este procedimento não
seja realizado, dentro do limite temporal da norma, por meio de linguagem
competente, deixa de ser tributo, extingue-se, perde a juridicidade. (SILVA,
2016, p 131)

Do exposto, depreende-se que, para a caracterização da prescrição, faz-se


necessária a presença de dois elementos essenciais: o decurso de certo lapso
temporal e a inércia do titular de direito.

3.2. A prescrição e o crédito tributário


No Direito Tributário, a temporalidade da prescrição é regulada pelo art. 174 do
Código Tributário Nacional, assim disposto:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco


anos, contados da data da sua constituição definitiva.
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Como já mencionado anteriormente, considera-se a constituição definitiva do


crédito tributário, quando do transcurso do prazo para impugnação do ato de
lançamento, ou após a prolação de decisão administrativa irreformável.

A partir deste marco, inicia-se a contagem do prazo prescricional de 05 (cinco)


anos para que a Fazenda Pública exerça seu direito de exigir que o sujeito passivo da
obrigação tributária efetue o pagamento da prestação pecuniária exigível.

Por outro lado, cabe ressaltar que na modalidade de lançamento por


homologação, o STF e o STJ têm entendido que a constituição definitiva do débito,
para fins de prescrição, ocorrerá no momento da entrega da declaração. Neste caso,
o prazo de 5 anos de prescrição, previsto no art. 174 do CTN, inicia-se da data do
vencimento da dívida, constante da declaração, ou da data da entrega da declaração,
destas, considera-se a que formais benéfica ao contribuinte. (STJ, Resp nº
764859/PR)

No entanto, e aqui chamamos a atenção para a importância deste ponto, o


parágrafo único do art. 174 do CTN estabelece as hipóteses em que poderá haver a
interrupção do prazo prescricional, senão vejamos:

Art. 174

(...)

Parágrafo Único: A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;

II - pelo protesto judicial;

III- por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe


em reconhecimento do débito pelo devedor.

Interromper o prazo prescricional resulta na devolução integral do prazo à


pessoa que seria prejudicada com a consumação do ato. (ALEXANDRE, 2017)
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Neste sentido, ao não se demonstrar inerte na exação fiscal, o Estado mantém


para si, a salvaguarda para não ver se esvair o seu direito de obter a satisfação do
crédito tributário.

Em apertada análise dos incisos dispostos no parágrafo único do art. 174 do


CTN, é possível perceber que os três primeiros são atos que dependem diretamente
de iniciativa da Fazenda Pública, uma vez que a hipótese do inciso I pressupõe que o
Fisco ingressou com a medida judicial cabível para cobrar o crédito exigível, os incisos
II e III remetem ao agir do fisco para perseguir o seu direito de ter cumprida a obrigação
tributária.

Tão somente no inciso IV verifica-se a hipótese que pode ocorrer


extrajudicialmente e que depende de ato perpetrado pelo sujeito passivo, consistente
na confissão de dívida.

No que toca à prescrição em matéria tributária, assevera-se ainda que apesar


de não haver no CTN um dispositivo expresso, no sentido de prescrever hipóteses de
“suspensão” do prazo prescricional, a legislação tributária em alguns casos reconhece
a possibilidade da suspensão do prazo prescricional.

Neste sentido, a suspensão do prazo prescricional deve ser entendida como a


medida que barra o curso do prazo prescricional, e quando do afastamento da causa
suspensiva o prazo prescricional retoma o seu curso de onde parou. Assim, a título
de exemplo, se já houver decorrido 2 (dois) anos do prazo prescricional e sobrevier
hipótese de suspensão deste prazo, após o afastamento desta, o prazo é retomado
pelos 3 (três) anos restantes. (ALEXANDRE, 2017, p.554)
21

3.3. A prescrição intercorrente e seus fundamentos

Uma vez proposta a execução fiscal, com a citação válida do executado a


persecução pela satisfação do crédito tributário é medida que se impõe à Fazenda
Pública, devendo ela envidar esforços nas diligências de busca por patrimônio do
executado capaz de garantir o pagamento do débito.

Ocorre que, não raramente, tais esforços restam infrutíferos ante a não
localização de bens ou mesmo do próprio devedor de modo que o objeto da execução
fiscal reste inalcançável.

Notadamente, por apreço à segurança jurídica, ao princípio da razoável


duração do processo, princípio da razoabilidade e proporcionalidade e ao princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, artigo 5º, LXXVIII), não pode o fisco cobrar tributos
eternamente.

O Princípio da Razoável Duração do processo é estabelecido no artigo 5º,


LXXVIII da Constituição Federal Pátria (BRASIL, 1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a


razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

O entendimento que se constroi da exegese deste dispositivo é no sentido de


que o poder judiciário não deve permitir que por desídia de uma das partes, não se
exerça a tutela jursidicional no processo, de modo que este permaneça inerte e se
perpetue indefinidamente no tempo.
Ademais, não é razoável, admitir que um processo de execução fiscal tenha
uma duração infinita.
Por fim, o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º,
inciso III da Constituição Federal, como um dos fundamentos do estado democrático
de direito, impõe que um mínimo de direitos devem ser respeitados pela sociedade
e pelo poder público.
22

Deste modo, resta claro que perpetuar a persecução fiscal impondo ao sujeito
passivo da obrigação tributária uma perseguição eterna e indefinida ao seu
patrimonio, bem como o desvirtuamento do processo de modo abarrotar o judiciário
com demandas infrutíferas e infindáveis afrontam pressupostos basilares impostos
pela Constituição Federal, devendo o ordenamento combater tais anomalias com
institutos como a prescrição.

Neste sentido, o instituto da prescrição intercorrente foi regulamentado pela Lei


de nº 11.051 de 29 de dezembro de 2004, alterando significativamente a Lei 6.830/80
– LEF. Essa alteração se deu pela introdução do inédito parágrafo 4º ao seu artigo 40,
o qual passou a dispor da seguinte redação:

O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o


devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e,
nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao


representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o


devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento
dos autos.

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo


prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício,
reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela
Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4 o deste artigo


será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao
mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei
nº 11.051, de 2004)

Trata-se de uma modalidade prescricional a ocorrer no curso do processo,


diferindo-se, pois, da prescrição do art. 174 do CTN. Por outro lado, a esta se
assemelha por decorrer da inércia do fisco em prover medidas satisfativas do crédito
tributário.

Note-se que antes da edição da Lei 11.051/2004, o art. 40 da LEF trazia


literalmente a possibilidade de perpetuação da execução fiscal, desde que a Fazenda
Pública se mantivesse diligente a encontrar bens do devedor para que sobre eles
recaísse a penhora. Para tanto, era suficiente que, mesmo após a suspensão do curso
da execução e o arquivamento determinado pelo caput, parágrafos primeiro e
segundo, respectivamente, a Fazenda Pública requeresse a realização de qualquer
ato de busca por bens, independentemente de serem frutíferos ou não, para impor
23

novamente a suspensão do prazo prescricional, entrando em um mesmo ciclo


processual eterno.
24

4. O ART. 40 DA LEI 6830/80 AO LUME DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A prescrição intercorrente até o advento da Lei nº 11.051/2004 era uma criação


doutrino-jurisprudencial e frequentemente utilizada como fundamento para extinção
do crédito tributário no curso do processo de execução fiscal. Após a promulgação da
referida lei, aquele instituto fora introduzido formalmente no ordenamento jurídico com
o acréscimo do parágrafo 4º ao artigo 40 da LEF.

No entanto, parte da doutrina e jurisprudência elevaram o debate da temática


ao campo da constitucionalidade da aplicação deste instituto na forma disposta no
ordenamento, de modo que para o desenvolvimento deste trabalho requer-se uma
análise aprofundada desta problemática.

4.1. Lei complementar x Lei ordinária

A lei complementar é definida constitucionalmente para exercer papel no


sentido de evitar que determinadas matérias, de significativo mérito para o
ordenamento jurídico, tornem-se objeto de uma diversidade de normas que tendem a
instalar a insegurança jurídica.

Neste sentido, leciona o professor Paulo de Barros Carvalho:

“Os assuntos que o constituinte reservou para o campo da lei complementar


estão quase sempre expressos, inobstante possamos encontrar, em alguns
passos, a simples alusão à lei, desacompanhada do qualificativo
complementar. Em circunstâncias como essa, a bem empreendida análise do
comando supremo apontará que a grandeza do tema somente pode ser
objeto de lei complementar, visto que estão em pauta regulações diretas de
preceitos da Lei Maior, que por outros estatutos não poderiam ser versadas”.
(CARVALHO, 2019, p. 271)

Deste modo a lei complementar é o veículo introdutor de norma que dispõe


sobre matéria expressa ou implicitamente descrita no texto constitucional através de
aprovação por quórum qualificado, nos termos do art. 69 da CF, ou seja, aprovação
por maioria absoluta nas duas casas do Congresso Nacional o que naturalmente
dificulta a sua alteração e confere maior segurança jurídica.

Por outro lado, a lei ordinária é uma norma jurídica primária infraconstitucional
que contém normas gerais e abstratas que regram a coletividade. Sua competência é
25

material residual, ou seja, o que a Constituição Federal não determinou que seja
tratado por norma jurídica específica, será tratado por uma lei ordinária, esta a ser
aprovada pelo poder legislativo mediante maioria simples. (ALEXANDRE, 2017)

4.2. Análise constitucional do art. 40 da lei 6830/80

Dentro da temática abordada no presente trabalho temos que a Lei 6.830/80 foi
introduzida ao ordenamento jurídico na forma de lei ordinária recepcionada pela
Constituição Federal de 1988. No entanto, em seu bojo o art. 40 traz hipóteses de
suspensão do prazo prescricional, bem como estabelece a possibilidade de
decretação de prescrição intercorrente de ofício pelo magistrado.

Ocorre que o art. 146 da Constituição Federal preceitua que cabe à Lei
complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre o instituto da prescrição:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,


especialmente sobre:

[...]

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência


tributários;

No que toca ao caput do art. 40 da LEF observa-se clara regulação da


prescrição ao estabelecer hipótese de suspensão do prazo prescricional. Tal medida
importa em uma inevitável extensão do tempo a impedir a consumação do prazo de 5
anos para extinção do crédito tributário.

Ademais, a Lei nº 11.051/04 que introduz formalmente a prescrição


intercorrente no ordenamento jurídico com o acréscimo do §4º à lei de execuções
fiscais, é lei ordinária a regular matéria de prescrição tributária, o que vai de encontro
ao texto da Carta Magna, em razão da competência exclusiva da lei complementar.

O Supremo Tribunal é assente no sentido de não haver hierarquia entre lei


ordinária e lei complementar, pois a distinção entre elas se dá em face da Constituição
Federal, considerando-se a matéria tratada por cada, além do quórum de aprovação
como já abordado. (STF, RE 377.457/PR)
26

Nesta linha de raciocínio, verifica-se que além da matéria precisar ser tratada
mediante edição de lei complementar, a forma estabelecida incorre em vício de
inconstitucionalidade, posto que insurge a necessidade de aprovação por um quórum
de maioria absoluta nas duas casas do Congresso Nacional.

O voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do RE 567935/SC pelo STF


corrobora este entendimento.

Entendo que aqui há uma reserva de lei complementar, e, portanto, se o


legislador ordinário, de alguma forma, não observa essa reserva, certamente
nós estamos diante de um fenômeno que nós consideramos aqui um caso de
inconstitucionalidade e, evidentemente, de inconstitucionalidade, segundo a
doutrina que nós adotamos, de inconstitucionalidade formal; se, em lugar de
uma lei, editássemos um decreto, também haveria essa mesma situação,
para regulamentar situações que só, por lei, podem ser disciplinadas. O fato
é que essa distinção, a rigor, não tem grande relevância ao fim e ao cabo. O
próprio Kelsen, quando tratou da matéria, destacou que, por um tipo de
raciocínio, todas as inconstitucionalidades eram formais e não materiais,
porque era sempre possível, por uma nova forma, consertar ou reparar o
estado de inconstitucionalidade. Se se editasse um decreto, assim
considerado inconstitucional, porque a matéria deveria ser submetida à lei,
poder-se-ia superar aquela situação por lei. E se se editasse uma lei
inconstitucional, por contrariedade à Constituição, poder-se-ia fazer uma
emenda constitucional. Mas a tradição manteve essa distinção e a mim me
parece que a doutrina que nós aqui adotamos se encaminha no sentido de
reconhecer aqui como uma matéria reservada à lei complementar e, portanto,
insuscetível de ser disciplinada, nesses termos, pela lei ordinária.

Uma vez que as normas gerais sobre prescrição e decadência tributária


somente podem ser estabelecida na via de lei complementar, o STF editou a súmula
vinculante nº 8 para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da lei 8212/91
por tratarem de dobra de prazos prescricionais e decadenciais da seguridade social
(ALEXANDRE, 2017. p. 460).

Em relação à suspensão do prazo prescricional do caput do art. 40, bem como


a inserção do seu §4º pela lei 11.051/2004, a jurisprudência do STJ no REsp
735.220/RS defende a sua constitucionalidade por entender que não aborda matéria
reservada à lei complementar, limitando-se, em verdade, a dispor sobre matéria de
direito processual civil, norma de natureza processual de aplicação imediata,
alcançando inclusive os processos em curso.

EMENTA1: A jurisprudência do STJ, no período anterior à Lei


11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição intercorrente em
matéria tributária não podia ser decretada de ofício. 2 – O atual parágrafo
4º do art. 40 da LEF (Lei 6830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de
30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente
por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a
27

Fazenda Pública, permitindo- lhe arguir eventuais causas suspensivas


ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de
natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os
processos em curso. [...]

Daí se afastar a tese de que a mencionada lei seria inconstitucional, por


cuidar de matéria afeta à lei complementar (art. 146, III, ”b”, CF). Parece-
nos que não é este o melhor modo de ver, pois a norma não tratou de
prazo prescricional, alterando a sistemática de contagem ou o período
quinquenal, por exemplo, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito
processual civil.

Nosso entendimento, entretanto, alinha-se ao estabelecido pelo STF, visto que


o art. 40 da Lei de execuções fiscais não somente trata de norma eminentemente
processual, uma vez que seus efeitos acarretam na prorrogação do prazo
prescricional, bem como na possibilidade de decretação de uma modalidade de
prescrição não estabelecida por lei complementar.

A suspensão do prazo prescricional disposta no caput do art. 40 impõe um


lapso temporal que posterga o direito objetivo da extinção do crédito tributário, de
modo que voltando o prazo a correr após um ano, ao final tem-se na prática um prazo
prescricional de 6 anos, em dissonância ao preceito constitucional. (SILVA, 2016)

Desta forma, entendemos que qualquer hipótese de suspensão ou interrupção


no prazo de prescrição intercorrente depende da reserva de lei complementar, na
função de normas gerais em matéria de legislação tributária, conforme artigo 146,
inciso III, alínea b, da Constituição Federal de 1988, isto é, depende de disposição
expressa no CTN.

Esta controvérsia é objeto do Recurso extraordinário nº 636.562/SC, para o


qual STF deverá debruçar-se para analisar o art. 40 da Lei de execuções fiscais sob
a ótica constitucional. De acordo com o nosso entendimento, tal decisão deverá
convergir para declaração de inconstitucionalidade da aplicação do dispositivo para
débitos de natureza tributária.

No nosso entendimento, isto não quer dizer, no entanto, que pela


inconstitucionalidade do art. 40 da LEF a prescrição intercorrente em matéria tributária
seja inexistente.

Cabe relembrar que o instituto da prescrição é norma temporal que visa garantir
a segurança jurídica e a não perpetuação do direito, não podendo ser observado como
norma punitiva ao credor, mas sobretudo como um direito subjetivo do devedor.
28

Neste sentido, o art. 174, parágrafo único, inciso I do CTN estabelece que o
despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal interrompe a prescrição.
Como já tratado anteriormente, a interrupção do prazo prescricional devolve ao credor
o prazo de 5 anos para a exigibilidade do crédito tributário, ou seja, o período já
transcorrido não será considerado na nova contagem, que se inicia no mesmo instante
em que é interrompido o prazo. (SILVA, 2016)

A prescrição intercorrente é a que decorre do transcurso do prazo de


exigibilidade do crédito tributário no curso da execução fiscal já prevista no referido
art. 174 do CTN, norma esta, com natureza de lei complementar e competente a
versar sobre prescrição em matéria tributária.

Numa análise sistemática da norma é possível concluir que a modalidade


intercorrente da prescrição já se encontra presente no direito tributário devendo ser
aplicada com o transcurso do prazo de 5 anos contados a partir do despacho do juiz
que determina a citação do executado.
29

CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou aprofundar no estudo da relação jurídica tributária


abordando a obrigação tributária a partir da sua constituição até a sua extinção.

Tratou da dinâmica do processo de execução fiscal trazendo conceitos e


elencando procedimentos inerentes, perpassando pelo estudo do instituto da
prescrição em matéria tributária e, especialmente, da prescrição intercorrente prevista
no art. 40 da LEF.

Tal desenvolvimento se fez necessário para analisar o art. 40 da LEF sob o


prisma da Constituição Federal e aborda os diversos entendimentos a respeito da
aplicabilidade deste dispositivo ao processo de execução fiscal.

Da problemática proposta construímos o entendimento de que apesar de não


haver hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, a CF é clara ao reservar
determinadas matérias às leis complementares dada a complexidade da matéria e
ao quórum qualificado que dificulta a sua alteração, proporcionando maior
segurança jurídica às relações.

Neste sentido, não poderia a lei de execuções fiscais, uma lei ordinária,
versar sobre hipóteses de suspenção e extensão do prazo prescricional, de modo
que concluiu-se pela inconstitucionalidade deste dispositivo normativo.

Não obstante a inconstitucionalidade do art. 40 da LEF, entendemos que a


prescrição intercorrente em matéria tributária já se encontra prevista no Art. 174 do
CTN. Tal posicionamento resulta da análise sistemática do dispositivo, uma vez que
a prescrição é norma temporal que impede a perpetuação do direito e visa garantir a
segurança jurídica.

Não poderíamos conceber que após a propositura da execução fiscal e do


consequente despacho do juiz que determina a citação do executado a exigibilidade
do crédito tributário fosse eterna. O próprio art. 174, parágrafo único, inciso I
estabelece esta hipótese como sendo causa interruptiva do prazo prescricional.

Uma vez que no direito a interrupção é um efeito jurídico que tem por propósito
paralisar a contagem de um prazo em andamento devolvendo ao titular do direito a
integralidade do tempo para exigi-lo, de modo que o período já transcorrido não será
30

considerado, o novo prazo de 5 anos para prescrição da exigibilidade do crédito


tributário se inicia no mesmo instante em que é interrompido.
31

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