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A impossibilidade de o Estado de São Paulo aplicar norma antielisiva com base

no parágrafo único do artigo 116 do CTN

The impossibility of the State of São Paulo to apply an anti-avoidance rule based
on the sole paragraph of article 116 of the CTN

Roberta França Porto


Mestre em Direito Tributário pelo Instituto brasileiro de Estudos
Tributários (IBET). Professora conferencista da Pós-Graduação em
Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário
(IBET). Advogada Tributarista.
roberta@hmlaw.com.br

Fernanda Pereira Martins


Mestranda em Direito Tributário pelo Instituto brasileiro de
Estudos Tributários (IBET). Advogada Tributarista.
fernandapereiramartins@gmail.com

Resumo: Este artigo objetivou analisar a ausência de eficácia técnica do parágrafo


único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) – introduzido pela Lei
Complementar 104 de 2001. Pela inclusão desse parágrafo único, pretendeu-se
possibilitar, em caráter nacional, à autoridade administrativa a desconsideração de
atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária. Contudo, o dispositivo em questão delegou à lei ordinária a adoção de
procedimentos para que seja possível a atuação da autoridade administrativa. Da
análise da Lei nº 11.001/2001 do Estado de São Paulo, a qual acresceu o artigo 84-A à
lei que regula o ICMS naquele Estado (Lei nº 6.374/1989), verificou-se que essa
norma, cujo objetivo era o de dar eficácia ao parágrafo único do artigo 116 do CTN
dentro de seu âmbito de competência, não cumpriu esse mister determinado pela lei
de cariz nacional.
Palavras-chave: Tributário. Normas Gerais. Artigo 116 do CTN. Eficácia limitada.
Lei nº 11.001/2001 do Estado de São Paulo.

Abstract: This article aimed to analyze the lack of technical effectiveness of the
single paragraph of article 116 of the National Tax Code (CTN) - introduced by
Complementary Law 104 of 2001. By including this single paragraph, it was intended
to enable, on a national basis, to the administrative authority to disregard of legal acts
or transactions carried out with the purpose of disguising the occurrence of the taxable
event or the nature of the constitutive elements of the tax obligation. However, the
provision in question delegated to the ordinary law the adoption of procedures to
make it possible for the administrative authority to act. From the analysis of Law nº
11.001/2001 of the State of São Paulo, which added article 84-A to the law that
regulates ICMS in that State (Law nº 6.374/1989), it was found that this norm, whose
objective was to give effect to the sole paragraph of article 116 of the CTN within its
scope of competence, it did not fulfill this duty determined by the law of national
nature.

Key words: tax. General Norms. Article 116 of the CTN. Limited effectiveness. Law
nº 11.001/2001 of the State of São Paulo.

1. Introdução
Há muito as funções das normas gerais de direito tributário são tema de
intensos e aprofundados debates. Não é à toa. Repartidas as competências legislativas
tributárias, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) atribui à lei complementar a tarefa
de veicular normas gerais de direito tributário para, dentre outras atribuições,
disciplinar o quanto determinado pelas alíneas elencadas pelo inciso III, de seu artigo
1461, harmonizando o sistema tributário nacional.

1
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de
pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II,
das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Nesse sentido, Tércio Ferraz Junior,2 já tratava do vínculo entre as normas
gerais e a segurança jurídica, observando o assunto pela ótica da função-certeza
dessas normas como normas primárias que contêm princípios destinados à pluralidade
dos entes da federação, que visa a estrutura administrativa da Constituição.
As alíneas “a” e “b”, do inciso III, do artigo 146 da CF/88 e a Lei
Complementar 104/2001, que alterou o Código Tributário Nacional (CTN) para
inserir o parágrafo único no seu artigo 116, introduziram no sistema tributário
nacional norma geral antielisiva.
A referida alteração legislativa permitiu que as autoridades administrativas
desconsiderassem atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária.
Desde já, importante esclarecer que a palavra antielisiva deve ser lida com
aspas por ser considerada, pelas autoras, expressão atécnica, à medida que a norma
antielisiva em questão não visa coibir a elisão fiscal, que cuida de atos lícitos, mas sim
autorizar à autoridade administrativa que desconsidere os atos dissimulados,
caracterizadores da evasão fiscal.
Nesse contexto, este breve estudo se preocupa em elucidar a ineficácia técnica
que atinge o parágrafo único do artigo 116 do CTN e que, adiantemos nossas
conclusões, impedem sua aplicação, sem que lei ordinária estabeleça os
procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa.
Para demonstrar a impossibilidade de aplicabilidade do parágrafo único do
artigo 116 do CTN, na hipótese de lei ordinária não estabelecer os procedimentos a
serem adotados pela autoridade fiscal, é que se elegeu para análise a lei do Estado de
São Paulo (Lei estadual nº 6.374 de 1989).
Conforme se depreende do título deste trabalho, entendemos que o Estado de
São Paulo não estabeleceu o procedimento administrativo exigido pelo parágrafo
único do artigo 116 do CTN, limitando-se a replicar o referido texto normativo com
supressão da determinação de que devem ser observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária, evidenciando, assim, a ineficácia técnica do parágrafo
único do artigo 116 do CTN.

2
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Segurança jurídica e normas gerais tributárias. Revista de Direito
Tributário. São Paulo, v. 5, n. 17/18, 1981, p. 55.
Contudo, com o fundamento no artigo 84-A da citada Lei paulista nº
6.374/1989, introduzido pela Lei nº 11.001/2001, que nada dispõe acerca dos
procedimentos necessários para que a autoridade administrativa desconsidere atos ou
negócios jurídicos, o fisco paulista tem desqualificado negócios, baseado em norma
geral antielisiva carente de eficácia técnica, violando os princípios constitucionais da
tipicidade, da legalidade tributária e da segurança jurídica.

2. A harmonização do sistema tributário nacional como função das normas


gerais
Cientes das muitas e profundadas discussões que envolvem, há tempos, o tema
das normas gerais de direito tributário,3 para este breve estudo, importa verificarmos
uma de suas características: a de harmonização do sistema tributário nacional.
No âmbito da legislação concorrente, compete à União o estabelecimento de
normas gerais (artigo 24, parágrafo 1º, da Constituição Federal), sendo de atribuição
do Congresso Nacional, conforme prevê o artigo 48, I, também da Carta da República,
dispor sobre o sistema tributário.
A lei complementar tributária, por seu turno, é o veículo introdutor eleito para
edição das normas gerais. E na relação sintática entre a Carta Magna de 1988, artigo
146, III, e normas gerais de direito tributário, já advertia Souto Maior Borges, 4 a
Constituição distinguiu, por serem preceitos diversos, entre conflitos de competência
em matéria tributária (inciso I do artigo 146), limitações constitucionais ao poder de
tributar (inciso II) e normas gerais de direito tributário (inciso III).
Citado inciso III, que se refere às normas gerais, se desdobra em quatro
alíneas, dentre as quais nos interessam mais de perto as duas primeiras: (a) definição
de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados
nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes
e (b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

3
A respeito das muitas discussões, José Souto Maior Borges, leciona com precisão: “Não se
circunscrevem normas gerais de direito tributário, nem a duas, nem a três funções, é outro modo de
dizer a mesma coisa. Prossegue-se, então, na crítica à metodologia da quantificação conceitual na
doutrina do direito tributário. Não sem antes extrair mais uma conclusão parcial: as funções das normas
gerais de direito tributário são incomensuráveis. Insusceptíveis a medida de quantidade, desmedidas. O
paradoxo do pensamento doutrinário é pretende pensar o impensável: quantificar o inquantificável, i. e,
normas gerais”. (BORGES, José Souto Maior. Sobre o todo e suas partes no sistema tributário
nacional. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n. 218, 2013, p. 113).
4
BORGES, José Souto Maior. Sobre o todo e suas partes no sistema tributário nacional. In: Revista
Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n. 218, 2013, p. 53.
A lei complementar de que tratamos, portanto, é lei aplicável à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, isto é, pode ser considerada nacional e
não simplesmente federal pelo seu âmbito pessoal de validade. É, assim, lei
subjetivamente nacional.5
Rubens Gomes de Sousa já afirmava que ao editar normas gerais (de direito
financeiro) a União tem de agir não na sua qualidade de titular de uma competência
legislativa sujeita a confrontos com as outras competências legislativas concorrentes,
a do Estado e a do Município, mas sim na condição de entidade que ocupa posição de
superioridade hierárquica dentro do sistema federativo, posição essa que confere à
União, “e somente a ela, a única possibilidade de efetivar uma regulamentação
uniforme da atuação dos preceitos constitucionais”.6
As normas gerais em matéria tributária, nesse sentido, são eficazes em todo o
território nacional, acompanhando o âmbito de validade espacial dele, e se endereçam
aos legisladores das três ordens de governo da Federação. E, assim consideradas,
articulam o sistema tributário da Constituição às legislações fiscais das pessoas
políticas (ordens jurídicas parciais), caracterizando-se como normas sobre normas em
sede de tributação.7
Paulo de Barros Carvalho8 lembra que a legislação complementar cumpre, em
termos tributários, relevante papel de mecanismo de ajuste, calibrando a produção
legislativa ordinária em sintonia com os mandamentos supremos da Constituição da
República.
Nesse contexto, é característica da norma geral a complementação dos
comandos constitucionais (sem, todavia, inová-los), harmonizando, sempre que
preciso, os meios de atuação entre as pessoas políticas de direito público.

3. O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional – uma norma


geral
A Lei Complementar 104/2001 alterou o Código Tributário Nacional para
incluir no artigo 116 o parágrafo único, com a seguinte disposição:
5
Ibidem, p. 53.
6
SOUZA, Rubens Gomes de. Normas gerais do direito financeiro. In: Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, v. 37, p. 5.
7
CALMON, Sacha. A lei complementar como agente normativo ordenador o sistema tributário e da
repartição de competências tributárias. In: 50 Anos do Código Tributário Nacional – XIII Congresso
Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2016, p. 1163.
8
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 7ª ed. São Paulo: Noeses,
2018, p. 400.
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato
gerador e existentes os seus efeitos:
(...)
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados
os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” Grifos nossos.
A regra contida no parágrafo único do dispositivo em exame, alocada no
Código Tributário Nacional no Título das Obrigações Tributárias, capítulo dedicado
ao Fato Gerador é norma geral, conforme, aliás, autoriza o Texto Constitucional na
previsão das alíneas a e b, do inciso III, do artigo 146.
Assim, e antes de nos apressarmos em debater ser ou não a prescrição trazida
pela Lei Complementar 104/2001 norma “antielisiva”, fato é que em se tratando de
hipótese que influi diretamente na determinação do conteúdo material do tributo e do
lançamento tributário, o comando se dirige à todas as pessoas políticas, União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, amoldando-se à característica das leis
complementares de normas gerais de matéria tributária.
No entanto, em que pese o objeto do presente estudo dirigir-se à análise da
última parte do parágrafo único do artigo 116 do CTN, para tentar responder se a lei
paulistana teria estabelecido os procedimentos necessários à aplicação desse
dispositivo do CTN, é necessário, ao menos brevemente, tratar da polêmica
qualificação norma geral antielisiva recebida pelo preceito legal. É o que faremos a
seguir.

3.1 Norma geral antielisiva?


As características das normas antielisivas são determinantes para que se
verifique a natureza do que preceitua o parágrafo único do artigo 116 do CTN.
Divergências à parte, no geral existe razoável consenso no sentido de que a
elisão fiscal corresponde à economia lícita de tributos, e a evasão fiscal à sonegação
ou outras práticas ilícitas.
As cláusulas gerais antielisivas são, nas palavras de Alberto Xavier, 9 normas
que têm por objetivo comum a tributação de atos ou negócios jurídicos extratípicos,

9
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética,
2001, p. 85.
isto é, não subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos econômicos
equivalentes aos dos atos ou negócios jurídicos típicos sem, no entanto, produzirem as
respectivas consequências tributárias.
João Francisco Bianco,10 por sua vez, identifica duas posturas elisivas, sendo
uma de natureza comportamental, na qual o contribuinte deixa de praticar o fato
gerador para evitar o pagamento do tributo. Outra, de maior interesse para o presente
estudo, de natureza factual, para descrever as hipóteses em que situações de fato,
normalmente objeto de tributação, são amoldadas ou adaptadas a figuras jurídicas, não
ensejando a incidência de tributo, ou ensejando a menor.
Na última hipótese descrita acima, o contribuinte, ao invés de utilizar o
negócio jurídico direto para dar formato jurídico à situação de fato, adota um negócio
jurídico indireto para evitar a incidência do tributo, circunstância que não guarda
nenhuma relação com a simulação.
Hugo de Brito Machado ensina que a expressão elisão é própria aos atos e
negócios lícitos, enquanto evasão é expressão que definir as condutas ilícitas, confira-
se:
“Se tivermos, porém, de estabelecer uma diferença de significado entre esses
dois termos, talvez seja preferível, contrariando a preferência de muitos, utilizarmos
elisão para designar a conduta lícita e evasão para designar a conduta ilícita.
Realmente, elidir é eliminar, ou suprimir, e somente se pode eliminar, ou suprimir, o
que existe. Assim, quem elimina ou suprime um tributo está agindo ilicitamente, na
medida em que está eliminando, ou suprimindo, a relação tributária já instaurada.” 11
A redação dada para o parágrafo único do artigo 116 do CTN utilizou-se da
expressão do modelo francês de norma antielisiva, em que naquele sistema foi
normatizada a repressão ao abuso de direito, prevendo-se a impossibilidade de opor à
administração dos impostos os atos que dissimulam a verdadeira compreensão de um
contrato ou de uma convenção, hipóteses em que a Administração fica autorizada a
requalificar os fatos.12

10
BIANCO, João Francisco. Norma Geral Antielisão – Aspectos Relevantes. In: O planejamento
tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 148.
11
MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade da jurisdição.
São Paulo: Atlas, 2004, p. 139.
12
TORRES, Ricardo Lobo. Normas gerais antielisiva. Revista Eletrônica de Direito Administrativo. n.
4. – novembro/dezembro de 2005 e janeiro de 2006. REDAE: Salvador, p. 22. Disponível em
http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=71. Acesso em: 3 ago. 2022.
De todo modo, ainda que o aproveitamento da expressão emprestada do
ordenamento francês cause desconforto, filiamo-nos à lição de Mizabel Derzi 13 para
quem "mediante a inserção de um parágrafo único no art. 116, está autorizada a
autoridade administrativa a desconsiderar, tão-somente, atos ou negócios jurídicos
dolosamente dissimulados, fraudulentos, ou seja, aqueles que visam a ocultação do
fato gerador ou de elementos constitutivos da obrigação."
A adoção de uma expressão estrangeira, somada muitas vezes ao pouco trato
técnico do legislador, termina por gerar conflitos semânticos e o resultado se prova
pelas já antigas discursões que o tema proporciona.
Para que a regra contida no parágrafo único do artigo 116 do CTN seja
compatível com o ordenamento jurídico brasileiro é necessário que se tenha em mente
tratar-se, ela, de requalificação de negócios jurídicos ilícitos; já que para a
requalificação de negócios jurídicos lícitos não há possibilidade dentro do nosso
sistema. Sobre o tema, importante trazer outra valiosa lição de Paulo de Barros
Carvalho14 para quem:
“(...) a celebração de negócio jurídico válido, cuja escolha decorre da
autonomia da vontade e livre iniciativa do particular, implicando a ausência de
subsunção do fato à norma tributária ou acarretando o quadramento à norma tributária
que prescreva exigências menos onerosas, é perfeitamente lícita e não susceptível de
desconsideração pela autoridade administrativa. Isso porque, como tenho
reiteradamente afirmado, a realidade jurídica é constituída pelo próprio direito: este
prevê a forma e a linguagem a ser adotada para que se tenha determinado fato ou não.
Dessa maneira, havendo preferência por certa forma, é inaceitável que esta seja
ignorada pela simples razão de seu resultado econômico vir a ser semelhante ao de
outra forma, diferentemente tributada.”
A respeito da compatibilidade de referido dispositivo com o sistema jurídico,
Maria Rita Ferragut15 assevera inexistir inconstitucionalidade desse dispositivo
entendido no seu alcance normativo: para desconsiderar atos jurídicos dissimulados,
que encubram o fato real, precursor de consequências tributárias, implicando, assim,
13
DERZI, Mizabel Abreu Machado. A desconsideração dos atos e negócios jurídicos dissimulatórios,
segundo a Lei Complementar 104. In: O planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 205.
14
CARVALHO, Paulo de Barros. Entre a forma e o conteúdo na desconstituição dos negócios jurídicos
simulados. IBET, Notus. Disponível em: https://www.ibet.com.br/%E2%80%A2entre-a-forma-e-o-
conteudo-na-desconstituicao-dos-negocios-juridicos-simulados-por-paulo-de-barros-carvalho/. Acesso
em: 3 ago. 2022.
15
FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 203.
em evasão fiscal, não autorizando, tal dispositivo, a cobrança de tributo em razão de
operação, ocorrida dentro dos rigores da lei, economicamente mais vantajosa, nas suas
palavras:
“O fato de as exposições de motivos constantes da Lei Complementar
104/2001 considerar que os planejamentos fiscais impliquem diminuição de
arrecadação e que, por isso, deveriam ser combatidos, não significa ter sido essa a
opção legislativa: na elisão fiscal, não há fato ocultado, único constante do enunciado
capaz de gerar a desconsideração do ato”.16
É ainda Paulo de Barros Carvalho17 quem lembra que a própria Constituição
da República, ao garantir o direito de propriedade (art. 5º, XXII) e o pleno direito ao
exercício da autonomia da vontade (art. 5º, IV, IX, XIII, XV e XVII; e art. 170 e seus
incisos), dentre os quais se encontra a liberdade contratual, confere ao contribuinte a
permissão para ordenar-se do modo que entender mais vantajoso, segundo o princípio
da livre iniciativa.
Não por outro motivo, o Excelso Pretório, acompanhando o voto da Ministra
Relatora, Cármem Lúcia, julgou, por maioria de votos, improcedente a ADI nº 2446,
declarando constitucional a Lei Complementar nº 104/2001, fixando a tese, contudo,
de que a norma geral antielisiva fica limitada à desconsideração dos atos ou negócios
jurídicos praticados com intenção de dissimular ou ocultar o fato gerador.
Entendendo-se, portanto, o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário
Nacional como dispositivo apto a desconsiderar negócios jurídicos ilícitos e
requalificá-los para o alcance da tributação, a ausência de procedimento
regulamentado por lei ordinária a ser observado pela autoridade administrativa,
impede, no nosso sentir, sua aplicação.

4. A necessidade de regulamentação por lei ordinária: uma questão de eficácia


técnica.
Eficácia é a aptidão que possibilita que a norma produza efeitos, em razão da
presença de circunstâncias fáticas impostas: (i) para o seu acolhimento (espontâneo ou
imposto) ou (ii) para a satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia
social), ou ainda, em razão da presença de condições técnico-normativas exigíveis

16
FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 203/204.
17
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo: Noeses, 2021.
para sua aplicação. E, nesse contexto, a eficácia da norma, no sentido técnico, será
limitada se dependente de outras normas para a realização da função eficacial. 18
Paulo de Barros Carvalho esclarece que a ausência de eficácia técnica da
norma (ineficácia técnico-sintática) se opera quando o preceito normativo não puder
juridicizar o evento, inibindo-se o desencadeamento de seus efeitos, tudo (a) pela falta
de outras regras de igual ou inferior hierarquia, consoante sua escala hierárquica, ou,
(b) pelo contrário, na hipótese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua
incidência.
O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, como visto,
em sua parte final, determina que a autoridade administrativa apenas poderá
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, se observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei
ordinária.
A eficácia técnica do dispositivo depende, portanto, dos procedimentos que
deveriam ser estabelecidos por lei ordinária capaz de compatibilizar minimamente
aplicação da norma aos comandos já preestabelecidos e tutelados pelo sistema
constitucional tributário, regido pelos princípios da legalidade e tipicidade.
Importante é o alerta de Marco Aurélio Greco, 19 que chama a atenção para o
fato de que o exercício da competência para a desconsideração dos atos ou negócios
jurídicos relacionados no preceito legal em exame terá por eficácia deflagrar o
“conjunto de atos e providências administrativas tendentes a cobrar um tributo e, por
consequência, atingir o patrimônio de alguém. Sendo assim, tem plena aplicação a
garantia do inc. LIV do artigo 5º da CF/88 que as segura o ‘devido processo legal’
como condição do atingimento patrimonial”. E acrescenta:
“(...) na medida em que o CTN, neste parágrafo único do artigo 116, prevê a
necessidade de uma lei ordinária para disciplinar os procedimentos de aplicação do
dispositivo, está determinando que a competência em questão não pode ser exercida
de modo e sob forma livremente escolhidas pela Administração tributária. A
desconsideração só poderá ocorrer nos termos que vierem a ser previstos em lei, como
corolário da garantia individual do devido processo legal.
18
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11ª ed.
São Paulo: Atlas, 2019, p. 161/163.
19
GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. In: O
planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 203.
Em suma, o CTN deferiu à lei ordinária a disciplina indispensável, de caráter
procedimental (e não de direito material), para que a norma possa ser aplicada. Com
isto, não veiculou uma norma de eficácia plena, mas sim uma norma de eficácia
limitada, na medida em que a plenitude da eficácia somente será obtida após a edição
da lei ordinária dispondo sobre tais procedimentos. Vale dizer, antes da mencionada
lei ordinária, o conteúdo preceptivo do dispositivo não comporta aplicação.”
Com efeito, o procedimento a ser fixado pela legislação ordinária, portanto,
deve definir a conduta da atividade administrativa, respeitando, rigorosamente, os
limites constitucionais impostos ao poder tributante. A legislação ordinária –
estabelecedora do proceder em questão –, não é demais lembrar, vincula a
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por força do comando do artigo 37 da
Constituição Federal.
Ademais, nos anos que se passaram, após a alteração do CTN introduzida pela
Lei Complementar 104/2001, algumas tentativas de regulamentação do parágrafo
único do artigo 116 foram feitas sem sucesso. A primeira se deu com a edição da
Medida Provisória nº 66/2002, cuidando da matéria entre os artigos 13 e 19, que,
todavia, foram rejeitados pelo Congresso Nacional quando da conversão da Medida
Provisória na Lei nº 10.637/2002. Em seguida, no ano de 2007, foram apresentados os
projetos de lei nº 133 e 536, sem qualquer avanço. 20 A Medida Provisória 685 de
2015, orientada pela Ação 12 do Projeto BEPS da OCDE/G-20, foi mais uma
tentativa de estabelecer a obrigação do contribuinte declarar seu planejamento
tributário.21
A respeito das várias e refutadas tentativas de edição de legislação que
estabeleça o procedimento necessário a garantir eficácia à norma “antielisiva” do
artigo 116 do CTN, Paulo Ayres Barreto, 22 pondera que a pretexto de estabelecer
procedimentos, surgiram referências ao propósito negocial e ao abuso de forma
jurídica, noções ou conceitos não abrigados pelo conceito de dissimulação, havendo

20
Atualmente, o Projeto de Lei nº 536 está apensado ao 133 que, conforme se verifica do site da
Câmara dos Deputados aguarda designação de relator na Comissão de Trabalho, de Administração e
Serviço Público. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=340670.
Acesso em: 3 ago. 2022.
21
ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário na obra de Marco Aurélio Greco. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2019, p. 12.
22
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. 1ª ed. São Paulo: Noeses,
2016, p. 167.
uma inequívoca tentativa de ampliar o conteúdo semântico do signo dissimulação para
alcançar outras realidades que nele não estão contidas.
Portanto, não se pode admitir que a harmonização do sistema tributário
nacional, característica das leis complementares de normas gerais, seja ameaçada por
legislação ordinária que extrapole os limites impostos pelos valores tutelados pela
Constituição Federal ao estabelecer procedimento, a ser observado pela autoridade
administrativa, que autorize a requalificação de negócios jurídicos lícitos.

5. O artigo 84-A da Lei 6.374 de 1989 do Estado de São Paulo: competência da


pessoa política para a edição de norma regulamentadora e a imprestabilidade do
dispositivo para garantir eficácia técnica à norma “antielisiva”
O Estado de São Paulo que, a pretexto de regulamentar por lei ordinária o
parágrafo único da norma em exame, através da Lei nº 11.001, de 22 de dezembro de
2001, acrescentou o artigo 84-A à lei estadual que regula o ICMS (Lei nº 6.374 de
1989), com a seguinte disposição:
“Artigo 84-A - A autoridade fiscal pode desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.”
Nesse diapasão, imprescindível retomarmos o disposto no parágrafo único do
artigo 116 do Código Tributário Nacional que contém comando de acordo com o qual
autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou
a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os
procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Com efeito, as duas disposições legais observadas, e postas em comparação,
suscitam a inevitável pergunta: atende ao comando final do parágrafo único do artigo
116 do CTN, lei ordinária que o replica, e ainda suprimindo sua parte final, sem nada
dizer a respeito do procedimento a ser observado pela autoridade administrativa?
Para o caso em análise, já se pode verificar a imprestabilidade da lei paulistana
(artigo 84-A da Lei 6.374) para desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza
dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
É fato que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem
editar as respectivas leis, disciplinando os procedimentos a serem observados para a
desconsideração e aplicar as regras examinando citado parágrafo, no âmbito de suas
competências e na medida em que observados os demais requisitos e condições por
ele impostos.23
Aqui, esclarecedora é a lição de James Marins:
“(...) o ato administrativo de desconsideração de atos ou negócios jurídicos
praticados pelo contribuinte se insere no sítio procedimental da fiscalização, da
apuração fiscal. É uma técnica de fiscalização tributária que associa habilmente um
sistema de presunções legais a uma ficção jurídica imprecisa, altamente complexa e
juridicamente discutível. Sua disciplina administrativa não é de processo, mas de
procedimento preparatório para o ato de lançamento.
(...) Além do caráter procedimental o parágrafo único do art. 116 também tem
conteúdo substantivo, pois tipifica materialmente condutas do contribuinte das quais
decorrerão consequências tributárias formais e materiais. Da regra embutida no
dispositivo em comento extrai-se o seguinte sentido: se o contribuinte praticar atos ou
convolar negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, estes atos
ou negócios poderão ser formalmente desconsiderados e dessa desconsideração
extrair-se-ão consequências fiscais substantivas, materiais”.24
Colocando à parte a discussão de que o procedimento tratado pelo parágrafo
único do artigo 116 do CTN pode ou não ser instituído por lei complementar ou por
lei ordinária, é fato que as pessoas jurídicas de direito constitucional poderão editar lei
(ordinária), ainda que a competência seja reservada à lei complementar, suprimindo
sua lacuna enquanto ela não sobrevenha (parágrafos 3º e 4º, artigo 24 da CF 25)26.
Nesse contexto, o Estado de São Paulo autorizado pelo comando do parágrafo 4º do
artigo 24 do texto constitucional teria competência, ainda que suplementar, que se
manteria válida até a eventual superveniência de lei federal.

23
GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. In: O
planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 204.
24
MARINS, James. Elisão tributária e sua regulamentação. São Paulo: Dialética, 2002, p. 56.
25
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena,
para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe
for contrário.
26
CALMON, Sacha. A lei complementar como agente normativo ordenador o sistema tributário e da
repartição de competências tributárias. In: 50 Anos do Código Tributário Nacional – XIII Congresso
Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2016, p. 1162.
Noutras palavras, ainda que se possa entender como equívoco do legislador
complementar, remetendo o dispositivo do Código Tributário à lei ordinária a
competência para estabelecer procedimentos, limita-se esse às fronteiras unicamente
formais, isto é, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, por meio de lei
ordinária, estão habilitados a tratarem do tema, na ausência de lei complementar. De
qualquer modo, ao disciplinar os procedimentos, é fato que não se pode, de nenhum
modo, criar hipóteses de condutas para além daquelas já delineadas no corpo do
CTN27.
Nada obstante, a edição da lei ordinária editada pelo Estado de São Paulo
cuidou apenas de replicar o texto do parágrafo único do artigo 116 do CTN,
suprimindo o detalhe de que o procedimento deveria ter sido por ela estabelecido, e
mais, sem pormenorizar o proceder que precisaria ser seguido pela autoridade
administrativa, não deu a eficácia técnica de que necessitaria a lei nacional. 28
Não se pode, sequer, chamar de precária a legislação paulista, que, à toda
evidência, não estabeleceu nenhum procedimento, em clara violação ao comando do
Código Tributário Nacional, mas, principalmente, em afronta aos princípios
constitucionais da legalidade tributária, dos limites ao poder de tributar e da segurança
jurídica.
É oportuno salientar que a ausência de lei estadual que disponha sobre o
procedimento nessa circunstância desautoriza a autoridade administrativa de
promover as desconsiderações dos atos ou negócios jurídicos praticados pelo
contribuinte, porquanto o artigo 5º, II, da Constituição, prevê que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, princípio da
legalidade igualmente reforçado para o direito tributário no texto constitucional, no
inciso I, do artigo 150.29
Apesar da ausência de eficácia técnica, o Estado de São Paulo, com
fundamento do artigo 84-A da Lei paulista nº 6.374 de 1989, vem aplicando a norma
em comento.

27
MARINS, James. Elisão tributária e sua regulamentação. São Paulo: Dialética, 2002, p. 57.
28
“Como tal lei ainda não foi criada, a ausência de regulamentação gera a ineficácia técnica de natureza
sintática do parágrafo único do art. 116 e, portanto, sua inaplicabilidade” (FERRAGUT, Maria Rita.
Responsabilidade tributária. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 203/204).
29
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Exemplo de aplicação pelo fisco estadual paulista do referido artigo 84-A,
pode ser visto na decisão prolatada pelo Tribunal de Impostos e Taxas 30 em recurso de
ofício no Auto de Infração de Imposição de Multa 4101498-4, pela Décima Quinta
Câmara Julgadora:
“[...] conforme Relatório Circunstanciado e demais provas juntadas, restou
comprovado que as operações interestaduais foram simuladas, sendo que o que
efetivamente ocorreu foram vendas internas, apesar de as Notas Fiscais citadas terem
sido emitidas como sendo de vendas interestaduais. Assim sendo, as vendas
interestaduais foram descaracterizadas conforme art. 84-A da Lei 6.374/1989 e o
ICMS devido por Substituição Tributária é reclamado através deste AIIM do infrator-
remetente nos termos do § 4º do artigo 264 do RICMS/SP (aprovado Decreto
45.990/2000).
[...]
Ainda quanto às alegações da autuada não merece prosperar a tese de que a
regra do artigo 116, § único do CTN careceria de regulamentação, e assim sendo
não poderia ser aplicada. O Código Tributário Nacional foi recepcionado arcabouço
normativo da CF88, cumprindo-lhe o papel de fixar normas gerais em matéria
tributária. A regulamentação trazida no artigo 84 da lei nº 6.374/1989, disciplina a
matéria de simulação de negócios: “Artigo 84-A - A autoridade fiscal pode
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária.” Grifos nossos.
Outro exemplo que ilustra o que procuramos demonstrar é extraído do Auto de
Infração de Imposição de Multa nº 4101261-6, em que a Delegacia de Julgamento de
Osasco considerou:
30
Não ignoramos, todavia, o caso de julgamentos que afastam a aplicação do artigo 84-A da Lei
6.374/89, como o que se deu no Recurso Ordinário que julgou o AIIM 4100961-7 em que ficou
consignado: “O Código Tributário Nacional foi bastante explícito ao determinar que o dispositivo legal
necessita de regulamentação para valer em sua plenitude, ao prescrever, in fine, a necessidade de que
sejam “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Não tendo sido
estabelecidos em lei ordinária os procedimentos a serem observados para a aplicação do dispositivo
analisado, impossível a aplicação do parágrafo único do artigo 116, do CTN. Está-se diante de um
evidente caso de norma de eficácia contida, ou melhor ainda, de norma tecnicamente ineficaz. E,
realmente, como alegam os recorrentes, o artigo 84-A, da Lei nº 6.374/89, não é suficiente para fazer as
vezes da regulamentação exigida pelo CTN. Mencionado artigo da lei estadual limita-se a repetir o teor
do parágrafo único do artigo 116, do CTN, não sendo, nem de perto, uma regulamentação da matéria.
Portanto, uma constituição de crédito tributário dependente unicamente de aplicação do parágrafo
único do artigo 116 para dar respaldo a atitude de desconsideração de atos ou negócios jurídicos
praticados para dissimular a ocorrência do fato jurídico tributário ou a natureza dos elementos que
constituem a obrigação tributária, não se sustenta, pois, dependente de norma inaplicável.”
“11. Em sede preliminar sustenta o contribuinte autuado que o artigo 116,
parágrafo único do CTN, não poderia ter sido utilizado pelo Fisco como fundamento
legal para a desconsideração de negócios jurídicos, vez que referido dispositivo
jamais fora regulado por lei ordinária (...).
13. O artigo 84-A da Lei Estadual nº 6.374/89, que trata do ICMS no âmbito
de São Paulo, é categórico ao autorizar a desconsideração unilateral, por parte do
Fisco, dos atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária no âmbito do ICMS (...).” Grifos nossos.
O Código Tributário Nacional, alterado pela Lei Complementar 104/2001,
exigiu que a legislação ordinária estabelecesse procedimento, não o fazendo, a
legislação do Estado de São Paulo não pode desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a
natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária com fundamento no
artigo 84-A da Lei 6.374 de 1989. Ao contrário, toda desconsideração que decorra de
tal fundamento e da consequente aplicação do parágrafo único do artigo 116 do
Código Tributário Nacional, resulta de ato administrativo ilegal.

6. Conclusão
Ives Grandra Martins,31 referindo-se ao parágrafo único do artigo 116 do CTN,
considera que, examinando à distância todos estes aspectos jurídicos e acontecimentos
históricos relacionados à conformação do sistema tributário brasileiro à luz do
princípio da segurança jurídica, não há como se pretender inserir, por força de uma
norma infraconstitucional, uma limitação tão fantástica ao direito do contribuinte, e
tampouco promover alargamento tão monumental ao poder de tributar.
Nossas conclusões partem, dessa afirmativa.
Limitamos, portanto, a verificar a impossibilidade de aplicação do parágrafo
único do referido artigo 116 do CTN, por ausência de eficácia técnica, na hipótese de
inexistência de lei ordinária que estabeleça os procedimentos a serem observados pela
autoridade administrativa, em nome da segurança jurídica, constitucionalmente
tutelada.

31
MARTINS, Ives Grandra da Silva. Norma antielisão tributária e o princípio da legalidade, à luz da
segurança jurídica. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 119. São Paulo: Dialética, 2005.
Como vimos, o Estado de São Paulo, apesar da inclusão do artigo 84-A da Lei
estadual nº 6.374 de 1989, não cuidou de observar o comando contido na parte final
do parágrafo único do artigo 116 do CTN, replicando, simplesmente, o texto dessa
norma geral, sem trazer qualquer previsão a respeito dos procedimentos a serem
seguidos pela autoridade fiscal.
O Estado de São Paulo não pode requalificar os negócios jurídicos tidos por
dissimulados com fundamento na regra do artigo 84-A da Lei estadual 6.374/1989,
uma vez que essa lei ordinária, por não ter observado o comando do parágrafo único
do artigo 116 do CTN, não lhe deu a eficácia técnica necessária à sua aplicação no
âmbito de seu território.
Nunca é demais lembrar, a Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, II,
que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei, princípio que é reforçado para o direito tributário, mais a frente, no inciso I do
artigo 150. Assim, não havendo na lei do Estado de São Paulo dispositivo que
estabeleça o procedimento a que se refere o parágrafo único do artigo 116 do CTN,
fica inviável sua aplicação.

7. Bibliografia
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