Você está na página 1de 27

Resumos Procedimento e Processo Tributário

Mestrado Jurídico-Forense

Capítulo I – Princípios do Procedimento e Processo Tributário

1. Princípios do Procedimento Tributário


O procedimento tributário tem índole administrativa, enquanto que o processo tributário
é de índole jurisdicional, havendo uma dualidade entre estes dois âmbitos, havendo uma
interpenetração do procedimento tributário no processo tributário. Os princípios tributários visam
garantir dois interesses aparentemente contraditórios:
• O interesse do Estado em arrecadar receitas;
• O interesse dos contribuintes em pagar o mínimo de imposto possível no cumprimento
da legalidade.

Encontramos os princípios do procedimento tributários entre os artigos 55.º a 60.º da LGT e


eles são:
a) O princípio da legalidade (artigo 8.º LGT);
b) O princípio do acesso ao direito (artigo 9.º LGT);
c) O princípio da colaboração (artigo 59.º LGT);
d) O princípio do inquisitório (artigo 99.º LGT).

1.1. Princípio da Legalidade (artigo 8.º LGT)


O artigo 8.º LGT enuncia o princípio da legalidade, as matérias que lhe estão sujeitas e
diz-nos que a competência legislativa acerca destas matérias é atribuída pela Constituição à
Assembleia da República e ao Governo (artigo 161.º/c e 198.º/1/a, b CRP). Este é um princípio
basilar do procedimento e processo tributário na medida em que é uma garantia dos direitos dos
contribuintes e, por isso, não há contradições entre o direito dos contribuintes e o direito do Estado
em arrecadar.

Acórdão do STA de 14 de junho de 1995


“O princípio constitucional da legalidade em matéria de impostos que entre nos vigora exige que sejam
definidos por lei os seus elementos essenciais (incidência, isenções e taxas incluídas) e que tais domínios
não fiquem à mercê do poder administrativo, muito menos para ele os definir através de circular dirigida
aos serviços”.

1.1.1. Reserva de competência da Assembleia da República


O artigo 103.º/2 CRP estabelece que “os impostos são criados por lei, que determina a
incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. A lei aqui referida é a
lei em sentido próprio emanada diretamente pela Assembleia da República (artigo 165.º/1/i CRP)
na medida em que a Assembleia tem competência no âmbito da criação de impostos e no sistema

Joana Leonor Lebre 1


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

fiscal. Mas não só, a reserva de competência legislativa da Assembleia também inclui a definição
dos crimes fiscais e o estabelecimento do regime das contraordenações fiscais (artigo 165.º/1/c e
d CRP). Assim sendo, a lei exigida pelo princípio da legalidade será sempre uma lei emitida pela
Assembleia da República.

1.1.2. Competência legislativa do Governo


Fora dos domínios anteriormente citados não há qualquer reserva de competência, pelo
que o Governo poderá legislar sem autorização legislativa sobre as matérias do artigo 8.º/2 LGT.
Portanto, o princípio da legalidade vem apenas obstar a que as matérias sejam reguladas por
diplomas de carater regulamentar e não a determinação de uma exigência de lei formal para o
Governo legislar sobre as matérias. No entanto, em certas matérias previstas no número 2, é de
exigir uma lei no sentido formal nos casos em que a matéria a regular seja também enquadrável
no número 1, que dá apenas competência à Assembleia para regular. Por exemplo, a regulamentação
das figuras da substituição e responsabilidade tributária, na parte em que levam à definição de responsáveis.
Neste caso trata-se da definição da incidência tributária subjetiva, matéria que está incluída na competência
reservada da Assembleia da República.

1.2. Princípio do acesso à justiça tributária/acesso ao direito (artigo 9.º LGT)


Na sequência do artigo 20.º/1 CRP pretende-se garantir o acesso ao direito para defesa
dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, isto é, todas as situações juridicamente
protegidas. O número 2 do artigo 20.º da CRP vem também abordar o acesso aos tribunais, em
consonância com o número 1, na medida em que temos o direito de fazer apreciar uma pretensão
por um tribunal. De notar que este acesso ao direito é dado tanto aos particulares como à
Administração, tendo ambos igualdade de faculdades e meios de defesa no processo tributário
(artigo 98.º LGT).
Este princípio vem também proibir a renúncia implícita ao direito de impugnar no número
3 do artigo 9.º da LGT, isto é, parte da doutrina entendia que, a partir do momento em que o
contribuinte pagasse um imposto devido no âmbito de uma lei que concedesse benefícios fiscais,
ele estaria automaticamente a renunciar o seu direito de impugnar ou reclamar esse dito
pagamento. No entanto, tem-se entendido inconstitucional esta visão, admitindo-se que um
contribuinte que receba benefícios fiscais poderá continuar a exercer todos os direitos que a lei
lhe oferece, tendo em conta o artigo 20.º da CRP.

1.3. Princípio da colaboração recíproca (artigo 59.º LGT, artigo 7.º CPA)
Entre a Administração e o contribuinte surge um dever de colaboração recíproca. Do lado
da Administração, abrange informações de natureza tributária que interesse aos contribuintes. A
exigência de colaboração que a Administração pode impor ao contribuinte deve ser adequada e

Joana Leonor Lebre 2


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

proporcional aos objetivos a atingir por esta. Assim, exige-se que o pedido de colaboração deva
ser adequado à satisfação das necessidades do procedimento tributário. No entanto, não basta que
exista colaboração entre estas duas entidades, é sim necessário que ela exista em tempo útil.

1.4. Princípio do inquisitório (artigo 99.º LGT)


Este princípio permite que a Administração possa levar a cabo diligências necessárias á satisfação
do interesse público e à descoberta da verdade material em colaboração com o princípio da
proporcionalidade. Este princípio vale em todos os tribunais fiscais que conheçam da matéria de
facto e a falta da realização oficiosa das diligências constitui erro de julgamento, tendo em conta
que a Administração está obrigada ao cumprimento deste princípio e não pode deixar de cumprir
as suas obrigações.

2. Princípios do Processo Tributário


Aqui incluímos os princípios estruturantes do processo tributário, os princípios relativos
à prova e os princípios relativos à forma. Enquanto que no procedimento encontramos ligações
da Administração aos direitos e garantias dos contribuintes, no processo os princípios visam
ordenar a forma como o processo corre, tratando a Administração e o contribuinte como partes
no processo numa relação de paridade, diferentemente do que acontece no procedimento em que
a Administração conduz a relação com o contribuinte.

2.1. Princípios estruturantes do processo tributário


São eles:
a) Princípio da plenitude dos meios processuais (artigo 97.º/2 LGT, artigo 268.º/4 CRP,
artigo 147.º CPPT e artigo 193.º CC);
b) Princípio da tipicidade das formas processuais (artigo 101.º LGT);
c) Princípio pro actione;
d) Princípio da cooperação (artigo 99.º LGT e 7.º CC);
e) Princípio da celeridade;
f) Princípio da igualdade de partes (artigo 98.º LGT);
g) Princípio do contraditório (artigo 3.º CC, artigo 2.º CPPT e 267.º/5 CRP);

2.1.1. Princípio da plenitude dos meios processuais (artigo 97.º/2 LGT, artigo 268.º/4 CRP,
artigo 147.º CPPT e artigo 193.º CC)
A existência deste princípio impõe a necessidade de um meio adequado para fazer valer
um qualquer direito do contribuinte em juízo. No entanto, não basta que seja um qualquer meio,
mas sim o meio “mais adequado”, não sendo excessivamente oneroso para qualquer uma das

Joana Leonor Lebre 3


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

partes e permitir tanto que o contribuinte veja os seus direitos garantidos e o Estado consiga
cumprir as suas funções. Este princípio tem estreita ligação com o direito de acesso aos tribunais
como direito ao processo.
Fala-se numa necessidade de simplificação do processo, na medida em que se não for
escolhida o meio mais adequado caímos na possibilidade de haver um dispêndio excessivo de
recursos por parte do Estado.
A indicação pela Administração de um meio processual errado leva à não consumação da
caducidade do direito de acionar o meio para defesa do interesse ou do contribuinte ou do Estado.
Pretende-se conferir um sentido útil à obrigação imposta à Administração de indicar ao
administrado os seus meios de defesa.

2.1.2. Princípio da tipicidade das formas processuais (artigo 101.º LGT)


O artigo 101.º LGT enuncia formas de processo judicial já existentes tanto nas leis
tributárias, como administrativas e comuns. No entanto, ele não exclui a possibilidade de criação
de outras formas, sendo um elenco tendencialmente taxativo. Este artigo vem afirmar a
importância de se eleger a forma de processo com melhor adequação de modo a atingir-se a
plenitude da tutela efetiva do direito lesado ou do interesse que tenha sido violado.

2.1.3. Princípio do favorecimento do processo/pro actione


As regras processuais devem ser instrumento para a realização da justiça e não um
obstáculo à tutela jurisdicional efetiva. No fundo é deixar-se seguir o processo mesmo com a falha
de algum formalismo, no sentido de se fazer uma interpretação e aplicação das normas de modo
a favorecer o acesso à proteção e à tutela jurisdicional efetiva e evitar obstáculos à justiça por
excessos de formalismos.

2.1.4. Princípio da cooperação (artigo 99.º/2 LGT)


Também no processo tributário existe este princípio, à semelhança do procedimento. Mas, no
processo tributário este princípio tem um âmbito mais alargado, na medida em que pressupõe que
todos colaborem com os tribunais na realização da justiça, sendo eles parte ou não do processo
(artigo 519.º CPC). De notar que este princípio está intrinsecamente ligado com o princípio da
boa fé no seu cumprimento, podendo originar condenações por litigância de má fé, quando haja
recusa a colaborar.

2.1.5. Princípio da celeridade


Este princípio exige que no processo tributário a decisão seja proferida num prazo razoável, útil,
de forma a produzir todos os seus efeitos. É uma obrigação por parte do juiz.

Joana Leonor Lebre 4


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

2.1.6. Princípio da igualdade de partes (artigo 98.º LGT)


As partes são colocadas no processo judicial em perfeita paridade de condições de modo
a utilizarem todos os meios de defesa, existindo este princípio tanto no processo tributário como
civil (artigo 3.º CPC). Sobre o direito a um processo equitativo também a DUDH dispõe sobre
isso no artigo 10.º.

2.1.7. Princípio do contraditório (artigo 3.º CC, artigo 2.º CPPT e 267.º/5 CRP)
O princípio do contraditório assegura o princípio da igualdade de partes.

2.2. Princípios relativos à prova


Quanto aos princípios relativos à prova encontramos os seguintes:
a) Princípio do inquisitório (artigo 13.º CPPT e 99.º/1 LGT);
b) Princípio da universalidade dos meios de prova e da livre apreciação da prova;
c) Princípio da aquisição processual;
d) Princípio da imediação.

2.2.1. Princípio do inquisitório (artigo 13.º CPPT e 99.º/1 LGT)


O tribunal deve realizar e ordenar oficiosamente todas as diligencias que sejam
necessárias para conhecer a verdade dos factos. Cabe ao juiz utilizar este princípio e deve ter em
consideração o princípio da causa de pedir bem como as controvérsias suscitadas pelas partes e o
pedido. Procuramos aqui a verdade material, no entanto, no processo tributário, esta será limitada
pelos factos alegados e não alegados, que sejam de conhecimento oficioso bem como de factos
instrumentais, complementares ou notórios.
O princípio do inquisitório em processo tributário sofre uma contaminação pelo interesse
público visto que encontramos poderes de cognição muito alargados, mas somente quanto às
questões de facto e não de direito.
A falta de fundamentação do ato tributário pode ou não ser corrigida em sede de
conhecimento judicial, devendo-se aproveitar o ato e haver esclarecimento. Por exemplo, quando
se invoca o princípio da falta de fundamentação doa to e a Administração vem esclarecê-lo, pode ou não o
tribunal considerar este esclarecimento como correção do ato ou não? Deve entender-se que apenas se deve
aproveitar o ato esclarecido pela Administração quando, no momento em que esta deu esclarecimento,
também se dê oportunidade ao contribuinte de reagir contra o mesmo. Caso tal não aconteça corremos o
risco de o direito de defesa do contribuinte ser colocado em causa.

2.2.2. Princípio da aquisição processual


Há factos que devem ser provados por quem os alega e aqui falamos do ónus.

Joana Leonor Lebre 5


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Se o ónus implica que a prova caiba a quem a invocou, a partir do momento em que é
apresentada uma prova e os factos podem ser valorados, irão aproveitar a todos. Mas isto pode ter
resultados negativos. Não interessa, no fundo, quem traz a prova nem o que ela quer provar, mas
sim efetivamente o que ela provou.

2.2.3. Princípio da imediação


Este princípio tem muita importância no que diz respeito ao recurso de decisões. Traduz
a necessidade de existência de contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova devido
à exigência de comprovação dos factos, podendo o juiz, por exemplo, analisar um documento. No
julgamento relativo a questões de direito, é o mesmo juiz que faz a apreciação da prova e a profere.
Mesmo nos processos que deram entrada antes de 2013 que coincide com a data de entrada em
vigor do novo CPP, tem entendido o STA que o juiz que elaborou a decisão que não seja o mesmo
que analisou a prova não há qualquer problema. A partir de 2013, o juiz que profere a decisão
tem de ser o mesmo que avalia a prova.

2.3. Princípios relativos à forma


Os princípios relativos à forma que vigoram no processo tributário são os mesmos que
decorrem do Código de Processo Civil e a forma será a forma escrita, o que implica que todos os
atos que sejam praticados de forma escrita e não oral. No entanto, no processo tributário, no caso
da reclamação graciosa, uma das suas características é a simplificação, ou seja, os atos podem ser
feitos de forma oral (artigo 159.º CPPT), não havendo formalismos. No processo tributário
procura-se a simplificação.

Joana Leonor Lebre 6


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Capítulo II – A Informação Vinculativa


1. Introdução
As administrações fiscais já não são reconhecidas pela sua prepotência tendo em conta
que o recurso a instrumentos de advertência, recomendação, esclarecimentos e entendimentos
prévios vem comprovar a alteração deste ambiente em troca de uma interação entre a
Administração e o contribuinte.
A complexidade das normas fiscais e a incerteza relativamente ao seu significado fez com
que a intervenção administrativa se paute, agora, por uma interação antecipada através do contacto
entre a Administração e o contribuinte, de modo a suprir inseguranças aquando da aplicação das
normas.

Nas palavras de João Pedro Rodrigues, as informações vinculativas são peças


procedimentais fundamentais de um sistema fiscal moderno, tendo como pilares essenciais a
certeza e a transparência que se pretende dar à regulamentação fiscal, permitindo que se cumpra
uma das essenciais funções de um Estado de direito: o princípio da segurança jurídica por
referência a atos normativos.
Apesar de serem um ato administrativo unilateral há razões que determinaram a inclusão
das informações vinculativas como uma forma de ação. A intervenção administrativa ocorre num
momento onde o contribuinte tem de assumir o risco da interpretação normativa tendo em conta
que a administração está a adotar uma postura perante uma questão em concreto. As informações
vinculativas são um apoio administrativo à atuação dos particulares, na medida que lhes fornecem
um conhecimento antecipado sobre a orientação dos serviços quanto a determinadas questões.

Elas tem uma dupla função:


a) São vinculativas para a administração, visando uma uniformização da aplicação das
normas tributárias reduzindo a incerteza e imprevisibilidade.
b) Dirigem-se aos sujeitos passivos e à comunidade jurídica em geral onde são uma base
informativa que atenua o grau de complexidade das normas legais. Assegura aos
contribuintes uma orientação que vai no sentido da lei.

2. Procedimento de informação vinculativa: noção e objeto (artigo 68.º LGT e 57.º CPPT)
O procedimento de informação vinculativa é um procedimento pré-liquidatório de
natureza informativa, na medida em que tem lugar antes da liquidação de um tributo. O
destinatário deste procedimento é o contribuinte e tem como objetivo, por um lado facilitar o
cumprimento de obrigações fiscais tendo em conta a abundância de legislação fiscal e, por outro,
facultar aos contribuintes um meio diligente e eficaz de prestação de informações. Este
procedimento é uma densificação do direito à informação enquanto garantia dos contribuintes.

Joana Leonor Lebre 7


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

O objeto deste procedimento será um pedido de informação que pode recair sobre duas
factualidades (artigo 68.º/1 LGT):
a) Uma concreta situação tributária dos contribuintes;
b) Os pressupostos de quaisquer benefícios fiscais: quando o despacho recair sobre os
pressupostos de um benefício fiscal dependente de reconhecimento é necessário que os
interessados o requeiram autonomamente (artigo 57.º/2 CPPT). Apresentado o pedido de
reconhecimento de benefícios fiscais (artigo 65.º CPPT) que tenha sido precedido com o
pedido de informação vinculativa, este é apensado a requerimento do interessado,
devendo a entidade competente para a decisão conformar-se com o anterior despacho.

Daqui excluímos os pedidos feitos pelos contribuintes à Administração acerca de


informações, com caráter vinculativo, sobre problemas de natureza doutrinal que não tenham
incidência numa concreta situação tributária dos contribuintes ou que assentem nos pressupostos
de um benefício fiscal. A Administração não é um órgão parecerístico ou consultivo. As
informações vinculativas também não compreendem factos abrangidos por procedimentos de
inspeção tributária cujo início tenha sido notificado ao contribuinte antes do pedido (artigo 68.º/3
LGT).

Vamos chamar a Administração para esta se pronunciar acerca de uma lei num momento
em que ainda não há conflito, momento este que serve para ela orientar, indicar e esclarecer o
contribuinte do que será o seu entendimento. Aqui vai-se reduzindo a incerteza e a insegurança
de quem vai ter de realizar uma operação com impacto fiscal. As informações vinculativas são
um instrumento que permitem numa intervenção antecipada da Administração Tributária,
deslocando-a de uma intervenção a posteriori que ocorre em fase de inspeção e fiscalização, para
uma intervenção à priori relativamente à própria realização dos factos tributários ou a realização
das consequências jurídicas decorrentes desses mesmos factos. A informação vinculativa está
vinculada ao princípio da colaboração (artigo 59.º/3/e), havendo uma antecipação de caráter
informativo da Administração ao contribuinte, esclarece o sentido de uma norma jurídica.

3. Vinculação da Administração Tributária


Os órgãos administrativos ficam vinculados à resposta dada ao contribuinte nos seguintes
termos:
a) É uma vinculação inter partes, isto é, a Administração Tributária não pode proceder em
sentido diverso em relação ao caso concreto objeto do pedido, de modo a acautelar as
legitimas expectativas criadas pelo destinatário da informação vinculativa e é inter partes
relativamente ao sujeito passivo que pode reagir judicialmente por descordar com o teor
da informação;

Joana Leonor Lebre 8


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

b) Não é legítima a invocação de efeitos erga omnes, por qualquer pessoa, da informação
prestada;
c) É uma vinculação sujeita a condição na medida em que ela apenas se verifica a partir da
notificação da informação (artigo 57.º/1 LGT);
d) É uma vinculação relativa, ou seja, a informação prestada cede perante uma decisão em
contrário dos tribunais (artigo 68.º/14 LGT). Procura-se assegurar a independência dos
órgãos jurisdicionais, não os sujeitando a prévias decisões administrativas que tivessem
sido tomadas sobre determinado caso concreto. Esta é uma exigência do princípio do
Estado de Direito democrático que impõe que as decisões dos tribunais sejam obrigatórias
para todas as entidades públicas e privadas e prevaleçam sobre as de quaisquer outras
autoridades (artigo 205.º/2 CRP).

Só deverá dar-se caráter vinculativo às informações prestadas quando, quem as prestou,


tenha competência para praticar o ato a que a informação se reporta, isto é, ao dirigente máximo
do serviço. Desde que se faça chegar ao contribuinte que pediu a informação a natureza não
vinculativa dela, não haverá razões para o contribuinte confiar seriamente em que a
Administração Tributária atuará em conformidade com a informação que prestou. Por isso,
também nestes casos será de afastar a vinculação da administração às informações prestadas.

4. Tramitação do procedimento de informação vinculativa


4.1. Apresentação do pedido (artigo 68.º/4 LGT)
Tem legitimidade para apresentar os pedidos de informação vinculativa, com base numa
concreta situação tributária dos contribuintes ou que assente nos pressupostos de quaisquer
benefícios fiscais, acompanhados com os elementos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo
68.º, são os seguintes sujeitos:
a) O sujeito passivo – contribuinte (artigo 18.º/3 LGT):
b) Outros interessados (ex-cônjuges ou ex-sócios);
c) Representantes legais dos sujeitos passivos ou dos interessados (artigo 68.º/5 LGT).

4.2. Receção do pedido


Os pedidos de informação referidos devem ser dirigidos ao dirigente máximo do serviço
que é a entidade competente para proferir a decisão. Se os pedidos não fossem enviados ao
dirigente máximo do serviço, não se conseguiria garantir a uniformidade e igual entendimento,
apostando num sistema coerente e uniforme em que não existem contradições de relevo que
acabem por afetar a ideia de segurança jurídica que está na base das informações vinculativas.

Joana Leonor Lebre 9


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

4.3. Produção de efeitos


4.3.1. Pedido de informação vinculativa não urgente
O prazo normal para prestação da informação vinculativa e a sua notificação ao
requerente foi fixado em 150 dias (artigo 68.º/4 LGT). Se a administração tributária entender
conveniente proceder à audição do requerente, este prazo fica suspenso, recomeçando-se a
contar após a audição.
No caso da informação não ser prestada no prazo de 150 dias, se o contribuinte atuar com
base numa interpretação plausível e de boa fé, a sua responsabilidade limita-se à dívida do
imposto, estando excluída a responsabilidade por coimas, juros e outros acréscimos legais (artigo
68.º/18 e 19). Ou seja, o contribuinte apenas responderá pela dívida do imposto que for
considerado devido.

4.3.2. Pedido de informação vinculativa urgente


Mediante solicitação do requerente, o pedido de informação vinculativa pode ser prestada
com caráter de urgência desde que o pedido seja acompanhado de uma proposta de
enquadramento tributário (artigo 68.º/2, 6 e 7). Neste caso, a Administração Tributária deve, no
prazo de 30 dias, notificar o contribuinte do reconhecimento ou não da urgência e, caso esta seja
aceite, do valor da taxa devida, a ser paga no prazo de 5 dias.
Caso o caráter urgente não seja aceite por parte da Administração, por se entende que o
caso apresenta especial complexidade técnica que impossibilita a prestação da informação
vinculativa ou se não for paga a taxa, o pedido é tratado como não urgente (artigo 68.º/10). Se for
aceite o caráter de urgência, no prazo de 75 dias a Administração Tributária deve prestar a
informação vinculativa ao requerente.
Se o requerente não for notificado da informação no prazo de 30 dias, a proposta de
enquadramento jurídico-tributário dos factos que apresentou considera-se tacitamente
sancionada pela Administração, restringindo-se os efeitos aos atos e factos identificados no
pedido de tributação que os mesmos ocorram.

4.4. Caducidade da informação vinculativa


As informações vinculativas caducam em caso de alteração superveniente dos
pressupostos de facto ou de direito em que assentam e tem um prazo de 4 anos até caducarem
(artigo 68.º/15).
Se uma determinada questão de direito relevante tiver sido apreciada no mesmo sentido
em três pedidos de informação ou, seja previsível que o venha a ser, a Administração deve
proceder à conversão das informações em circulares administrativas.

4.5. Revogação e arquivamento da informação vinculativa

Joana Leonor Lebre 10


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

O pedido de informação vinculativa é arquivado se estiver pendente ou vier a ser


apresentada reclamação, recurso ou impugnação judicial que implique os factos objeto do pedido
de informação.
As informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após 1 ano
a contar da sua prestação, precedendo de audição do requerente com a salvaguarda dos interesses
legítimos anteriormente constituídos. Portanto, as informações prestadas não poderão ser
alteradas nem revogadas com efeitos retroativos (artigo 68.º/16).

4.6. Recurso hierárquico


A decisão sobre o pedido de informação vinculativa admite recurso hierárquico, sendo
competente para o tratar o mais elevado superior hierárquico do autor do ato (artigo 66.º CPPT).

Joana Leonor Lebre 11


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Capítulo III – Avaliação Indireta


1. Introdução
O procedimento de avaliação indireta é uma das principais vias de reação à evasão fiscal
e é caracterizado por três momentos essenciais:
a) O momento dos pressupostos (artigo 87.º): quais são os casos e as situações em que pode
haver lugar à avaliação indireta;
b) O momento dos critérios: os critérios que podem ser usados em sede de avaliação indireta
de modo a determinar o rendimento tributário;
c) O momento dos meios de reação: no âmbito do procedimento de avaliação indireta quais
são os meios de reação dos contribuintes.

O momento relevante no procedimento de liquidação é aquele em que se determina a


matéria tributável, onde apuramos o valor dos bens ou dos rendimentos sujeitos a imposto aos
quais se aplicará a respetiva taxa. O procedimento de avaliação indireta insere-se neste momento,
isto é, no momento de determinação dos bens e rendimentos sujeitos a tributação.

O procedimento de avaliação encontra-se construído de forma bicéfala, ou seja,


encontramos duas modalidades de avaliação:
a) Avaliação direta (artigo 83.º/1 e 87.º/1): a avaliação direta tem como finalidade a
determinação ou o apuramento do valor real dos rendimentos que estejam sujeitos a
imposto. A determinação do valor real dos rendimentos é feita a partir de regras e critérios
que estão estabelecidos para cada imposto e, no caso de impostos autotributáveis, cabe
ao próprio sujeito passivo proceder a essa avaliação direta (artigo 81.º/1 e 82.º). Quando
é a Administração a proceder à avaliação direta ela fá-lo com base nas declarações que o
próprio contribuinte lhe presta, como é o caso do IRS. Procura-se a efetiva verdade
material.
b) Avaliação indireta (artigo 83.º/2): a avaliação indireta tem como finalidade a
determinação do valor real presumido dos rendimentos que estejam sujeitos a imposto,
isto é, procura-se determinar um valor que é apurado através de presunções, indícios ou
outros elementos de que a Administração dispõe. A finalidade da avaliação indireta será
sempre a de reconstruir presuntivamente um rendimento que aquele contribuinte podia
ter ou obteve. Procura-se uma verdade material aproximada.

1.1. Subsidiariedade e excecionalidade da avaliação indireta (artigo 85.º/1)


A relação que se estabelece entre a avaliação direta e a avaliação indireta é uma relação
de subsidiariedade, ou seja, a via principal e privilegiada de determinação do valor dos
rendimentos é a avaliação direta. O primeiro objetivo será sempre o de determinar o valor real

Joana Leonor Lebre 12


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

dos rendimentos sujeitos a imposto, mas quando tal não seja absolutamente possível, teremos de
o presumir através do procedimento de avaliação indireta. A conclusão de sabermos se é ou não
possível apurar o valor real não é algo imediato, que possamos conhecer à priori, será sim fruto
de um processo inquisitório com vista a recolher elementos para podermos chegar ao ponto de
saber se é possível uma avaliação direta ou não.
Para além da relação de subsidiariedade, a avaliação indireta é também um meio
excecional, isto é, só tem lugar dentro dos casos e das circunstâncias que estão legalmente
previstas.

1.2. Âmbito da avaliação indireta


A avaliação indireta abrange:
a) Casos em que se conhece a origem da riqueza dos sujeitos, embora se desconfie da sua
veracidade. O que acontece, por exemplo, nas situações em que o legislador denominou como
“impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à
correta determinação da matéria tributável”.
b) Casos em que não se conhece de todo a origem da riqueza dos sujeitos. É o que acontece
nas situações em que os rendimentos declarados em sede de IRS se afastam para menos, sem razão
justificada, de determinados padrões de rendimento.

1.3. Competência para proceder à avaliação indireta


A competência para a prática de atos de avaliação indireta, diferentemente do que
acontece na avaliação direta está nas mãos da Administração tributária e é sobre ela que recai
o ónus da prova de verificação dos pressupostos, cabendo depois ao sujeito passivo o ónus da
prova do excesso, na respetiva posterior quantificação (artigo 74.º/3). Assim sendo, só a
Administração tributária é que pode indiciar ou presumir valores para efeitos de tributação com
base nos pressupostos e critérios indicados na lei.

2. Momento dos pressupostos (artigo 87.º)


2.1. Notas prévias
Sendo a avaliação indireta um mecanismo excecional, esta só pode realizar-se nos casos
taxativamente previstos. O elenco dos pressupostos da avaliação indireta é um elenco taxativo, o
que significa que a Administração não pode, fora das hipóteses do artigo 87.º, recorrer a uma
avaliação indireta.

Joana Leonor Lebre 13


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Tendo em conta que só a Administração pode proceder à avaliação indireta de bens ou


rendimentos, ela deve fazê-lo tendo em conta os pressupostos que a lei indica. Quais são?
a) Aplicação do regime simplificado;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos
indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, da que resultaria
da aplicação de determinados indicadores objetivos da atividade de base técnico-
científica;
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos,
sem razão justificada, de determinados padrões de rendimento;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou
prejuízos fiscais durante vários exercícios consecutivos;
f) Existência de um acréscimo de património ou despesa de valor superior a 100.000€
verificados, simultaneamente com a falta de declaração dos rendimentos ou com a
existência, no mesmo período de tributação de uma divergência não justificada com os
rendimentos declarados.
Este conjunto de pressupostos permite-nos distinguir dois grupos de casos: um que é constituído
por uma situação não patológica (o regime simplificado de tributação na qual o sujeito passivo
em causa nada fez de desconforme, ou presumivelmente desconforme, com o ordenamento
jurídico, apenas se justificando o recurso a estes métodos por razões de ordem prática e de eficaz
gestão corrente) e um outro grupo constituído pelas restantes situações que dizem respeito a casos
em que o sujeito passivo introduz algum fator de ilicitude ou desconfiança no procedimento
tributário porque violou os deveres de cooperação a que estava obrigado.

2.2. Os pressupostos
2.2.1. Situações não patológicas
2.2.1.1. A aplicação do regime simplificado de tributação (artigo 87.º/1/a)
Os sujeitos passivos de IRS e IRC que recebem rendimentos provenientes de atividades
empresariais e profissionais são objeto de um conjunto de regras de cálculo do respetivo imposto,
baseadas na diferença entre rendimentos (ganhos) e gastos (custos e perdas). Este será o regime
normal de tributação.
No entanto, por vezes a aplicação de tal regime acarreta uma serie de operações e
obrigações que, em face do diminuto valor que as respetivas transações envolvem, se poderiam
revelar um entrave no desenvolvimento das relações financeiras. Para situações como esta, o
legislador criou o regime simplificado de tributação. Este regime consiste num conjunto
especial de regras de determinação dos rendimentos sujeitos a imposto, baseadas numa estimativa
ou presunção legal.

Joana Leonor Lebre 14


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Quais são os sujeitos a que estão vinculados a este regime e como se calcula o imposto
nestes casos?
a) Os sujeitos abrangidos pelo regime simplificado são as pessoas singulares beneficiárias
de rendimentos da categoria B, que não optaram pelo regime normal de contabilidade
organizada, não tenham ultrapassado na sua atividade e no período de tributação anterior
um montante anual líquido de rendimentos desta categoria superior a 150.000€;
b) Quanto ao cálculo do imposto é de considerar o seguinte:
• O apuramento de rendimento ou do lucro tributável resulta da aplicação de
indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes setores da
atividade económica;
• Na ausência dos indicadores de base técnico-científica ou até à sua aprovação,
aplicam-se determinados coeficientes legalmente previstos, aos rendimentos
auferidos.

O regime simplificado não é um regime subsidiário face à avaliação direta, ou seja, ele
não se aplica quando não seja possível uma avaliação direta dos rendimentos sujeitos a imposto,
mas é sim uma via alternativa de determinação do rendimento de natureza opcional, tendo em
cota que resulta da opção do sujeito passivo.

2.2.2. Situações patológicas


2.2.2.1. Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos
indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (artigo
87.º/1/b)
Estamos perante casos em que não é possível a comprovação nem direta (não existe, por
exemplo, contabilidade ou declarações do sujeito em causa) nem exata (a existir elementos de
contabilidade eles apresentam erros significativos) da base tributária.

Nesta alínea estamos perante conceitos indeterminados e também perante matérias de


reserva absoluta de lei, tendo em conta a obrigatoriedade de fixação de todos os pressupostos de
aplicação ao caso concreto, o legislador precisou o significado dela no artigo 88.º. Este artigo diz-
nos que a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável
pode resultar das seguintes circunstâncias previstas nas alíneas e que inviabilizem o
apuramento da matéria tributável.
Todas as circunstâncias previstas nas alíneas do artigo 88.º são sempre circunstâncias
patológicas, que consubstanciam em “anomalias e incorreções”. São elas:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração;

Joana Leonor Lebre 15


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

b) Recusa de exibição, ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação da


contabilidade e demais documentos legalmente exigidos;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação
da realidade perante a Administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das
operações;
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens
ou serviços.

De salientar que a verificação destes pressupostos para o recurso a métodos indiretos. É


indispensável a constatação de que a Administração ficou impossibilitada de, por forma
direta e exata, determinar a matéria tributável, exigindo-se um nexo de causalidade entre a
falha do contribuinte (violação dos seus deveres cooperativos) e a impossibilidade de avaliação
direta, a demonstrar na fundamentação do ato administrativo. Mesmo que o contribuinte tenha
falhado quanto aos seus deveres corporativos, mas mesmo assim a Administração consiga fazer
uma avaliação direta dos seus rendimentos ou bens, esta última será sempre usada tendo em conta
que a Administração está vinculada à realização da liquidação com base na declaração do
contribuinte, introduzindo eventuais correções técnicas (Ac. TCA 21/10/2004).
É de ter em conta que haverá sempre audição prévia nos termos do artigo 60.º antes da
decisão de aplicação dos métodos indiretos.

2.2.2.2. A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, da que resultaria
da aplicação de determinados indicadores objetivos da atividade de base técnico-
científica (artigo 87.º/1/c).
Neste grupo de casos, que parece apenas dizer respeito a sujeitos passivos de IRS categoria B e
IRC, não estamos perante a inexistência ou defeitos formais da contabilidade e das declarações.
Aqui estamos perante verdadeiros defeitos substanciais da contabilidade e das declarações,
tendo em conta que estão a ser apresentados valores que embora formalmente possam estar
corretos, eles afastam-se de certos valores objetivos mais adequados. Quais são esses valores
objetivos mais adequados? São os indicadores objetivos de base técnico-científica.

Os indicadores objetivos de base técnico-científica deverão ser definidos anualmente pelo


Ministério das Finanças, após audição das associações empresariais e profissionais. Podem
consistir em margens de lucro que sejam manifestamente inferiores às normais do exercício da
atividade e possam constituir fatores distorcidos da concorrência. O Ministério deve atender não
só à conjuntura económica como também à situação em concreto.

Joana Leonor Lebre 16


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

A aplicação dos métodos indiretos com base neste fundamento apenas poderá ser efetuada
no caso de, cumulativamente:
a) O sujeito passivo não apresentar, na declaração em que a liquidação se baseia, razoes
justificativas desse afastamento. O afastamento terá de ser:
i. De mais 30% para menos da matéria tributável por si declarada;
ii. De mais de 15% para menos durante três anos seguidos da matéria tributável por
si declarada;
b) Estejam decorridos mais de 3 anos sobre o início da atividade.

O problema deste pressuposto é o de que estes indicadores objetivos de base técnico-


científica não existem. Temos aqui uma verdadeira dupla avaliação indireta, visto que temos
uma avaliação indireta que é o resultado de um juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de
apurar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação e temos uma segunda modalidade de
avaliação que é o resultado de situações desreveladoras de uma subtributação. Basicamente, a
Administração não poderá fazer uso da alínea c) porque estes indicadores são caracterizados como
osnis (objetos jurídicos não identificados) enquanto não os tiver.

2.2.2.3. Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos,


sem razão justificada, de determinados padrões de rendimento (artigo 87.º/1/d)
A alínea d) é parecida com a alínea c), no entanto, esta apenas se refere à tributação dos
rendimentos de pessoas singulares enquadradas na Categoria G do IRS (artigo 9.º CIRS)e o
parâmetro comparativo aqui é são os “padrões de rendimento”.

Trata-se aqui de padrões de rendimento substancialmente elevados e que permitem


adquiri certo tipo de bens que, no entender do legislador, são “manifestações de fortuna”. No
fundo, a presunção que o legislador faz é: contribuintes que apresentem certas manifestações
de fortuna, tem certo padrão de rendimentos. Então, se os contribuintes tem essas
manifestações de fortuna eles faltaram à verdade perante a Administração tributária.
Quando é que há manifestações de fortuna? Quando exista uma manifestação de fortuna
prevista no artigo 89.º-A/4:
a) Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 250.000€;
i. Imputa-se a titularidade de um rendimento de 20% do valor da aquisição do
imóvel;
b) Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 50.000€ e motociclos de
valor igual ou superior a 10.000€;

Joana Leonor Lebre 17


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

i. Imputa-se a titularidade de um rendimento de 50% do valor do automóvel ligeiro


de passageiros no ano de matrícula, com abatimento de 20% por cada um dos
anos seguintes.
c) Barcos de recreio de valor igual ou superior a 25.000€;
i. Imputa-se a titularidade de um rendimento do valor do barco de recreio no ano
de registo, com abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
d) Aeronaves de turismo;
i. Imputa-se a titularidade de um rendimento do valor da aeronave de turismo no
ano de registo, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
e) Suprimentos e empréstimos feitos, no ano, de valor igual ou superior a 50.000€.
i. Imputa-se a titularidade de um rendimento de 50% do valor anual dos
suprimentos e empréstimos.
f) Transferências para paraísos fiscais.
ii. Imputa-se a titularidade de um rendimento de 100% da soma dos montantes
anuais transferidos

Em qualquer um destes casos pode recorrer-se à avaliação por métodos indiretos, desde
que:
a) Falte a declaração de rendimentos e exista uma manifestação de fortuna;
Ou seja, o contribuinte não declara rendimentos e evidencia as manifestações de fortuna
previstas na tabela do número 4. Aqui pode haver e pode porquê? Porque o contribuinte tem de
justificar o afastamento.
b) Existindo declaração, se verifique uma desproporção superior a 30%, para menos,
em relação ao rendimento padrão definido (artigo 89.º-A/1).
O legislador neste caso exige que haja uma desproporção entre os rendimentos declarados
e o rendimento padrão associado a cada manifestação de fortuna. A cada manifestação de fortuna
está associado um rendimento padrão, com uma função bidirecional, tendo em conta que ele serve
como:

• Um elemento para aferir a desproporção entre rendimentos declarados e a manifestação


de fortuna
• Um elemento para quantificar a desproporção do rendimento

A desproporção tem de ser superior a 30%. Imaginemos que o contribuinte auferiu 10.000€
de rendimentos no ano que adquiriu um imóvel por 500.000€. Será possível aplicar o regime das
manifestações de fortuna? Para já há uma manifestação de fortuna porque é superior a 250.000€. E qual é
o rendimento padrão? Será 20% de 500.000, ou seja, 100.000€. Há desproporção superior a 30% para menos

Joana Leonor Lebre 18


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

entre o rendimento declarado (10.000€) e o padrão (100.000€)? O rendimento declarado é 90% superior ao
rendimento padrão (100.000 – 30% daria um rendimento de 70.000€ o que não é a realidade).

Aqui, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova de que os rendimentos declarados


correspondem à realidade e de que a fonte das manifestações de fortuna é outra (artigo 89.º-A/3).
E nos casos em que o sujeito passivo não efetua essa prova? Considera-se rendimento tributável
o rendimento padrão apurado nos termos da tabela que consta do número 4, ou seja, se o sujeito
passivo não comprovar, aplica-se a tabela do número 4 e é-lhe imputado o rendimento padrão que
consta do número 4 se não existirem indícios de que este sujeito passivo tenha um rendimento
superior e assim aplicar o artigo 90.º. No nosso caso, o rendimento padrão era de 100.000€, o sujeito
passivo não oferece qualquer justificação, qual é o rendimento dele? É o que resulta da tabela, ou seja,
100.000€ e se não existirem indícios, consoante o artigo 90.º. Ou seja, este rendimento padrão pode ser
ultrapassado quando existam indícios firmes, de acordo com os critérios do artigo 90.º, de que o contribuinte
teve um rendimento superior ao rendimento padrão.
E quando haja uma justificação parcial dos rendimentos? Qual é a relevância de uma
justificação parcial ou meramente parcial dos rendimentos? O caso é aquele em que o sujeito
passivo ao justificar, no âmbito do número 3, os rendimentos declarados e a fonte das
manifestações de fortuna ele não oferece uma justificação que contemple a totalidade do valor
relativo à manifestação de fortuna. No nosso caso, o sujeito passivo consegue comprovar que lhe foram
doados 100.000€ e que contraiu um empréstimo bancário para aquisição do imóvel no valor de 200.000€.
Consegue justificar dos 500.000€, 300.000€. Podemos referir 3 posições:
a) Posição da AT: é irrelevante a justificação, ou seja, a justificação meramente parcial não
afasta a aplicação do regime e não tem consequências ao nível da fixação do rendimento.
b) Posição oposta: considera-se que a justificação parcial afastaria a aplicação do regime
sempre que os valores justificados cobrissem o valor da manifestação da fortuna.
Seria do género, eu justifiquei 300.000€, se o imóvel é de 500.000€ a manifestação de fortuna é
de 200.000€.
c) Posição maioritária e não unanime: a justificação parcial não afasta a aplicação do
regime das manifestações de fortuna, mas deve ser tida em conta ao nível da
quantificação do rendimento.

Estas situações, no ponto de vista da situação, não podem ser tratadas da mesma maneira.
Este entendimento relativamente à relevância de uma justificação parcial reconhece que a
justificação parcial não afasta a aplicação do regime mesmo nos termos da lei, no número 3, exige
que o sujeito passivo faça prova da origem das manifestações de fortuna, o que não consegue na
totalidade. A justificação parcial não influencia a verificação dos pressupostos no sentido de
afastar a aplicação do regime, mas é tida em conta no que diz respeito à quantificação. Como é
que se faz a quantificação?
• Se não houver indícios de rendimento superior, faz-se pelo rendimento padrão.

Joana Leonor Lebre 19


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

• Havendo uma justificação parcial e tendo o sujeito passivo justificado 300.000€, o


rendimento padrão irá apenas aplicar-se à parcela do rendimento que não foi justificada,
ou seja, eu não justifiquei 200.000€, portanto, a matéria tributável será 20% de 200.000€
que dá 40.000€, uma vez que já se justificou 300.000€.

Uma outra questão é a multiplicação da avaliação indireta. Vejamos que, de acordo


com o artigo 89.º-A/2, para este regime, tomam-se em conta os bens adquiridos no próprio ano
ou nos 3 anos anteriores. Ou seja, o sujeito passivo pode ter adquirido o imóvel em 2021, 2020
ou em 2019, que pode ficar sujeito à avaliação indireta se existir uma desproporção nos termos
em que vimos. O artigo 89.º-A/4 diz que quando o sujeito passivo não fizer prova, considera-se
como rendimento tributável em sede de IRS enquadrado na categoria G, no ano em causa e, no
caso das alíneas a) e b) do número 2, nos três anos seguintes. Ou seja, como é que se deve ler este
artigo? O artigo dá a entender que se vai aplicar o rendimento padrão em três anos consecutivos,
no ano da aquisição e nos três anos seguintes. No entanto não é essa a adequada leitura do artigo.
Esta parte deve ser lida em conjugação com o número 2 do artigo 89.º-A, mas deve ser
interpretado no sentido de que a aplicação da avaliação indireta com base na manifestação de
fortuna só pode ser feita ou no ano em que ela aconteceu ou nos três anos seguintes desde que
exista a desproporção e não pode ser feita em todos os anos. Se se verificarem os pressupostos
em diferentes exercícios consecutivos, a AT tem até ao final do terceiro ano em que ocorreu a
manifestação de fortuna para encetar o procedimento de avaliação indireta.

A decisão de fixação da matéria tributável nestes moldes cabe ao Diretor-geral dos


impostos (artigo 89.º-A/6).

Falta saber como é que o contribuinte pode reagir à decisão de avaliação indireta com
base nas manifestações de fortuna. O regime de reação consta do artigo 89.º-A/7. O artigo 89.º-
A/7 diz-nos que o meio de reação é o recurso a tramitar com efeito suspensivo, urgente (artigo
146.º-B do CPPT).
O artigo 89.º-A/7 diz que não é possível o procedimento constante no artigo 91.º. Há
aqui uma exceção ao princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54.º. O legislador
prevê que haja recurso imediato para o tribunal de uma avaliação indireta. Relativamente ao
recurso em si, ele deve ser interposto no prazo de 10 dias e, nos termos do artigo 146.º/b, está
limitado a prova documental. Não há aqui lugar ao pedido de revisão da matéria tributável fixada
no artigo 91.º. Estamos perante um regime impugnatório diferente do que vale para a impugnação
da avaliação indireta tradicional. A este recurso deve-lhe ser dirigida algumas críticas:

Joana Leonor Lebre 20


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

a) 10 dias para interpor um recurso em matéria de manifestações de fortuna é escasso, tendo


em conta que pode estar em causa a reconstrução de rendimentos obtidos em anos muito
passados, sendo complicado reunir toda a documentação num prazo tão curto. Ainda
assim não se vê necessidade de um prazo tao curto na visão JPR.
b) Esta redução dos meios de prova à prova documental é claramente inconstitucional, na
medida em que, os factos invocados pelo sujeito passivo careçam de suporte noutros
meios de prova. Há um Acórdão do TC relativo a este artigo 146.º/b do CPPT. Vigora
entre nós a tutela jurisdicional plena e efetiva e isso abrange as relações jurídico-
administrativas e fiscais, logo, no âmbito do processo tributário, são admissíveis todos os
meios de prova e esta restrição devia ser fundamentada e passada pelo crivo da
proporcionalidade para quartar os meios de prova que assistem ao contribuinte e não há
nenhuma razão que justifique. No caso de um rendimento que é construído de forma
completamente indiciária e padronizada, não há nenhuma razão para limitar as armas de
defesa que já por si estão enfraquecidas, pela prova diabólica que é muitas vezes provar
um facto negativo em como não obteve outros rendimentos.

2.2.2.4. Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou
prejuízos fiscais durante vários exercícios consecutivos (artigo 87.º/1/e).
Neste grupo incluem-se os casos que maiores suspeitas podem suscitar à Administração tributária,
isto é, as situações de prejuízos fiscais (os rendimentos são menores que os gastos) sistemáticos
e não justificados. Se um dos sujeitos passivos que se dedicam à atividade empresarial ou
profissional e que apresentem continuamente e sem justificação prejuízos à Administração é
porque:
a) Ou não tem aptidão para o exercício da atividade em causa e aqui introduz-se um fator
de responsabilização;
b) Ou está a faltar à verdade, justificando-se o recurso a métodos indiretos de tributação.

Para se recorrer a este método de avaliação indireta não se poderá tratar apenas de um
prejuízo, mas sim de prejuízos continuados e por isso se entende resultados negativos durante 3
anos consecutivos (salvo nos casos de início de atividade, em que a contagem se faz após o
terceiro ano) ou em 3 anos durante um período de 5.

Joana Leonor Lebre 21


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

2.2.2.5. Existência de um acréscimo de património ou despesa de valor superior a 100.000€,


verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou cm a
existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os
rendimentos declarados (artigo 87.º/1/f).
Trata-se de divergências entre os valores declarados e o acréscimo de património ou
o consumo evidenciado pelo sujeito passivo no período de tributação. Incluem-se aqui, por
exemplo, os casos em que o sujeito, não declarando os seus rendimentos ou apresentando uma
divergência não justificada, adquire bens imoveis de montante inferior a 250.000€. Cabe mais
uma vez ao sujeito passivo o ónus da prova de que os rendimentos declarados correspondem à
realidade e de que a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou o
consumo evidenciado é outra.

Permite-se abrir a avaliação indireta a realidades que não estavam consideradas na tabela
das manifestações de fortuna e que se incluem nesta alínea. Em termos intencionais, esta norma
permite ultrapassar a taxatividade das manifestações de fortuna. Esta norma quantifica de forma
exata o valor do acréscimo patrimonial que tem relevância para estes efeitos. Esta situação está
resolvida no artigo 89.º-A/3, no que diz respeito à possibilidade da prova do contribuinte e no
artigo 89.º-A/5, a quantificação da matéria tributável que basicamente passa pela alínea a) do
número 5 onde se considera como rendimento tributável a diferença entre o acréscimo ou despesa
e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação. Se eu tiver um
acréscimo de 150.000€ e tiver declarado 20.000€, o meu rendimento tributável é de 130.000€ a considerar
no âmbito da Categoria G do IRS.

Há um ponto distintivo desta avaliação indireta da alínea f) face às demais que tem a ver
com uma taxa especial de IRS prevista para estes incrementos patrimoniais de 60% (artigo
72.º/16 CIRS). A intenção do legislador foi a de tributar rendimentos de origem desconhecida e
que atingem um patamar que lhes atribui alguma relevância e um peso significativo e que o
contribuinte não revela à Administração. O nosso legislador fiscal antecipou-se ao legislador
penal na criminalização do enriquecimento ilícito. Este regime tem um caráter de luta contra a
evasão fiscal e associando-se a dimensão sancionatória com a taxa de 60%.

Os acréscimos de património e de despesa colocam outros problemas, designadamente no


que diz respeito ao tratamento que devemos dar às justificações dadas pelos contribuintes.
Imaginemos que há um acréscimo de 150.000€ e o contribuinte declarou 25.000€ e conseguiu justificar
100.000€, ou seja, ficou por justificar 25.000€. Qual é a relevância desta justificação? A justificação
parcial determinaria que o rendimento tributável fosse apenas aquele que o contribuinte não

Joana Leonor Lebre 22


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

conseguiu justificar nos mesmos moldes para as situações de manifestações de fortuna. Aqui há
dúvidas que possamos dizer o mesmo.
No entender de JPR seria mais correto que a justificação parcial que baixasse o patamar
dos 100.000€ poderia afastar a aplicação do regime. A ideia é, se com a justificação não se tiver
um acréscimo injustificado superior a 100.000€, o regime não deverá ser aplicado. Com que
argumentos?
a) Argumento literal: efetivamente, com a alteração que ocorreu em 2009, o legislador foi
claro ao assumir que esta avaliação indireta tem como pressuposto um desvio superior
a 100.000€. O que o legislador pretende tributar são incrementos patrimoniais superiores
a 100.000€.
b) Argumento sistemático: este argumento decorre da articulação do artigo 87.º/1/f com o
artigo 72.º/16 CIRS. Neste artigo 72.º/16 CIRS diz-se que estão sujeitos à taxa de IRS
de 60% os acréscimos patrimoniais superiores a 100.000€, de modo que, não seria
possível estarmos a abater ao acréscimo global os valores justificados, tendo em conta
que não teríamos taxa para lhe aplicar. Nestes casos, se estamos a considerar acréscimos
patrimoniais não justificados enquadráveis na alínea f), a taxa é de 60%.

Então os rendimentos de valor inferior não justificados ficam por tributar? Não. Se o
sujeito passivo não consegue justificar à Administração elementos que comprovem a sua situação
tributária, estamos perante um caso em que esses elementos tornam impossível a comprovação
direta e exata dos rendimentos sujeitos a imposto. Num caso destes, permaneceria em aberto
a aplicação da avaliação indireta nos termos da alínea b) do artigo 87.º/1.
O princípio da capacidade contributiva implica, desde logo, que sejam tributados os
rendimentos que são auferidos por um determinado sujeito passivo. O princípio da capacidade
contributiva implica que:
a) Não existam presunções absolutas de rendimentos, ou seja, presunções que não possam
ser afastadas;
b) Faça recair o imposto sobre aquela parcela. Neste caso, que não foi justificada e não está
abrangida por outra norma jurídico-fiscal.

Se não admitíssemos a relevância da justificação parcial, o sujeito passivo ia ser tributado


em 150.000€, de acordo com o critério legal lido numa perspetiva puramente literal e desligada
do princípio da capacidade contributiva. Portanto, admitir a justificação parcial é uma
consequência do princípio da capacidade contributiva que passa por fazer recair os impostos
sobre rendimentos que são obtidos e tributáveis e, no caso de justificação, vá para além do valor
relevante nos termos da lei (os 100.000€). Assim, a Administração devia determinar, através da

Joana Leonor Lebre 23


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

avaliação indireta para os casos de impossibilidade da alínea b), o rendimento tributável desse
sujeito passivo e não este ser abrangido pela alínea f) do artigo 87.º/1.

O sujeito passivo tem um incremento patrimonial de 200.000€, comprou um imóvel por 200.000€
e declarou 10.000€. Há aqui uma divergência superior a 100.000€, de 190.000€.
a) o sujeito passivo A justificou 189.000€
b) o sujeito passivo B não justifica nada
Quanto ao sujeito passivo B, se se aplicar apenas o regime do número 5 do artigo 89.º-A,
considerávamos rendimento tributável a diferença entre o acréscimo patrimonial e o rendimento
declarado, isto é, 190.000€, aos quais se aplicava a taxa de 60% (artigo 72.º/16 CIRS). Ao sujeito
passivo A, que tinha justificado tudo menos 10.000€, iriamos imputar o mesmo rendimento.

A alínea f) do artigo 87.º é um sistema de tributação de rendimentos injustificados e,


em bom rigor, só podemos tributar rendimentos que são injustificados, tendo em conta que os
rendimentos que foram justificados pelo contribuinte não são tributados pelo contribuinte porque
já foram sujeitos a imposto. Se é para tributar acréscimos não justificados, obviamente que a parte
justificada não deve ser tributada. Nestes casos, devíamos afastar a aplicabilidade da aliena f)
quando o valor justificado fizesse recair os acréscimos não justificados abaixo da fasquia de
100.000€.

Podem existir situações em que exista uma sobreposição entre as manifestações de


fortuna e os acréscimos patrimoniais, ou seja, se o sujeito passivo adquire um automóvel por
150.000€ e não declara rendimentos, ele preenche o pressuposto do artigo 89.º-A/1 e da alínea d)
do artigo 87.º, mas preenche também o pressuposto do artigo 87.º/1/f porque tem um acréscimo
de despesa superior a 100.000€ face aos rendimentos que declarou.
Acerca destas sobreposições, o legislador em 2007, introduz o número 2 do artigo 87.º
onde diz que, caso se verifiquem simultaneamente os pressupostos da aplicação da alínea d) e da
alínea f), a avaliação indireta deve ser realizada nos termos do número 3 e do número 5 do
artigo 89.º-A, ou seja, irá haver sempre possibilidade do contribuinte fazer a prova dos seus
rendimentos (artigo 89.º-A/3) mas a matéria tributável será apurada não de acordo com o
rendimento padrão mas com o critério da diferença entre o acréscimo e os rendimentos declarados
(artigo 89.º-A/5).
Neste caso devem-se aumentar as cautelas para se admitir uma justificação parcial dos
rendimentos nesta quantificação imposta pela alínea a) do número 5 do artigo 89.º-A.

Joana Leonor Lebre 24


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

3. Momento dos critérios (artigo 90.º)


Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria
tributável, a avaliação indireta poderá ter em conta os elementos que constam no artigo 90.º,
elementos esses uns com natureza objetiva e outros com natureza subjetiva.

A lista destes critérios não é taxativa. A lei, quanto a isto, é clara quando diz “a
determinação da matéria tributável por métodos indiretos poderá ter em conta...”. Mas há uma
consequência ligada com o facto destes critérios serem exemplificativos, a de que a
Administração, quando mobiliza a sua intervenção com base num critério não previsto no artigo
90.º, tem um ónus suplementar, isto é, tem o ónus de fundamentação relativamente à idoneidade
do critério utilizado para cumprir a finalidade que lhe está a ser atribuída.

A decisão administrativa terá de ser fundamentada (artigo 77.º), isto é, explicar o


caminho que foi percorrido pela decisão administrativa até ao ponto de chegada, podendo esta
fundamentação ter geometria variável no sentido de que pode ter mais ou menos em função do
grau e do potencial de litígio.

Quanto ao ónus da prova, cabe à Administração provar os pressupostos para a aplicação


da avaliação indireta, isto é, ela tem de comprovar em qualquer dos casos que se verifica uma
situação de impossibilidade de comprovação e quantificação dos rendimentos através da
avaliação direta. O ónus da prova em procedimento tributário é diferente do ónus da prova em
processo civil. Aqui vigora o princípio do inquisitório em que se deve realizar todas as diligencias
necessárias para a descoberta da verdade material.

4. Momento dos meios de reação (artigo 86.º/3)


Convém recordar que, em todos os casos possíveis de aplicação da avaliação por métodos
indiretos, o ónus da prova é da Administração que deve provar a verificação dos pressupostos.
Mas, o sujeito passivo não está alheado do ato de fixação de valor. Ele participa:
a) No ato de avaliação indireta: exerce o seu direito de audição antes da fixação final do
valor em causa;
b) No ato de revisão da avaliação indireta, se for caso disso.

Fixado pela Administração o valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de


indícios, presunções ou outros elementos (artigo 90.º), levanta-se a questão da suscetibilidade de
colocar em causa esse valor, tanto do ponto de vista gracioso (administrativo) ou contencioso
(jurisdicional).

Joana Leonor Lebre 25


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

a) Do ponto de vista gracioso: o procedimento adequado será o pedido de revisão da


matéria tributável fixada por métodos indiretos.
b) Do ponto de vista jurisdicional, devemos distinguir as seguintes situações, com base no
artigo 86.º/3 e 54.º CPPT):
i. O ato de avaliação indireta é seguido de ato de liquidação;
Neste caso, uma vez que à avaliação indireta lhe vai seguir um outro ato, o ato
de liquidação, não há possibilidade de impugnação contenciosa direta. Apenas se
admite a impugnação do ato de liquidação e não do ato de avaliação indireta
imediata.
ii. O ato de avaliação indireta não é seguido de ato de liquidação, porque, por
exemplo, o sujeito passivo beneficia de uma isenção ou foram apurados, na
avaliação, prejuízos fiscais.
Neste caso, o ato de avaliação indireta é o ato final da cadeia procedimental e a
impugnação contenciosa já é possível.

O artigo 54.º CPPT estabelece o princípio da impugnação unitária dos atos, isto é, só
o ato lesivo que coloca termo ao processo é que é impugnável contenciosamente, daí que, a
avaliação indireta não é passível de impugnação contenciosa, só nos casos em que não houve
liquidação.

Qual vai ser o objeto de impugnação judicial? O objeto da impugnação será o ato
tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido apurada com base em avaliação
indireta. Temos aqui duas situações distintas:

a) Quando se pretende atacar o ato de fixação indireta de valor por ter havido erro na
quantificação ou nos pressupostos, o recurso ao tribunal não é possível, é necessário ser
intentado previamente um pedido de revisão da matéria tributável (artigo 86.º/5, 91.º
e 117.º CPPT).

Esta previa reclamação é a prevista nos artigos 91.º e 92.º que tem lugar após o sujeito
passivo ter sido notificado da avaliação indireta. Se, aquando da notificação, o sujeito passivo
entender que há um erro ou excesso na quantificação ou nos pressupostos, ele tem 30 dias para
solicitar a revisão da matéria tributável. Esta reclamação terá efeitos suspensivos sobre a
liquidação, isto é, se o sujeito passivo apresentar reclamação, enquanto o pedido não for discutido,
o imposto não vai ser liquidado.

Joana Leonor Lebre 26


Resumos Procedimento e Processo Tributário
Mestrado Jurídico-Forense

Na reclamação, tanto o sujeito passivo como a Administração nomeiam um perito técnico


que os representa e haverá um debate de modo a estabelecer-se um acordo quanto ao valor da
matéria tributável.
a) Se houver acordo, a matéria tributável é fixada nos termos acordados e a liquidação
do imposto irá ser feita com base na liquidação acordada (artigo 92.º/3). Neste caso:
i. A Administração não pode alterar o valor estabelecido;
ii. O contribuinte não pode impugnar a liquidação efetuada com base no acordo
(artigo 86.º/4).
b) Se não houver acordo, o contribuinte pode impugnar o ato de liquidação e invocar
qualquer ilegalidade que tenha sido cometida no procedimento.

Se o perito independente da Administração e o perito do contribuinte estiverem


discordantes entre si com a Administração vale, em falta de acordo, a decisão da Administração,
mas a reclamação tem efeito suspensivo sem que seja necessário pagar ou prestar garantia. Note-
se que o contribuinte está a ser representado por um perito, como se fosse seu mandatário,
portanto, se houver excesso no mandato, o contribuinte não fica vinculado a essa vontade.
Normalmente o contribuinte não pode impugnar a liquidação efetuada com base no acordo, mas
neste caso, ele pode desvincular-se.

b) Em todos os outros casos, é admissível o recurso a tribunal.

Joana Leonor Lebre 27

Você também pode gostar