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Teens Titans não me pertence, o que é uma grande lástima.

Missão Tóquio poderia ter


sido um filme bem melhorzinho...

CAP 17

Mutano, em seu quarto bagunçado, não conseguia dormir. Estava exausto, após
percorrer toda a distância do centro da cidade até a Torre, a pé e sem usar seus poderes.
Tinha imaginado que cairia no sono assim que deitasse na cama. No entanto, ali estava
ele, se revirando de um lado para o outro, cansado e sonolento, mas, ainda assim,
completamente alerta.

Ele sabia que precisava esfriar a cabeça, se quisesse descansar. Infelizmente, porém,
isso estava além de sua capacidade naquele momento. A frustração que estava sentindo
o afligia quase que fisicamente. Podia sentir a boca seca, o peito dolorido e os músculos
da barriga contraídos, com tanta força que mais pareciam cãibras.

E o metamorfo sabia muito bem qual era o motivo de toda essa frustração. Como NÃO
saber? Quantas vezes, ele se perguntava, alguma coisa (qualquer coisa!) começa tão
bem... e acaba tão mal? Difícil dizer. A noite, por si só, já tinha sido extremamente
desagradável, mas a expectativa destruída (E pensar que eu quase que saí gritando
éhojeéhojéhoje...) tinha deixado um rombo difícil de se tapar.

De repente, Mutano riu. Não a sua habitual risada de alegria ou deleite, mas um riso
baixo e cansado, como o de quem ri para não chorar. Imensa ironia. Esta mesma noite,
uma das piores de sua vida, provavelmente seria um sucesso total para todos os outros
homens do planeta.

A festa. O garoto verde engoliu em seco ao se lembrar. Para um evento improvisado,


tinha sido surpreendentemente bem-feito. Ele já não lembrava ao certo se fora
conduzido à casa de alguém, ou se estava num salão de festas alugado, mas todos os
ingredientes para uma festa de arromba estavam ali. Refrigerante, petiscos, doces,
música... tinha até um karaokê ali.

E gente. As cerca de vinte pessoas que o trouxeram logo se tornaram cinqüenta, depois
setenta... talvez houvesse cem pessoas, quando do auge da comemoração. E o melhor:
dois em cada três participantes eram mulheres.

Mutano aproveitara cada minuto. Em bem pouco tempo, estava se sentindo animado de
novo. Por um instante, lamentou que seu melhor amigo Ciborgue não estivesse ali
também. Mas só por um instante, porque, a pedidos da multidão, precisou utilizar o
karaokê pelo menos quatro vezes, o que lhe rendeu aplausos quase tão entusiasmados
quanto os que havia recebido em Tóquio, quase em ano antes.

E não foi só isso. O metamorfo recebera uma boa dose de atenção naquela festa.
Conversara um pouco com quase todo mundo, e, pouco depois de sua performance no
microfone, viu-se ao lado de uma garota da mesma idade que ele, cabelo loiro cortado
bem curto, pele bronzeada e olhos de um azul claro, quase cinza.

Ele não se lembrava muito bem sobre o que ambos conversaram. Na verdade, nem tinha
certeza SE tinham realmente conversado. Mas tinha entendido muito bem o que aquela
moça estava querendo: a forma como ela estava segurando sua cintura era... inequívoca.
E estava começando a inclinar o rosto na direção do dela, quando, subitamente, ele se
lembrou.

Lembrou do momento que ele e Ravena tinham dividido na manhã anterior. De como a
empata parecia pequena e frágil em seus braços. Da forma como ela o tinha olhado. Do
beijo que eles QUASE chegaram a dividir.

E foi nesse instante que Mutano sentiu toda a animação, proporcionada pela festa, sumir
como se não passasse de fumaça. Todo o apelo que a figura feminina à sua frente lhe
fazia se esvaiu também, como se nunca tivesse existido.

- Não. – dissera ele, tendo dado as costas para a garota. – Desculpe, mas não.

Sem vontade de permanecer naquele ambiente, o metamorfo começara a caminhar em


direção à saída. Mas mal tinha completado seu quinto passo, quando outras meninas
decidiram que também mereciam um pedacinho dele. Antes que seus pés tocassem o
chão pela sexta vez, viu que estava cercado. Ambos os braços foram puxados em
direções opostas, como se fossem cabos-de-guerra.

Vozes se levantaram. Insultos foram trocados.

O momento era tenso. Alguém levantou a mão.

E então aquela festa se tornou um campo de batalha.

Só existia uma regra. Agarrar o prêmio e impedir que as demais o roubassem. Ou pelo
menos era isso o que Mutano imaginava: aquelas marcas de unha ardiam, afinal de
contas. Ele bem que teria se transformado em alguma coisa forte o bastante para fugir,
mas não podia correr o risco de machucar alguém ao mudar de forma. Nem o de ser
esmagado, caso se transformasse em algum bicho pequeno.

Apenas depois de todas as fãs coletarem os souvenires que desejavam, é que finalmente
pôde se arrastar para fora. E só então começar a longa viagem de volta para casa.

Sim, Mutano sabia perfeitamente bem qual era a razão de sua contrariedade.

- Ravena... – Disse ele para o quarto escuro, sentindo-se dividido por emoções
conflitantes. Por um lado, nunca mais queria vê-la de novo. Mas, por outro, só queria
que tudo tivesse dado certo nesta noite. Estava com raiva, magoado e ressentido com a
empata, mas, mesmo assim... ainda gostava dela.

De fato, Mutano não podia deixar de se impressionar com o efeito que sua colega lhe
causava: mesmo depois de tudo o que ela fez, fora preciso apenas uma breve memória
dela, para fazê-lo abandonar aquela festa, na qual se encontravam quase duas dúzias de
fêmeas... disponíveis.

Sim, por causa de uma garota que o acusara de “só lhe causar problemas”, e que queria
“ser deixada em paz”, o metamorfo lutara contra desejo e instinto, e deu um jeito de
rejeitar uma oportunidade (ou talvez fossem várias oportunidades) que nenhum outro
garoto de sua idade ignoraria. É bem verdade que o fato de ter ficado deprimido
novamente ajudou, mas não foi esse o fator determinante. O que fez a diferença não foi
o quê, mas QUEM ele queria.

E o mais esquisito de tudo era uma estranha sensação de culpa. O metamorfo sentia
como se tivesse feito algo... errado. Como se tivesse realmente pisado na bola desta vez.
Mas por quê? Mutano sabia muito bem que não tinha feito nada para merecer uma
bronca ou coisa do gênero. A empata não era sua namorada, ele não tinha nenhum dever
de fidelidade ou coisa parecida. Ora, ela o abandonara na rua, depois de tratá-lo como se
fosse escória! Sim, o metamorfo tinha TODO o direito de ir aonde quisesse, direito de
ficar com quem quisesse, e tinha direito até de odiar Ravena, se quisesse.

Em vez disso, no entanto, ele agüentou um monte de insultos calado, e rejeitou a


atenção de várias moças bonitas. Ninguém neste mundo poderia censurar seu
comportamento. Ninguém. Só que, mesmo assim, o Titã mais novo sentia-se como se
tivesse traído sua amiga. Parecia loucura. ERA loucura. Que razão ele tinha para se
arrepender? O que, ele se perguntava, tinha feito de errado?

Mutano se levantou da cama, suspirando. Não, ele não tinha feito nada de errado... mas
talvez tenha deixado isso acontecer. Quando viu Ravena pela última vez, quando ela se
virou para voltar a seu quarto, o metamorfo tinha visto... algo... no rosto dela. Foi por
apenas um instante, e ele não tinha muita certeza do que vira. Uma mudança de
expressão, a cabeça um pouco abaixada, um brilho estranho no canto dos olhos... por
um segundo, o metamorfo julgou reconhecer tristeza naquele rosto.

Então ele começou a andar pelo quarto, pensando. Estava triste e com raiva, mas sem
qualquer desejo de dar o troco. Ele sabia o porquê. Até entendia o fato de não cogitar
uma vingança: estava apaixonado, afinal de contas. O que o metamorfo não sabia,
porém, é como ele AINDA conseguia gostar dela.

Essa era uma boa pergunta. Que razões ele tinha, para justificar a afeição que sentia por
sua reclusiva colega?

Bem poucas, ele constatou. E, na verdade, se ele tinha motivo para sentir alguma coisa a
respeito de Ravena... definitivamente não era afeto. As pessoas não costumam gostar de
comentários ácidos, intolerância ou tabefes, e Mutano não era exceção. É bem verdade
que ele nunca tinha se importado com isso antes, mas agora era diferente; o metamorfo
tinha sido atingido nos lugares aonde doía, e com força. Força o bastante para impedi-lo
de ignorar ou esquecer, como sempre fazia.

Sem saber o que pensar, ele abriu a porta de seu quarto, e ficou ali, parado, olhando para
um ponto quatro metros adiante, naquele corredor. A porta do quarto de Ravena estava
fechada, como sempre, e o rapaz verde não sabia dizer o que o compelia a permanecer
ali, encostado em sua própria porta, observando a dela. Talvez quisesse brigar. Talvez
estivesse esperando que ela saísse, pedisse desculpas e fizesse as pazes. Talvez quisesse
simplesmente entender.

- Não agüento mais. – disse ele, entrando novamente em seu quarto e desabando na
cama. – Estou cansado.
--\\--\\--

Ravena já não sabia há quanto tempo estava naquela rocha, chorando profusamente.
Houve alguns momentos em que ela parecia se acalmar, diminuindo o ritmo dos
soluços, mas então ela se lembrava da razão pela qual se encontrava ali, e então as
lágrimas retornavam com toda a força. Ela não conseguia se lembrar de uma ocasião em
que tenha se sentido tão infeliz, tão desesperada, tão... só.

A sensação de perda era arrasadora. Algo... alguém importante não fazia mais parte de
sua vida, e a empata não conseguia mais se imaginar sem ele. Essa sensação não era
exatamente novidade para ela, pois a tinha sentido algumas vezes antes. Após
arremessar Mutano pela janela de seu quarto; quando ele se ferira em combate contra a
H.I.V.E.; após ouvir a razão pela qual ele fizera aulas de dança. Naquelas três vezes, no
entanto, ela não tinha sido capaz de entender ou dar nome ao que estava sentindo, nem
tampouco dera maior atenção, porque naquelas vezes, ela não sabia qual era a coisa
importante que poderia ter perdido.

Bem diferente de agora.

Depois de anos tentando, Mutano parecia ter finalmente desistido. Ravena tinha visto
mais do que raiva e ressentimento em seus olhos, enquanto ele falava a respeito da festa.
Ela vira o olhar de alguém... cansado, que olhara para trás e... concluíra que aquilo
tudo... simplesmente não valia a pena. A única pessoa em dois mundos, que jamais a
deixara sozinha... disposta a fazer qualquer sacrifício por uma coisa tão pequena quanto
um sorriso seu... que nutria por ela um sentimento maior do que simples amizade...
agora iria levar suas atenções para outro lugar. Para outra pessoa.

Isso não deveria afetá-la tanto. A empata estava acostumada ao pior das pessoas. Medo,
desprezo, e distância eram basicamente tudo o que as pessoas em Azarath lhe
ofereciam. Mesmo aqui na Terra, onde pouquíssimas pessoas sabiam quem era seu pai,
onde ela era considerada uma heroína, mesmo após as centenas de vidas que tinha
salvado, uma parcela considerável da população a encarava com receio. E uns poucos
malucos chegavam até mesmo a ser hostis, como um pastor de rua que cruzara com ele
em uma livraria, tempos atrás. Sim, Ravena já estava mais do que acostumada com a
rejeição. Tinha aceitado isso. Que era seu destino viver separada de tudo.

Então, por que a partida de uma única pessoa... doía tanto? Pior que isso. Era como se
um buraco negro tivesse surgido em seu peito, consumindo toda a esperança e
felicidade. Hoje, ela sabia que essa era a sensação de perda. Só não sabia ainda... o
quanto tinha perdido.

Mas ela não teve tempo de refletir sobre essa questão. Quando finalmente conseguiu se
controlar o bastante para parar de chorar, Ravena sentiu uma mão pousar em seu ombro
esquerdo. E aqui, neste lugar, isso só podia significar uma coisa.

- Agora não, Felicidade. – Disse a empata, sem se mover. Ela não estava com vontade
de falar com a parte risonha de si.

- Felicidade não está... disponível. – a voz respondeu por trás dela. Era a SUA voz,
ainda que em tom completamente analítico, quase profissional. – Consegue se levantar?
Ravena continuou imóvel. Não queria que ninguém a visse nesse estado, nem mesmo
uma parte dela própria. Sabia que seu rosto devia estar inchado e os olhos, vermelhos,
sem falar no fato de estar ajoelhada numa rocha, há sabe-se-lá quanto tempo.

- O que você está fazendo aqui? – perguntou a empata, procurando ganhar tempo, e,
quem sabe, recuperar alguma compostura. – Normalmente é meu alter-ego rosa quem
vem me cutucar primeiro.

- Como eu disse, Felicidade não está disponível. – soou a voz mais uma vez. – Quanto a
mim, vim para buscá-la. Consegue se levantar?

Ao ouvir isso, Ravena se levantou, virando-se para encarar aquela que lhe dirigia a voz.
Percebeu que estava olhando para uma versão de si mesma, idêntica em tudo, exceto por
dois detalhes. A segunda Ravena estava usando uma capa amarela, bem como um par de
óculos enormes. Esta era uma as oito personificações da sua mente e emoções,
Conhecimento.

- Como pode ver, estou de pé agora, Conhecimento. – disse a verdadeira empata, com
um quê de impaciência na voz. Você disse que veio me buscar, mas não disse para qual
propósito.

- Uma reunião. – disse a emoção amarela, impassível. – Uma reunião da mais alta
importância. E as outras a estão aguardando.

Ravena não estava com vontade de conversar com suas incômodas emoções. A bem da
verdade, não estava em condições de falar com quem quer que fosse. Mas, por mais que
estivesse com vontade de voltar ao mundo real, dormir e esquecer os acontecimentos
recentes, ela sabia que, se aquela parte de si própria, feita de lógica, inteligência e
informação, dizia que algo era importante, era melhor ouvir, pelo menos.

Assim, a empata deixou-se guiar pela paisagem. Logo, ambas estavam caminhando por
uma trilha de pedra, onde várias gralhas negras e de olhos vermelhos espreitavam. Não
demorou muito até que chegassem a um arco de pedra, a passagem para outra região de
Nevermore.

Ao aproximarem-se do estranho objeto, Conhecimento virou-se para Ravena, e, com


uma mesura, indicou que ela deveria passar primeiro. E, logo atrás dela, atravessou o
arco de pedra.

A região seguinte era, como a anterior, vazia de lógica ou normalidade. A empata e sua
emoção amarela agora se encontravam no que parecia ser um grande campo gramado,
no qual cresciam algumas árvores e, em um ponto ou outro, flores. A grama deste lugar
era de um amarelo berrante. O sol, e as folhas das árvores eram rosa. E, flutuando pelo
ar, havia gigantescas frutas (também cor de rosa), tal como o morango que
Conhecimento estava inspecionando.

E Ravena percebeu algo mais. Parecia haver algo... errado com este lugar, algo que ele
sentia que já deveria ter identificado. Mas não teve tempo para contemplar esse
mistério, pois um coro formado por múltiplas entonações de uma só voz (a sua voz) a
chamou.
Virando-se para a direção de onde fora chamada, a jovem viu uma grande árvore de
folhas rosa, onde estavam reunidos os demais aspectos de sua mente. Sete Ravenas
estavam ali, usando mantos de cores variadas.

Conhecimento tinha se sentado no chão e agora estava com um livro aberto em seus
braços. Rude também estava sentada no chão de pernas abertas, usando sua capa laranja
para tirar cera do ouvido. Sabedoria, ao lado da árvore, flutuava em posição de lótus; o
vento fazia sua capa marrom esvoaçar, mas isso não parecia perturbar sua meditação.
Coragem, a emoção de capa verde, estava de braços cruzados, apoiando as costas e o pé
direito na árvore. Timidez estava sentada no chão, meio que se escondendo por trás de
uma pedra grande, como se sua capa cinza pudesse camuflá-la. Raiva estava em uma
cadeira metálica, vermelha como sua capa e seus olhos, com os pulsos presos a algemas
embutidas nos braços da cadeira, que, de alguma forma, parecia soldada ao chão. E, por
fim, havia Afeição, que tinha retirado sua capa lilás e a estava usando para cobrir a
pedra onde estava sentada (a mesma que Timidez estava usando para se esconder), bem
como abraçava um gigantesco frango branco de pelúcia, quase que escondendo seu
rosto nele.

Ao se aproximar do grupo, a empata foi capaz de observar suas expressões faciais, e não
gostou nem um pouco do que viu. Ao invés de irradiar aquilo que seus nomes sugerem,
o rosto de cada uma das personificações das emoções de Ravena revelava algo
diferente. Tristeza. Pesar. Preocupação. Desânimo. Na verdade, Afeição estava
chorando quieta, o rosto grudado ao frango que abraçava. Nenhuma das sete parecia em
seu estado normal.

- Espera um minuto. – pensou Ravena, finalmente percebendo o que estava errado com
aquela cena. – Sete?

- Aonde está Felicidade? – Perguntou a empata, curiosa a respeito do paradeiro de sua


persona rosa.

Essa pergunta fez com que as sete emoções reunidas encarassem diretamente a empata,
que começou a se sentir desconfortável, como se estivesse diante de um júri prestes a
proferir um veredicto ruim.

- Felicidade... não está mais entre nós. – Respondeu Sabedoria, após um instante de
silêncio.

- Como assim, “não está mais entre nós”? O que quer dizer? – Ravena estava com medo
de entender.

- Ela quer dizer que a alegrinha fez as malas, sumiu, escafedeu-se, evaporou-se, deu o
fora, vazou, desapareceu. Ficou claro agora ou quer que eu desenhe? – Respondeu
Rude.

- Não havia nada que pudéssemos fazer. – Coragem decidiu falar. – tentei tudo o que eu
podia, mas...

Foi então que a empata virou-se para Conhecimento, a única emoção capaz de lhe dar
uma reposta simples e objetiva.
- Felicidade dissipou-se. – disse a emoção de capa amarela. – Os acontecimentos desta
noite, e um deles em particular, interromperam sua existência.

- É culpa minha. – Timidez lamentou-se, ainda semi-escondida atrás da pedra. – Eu não


devia ter deixado Ravena ir. Se eu tivesse feito um pouco mais de força... só mais um
pouco... ela não teria ido e nada disso estaria acontecendo agora...

- Dá para parar com a choradeira? – ralhou Rude, ainda sentada. – Felicidade, Afeição e
Coragem iriam te atropelar se você não saísse da frente.

- Mas, no final das contas, quem acabou escapando foi você e ela. – Observou
Sabedoria, referindo-se a Rude e Raiva.

- Ei, não olhe para mim desse jeito. Eu só saí porque recebi permissão, tá ligada? – a
emoção laranja defendeu-se. – E eu é que não vou ficar dormindo no ponto, maninha.

Essa última frase lembrou Ravena de que ela estava quieta demais. O que, em nome de
Azar, Rude estava insinuando? E por quê as demais emoções a estavam encarando desse
jeito, desde o momento em que a palavra “permissão” fora mencionada?

- Que história é essa de permissão? – a empata exigiu. – Por acaso estão insinuando que
eu queria isto? Acham que eu desejei que as coisas acabassem desse jeito? Que se eu
pudesse demonstrar alguma de vocês, escolheria logo Rude e Raiva?

Não foram precisos nem dois segundos, para que Coragem se desencostasse da árvore
para se aproximar de Ravena, olhando fundo em seus olhos:

- Ah, não? Então QUEM você apresentou para ele esta noite? Timidez, por acaso?

A empata não tinha uma reposta para essa pergunta. E, talvez pela primeira vez na vida,
foi incapaz de sustentar o olhar de sua emoção verde. Como poderia? Que explicação
teria ela para dar?

- Nem todas as escolhas são feitas conscientemente. – explicou Sabedoria. – Mas nem
por isso deixam de se escolhas, sejam elas boas ou ruins.

- E você ainda errou o alvo! – Raiva parecia ter acordado de repente, e estava se
sacudindo como se estivesse tentando romper os grilhões que a prendiam à sua cadeira.
- Você deveria era ter esmagado aquele bando de mãos grudentas e cheias de dedos!
Deveria ter queimado suas peles e partidos seus ossos! Mas em vez disso você
preferiu...

Raiva não pôde terminar a frase. Uma faixa de energia negra envolveu sua boca como
se fosse uma mordaça, impedindo-a de pronunciar uma palavra sequer. Coragem, que
estava segurando a fixa como se fosse uma coleira, parecia muito disposta a baixar o
sarrafo.

- Ele não vai falar com a gente de novo. – a voz débil de Timidez foi ouvida. – Não
desta vez. Não agora que a gente...
E ela parou de falar, como se suas palavras fossem um fardo pesado demais para se
carregar. E, de fato, o clima ficou pesado de repente. As sete emoções sobreviventes,
incluindo Raiva, abaixaram as cabeças com uma expressão de tristeza em seus rostos. O
que era anormal. Cada um dos aspectos de Ravena deveria estar sempre dominado pela
emoção primária que lhes dava nome, ou talvez um de seus derivados.

Mas a empata não pôde analisar essa questão, pois o comentário de seu alter-ego cinza
fez com que relembrasse a razão que a trouxera a sua própria mente.

Tomada por um desânimo súbito, ela se sentou, abraçando as próprias pernas e


apoiando a cabeça nos joelhos, como se isso pudesse escondê-la da realidade. De quem
NÃO iria procurá-la nos próximos dias.

Um longo e tenso silêncio seguiu-se, durante o qual só podia-se ouvir Afeição chorando
baixinho, apertando cada vez mais o frango de pelúcia. A visão de sua emoção de capa
lilás já estava começando a realmente incomodar Ravena. Especialmente porque o
estado em que ela estava... tinha um significado. Um significado que ela ainda não
queria aceitar.

- Afeição, será que dá para parar com isso e se controlar um pouco? Pessoas vêm e vão
nas nossas vidas. E Mutano é só mais uma delas.

A empata estava novamente lidando com seus próprios sentimentos da única maneira
que sabia: fingindo indiferença. Mas, qualquer que fosse a reação que estivesse
esperando se seus demais aspectos, não foi a que obteve. Conhecimento e Sabedoria
deram um tapa em suas próprias testas, desapontadas. Raiva começou a rir como uma
hiena demente. Afeição começou a chorar de verdade. Coragem e Rude, por outro lado,
não agüentaram mais continuar caladas.

- Só mais uma?! SÓ MAIS UMA?? Então me explique por que você passou a última
hora e meia chorando lá naquela pedra?! – Gritaram as duas, de uma só vez.

- Você detesta que outras pessoas mintam para você, mas mesmo assim, não hesita em
fazer isso consigo mesma? – Ralhou a emoção de capa marrom, com sua voz, pela
primeira vez, revelando algo parecido com irritação ou impaciência.

Mas, a bem da verdade, Ravena não precisava da bronca. No momento em que a última
palavra deixou sua boca, ela percebeu o quanto aquilo que tinha dito... soava falso.

- Diga-me Ravena. – a voz de Conhecimento se elevou, e havia um quê de curiosidade


nela. – Qual é o seu maior desejo?

Essa pergunta súbita surpreendeu a empata; não era do feitio de Conhecimento mudar
de assunto, assim de repente.

- O quê? – Perguntou ela, surpresa.

- Qual é o seu maior desejo? – Repetiu a emoção de capa amarela.

- Mas o que isso tem a ver com esta conversa?


- Será que dá para responder logo a essa maldita pergunta? – Intrometeu-se Raiva,
impaciente.

Ravena suspirou, frustrada. Sabia que Conhecimento, que mantinha registros de todas
as suas memórias, conhecia a resposta de sua própria pergunta. Mas decidiu entrar no
jogo. Esse era o tipo de coisa que ela jamais revelaria a ninguém, mas, como estava (de
certa forma) falando consigo mesma, decidiu que não faria mal falar.

- Sentir. – Respondeu a empata.

- Por quê? – Perguntou novamente Conhecimento.

- Para poder agir como as outras pessoas. Para não precisar estar sempre isolada. Se eu
pudesse sentir, não precisaria viver com medo de perder o controle. Talvez... talvez eu
pudesse ser feliz de verdade.

As emoções de Ravena balançaram as cabeças para cima e para baixo concordando.


Exceto Raiva, que cuspiu cheia de escárnio, Afeição, que continuava a lavar o frango de
pelúcia com suas lágrimas, e Timidez, que não podia ser vista por detrás da pedra.

- Então agora me diga. – Sabedoria assumiu o lugar de sua irmã amarela. – Quantas
vezes Mutano agiu para atender a esse seu desejo?

Ravena ficou imóvel ao ouvir isso, tamanho foi o choque que a pergunta lhe causou. Na
verdade, não foi a pergunta que a surpreendeu, pois ela, bem lá no fundo (beeeem lá no
fundo) sempre soubera a resposta. Não, o que a chocou foi a maneira como sua emoção
marrom tinha colocado as coisas: a empata nunca tinha pensado nesse assunto por esse
ângulo.

Não foi capaz de abrir a boca para falar, mas a resposta era óbvia. Quantas vezes o
metamorfo tinha tentado evitar que ela se sentisse só? Quantas vezes ele tinha tentado
alegrá-la? Animá-la? Conseguir um sorriso dela?

Centenas de vezes. Milhares. Na verdade, o comportamento do Titã verde para com a


empata... podia se resumir a ele tentando fazê-la mais feliz. Agora e somente agora, ela
entendia que... uma das coisas que mais desejara na vida... que aquele alguém especial
que só existia em seus sonhos... sempre esteve a seu lado.

Até hoje.

Não era à toa que Felicidade tinha se dissipado. A compreensão do quanto tinha
realmente perdido fez com que toda a tristeza, e toda a sensação de vazio, inundassem
Ravena novamente. Uma lágrima solitária desceu por seu rosto, terminando por pingar
no chão coberto de grama dourada.

- Há uma pergunta que deve ser feita. – falou Sabedoria, rompendo um silêncio que
pareceu durar horas. – O que você pretende fazer agora?

Ravena queria responder. Realmente queria. Queria poder dizer que iria agir e tudo iria
ficar bem. Mas não era capaz. Na verdade, nem via muito sentido em tentar fazer as
pazes, por que não acreditava que pudesse apresentar desculpas que o metamorfo
aceitasse. Afinal, se estivesse no lugar dele, jamais perdoaria o ofensor.

Coragem pareceu entender a hesitação da empata, porque perguntou incrédula:

- Então é isso? Você vai desistir? Vai deixar que tudo se acabe? Assim desse jeito?

- Que diferença faz? Acabou! Se eu tinha uma chance, fiz ela ir embora, junto com
Felicidade! – respondeu Ravena instantaneamente, a voz alta e fora de tom, como se
estivesse entrando em pânico.

E, mais uma vez, um silêncio desagradável se instalou. A empata e as personificações


de suas emoções evitavam olhar diretamente umas para as outras, como se temessem
esvair-se para o nada, como sua contraparte rosa.

- Felicidade não precisa sumir para sempre. – Conhecimento falou de repente.

- Superação... é uma das formas para se fazer isso. – Disse Sabedoria, olhando para o
outro lado.

- Estatisticamente. – falou mais uma vez a emoção de capa amarela. Havia um tanto de
cansaço e contrariedade em sua voz. – É bastante considerável a probabilidade de que
você venha a... conhecer alguém compatível...

Ravena piscou os olhos, surpresa. Estaria ela realmente ouvindo aquilo?

- Bem... – Coragem falou baixo, sem a brilhante autoconfiança de sempre. Era como se
estivesse resignada. – se você procurar bem, quem sabe... não acaba encontrando...

- ... Um maluco masoquista que te agu... AI!! Isso dói! – Exclamou Rude, que acabara
de levar um tapão na parte de trás da cabeça.

- Você não tá ajudando. – Sibilou a emoção verde para a laranja, balançando a mão
direita de forma ameaçadora.

Ravena, no entanto, mal estava prestando atenção, contemplando a mensagem que suas
emoções tinham lhe dado. Era uma sugestão bastante lógica; coisas ruins acontecem
com todo mundo, e é preciso seguir em frente. Não é algo que se goste de fazer, mas
nem por isso, deixa de ser necessário.

- Olha, o que a gente tá querendo dizer... – Começou Timidez, mal e mal levantando a
cabeça para ver a empata.

- ... É que você não pode passar o resto da vida nessa fossa... – Continuou Coragem.

- ... E uma forma de resolver isso... – Adicionou sabedoria.

- ... É seguir em frente e, quem sabe... encontrar... outra pessoa. – Concluiu


Conhecimento, tamborilando os dedos no livro que segurava.
- NÃO!! – Um grito silenciou todos os demais sons naquela região, fazendo com que
Ravena e as emoções restantes se virassem na direção dele.

Era Afeição que, finalmente, reencontrara sua voz. Estava de pé agora, e, mesmo com o
rosto inundado de lágrimas, olhos inchados e vermelhos, emanava absoluta
determinação. De fato, pareceria muito imponente, se não estivesse segurando um
frango de pelúcia gordo e branco com o braço esquerdo...

- Eu NÃO quero outra pessoa. – disse a emoção lilás. – “Outra pessoa”, não serve. Eu
quero ELE e ninguém mais. Eu quero... Garfield.

E novamente se fez silêncio. Mas não o silêncio tenso de antes. A empata, na verdade,
teve uma sensação estranha, como se toda aquela região de Nevermore tivesse dado um
suspiro de alívio. E, realmente, as suas outras seis emoções pareciam bem mais
relaxadas; seus semblantes finalmente mostravam a expressão que deveriam mostrar.

- Isso! – exclamou Coragem. – Assim é que se fala, garota!

- Você... você realmente deveria falar com ele... pedir desculpas... mesmo que... mesmo
que ele não aceite falar com a gente de novo. – Solicitou Timidez

Ravena, que ainda estava sem palavras diante da reação de Afeição, só conseguiu
balbuciar, debilmente:

- Mas eu... eu não sei... se vai adiantar... não acho que ele...

- Ravena. – Conhecimento a interrompeu. – Alguma vez Mutano já guardou rancor de


alguma coisa que você tenha feito?

Não era preciso falar a resposta para essa pergunta, de tão evidente que era. E isso
ajudou a levantar o ânimo da empata.

- Mais uma coisa! – Coragem falou bem alto, quase gritando. – Quando cruzar com o
carinha verde de novo, diga como se sente!

- Escuta aqui, Coragem, eu não... – Ravena tentou desconversar, vermelha, mas foi
interrompida por ninguém menos que Raiva.

- Chega desse papo-furado! Resolva esse assunto de uma vez! Ajeite as coisas ou eu
vou arrebentar essa sua cara!

Ninguém ali esperava que a emoção vermelha pudesse dizer algo assim, exceto talvez
Rude, que sorriu enquanto se virava para Ravena.

- Tá fazendo o quê aí parada, garota? Cai fora! Xô, xô!

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