Você está na página 1de 12

Teen Titans não faz parte de meu patrimônio. Assim como Warner, DC, internet, etc.

CAP 18

Mutano acordou na tarde seguinte, sentindo-se um trapo. Não ficou nem um pouco
surpreso, ao olhar para o relógio e perceber que tinha perdido café-da-manhã, o treino
matinal e até o almoço; tinha dormido achando que isso o ajudaria a esquecer as
mágoas, mas agora podia perceber que talvez tivesse sido melhor ter se transformado
em urso, para hibernar metade do ano.

Arrastando os pés, ele se dirigiu até o lado de fora da Torre. Queria chegar até a praia
para nadar um pouco. A sua pedra de costume também ficava ali, o que era conveniente.
O metamorfo estava precisando pensar, e muito.

Ele não nadou o quanto esperava: apenas duas voltas em torno da baía. Não estava nem
de longe cansado, apenas sem ânimo. Nem mesmo as crianças, que apontavam para o
golfinho verde que passava a pouca distância, foram capazes de levantar seu moral, um
acontecimento inédito; o Titã mais novo adorava crianças, e sempre que podia, gastava
algum tempo brincando com elas.

Quando retornou para terra firme, o metamorfo não parecia melhor do que antes. Ainda
de cabeça baixa, ainda com o andar lento, ainda sem alegria no rosto, ele se dirigiu para
a sua rocha.

Qualquer um que o visse ali, deitado de costas na pedra, com os olhos fechados e as
mãos cruzadas atrás da nuca, pensaria que ele estava dormindo. Mutano bem que
gostaria disso, de estar adormecido, mas tinha que colocar ordem em seus pensamentos
primeiro.

Ele se sentia inundado por uma sensação... horrível. Era a mesma sensação que lhe
tirava o ânimo, que fazia com que se sentisse cansado sem ao menos mover-se, e
dificultava ver o propósito em fazer qualquer coisa. Era mais do que uma simples
sensação de falha, de alguém que tropeça no meio do caminho e logo se levanta para
continuar a andar.

Era uma sensação de derrota. De total e completa... derrota.

Mutano se sentia como um fósforo queimado. Que tinha usado tudo o que tinha até se
consumir totalmente. Que, após dar todo o sangue, suor e esforço que podia, não
restasse nada dele, a não ser uma casca vazia.

Já não havia mais raiva. Até mesmo esse sentimento tinha se exaurido, deixando apenas
um desânimo letárgico em seu lugar. Não restara nem mesmo a vontade de levantar a
cabeça e seguir em frente. O metamorfo bem que gostaria, mas o que ele podia fazer?
Ou melhor, o que lhe RESTAVA para fazer? O que, de todas as coisas possíveis, ele
ainda NÃO tinha feito?

Bem poucas, ele concluiu. E, se fossem excluídas as formas mais exóticas de chama a
atenção dela (como desfilar por aí, com um colar de tofu moldado na forma da frase
“estou em oferta”. Isso era ridículo demais até para os padrões dele), então não sobrava
nenhuma. Pelo menos, nada em que ele conseguisse pensar...

Essa era outra grande questão que incomodava o rapaz verde. Além de dar um jeito em
sua falta de vontade de lutar, ele precisava descobrir algo que pudesse fazer depois. Não
lhe agradava a idéia de simplesmente desistir, ainda que, racionalmente, não
conseguisse visualizar outro curso de ação.

- Como sempre, Mutano, você se esforça tanto, e sempre falha completamente. – Ele
quase podia ouvir a voz sintética do Cérebro novamente, provocando-o. Só que agora, a
lembrança parecia ainda mais real do que pouco mais de um ano atrás, quando da
primeira vez que ele escutara isso.

- Talvez ele esteja certo. – admitiu o metamorfo. – Eu fiz tudo o que podia, e não
consegui.

De fato, se a noite passada tinha provado alguma coisa, era que Ravena NÃO gostava
dele. Mutano agora estava quase que convencido de que só era tolerado... porque
morava no mesmo edifício que ela. Que o que ela queria mesmo, era ficar o mais longe
possível dele.

E não ajudava em nada o seu ânimo (ou falta dele...) saber que nada disso deveria ser
surpresa. A empata sempre fora brutalmente direta em suas exigências e protestos por
privacidade. Assim como em dizer o que pensava das coisas que ele dizia, fazia,
queria... em dizer o que pensava DELE, para resumir. Só que o fato de Mutano ter
passado os últimos anos fingindo não notar esse fato... não o tornava menos real.

- E agora, o que é que eu faço? – Era a milionésima vez que ele se fazia essa pergunta
hoje, mas esta foi a primeira em voz alta.

Por mais estranho que pareça, Mutano, bem lá no fundo, sabia o que devia fazer. Não
era o que ele desejava, mas que outra escolha havia? Era inútil continuar tentando. Por
mais que ele gostasse da empata, por mais que ele... até talvez a amasse, só iria se
machucar ainda mais se continuasse insistindo.

Um dilema difícil. Que decisão tomar, quando o único curso da ação que pode ser
visto... é aquele que você definitivamente NÃO quer seguir?

--\\--\\--

Estelar, Ciborgue e Robin estavam terminando sua refeição. O almoço tinha sido
estranhamente silencioso, diferente do caos barulhento de sempre.

Todos os três sabiam a razão disso. Impossível não saber, já que só haviam três pessoas
em volta da mesa, ao invés de cinco. E isso era algo extremamente raro: que Ravena não
aparecesse para comer, vá lá, era algo que todos sabiam que acontecia de vez em
quando, mas Mutano? O membro mais jovem da equipe nunca, mas NUNCA perdia a
hora das refeições. Talvez não consumisse tanta comida quanto Ciborgue, mas estava
sempre (sempre!) com fome.
Ciborgue, aliás, sentia-se entediado. O lombo assado, que ele preparara especialmente
para este almoço, simplesmente não tinha a mesma graça, sem a presença de seu melhor
amigo para se revoltar, protestar e choramingar por causa do “massacre de uma criatura
inocente”, assim como a carne falsa com gosto de papel dele, que sempre lhe lembrava
do quanto um bife ao ponto, marinado com um bom molho de churrasco... é fantástico.
Em resumo, aqueles pequenos prazeres que fazem valer a pena ainda estar vivo.

E, por falar em pequenos prazeres, o Titã metálico começou a perceber uma coisa um
tanto quanto perturbadora; ele não se lembrava da última vez em que tinha disputado
uma boa tarde de games com o metamorfo. OK, “não se lembrar” era exagero,
especialmente quando se tinha à disposição registros computadorizados, capazes de lhe
dar a resposta.

- Quatro meses, uma semana e três dias. – Falou Ciborgue em voz alta, surpreso com o
número obtido.

- O quê? – Perguntou Robin, intrigado.

- É esse o tempo em que o Mutano não jogou nem uma partidinha comigo. – O Titã
cibernético falou, num tom que misturava perplexidade e mágoa.

- Mas vocês jogaram ainda anteontem!

- Tirando essa. – Foi a explicação.

- Quatro meses é um bocado de tempo. – Comentou o menino-prodígio, distraidamente.

- Bocado de tempo? É uma eternidade! Robin, é do verdinho que eu tô falando! O


Mutano passar quatro meses longe dos games? Isso é como... como... como violar uma
lei da natureza ou coisa assim! – Ciborgue protestou, exasperado.

O líder dos Titãs deu de ombros. Não que fosse indiferente à declaração de seu colega
metálico; ele concordava plenamente com a estranheza dela. E normalmente, não
perderia tempo em investigar melhor esse assunto, que podia significar um problema
para a equipe. Mas Robin já estava com uma preocupação mais imediata em mente.
Estelar, sempre tão alegre, estava quieta, sem demonstrar nada de seu ânimo habitual,
desde que acordara. “Um dia feliz para vocês, amigos.” Essas tinham sido as únicas
palavras da tamaraneana hoje, até o presente momento.

E isso significava problema. Dos grandes. Robin conhecia Estelar o suficiente para
saber o que esse silêncio dizia: que ela estava realmente triste por causa de alguma
coisa. Mas o quê poderia ser? Três vezes ele tinha perguntado se havia algo errado, e
três vezes ficara sem resposta. Só restava esperar que não tivesse pisado na bola sem
perceber.

- Aliás, agora que parei para pensar nesse assunto... – a voz de Ciborgue preencheu o
ambiente mais uma vez. – Vocês não acham que o cabeça de alface tem andado meio
esquisito ultimamente?
A pergunta, por si só, não era o bastante para fazer o menino-prodígio esquecer que
tinha algo incomodando sua namorada. No entanto, fez com que algo dentro dele se
agitasse. Era uma sensação vaga e sem forma, o cabelo arrepiado na nuca. Robin já
conhecia há muito esses avisos do instinto, e nunca os ignorava. Mesmo quando não
prenunciava perigo iminente, era sinal certo de que alguma coisa não estava nos
conformes.

- Como assim? – Ele disse isso de forma sugestiva, como que instigando Ciborgue a
falar mais.

- É que, tipo, eu só agora reparei que a gente quase não vê mais ele. Tirando café,
almoço, janta, e o treino de manhã cedo, nem tem sinal do Mutano na Torre! E isso
porque ele costumava estar em tudo quanto é lugar ao mesmo tempo, aprontando das
dele...

Robin concordou com a cabeça. Sabia perfeitamente do que Ciborgue estava falando:
tinha reparado em como a Torre Titã parecia mais silenciosa nos últimos tempos, mas
nunca tinha se incomodado com isso. Pelo menos, não o bastante para tentar descobrir o
porquê.

- Bom, pelo menos a gente sabe que de tarde ele têm ido para a tal aula de dança, mas
nem de noite eu consigo encontrar...

Foi a menção às “aulas de dança” que provocaram a reação do menino-prodígio.


AGORA ele sabia o que sua intuição estava tentando lhe dizer.

- Mutano NÃO faz aula de dança. – O líder dos Titãs levantou-se em um segundo, alerta
e tenso, interrompendo seu colega.

- ... Não leva a mal, Robin, mas já ta ficando chato ganhar de você o tempo todo e... o
quê? – O adolescente cibernético cessou seus resmungos, como se tivesse levado um
susto com a mudança de atitude do garoto à sua frente.

- Mutano não fez aulas de dança. Nunca fez. – Repetiu Robin, esquecendo-se
completamente de Estelar, que continuava sua refeição sem dizer uma só palavra.

- O quê? – surpreendeu-se Ciborgue. – É claro que ele faz. Ele disse isso para a gente,
não disse?

- Ele mentiu. – Declarou o menino-prodígio, lembrando-se de como tinha percebido


isso, em frente à máquina de dança do shopping novo da cidade, poucos dias atrás.

Ciborgue ficou para do um instante, de braços cruzados, avaliando o rapaz mascarado


de cima a baixo. Nunca conseguia entender os surtos de paranóia que volta e meia o
atacavam.

- Robin. – disse o Titã metálico de forma incisiva. – Ele TEM que ter feito aulas de
dança. Não se lembra da aposta no shopping? Aquela que nós perdemos? Lembra de
como ele se moveu? Mano, se bobear, até você levava um tombo naquela dificuldade!
- É exatamente pela forma como ele se moveu que eu sei que aquilo não era dança.

- Como assim? – Ciborgue achava que isso não fazia o menor sentido, mas, por outro
lado, sua curiosidade acabava de ser despertada.

E então o garoto-prodígio começou a explicar para seu colega as razões pelas quais não
acreditara na explicação que Mutano dera para seu “desempenho”. No começo, o Titã
cibernético achou que tudo aquilo não passava de desculpa de mau perdedor, mas, à
medida que Robin começou a fundamentar seu ponto de vista, passou a concordar com
ele. Bem, na verdade era mais “ficar-sem-munição-para-contraargumentar” do que
realmente concordar, mas fazer o quê? Pelo menos aquela parte sobre olho-de-tigre (ou
coisa parecida) era bem verossímil: o líder dos Titãs já tinha falado a respeito dos olhos
de um oponente durante os treinos, bem mais de uma vez.

Mas mesmo assim, Ciborgue não via razão alguma, para o garoto à sua frente resolver
bancar o desconfiado.

- Escuta, Robin. – ele perguntou. – Desde quando isso é um problema?

- O quê?! Ciborgue, não tá ven... – O menino-prodígio, indignado, tentou protestar.

- Robin. – interrompeu o jovem metálico. – Que diferença isso faz? O que importa ele
ter jogado aquele jogo se mexendo como Bruce Lee ou uma bailarina? Que diferença
isso faz?

Isso o fez ficar calado por uns instantes, sem saber ao certo como responder. No
entanto, antes que pudesse dizer alguma coisa, Ciborgue se virou para ele como uma
víbora:

- Ou você acha que o verdinho está planejando trair a gente? – havia deboche, revolta e
até mesmo um toque de ameaça na pergunta. Nada disso dirigido contra o metamorfo.

- Lógico que não! – Robin respondeu quase gritando, indignado.

E estava sendo sincero. Esse tipo de desconfiança jamais tinha passado pela sua mente.
A verdadeira razão para seu incômodo era outra. Na verdade, estava apenas frustrado,
com o fato de Estelar estar quieta daquele jeito e se recusar a revelar o que havia de
errado.

- Mas, mesmo assim, ele não precisava ter mentido para a gente. – confessou, sentando-
se novamente. – E mantenho o que disse: Mutano não está fazendo aluas de dança.

- Então por que razão ele passaria tardes e noites fora da Torre, nestes últimos meses? –
Ciborgue perguntou pacientemente, sabendo o quanto seu líder detestava não saber das
coisas. – Games, ele tem aqui. Música e TV, também. Ele não roubou meu carro para
dar uns rolés por aí, ou eu saberia (sem falar que ele iria bater no primeiro poste que
aparecesse pela frente). Então, o que é que poderia fazer o MUTANO, de todas as
pessoas, ficar fora de casa o dia todo, voltando só para comer e dormir?
A pergunta fez Robin pensar por alguns instantes, para relembrar fatos e outras
informações que lhe permitissem deduzir a resposta. Enquanto isso, Ciborgue
simplesmente voltou a devastar sua refeição, convencido de que o menino-prodígio não
encontraria uma resposta para sua pergunta, o que o forçaria a abandonar essa teoria...
OK, maluca não, mas que, por não ser a sua própria, só podia estar errada.

- Acho que já sei o que Mutano anda fazendo. – declarou Robin, pensativo. O Titã
metálico virou-se para ouvir, curioso para saber a resposta.

- Pelo que sabemos, ele anda sumindo da Torre durante a tarde e durante parte da noite.
Nós fazemos nosso treino de manhã, depois almoçamos, e então ele some. Depois
aparece para jantar, logo em seguida some de novo. – Ciborgue concordou com a
cabeça; até aqui, ele mesmo fora capaz de deduzir esta informação.

- Quanto ao que ele realmente anda fazendo, a explicação mais provável, é que ele tenha
passado os últimos meses envolvido com literatura. Isso explicaria porque ele escolheu
três filmes baseados em uma hexalogia de leitura difícil, bem como o porquê de nosso
monitor ter mostrado o sinal de seu comunicador perto da biblioteca municipal, semanas
atrás. E de noite, enquanto estamos ocupados vendo TV ou fazendo outra coisa, Mutano
se dirige para a sala de musculação, conforme sugerem uns fios de cabelo verde que
limpei do supino um mês atrás. E, o fato dele ter crescido tanto nos últimos meses
também sugere atividade física direcionada. Resta, agora, a seguinte questão: POR QUE
ele iria...

- PÁRA! PARÔ! TEMPO! ESPERA AÍ! – Gritou o adolescente cibernético, incapaz de


se conter mais. Desde o momento em que a palavra “literatura” fora mencionada, ele
sentira o impulso de interromper o discurso de seu amigo, mas, à custa de um grande
esforço de vontade, conseguira se manter calado. Agora, no entanto, diante das palavras
que continuavam a invadir seus receptores de áudio, não era mais possível permanecer
de boca calada.

- Robin. – falou Ciborgue pausadamente, seu olhar fixo no rosto sério do líder dos Titãs.
– Você por acaso tá me dizendo que o Mutano passou os últimos meses... estudando?

A única resposta que teve foi ver o menino-prodígio balançando a cabeça para cima e
para baixo, a expressão facial tão séria e dura quanto a sua.

- ... Estudando? – Insistiu o homem de metal, recebendo a mesma resposta de antes.

Durante longos minutos, ambos os jovens nada puderam fazer, além de olhar fixamente
para o rosto do outro, enquanto absorviam aquela revelação.

Mutano numa biblioteca.

Mesmo através da máscara, e mesmo um olho sendo mecânico, cada um pôde sentir a
tensão deixar o olhar do outro.

Mutano cercado de livros.


Os dois rapazes puderam então sentir os músculos de suas faces movendo-se sozinhos,
os cantos das bocas posicionando-se mais e mais alto.

Mutano... lendo.

-AHAHAHAHAHHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHA!! – Os dois
literalmente desabaram, um no chão e o outro na mesa, rindo de forma tão histérica, que
seriam capazes de deixar até mesmo o Coringa com inveja.

- Aimeudeusaimeudeusaimeudeus. – Era a única coisa que Ciborgue conseguia dizer,


entre uma gargalhada e outra, rolando de um lado para o outro no chão.

- Yhdaphdfnao. - Isso poderia ter soado como uma palavra, se Robin não estivesse com
o nariz achatado contra a mesa, dando soquinhos nela, com as costelas quase
arrebentando de tanto rir.

Nenhum dos dois reparou na completa apatia de Estelar, que continuava a revirar sua
comida com o garfo, sem, no entanto, tocar nela.

- Mano... – Ciborgue conseguiu gaguejar entre uma risada e outra. – Essa foi a coisa
mais ridícula que eu já ouvi.

O garoto-prodígio recorreu à toda a sua força de vontade para se endireitar, tentando


olhar para o rosto de seu colega. Não era uma “teoria ridícula”. Ele tinha relembrado
fatos e evidências, e chegado à sua conclusão com base nos indícios que tinha à sua
disposição. Era esse o trabalho de um detetive, afinal de contas, e ele tinha aprendido
com o melhor.

- Nnngh... – Foi o primeiro som a escapar de sua boca, ao ver a enorme forma de
Ciborgue se contorcendo no chão.

- Pfffffft. – O líder dos Titãs agora estava mordendo os lábios, numa tentativa
desesperada de manter a boca fechada.

- HAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHAHA!!

Sim, era preciso dar a mão à palmatória. A teoria era ridícula, mesmo. Mutano numa
biblioteca? Lendo? Fazendo treinos extras de livre e espontânea vontade? Sem chance.
Sem chance nenhuma. Nem mesmo Larry, com sua capacidade de distorcer a realidade,
seria capaz de tornar essa hipótese real.

Apenas depois de quase vinte minutos se passarem, é que os dois rapazes conseguiram
recuperar parte do controle corporal, ou, pelo menos, o suficiente para poderem se
sentar direito.

- Ai... Robin, mano... – Ciborgue estava limpando as lágrimas de seu rosto. – Nunca
imaginei que você pudesse contar uma piada tão boa.

Ele não teve uma resposta, e, por isso, decidiu continuar tagarelando.
- Pode ficar relaxado com o cabeça-de-alface. Não lembra o que ele disse? Que tava era
atrás de um monte de gatinhas? Pois então. O que, afinal de contas, você acha que
vimos ontem? Ou melhor, hoje de madrugada?

Nenhum dos dois pôde ver o garfo na mão de Estelar ser amassado até virar uma
bolinha tosca.

- Sabe. – o Titã cibernético comentou, olhando para o alto, sonhador. – Eu não me


importaria se algumas daquelas marcas de unha estivessem na minha fuselagem.

- Bom, eu tenho sorte por não precisar disso. – O garoto-prodígio respondeu sorrindo, e
com bastante sinceridade.

- Qual será o segredo? – indagou Ciborgue, esfregando o queixo. – Mutano vive falando
das orelhas pontudas, mas será que tem mesmo alguma coisa a ver?

- Feromônios, talvez?

- Suor de Mutano? Argh! – o jovem metálico fez uma careta de nojo, mas, logo em
seguida, seu rosto se iluminou. – Ei... e se for isso mesmo? Eu podia colher uma
amostra e fazer umas análises...

Ouvir as ponderações do amigo ajudaram Robin a manter o sorriso no lugar. Ciborgue


sempre fora um sujeito paquerador, mesmo.

- ... E se o resultado for positivo? Rapaz, eu não quero nem saber se isso é nojento.
Tomo um banho se precisar! Talvez dois!

- E tem gente que pagaria por uma coisa dessas. – O líder dos Titãs decidiu entrar na
onda.

- A peso de ouro, mano. A peso de ouro. – declarou o Titã cibernético com um grande
sorriso, esfregando as palmas das mãos. – Que o verdinho se prepare: porque quando
ele chegar eu vou espreme-lo até a última gota e...

BAM!

Este som, seguido por uma onda de choque que literalmente fez o chão tremer, levou os
dois adolescentes direto para o chão. Um instante depois, quando os dois levantaram
suas cabeças, viram apenas uma Estelar muito zangada, flutuando logo acima deles. E
uma mesa partida logo atrás dela.

- Basta! Cessem imediatamente esse comportamento indigno e ignóbil! – Ameaçou ela,


seus olhos e mãos emitindo luz verde.

Ciborgue e Robin não ousaram sair do chão, tampouco tirar os olhos da tamaraneana, de
tão surpresos e aterrorizados que estavam. A cólera de Estelar era tão violenta quanto
rara, e todos os residentes da Torre Titã (e, de fato, todos aqueles que já a tinham visto
em ação) sabiam que, nessas horas, era melhor ficar longe. BEM longe.
- Nosso amigo está carregando um fardo que pode ser maior do que suas forças agora! E
vocês, em vez de cumprir o seu papel de amigos, se divertem AGUILHOANDO AS
COSTAS DELE? – Ela trovejou.

Os dois garotos olharam um para a cara do outro. Não tinham a menor idéia do que sua
amiga estava falando.

- O que vocês deveriam ter feito. – Estelar disse-lhes, enquanto deixava a cozinha. – Era
ter procurado-o e ter oferecido algum tipo de apoio.

E então a porta da cozinha se fechou, deixando ali uma mesa partida ao meio, bem
como um Ciborgue e um Robin meio envergonhados, ainda que ignorassem
completamente a razão da bronca levada.

- Mas... – Ciborgue balbuciou pateticamente. – Eu na verdade tava elogiando ele...

--\\--\\--

Mutano tinha tomado uma decisão. Ia correr atrás de conselhos.

Uma coisa, depois de todo o tempo gasto pensando, estava bastante clara: ele não queria
desistir.

Mas, por outro lado, também estava claro que sua insistência estava, desde já, fadada ao
fracasso.

Incapaz de conciliar esses dois fatos, não teve outra saída, a não ser reconhecer que
sozinho, iria acabar como um navio sem rumo; que sem ajuda, era bem capaz desse
desastre ficar ainda pior.

Bem lá no fundo, como o metamorfo viria a perceber dali a alguns meses, o que ele
queria mesmo é que alguém o convencesse a não desistir. Que lhe desse motivos e
razões para continuar tentando. Mas agora, neste instante, pensava apenas em
desencargo de consciência: em não levantar a bandeira branca, sem pelo menos fazer
um último esforço.

Sorte que Mutano tinha amigos com quem podia se abrir. Seu chapa Ciborgue, que se
considerava um dos maiores pegadores da cidade, certamente teria alguma coisa a dizer
sobre seu dilema, e iria ajudar. Bastava apenas levantar, voltar para casa, passar uns
quinze minutos conversando e pronto.

Infelizmente, assim que o Titã verde se levantou, um fenômeno curioso ocorreu. Um


balão de pensamento formou-se sobre sua cabeça. E nele, Ciborgue ria. Ria muito. Ria
como se tivesse sido programado para fazer isso. E tudo por causa da melhor piada que
poderia ter ouvido: Mutano e Ravena... juntos.

Usando uma vassoura (que não estava ali segundos antes), o metamorfo tentou
desmanchar o balão de pensamento flutuando acima dele. Porém, tão logo o primeiro
balão foi desfeito, formou-se um segundo, no qual o Titã metálico fazia questão de
ignorar seu amigo, indisposto a perder seu precioso tempo com uma mentira tão óbvia.
Depois um terceiro, onde ele vasculhava a Torre palmo a palmo, convencido de que
estava sendo filmado em uma pegadinha. E então um quarto, um quinto e um sexto...
apenas no décimo quinto balão de pensamento Ciborgue se dispunha a ouvir com
paciência, mas só porquê, no décimo quarto balão, fora desmantelado peça a peça por
um pé-grande verde, que usava uma marreta quarta-feira em cada mão.

Mutano suspirou. Infelizmente, não seria possível contar com seu melhor amigo, não
desta vez. Mas tudo bem, nada estava perdido ainda. Por que não falar com Robin?

O metamorfo descobriu a resposta rapidamente, já que, em seu próprio balão de


pensamento, o menino-prodígio falava sem parar, sobre como aquilo era um erro... de
como podia acabar prejudicando a equipe... que precisava de todos sempre concentrador
nas missões, não um com o outro... e demais baboseiras do gênero. Trinta segundos
desse lenga-lenga foram suficientes para convencer o Titã mais jovem a também varrer
esse balão de pensamento.

Restava Estelar, a última opção que lhe restava na Torre. Não que Mutano não confiasse
nela ou coisa assim, muito pelo contrário. É apenas que não se sentia muito confortável
com esse assunto; ele preferiria que fosse uma conversa de homem para homem, só
isso.

O lado bom é que o metamorfo não precisaria se atrapalhar todo, na busca pelas
palavras certas para contar seu problema a ela. O lado ruim, no entanto, é que ele NÃO
iria se atrapalhar todo buscando palavras. Porque, ao invés de ver Estelar num balão de
pensamento, vira suas próprias botas, a única parte de seu corpo ainda fora de um bolo-
monstro (receita especial tamaraneana...) tentando devorá-lo. Nada menos do que a
reação que a princesa alienígena teria, em comemoração à “união iminente” de dois de
seus amigos...

Esse pensamento deixou o garoto verde com uma leve sensação de estar cometendo
uma injustiça. Talvez, ele raciocinou, estivesse exagerando um pouco (só um pouco) a
reação de sua amiga. Isso, no entanto, não mudava o fato que, o otimismo ilimitado dela
a levaria a ver a situação atual dele como uma coisa boa, e aconselhá-lo de acordo. E foi
por essa razão que Mutano decidiu não falar com ela; ele precisava de alguém capaz de
ver os dois lados da situação.

Mas quem? Não restava mais ninguém na Torre Titã, capaz de lhe dizer o que fazer. Ele
estava prestes a iniciar a caminhada de volta para casa, quando de repente, se lembrou.
Ele SABIA de uma pessoa capaz de ajudar.

- Cara, como eu sou burro! – exclamou Mutano, dando um tapa em sua própria testa. –
Eu já devia ter lembrado desde o início!

E então levantou vôo. Eu destino: praça central de Jump City.

--\\--\\--

Estelar andava de um lado para o outro, dentro do elevador que a levava para o andar
térreo da Torre. Desde a noite anterior, ela estava tendo dificuldades para invocar a
alegria necessária ao vôo, e, agora, essa capacidade parecia além de seu alcance.
O motivo para isso não era Robin, Ciborgue, ou o comportamento deles. Não. A
princesa alienígena entendia que ambos estavam só brincando, ainda que a brincadeira
fosse de mau gosto e praticada em péssima hora. Era outra a razão para seu desprazer,
algo muito mais sério do que uma simples brincadeirinha.

Tudo começara na manhã do dia anterior. Ela tinha reparado em algo estranho,
enquanto passava pelos corredores: que Mutano estava andando em círculos,
resmungando alguma coisa incompreensível, em frente à porta de um quarto. E, quando
viu de QUEM era o quarto, compreendeu imediatamente o que estava acontecendo.

Fora difícil não entrar em órbita, tamanha a alegria que sentiu em nome de sua amiga.

Estelar então passara os próximos cinqüenta minutos examinando uma câmera de


segurança específica. Sabia que não era exatamente ético ficar espionando, mas, por
outro lado, seria um verdadeiro crime não ver aquilo.

E, quando ela viu Mutano se afastar, assobiando contente, sentiu vontade até de gritar:
as coisas estavam indo tão bom que nem pareciam ser verdade.

A tamaraneana não teve dificuldade alguma em apagar aquela gravação: sua educação,
em Tamaran, envolvera lidar com máquinas potentes o bastante para gerenciar a
economia de sistemas planetários inteiros, e calcular rotas através do hiperespaco.
Burlar um protocolo de baixa segurança, em um computador primitivo da Terra? tão
fácil quanto convencer Silkie a comer Zorka berries...

A partir daí só era preciso esperar. Sabendo aonde seus dois amigos pretendiam ir,
Estelar só precisava ir na frente, escondida, e garantir que nada desse errado. Ai de
qualquer malfeitor, que tivesse a infeliz idéia de sair da cama esta noite.

E, que X'hal a perdoe... mas ela estava mesmo morrendo de curiosidade, para ver no que
tudo aquilo iria dar.

A princesa alienígena se lembrou da forma que arrumou para sair da Torre sem ser
percebida: sabendo que sue namorado não gostava muito de lidar com a higiene de seu
bicho-da-seda, bastou dizer que pretendia dar um banho caprichado em Silkie, e então
sair de fininho. Talvez tivesse sido imprudente ao deixar seu comunicador no quarto,
mas, esta noite, precisava permanecer indetectável: uma chamada na hora errada, e era
bem capaz de tudo ir por água abaixo.

Infelizmente, diferente de todas as expectativas de Estelar, a grande noite de seus


amigos saíra desastrosamente errada.

Ela sinceramente não conseguia entender essa tendência que os humanos têm, de
complicar coisas simples. Ela sabia que Mutano gostava de Ravena, e ela, no fundo,
sentia algo parecido, para não dizer o mesmo. Então, porque não simplesmente aceitar
isso e pronto? Não, esse era um costume terrestre que ela jamais, jamais conseguiria
assimilar.

Mas nada, nada que voe, nade ou rasteje, da Terra até Tamaran, poderia tê-la
surpreendido mais do que aquilo que aconteceu na noite anterior.
Uma volta. Uma volta em torno dos quarteirões vizinhos, para se certificar de que não
havia nada que pudesse atrapalhar os dois. Bastara o tempo de uma volta pra que o
desastre se instalasse.

Até agora Estelar não sabia como ou porquê aquilo tinha acontecido. Só se lembrava de,
ao terminar a ronda, ver seus dois amigos brigando. Ou melhor, se lembrava de ver
Ravena brigando com Mutano. Estava muito longe para ouvir o que era dito, mas dava
para perceber que a empata estava gritando. Também pôde ver que o metamorfo mal se
movia, parecendo apenas agüentar tudo quieto.

E antes mesmo que ela pudesse perguntar a si mesma o que poderia ter acontecido, a
empata levantou vôo e foi embora. Estelar estava prestes a segui-la e exigir uma
explicação, quando viu o semblante de seu amigo verde.

Então lamentou compreender o que tinha acabado de acontecer. O que quer que fosse,
Ravena tinha reagido além da conta, muito além. A princesa alienígena podia contar nos
dedos, o número de vezes que tinha visto seu colega mais novo triste daquele jeito:
quando Terra fugiu pela primeira vez, depois quando ela os traiu e "morreu", durante o
incidente com a Fera, e a invasão de Trigon. Poucas coisas eram capazes de quebrar o
otimismo quase ilimitado do metamorfo, e elas deviam ser devidamente temidas.

Era por isso que Estelar estava chateada. Dois de seus amigos estavam infelizes, e ela
nada pudera fazer para ajudar. Se eles tivessem descoberto sua presença ali,
provavelmente se enfureceriam contra a "espionagem", o que pioraria ainda mais as
coisas. Ela não teve muita escolha, além de voltar o mais rapidamente possível para
casa, e fingir que estava dormindo.

- Mas agora basta. - Pensou enquanto saía da Torre. Talvez ela não soubesse ao certo
como ajudar, nem tampouco se era realmente possível fazer isso, mas nada a impediria
de tentar. Se foi para a praia que Mutano tinha de dirigido, então era lá que a
tamaraneana deveria estar.

Mas, infelizmente, Estelar tinha chegado tarde. E, após uma volta e meia em torno da
ilha, finalmente concluiu que o metamorfo não mais se encontrava ali. Se tivesse olhado
para o céu cinco minutos antes, apenas cinco minutos, teria visto uma gaivota verde
voando para longe...

Você também pode gostar