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CAP 16

Ravena já estava em seu quarto fazia um bom tempo. Olhando para um relógio de
parede, ela viu que eram quase onze horas da noite, o que significava que já fazia quase
duas horas, desde que tinha retornado do cinema para seus aposentos.

Ela tinha meditado um pouco. Apenas um pouco, porque sua consciência, e


especialmente o peso dela, estavam atrapalhando. Sua mente não parava de retornar aos
eventos ocorridos poucas horas antes.

A empata tinha retornado à Torre após largar Mutano no centro da cidade, e, quase
imediatamente, retornado a seu quarto para meditar. Mas só conseguira fazer tentativas;
sua meditação exigia calma, bem como concentração. E ela ainda estava muito nervosa
com seu colega. Nervosa demais para ficar calma.

A questão é que, após uma hora e meia tentando iniciar seu transe meditativo, Ravena
percebeu uma coisa estranha: ela não entendia o porquê de seu incômodo. Sem aquela
raiva toda de antes, que a fizera enxergar tudo vermelho, podia pensar e relembrar tudo
com mais clareza. E não. A empata não conseguia se lembrar exatamente do que o
metamorfo tinha feito para irritá-la tanto.

Sim, ela sabia que ele a tinha largado sozinha naquela praça, exibido-a como se fosse
um objeto de exposição, insultado Azar, e feito pouco caso da dificuldade e perigo que
eram manter seus poderes sob controle. Ravena tinha praticamente certeza disso.

Mas, se era esse o caso, por que a crescente sensação de que tinha algo errado nisso
tudo? Por que logo agora, as coisas que Mutano fez naquela praça não estavam mais
parecendo tão graves? Foi mais ou menos nessa hora que a empata começou a sentir a
consciência pesando.

Com um grunhido, Ravena levantou-se, abandonando sua posição de lótus. Sabia que
não ia conseguir qualquer medida de meditação, enquanto não esclarecesse as coisas em
sua mente. Sentia-se uma tola por rememorar tudo aquilo, que desde o começo soubera
ser uma perda de tempo. O que tinha esperado ela, indo a algum lugar com o Mutano,
afinal de contas? Mas, de qualquer forma, a empata tinha a intenção de ser justa, e, para
isso, precisava lembrar exatamente o que seu colega verde tinha feito. Se era para, como
de hábito, se irritar com ele, que fosse na medida exata que ele merecia.

Ravena tinha uma boa memória. Além disso, era uma pessoa bastante atenta às coisas
que aconteciam ao seu redor. Não que ela nunca esquecesse de nada, mas, normalmente,
podia se lembrar com bastante exatidão das coisas que testemunhava, desde que
forçasse a memória o suficiente.

E foi isso o que a empata começou a fazer: lembrar-se de tudo o que ocorrera nas
últimas horas. De tudo o que ela e Mutano fizeram, e, especialmente, de tudo aquilo que
NÃO fizeram.
Ela, no momento em que decidiu voltar para casa, tinha certeza de que a primeira coisa
que o metamorfo fez, após encontrá-la, foi deixá-la sozinha na calçada da praça, à vista
de todos, para se exibir diante daquele fã-clube (aquelas... aquelas... rrrgh!!). Ela sabia
que a presença daquelas... garotas... não tinha sido armada: Robin sempre insistia para
que, quando o grupo fosse sair para uma pizza ou qualquer outra coisa, fosse sem aviso
ou reservas, e que a equipe evitasse freqüentar o mesmo lugar muitas vezes seguidas.
Tudo isso para evitar paparazzi e outros inconvenientes do gênero, mas, mesmo assim,
essa era uma coisa que acontecia às vezes. Olhando para o bilhete de cinema amassado
em sua mão, Ravena viu que ele tinha sido comprado dois dias antes. Provavelmente, o
empregado do guichê deve ter deixado “escapulir” essa informação, de que um dos
Jovens Titãs estava planejando ir àquele cinema, naquela notie. Pensando bem, até que
os dois tiveram sorte: ao invés de fã-clube, poderia muito bem ter sido um supervilão
esperando por eles, na esperança de ganhar fama à custa de suas vidas.

- Mas isso não dava a ele o direito de me abandonar daquele jeito! E menos ainda
flertar com aquele bando de... Desclassificadas! – Ela completou o pensamento em voz
alta, e estava sendo comedida. A palavra que ela REALMENTE queria usar era muito,
muito mais severa.

Mas, apesar de veemente, essa declaração mental tinha alguma coisa... estranha. Dava
uma sensação esquisita, como se ela estivesse fazendo uma palestra, mas a respeito de
um assunto que não dominava.

E Ravena só entendeu o porquê dessa sensação após relembrar o que realmente


acontecera, poucas horas atrás. No princípio, não quis acreditar, mas acabou por se
render aos fatos. Quando de seu retorno à Torre, a empata tinha quase que absoluta
certeza do que seu colega verde tinha feito. Agora, ela percebia que... não era bem
assim.

Sim, Mutano a tinha deixado sozinha, para falar alguma coisa para o fã-clube. Mas
agora, ela lembrava que ele tinha se aproximado do bando, dito alguma coisa, e depois
retornado rapidamente. O metamorfo jurara que só fizera isso para dispersar o fã-clube,
que tinha lhes dito que só iria dar atenção a uma pessoa, ela. Na hora, a empata
considerara isso uma mentira deslavada, mas agora, era capaz de se lembrar da emoção
que emanara do fã-clube, logo após o Titã verde deixá-las. Era algo muito similar a
desapontamento, talvez decepção. Sem falar que, instantes após ele voltar para junto
dela, algumas das garotas reunidas ali começaram a ir embora. Uma delas tinha lhe
dirigido um olhar de puro veneno, antes de girar sobre os calcanhares e se afastar.

Ravena sentiu o peso de sua consciência aumentar um pouco. Diferente do que ela tinha
pensado e acusado, o metamorfo não tinha mentido. Não fora se exibir na frente do fã-
clube. Na verdade, tudo sugeria que ele tinha mesmo dado um jeito de dispersá-las.
Afinal, a empata reconhecia que não era o tipo de coisa que elas fariam
espontaneamente. Pelo menos, não nos poucos minutos que seu colega passou ali
conversando.

Mas, mesmo assim, a empata ainda responsabilizava Mutano pelo fiasco de hoje.
Mesmo que ele não a tenha largado sozinha para se exibir, ainda havia várias coisas
erradas feitas por ele. Aliás, coisas erradas não: verdadeiros insultos, graves o bastante
para justificar a forma como ela o tratara. Ravena sabia disso, porque estava certa de
que nunca perderia a compostura. A menos, é claro, que um certo alguém a forçasse a
reagir desse jeito. Lamentava um pouco a primeira bronca dada ao amigo, que agora
sabia ser injustificada, mas tinha certeza de que ele merecera as outras.

Só que ela pensava e pensava, e, por mais que repassasse os acontecimentos em sua
mente, por mais que relembrasse cada detalhe da briga na frente daquele cinema, não
conseguia encontrar as terríveis ofensas pelas quais tinha castigado o metamorfo.

A empata se lembrava muito bem do que ele tinha lhe sugerido, para fazer a mesma
coisa que os gêmeos daquele filme. Abraçar a natureza de seus poderes, ao invés de
repeli-la. Ele provavelmente achava que, se ela fizesse isso, não ia mais precisar se
preocupar com o controle dos mesmos, tal e qual acontecera na história. Com isso vinha
uma mensagem implícita: que todas as dificuldades e provações suportadas por ela, ao
longo de toda a sua vida, não passavam de inutilidades sem sentido. Era isso o que as
cenas daquele filme, as perguntas de Estelar e, agora, a sugestão de Mutano tinham lhe
dito.

Ela se irritava quando ouvia a teoria acima mencionada. Na verdade, ficava revoltada:
era uma imensa falta de consideração desfiar esse tipo de sugestão em seus ouvidos.
Era, para a empata, uma ofensa difícil de perdoar.

Só que era justamente esse o ponto em que a consciência de Ravena estava cutucando.

O problema é que Ravena estava plenamente ciente de que seus dois amigos não tinham
nenhuma intenção de ofendê-la. E sabia também que nenhum dos dois sabia do que
falavam; afinal, a mensagem insultuosa era implícita. Estelar era uma pessoa inocente e
direta: quando queria dizer alguma coisa, o fazia sem esconder nada, sem sutilezas ou
subterfúgios. E Mutano era simplório demais para incutir mensagens subliminares em
suas palavras. A empata sabia, desde o início, o que seus dois amigos tinham em mente:
a tamaraneana pensava que isso a faria “mais feliz”. Quanto ao metamorfo... era difícil
dizer, pois todas as suas tentativas de se explicar tinham sido interrompidas. Aos berros.

A esta altura, Ravena já estava realmente arrependida por seu comportamento. Ainda
não sabia o porquê (e provavelmente jamais saberia. Como imaginar que ela, um dia,
iria sofrer uma crise de nervos?), mas compreendia que tinha maltratado seu amigo mais
do que ele tinha feito por merecer. Que não devia ter saltado para as conclusões, sem
antes se acalmar e realmente ENTENDER o que ele estava fazendo. Mas, acima de tudo
isso, a empata lamentava ter usado seu poder para suspender Mutano, de boca tapada e
de cabeça para baixo, em plena rua. O porquê disso? Ele disse que Azar tinha cometido
erros em sua educação. Que erros? A empata não sabia. Tinha, literalmente, calado a
boca do metamorfo, antes que ele pudesse dizer.

- Oh, Azar... – disse Ravena, horrorizada. – O que foi que eu fiz?

--\\--

- Quinze para a meia-noite. – Robin falou do nada, olhando para o relógio da sala
comum.
- Bnhuní. – Respondeu Ciborgue, sem tirar os olhos do televisor, com a boca cheia de
pizza. A tradução para essa resposta era: “E daí?”.

- Já está ficando tarde... – o menino-prodígio resmungou, mais para si mesmo do que


para seu colega. – O Mutano já deveria ter voltado.

Ao ouvir isso, o Titã cibernético emitiu um suspiro. Pelo visto, seu líder anda não tinha
aprendido a relaxar. Mesmo agora, assistindo TV, com um copo de refrigerante na mão
e uma tigela de pipoca na outra, estava se preocupando inutilmente.

- Olha, mano, fica frio. O verdinho sabe se cuidar, então relaxa.

- Mas...

- Nada de “mas”. – Ciborgue interrompeu. – Daqui a pouco ele chega. O Mutano está
com o comunicador dele; se ele se meter em encrenca, a gente vai ficar sabendo.

Surpreendentemente, Robin não falou mais nada. Devia estar de muito bom humor, para
desistir de uma discussão a respeito de horários e responsabilidades.

Ou talvez ainda estivesse meio fraco, por causa da dor-de-barriga que teve de manhã.
Vai saber.

--\\--\\--

Já passava de meia-noite, mas Ravena não conseguia pregar os olhos. Estava se


sentindo mal consigo mesma. Realmente mal: era o resultado de uma consciência que,
agora, poderia ser muito bem substituída por uma bigorna de chumbo, de tão pesada que
estava.

A empata estava quase lamentando o fato de ter uma memória tão boa. Porque, graças a
ela, tinha lembrado as demais coisas que tinha feito. Que não tinha se limitado apenas a
brigar com o metamorfo, pelos supostos erros cometidos por ele.

Ela mal podia acreditar que, naqueles momentos em frente ao cinema, pudesse ter
sentido tanta raiva, desconforto e frustração de uma só vez. E Ravena nem sabia ao
certo a causa de tudo isso; só se lembrava que, naquela hora, não estava conseguindo
nem pensar. Só queria uma coisa: machucar seu colega o máximo que pudesse.

E a empata se envergonhava da eficiência com que tinha feito isso. Mesmo sem ser
capaz de pensar direito, a capacidade de perceber emoções alheias lhe permitira atacar,
instintivamente, os pontos mais fracos de Mutano. Dizer (ou melhor, gritar) palavras
capazes de cortar até a alma. De causar o tipo de ferida que talvez nunca desapareça. Ela
esperava, do fundo do coração, não ter causado esse tipo de estrago, mas não ousava dar
muito crédito a essa possibilidade.

Porque Ravena ainda lembrava do que tinha feito o metamorfo sentir. Havia surpresa,
indignação, mágoa, raiva, ressentimento, desesperança e tristeza nele. No momento em
que foi abandonado, o Titã verde só tinha emoções negativas dentro de si. Ravena sabia.
Sentira isso, da mesma forma que fora capaz de perceber outra coisa corroendo o
coração dele. O fato de a pessoa que estava lhe infligindo tamanha dor... era
possivelmente aquela que ele mais amava no mundo.

E a empata nem precisava ter captado as emoções dele para saber o quanto passar por
uma situação dessas... dói. Ela tinha lembranças similares, que, mesmo depois de anos,
ainda podiam reabrir velhas feridas. Aquele tomo antigo, trancado até hoje em seu baú,
era prova disso.

Ravena se encolheu sob os cobertores, escondendo a cabeça sob o travesseiro. Tinha


bons motivos para se arrepender. Para começar, não deveria ter ido lá. Isso não deveria
nem ter passado pela sua cabeça. Mas o descontrole subseqüente, depois de ver Mutano
no meio daquelas... coisas... incapazes de manter as mãos cheias de dedos nos bolsos...
tinha sido muito pior. Mas não por ter sentido aquela raiva toda, e nem por qualquer
violação à sua proibição em sentir. Ela tinha magoado um amigo. E tinha certeza de que
isso era algo muito mais grave. E ela não sabia o porquê disso. Simplesmente sabia.

Um dos motivos disso, no entanto, era claro para ela. Nenhuma das coisas que disse
para ele... era verdade.

A empata não se lembrava de tudo o que tinha dito. Eram muitas acusações feitas por
puro ímpeto, vazias de sentido ou lógica. Mas as mais graves ainda não tinham partido
para o reino do esquecimento. Talvez nunca fizessem isso.

A empata se lembrava de dizer que ele perturbava a todos na Torre, sem dar um minuto
de paz a ninguém. Mentira. Ciborgue era o melhor amigo do metamorfo; Estelar
também apreciava sua companhia; Robin não costumava gastar seu tempo junto a ele,
mas também não reclamava. Quanto a ela própria... era complicado dizer. Só sabia que,
qualquer que fosse a resposta... era realmente diferente do que ela jamais teria
imaginado.

Mas isso não era tudo o que o metamorfo fora forçado a ouvir, e Ravena não conseguia
entender porque ele não tinha respondido nada. Aquele vírus que invadiu Ciborgue
tempos atrás podia ter sido baixado por Mutano, mas ele resolveu a encrenca sozinho.
Mais do que isso: na verdade, quem quase matara o Titã metálico fora ela mesma, e
Robin. Afinal, foram eles que forçaram Chip a invadir o corpo de seu amigo e, mais
tarde, descobriram que o anão tinha tentado desligar completamente os sistemas de
Ciborgue. Se o membro mais jovem da equipe não tivesse desobedecido a ordens e
lutado sozinho contra o vírus E a “cura”, a Torre Titã teria um membro a menos hoje.

O mesmo valia para Silkie. A tamaraneana amava o bicho-da-seda mutante quase tanto
quanto ao líder os Titãs. Não era à toa que Estelar o chamava de “meu pequeno
bumgorf”, que, nas palavras dela, era “o mais maravilhoso, mais glorioso presente que
jamais tinha recebido”. Além disso, não fora idéia do metamorfo alimentar Silkie com
aquelas cerejas alienígenas, que causaram seu crescimento monstruoso.

- Por que ele não falou nada? Por que só ficou quieto ouvindo? – Ravena perguntou
para si mesma, jogando o travesseiro longe. E, de fato, essa não era a forma usual de
Mutano se comportar. Ele não costumava ficar quieto sob nenhuma circunstância, e,
certamente, não quando estava sendo submetido a uma injustiça como a de hoje.
Essa, no entanto, foi meramente uma pergunta retórica, porque a empata, apesar de não
estar certa das razões que o levaram a permanecer calado, tinha uma boa idéia. Não
tinha ela a capacidade de sentir as emoções das outras pessoas?

Ravena preferiria que Mutano tivesse se revoltado. Gritado de volta, ficado com raiva,
brigado com ela, qualquer coisa. Diferente dela, ele pelo menos teria tido uma
justificativa para se comportar desse jeito.

Sem uma gota de sono, a empata levantou-se. Não precisava se lembrar de mais nada,
para admitir que tinha cometido um erro. Um grande e terrível erro. Se havia alguém na
Torre que merecia castigo, meramente pelo fato de existir, com toda a certeza esse
alguém não era o metamorfo. Sim, a consciência de Ravena transmitira sua mensagem.
Só restava um curso de ação a seguir agora: retificar os erros e apagar as faltas.

Se pelo menos ela tivesse alguma idéia de como fazer isso...

--\\--\\--

Já passava de uma da manhã, mas as ruas e avenidas de Jump City continuavam


movimentadas. Pessoas e veículos de todos os tipos se movimentavam por elas, cada
qual preocupado única e exclusivamente em atender aos interesses que os mantinham
acordados até tal hora de noite.

Infelizmente, havia outros interesses, menos nobres do que a busca por diversão, sendo
perseguidos naquela noite. Era o caso de Trent e sua gangue, que julgava ter tirado a
sorte grande naquele momento. Afinal, não é todo o dia em que se consegue encurralar
um almofadinha rico e a sua Ferrari vermelha num beco. Ele já quase podia contar as
verdinhas, que iriam se esparramar em seu colo como a chuva dos deuses.

Trent passou o resto da vida sem saber ao certo o que tinha dado errado. Tinha visto
uma coisa escura sob a luz precária do beco, que surgiu do nada, impedindo sua visão
daquele carro fantástico, e, um segundo depois, um punho peludo o atingiu na lateral do
crânio. Pôde sentir o cérebro chacoalhando lá dentro, enquanto voava de encontro a uma
parede. E depois, pôde ver as paredes brancas da enfermaria prisonal da cidade, quase
uma semana depois, quando finalmente recobrou os sentidos.

Mas tarde, na prisão, ele tentou interrogar seus companheiros de gangue, para saber o
que tinha acontecido. Não obteve muito sucesso, porque nenhum deles parecia estar em
melhor situação que ele. Um afirmou ter sido usado como um porrete por um gigante.
Outro disse ter sido atacado por um cão enorme. E um terceiro declarou ter visto um
borrão e mais nada.

Nenhum dos componentes daquela gangue jamais viria a saber a identidade de seu
misterioso agressor, ficando assim privados de vingança. Mas, se ele soubesse que a
gangue adoraria uma revanche, provavelmente acharia uma maravilha, pois, enquanto
dava as costas e se afastava de um beco com um cidadão apavorado, uma Ferrari
novinha e uns doze malfeitores brutalmente espancados, ainda estava de mau humor. De
péssimo humor.
Esse indivíduo se afastou do local, andando depressa. Parecia estar evitando a
luminosidade dos postes; só era possível ver sua silhueta, enquanto seguia pelas ruas em
direção à baía. Ele tinha meios de percorrer esse trajeto mais depressa, mas não queria.
Precisava pensar. Se concentrar. E, para fazer isso direito, decidira voltar para casa
caminhando. Tinha eventos para relembrar e decisões a tomar.

- Caaaara... – resmungou ele, enquanto se deslocava. – Esta foi a pior noite da minha
vida.

--\\--\\--

Duas da madrugada.

Ravena já tinha decidido o que iria fazer. Fora uma decisão difícil de ser tomada, e que
a forçaria a fazer uma coisa que nunca tinha feito antes. Algo que jamais imaginara que
faria um dia.

Ela tinha pensado bastante sobre o tratamento que tinha dispensado a Mutano, e,
principalmente, sobre o que poderia fazer para endireitar as coisas. Tarefa difícil, como
a empata veio a descobrir. Ela pensava e pensava, mas não conseguia se decidir por
nada. Pelo menos, nada que parecesse suficiente ou adequado. E, pouco a pouco, a cada
idéia que surgia e era descartada, mais ela se preocupava. Porque agora, e somente
agora, Ravena se lembrou de algo que deveria ser óbvio.

Que, com toda a certeza, o metamorfo estaria furioso com ela. E que, se nada fosse
feito, ele... permaneceria assim.

A empata não queria isso. Na verdade, não conseguia nem tolerar essa possibilidade.
Havia... algo a mais do que o simples arrependimento por tratar mal um amigo. Era uma
sensação imperiosa, quase que uma espécie de urgência. O nome desse sentimento
podia ser desconhecido para ela, mas estava ali. Oculto e freqüentemente contradito,
mas jamais completamente suprimido. Ravena achava que há muito deveria saber o
nome dessa sensação, mas, até agora, a resposta lhe escapava.

Era essa a causa de sua crescente preocupação. Para cada maneira de fazer as pazes que
era eliminada, por ser insuficiente ou simplesmente estúpida, era como se um nó fosse
apertado em seu peito, cada vez mais forte. Essa preocupação tinha muito menos a ver
com o passado e a consciência pesada, do que com o futuro e o que ele traria. Era
preciso endireitar as coisas. E fazer isso logo.

Foi por essa razão que Ravena tomou a decisão que tomou. Se ela não conseguia pensar
em nada que compensasse seu ato, só lhe restava uma alternativa:

Pedir desculpas.

A empata não queria fazer isso. Era uma pessoa orgulhosa, e essa idéia não a agradava
nem um pouco. Ainda mais porque, normalmente, era o exato oposto que acontecia.
Sem falar que seria a pessoa séria da equipe a abaixar a cabeça para o piadista imaturo.
E, evidentemente, não acabava aí. Mutano, com toda a certeza, iria exigir alguma coisa
embaraçosa dela. Impossível dizer o quê, mas eram grandes as chances de envolver
pegadinhas, videogames, ou (argh!) tofu. Provavelmente, seria forçada a fazer algo que
a deixaria embaraçada pelo resto da vida. Isso se não morresse de vergonha, mesmo.
Literalmente.

Mas, querendo ou não, era isso o que ela iria fazer. O a... não, a aten... quer dizer, a
amizade do Mutano (Isso mesmo, amizade. Só isso, amizade. Mais nada. Nada além de
amizade... não é?) valia mais do que o seu orgulho.

E então, de decisão tomada, Ravena se deitou. Ainda não acreditava que seria capaz de
descansar. Ainda não.

Mas mesmo assim, sua cabeça estava consideravelmente mais relaxada, no momento
em que ela se recostou em seu leito.

--\\--\\--

Mutano reparou na falta de luzes, enquanto o elevador o levava para os níveis


superiores da Torre Titã, onde ficavam a sala comum, cozinha e aposentos. Não que
estivesse surpreso: já passavam de duas e meia da madrugada, e seus colegas já deviam
estar dormindo. Ótimo. Ele estava cansado, e só queria dormir um pouco. Talvez numa
boa noite de descanso pudesse ajudar a clarear suas idéias.

Infelizmente, no entanto, o metamorfo estava sem sorte. Mal saíra de dentro do


elevador, quando um ponto vermelho brilhou na escuridão do corredor, ao esmo tempo
em que um enorme objeto metálico pousou em seu ombro descoberto, causando-lhe um
arrepio pelo contato com o metal frio.

- Muito bem, espertinho. – disse Ciborgue com cara de poucos amigos. Robin estava
atrás dele, escondido nas sombras do corredor, perceptível apenas devido à visão
noturna do Titã verde (que se perguntava como o menino-prodígio conseguia se ocultar
usando aquele traje com cores berrantes). – Isso são horas?

A resposta foi um rosnado impaciente. O adolescente cibernético, todavia, pareceu não


perceber.

- E aonde o senhor foi, por obséquio? – O sarcasmo na pergunta estava até gotejando, de
tão espesso que estava.

- Você sabe aonde eu fui. – Mutano respondeu, encarando diretamente os olhos de seu
melhor amigo. – Eu te disse.

A frieza na resposta deixou Ciborgue sem saber ao certo como reagir. Na verdade, tanto
ele quanto Robin tinham um palpite bastante razoável sobre o motivo que levara seu
amigo mais novo a voltar tão tarde. Não tinham como saber que estavam enganados, e
esperavam vê-lo reagir como sempre reagia quando era pego com a boca na botija: se
contorcer todo para inventar alguma desculpa esfarrapada, ou então sair correndo com o
rabo entre as pernas. A sorte foi o fato de o menino-prodígio perceber isso, e se adiantar
para falar em seu lugar.
- Sabe o que é isto, Mutano? – Perguntou ele, estendendo a mão, na qual repousava um
disco amarelo e preto, com um “T” maiúsculo inscrito.

- É meu comunicador. – O metamorfo respondeu sem sequer piscar, arrancando o


dispositivo da mão de seu líder.

- E pode me explicar por que ele estava largado no seu quarto e não contigo?

- Cara. Você é o detetive. Descubra. – respondeu o Titã verde, fazendo menção de se


virar e ir embora.

Mas, antes que pudesse fazer isso, as luzes do corredor se acenderam, ofuscando os três
rapazes temporariamente. Enquanto apertavam e esfregavam os olhos, ouviram uma voz
conhecida ecoando por aquelas paredes.

- Mutano, é você? – perguntou Ravena, num tom de voz um pouco diferente do


habitual. Ansiedade, talvez? – Eu estava esperando você chegar. Olha, eu queria...

A empata sentira uma presença familiar na Torre, assim como a agitação de seus dois
colegas. Sabendo que o recém chegado só poderia ser o metamorfo, dirigiu-se ao local
onde ele estava, sem demora. Ambos tinham muito que conversar.

E então ela calou-se abruptamente, mais ou menos na mesma hora em que os demais
recuperaram a visão. Tinha percebido algo errado no ar.

Perfume. Vários tipos diferentes de perfume.

Mas nem ela, nem Robin, e muito menos Ciborgue estavam preparados para acreditar
em seus olhos, assim que os mesmos se adaptaram novamente à claridade.

Mutano parecia ter retornado de uma zona de guerra: suas roupas estavam reduzidas a
tiras; seus pés estavam descalços; o cabelo se encontrava revolto e desnivelado, como se
tufos dele tivessem sido arrancados; havia marcas de unha em pelo menos cinco pontos
diferentes de seu corpo, que estava repleto de outras marcas, cuja cor variava de um
rosa-choque berrante até um escarlate vivo.

Essa visão paralisou os três. O que, em toda a face da Terra, poderia causar semelhante
injúria física a um deles? O silêncio tomou conta daquele corredor, até que sua
opressiva presença foi expulsa pela voz de Ciborgue.

- Ôôô, Mutano? – perguntou ele, de olho no formato peculiar que a maioria das
manchas apresentava. – Por acaso isso aí é marca de batom?

Sim, era batom. E bastante dele, por sinal.

Perceber isso deixou tanto o menino-prodígio quanto o Titã cibernético sem saber ao
certo o que dizer. Ambos cruzaram os braços e resmungaram alguma coisa, mas para si
mesmos do que para os outros. Estavam tentando, sem muito sucesso, pensar em algo
para dizer. Algo que os fizesse sair por cima daquela situação. Difícil, no entanto. Todo
homem sonha em um dia ser perseguido por mulheres. Quantos conseguem?
Já Ravena estava lidando com outra coisa. Ver o metamorfo naquele estado fez seu
coração afundar dentro do peito. Ela sentiu a boca ficar seca em segundos, e fez força
para resistir ao ímpeto de se virar e sair correndo dali. Mas nada disso era tão intenso
quanto a sensação de ardência em seus olhos; era quase impossível não abaixar a cabeça
ou desviar o olhar.

E havia mais. A empata não sabia o que pensar. Não sabia dizer se estava surpresa,
decepcionada, ou com raiva. Só sabia que aquilo incomodava. Muito. E que o fato de o
metamorfo NÃO ter tentado escapar... doía. Que ardia como se tivessem injetado uma
ampola de ácido em seu peito.

Nesse instante, Mutano suspirou. Tinha confundido a expressão pensativa de Robin e


Ciborgue com preocupação, e estava prestes a lhes contar o que aconteceu, assim como
arrumar uma desculpa convincente, para não ter que revelar a verdadeira razão pela qual
não estava contente. Porém, uma voz soou antes da dele.

- E então, Mutano? A sua noite foi boa? – Disse Ravena, com veneno engrossando cada
palavra. Sem saber como lidar com o que estava sentindo, ela decidira se esconder por
trás de uma máscara de indiferença e ironia.

Não foi uma boa idéia. As palavras da empata fizeram o metamorfo ficar rígido como
uma estátua, e esquecer completamente a existência de seus outros dois amigos.
Lentamente, ele se virou para olhar a empata, com a expressão dura e severa como
nenhum deles via há muito tempo.

A pergunta indelicada dela tinha sido a proverbial gota d’água. Acabou por transformar
mágoa, cansaço e ressentimento... em raiva.

- Primeiro, ela grita, me xinga, depois me larga de ponta-cabeça no chão e vai embora,
e agora quer tirar satisfação? – Pensou Mutano furioso, enquanto olhava para o rosto
da garota à sua frente. E então respondeu.

- Foi. – disse ele. A primeira parte da resposta era mentira, mas não a segunda. – É bom
ter fãs. Você se sente querido. E quer saber? Acho que eu não teria tido essa sensação se
a noite tivesse saído conforme o planejado.

Assim que ele terminou de falar, Ravena virou-se e saiu. Precisou apenas de um instante
para sair da vista dos três rapazes, andando depressa.

E, novamente, O silêncio caiu sobre aquele corredor da Torre. Assim que viu a empata
desaparecer na escuridão, Mutano virou-se para seus dois colegas, como que os
desafiando a falar alguma coisa. Estava com raiva de novo, e fora por pouco que
conseguira se controlar, apenas o bastante para não finalizar sua última frase com um
“obrigado”. Naquele instante, adoraria ter uma nova oportunidade de espancar os
marginais daquele beco.

No entanto, Robin e Ciborgue ficaram de boca calada. O ambiente estava tenso, e


ambos já tinham perdido o pique para piadinhas. Por isso, o Titã verde foi para o
banheiro se lavar, e dali, direto para o seu quarto. Havia muito em sua cabeça, mas,
enquanto se banhava e jogava seus trapos no lixo, um pensamento fazia sua voz se
sobrepor à dos demais.

-Por quê? Por que é que eu ainda perco meu tempo tentando?

--\\--\\--

Ravena ofegava enquanto revirava as gavetas de seu quarto, procurando algo


desesperadamente. Fazia isso com dificuldade, devido ao fato de suas mãos estarem
tremendo, bem como o de vários objetos de seu quarto estarem se movendo sozinhos.

- Eu não teria tido essa sensação se a noite tivesse saído conforme o planejado.

Ela não pôde mais continuar naquele corredor, não depois de ouvir isso. Abalada
demais para se concentrar, ela foi andando, mas logo, com o peito e os olhos ardendo
cada vez mais, percebeu que estava correndo. Uma terrível sensação a acossava
enquanto voltava para o abrigo de seu quarto. Perda. E essa percepção era
desesperadora: era como se, subitamente, ela se visse sem algo vital, sem rumo ou
propósito na vida.

Não havia tempo para contemplar esse tipo de questão, no entanto. Os poderes da
empata estavam à solta, e não era mais possível impedir. Fazendo o possível para
ignorar os olhos úmidos, Ravena finalmente encontrou o espelho de mão, de aparência
antiga, que mantinha em seu quarto. Apertando-o firmemente em sua mão esquerda,
recitou seu mantra, ativando a mágica contida ali.

Instantes depois, ela se encontrava no único lugar seguro que existia agora. Sua própria
mente, Nevermore. Flutuou rapidamente pela escuridão, pousando em uma das muitas
rochas que adornavam aquela paisagem espectral.

E lá, ela finalmente se permitiu ceder àquilo contra o que estava lutando, desde o
momento em que saíra correndo pelos corredores da Torre.

Ali, em uma das rochas flutuantes de Nevermore, Ravena chorou.

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