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Não sou o dono de Teen Titans. Bem que eu gostaria.

CAP 5.

Ravena estava andando de um lado para o outro dentro de seu quarto. Muitos objetos
tremiam. Os mais frágeis estavam cobertos de rachaduras. Pergaminhos e folhas de
papel voavam descontroladamente, Mas o caos dentro daquele quarto apenas espelhava
o estado emocional de sua dona. Um pensamento, uma memória dominava sua mente:

Mamute caía em uma explosão multicor. Perto dali, a menos de dois metros, um garoto
de pele verde estava deitado no chão. Mutano.

Ele se levantou, devagar, limpando o pó do uniforme. Tinha aquele sorrido que era sua
marca registrada. Ao ver seus colegas, mostrou-lhes o punho fechado com o polegar
apontado para cima. Naquele instante, Ravena pôde ver o brilho de seus olhos, como
duas estrelas esmeralda em plena luz do dia.

Mas esse brilho se apagou como a chama de uma vela. Antes que os Titãs pudessem
sequer se mover, Mutano estava de joelhos no chão, com uma das mãos na boca.
Quando a removeu, o tecido branco de sua luva estava quase inteiramente escarlate.

Sangue. Ravena nunca tinha visto tanto sangue.

Antes que ela pudesse reagir, o metamorfo estava no chão, inconsciente. Novamente
alerta, correu para socorrê-lo, junto com seus três colegas. Ele ajoelhou-se ao lado de
seu colega, concentrando-se em invocar a aura azul capaz de curá-lo. Mas nada
aconteceu. Sua energia tinha se esgotado ao se proteger de Mamute e dissipar o feitiço
prendendo Estelar, ou talvez a magia de Jinx ainda estivesse interferindo com seus
poderes. A empata não podia fazer nada.

Nesse instante, Ciborgue agiu: agarrou seu melhor amigo como se ele não pesasse
mais do que uma pluma, e colocou-o deitado nos assentos traseiros do carro.
Acionando os motores do seu “neném” , ele partiu, deixando apenas uma palavra para
os outros três. “Torre”.

Ravena continuava a andar pelo quarto, sem parar. Sentia que se parasse, poderia perder
o pouco controle que ainda lhe restava. E ela não ousaria sair do quarto enquanto não
fosse capaz de controlar os poderes novamente. A razão era óbvia: no estado em que se
encontrava, a empata era uma ameaça para si mesma e os outros. Em especial Mutano,
que se encontrava na ala médica, inconsciente. Se ela estivesse normal, curá-lo seria
uma questão de segundos, mas na sua condição atual, provavelmente iria acabar
destruindo a enfermaria.

De repente, Ravena parou. Com ela, os objetos que voavam e tremiam interromperam
seu movimento, caindo no chão. Ela parecia resoluta, e de fato estava. O metamorfo
estava ferido porque a tinha salvado, não uma, mas duas vezes naquele mesmo dia. Ela
não iria fazer menos. Sentando-se em posição de lótus, começou a repetir seu mantra.
Não havia mais lugar para dúvida ou hesitação. Mutano precisava de ajuda, e, por ele, a
empata iria controlar seus poderes. Se Ciborgue for capaz de manter o metamorfo vivo
por mais algum tempo, ela se encarregaria de salvá-lo.
--\\--\\--

45 minutos antes.

Ciborgue estava relendo uma última vez os instrumentos médicos da enfermaria. Em


um leito à sua esquerda, encontrava-se o Titã mais jovem, dormindo pacificamente.
Enquanto analisava um último aparelho, a porta da ala médica abriu-se, revelando
Robin, Estelar e Ravena. Sem esperar mais, o homem metálico falou para os três:

- Finalmente vocês chegaram. Melhor se sentar, pessoal. Temos que conversar sobre
umas coisinhas. – O tom de sua voz era mortalmente sério, e o olhar estava fixo no
menino-prodígio.

Nesse exato momento, Ravena saiu da sala. Estelar levantou um braço como se quisesse
impedi-la, mas o olhar severo de Ciborgue a fez mudar de idéia. Realmente, ela tinha
algo mais importante para se preocupar.

- O amigo Mutano vai ficar bem? – ela perguntou – Ele não tem ferimentos graves,
tem?

- Só está dormindo, Estelar. Dei um tranqüilizante a ele junto com a medicação. Muito
em breve ele vai estar de pé, pronto para outra.

- Glorioso! Então nosso amigo continuará a participar das batalhas ao nosso lado! Eu
vou preparar um Banquete de Recuperação imediatamente! – ela disse levantando-se.

- NÃO!! – os dois rapazes gritaram ao mesmo tempo, o paciente adormecido


temporariamente esquecido. Mas os dois tinham bons motivos para se comportar assim.
O “banquete” de Estelar provavelmente seria alguma... coisa... de forma indefinida e
sabor insuportável, ou talvez os comesse primeiro. Era melhor não arriscar.

- Estelar, você não pode fazer isso! – desesperou-se Ciborgue.

- Por que não, amigo? Você não está feliz pela recuperação do amigo Mutano? – ela
parecia magoada.

- Claro que estou contente! Mas Estelar, é que... – Ciborgue não sabia o que dizer, e
estava tornando a situação complicada.

- ...É que Mutano está dormindo agora e não vai poder participar do banquete, não é
mesmo? – Robin interrompeu a conversa, seu raciocínio ligeiro como sempre.

- Além disso, o verdinho só gosta de verduras e aquele tofu dele. Você sabe preparar
alguma coisa com isso? – Ciborgue completou, e no mesmo instante um “Clang” soou.
O menino-prodígio tinha chutado, não-tão-disfarçadamente, a perna metálica de seu
colega. Agora estava com uma cara muito peculiar, enquanto lutava para manter preso
um grito de dor.

- Estelar, tenho uma idéia. – Disse Robin, engolindo a dor na canela. - Por que a gente
não pede umas pizzas assim que Mutano melhorar? Com bastante mostarda...
- Parece uma ótima idéia, amigo Robin. – Os dois rapazes suspiraram de alívio ao ouvir
isso. – Mas qual era o assunto importante sobre o qual amigo Ciborgue pretendia
discursar?

Ambos os garotos pareceram ter acordado de repente: ambos tinham se esquecido,


tamanho era o temor que a culinária da princesa alienígena impunha aos habitantes da
Torre Titã.

- Bem, como eu ia dizendo, o verdinho ali está fora de perigo. Nunca esteve, na
verdade. Ele ganhou uns machucados bem dolorosos, mas é só isso. Amanhã ele pode
deixar a ala médica. – Explicou o Titã cibernético.

- Mas e todo aquele sangue que Mutano cuspiu lá na rua? – Observou Robin.

- Parece que ele mordeu a língua quando foi cuspido por Mamute. Nada sério. Amanhã
ele não vai poder falar por causa da língua, e vai estar meio tonto por causa dos
anestésicos, mas no dia seguinte vai estar 100. – Ciborgue concluiu seu diagnóstico.

- Amigos, eu não entendo. – Estelar estava confusa. – Se nosso amigo Mutano não está
ferido, por que a conversa é tão importante assim?

- Porque a verdadeira razão de o Mutano estar aqui não foi a luta de hoje.

- Qual foi então? – Robin perguntou, preocupado. Ele tinha uma idéia da resposta, e, se
estivesse certo, era bom que estivesse preparado.

- Exaustão. – Ciborgue falou gravemente, o olhar mais uma vez fixo em Robin, que por
sua vez parecia ter encolhido em sua cadeira. Estelar, por outro lado, recebeu essa
informação com incredulidade.

- Amigo Mutano não estava exausto. – ela disse. – Ele lutou bravamente. E realizou
uma façanha da qual ninguém pode se gabar: derrubar o gigante Mamute com um só
golpe. Ele salvou a amiga Ravena duas vezes e convenceu Chip a libertá-lo, Ciborgue.
Nenhum guerreiro exausto é capaz de tais feitos.

- Não disse que ele não foi corajoso. Mas veja bem, ele não lutou DE VERDADE. Quer
dizer, usando os punhos. O verdinho venceu (nunca imaginei que iria viver para ver
isso) usando o cérebro. Eu estava paralisado a luta toda, mas podia ver. O coitado estava
tão cansado que mal podia colocar um pé na frente do outro. – o homem de metal,
voltou-se para seu líder. – Você tem alguma idéia do porquê, Robin?

O garoto-prodígio estava achando difícil sustentar o olhar de seus colegas. A bronca que
recebera dos colegas ainda esta manhã ainda estava fresca em sua memória, e era ainda
mais desagradável por ter se tornado realidade.

- Sei... – foi tudo o que foi capaz de dizer.

- E...? - Ciborgue não pretendia deixá-lo escapar.


- E está bem, andei pegando pesado ultimamente, OK? Não vai acontecer de novo! –
Robin tentou se desculpar.

- Tem certeza?

- Tenho.

- Mesmo?

- Mesmo.

- Está pronto para jurar? – Ciborgue perguntou, solene.

O líder dos Titãs tremeu. Ele sabia o significado do juramento que estava prestes a
fazer. E estava ainda mais ciente das conseqüências caso decidisse violá-lo: um mês
inteiro usando um vestido de bailarina (rosa), mesmo em missão. Sim, um castigo de
gelar a alma.

- Juro. – Disse o menino-prodígio, com a mão direita sobre o coração.

-Ótimo. – Ciborgue e estelar pareciam contentes com o juramento, cada qual por suas
razões. Estelar considerava juramentos algo importante e nobre. Já Ciborgue tinha
certeza que era apenas uma questão de tempo até que seu obsessivo amigo decidisse
impor outra maratona insana de treino, o que lhe daria a oportunidade de tirar muitas
fotos.

Mas isso era um evento futuro. A conversa entre os três Titãs estava terminada, e eles
foram jantar.

--\\--\\--

Amanhece. Os raios de Sol banham gentilmente a Torre Titã. Em um quarto iluminado


por velas quase exauridas, com as paredes cobertas por estantes de livros, estátuas e
poções de cores variadas, um membro dos Jovens Titãs está terminando sua meditação.

Ravena tinha meditado a noite toda, e era a primeira vez em muito tempo que conseguia
(ou precisava) meditar tanto assim. Na verdade, era a primeira vez em semanas que
efetivamente conseguiu meditar. Devido a acontecimentos recentes, a empata não
conseguia convocar a calma necessária para o transe meditativo que lhe permitia
controlar suas emoções e seus poderes. De fato, ele não agüentara permanecer na ala
médica apenas um dia antes, quando Ciborgue declarara que haviam assuntos
importantes a serem discutidos. Ravena tinha uma razão para isso: ela acreditava que
seu amigo Mutano estava gravemente ferido, e, ao ver a expressão de Ciborgue,
assumira que ele iria dar más notícias, e saiu literalmente correndo da enfermaria.

Mal sabia ela que na apenas Mutano estava fora de perigo, como estaria pronto para
lutar em apenas dois dias. Decidida a “salvá-lo” da morte certa, a empata invocara todo
o seu senso de propósito para se acalmar e realmente meditar, para que pudesse curar o
metamorfo o mais breve possível. Não foi uma tarefa fácil: a crença de que aquele
duende verde, irritante e imaturo pudesse desaparecer para sempre a preenchia com
sensações que ele jamais imaginara possíveis. Medo e preocupação a assaltaram quase
como entidades físicas, diferente de todas as vezes em que enfrentara ameaças letais ao
lado de seus colegas. Culpa, por não ser capaz de vencer a luta por si só. Culpa por
outro entrar no caminho da dor para salvá-la, não uma, mas duas vezes. Culpa por
Mutano estar numa cama da enfermaria no lugar dela. Mas o que realmente assustava
Ravena e quase fez com que sua meditação falhasse foi um sentimento desconhecido
para ela. Lenta e implacavelmente, foi surgindo nas profundezas de seu estômago, ao
ver Mutano tombar no campo de batalha; e terminou por se alojar em seu peito, quando
deixou a ala médica. E, finalmente formado, consumia impiedosamente a esperança,
felicidade e coragem. O nome dessa sensação? Ravena não poderia dizer. Era um vazio,
consumindo toda a emoção e vontade. Apenas a força que a empata cultivara durante
anos de provações lhe permitiu atingir seu propósito.

Mas agora a noite finalmente tinha chegado a seu fim, e, com ela, a meditação
necessária. Ravena não perdeu um segundo sequer ao correr para a ala média, onde,
teoricamente, seu amigo verde estava.

A empata ficou surpresa ao abrir as portas da enfermaria: não havia ninguém ali! Por
um instante, ela ficou sem saber o que fazer, olhando os leitos como se tivesse perdido o
paciente em baixo de uma das camas. E então, recuperando o autocontrole, subiu para a
sala comum. O relógio dizia ser 07h53min, o que significava que pelo menos Robin
deveria estar acordado. Ele com certeza saberiam lhe informar sobre o paradeiro de
Mutano.

- Robin! – Ela falou ao escancarar a porta da cozinha. – Onde está o...

A voz de Ravena sumiu ao ver o interior do aposento. Em volta da mesa se encontravam


os quatro Titãs remanescentes, ocupados com o café-da-manhã. Surpreendentemente,
Mutano estava entre eles. Parecia bem, exceto por duas diferenças: primeiro, não
ostentava o sorriso e a atitude infantil habitual. Estava quieto, com as orelhas caídas, e a
expressão em seu rosto era algo indefinido, mas definitivamente nada agradável. E
segundo, Ravena não conseguia perceber emoções em seu colega verde. Muito estranho,
pois o metamorfo estava sempre irradiando quantidades enormes de alegria,
impaciência, curiosidade e emoções afins.

Contente por ver que seu colega estava bem, a empata não disse mais nada.
Simplesmente começou a ferver água para o seu habitual chá de ervas. Enquanto a água
esquentava, a empata percebeu uma estranha sensação. Estava feliz, embora não
pudesse demonstrar, por seu amigo estar bem, mas, por baixo disso, havia um pequeno
desconforto, quase uma frustração, como se ela estivesse esperando para fazer algo
importante, e no último momento, não pudesse. Ravena ainda não sabia o porquê disso,
mas não gastou mais tempo tentando descobrir: no momento em que a água ficou
quente, ela percebeu algo ainda mais estranho na cozinha. O barulho. “Ou talvez a falta
dele”, pensou a empata, examinando seus colegas. Robin, Estelar e Ciborgue estavam
comportando normalmente, comendo, conversando e rindo, como sempre. Então, o que
poderia estar faltando?

Ela não precisou pensar muito: bem ali na mesa estava a razão de seu desconforto.
Mutano estava calado, comendo pouco. E isso era raríssimo. Somente quando o Titã
verde estava extremamente deprimido ou preocupado é que ele era capaz de manter a
boca fechada. E ainda assim, os outros três Titãs estavam se comportando como se o
metamorfo não existisse. Definitivamente estranho, mas Ravena não chegou a fazer
nenhuma pergunta, pois a chaleira apitou informando que o chá estava pronto. Ela
encheu um caneco e foi se juntar aos seus amigos reunidos em torno da mesa. Mas para
sua surpresa, no mesmo instante em que se sentou, Mutano levantou-se e saiu da
cozinha, sem dizer uma palavra.

- Ele deve estar zangado comigo pelo que aconteceu ontem. – Pensou a empata. Ela
estava errada, mas não tinha como saber a verdade. Fez menção de se levantar e falar
com ele, desculpar-se, mas foi impedida por Ciborgue.

- Ele não vai falar com você, Ravena. – disse ele com a boca cheia de waffles.

Ela teve tempo apenas para levantar uma sobrancelha. Esse era seu “olhar
questionador”.

- Se eu fosse você, nem tentava. – interrompeu Robin, sem tirar os olhos do jornal. – É
melhor esperar um dia, talvez dois.

- Amigo Mutano ainda carrega as conseqüências da batalha de ontem. Ele vai ficar bem,
mas temos que esperar. – Estelar terminou, enquanto alimentava sua larva de estimação,
Silkie.

Ao ouvir isso, Ravena saiu da sala, para espanto dos outros titãs.

- Estelar, você avisou Ravena que o Mutano ia se comportar meio estranho hoje, não
avisou? Que ele ia estar sob efeito de anestésico forte e ia ficar um dia sem falar nada? –
Ciborgue perguntou, preocupado com a expressão sentida que vira no rosto da empata,
antes de ela abandonar o café-da-manhã.

- Certamente, amigo Ciborgue. Eu me dirigi ao quarto da nossa amiga Ravena e, após


bater várias vezes, não obtive resposta. Então decidi compilar essa informação em um
bilhete, o qual eu empurrei por baixo da porta. – respondeu a tamaraneana.

O que nenhum deles sabia é que Ravena não tinha visto bilhete algum. Quando ela saíra
do quarto, não tinha olhado para o chão. E logo depois uma brisa tinha soprado o dito
bilhete para longe. Provavelmente está acumulando poeira em algum canto da Torre
agora.

--\\--\\--

Ravena não estava se sentindo bem. Não mesmo. Ela já achava que era sua culpa
Mutano ter se machucado. E minutos atrás seus colegas praticamente disseram que
pensavam os mesmo. Isso, somado à solidão que a atormentara pelas últimas semanas,
era um golpe pesado para a auto-estima de qualquer um. Ela estava no telhado, tentando
o possível para se acalmar. Sem saber que o garoto verde nunca estivera realmente
ferido ou que não estava nervoso com ela, essa era uma tarefa que parecia impossível.

A empata tinha a certeza que iria se sentir melhor se Mutano estivesse em segurança,
mas, mesmo ao vê-lo fora da ala médica, não se sentiu tão melhor quanto esperava, pois
queria curá-lo pessoalmente. Ela não entendia o porquê disso. Ele estava bem, e era isso
o que importava, ou deveria importar. Ela não conseguia evitar se sentir frustrada com
tudo isso.

Ela também estava triste: nas últimas semanas, ninguém tinha lhe dado a menor
atenção. Ravena era alguém que gostava de ficar sozinha, e, com o tempo e muitas
ameaças, os demais Titãs aprenderam a respeitar seu espaço... exceto, é claro, aquele
pirralho verde e irritante. Ele nunca a deixava em paz, mesmo sob constantes abusos
verbais e, ocasionalmente, físicos. Pelo menos até cerca de sete semanas atrás, quando
ele foi arremessado através de uma janela (fechada) e, desde então, nunca mais
realmente falou com ela de novo. Ela, que sempre imaginara que esse era o melhor
presente que o metamorfo poderia lhe dar.

Estava enganada. Muito enganada.

Sem a presença de Mutano para quase lhe levar à loucura, Ravena se sentia solitária.
Indesejável. Ela jamais admitiria, provavelmente nem para si mesma, mas desejava que
o metamorfo não tivesse desistido dela. Ele sempre fora um ótimo amigo, especialmente
quando importava. Mas agora se recusava até mesmo a dividir a mesma mesa que ela.
Ravena achava isso o pior de tudo. Talvez fosse mesmo seu destino, ficar para sempre
isolada das outras pessoas. Talvez fosse melhor assim...

- Não! – Ela disse para si mesma. – Eu não sou assim! Oh, Azar, o que está acontecendo
comigo?

Era uma boa pergunta. Ela, desde a infância, aprendera a preferir a solidão, longe das
pessoas que iriam julgá-la por sua herança, que não a deixavam esquecer quem seu pai
era ou o que estava destinada a fazer. Mesmo agora, com Trigon banido e o fim do
mundo evitado, Ravena ainda preferia manter sua privacidade. Por que agora isso a
estava incomodando? Ela sabia que seus poderes eram perigosos. Sabia que nunca
poderia deixar ninguém se aproximar, sob risco de acabar ferindo-os, ou pior. Desde
tenra infância Ravena tinha se acostumado à solidão, e até preferia estar isolada, longe
das sensações de desconforto, desprezo e temor que as pessoas irradiavam quando
estavam perto dela. Por que agora a solidão parecia tão ruim? E, acima de tudo, por quê,
agora que ela obteve algo que sempre desejara, algo que sempre se esforçara para
conseguir, agora que Mutano finalmente a deixara sozinha, por que ela se sentia...
vazia?

A empata não tinha condições de responder a essas perguntas. Na verdade, estava


exausta. Não tinha dormido na noite anterior. Não comera nada hoje, exceto pelo café
da manhã. E agora, a lua já estava alta no céu. Desejando que o sono a fizesse se sentir
melhor, Ravena dirigiu-se para o seu quarto, onde adormeceu imediatamente.

--\\--\\--

Mutano acordou sentindo-se um novo homem. Tinha dormido o dia inteiro, desde que
saíra do café-da-manhã do dia anterior, e os últimos vestígios de exaustão já tinham
desaparecido, assim como os efeitos do remédio para sua língua mordida. O metamorfo
podia falar normalmente se quisesse.
A primeira coisa que fez foi jogar o uniforme sujo em uma pilha no chão, e escolher um
novo. Após um banho rápido, vestiu-se e foi correndo tomar café. Estava morrendo de
fome.

Ele chegou à cozinha e viu três de seus colegas lá. Mas não prestou muita atenção. Os
roncos em seu estômago o compeliram a pegar grandes quantidades de tofu e prepará-lo
de diversas maneiras. E, enquanto as panelas esquentavam a comida, atacou um pacote
de cereal como um predador faminto. Apenas depois de enchera barriga ele conseguiu
notar que havia uma pessoa a menos na mesa.

- Ei, cadê a Ravena? – perguntou ele.

Robin e Estelar não lhe deram atenção. Estavam sussurrando alguma coisa um para o
outro, cegos para todo o resto do universo. Quem respondeu foi Ciborgue, que estava se
segurando para não rir do casal à sua frente.

- Ainda não chegou, mano.

- Mas já são dez da manhã. – espantou-se o metamorfo. – Ela não costuma levantar às 6
ou coisa assim?

- Não sei não, pra falar a verdade. – Ciborgue ponderou por um momento. – Eu não
vejo ela desde o café-da-manhã de ontem.

- Como assim? Cara, você tá dizendo que ela faltou ao almoço e jantar? – Mutano
espantou-se: aquela menina ia acabar sumindo se não comesse alguma coisa.

- Bem, acho que sim. Pelo menos eu não a vi por aqui. – respondeu o homem de metal.

- Tá certo. – Disse Mutano, levantando-se. – Eu vou buscar ela.

Ele tinha dois motivos para isso: primeiro, estava preocupado pelo fato de Ravena não
estar se alimentando; simplesmente não entendia como ela às vezes ficava trancada no
quarto um dia inteiro sem sair nem para as refeições. Segundo, porque estava com
saudade. Já passava de um mês e meio desde que começara a treinar e ler, e não tinha
falado com ela de verdade durante todo esse tempo.

- Boa sorte, bonitão. Mas não venha choramingar quando ela te enviar para alguma
dimensão assustadora ou coisa assim. – Ciborgue provocou, já preparado para rir da
reação que previa que seu melhor amigo iria ter.

Ao ouvir “dimensão assustadora”, o garoto verde teve uma pontada de medo. Era um
dos riscos de se incomodar a empata da equipe. Mas disfarçou bem: sua voz parecia
confiante quando respondeu ao Titã cibernético.

- Fala sério, cara. Estive dentro da boca do Mamute. Consegue imaginar algo pior do
que isso? - E então saiu da cozinha, deixando para trás um bule de chá esquentando, um
Ciborgue muito surpreso e um casal que ainda não tinha tomado ciência do mundo à sua
volta.
--\\--\\--

Diferente do que Ravena esperava, o sono não tinha feito com que se sentisse melhor.
Seus sonhos não tinham sido agradáveis. Não a ajudaram a esquecer o que estava
sentindo no dia anterior. E ela não deveria sentir. Não era permitido. Mais que isso, era
perigoso. E perigoso era algo que seu quarto iria se tornar muito em breve. Vários dos
objetos lá dentro estavam danificados, enquanto uns poucos estavam completamente
destruídos. E nesse exato momento, a maioria deles estava envolta em uma aura negra,
vibrando perigosamente.

Ravena fez uso de toda a concentração que podia para recuperar o controle. Mas toda a
vez em que começava a se acalmar, um pensamento invadia sua mente, expulsando o
pouco controle que ainda tinha de suas emoções. Eram as dúvidas que a tinham
perturbado ontem, e agora estavam de volta, tão intensas quanto antes. Ela desejava
descer e comer alguma coisa, mas, se o fizesse, acabaria colocando os outros em perigo.
Por isso, decidiu que iria continuar trancada no quarto até que fosse seguro sair.

Foi nesse momento que alguém bateu à sua porta.

--\\--\\--

Mutano estava nervoso, e com medo do que poderia acontecer. Justo ele, que nunca
tinha pensado duas vezes antes de invadir a privacidade de sua colega, mesmo sob risco
de dor considerável, agora estava hesitando. “Nada legal”, ele pensou. Agora que ele
descobrira sentimentos pela sua colega, agora que realmente importava bater àquela
porta, é que vieram hesitação e medo.

Ele bateu mais uma vez na porta.

- Rae, sou eu.

- Vai embora, Mutano. – Foi a reposta. Diferente do monótono habitual, a voz do outro
lado da porta parecia diferente. Ele não sabia ao certo dizer como, mas não parecia estar
bem. Por isso engoliu o nervosismo e falou da forma mais normal possível.

- Rae, você vai perder o café-da-manhã. Você está com fome, não esta?

- Hoje não obrigado.

- Olha, eu vou trazer alguma coisa para você comer, está bem? – o metamorfo
perguntou. Estava começando a ficar preocupado.

- NÃO! – Ravena gritou: ela não queria que ninguém a visse nesse estado. - Mutano, eu
realmente preciso ficar sozinha.

- Mas... – ele tentou insistir.

- Eu. Já. Falei. Que. Não! – ela gritou realmente alto desta vez.
Mutano ficou em silêncio por uns momentos. Esse comportamento da Ravena era um
pouco exagerado, mas não exatamente anormal. No começo, pensou em preparar uma
bandeja com comida e deixar na porta dela, mas mudou de idéia. “Algo está errado”, ele
pensou. Ele notara diferenças na forma que a empata falara. Não dava para ter certeza,
já que a porta abafava a maior parte do som, mas seus instintos lhe diziam que algo
estava fora de lugar. Algo importante. Reunindo a coragem, transformou-se em uma
formiga e passou por debaixo da porta. Uma vez no interior do quarto, ele a viu de
costas para a porta, a cabeça baixa, braços envolvendo o próprio corpo. Normalmente
distraído demais para perceber, Mutano agora estava atento. A maneira como a empata
estava respirando, a forma como seu pé direito subia e descia, a rigidez anormal que os
músculos de seus ombros e nuca apresentavam, junto com dezenas de outros detalhes
ainda mais sutis, lhe fizeram entender o que estava errado. Ela tinha lhe dito que queria
ficar sozinha; ele iria fazer aquilo que ela precisava.

--\\--\\--

Ravena estava parada no quarto, escuro devido à iluminação insuficiente de duas velas
ainda intactas. Fazia quase um minuto que não ouvia ninguém falando do outro lado da
porta.

- Finalmente ele foi embora. – pensou a empata. Ela não podia permitir que ninguém
entrasse: podia ser perigoso. Realmente, aquela pequena conversa não tinha feito nada
bem ao seu conturbado estado emocional: objetos aleatórios estavam se rearranjando
sozinhos, envoltos em energia negra. Pelo menos uma cadeira estava destruída, com as
pernas contorcidas em um ângulo absurdo, e havia um vento forte no quarto, apesar de a
porta e as janelas estarem fechadas.

Ravena fechou os olhos e usou toda a força para bloquear toda e qualquer emoção. Não
podia, não devia sentir nada. Precisava esquecer que se sentia só.

- Você não está sozinha. – Uma voz soou no quarto escuro.

A cadeira inutilizada queimou-se em segundos, tamanho foi o susto de empata. Seu


coração praticamente tinha parado por um segundo. Tudo o que ela foi capaz de fazer
foi ficar parada na mesma posição, as costas viradas para a porta.

- Você não está só, Ravena. – repetiu a voz, que ela finalmente reconheceu. Um par de
mãos verdes pousou em seus ombros. – Todos nós estamos aqui por você. Eu estou aqui
por você. – Mutano terminou a frase, começando a massagear os ombros rígidos dela.

Ravena tentou se zangar. Ela detestava que entrassem em seu quarto sem permissão,
não desejava ser vista no momento. Mas não pôde. Não pôde expulsar o pestinha verde,
não pôde gritar com ele, não pôde nem ao menos se irritar. As palavras que ele tinha
dito eram o que ela precisava ouvir há semanas. A sensação horrível de vazio que ela
sentia rapidamente desapareceu, e ela podia sentir os ombros relaxando sob a massagem
que estavam recebendo. Ela aproveitou a sensação em pouco e então decidiu falar:

- Por quê você está aqui, Mutano? – Ravena perguntou, tentando fazer a pergunta
parecer uma ameaça. Ao invés disso, sua voz saiu baixa, hesitante, insegura, como se
implorando por uma resposta.
- Estava com saudade. – O metamorfo respondeu a mais absoluta verdade. Sentia suas
pernas tremendo como gelatina (Era nessas horas que ele acabava apanhando), mas
ainda lembrava das lições na biblioteca: tinha que ser autoconfiante. Tinha que irradiar
segurança.

- Eu... achei que você me odiasse. – A empata confessou amargamente.

Nesse momento ele entendeu porque ela estava assim. Desde que decidira se
“aperfeiçoar”, nunca mais tinha gasto sequer um minuto com Ravena. E tinha decidido
fazer isso logo depois de ser arremessado da janela por ela. “Ela pensou que eu não
queria mais ser amigo dela”, raciocinou Mutano, sentindo-se mal por fazê-la sofrer
desse jeito.

- Eu nunca poderia odiá-la, Rae. – ele sussurrou, a centímetros da orelha dela. – Muito
pelo contrário.

Ela se soltou dele, virando-se para encará-lo. “O que foi que ele quis dizer com isso?”
ela pensou. Mas, pela primeira vez na vida, não conseguiu sustentar o olhar de seu
colega. Ela esperava que a escuridão do quarto escondesse a vermelhidão em seu rosto.

- Rae, você não precisa ficar trancada o dia todo no seu quarto. – O metamorfo disse. –
Não tem que se distanciar da gente.

Ela não sabia o que pensar. Estava muito feliz por não ter perdido o amigo, ainda que
não pudesse demonstrar. Mas ele estava se comportando de uma maneira diferente. Era
algo que Ravena não era capaz de identificar, algo agradável, mas que ao mesmo tempo
a intimidava um pouco.

- Rae? – Mutano perguntou mais uma vez, interrompendo suas divagações.

- Está bem. – Ela respondeu, sua voz mais próxima da entonação habitual. – Vou tentar.

- Jóia! Vamos descer e tomar o café, deixei seu chá no bule e... CARA! – ele deu um
tapa na própria testa. Esqueci o chá fervendo desde aquela hora! – e saiu correndo para
tentar salvar alguma coisa.

Ravena também saiu do quarto em direção à cozinha. Tinha um pequeno, quase


imperceptível sorriso no rosto; e não pôde deixar de murmurar para si mesma, enquanto
descia:

- Também estava com saudade, Mutano.

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