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Copyright © 2020 Swyanne Rodrigues

Katherine Neville

Capa: T.V Designer Editorial


Revisão: Flávia Saldanha
Diagramação: Dani Nascimento

Está Obra segue as regras do novo Acordo Ortográfico.


Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência. Esta obra segue as regras da Nova
Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.


É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios (tangível ou
intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal. 2018.
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
Capítulo 1

Londres, Inglaterra 1915

Parecia pouco provável que as tempestuosas íris castanhas,


com leves pigmentos esverdeados, fossem um dia deixar de
assombrar a vida de Catherina.

Um ano havia se passado desde que ela experimentara o


amor em todas as suas nuances. Sentira que fora do céu ao inferno
num piscar de olhos, e o desalento que a possuía desde o
abandono de Valentinne a deixava a beira do desespero.

O quarto revestido em gesso era sufocante, quase


claustrofóbico. Era como se todo o oxigênio houvesse sido sugado
dele.

Enquanto Catherina continuava deitada sobre o tapete


felpudo, seu corpo era lançado no mais profundo breu sem a sua
anuência. Seus olhos estavam presos ao Nascimento de Vênus no
teto de madeira polida buscando algo a que pudesse se agarrar.

Os Nevilles eram adeptos a arte, ela nem tanto. Porém era


impossível não admirar os traços sutis e inconfundíveis de Sandro
Botticelli, seria um crime a arte tamanha ignorância.

Seus olhos fecharam-se abruptamente, e novamente as


frases escritas no papel rasgado pela súbita raiva se materializara
em sua mente fazendo-a praguejar baixo.
"Saiba, Belle, que eu nunca me perdoarei pelo que a fiz
passar. Não me odeie, não suportaria perdê-la. Sinto a sua falta,
mas entendo que não é o melhor momento para nos
reencontrarmos. Párdon, mas nem mesmo o tempo fora capaz de
matar o amor que sinto por Annelise, espero que um dia possa me
perdoar. Com amor, Tinne".

O jornal The Girdywon encarregou-se de esfregar toda


felicidade de Annelise e Valentinne Vasseur na cara de Catherina
pela manhã.

As duas haviam subido ao altar no dia anterior. Casaram-se


na capela onde o seu próprio casamento aconteceria no ano
passado.

Lágrimas grossas brotaram de seus olhos azuis mais uma


vez, molhando o rosto pálido. Já não possuía o controle em fazê-las
parar.

Catherina não tinha conhecimento das origens de tal choro.


Talvez fosse pela certeza de que Valentinne jamais a amaria, ou por
saber que a tinha perdido para todo o sempre.

Talvez estivesse chorando feito uma condenada de raiva de


si mesma por não ser correspondida como merecia.

Madame Adeline forçara Catherina a fazer uma súbita viagem


para que se apresentasse ao duque e a duquesa de Emsworth. Seu
irmão gêmeo, Timothèe, casara-se com Arabella — filha do casal—
havia um ano.

Ela jamais o vira tão radiante. O amor decerto transformava


as pessoas. Obviamente, não havia tido a mesma sorte, afinal, a
mulher que amava estava casada e agora possuía uma família dos
sonhos. Enquanto ela continuava infeliz dentro de um país em
alerta.

Uma crise acometera a Inglaterra. A Itália assinara um acordo


com os franceses e os ingleses em troca de ganhos territoriais. A
aliança já estava formada e poucos eram os que sabiam.

Por mais que Catherina não tivesse muito conhecimento do


quão grave era a situação, Timothèe fazia questão de informá-la
sobre.

Ela temia pela vida das pessoas. Valentinne empenhara-se


em fazer dela um alguém melhor, e Catherina era grata por isso. Já
não pensava em si própria, seus olhos enxergavam além do próprio
nariz.

Mas ela sempre soube.

Jamais seria a escolhida.

Neville não teria chance contra um amor de anos.

Ela levantou-se preguiçosamente, sentindo as pernas


falharem enquanto lutava para chegar ao menos a janela. O sol
brilhava forte no céu azul enquanto a cidade despertava de seu
sono.

— Como vou seguir sabendo que a perdi para sempre? —


Ela sussurrou para o vazio do quarto escuro sentido um bolo se
formar em sua garganta.

Algo dentro dela sorriu de modo zombeteiro ao reconhecer


que jamais estivera em condições de sequer competir.
Valentinne sempre amara Annelise.

Nada no universo poderia mudar isso. Nem ela.

Ao longe, as passadas de sua dama de companhia eram


audíveis, fazendo-a se recompor o mais rápido que pôde, dada as
circunstâncias.

Darya tendia a ser bastante curiosa às vezes, e Catherina


não aprovava tal comportamento.

— Já desperta, Srta. Neville? — Indagou a jovem batendo à


porta levemente.

— Sim, entre. — Disse ela sentando-se de frente para a


enorme penteadeira dourada.

Darya adentrou o cômodo um pouco acanhada com uma


cesta cheia de perfumarias em mãos.

— Buongiorno, milady. Perdoe-me pela intromissão, mas


todos a esperam para o café da manhã. — O sotaque italiano
carregado de Darya era uma de suas particularidades.

As mechas escuras como ébano estavam presas por


grampos num penteado severo que ressaltava suas íris de um azul
fosco.

Darya era um pouco mais baixa que ela, e mais velha


também. Fora destinada a servi-la durante toda a sua estadia na
mansão dos Emsworths (que a mesma desejava com fervor que
fosse breve).

— Irei preparar seu banho. Com sua licença, senhorita.


Darya tirou algumas pétalas de dentro da cesta, jogando-as
dentro da banheira.

Catherina sentia-se oca por dentro. Valentinne havia lhe


tirado tudo. Inclusive a vontade de viver, as palavras fáceis e o gosto
por sua vida social.

Não existia nada além de mágoa. Nada que pudesse tirá-la


do martírio que vivia desde de sua rejeição.

1914

"Adeline continuava a forçá-la a entrar dentro do carro,


enquanto ela continuava a esperar que Valentinne interferisse
desesperadamente. Mas o que recebera dela fora apenas um mero
pedido de desculpas de sua boca.

— Eu não sou a pessoa certa para você, Belle. Vous merece


o mundo, e eu não posso oferecer o que precisa, pois o meu
coração sempre pertenceu a ela.

Catherina Jamais havia amaldiçoado tanto alguém na vida


como amaldiçoou Annelise Brückner naquela manhã chuvosa. Ela
nunca seria digna do amor de Valentinne.

Não depois do inferno que a fez passar, mas já não importava


mais.

— Eu juro que faria tudo diferente se pudesse, mas não


posso. E eu sinto muito por tudo isso, Belle. — Valentinne parecia
sofrer com a decisão que havia tomado.

— Não, não sente. Não mais do que eu. — Rebateu


Catherina segurando o choro. — Adeus, Valentinne. Seja feliz, já
que me tirou a única chance de possuir um dia algo semelhante.

As gotas da chuva molhavam sua cabeça, mas Catherina


estava entorpecida.

— Você sabe que é melhor assim, minha menina. — Adeline


conduziu a filha ternamente para dentro do carro, enquanto a
silhueta de Valentinne sumia dentro da multidão.

Sua única vontade naquele instante fora enfiar-se dentro de


qualquer buraco alheio.

— Catherina, você é uma mulher linda. Irá encontrar um


outro... uma outra moça. Tenho certeza disso. — Sussurrou Adeline
na tentativa falha de consolar a filha".

Após Valentinne anunciar que estava perdidamente


apaixonada por Catherina, Annelise regressou da Alemanha
disposta a reconquistar o amor de sua senhora.

O escândalo fora eminente. René não conseguia aceitar a


princípio, no entanto, reconheceu que não havia muito a ser feito,
assim concedeu sua bênção.

Ele sempre adorou os Vasseurs, em especial, Valentinne. A


cidade não falava em outra coisa.

"Filha do falecido Dantê Vasseur está noiva da filha mais


nova dos Neville".

O burburinho seguiu-se durante um mês inteiro, contudo,


nada disso tirou o sono de Catherina na época, não quando ela teve
Valentinne só para ela. Quando teve seus beijos e promessas de um
futuro juntas.”
— Está passando bem, milady?

O sotaque de Darya forçou-a a sair de seus devaneios


melancólicos.

— Sim, estou. — Catherina mentiu descaradamente.

A duquesa de Emsworth era uma beldade com ar jovial.


Mesmo na casa dos quarenta e cinco anos, Amirah esbanjava
charme e simpatia

Ela recebeu Catherina com dois beijos estalados na


bochecha.

As madeixas castanhas caíam deliberadamente por suas


costas, enquanto uma presilha ordenada por pequenos diamantes
lutava para segurar os cachos grossos da frente do penteado.

Franjas de cristais pendiam do teto branco iluminando a sala


de jantar ornamentada por móveis luxuosos. Vasos da dinastia Lee
estavam sobre uma mesinha no recanto da sala quebrando o ar
londrino conceitual.

Catherina acomodou-se numa das cadeiras ao lado de


Amirah e do duque, ficando de frente para Timothèe que ocupava
um espaço entre Arabella e Brianna.

— Como dormiu esta noite, minha cara? — Inquiriu Amirah


bebericando de seu chá.

Torradas, pãezinhos de queijo, biscoitos e frutas das mais


variadas cores tomavam a mesa farta.
Neville serviu-se de um pouco de café pensando numa
resposta educada.

— Como um anjo. — Ela mentiu, forçando um sorriso.

Todos estavam se esforçando para que ela se sentisse em


casa.

Catherina não achava nem um pouco justo aparentar estar


tão péssima quando Amirah lançava lhe um daqueles sorrisos
afetuosos.

— Receberemos o Marquês de Baldrick em nossa casa hoje.


Espero que esteja tudo bem para a senhorita...— O duque
comentou olhando-a aflito.

Num dos bailes dados pelos Emsworths, ela acabou por


socar o nariz do filho do marquês de Baldrick. Ele era um miserável,
e a tinha importunado durante todo o evento. Catherina o socou com
tanta raiva que o paspalho terminou por desmaiar na frente de todos
vergonhosamente.

Desde de então, nenhum outro cavalheiro teve a coragem de


aproximar-se dela, o que para ela fora um alívio sem tamanho.

— Se o jovem Baldrick possuir o mínimo de bom senso, não


me importunará outra vez, milorde. — Catherina retorquiu com uma
expressão serena.

— Você é inacreditável.

A cada vez que Brianna decidia abrir a boca, os ouvidos de


Neville sangravam em contrapartida.
— Tenha certeza disso, milady. — Ela murmurou desdenhosa
levando o pedaço de bolo até a boca.

Desde de sua chegada Catherina procurou manter certa


distância de Brianna pelas seguintes razões:

A jovem parecia uma cópia fiel de uma das versões que mais
odiava de si mesma. — ela era insuportável— assim como Neville
havia sido um dia.

Ah, e a maldita coloração de seus fios alaranjados.

A cor do cabelo de Brianna a fazia lembrar de Annelise.

A jovem Rodwell possuía a mesma beleza de Amirah, porém,


seus olhos eram de um tom verde ainda mais claro. As íris
possuíam umas pequenas manchas douradas que iam do centro até
as bordas.

Eram olhos únicos.

O corte de seu vestido rosa deixava a pele alva de seus


ombros exposta aos olhos de Neville.

Os traços de Brianna eram singulares. A boca grande fazia


contraste com o nariz pequeno e as sobrancelhas claras, enquanto
cílios espessos cobriam os seus olhos enormes, que deixavam
Catherina levemente atraída mesmo contra sua vontade.

— Temo que precisamos acertar os últimos detalhes do baile.


Deseja vir conosco? — Inquiriu Adriel com um sorriso gentil nos
lábios cheios.
— Sinto em não puder acompanhá-los, milorde. Tenho
algumas coisas pendentes para fazer. — Catherina recusou
delicada tomando o restante do chá que continha em sua xícara.

— Como desejar, Srta. Neville.

Timothèe beijou o topo da cabeça da irmã, e logo depois


desapareceu com os outros pelo corredor.

— Não cansa de mentir para todos? — Brianna continuava


sentada à mesa olhando para ela fixamente.

— Presumo que não seja de sua conta, milady. — Ela


rebateu encarando a jovem dama friamente.

— Você é insuportável, Katherine, não consegue nem ao


menos ser educada. — Brianna apontou levantando-se
abruptamente.

— Estou honrada, merci. Mas por obséquio, aprenda a falar o


meu nome corretamente. É Catherina, milady. Catherina. — Neville
desdenhou sorrindo de modo pretensioso.

— Demônio! — Xingou Brianna saindo da sala a passas


largos.
Capítulo 2

Nenhum som era audível dentro do cômodo degradante além


das passadas de Morgana pelo assoalho de madeira. A velha
senhora limpava uma estante de livros ao lado esquerdo do quarto,
organizando-os em ordem alfabética pacientemente.

Catherina folheava um exemplar qualquer de alguma autora


britânica de nome Breatice, ou seria Bella? Talvez fosse Berlinda.

Ela não havia sequer se dado ao trabalho de olhar o nome da


autora.

"Berlinda Holly"

Não era um nome de um todo sem graça, na verdade, para


Catherina soava até belo.

Seus dias resumiam-se a ler livros sobre mitologia grega,


tocar harpa ou qualquer outro instrumento da imensa sala de música
dos Rodwells, e outras vezes até chegava a cavalgar no Hyde park.
Dependia muito de seu humor matinal, claro. Ultimamente andava
uma pilha de nervos.

Outrora desejou viver cada segundo como se fosse o último.


E por mais incrível que pudesse parecer, agora mantinha-se
sentada na escrivaninha de um quarto mal iluminado tentando
absorver qualquer porcaria de palavra que Berlinda Hollly tivesse
escrito no papel branco.
— Deseja comer algo, Srta. Neville? Quando teve sua última
refeição? — Perguntou Morgana solícita parando ao lado da
escrivaninha.

Neville continuou com os olhos azuis presos ao papel antes


de rejeitar educadamente o convite da jovem criada.

O quarto era o seu lugar favorito em toda a mansão. Gostava


da solidão que o permeava, obrigava-se a estar nele a maior parte
do tempo para não ter que enfrentar o mundo lá fora.

Havia se tornado uma tremenda covarde.

— Não, Morgana, não. É muito gentil de sua parte, mas não


sinto fome. — Recusou com um sorriso amarelo.

A mais velha apenas curvou-se numa breve reverência


deixando-a sozinha no quarto para o seu bel-prazer.

Arabella e Timotheè estavam casados há mais de um ano, e


ainda assim, seu irmão mais velho não aprovava sua partida.

Catherina queria se ausentar por alguns meses, sentia a


necessidade de ficar longe de todo o caos que a perseguia.

No entanto, recusava-se a agir de má fé com Amirah, que a


vinha tratando como uma verdadeira filha desde de sua chegada.

Poderia suportar a monotonia de Londres por mais alguns


meses. Não era um preço tão alto a se pagar no fim das contas.

— Katherine?

A voz aveludada de Brianna soou pelo recinto, fazendo-a


bufar em irritação. Nem dentro de seu próprio quarto conseguia se
livrar de sua anfitriã mimada.

— É Catherina, milady. O que deseja? — Inquiriu ainda de


costas para a filha mais nova dos duques.

— Meus pais tinham assuntos para resolver e tiveram de sair.


Detesto tomar o chá da tarde sozinha. — Sussurrou a jovem
parecendo temer a reposta de Catherina.

— Sinto muito, milady. Estou ocupada. — Catherina recusou


novamente o pedido frívolo, nada convincente, com menos
educação dessa vez.

— É só um chá, Neville.

Catherina virou-se para rebater, mas preferiu apenas


concordar com a cabeça.

— Uma xícara apenas. Só até os seus pais voltarem. — Ela


sentenciou fechando o livro grosso de capa verde.

Seus olhos azuis se perderam nos verdes expectantes de


Brianna por um curto momento permitindo-se ver além deles.

A jovem dama parecia estar se esforçando para permanecer


no mesmo cômodo que ela, e era visível o desconforto de tal
pedido.

O olhar fixo de Brianna começava a irritar inconscientemente


sua hóspede. Catherina levava a xícara de chá aos lábios cheios,
concentrada em não derramá-la em si mesma.

— Suas tutoras não a alertaram sobre o quão deselegante o


hábito de encarar outras pessoas pode ser? — Ela indagou
levantando o olhar questionador para a jovem Rodwell.

Brianna sentiu-se extremamente envergonhada por ter sido


pega em flagrante e pelas palavras banhadas de uma falsa calma
que deixaram a boca de Neville.

— Sim, elas alertaram-me sobre. E não, não estou


encarando-a de modo algum, Katherine. —— Replicou Brianna
desviando o olhar envergonhado.

A coloração de seu cabelo parecia ainda mais vibrante


aquela tarde pela luz do lustre.

— Foi até o meu quarto pedir-me para passar um tempo com


você consciente do quão desagradável seria estarmos no mesmo
cômodo?! Maldita hora que aceitei. — Chiou Neville contrariada.

Além de envergonhada, Brianna sentia-se ultrajada, e não


mediu esforços para rebater a ofensa de Catherina à altura. Ela a
fizera parecer uma desesperada por atenção.

— Você beira a rabugice, Katherine. É isso que um amor não


correspondido faz com as pessoas? — Ela perguntou acidamente
deixando um sorriso vitorioso tomar sua boca.

Em contrapartida os olhos de Catherina tornaram-se gélidos.


Brianna sentiu-se padecer a medida que tomou consciência de sua
imprudência.

— Creio que o chá esteja frio. Se me der licença, milady. —


Neville pediu levantando-se da cadeira.

Seu sangue fervia descontroladamente, e a vontade de


chorar tornou-se ainda mais forte quando percebeu o quão fraca era
por se deixar abater por uma aristocrata fútil.

Brianna não tinha o direito de fazê-la lembrar da rejeição de


Valentinne.

Não tinha!

— Perdoe-me, não quis...— A jovem adiantou-se em se


desculpar tendo os olhos opacos de Catherina sobre si.

— Sim, você desejou dizer cada maldita palavra. É uma


pirralha impertinente, milady. E eu não preciso tolerar isso. —
Rebateu Catherina com escárnio.

— Como ousa...

— Em descrevê-la tão bem? Ah, sinto muito se a ofendi. Não


foi a minha intenção, mas não disse nada além da verdade, ou
disse?! — Ela questionou em tom sardônico.

Brianna deixou a sala sentindo-se uma amadora. Não fora


justo tocar em uma questão que se mostrava não resolvida para
Catherina. Fora longe demais com suas palavras.

Neville continuou à mesa, vagueando na mais profunda


solidão. Brianna estava certa no final, ela beirava a rabugice há
algum tempo. Mas só então havia percebido de fato.

Deveria tocar sua vida, não se tornar uma coitada sem um


pingo de amor próprio, mas as suas feridas iam além do que
qualquer um podia imaginar. Fora marcada para sempre.

Enquanto se martirizava, Annelise usufruía da vida que


deveria ter sido dela. Ser abandonada pelo amor de sua vida havia
deixado sequelas irreparáveis.

— Patética, Catherina. Patética. — Murmurou ela sentindo os


olhos se arderem.
Capítulo 3

Arabella dedilhava a harpa com destreza tendo os olhos


azuis de seu marido sobre si. Ele a fitava com estima, era nítido à
todos os presentes no recinto o quanto Timotheè a amava. Os
movimentos delicados da jovem prendiam a atenção dos mais
desatentos. Era impossível tirar os olhos dela.

Catherina olhava-os feliz.

Seu irmão nunca estivera tão bem como naquele momento.

— Você sempre me surpreende, querida. — Elogiou ele com


os olhos transbordando orgulho.

Arabella ofereceu-lhe um sorriso genuíno em resposta.

— Perdoe-me, mas... Isso é um pouco desanimador para


uma mulher cujas experiências amorosas não foram das melhores.
— Murmurou Catherina arrancando risadas de todos.

— Seu humor me parece ainda mais ácido hoje, irmã. —


Observou Timotheè sentando-se ao lado da esposa no canapé
brocado.

Brianna não conseguia controlar a necessidade vergonhosa


de olhar para Catherina a cada dois segundos. Desde a noite
passada não havia tirado da cabeça os olhos sem brilho, e sem
propósito de sua hóspede.

As emoções que aquele sentimento indefinido provocavam,


aterrorizam-na. Brianna não era perita em assuntos do coração, e
Deus era testemunha disso. Entretanto, a situação no geral estava
destruindo qualquer raciocínio coeso dela.

Era nauseante.

— Querem ouvir um feito desta pirralha na infância? —


Timothèe sorriu maliciosamente para a irmã, saboreando a
expressão ultrajada dela.

— Você não ousaria... e são apenas segundos, Timotheè.


Não seja bobo. — Ela apontou a diferença de idade dos dois
contrariada.

Timotheè costumava contar suas travessuras de criança para


todo mundo. Ah, ela fora uma diabrete com certeza. Catherina
sentia-se como a mesma criança de anos atrás quando ele a
sujeitava a ouvi-lo narrar tais bobagens.

— Quando éramos pequenos, tínhamos um gato chamado


Zeus. — Ele começou atraindo a atenção de todos para si, seu
sorriso ostentava uma satisfação diabólica.

— Maldito seja, Timotheè!

Se a ouviram praguejar como um marinheiro, não se


incomodaram — ou fingiram que não. Catherina ainda ocupava a
posição de dama, e o comportamento por vezes desinibido demais
não alterava o fato de que ela havia nascido em berço de ouro, e
desfrutara de uma boa educação.

— Shh...—— sussurrou o gêmeo mais velho desdenhoso.

Ele estava adorando expor a irmã.


— Continue, Timotheè! Estou ansiosa por ouvi-lo! —
Incentivou a duquesa com os olhos cintilando de curiosidade.

Catherina fitou-a com descrença. A duquesa era expansiva


num nível assustador.

— Um dia Zeus desapareceu misteriosamente...

O bichano de pelo acinzentado raramente desaparecia. Era


um preguiçoso, e adorava o conforto da poltrona macia do escritório
do Sr. Neville

— Não seja tão melodramático. É tudo shakespeariano


demais.

— O que aconteceu com o Zeus? — Perguntou o duque


também parecendo estar curioso.

— Ela o jogou pelo muro! Pelo muro! Você acreditam?!

A sala inteira ficou no mais absoluto silêncio antes de ser


preenchida por gargalhadas extravagantes.

Lady Clara era um dos seres mais sorridentes que Catherina


já havia posto os olhos. Ela sorria abertamente de seus feitos
astutos, assim como lorde Edgar.

— Céus! Ele me mordeu, quantas vezes preciso dizer?! Eu


amava aquele gato!

Catherina havia atribuído o hábito de murmurar feito uma


velha.

— Você o jogou pelo muro? — Questionou Brianna dirigindo


a primeira palavra à ela naquela manhã.
Catherina enfim notou sua ilustre presença na sala de
música. Dificilmente a notava, e depois da noite anterior, prometeu a
si mesma que não lhe dirigiria uma só palavra por um bom tempo.

— A conversa está maravilhosa, mesmo me tendo como


motivo de risos histéricos. Irei me retirar, com sua licença, senhores.
— Catherina anunciou relevando a pergunta boba de Brianna.

— Não ficou chateada, não é?! — O duque parecia


preocupado com seu possível desconforto.

— Não, milorde. Só desejo minha cama agora. — Explicou-se


ela rapidamente deixando a sala.

O quarto de Catherina localizava-se no andar superior, no


entanto, seus pés à levaram a ala sul da enorme mansão dos
Emsworths. Dificilmente perdia o foco quando o seu destino era um
cômodo extremamente confortável e silencioso.

Porém, naquele instante, estava hipnotizada por um quadro


que pendia da parede marfim. Seu corpo ficou rígido em frente à
tela.

A moldura guardava traços tênues estupendos. Uma mistura


de rósea e tons de azul turquesa brilhavam. Seus dedos tocaram a
tela devagar, sentindo os sentimentos conflituosos que emanavam
dela.

— Brianna tinha oito anos quando pintou essa tela. — Amirah


se materializou de repente ao lado da jovem.

Catherina abriu os olhos rapidamente sentindo-se


envergonhada.
— Ela realmente tem talento. — Sussurrou desviando os
olhos azuis da matriarca da família.

— Entende de arte, querida? — Questionou a duquesa


olhando-a divertidamente.

— Papai praticamente obrigou-me, milady. — Ela confessou


dando um de seus sorrisos perfeitos.

— Brianna herdou o dom da pintura de minha mãe. Ela


realmente sabe o que fazer quando lhe entregam pincéis, tintas e
telas em branco. — Observou Amirah orgulhosa.

Neville apenas ouvia-a em silêncio.

— Não sei bem o que aconteceu como você, minha cara.


Mas um dia terá que enfrentar.

Catherina fechou os olhos fortemente.

Todos sabiam de sua desgraça, o quão vergonhoso fora ter


saído da França rejeitada. Não falava sobre o que martirizava seu
coração cansado, preferia fingir que tudo estava caminhando como
deveria ser.

Covarde.

— Não sabe o quanto desejo esquecê-la, milady. Acredite,


não é tão fácil como a senhora pensa. — Rebateu Catherina num
tom frio.

— Ah, minha menina. Eu sei que não é, mas sei também que
você é forte. Acredite mais em si, ela quem perdeu. — Sussurrou
Amirah confortando-a com palavras sábias.
— Não, milady. Ela ganhou.

As palavras da duquesa de Emsworth não saíam da mente


perturbada de Catherina. Vênus no alto teto olhava-a fixamente
como se para fazê-la acordar e tomar alguma atitude que somasse,
para variar.

— Acha que devo desculpar-me por ser a porcaria de uma


rabugenta? — Ela também olhou para a pintura seriamente. — É, eu
também acho. Merci, você foi de grande ajuda.

Neville saiu do conforto do tapete macio, sendo logo


abraçada pela frieza de mais uma noite de abril. Procurava prestar
atenção aonde seus pés pisavam na escuridão, não sentia a mínima
vontade de acordar a mansão inteira naquele momento. Seria mais
um espetáculo para sua lista.

A luz da lua banhava sua pele coberta pela camisola branca


rendada.

Inferno, estava frio!

Como pediria desculpas a uma megera rude? Bem, ela iria


descobrir. As palavras viriam.

Pelo menos assim Catherina esperava.

Ela parou diante da porta de mogno cogitando a possibilidade


de sair correndo, mas já estava ali, teria de bater mais cedo ou mais
tarde.

— Milady? Está acordada, milady? — Catherina sussurrou


batendo devagar.
Brianna não havia dado sinal de vida, e ela como a covarde
que era encarou o silêncio como uma chance de desistir de sua
súbita vontade de fazer o que era certo.

Mas passadas pesadas a fizeram permanecer em frente à


porta.

Brianna abriu a porta encarando-a surpresa.

Catherina desviou o olhar do colo descoberto dela


envergonhada. A única mulher em que colocara os olhos
abandonou-a sem remorso, mas a culpa era inteiramente dela por
ter sido tão precipitada.

A camisola preta de Brianna cobria muito pouco. Catherina


sentiu a boca secar a medida que imaginou-se beijando a pele
descoberta e branca dela.

— O que deseja, Katherine? — A jovem indagou tirando


Catherina do transe.

Graças aos céus!

— Bem... eu só queria pedir perdão por chamá-la de pirralha


impertinente. Não que você não seja... quero dizer... só me perdoe,
milady. — Catherina conseguiu explicar depois de atrapalhar-se
toda no processo.

Brianna sorriu abertamente para ela, mostrando que podia


ser bastante encantadora quando assim desejava. O sorriso branco
de dentes perfeitamente alinhados cativou-a mesmo que só um
pouco, naquele momento.
— Eu que peço perdão, Catherina. — O sotaque britânico
pareceu ainda mais melodioso quando Brianna pronunciou o nome
dela de maneira correta.

— Então agora aprendeu o meu nome, milady? —


Questionou a francesa tirando proveito da situação.

— Você tem o dom de estragar as coisas, Katherine. —


Chiou Brianna abanando as mãos no ar.

— Vou deixá-la descansar, milady.

— Eu sinto muito por tocar num assunto tão delicado. Eu


realmente sinto. — Sussurrou a jovem ruborizada.

— Isso seria uma trégua? — Questionou Neville zombeteira


deixando um sorriso surgir em seus lábios.

— Vá embora de uma vez!

— Foi o que pensei, milady. — Ela sorriu indo embora


realmente.

Brianna continuou parada na porta com um sorriso bobo no


rosto.

Céus, o que estava pensando?


Capítulo 4

Leves contornos começavam a preencher a tela em branco


suspensa pelo cavalete de madeira. A sutileza dos traços mostrava
experiência e esforço, Brianna nascera para a arte. Era notável em
cada genuíno detalhe. No entanto, sua mente percorria caminhos
perigosos, que ao seu ver eram assustadores demais para uma
mulher com tão pouca experiência como ela.

Neville a fazia questionar sobre tudo o que tinha vivido até ali.
Nunca havia saído das asas dos duques, vivera presa em sua bolha
perfeita sem sentir a menor vontade de trilhar seus próprios
caminhos ou conhecer outras verdades além de sua própria.

Brianna dificilmente sentia-se desprezada, na verdade,


jamais havia sido até então. Era uma mulher interessante, abastada
desde do berço, além de ser dona de uma inteligência invejada por
muitos ao seu redor. Reconhecia os privilégios que possuía e
orgulhava-se deles.

Mas a francesa quebrada, com quem dividia o teto há um


ano, fazia-a se sentir uma estúpida na maior parte do tempo. A
ofendia mesmo quando não tinha intenção de tal feito, parecia
natural.

Tolice, Catherina nem era tão bela assim. Era bastante


comum. A não ser pelos cílios um tom mais escuro que seus
cabelos. Eles eram longos e adornavam suas safiras.
Ah, e não podia esquecer de seu sorriso assimétrico. Neville
possuía um sorriso de tirar o fôlego — esse que não aparecia com
frequência — mas que era encantador demais para o seu próprio
bem.

Ah, e os lábios cheios e avermelhados...

Deus, estava mesmo enumerando as particularidades de


Catherina? Só podia estar enlouquecendo.

Mas ali estava na tela novamente.

O par de olhos mais azuis que já vira em toda sua vida. Eles
assemelhavam-se ao mar azul num dia quente de verão, eram
convidativos e faziam Brianna querer mergulhar em seus mistérios.

Contudo haviam vezes que o opaco tomava todo seu


fascínio.

— Deus, Brianna. — Ela murmurou com raiva de si mesma


transbordando de seus poros.

Brianna não sabia quando, onde ou como, mas os olhos de


Catherina vinham assombrando seus sonhos nos últimos tempos.

E era enlouquecedor que, mesmo com o péssimo humor


dela, e as palavras nada agradáveis que deixavam sua boca,
Brianna não conseguisse parar de olhá-la quando dividiam o mesmo
cômodo.

Outra vez ali estava ela, fingindo não notar sua existência.
Brianna segurava a xícara de chá observando a duquesa envolta
numa conversa bastante agradável com sua hóspede.
Parecia uma intrusa sem noção alguma.

Catherina alisava o tecido de musselina rosa freneticamente,


atraindo o verde dos olhos de Brianna inconscientemente. Nem
sequer imaginava o que despertava na jovem aristocrata.

Nem mesmo Brianna entendia o que ela representava para


si.

Catherina era de fato uma mulher insuportável e covarde.

Brianna odiava a covardia. Ela a lembrava August, o herdeiro


do ducado e seu irmão mais velho que só Deus sabia por onde
andava.

Não desejava assumir suas responsabilidades, preferia


gastar toda sua fortuna em jogos, bebidas e mulheres.

Patético.

— O que usará no baile, Catherina? — Indagou a duquesa


pondo a xícara no pires de porcelana chinesa.

— Conto com a ajuda de Darya, ela tem sido ótima, milady.


— Respondeu Neville bebericando um pouco mais de seu café.

— É muito bela para esconder-se dentro de seu quarto. —


Amirah tendia a ser bastante transparente em suas palavras.

Catherina pareceu um pouco desconfortável fazendo com


que Brianna saísse em sua defesa.

— Mamãe! Não acha que está passando dos limites? —


Chiou tendo a atenção de Catherina voltada para si.
Brianna havia saído do modo ouvinte invisível para filha
extremamente envergonhada.

— Não a vi chegar, milady. — Catherina disse parecendo


realmente surpresa.

— Que indelicado de sua parte, Katherine. — Resmungou


Brianna levemente aborrecida.

Como Catherina não havia notado que ela estava


escarnecendo-a feito uma fanática?

— Eu realmente sinto muito, milady. Mas já estava mesmo de


saída. — Desculpou-se ela corada.

— Me faz pensar que a minha presença não a agrada.

— Ah, não, milady. Eu só tenho que escolher um vestido


digno de um evento tão importante quanto o baile de inverno dos
Rodwells. — Zombaria pingava dos lábios de Catherina. Por isso
acho melhor ir adiantando, não quero fazer feio.

Com toda certeza, Neville não erraria em escolher nada. Era


uma mulher de alta classe, sua intenção fora desestabilizar a jovem
dama com a sua implicância.

Brianna acompanhou todo o seu trajeto até a porta.

— Limpe a boca, Brí. Está babando. — Comentou Amirah


com um sorriso petulante.

— Muito boa, duquesa de Emsworth. — Rebateu a moça


esquivando-se.
— Diga-me, o que acha da Srta. Neville? — A matriarca
perguntou curiosa.

A mais jovem encarou a mãe com incredulidade.

— Aonde quer chegar, mamãe? — Questionou desconfiada.

— Oras, não posso mais perguntar? — Respondeu a


duquesa com uma outra pergunta.

Façanha típica de autoridades.

— Chega, milady.

— Não a acha atraente? — Inquiriu Amirah ainda mais


curiosa.

Brianna revirou os olhos com a ousadia da mãe.

— Brianna Rodwell Charlotte Hastings, como ousa revirar os


olhos para sua mãe?

— Perdoe-me duquesa, mas a senhora está demais. —


Brianna rebateu cortando o ar impaciente.

— Bem, você quem perde. A Srta. Neville é uma moça


incrivelmente interessante.

— Está mesmo me jogando em cima da irmã de meu


cunhado como se eu fosse uma desesperada? — Brianna acusou
exasperada não acreditando nas palavras sem filtro da mãe.

— Só acho que...

— Amirah Rodwell Mary Hastings, como ousa colocar-me a


prêmio sem a minha permissão?
— Não seja tão dramática, Brianna. Que péssimo humor,
criança.

Amirah na maioria das vezes ganhava as discussões.

— Marquei com Madame Brigitte essa tarde. Ela irá tirar suas
medidas. — A duquesa falou depois de algum tempo mudando de
assunto.

Brianna apenas concordou com a cabeça, sem paciência


para um segundo embate.

Madame Brigitte possuía um talento nato para a costura,


seus vestidos tinham sua marca registrada e todas as moças da
grande Londres desejavam algum deles, feito por suas hábeis
mãos.

Era de tamanha vantagem ter clientes como a duquesa de


Emsworth e sua filha caçula circulando dentro de seu ateliê.

Os Rodwells possuíam confiança, emanavam certa influência


e eram próximos da rainha, ainda que a monarquia constitucional
determinasse limites ao soberano.

— O que deseja para o baile, milady? — Perguntou a modista


para a jovem Rodwell.

— Eu não faço a mínima ideia, Brigitte.

Não era do feitio de Brianna não fazer a mínima ideia de algo.


Ela amava os tecidos, adorava ser o centro das atenções.
Brigitte fitou-a desconcertada.

— Aceita uma sugestão então, milady?


— Por favor.

— Esse tecido turquesa é novo e combina com a cor de seu


cabelo. — Sugeriu ela dotada de um bom gosto inquestionável.

— Será esse então. — Brianna disse por fim, e sorriu


convencida.

Afinal, qualquer tecido que fosse escolhido para o seu vestido


de baile ficaria perfeito nela, era uma Rodwell no fim das contas.

A duquesa e ela deixaram o ateliê satisfeitas, e ansiosas pelo


evento. Com a tensão da guerra, todos procuravam algo para se
distrair. Os Alemães estavam cada vez mais gananciosos, deixando
muitos países em guarda.

Elas caminhavam despreocupadamente pelo gramado do


Hyde Park, quando foram abordadas inesperadamente pela
Condessa de Threston e seu filho corcunda, George.

Eloise era uma caçadora de dotes. O marido, Conde de


Threston, havia morrido de cólera deixando-os na miséria.

A viúva tinha como alvo a filha mais jovem dos duques, e


Brianna mesmo com desgosto, tentava ser o mais gentil que seu
humor permitia com ela.

Não tinha obrigação nenhuma de cumprimentar pessoas


desagradáveis, mas sua boa educação a obrigava.

— Um belo dia, não, miladies? — Saudou Eloise curvando-se


numa reverência exagerada.

Brianna revirou os olhos levando beliscões no braço da mãe.


— Como vai, Eloise? — Amirah a cumprimentou docemente.

— Muito bem, milady. Já conhecem o meu filho George?

— Impossível não o conhecê-lo. A senhora insiste por


apresentá-lo em todos os nossos encontros, condessa. — Apontou
Brianna sucinta, cortando o barato dela.

— Oh, minha jovem, belíssima como sempre. — Os olhos de


Eloise brilharam ao avistá-la.

— Gentileza sua, condessa. — Ela agradeceu forçadamente.

— Uma moça como você já não deveria estar à caminho do


matrimônio? — Questionou a velha intrometida puxando o filho
sardento pela manga do casaco verde.

— Ah, não desejo ser indelicada condessa, mas temo que


não. Casamentos são um tédio, não desejo casar-me tão cedo. —
Brianna rebateu irônica coçando o queixo num gesto debochado.

Eloise sorriu constrangida e fingiu ter encontrado alguém do


outro lado do parque.

— Oh, vejam se não é a Penélope Hawley. Com licença,


miladies. Iremos cumprimentá-la.

Amirah perfurou a alma da filha com um simples olhar.

— Modos Brianna! Modos!

— Sim, vossa excelência.

Ela sorriu andando apressadamente para não ter que ouvir


um outro sermão da duquesa sobre como se comportar com velhas
viúvas caçadoras de dotes.
Capítulo 5

O azul melancólico dos olhos de Neville era atraído pelo


entardecer como um imã. O laranja mesclava-se ao rosa na direção
oeste, e tons de violeta ao leste. Era possível enxergar com
exatidão o crepúsculo surgir no céu expressivo.

Catherina passara a tarde inteira lembrando-se de sua falta


de sensibilidade, lembrando-se de sua postura errônea.

Se Adeline apenas sonhasse sobre o quão indelicada fora


com a irmã mais nova de sua cunhada, seria uma mulher morta com
toda certeza.

Mas ali estava ela, encarando-se novamente pelo espelho


com os lábios avermelhados retorcidos em desgosto.

Catherina fugia de qualquer contato profundo com quem quer


que fosse, preferia estar presa dentro de um quarto silencioso sem
ter que se entrosar ou trocar amabilidades.

Odiava o que via.

Odiava a mulher que havia se tornado. Tão infeliz e


amargurada.

Há um ano somente lágrimas saíam de seus olhos cansados.


Ela parecia uma praia cheia que jamais secava. Para Neville,
lágrimas só eram válidas se derramadas pela felicidade em
abundância.

O que não era o seu caso.


Chorava pela desilusão, pelo amor não correspondido, pelo
tempo gasto em se doar tanto para alguém que sempre amou uma
outra pessoa. Valentinne havia se tornado seu ludíbrio.

E Brianna era tudo o que ela aprendeu a odiar.

Impertinente, mesquinha e mimada.

Céus, como era mimada!

A cor de seu cabelo parecia algo bastante irrelevante, mas a


lembrava dela.

Annelise Brückner.

Toda sua frustração girava em torno deste maldito nome. E


mesmo que tentasse, não conseguia parar de odiar Annelise.

Brückner possuía o bem mais valioso de todos: família.

A família que teria formado com Valentinne se ela não


houvesse estragado tudo.

Seus olhos inspecionaram o quarto de decoração perdulária


com ceticismo. Mesmo dizendo para a duquesa que nenhum luxo
era de forma alguma necessário, ela fingiu não ouvir aos seus
protestos inúteis.

Batidas na porta de mogno fizeram Catherina arquejar. Era


pedir muito um momento em paz?

— Sei que está aí, Catherina. — Timothèe forçou a maçaneta


caindo para dentro do quarto.

As mechas louras domadas para trás davam a Timothèe um


certo ar de aristocrata. O terno bem cortado estava passado e
ajustava-se ao seu corpo atlético.

— Mais atenção da próxima vez, irmão. — Zombou ela


deliciando-se com o descuido de seu irmão.

— Até quando ficará assim? — Timothèe parecia preocupado


demais.

— Acha que eu gosto disso? Por acaso lhe pareço uma


masoquista? — Catherina questionou verdadeiramente esgotada.

— Deixe-a ir, Catherina. Deixa-a ir...

— Você não entende! — Ela chiou, deixando os braços


penderem ao lado do corpo.

— Isso está acabando com você. Precisa reagir, Catherina.

Não era como se ela não estivesse tentando.

Culbert berrava descontrolado por todo salão vazio dizendo


que a jovem Rodwell fora agraciada com não só um, mas sim dois
pés esquerdos. O senhor rechonchudo guiava a dama com sua
dignidade ferida.

Catherina tapava a boca para que não corresse o risco de


sorrir feito uma idiota e atrair uma atenção extremamente
desnecessária para si — Tendo em vista a conversa sobre o pobre
Zeus no dia anterior, onde tornou-se o foco da conversa sem ao
menos desejar.

— Milady, sua filha não tem solução! — Culbert choramingou


para a duquesa com o censo franzido.
— Kerri, ainda estou aqui! Estou ouvindo! — As bochechas
de Brianna atingiram um tom de vermelho escarlate deixando-a
estranhamente fofa.

Fofa, Catherina? Santo Deus!

— Perdoe-me, milady. Mas é a verdade!

O professor de dança parecia prestes a ter um colapso


nervoso. Sua sorte era ter uma amizade sólida com os duques,
usufruía de certos privilégios sem correr o risco de ser censurado.
— Como insultar uma de suas senhoras. Por exemplo.

— Temo que Catherina poderia ajudar. Ela é uma verdadeira


pé de valsa, Brianna.

Neville fulminou o irmão com um olhar nada feliz fazendo-o


repensar sobre as chances de voltar para o quarto com sua esposa
ileso.

— Não desejo incomodar, e talvez ela nem seja tão boa


assim, Timothèe. — Brianna encarou Catherina com desdém.

— Eu adoraria ajudá-la numa tarefa tão árdua, milady. —


Catherina zombou provocativa estendendo uma das mãos para a
jovem.

Ela guiou Brianna para o centro do salão com uma pose


altiva.

O verde intenso dos olhos dela fixou em todos os traços de


Catherina. Das pequenas sardas que possuía nas maçãs do rosto,
até os sinais em seu pescoço longo. Seu estômago parecia
acomodar centenas de mariposas sem direção.
Ela circundou a cintura fina da jovem, e Brianna pôs suas
mãos firmes nos ombros estreitos dela. A valsa deu início e
Catherina passou a girá-la ao som da música.

O leve aroma de amêndoas misturado a algo cítrico emanava


da pele alva da ruiva, deixando os sentidos dela anuviados.

Catherina ficou ainda mais confusa em relação as reações


nada convencionais de seu corpo ao toque inocente de Brianna a
cada segundo.

Os rodopios pelo piso de mármore não quebraram o contato


visual de ambas.

Neville buscava incessantemente algo além da imagem que


construiu da jovem durante o pouco tempo que conviviam juntas, e o
mesmo se aplicava a Brianna que não conseguia manter os olhos
fora do alcance do azul opaco.

Os dedos finos de Brianna pareciam conter brasas quentes


que, em contato com a pele de Catherina ardiam inexplicavelmente.

Tornava-se insuportável tolerar todos aqueles toques e giros


improvisados. O corpo de Brianna reagia de forma estranha a
simples proximidade de Catherina. E algo dentro dela, amava
aquela proximidade de corpos, cheiros e dedos firmados nos
ombros alheios.

— Creio que tenha melhorado bastante. E se já estiver


liberada, gostaria de ir até a biblioteca. Berlinda Holly espera-me. —
Catherina disse abruptamente afastando-se sem maiores
explicações.
Sua pele formigava onde a outra havia tocado. Não era nem
de longe algo que gostaria de lidar uma outra vez.

Nada terminava bem quando o assunto envolvia atração de


corpos sedentos por contatos íntimos.

— Irá abandonar-me aqui feito uma tonta? — Brianna


protestou as oitavas.

— Temo que sim, milady. Culbert com toda certeza


dará conta agora.

Com isso, Catherina deixou o salão iluminado. A fúria que


cresceu dentro da jovem dama não era nem de longe aceitável.

Catherina não era obrigada a guiá-la durante toda a noite só


porque ela era uma péssima dançarina. Não havia graciosidade em
seus movimentos esquisitos, ela mesma reconhecia isso. Parecia
um show de horror.

— A Srta. Neville é uma graça, não acha, milorde? — Amirah


bateu palminhas eufórica fazendo o marido concordar mesmo contra
sua vontade.

O duque sentia a raiva emanar da filha, e não queria


aborrecê-la. Porém, Amirah estava disposta a se meter em questões
que de fato não eram de seu interesse. Brianna já era crescida o
bastante para arcar com seus próprios infortúnios.

E de todos os seus três filhos, ela era a mais sensata. Mesmo


tendo sido mimada por sua duquesa, assim como August e Arabella.

Seu primogênito e herdeiro do ducado era um irresponsável


imprudente.
Enquanto Arabella era a neutra dos filhos.

— Com toda certeza, querida. — Ele concordou com ela


como sempre fazia.

Brianna saiu da sala procurando o motivo de sua raiva diária,


encontrando-a no canapé branco do corredor.

— Aceita ajudar-me para logo depois me abandonar? — Ela


questionou cruzando os braços cobertos pelo tecido lilás.

Catherina sorriu largo não acreditando no comportamento


desprovido de senso dela.

— Fiz a minha parte. Tentei ensiná-la, a senhorita aprendeu.


O que ainda deseja que eu faça? — Indagou Catherina não se
dando ao trabalho de sequer levantar do canapé para participar de
mais um embate inútil.

Brianna precisava aprender que nem sempre teria o domínio


das pessoas.

— Queria me ver fazendo papel de boba na frente de todos.


Eu sei. — Brianna sussurrou ressentida.

— Não leve para o lado pessoal, milady.

Catherina enfim levantou-se na intenção de retomar o seu


caminho, mas Brianna intrometeu-se nele. Os olhos verdes
brilharam com intensidade fazendo-a recuar um passo para trás.

— Impossível, Catherina. — Sorriu Brianna com o sotaque


carregado passando os dedos pelas têmporas dela.
— Não tentaria a sorte se fosse você. — Catherina reagiu de
imediato.

— Ah, é?! — Ela provocou com o tom rouco.

Brianna não tinha a mínima noção do perigo que corria. Ainda


assim, atreveu-se a encostar os dedos de leve nos lábios cheios da
francesa.

— Tire agora mesmo as suas mãos daí. Você não é nem de


longe alguém que beijaria por vontade própria. — Catherina cuspiu
as palavras à medida que tirou as mãos quentes de seu rosto.

Brianna desejou enfiar-se dentro de um buraco. Seu orgulho


sempre era ferido por aquela mulher infeliz.

— Eu não sei no que estava pensando.

— Imaginei, milady.

Catherina saiu, deixando-a sozinha com as suas divagações.


Capítulo 6

Desde criança, Brianna buscava conforto na pintura. Na


maioria das vezes a jovem recorria a arte no geral quando os planos
saíam de seu controle e ela não sabia como retomar o caminho de
volta. E naquela madrugada fria de abril não fora diferente.

Um par de olhos azuis, bastante perturbados, tomavam mais


uma de suas telas em branco.

A controvérsia de suas emoções, tirara seu sono pela


milésima vez às três da manhã.

Sentia vergonha de si mesma pela ingenuidade em


aproximar-se de uma mulher que parecia estar além de sua
compressão. Neville era uma covarde, e ela odiava a covardia.

O medo e a repulsa estampados no belo rosto de Catherina


na noite anterior deixara Brianna inquieta demais para dormir
despreocupadamente.

Brianna lembrava da dor, do sofrimento e da amargura que


seguiam Neville como uma sombra assim que chegara em Londres.

Ela não sabia exatamente porque não gostava dela, apenas


não gostava. E Neville não havia feito muito para subir em seu
conceito.

Era como se ela quisesse Brianna o mais longe possível, e


no fim das contas, a visão de ambas uma da outra era recíproca.
— Brí? — A voz do duque reverberou pelo aposento grande
fazendo com que Brianna tentasse esconder o máximo do que pôde
da tela recém-pintada.

O duque adentrou o quarto embasbacado. Os olhos dele


fitaram as paredes ornadas por outras telas.

— Não sabia que gostava tanto de azul. — Ele observou


realmente surpreso.

Mais precisamente pares de olhos azuis.

— Pode rir. — Replicou a jovem sentando-se no tapete


marrom.

— Na verdade, peço para que me perdoe por sempre


concordar com as bobagens de sua mãe. A amo demais para ir
contra ela. — Começou Adriel cautelosamente sentando-se ao lado
dela no tapete felpudo.

— O que faz aqui tão tarde, papai? — Brianna sondou não


entendendo a visita dele.

— Estou preocupado com você. Nunca a vi tão inquieta. —


Adriel pegou nas mãos da filha, levando-as a boca. — Isso é por
causa da dona desses olhos?

Sim.

— Mas é claro que não, pai! De onde tirou uma tolice


dessas? — Ela desdenhou recebendo um aceno de cabeça
silencioso.
Não havia porque mentir, Adriel não era ingênuo. Muito
menos fácil de enganar.

— Ela é fascinante demais. Alimenta o meu gosto pela arte,


não sei explicar. — Confessou olhando para todas as telas pintadas
nos últimos meses.

Olhos e mais olhos cobriam as paredes cremes do quarto de


Brianna e a única coisa em que ela conseguia pensar era em como
estava perdida.

— Eu também a acho fascinante. Mas me permite ser


sincero? — Ele questionou olhando para ela com doçura.

— Por favor.

— Não acho que seja bom para ela envolver-se


romanticamente com alguém agora.

Brianna arregalou os olhos perplexa.

— Papai! O senhor entendeu tudo errado! Ela apenas me


fascina. Somente isso. — Apressou-se ela em explicar o mal
entendido antes que Adriel passasse a olhá-la com pena.

— Eu não acredito nisso, Brianna. — Ele disse sorrindo para


a filha mais nova.

— Deveria, duque de Emsworth.

— Se quiser falar sobre, me convoque. Preocupo-me com


você, não quero que se machuque. — Sussurrou beijando-a na
testa.

— Não há porque se preocupar, papai. Vá dormir.


— Ficará mesmo bem sozinha? — Inquiriu o homem
duvidoso.

— Sim, Adriel. — Garantiu ela sem acreditar de fato em suas


palavras.

Catherina não compareceu à mesa para o café da manhã


quando Brianna adentrou a sala de jantar procurando-a entre todos
os outros. Talvez só estivesse atrasada ela era realmente boa nisso.

Mas ela também não apareceu para o almoço, nem muito


menos para o chá da tarde.

— Onde está a sua irmã, Timotheè?

Todos olharam para a Rodwell mais jovem abismados. Eles


sabiam de sua aversão por Catherina, e Brianna não se incomodava
em demonstrá-la frequentemente.

— Creio que ainda esteja no quarto, Brianna. Por quê? —


Timotheè parecia realmente curioso quanto ao interesse dela.

— Ela não apareceu para o café, nem para o almoço. Talvez


esteja com fome. — Ela esclareceu pondo as mãos no queixo.

— Você me parece muito observadora hoje, querida. —


Amirah fez questão de apontar o leve interesse da filha pela moça.

Brianna limitou-se a menear a cabeça. Sua mãe continuava a


insistir em coisas sem sentido.

— Vou procurá-la. — Disse firme levantando-se da poltrona.

Estava de fato preocupada com alguém além de si mesma?

Ao que parecia, sim.


Brianna deixou que todos criassem suas próprias teorias
sobre o seu comportamento estranho. Ela não se preocupava com
ninguém.

No entanto, ali estavam os seus pés levando-a para o quarto


de Neville.

Ao passo que aproximava-se do cômodo que nunca se


atrevera a invadir, seu coração doía.

Era quase insuportável ter tido coragem para tamanho ato de


falta de amor próprio. Na noite anterior Catherina havia deixado bem
claro o quanto a menosprezava.

Brianna colou um dos ouvidos na madeira fria do mogno,


tentando ouvir qualquer mero ruído do outro lado.

Sem sucesso.

— Katherine? Katherine, está aí? — Ela bateu à porta com


insistência mas não obteve respostas.

Brianna forçou mais um pouco e a porta acabou por se abrir.


Seu esforço parecia quase desesperado.

Os olhos de Brianna inspecionaram o quarto em dourado e


marfim, encontrando o corpo de Catherina largado num tapete
vermelho apenas de chemise.

— Neville? — Brianna abaixou-se devagar tocando a pele do


rosto da jovem.

Catherina encontrava-se inerte. Sua pele branca parecia


pegar fogo, e seus lábios de vermelhos estavam brancos e
ressecados.

— Céus! Você está queimando em febre!

— Fale baixo. Minha cabeça parece prestes a explodir. —


Neville murmurou ainda de olhos fechados.

— Como veio parar aqui no chão? — Indagou ela atordoada.

A preocupação de Brianna ia além do que se podia esperar


de uma aristocrata mimada.

Não era todo dia que um hóspede aos cuidados dos Rodwells
era encontrado em tal estado no chão de um quarto escuro.

— Eu não faço a mínima ideia. — A francesa falou com um


tom arrastado desfalecendo.
Capítulo 7

Dor profunda dilacerava o que um dia fora um coração. A


dificuldade para respirar tornou-se insuportável ao passo que a
consciência de Catherina retornava. Não tão clara quanto deveria,
ainda assim, nítida o suficiente para fazê-la querer voltar a habitar o
vazio de segundos atrás.

A veracidade jogada em sua cara, a fizera desejar estar


inconsciente uma outra vez.

Ela não se recordava de como havia parado no carpete


aveludado, tampouco, da febre que a consumia de dentro para fora.
A única coisa de que lembrava-se dos últimos momentos, era da
expressão aflita no rosto de Brianna quando a encontrara.

— Como se sente? — O sussurro angustiado chegou aos


seus ouvidos forçando-a a abrir os olhos.

As esmeraldas grandes fitavam-na com uma preocupação


explícita.

— Estranha. — Ela confessou com a voz falha.

Os fios alaranjados que caíam pelos olhos verdes, faziam


com que Catherina os afastasse inconscientemente. A beleza da
Brianna era de um todo formidável.

— Obrigada por ajudar-me. — Agradeceu ela com um sorriso


fraco.
Seu corpo inteiro doía, como se ela tivesse sido atropelada
por um veículo a toda velocidade.

— Não tão rápido, Catherina. Elis ajudou-me a cuidar de


você. Mas ainda assim, temo por ter de informar a Timothèe. Ele
precisa saber que está doente. — Brianna anunciou sendo
interrompida abruptamente pela enferma.

— Não. Timohteè não precisa saber. Ele ficará preocupado à


toa. Por favor, Brianna.

O sotaque francês parecia ainda mais carregado pela


dificuldade em proferir o pedido.

— Mas...

— S'il vous plait. Só dessa vez, ouça-me.

— Então ficarei aqui com você. — A jovem dama declarou


com determinação.

Cada músculo do corpo de Brianna continuava tenso pelo


recente nem um pouco sutil.

Nem ela mesma entendia a profundidade de seus


sentimentos. Era óbvio que não suportava o sotaque francês
melódico, ou os olhos tão cheios de receio, ora cintilantes ora foscos
de Neville. Brianna se via num beco estreito sem opções de
caminho seguro, o martelar em seu coração a assustava e a fazia
pensar em como não estava mais tão convicta.

— Não precisa, milady. Pode ir.


— Mas eu não quero ir. Deixe-me ficar. — Ela pediu baixo
apertando de leve as mãos da doente.

Neville deixou um de seus sorrisos pretensiosos tomar seus


lábios.

— Está preocupada comigo? — Questionou alisando o dorso


da mão de Brianna.

— Eu acho que sim. Incrível, não é?! Uma pirralha


impertinente, como você disse... — A dama provocou lembrando-se
das palavras de Catherina.

— Continua tão impertinente quanto.

— Nem mesmo doente deixa de lado essa rabugice.

As duas sorriram e algo leve invadiu seus corações tão


cheios de inseguranças e medos. Catherina não lembrava da última
vez em que havia sentido algo parecido com tranquilidade. Mas ali
estava ela, sossegada ao lado da mulher mais impertinente de toda
Londres, e que fazia questão de irritá-la a maior parte do tempo.

— Obrigada, milady. De verdade.

Dito isso caiu no sono novamente.

Escuridão.

Neville não queria estar ali, presa feito um pássaro enjaulado


dentro daquela gaiola prateada de novo. Todavia, sua dor caía no
esquecimento quando as grades de aço a prendiam.

— Não!

Suor descia por toda sua face.


Outro pesadelo.

Mais um maldito pesadelo.

Vinha sendo assim há algum tempo. Ela não tinha ideia de


quando havia começado, mas novamente estava presa na
penumbra dos pesadelos frequentes.

— Katherine...

Brianna levantou a cabeça dos lençóis de seda aturdida.


Suas pálpebras cerradas atraíram os olhos de Catherina. O escuro
do quarto envolviam-nas e a respiração de ambas era o único som
que podia se ouvir no silêncio perturbador.

— Não deveria estar aqui, milady. Seus pais irão estranhar o


seu sumiço...

— Pare. Eu sei o que está fazendo.

A voz de Brianna estava rouca pelo sono.

— Deixe-me ajudá-la, Catherina.

Brianna aproximou-se da enferma, tocando-a à testa com


uma das mãos. Seu rosto estava a um centímetro do dela, e um
calor estranho apoderou-se de seu coração.

— Pare você de tentar me confundir. Eu sei o que está


fazendo. — Ela refutou tirando as mãos de Brianna delicadamente
de sua testa.

— Se eu pudesse...

— Eu também. Eu também queria poder ser imune a essa


maldita dor. Eu me perdi, Brianna. E não sei mais como voltar.
Neville afundou o rosto no pescoço esguio, tendo as mãos
delicadas de Brianna afagando seus cabelos desalinhados. Suas
lágrimas molhavam a pele branca da jovem, enquanto suas mãos
traçavam círculos imaginários nas costas dela.

— Durma, Katherine. Amanhã será um outro dia. Não


esqueça, você é absolutamente capaz.

Durante o café da manhã, nenhuma só palavra foi proferida


por Brianna. Ela não sentia a mínima vontade de interagir, ou irritar
Catherina. Olhá-la de sua cadeira sem que ela a notasse como
sempre fazia, era o seu plano.

— A senhorita sumiu ontem.

Brianna virou-se devagar para encarar o duque de Emsworth.


Seu cenho franzido mostrava preocupação desnecessária.

— Eu estou bem, milorde.

— Não. Você não está. — Sussurrou o duque temendo ser


inconveniente e envergonhar a filha.

— Eu só me sinto ainda mais confusa do que antes. — Ela


confidenciou enquanto colocava mais leite em sua xícara.

Catherina parecia radiante em seu vestido azul-marinho. Sua


aparência jamais a denunciaria. Ela estava tão linda quanto seria
possível estar em sua situação, mas os olhos tão pálidos, não
enganavam Brianna.

— Milady? Poderia acompanhar-me por um instante?


A francesa tirou-a de seus devaneios, surpreendendo-a ao
passo que a fitava com um brilho diferente no olhar.

— Claro. — Brianna murmurou afobada.

As duas saíram da sala de jantar lado a lado em silêncio.

— Mais uma vez, obrigada por ontem à noite. Eu nem sei o


que teria acontecido... — Ela fez uma pausa antes de continuar —
se você não tivesse aparecido.

Catherina tocou o ombro descoberto dela, passando ondas


de choque por todo o seu corpo.

— Não foi nada. — A jovem disse modesta desviando os


olhos para qualquer outro lugar que não fosse ela.

— Me concede a primeira dança desta noite, milady?

O coração de Brianna pareceu querer sair por sua boca com


o convite inusitado de Neville.

— Eu adoraria. — Ela aceitou curvando-se.

— J'attendrai anxieusement. — Neville sussurrou passando a


língua pelos lábios vermelhos.

Seria uma noite cheia de surpresas.


Capítulo 8

A luz bruxuleante das velas do lampadário requintado do


salão de baile dos Rodwells, realçava os vestidos em seda e veludo
costurados pelos maiores estilistas da atualidade. E grande parte
deles, feitos pelas mãos de fada de Madame Brigitte.

Catherina sentia-se nauseada com tantos vestidos bufantes


turvando sua visão.

Deus! Estavam em 1915, não em 1714.

Ainda levavam eventos do tipo à sério demais, mesmo com o


país em alerta e a guerra se instalando em cada pequena rachadura
de seus muros impenetráveis.

A Srta. Packard beirava os vinte e sete anos, e dizia estar em


busca de algum cavalheiro razoável que merecesse sua mão.

Palavras da mesma.

Neville, na maioria dos eventos sociais, preferia o


acolhimento das demais damas. Celine Trollope, Lily Befrord e
Diane Hanks estavam no mesmo barco, e dividiam a ala das
solteironas há mais de oito anos.

— Então o matrimônio não lhe enche os olhos, Srta. Neville?


— Indagou Hanks abanando-se com o leque vermelho.

Seus cachos de um tom mel caíam pelas têmporas lisas,


enquanto o leque lhe cobria os lábios em formato de coração.
— Ne pas. Je ne souhaite pas, madame. — Catherina disse
com o que todos já sabiam em seu idioma.

— Uma pena. É belíssima e daria uma ótima esposa. Além


desse sotaque ser um charme, não acha, Celine?

Celine a fitava como se ela fosse um boi prestes a ir para o


abate. Suas turmalinas brilhavam estranhamente, fazendo com que
Catherina desejasse não estar ao alcance delas.

— Sim, minha cara Diane. E é por isso, Srta. Neville, que


preciso que me tire para dançar nesse instante. — Ronronou Celine
com os olhos cintilantes.

Trollope a deixara sem palavras diante de seu pedido.

Ela era belíssima.

As mechas de um castanho escuro, quase preto,


cascateavam por suas costas cobertas pelo tecido amarelo de seu
vestido

Celine era um mimo.

— Temo que terei de recusar, senhorita. A primeira dança é


da filha caçula dos duques. — Ela esclareceu séria para não haver
mal entendidos.

— Não aceitarei um não como resposta. Sei que os Nevilles


são altamente educados. E sei também que a senhorita não é
diferente, jamais me negaria um pedido tão simples, não é?!.

Os olhos de Celine pareciam prestes a devorá-la.


Decerto, Catherina era um bom partido. Os Nevilles eram
uma das famílias mais bem sucedidas da França depois dos
Vasseurs, além de serem donos de uma beleza atordoante.

— Srta. Trollope... — Ela tentou recusar a dama mais uma


vez.

— Oras, é só uma dança. — Celine sorriu docemente.

A situação era delicada. Catherina não entendia o porquê de


todas aquelas mulheres encantadoras estarem caídas no
esquecimento da sociedade. Afinal, beleza, educação e inteligência
elas tinham de sobra.

— Pois bem, Srta. Trollope. Me concede a honra dessa


dança? — Um sorriso torto tomou os lábios de Catherina fazendo
todas as solteiras de Londres suspirarem em contrapartida.

— Oui, será um prazer. — sussurrou Celine ajeitando o


corpete.

Os músicos animaram-se ao avistar Celine e Catherina


caminharem para o centro do salão. Muitos já haviam ouvido falar
sobre Neville, a mulher rejeitada e mais atraente que já tinha posto
os pés na monótona Londres.

A mão enluvada de Celine pousou no ombro de sua parceira


de dança, e o seu olhar captou o famoso azul gélido dos olhos de
Neville.

— Ah, Deus. Eu poderia beijá-la agora mesmo, Srta. Neville.


— Celine sussurrou com um olhar sedutor.
Catherina apenas sorriu e a guiou pelo piso frio de mármore.
A melodia a fez fechar os olhos e o perfume doce de Celine invadiu
os seus sentidos.

Estava tão imersa na música e na dança que não sentiu


quando todo o salão parou.

— Mas o que...

A frase não teve o efeito desejado.

Brianna descia as escadas devagar olhando em volta com


indiferença, como se todos não passassem de meras baratas.

Seu olhar pousou em Celine e Catherina.

E algo dentro de Neville se envergonhou pela primeira vez.

Brianna nunca a havia feito se sentir daquela maneira:


rebaixada.

O vestido azul-turquesa que Brianna trajava a lembrara da


primeira tela que a hipnotizou na ala sul.

As pregas da saia davam mais volume ao vestido, visto que o


espartilho, um tom mais claro, delineava a cintura fina de Brianna,
destacando os seios medianos.

Catherina tentou manter-se indiferente assim como Brianna,


mas falhou miseravelmente. Seus olhos não fitavam nada além da
pequena megera.

A falência de seus sentidos era real.

— Você é uma verdadeira pé de valsa, Srta. Neville.


Obrigada por me conceder essa honra. — Celine disse falou
afastando-se.

— Srta. Trollope, espere. Aonde está indo? — Ela questionou


fugindo do pane de um minuto atrás.

— Sua parceira acabou de chegar. — Ela sorriu deixando o


salão.

Catherina cogitou ir atrás dela, mas um pigarro forçado a


impediu.

— Pensei que a primeira dança estivesse reservada para


mim. Noto que estava enganada. — Brianna parecia desapontada
mas não demonstraria assim tão fácil.

— Sinto muito, a Srta. Trollope...

— Não é necessário, Katherine. Não me deve nada, é


apenas uma dança. E eu já tenho um parceiro. — um sorriso deixou
os lábios vermelhos de Brianna e o seu olhar fora dirigido para algo
atrás de Catherina.

— Como tem passado, milady? — uma voz rouca e bastante


sedutora preencheu os ouvidos de Catherina.

— Muito bem, milorde. Há quanto tempo...

Catherina virou às costas para olhar para o tal lorde.

Um moreno alto de sorriso cafajeste encarava fixamente a


jovem Rodwell.

— Oh, Srta. Neville, aí está você! Deixe-me apresentá-la ao


meu filho mais velho, August! — Amirah apareceu no campo de
visão dela tirando o seu foco.
August Rodwell, herdeiro do ducado parecia-se com Adriel
quando mais jovem. O maxilar quadrado e o cabelo farto de um loiro
escuro era uma característica própria dos homens da família.

Catherina já havia ouvido falar bastante de August: um


libertino incorrigível, sanguessuga irresponsável. Seus feitos em
Veneza, Grécia e Marrocos eram do conhecimento de todos.

— Encantada. — curvou-se ela forçando um sorriso.

— Não precisa de toda essa cerimônia, afinal, somos da


mesma família! — August comentou beijando o dorso da mão
delicada dela exageradamente.

— Já que não fui devidamente apresentado, eu mesmo o


terei de fazer. Permita-me, Srta. Neville. London, décimo marquês
de Crawford, ao seu dispor. — Disse o moreno tomando à frente do
primogênito dos Rodwells.

— Que original, não é, milorde? — Sorriu ela de modo


insolente.

— A marquesa é uma patriota incurável, senhorita.

— Você não iria levar minha irmã para dançar, London? —


indagou August parecendo impaciente.

— Com toda certeza, sim. Com sua licença, estraga prazeres


e damas.

Brianna tomou o braço de London, e Neville apenas assistiu


sua pupila rodopiar nos braços de um sedutor barato.
Capítulo 9

A sanidade de Brianna Rodwell parecia não ser abalada com


tão pouco. Apesar disso, surpresas desnecessárias a irritavam além
do que era conveniente. Ela odiava ser surpreendida.

Entretanto, Catherina mais uma vez se sobressaía, e se


mostrava uma oponente à sua altura.

Neville guiava Celine Trollope com maestria numa clássica


valsa pelo chão de mármore. Os movimentos mostravam-se
precisos, e até mesmo íntimos demais.

O estômago de Brianna estava embrulhado, e ela não sabia


dizer o que mais a aborrecia com exatidão.

A irmã gêmea de seu cunhando a fazer de tola uma segunda


vez, ou a volta repentina e indesejada de August à Londres.

Era estranho que uma cena tão cotidiana a afetasse daquela


maneira. Seu orgulho obrigou-a a prosseguir, descendo cada
bendito degrau daquela escada enorme. Afinal, era somente uma
dança, e não significava absolutamente nada.

Nada.

Mas a forma como Catherina a tratara pela manhã do dia


anterior, deixou-a com um sorriso bobo no rosto (mesmo que ela
não admitisse nem morta) sentia-se pela primeira vez magoada de
verdade. E por uma bobagem tão, mais tão absurda.
London era de fato um cafajeste patético, mas a cena que
tinha feito minutos atrás fora apenas para causar desconforto em
Neville. O olhar negro do melhor amigo de seu irmão via além dela.
O marquês sempre a vira como uma irmã mais nova, o afeto dele
pelos os Rodwells ia além do título. Crawford era de casa.

— Estou aqui, Brí. Não a olhe tanto, assim me fere. — Ele


sorriu colocando uma mecha teimosa atrás da orelha dela.

— Perdoe-me. Ela nem ao menos merece a minha atenção.


— Ela disse erguendo o queixo.

A saia da seu vestido balançava ao passo que a dança ficava


mais rápida.

— Então não dê. Olhe apenas para mim. — London


aproximou-se um pouco mais de Brianna sentindo o doce aroma de
sua pele. — Amêndoas, sempre amêndoas.

— É a minha loção favorita, você sabe.

Catherina os olhava do outro lado do salão. London era


expert em mulheres quando assim desejava, e pensava que com
Neville não seria diferente. No entanto, a mesma parecia imune aos
seus esforços louváveis.

Ela não estava desconfortável. Parecia mais admirada do que


qualquer outra coisa.

— Essa mulher é um desafio e tanto, milady. Você possui um


gosto bastante peculiar. — Sussurrou ele para ela convencido de
que não obteria nenhuma reação mais satisfatória naquela noite.
— Não estou querendo fazer ciúmes à ela! — Brianna tratou
de esclarecer o mal entendido, exasperada.

Por que todos achavam que ela sentia a necessidade de


fazer com que Catherina a notasse? Céus, ela era Brianna Rodwell!

Bem, não era vaidosa ao ponto de achar que sua linhagem


fosse a mais refinada. Mas ainda assim...

— Então por que arrastou-me até aqui se odeia valsar? E


desde de quando você dança? — London questionou risonho
segurando a mão enluvada dela.

— Queria testar as minhas novas habilidades. — Brianna


retrucou orgulhosa.

Catherina era uma mentora muito talentosa, e de fato, ela


havia melhorado. Seus dois pés esquerdos tinham agora alguma
noção de por onde seguir.

— É uma pena que eu esteja muito cansado da viagem.


Vamos voltar, milady.

O marquês não dava ponto sem nó.

Ele estava adorando vislumbrar um ataque de ciúmes por


parte de Brianna. A garota era uma rocha desde dos seis anos de
idade.

Em uma de suas viagens à França, conhecera Valentinne e


Annelise Vasseur, e a pequena Miranda. Ele compreendia que não
deveria ser nada prazeroso ser rejeitada e obrigada a viver num
país que não era o seu.
Catherina ainda estava ferida, e não era sensato que Brianna
se aproximasse dela no momento. Porém, o marquês não poderia
protegê-la para sempre. Apenas estaria por perto para que nada de
pior viesse a acontecer à ela.

— Você é inútil, London! — Ela acusou sorrindo pela primeira


vez aquela noite.

— Também senti a sua falta, Brí.

Brianna não direcionou uma única palavra a Catherina


durante toda à noite, mas, isso não a impediu de importuná-la.
Catherina possuía um péssimo senso de humor, ou talvez só fosse
uma mulher sem muita noção do ridículo.

— Párdon por mais cedo. Eu não queria aborrecê-la. — Ela


sussurrou abruptamente rente ao ouvido de Brianna.

A jovem inspirou fundo, tentando encontrar paciência nos


confins de sua alma.

— Por favor. Acha que algo tão trivial me aborreceria? —


Brianna indagou fazendo pouco caso do pedido de desculpas da
outra.

Seu sorriso carregado de sarcasmo não fora capaz de afetar


Neville ao que parecia.

— Oui. E o que confirma minha teoria é a forma como está


reagindo perante meu arrependimento.

Por que ela tinha de ser tão idiota?


— Agora a sua pretensão está realmente me aborrecendo,
Katherine. — Brianna resmungou irritada. — Procure o que fazer.

— Dance comigo.

Ela sentiu o mesmo entusiasmo do dia anterior, e odiou-se


por ser tão dada. Tão fácil diante de um pedido comum.

Neville não merecia tê-la em seus braços.

— Não. Não sinto-me muito inclinada a dançar com você


agora. — Ela recusou abrindo um leque dourado.

— O que há de errado com você, milady?

Catherina tentou sorrir, mas o sorriso de dentes brancos não


chegou aos olhos. Ela parecia decepcionada com o rumo dos
acontecimentos. Brianna parecia cada dia mais difícil de entender.

— Essa não foi a noite que planejei para nós. Pensei que
enfim tínhamos nos entendido, Brianna. Você é o mais próximo de
uma amiga...

— Como é?

A confissão de Catherina a deixara ainda mais áspera.

Amiga.

Decerto era assim que ela a via, mas por que essa palavra
soava como um insulto para a jovem?

Ela não sabia explicar como seu repentino desapontamento


tornara aquele baile um desastre. Os vestidos finos, e o brilho das
joias nos pescoços das mulheres no salão deixavam-na enjoada.
Amiga.

Ah, é claro.

— Permita-me ser clara, Catherina. Não somos amigas,


Jamais seremos.

Ao fim do embate, Brianna abandonara a zoada infernal,


temendo deixar em evidência toda a sua decepção.

Era de se admirar que fugisse, dessa forma, a raiva de si


mesma apenas tomou proporção. O que ela queria de verdade? Se
perguntava a mesma coisa desde que virou às costas para Neville.

A expressão de choque no rosto dela a fizera desejar não


pronunciar tais palavras com tanta convicção.

Talvez ela soubesse o que estava acontecendo, mas não iria


se entregar sem lutar contra o que sentia. A chance de que fosse
correspondida era mínima, Catherina não a via daquela maneira.
Jamais a veria. E ela era orgulhosa demais para jogar o jogo de
Neville.

Precisava pôr a cabeça no lugar.


Capítulo 10

As vozes esganiçadas que preenchiam o espaço flavescente,


incomodavam Catherina àquela altura da noite. Fora desagradável
como as coisas com Brianna se complicaram, principalmente por
Neville enfim enxergar a mulher fantástica por trás do manto de
nobreza que ocultava a real natureza da jovem dama.

Brianna era bem mais do que uma pirralha impertinente.

Catherina a havia julgado mal.

Tinha de reconhecer que fora precipitada.

No entanto, era difícil esquecer sua reação perante a palavra


"amiga".

Ela queria continuar em pé de guerra para sempre?

Neville estava esgotada de palavras ofensivas. Já era o


suficiente. Ela não queria mais jogar.

London aproximou-se, escondendo a luz do lustre acima de


suas cabeças. Ele deveria ter no mínimo um metro e oitenta e sete.
O terno de costura refinada, escondia a pele bronzeada do lorde.

— Brí é uma mulher complicada, Neville. Mas tenha


paciência com ela.

Os ingleses eram de fato observadores. Ela não havia tido


sequer uma oportunidade de falar sobre Brianna com o marquês de
Crawford.
— Longe de mim querer ser a responsável por algum novo
incidente com a Inglaterra depois de ofender um de seus filhos. —
Sorriu disfarçando o leve aperto em seu peito por lembrar da
França.

Tudo o que acompanhava a simples menção à sua casa,


deixava-a triste. Sentia saudades de Adeline, de seu pai. De
Valentinne.

Não. Ela não deveria nem ao menos cogitar sentir tal coisa.

— Imagino, Srta. Neville. Vá atrás dela. Ela está na sacada,


mas já subirá para o quarto, tenho certeza. Lá é o seu santuário.

— Muito obrigada. E foi um prazer, milorde.

— London. Apenas London.

— Como desejar. — Ela se curvou, seguindo para a


escadaria em mármore.

Catherina não saía por aí invadindo a privacidade de seus


anfitriões. Era íntimo demais. Fazia tempo que não adentrava um
outro quarto além do seu próprio. Seu nariz estava praticamente
colado à madeira fria do mogno, mas seus pés continuavam firmes
no assoalho de madeira.

— Vamos lá.

Seus dedos foram para maçaneta contra sua vontade,


empurrando-a ainda receosa.

Dividir a cama com uma outra mulher que não fora


Valentinne, a tinha feito sentir coisas estranhas, e agora era tarde
demais, pois estava dentro do quarto de Brianna. E mais do que
nunca, sentia-se no dever de sair dali o mais rápido possível.

O cheiro de amêndoas estava impregnado em todo o cômodo


luxuoso. A penteadeira continha pequenos diamantes em seu
espelho de ouro, e a cama em lençóis de seda vermelhos, possuía
um dossel enorme também em ouro puro.

Fora impossível não correr os olhos pelas paredes em creme


cobertas por pinturas feitas pela própria dona do quarto.

E o que a deixou ainda mais perplexa do que antes, fora


vislumbrar pinturas que não se pareciam nem um pouco com a que
tinha visto uma semana antes na ala sul.

O seu rosto estava pintado de diversas formas e ângulos.

As safiras azuis de Neville arregalaram-se a medida que ela


tomou consciência do que aquilo poderia significar.

Seus olhos também cobriam metade das paredes.

Os seus olhos.

— Mas o que diabos...

Um clarão invadiu o quarto, e Catherina virou de súbito para


a porta escancarada, encontrando Brianna mortalmente pálida.

— Eu juro que posso explicar. — Disse em voz baixa


segurando a saia do vestido como se dependesse daquilo para
continuar de pé.

Sua expressão assustada fez com que Catherina medisse as


palavras que saltaram de seus lábios, fazendo-a se limitar apenas a
concordar com os seus termos.

— Então proponho que comece o mais rápido possível.

Neville ainda tentava absorver todos aqueles desenhos seus


e de seus olhos da melhor maneira possível, porém, o silêncio
ensurdecedor de Brianna deixava bastante a desejar.

— Creio que você tenha algo para me dizer. — Replicou


olhando fixamente para o verde do olhar perdido de Brianna.

— Primeiramente, o que faz em meu quarto? — Indagou


cruzando os braços com impertinência.

— Não irei cair em suas distrações, Brianna. Me diga o que


isso significa de uma vez.

A curiosidade a matava. Não era todo dia que desenhos seus


cobriam as paredes do quarto de uma mulher. E a mulher em
questão a odiava até onde ela sabia.

— O que quer que eu diga?

Não era óbvio?

— Pare de jogar, milady. Eu não tenho a noite toda. —


Catherina começava a perder a paciência diante da falta de tato de
Brianna.

— Seus olhos são... enigmáticos, Katherine. Apenas. —


Confessou sem muito entusiasmo.

— Nossa. Isso foi esclarecedor, Brianna. — Desdenhou


cortando o ar com um aceno e indo ao encontro da outra. — Peço
para que seja sincera. O que isso significa?
Brianna permaneceu calada.

Seus olhos pareciam ainda maiores naquela escuridão.


Catherina não sabia o que sentir quanto aquilo. Apenas não sabia.

Era estranho que ainda não tivesse se afastado, e era


covarde demais para admitir que não queria de fato se afastar.

— Por favor. — Pediu aproximando-se mais do rosto pálido


da jovem Rodwell.

Suas mãos correram pela pele desnuda do ombro de


Brianna, apertando-o de leve. A fragrância de amêndoas estava
infiltrada na pele macia da jovem. Catherina afundou o rosto em seu
pescoço esguio inalando mais da loção adocicada.

— Pare. Seja lá o que esteja prestes a fazer, pare agora.

Catherina sentiu como se um balde de água fria tivesse sido


despejado em sua cabeça. Nem ela mesmo sabia o estava prestes
a fazer.

Sim, ela sabia.

Algo que jurou não fazer com mais ninguém enquanto


vivesse.

Ela quase tomou os lábios de Brianna Rodwell. Seu corpo


todo ansiava por aquele toque.

Mas o de Brianna definitivamente não ao que parecia.

— Eu não sei no que estava pensando. — Afastou-se


aturdida.
Neville tirou suas mãos da pele receptiva como se ela, aquele
pequeno pedaço de pecado, fosse definitivamente algo proibido
para si.

Os olhos de Brianna brilharam com uma emoção estranha, a


qual ela não conseguiu decifrar.

— Saia! Saia daqui! — Gritou exasperada.

— Sim, isso foi um erro. Sairei agora mesmo, milady. — Seu


tom de voz saiu mais controlado do que esperava.

A situação estava ainda mais complicada entre ambas.

— Por que está fazendo isso? Fique. — Pediu a lady num


sussurro.

Suas mãos tocaram inconscientemente a pele descoberta


pelo vestido, onde as mãos de Catherina estavam há pouco menos
de um minuto.

— Não. Eu preciso protegê-la de mim. Eu não posso fazer


isso com você. — Murmurou Catherina convicta.

— Posso tomar as minhas próprias decisões, Neville. —


Rebateu Brianna decidida a não ceder a sua razão.

A jovem Rodwell possuía um orgulho grande demais. Era


uma mulher irredutível.

— Com todo respeito, tenho dúvidas quanto à isso, milady.

Catherina deixou o quarto com um aperto sufocante em seu


peito.
Queria voltar para lá, mesmo que isso significasse a ruína de
Brianna no final. Nunca seria capaz de estar à altura de fazer
alguém como ela feliz de verdade.

— Inferno. — Xingou para o corredor deserto.

Não havia como voltar atrás. O seu destino estava traçado e


ela não podia fazer grandes coisas a respeito.
Capítulo 11

A luminescência atravessou as cortinas do sobrecéu em


ouro, despertando a jovem dama de seu sono. Brianna abriu as
pálpebras contra sua vontade, sentindo-se péssima pelo fracasso da
noite anterior.

Não acreditava em sua atitude tola. Tinha perdido a chance


que nem tinha ciência do quanto almejava: Catherina quase a
beijou.

E ela negou.

Negou!

— Eu sou tão estúpida!

— Milady?

Elis surgiu detrás da penteadeira com um vestido rosé em


mãos. Sua dama de companhia parecia levemente envergonhada
por ter flagrado sua senhora xingando a si própria logo cedo pela
manhã. Eventos raros que não aconteciam com muita frequência.

— Deus, Elis! Não me assuste assim!

Brianna sentou-se no colchão, trazendo os lençóis em seda


vermelha até o queixo.

— Por que está me olhando desse jeito? Meu cabelo está tão
terrível quanto imagino? — Indagou irônica.

— Não, senhora. Não é todo dia que a vejo tão...


A moça se limitou a falar o que a perturbava.

— Péssima? — Arriscou Brianna com um sorriso


desanimado.

— Triste. A senhora está triste.

Brianna não tinha ideia de como havia perdido sua confiança


e orgulho num piscar de olhos. Eles estavam em frangalhos e ela
não sabia como restaurá-los.

Como iria encarar Catherina no café da manhã?

Não iria descer.

— Traga o meu café, Elis. Por favor.

— Não irá se juntar à todos? — Questionou a dama de


companhia receosa.

— Não estou bem. Prefiro ficar aqui sozinha.

Parecia ironia que estivesse agindo da mesma maneira que


August. O que mais detestava era a covardia, e no momento em
que as coisas não estavam lá muito bem, trancava-se em seu
quarto luxuoso para não ter que encarar o problema de frente.

Não adiantaria ficar ali, mas não era de todo uma má ideia.

Ela precisava de um tempo.

— Entendo, senhora.

O calor permeava as paredes em marfim do cômodo,


aquecendo-o por completo. Com abril chegando ao seu fim, o frio
estava indo junto com ele para a felicidade de Brianna.
As frestas de luz iluminavam suas telas nas paredes,
deixando-as genuinamente atraentes. Os olhos de Catherina
pareciam mais intrigantes do que já eram na realidade. O silêncio
ensurdecedor do quarto era perturbador e deixava a jovem Rodwell
aflita, cheia de receios infundados.

— Espero que o incidente de ontem não a tenha tirado a


vontade de estar com todos.

A voz melodiosa preencheu os ouvidos de Brianna, fazendo-a


amaldiçoar o universo e todos os deuses existentes por colocá-la a
prova sem ao menos consultá-la antes.

— Por Deus, o que faz aqui? Ontem já não foi o suficiente


para você?

Catherina trajava uma blusa branca com os três primeiros


botões abertos e calças de montaria. Suas madeixas loiras estavam
presas num rabo de cavalo, deixando os sinais de seu pescoço à
amostra.

Era incrível como qualquer roupa adequava-se à seu corpo


esguio.

— Vi que não apareceu para o café da manhã... — Ela iniciou


a conversa parecendo cautelosa.

— Que amor, notou a minha ausência pela primeira vez em


um ano. — Desdenhou prestes a arrancar as pinturas da parede.

— Sem sarcasmo, Brianna. E por favor, deixe-as aí. Você tem


um dom incrível, sei que sabe disso.
Ela se doava totalmente a arte desde de criança. Sophie fora
uma mentora incrível. A avó de Brianna a fez se interessar pela
pintura, e por todo o mundo artístico.

— Sim, eu sei. Vovó me ensinou muito em vida.

Catherina permaneceu em silêncio diante da resposta crua


de Brianna.

— Há algo que deseja compartilhar? — Indagou desviando


os olhos azuis.

Péssima pergunta.

Mas haviam coisas que Brianna desejava compartilhar? Não.


Ela sempre conseguia achar uma saída, e não precisava mendigar
ajuda.

— Por que acha que tenho algo para dizer?

— Ontem não nos despedimos de uma maneira agradável, e


eu peço para que me perdoe.

Catherina poderia não ser uma mulher de muitas palavras,


mas sabia se desculpar como ninguém. Párdon era com toda
certeza, a palavra mais falada por ela.

Brianna não suportava mais tantos pedidos de desculpas.

— Pelo amor de Deus, pare com isso. — Chiou fechando o


robe que por sinal estava aberto demais.

— Estou atrapalhando algo? — Neville perguntou sentando-


se na cama.
Catherina parecia realmente não se dar conta de como sua
presença afetava Brianna, e se tinha noção, a provocava de
propósito por puro prazer.

Suas mãos foram para a fita preta que prendia os cachos


loiros, soltando-os.

— Milady, venha até mim.

Brianna sentiu o seu queixo cair com tamanha ousadia de


sua hóspede. Quem ela pensava que era? Porém, tinha de admitir
que estava bastante tentada a atender o seu pedido.

Seus pés descalços se perderam dentro do tapete felpudo,


caminhando em direção a sua penitência antes mesmo de ela
pensar no que estava fazendo.

— O que quer agora, Neville? — Perguntou pondo uma das


mãos na testa buscando controlar a insana vontade de se aproximar
mais.

— Creio que me deve uma dança.

— Não, não devo. E se era só isso, peço para que se retire.

Nesse instante, Catherina levantou-se puxando-a para perto


de seu corpo. As mãos delicadas envolveram a cintura pequena de
Brianna, e os olhos enigmáticos capturaram os surpresos da dama.

— Então você não me dá alternativa, Cher. Sempre


dificultando a minha vida, milady.

Brianna fechou os olhos deixando-se levar pelo sotaque e o


doce perfume de Catherina. As colônias francesas eram de fato as
melhores.

Seu corpo inteiro reagia ao toque de Neville.

A pele alva arrepiava-se devido a respiração quente próxima


à seu pescoço desnudo.

— Eu amo jogos, Neville. Mas devo confessar que esse não


está sendo divertido. — Sussurrou segurando firme nos ombros
cobertos pelo tecido grosso.

— Não quero jogar, Brianna. Eu odeio jogos. — Ela


murmurou rente a orelha sensível.

Catherina inspirava pesadamente como se fosse insuportável


manter-se perto da jovem Rodwell. Sua razão clamava para que se
afastasse, mas seu corpo não atendia aos seus comandos inúteis.

— Incrível como somos incompatíveis. — Brianna sorriu


deitando a cabeça no ombro da outra.

— Senhora, desculpe a demora...

A porta fora aberta por Elis com uma bandeja cheia em mãos.

Brianna se afastou de Catherina devido ao susto temendo


cair pela fraqueza de seu corpo.

Seu rosto queimava de vergonha.

Elis havia presenciado o quão envolvida ela estava. E


Brianna não se perdoaria tão cedo por ceder tal espetáculo a sua
dama de companhia.

— Ah meu Deus, Elis!


— Acho melhor eu ir embora.

Catherina sorria de modo pretensioso e parecia não temer a


fúria que se instalou em cada parte do corpo de Brianna.

— A vejo no almoço, milady. — Disse curvando-se de modo


zombeteiro.

— Inferno!
Capítulo 12

O que diabos fora fazer no quarto da mulher que parecia


disposta a desafiar o seu bom senso? Catherina ainda não
conseguia acreditar em sua total falta de escrúpulos.

Desde de quando tomava decisões precipitadas tendo em


vista o fracasso de seu noivado? Há tempos buscava ser o mais
prudente possível. Se seu coração viesse a ser destruído de novo,
ela tinha consciência de ter feito o bastante para evitar tamanha
desgraça.

Ter tido uma outra vez o vislumbre de seus olhos nas paredes
do quarto de Brianna, desarmou-a por completo.

Era mais do que ela podia suportar.

A delicadeza dos traços, as cores...

Com toda certeza, era muito para absorver em dois dias.

Por pouco não a beijou uma segunda vez. Talvez fosse o


universo mandando algum sinal para que parasse de tentar
ultrapassar os seus próprios limites.

Catherina não possuía confiança em si própria, e não queria


de forma alguma magoar Brianna.

Céus, ela poderia estar equivocada, afinal, não sabia da


profundidade dos sentimentos da pequena nobre. Brianna deveria
estar confusa. Catherina conhecia bem o sentimento da dúvida. Ele
havia permeado seu coração incontáveis vezes no passado, e agora
ao seu ver, nada parecia diferente.

— Está mesmo absorvendo algo desse livro?

Timotheè adentrou a biblioteca com um sorriso afetado,


fazendo-a olhá-lo desconfiada. Seu irmão gêmeo parecia casual
demais para o seu gosto. A blusa branca dobrada até os cotovelos
não era escondida por nenhum casaco de tecido caro, e suas
mechas loiras, sempre domadas, estavam incrivelmente
desgrenhadas.

— Você por acaso foi atropelado? — Provocou fechando o


exemplar de Sand.

George tornou-se uma de suas escritoras favoritas por


influência de Valentinne.

Diversas vezes Catherina ouviu-a citar seus versos


encantada. Versos esses conhecidos por qualquer pessoa com um
pouco de bom gosto.

George Sand fora uma mulher fantástica.

— Arabella e eu estávamos caminhado pelos arredores da


propriedade. Você sabe que detesto estar com roupas formais em
passeios com a minha esposa. — Explicou-se ele sentando-se
numa poltrona perto da estante embutida.

— Ah, claro. — Ela disse guardando o livro de capa preta.

— Pensava em contar-me sobre estar cortejando a minha


cunhada?
Catherina sentiu o rosto esquentar devido ao questionamento
de seu irmão poucos segundos mais velho.

Ela não estava cortejando Brianna.

Ou estava?

Quase a beijou duas vezes.

Isso queria dizer algo?

— De onde tirou uma bobagem dessas? — Ela guinchou


virando-se subitamente.

— É o que estão dizendo por aí. — Ele falou dando de


ombros de forma casual.

Neville odiava quando seu Timothèe fazia isso. Ele amava


provocá-la quando tinha chance.

— Seja mais específico, Timotheè. — Pediu ela impaciente


trincando os dentes.

Nervosismo tomava conta de cada parte de seu corpo. Era


estranho estar do outro lado, ser alvo de mexericos não era nem de
longe algo que apreciava.

Seus dedos percorriam as capas dos livros na estante de


madeira num tique nervoso irritante até mesmo para ela. Catherina
odiava ser comentário em rodas sociais.

— As solteironas de toda Londres.

O queixo dela caiu diante da revelação mais sem sentido que


já tinha ouvido em toda sua vida. Quem seria idiota o suficiente para
espalhar boatos de que nem mesmo ela tinha conhecimento?
— Isso é sério? — Perguntou soando mais incrédula do que
pretendia.

De fato, as pessoas eram desocupadas e adoravam cuidar


das vidas alheias.

— Ah, sim. Bastante. Você sabe como a Srta. Packard adora


uma fofoca.

Sim, ela sabia.

— O que estão falando?

— Que a nobre Brianna está curando o seu coração partido.


— Timotheè era bastante melodramático às vezes, mas aquele não
era o melhor momento para ser engraçadinho.

Suas expressões faciais faziam Catherina querer gargalhar


num momento constrangedor como aquele.

— Deus. Era só o que me faltava agora. — Murmurou


Catherina jogando-se em uma outra poltrona.

— Mas é verdade? — Indagou ele mais uma vez.

Ele não parecia convencido diante da negação dela. Seu


cenho franzido denunciava toda a sua dúvida.

— É claro que não! Acha mesmo que quero alguém agora?

Neville não se sentia pronta para aquilo.

Pelo menos, não naquele momento.

— Já faz um ano, Catherina.


— Eu sei, e isso não quer dizer nada. Acha que há um tempo
para que o coração resolva enfim parar de doer?

Era inacreditável que sempre tivesse que explicar os seus


receios, a sua mágoa para Timotheè.

Brianna era muito mais do que seus olhos podiam ver.


Catherina sabia. E reconhecia também o quão atraída estava por
ela. Ainda assim, não era suficiente.

Atração nunca era suficiente.

Do que adiantaria se a machucaria no final?

Jamais a usaria para remendar os estragos causados ao seu


ingênuo coração.

Brianna merecia mais.

Muito mais.

— Você precisa acordar, Catherina. Se não quiser perder um


tempo valioso de sua vida, você precisa reagir. — Ele interpôs
deixando-a com seus próprios pensamentos.

— Obrigada por nada. — Apontou ressentida.

Os dedos de Brianna deslizavam pelas teclas em preto e


branco do piano de cauda com tamanha aptidão. Parecia
ridicularizar o auto controle de Catherina que a assistia, assim como
todas às más línguas de Londres.

Parecia entorpecida pelo som suave que emanava do piano.


Além do adocicado cheiro de amêndoas que continuava preso em
sua pele.
— Encantadora, não é mesmo?! — O marquês aproximou-se
como felino não deixando-se fazer o menor ruído.

Um meio sorriso tomava seus lábios, e parecia natural como


ele irradiava calor e conforto apenas em olhá-la inocentemente.

— Muito, milorde. Para o seu próprio bem, devo acrescentar.


— Ela sorriu cruzando os braços diante do corpo pequeno.

— Seria muito atrevimento convidá-la para cavalgar comigo


amanhã cedinho? — O tom de voz do marquês deixou-a em alerta.

Era como se ele lhe quisesse falar algo importante.

— Por mim tudo bem. — Aceitou totalmente consciente de


sua decisão.

O melhor a se fazer no momento era encarar o marquês.

August lhe dissera que London tendia a ser muito protetor


quando a pessoa em questão era Brianna. Não que Catherina
estivesse fazendo algo de errado, mas, por meio das dúvidas, ele
com toda certeza desejava averiguar mais dela antes do próximo
passo.

Neville era altamente perspicaz.

— Pois bem. Até amanhã, milady. — Despediu-se ele


deixando um casto beijo em uma de suas mãos.

— Mal posso esperar, milorde. — E ela estava sendo sincera.

A curiosidade de fato era maior do que qualquer receio que


ela viesse a sentir quando estivesse a sós com London. Catherina
tinha conhecimento de estar sujeita a responder uma lista de
perguntas se fosse necessário, a partir do momento que não
recusara o convite do marquês.

— Vi que London a cercou. Ele falou algo sobre ontem à


noite? — Brianna parecia levemente apavorada com a conversa de
Catherina e Crawford.

— Na verdade não. Apenas convidou-me para cavalgar


amanhã.

— Sim, claro. — Disse a jovem sentando-se novamente perto


do piano. — Quer tentar?

— Não sou muito familiarizada com instrumentos, milady. —


Ela sussurrou envergonhada.

— Eu a guiarei. — Brianna insistiu abrindo espaço no


pequeno banco acolchoado.

A jovem parecia disposta a realmente ensiná-la algo que em


nada tinha a ver com tecidos caros e telas a óleo. O que para
Catherina fora um alívio.
Capítulo 13

O esforço de Catherina em acertar, parecia entorpecer


Brianna ao ponto de fazê-la não conseguir se concentrar em mais
nada além dela. As íris azuis mantinham-se fixas nas partituras, e as
sobrancelhas loiras formavam um V devido a sua confusão.

— Você sempre foi assim? — Brianna ouviu-se perguntar de


repente.

Neville levantou os olhos cobertos pelos cílios longos,


encarando-a por fim.

Desde que a tivera tão perto em seu quarto aquela manhã,


não conseguira pensar em mais nada senão em seu toque preciso,
ou no sussurro arrastado ao pé do ouvido. Ninguém a tinha
ensinado como se portar perante mulheres atraentes.

Brianna sentia medo, temor em mostrar-se tão entregue a um


sentimento que não sabia ao menos rotular para início de conversa.

Por que Catherina a deixava tão inquieta?

Tão nervosa?

Tão vulnerável?

Não ter as respostas pela primeira vez a assustava.

Muito.

Suas faculdades mentais perdiam a credibilidade diante do


sotaque francês carregado.
Brianna odiava estar dependente de qualquer que fosse o
sentimento que a integrava no momento. Era inegável que a sua
capacidade de raciocinar como uma pessoa sensata estivesse
sendo ameaçada.

— O que quer dizer, Cher? — Catherina inquiriu deixando


que um sorriso cheio de pretensão tomasse seus lábios.

— Ah... Bem... esqueça! — Ela apressou-se em fugir da


pergunta, envergonhada por ser tão boba.

Catherina possuía a proeza de fazê-la sentir-se tonta.

— Srta. Neville, é um prazer vê-la novamente.

Brianna revirou os olhos a medida que a voz melosa de


Celine Trollope invadiu os seus ouvidos sem a sua permissão.
Tornava-se impossível manter-se indiferente ao desconforto que
sentia toda vez que Catherina lhe dirigia a mínima atenção que
fosse.

— Oh, Srta. Trollope! Como tem passado? — Neville indagou


indo em sua direção para cumprimentá-la.

— Mas que inferno... — Brianna praguejou desviando o olhar.

— É falta de decoro praguejar, milady. — London sentou-se


no pequeno banco acolchoado pronto para caçoar de Brianna.

— Dane-se, Celine é o ser mais sem noção de toda


Inglaterra. — Ela retrucou voltando-se para o piano.

— Acredito que até a primavera passada você a adorava.

E ele não estava mentindo.


Celine era uma das poucas pessoas por quem Brianna nutria
algum tipo de afeição.

Os olhos de Trollope eram doces. Suas palavras mais ainda.

Ainda assim, desde do baile, sua presença a irritava.

— Tem razão. Não sei o que está acontecendo comigo. —


Sussurrou ela mais para si mesma do que para London.

— Isso tem a ver com ela? — Ele questionou apontando na


direção de Catherina.

O corpo de Brianna retorceu-se em desgosto pois aquela era


a verdade nua e crua.

Ela estava mudando, e não gostava da pessoa em que


estava se tornando.

— Creio que sim. E isso é uma droga. — Confessou


pesarosa mordendo a bochecha.

— Eu vivi para ver isso! — Comemorou o marquês prestes a


soltar fogos de artifício.

— Não tem graça, milorde. Não está sendo nada divertido.

O marquês a olhou com uma das sobrancelhas escuras


erguidas. Como se dissesse "isso é só o começo"

— Brí, isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Só


precisa ficar calma, sei que encontrará um jeito de se sobressair.
Você é Brianna Rodwell!

— Tem razão.
Quando Catherina retornou de sua conversa com Celine,
parecia estranhamente fria. Era como se tivesse voltado a ser a
mesma de antes, só que muito mais sombria.

Seu olhar azul tornou-se ainda mais gélido.

— Está tudo bem? — Brianna perguntou receosa.

— Perfeitamente, milady. — Respondeu distante.

Não, não estava nada bem. Algo havia acontecido.

— Não precisa agir assim. Sou sua amiga, lembra? —


Mesmo que a palavra não a agradasse, a jovem tentou ser maleável
diante daquela situação constrangedora.

— Pensei que não tivesse gostado de ser chamada de


amiga. — Catherina falou baixo com um brilho intenso no olhar.

Brianna não queria, ainda assim, sentiu seu coração acelerar


ridiculamente.

— Não seja tola. — Rebateu desdenhosa sentindo um gosto


amargo na boca.

— Até quando fingirá não sentir nada por mim?

O coração que antes estava acelerado, agora, batia ainda


mais descompassado. Ele estava prestes a saltar pela boca de
Brianna, e ela tentou manter-se impassível, mas fora impossível
quando Catherina a deixou sozinha novamente.

Suas mãos fecharam-se em punho devido a frustração que a


consumiu perante a atitude hostil de Neville.
Brianna saiu do salão a passos largos, desejando ser
acolhida por seu quarto.

Ela estava cansada de ser vítima do humor instável de


Catherina.

A respiração entrecortada de Brianna era de longe o único


som presente no cômodo iluminado pela luz do luar. A pequena
reunião dos Rodwells ainda acontecia lá em baixo, deixando-a
irritada.

Brianna sentia raiva.

Raiva de si mesma, raiva de não ter controle sobre as suas


próprias emoções.

Raiva de Catherina.

Como lidar com uma pessoa extremamente difícil?

Ela ainda não estava preparada para tanto.

Não possuía resistência quando o adversário era indiferente


à ela. Apreciava a transparência, o estável. E Neville era tudo
menos estável. Suas emoções transbordavam-na, cegando-a ao
ponto de deixá-la fria e insensível.

— Você foi embora.

O quarto fora preenchido pela colônia adocicada que Brianna


lutava com todas as suas forças odiar.

— Se veio pedir desculpas, poupe o seu tempo. — Ela


grunhiu olhando pela janela.

Só queria que Catherina desaparecesse. Deixasse-a em paz.


— Por favor...

— Mas que inferno, Neville. O que quer de mim? Ora me


trata com gentileza, ora com frieza. Tenha um pingo de noção se
possível. Não sou obrigada a perdoá-la a cada passo errado que
der. — Ela abandonou sua posição, gritando esgotada pelo
sentimento de insuficiência.

Aquilo estava se tornando maçante.

— Eu sei que não sou fácil, mas acredite, você também não
é. — Catherina rebateu aproximando-se mais.

— Como ousa? Acha que está em posição de me acusar? —


Brianna zombou exasperada.

— Ah, a nobre Brianna não pode ser contrariada... Por favor,


não seja tão egocêntrica. — Catherina desdenhou cortando o ar
com um aceno.

— Meu Deus, você é insuportável! Eu não preciso aturar isso!

Brianna dizimou o resto da distância que as separava,


ficando a centímetros do rosto de Catherina.

Os olhos azuis a encaravam com intensidade, fazendo com


que um formigamento estranho percorresse em meios as suas
pernas.

— Eu poderia calar a sua boca agora mesmo, mas felizmente


não sinto a mínima vontade de fazer isso. — Disse Catherina com
um tom de zombaria que deixou Brianna ainda mais irritada.
A jovem não sabia exatamente em qual momento havia
puxado o rosto de Catherina para perto, mas no momento, a
proximidade de suas bocas a deixara muda.

— Então você sabe jogar. — Sussurrou Neville roçando os


lábios tímidos com os seus. — péssima escolha, milady.

Catherina afundou os dedos nos cabelos sedosos, trazendo a


boca de Brianna instintivamente para a sua.

Brianna sentiu-se tonta pela súbita mudança de


acontecimentos, fincando seus dedos nos ombros de Neville
para não cair ali mesmo.

Suas pernas pareciam ter perdido as forças diante das


investidas de Catherina.

A língua de Neville mergulhou em sua boca, roubando o


máximo de si que pôde. Brianna tentou corresponder com a mesma
intensidade, mas o ar lhe faltou.

— Ah meu Deus... — Ela tentou falar, mas a vergonha era


maior do que sua vontade de voltar para o calor dos lábios de
Catherina.

— Me desculpe... Eu...

— Não ouse estragar esse momento, Katherine. — Brianna


avisou pausadamente

Ela não suportaria mais um pedido de desculpas àquela


altura.
— Então eu posso voltar ao que estava fazendo? — Neville
indagou com um fome incontrolável no olhar.

— Eu... Eu nunca beijei ninguém, Catherina. Não sei o que


fazer. — Confessou ela afundando o rosto no pescoço da outra com
vergonha.

Seu coração estava acelerado como jamais estivera em sua


vida.

Seu ventre queimava, e ela não sabia o que fazer para que
aquela inquietação parasse.

— Sinto-me honrada em ser a primeira, Cher. — Catherina


sorriu, mordendo o lóbulo da orelha de Brianna.

— Ah... — Gemeu a jovem inconscientemente.

Catherina voltou a explorar o calor de sua boca, forçando um


contato maior em meio as pernas de Brianna.

A jovem Rodwell sentia-se inebriada. As palavras não lhe


vinham, os pensamentos pareciam enevoados demais.

Ela não possuía controle de si mesma.

— Cher, você pode me beijar. — Catherina sorriu mais uma


vez, empurrando o corpo cheio de curvas para a parede mais
próxima.

— Eu não sei como fazer... — Ela murmurou perdida.

— Beije-me os lábios. — Neville a instruiu, tocando pontos


específicos em seu pescoço.

E Brianna assim o fez.


A vergonha pouco a pouco fora embora, e mesmo que tímida,
Brianna tocou a língua de Neville com a sua.

— Isso, milady. Isso. — Catherina deixou um gemido baixo


sair de seus lábios, invadindo o corpete com um dos dedos.

— Ah, meu Deus!

— Deus não tem nada a ver com isso, Brianna. — Ela


murmurou com a voz abafada, sugando a pele alva com certa
pressão.

Catherina tinha conhecimento de que não poderia estar


fazendo aquilo. Não daquele jeito.

Estava prestes a tirar a roupa de Brianna.

E ela não podia.

— Acho melhor eu ir. Se eu continuar, você não terá um


marido. — Brincou selando os lábios nos de Brianna.

— Eu não me importo. — Ela replicou ainda entorpecida.

— A vejo no café da manhã? — Catherina perguntou


afastando-se a contragosto.

Brianna não parecia nem um pouco feliz.

— Oui. — A jovem zombou ajeitando o corpete de seu


vestido.

— Perdoe-me, mas eu realmente não confio em mim. —


Disse ela beijando-a novamente.
— Então nos vemos pela manhã. — Concordou Brianna
levando-a até a porta.

— Até amanhã, milady.

Com isso, Neville se foi, deixando-a com uma inquietação


estranha no corpo.

— Ah me Deus...
Capítulo 14

Todo o seu esforço em manter-se a uma distância segura de


Brianna fora de fato inútil. Era questão de tempo até ceder as suas
próprias vontades, e Catherina fora contra as vozes sensatas em
sua cabeça, fazendo o que jurou não fazer.

Ela a beijou.

Beijou!

E apaixonadamente.

O gosto de Brianna era doce como ela imaginava. A


inocência e os suspiros involuntários que saíram de sua boca,
deixaram Neville extasiada de uma forma que nem ela sabia ser
mais possível depois de Valentinne.

Sentia-se quente. E era insuportável saber que o quarto de


Brianna encontrava-se no mesmo andar que o seu.

— O que eu fiz? — Murmurou aturdida com a sua atitude.

Colidir com algo tão inesperado a apavorava


verdadeiramente.

Muito.

Brianna estava se instalando em seu sistema feito um


parasita. Seu corpo reagia a inexperiência dela. Saber que o
primeiro beijo fora seu, deixou-a de forma bem egoísta, aliviada.
Alívio correu por suas veias ao descobrir que Brianna jamais
beijara um outro alguém.

Ninguém além dela.

A noite seria longa. Neville não fechou os olhos aquela noite


sequer por um segundo, e amaldiçoou Brianna Rodwell
incansavelmente por fazê-la passar por tamanha provação.

O marquês de Crawford já estava à sua espera debaixo de


uma grande árvore, com dois cavalos de raça ao seu lado. O céu
azul era atraente naquela manhã de abril, assim como o calor que
irradiava por todo o Hyde park.

Catherina sentia-se nervosa para o que viria, mas curiosa o


suficiente para ouvir cada bendita palavra que fosse sair da boca do
lorde.

Os trajes de montaria dele deixavam claro a sua posição.

Exagerado, pensou.

— Bonjour, milady. — Ele saudou num francês arranhado.

Os olhos escuros lhes sorriram com felicidade. As madeixas


também escuras dançavam com a brisa suave da manhã.

— Bonjour, monsieur. — Ela devolveu o cumprimento,


sorrindo.

London era lindo.

Ainda mais lindo a luz do dia, ela acrescentou em


pensamento. Catherina não tinha dúvidas quanto à isso. Porém, ela
era imune ao seu charme, para o seu próprio bem.
— Pensei que não viria. — Ele comentou como se estivesse
a falar sobre o clima, entregando-lhe um dos cavalos.

— Não perderia isso por nada, London. — A réplica pareceu


deixá-lo momentaneamente sem palavras.

— Só me surpreende, senhorita. — O sorriso de London era


um daqueles de tirar o fôlego, e Catherina reconhecia bem aquele
tipo de sorriso.

— Vá direito ao ponto, milorde. Sei que propôs esse encontro


no intuito de me descascar. — Ela disse deixando um outro sorriso
tomar os seus lábios involuntariamente.

— Devo preocupar-me com a sua perspicácia? — O marquês


brincou forçando um pouco as rédeas.

— Estaria mentindo se dissesse que não.

Catherina possuía o dom de ler as pessoas. E por mais que


London tivesse uma aura diferente, fora fácil ler sua intenção desde
do princípio. Muito antes dele cogitar convidá-la para o passeio.

— Então você já sabia de todos os meus passos? —


Questionou ele com as sobrancelhas grossas levemente arqueadas.

Neville apenas confirmou com a cabeça.

— Pois bem. Lembre-me de nunca mais passar por uma


situação tão constrangedora outra vez, senhorita.

— Como queira.

— Você realmente sente algo por Brianna, ou está apenas


brincando com ela? — London fez a pergunta seriamente. Todo ar
de brincadeira havia desaparecido.

Catherina não sabia como responder a sua pergunta, mas


não poderia permanecer calada diante de seu questionamento sério.
Por isso, optou por ser franca quando disse:

— Posso lhe assegurar que jamais brincaria com qualquer


pessoa, milorde. E não seria diferente com ela, acredite. Mas eu
estaria mentindo se dissesse que sei o que estou fazendo. — Ela
confessou olhando-o no fundo dos olhos.

Era inegável tudo o que Brianna a fazia sentir. A irritava como


se fosse de sua natureza, mas também a cativava. A sua maneira,
claro. Ela era uma mulher difícil.

Mas era igualmente intensa. Sua entrega a havia instigado.

— Eu sei de tudo sobre o seu passado, Neville.

Todo o corpo de Catherina enrijeceu.

— Então suponho que agora saiba que jamais a machucaria.


— Redarguiu, mantendo o tom firme.

Parecia que não importava quanto tempo passasse, todos se


lembrariam de como ela havia chegado em Londres. E ela jamais se
deixaria esquecer. Aquilo serviria de lição.

— Sim, eu sei. Mas, diga-me, o que pretende fazer? — A


desconfiança continuava presente na voz dele.

O que ela pretendia fazer?

— Foi o que pensei. Acho prudente que descubra antes de


continuar com o que seja lá que esteja fazendo. Precisa merecê-la,
Neville. — O tom dele continuava sério.

— Com toda certeza.

O dia transcorreu de forma tediosa. A conversa com o


marquês deixou-a bastante pensativa. Era óbvio que não merecia
Brianna, principalmente por não querer se relacionar
romanticamente com ninguém. Nem mesmo com ela.

Mas a tinha beijado.

Aquele simples beijo mudara o rumo das coisas.

Não podia jurar que jamais voltaria a acontecer, porque


inferno, estava com muita vontade de beijá-la de novo.

E outras coisas mais...

Não!

Não podia.

— Está muito ocupada?

Aquele não era o melhor momento para que o motivo de suas


divagações entrasse em seu quarto apenas de camisola.

Catherina engoliu em seco a medida que Brianna se


aproximava.

Os fios alaranjados estavam soltos e emolduravam seu belo


rosto.

As pernas torneadas apareciam devido a fenda lateral do


traje de dormir.

— Que Deus me ajude. — Murmurou sentindo-se perdida.


— O que disse? — Brianna parou a centímetros da poltrona
que Catherina permanecia sentada.

O cheiro de amêndoas invadiu seu nariz fazendo-a praguejar.

— Isso é algum tipo de teste? Eu não irei passar. Por isso,


por favor, se cubra. — Ela suplicou tampando os olhos.

— Eu... Eu... — Brianna parecia relutante.

E ela nunca relutava em dizer nada.

— O que foi? — Neville sondou pegando em suas mãos.

— Seja lá o que London lhe disse, não o ouça. Eu sei que


você não deseja ultrapassar nada agora, e está tudo bem.

Catherina enfim deixou a poltrona acolchoada para colocar a


mecha que teimava em cair pelas têmporas de Brianna, em seu
devido lugar.

— Escute-me, eu não a mereço.

— Mas...

— Shh... — Ela soou pondo o seu dedo indicador sobre os


lábios carnudos da jovem. — Escute-me, tudo bem?

Brianna assentiu revirando os olhos.

— Há muitas razões para que eu fique longe de você. Mas eu


não quero. Por isso, preciso saber: Está mesmo apta a tentar me
conhecer? — Interpelou olhando bem no fundo dos olhos verdes.

— Oui, cher. Confie em mim. — Brianna sussurrou


aproximando-se do rosto dela.
Catherina abandonou as reservas e a beijou com paixão.

O gosto doce continuava ali, a inocência e timidez também.


Era muito para Catherina aguentar.

E já era tempo de reagir.


Capítulo 15

Os olhos verdes preguiçosos descansavam no azul


misterioso sem forças para mirar em algo além deles. Um simples
olhar de Catherina, fazia com que tudo dentro de Brianna entrasse
em combustão, parecia natural sua falta de atenção nos últimos
dias.

London era o único a notar a tensão no salão principal.

Não possuía a incrível percepção de Catherina, mas não era


um tolo.

Ele sabia.

Algo havia mudado.

— O que estava dizendo, Brí? — Catherina indagou


forçando-a a sair de seu transe por pura diversão.

A moça aturdida tentou com muita dificuldade lembrar-se do


que falava antes de Catherina olhá-la daquela forma intensa que só
ela era capaz.

— Ah... Bem...— começou de um jeito nervoso.

— Falava sobre Felicity Green, milady. — Catherina ajudou-a


solenemente.

Seu autocontrole era louvável.

Neville estava sempre calma como se nada, nem ninguém,


pudesse tirar o seu sono. No entanto, ela era a responsável por
fazer Brianna agir feito uma boba apaixonada na frente de todos.

A Rodwell mais jovem odiava estar tão dependente dela, mas


não era como se isso fosse algo ruim de fato. Seus beijos e carícias
recompensavam-na. Mas quando a queimação em seu ventre
tornava-se mais precisa, Catherina a deixava. Sem mais, nem
menos.

Dizia apenas:

"Párdon, não posso"

E essa atitude estava começando a frustrá-la.

Não entendia o porquê de tamanha relutância.

— Felicity sempre será uma de minhas pintoras favoritas,


desejo conhecê-la em breve. — Ela concluiu enfim com delicadeza.

Green tinha descendência asiática, mas seu pai era um


filósofo inglês, Killian Green. Suas técnicas possuíam algo de
diferente, algo único. Brianna era uma grande admiradora de seu
ilustre trabalho.

— Sempre encantadora, irmã. — August decidiu abrir a boca


pela primeira vez na noite.

Seu irmão era o ser mais insuportável do mundo.

Ela não se sentia nem um pouco feliz com a sua volta.


August em nada somava, apenas existia. Era pouco provável que
permanecesse em Londres até a primavera, com toda certeza, já
tinha em mente um outro continente para visitar. Gastar a sua
herança estava entre seus hobbys favoritos.
No entanto, ele estava diferente.

Seus olhos pareciam em alerta a todo momento. Parecia


desconfortável.

— Pensei que já tinha nos deixado, irmão. — Replicou


Brianna voltando-se para o irmão.

— Pretendo continuar em Londres. Não quero mais ficar


longe da família, Brí. — Ele explicou deixando a todos perplexos.

August nunca fora do tipo "família", sempre viajara, sempre


fora ausente.

— Isso é ótimo. — Disse ela recobrando a postura.

Deveria se sentir feliz, mas não conseguia. Era como se


August estivesse mentindo de alguma forma.

A biblioteca continuava vazia.

Nem ao menos um único sinal de Catherina dentro do


cômodo cheio de exemplares empoeirados.

Brianna começava a se aborrecer devido a seu atraso. A


biblioteca dos Rodwells havia se tornado seu ponto de encontro há
algumas noites, Neville disse que daquela forma seria mais segura
para Brianna, ela não confiava em si mesma para ficar a sós com
ela num quarto.

—Está aí? — Um sussurro arrastado fez Brianna se virar na


mesma hora.

Catherina adentrou o espaço com um robe negro longo. Sua


cabeleira loira descia por seus ombros cobertos pelo tecido de seda.
— Por que demorou tanto? — Brianna falou baixo,
contrariada.

Neville se aproximou de seu corpo, beijando-a no pescoço.

Todo o corpo de Brianna se arrepiou com a carícia.

— Eu estive um pouco ocupada. — Ela informou rente a


orelha sensível de Brianna como se aquilo explicasse tudo.

Brianna sentiu em seu hálito quente um cheiro insuportável


de burbon.

— Você bebeu? — Ela perguntou afastando-se.

Tons de rosa tomavam as bochechas claras de Catherina, e


em seus olhos era possível notar um inchaço incomum. Brianna
tentou não se sentir péssima, mas fora impossível.

Valentinne.

Ela ainda a assombrava em sonho, e competir com um


fantasma não estava em seus planos.

— Pensei que estivesse tentando, Katherine. — Brianna


acusou virando-se irritada com a situação.

Um silêncio perturbador as rodeou.

— E eu estou, Brí. É só que... — Neville tentou dizer mas foi


cortada na mesma hora.

— Sabe, quando me chama de "Brí" sinto o peito aquecer,


mas agora ele dói. Achei que podia ganhar o seu coração, mas ao
que parece você prefere viver presa no passado. — Sua voz era
cansada.
Brianna continuava a tentar entender o porquê de ter se
interessado por uma mulher tão complicada. De fato, adorava
desafios, mas esse estava se saindo o mais difícil de todos.

— Brianna, perdoe-me. Prometo, não voltará a acontecer


novamente.

A jovem queria acreditar em suas palavras, mas não sentia a


firmeza necessária para agarrar-se à elas.

— Isso voltará a acontecer. Eu sei que sim.

Catherina a tomou em seus braços, sentindo-a desmanchar


com o seu toque.

— Você é a melhor coisa que me aconteceu nos últimos


tempos, cher. Deixe-me prová-la de que falo sério. — Catherina
murmurou descendo as alças da camisola dela.

— Faça-me sua. Agora.

Brianna sentiu todo o corpo de Catherina tencionar. Sua


respiração tornou-se entrecortada e as batidas de seu coração
aceleradas.

— Não posso, cher. Você sabe. Não posso.

Catherina continuava a negá-la como das outras vezes.

— Não me deseja o suficiente para isso? — Ela indagou com


a voz cheia de decepção.

— Você sabe que a desejo, mas...

— Acha que a obrigaria a casar-se comigo? — Brianna chiou


dotada de uma incredulidade jamais vista por Catherina.
Ela sentia em seu íntimo que pertencia a Neville. Soava
estranho aos seus próprios ouvidos, mas de uma forma inquietante
era assim que se sentia. Seu corpo reagia à ela, seus pensamentos
eram dela. Mas jamais a obrigaria ao matrimônio.

Brianna não o desejava.

Nem mesmo se Catherina fosse a pessoa em questão.

Não acreditava que o matrimônio fosse para si. Não desejava


acorrentar-se a ninguém.

— Há muito em jogo, Brianna. Entenda...

Catherina parecia lutar contra todas as vozes que diziam para


fazê-la sua ali mesmo. Seus dedos comichavam para tocar a pele
alva, e sua língua implorava para senti-la em todos os lugares
inimagináveis.

Mas Brianna merecia mais.

— Preciso ficar só. Por favor, vá. — Ela pediu ainda de


costas.

— Não me peça isso, Brí. — Catherina suplicou tentando


concertar o estrago que tinha causado.

Havia ferido o orgulho de Brianna quando não atendeu o seu


pedido.

Sabia disso.

Mas Brianna não estava disposta a ouvir suas razões.

Catherina não queria usá-la.


Desejava que fosse especial para ela.

— Só vá de uma vez.

— Não irei. — Disse pausadamente com muita convicção.

— Sim, você irá. Ao menos uma vez, faça o que estou


pedindo, Katherine. Uma única vez. — Ela insistiu num fio de voz.

Brianna não desejava a pena de Catherina.

— Eu... Eu...

Neville lhe deu às costas atendendo ao seu pedido.

A jovem Rodwell não conseguia entender o porquê de se


sentir daquela maneira. De se sentir tão vazia.

Catherina continuava a pensar em outra e não lhe dava a


chance de conhecê-la de verdade. Por inteiro. Sem reservas.

Seus muros continuavam erguidos. Duros e impenetráveis.

Não era como se Brianna a amasse, não conhecia o amor. E


talvez, jamais o conhecesse. Mas, era um sentimento que a enchia
e a destroçava ao mesmo tempo. Que a fazia feliz e infeliz na
mesma proporção.

Era insuportável mas não conseguia abandonar.

— Estou arruinada.

E de fato, estava.
Capítulo 16

O pedaço de frango continuava inteiro no prato de porcelana


cara. A vontade de comer pareceu desaparecer ao passo que
Neville percebeu que o descaso mal disfarçado de Brianna, se
seguiria até que ela tomasse uma atitude perante sua falta coragem.

Decerto merecia sua negligência, era uma fraca.

A filha mais jovem dos duques continuava a tratá-la com


frieza, mesmo com todos os pedidos de desculpas que deixaram
sua boca.

— Ouvi por alto que a Srta. Wannell está de volta da Escócia.


— Comentou London atraindo a atenção de Brianna.

— Não acredito que ela enfim regressou! — Brianna pareceu


estranhamente animada com o retorno da tal moça.

Catherina sentiu um certo desconforto no peito ao ver um


brilho intenso surgir em seus olhos verdes.

— Ela lhe mandou um convite para o chá da tarde na


residência dos Wannells, Brí. Sei o quanto a adora. — Amirah disse
abrindo um sorriso ofuscante.

Neville não entendia o porquê de tanto alvoroço à menção da


volta da moça. Fora impossível não se sentir curiosa diante de tanta
euforia por parte de Brianna em rever a tal Srta. Wannell.

— Seria muita indiscrição de minha parte acompanhá-la,


milady? Fiquei tentada a conhecer a moça.
Ninguém resistia ao sotaque melodioso e ao sorriso de
Catherina, e tendo conhecimento disso, ela usou de suas façanhas
para conseguir a aprovação dos duques.

— Mas é claro que não, mon cher! Kimberly a adorará! —


Amirah bateu palminhas animada com a ideia.

No entanto, Brianna não pareceu nem um pouco feliz.

— Creio que isso não é discutível, mamãe. Seria uma


tremenda falta de noção de minha parte levar uma estranha para a
casa dos Wannells. — Interveio Brianna levemente incomodada.

Isso só fez com que Catherina sentisse ainda mais vontade


de ir.

— Ela é da família, Brianna. Os Wannells irão adorá-la assim


como nós. — Contrapôs o duque dando a sua opinião.

— Maravilha. — Resmungou a jovem saindo da sala de


jantar.

O impulso em segui-la fora inevitável. Neville deixou o seu


assento na mesa dotada de frango e vinho para ir atrás da jovem.

Descrição não era o seu forte.

Tal comportamento era inapropriado demais até mesmo para


Brianna.

Justo, Catherina não estava agindo da forma que deveria.


Ainda de qualquer modo, aquilo não era o jeito certo de resolver as
pendências entre as duas.
Ela pensava que uma cama confortável, lençóis de seda e
gemidos fossem mais apropriados.

Maldição!

— Dá para você me esperar? — Guinchou quase sem fôlego.

Brianna a tinha feito correr até o seu quarto no andar


superior.

— Não pedi para me seguir. — Ela rebateu sórdida.

Ótimo.

Tamanho era o seu mau humor.

— Brí, fale comigo. Não adianta me tratar assim. Isso não


resolve o problema. — Catherina sussurrou do jeito que a fazia
ceder.

Neville estava se tornando muito boa em fazê-la ceder.

— Isso não irá funcionar. Então pare de envergonhar a si


mesma. — Brianna sorriu cinicamente, pondo uma das mãos no
queixo.

— Tem certeza? — Ela inquiriu chegando mais perto,


fazendo-a vacilar.

Mesmo que tentasse, Brianna não conseguia ser imune ao


seu poder de persuasão.

As mãos de Catherina já apertavam cada parte de seu corpo,


deixando um rastro quente por todos os lugares que passeavam. A
respiração de Brianna tornou-se irregular a medida que os dedos
finos de Neville invadiram o corpete apertado de seu vestido.
Catherina sabia que daquela forma tudo poderia voltar ao
normal, mas estava a tocando porque não suportava mais se manter
longe.

Ela a desejava.

A queria com todo o seu ser.

— Esse é o momento que você me deixa e vai embora? —


Zombou Brianna lutando para se libertar da boca faminta que a
devorava.

— Não. Essa é o momento que enfim deixo-a nua e a faço


minha para todos os efeitos. — Seu tom era dotado de pretensão.

Brianna desejou estrangulá-la por brincar de forma tão


atrevida com ela, mas a verdade é que não iria sujeitar-se a esperar
nem um segundo a mais.

A escassa luz das vê-las deixava os sentidos de Neville mais


apurados. Seus dedos tornaram-se experientes, sabia bem onde
tocar, onde beijar.

Era um curso natural.

As madeixas alaranjadas perdiam-se por entre suas mãos


hábeis.

Faria com que Brianna jamais a esquecesse.

— Prometo que essa será a melhor noite de sua vida, cher.


— Ela murmurou excitada enquanto abaixava o corpete verde de
uma vez.
Catherina temia que Brianna ouvisse o seu coração bater que
nem louco em seu peito.

Mas e daí?

Ela já não se importava.

Seu único objetivo era conhecer todas as curvas e nervos do


corpo esguio que a esperava.

Brianna a puxava de encontro a si como que para sustentar-


se. De fato, ela parecia prestes a desmanchar em seu abraço.
Catherina não a culpava pois sentia o mesmo. Só desejava degustar
dela antes do inevitável acontecer.

Sua boca exigente continuava a explorar o calor da de


Brianna. Ela tinha gosto de vinho.

Seus dedos roçaram na pele desnuda de seu seio, gemendo


ao tê-lo por completo em sua palma. Catherina desceu os beijos
para os mamilos descobertos, chupando-os avidamente como se
sua vida dependesse daquilo.

— Meu Deus! — Brianna gritou atordoada fincando os dedos


nas madeixas loiras de Catherina.

Ela se sentia prestes a explodir de algo que não reconhecia.

Todo o seu corpo gritava.

Brianna sabia que a pertencia.

— Lhes digo novamente, milady. Deus não tem nada com


isso. — Catherina sorriu voltando-se para o outro mamilo rosado.
O vestido verde pendia na cintura fina e o único desejo de
Catherina era rasgá-lo.

— Katherine... Por favor... — Gemeu a jovem com os


sentidos enevoados.

— A comida esfriou, miladies!

Catherina caiu para trás com o susto.

Miserável.

London com toda certeza pagaria por sua inconveniência.

— Mas que diabos! — Brianna praguejou levantando o


corpete rapidamente.

Catherina bufava colérica.

Ela estava tão perto...

— Não podemos voltar ao que estávamos fazendo? —


Perguntou esperançosa.

— Não. E você merece. — Brianna respondeu desdenhosa.


— Sua boca se mostra incrível a cada dia.

Neville aproximou-se de sua orelha antes de morder o lóbulo


sensível.

— Acredite, só melhora. Esteja sempre sem as roupas de


baixo, milady. Prometo fazê-la gozar em cada maldito cômodo
dessa mansão. — Ela prometeu provocativa, enfiando as mãos nas
anáguas de Brianna.
Seu dedo a tocou delicadamente pelo tecido, fazendo-a
arquear.

— Eu preciso... — A jovem murmurou presa nas teias


invisíveis novamente.

— Eu sei. — Catherina sussurrou condescendente,


acelerando um pouco seus movimentos.

Brianna segurou-se em seus ombros para não cair.

— Vamos, desejo terminar o jantar.

Com toda certeza, ela mataria o marquês sem dó nem


piedade.
Capítulo 17

Era impossível manter-se alheia a impaciência de Catherina.


Mesmo que os olhos de Brianna estivessem grudados nas paredes
ornadas de quadros belíssimos da sala de espera dos Wannells,
podia sentir o desconforto de Neville pairar pelo espaço pequeno.

— O que há com você? — Indagou não suportando mais o


incômodo silêncio entre elas.

Kimberly havia saído há poucos minutos à procura de Leisse


para lhe auxiliar com os presentes que trouxera da Escócia.

— Deveria ter me preparado para a inteligência e recato


dessa mulher. Estou me sentindo uma tonta. — Ela resmungou
massageando as têmporas como se para se livrar da tensão.

Brianna respirou fundo, tentando absorver o absurdo que


escutara.

Não discordava de suas palavras, mas também não as


aceitava veementemente como argumento.

Para ela, as palavras de Catherina não eram válidas. Ela não


era nem de longe tonta. Pelo contrário, se mostrava excepcional,
tanto quanto.

E era por ela que Brianna estava apaixonada.

Não por Kimberly.

O que jamais mudaria seu julgamento.


— Não compreendo, Catherina. — Disse com um pouco de
dificuldade para pronunciar o nome da maneira correta.

Catherina ainda parecia difícil para os seus lábios.

— Claro que compreende! Estou tentando impressioná-la


mas não há como competir com ela! — Ela guinchou levantando-se
da cadeira.

O queixo da jovem caiu.

Catherina estava tentando impressioná-la?

E para quê?

Ela não precisava fazer absolutamente nada.

Brianna já estava arruinada mesmo sem ela ter feito um


quarto de esforço.

Por isso, temia vê-la tentar.

— De onde tirou tudo isto? Céus, Katherine! Ela me conhece


desde... desde criança, é uma visita como outra qualquer.

E ela não estava mentindo.

Kirmbely era sua amiga de infância mais próxima. A que


sabia sobre todos os seus defeitos e particularidades.

Era absurdo demais ouvir tanta bobagem de uma única boca.

— Você não notou como ela a olha? Parece prestes a


devorá-la! — Catherina replicou gesticulando apressadamente.
Arrependia-se amargamente por ter insistido em conhecer
Kimberly. A mulher possuía olhos tão escuros que ela sentiu como
se sua alma tivesse sido despida descaradamente. Tirando a parte
de ter uma beleza extremamente além da média.

E Santo Deus, ela era muito inteligente.

O próprio Einstein.

Viajara todo o mundo, e era dona de um senso de humor que


chegava a ser nauseante para ela.

Kimberly era tudo o que Catherina jamais seria. E ela sentiu-


se ameaçada no momento exato em que pisou os pés no hall da
mansão dos Wannells.

— Só um minuto. Você está com ciúmes? — Brianna


questionou rindo internamente de sua tolice.

Catherina era controlada demais para sentir algo do gênero.


Fora uma pergunta sem muito nexo, e Brianna desejou fundir-se ao
piso xadrez.

No entanto, o silêncio que se sucedeu fora estranho.

Neville sempre tinha algo a acrescentar, ou na maioria das


vezes, um sorriso carregado de zombaria bastava. O que a poupava
de se prestar a responder qualquer pergunta séria que fosse.

— Eu... Eu...

Gagueira?

Suas bochechas atingiram um tom de vermelho escarlate


diante do questionamento de Brianna. Os olhos azuis não a
encaravam, confirmando assim sua suspeita.

Não podia ser.

— Sim. Eu estou sentindo essa porcaria, e eu havia me


esquecido completamente de que isso é uma droga. — Ela
murmurou andando pelo cômodo de um lado para o outro.

Brianna continuou estática no mesmo lugar sem reação.

— Diga alguma coisa! — Exigiu parecendo atormentada.

Fora a vez de Brianna apenas lançar lhe um sorriso


pretensioso.

— Então agora você sente ciúmes de uma pirralha


impertinente? — Provocou adorando sentir o gostinho da vitória.

Ela não deixaria passar a oportunidade de caçoar Neville.


Talvez não tivesse outra chance.

Catherina encarou-a com incredulidade nos olhos. Mas


então, um de seus famosos sorrisos surgiu, deixando-a
perigosamente mais atraente.

Como se fosse possível.

— Você acha mesmo seguro provocar-me num lugar como


este? — Sussurrou escorando-se na mesa de madeira da sala de
estar.

Catherina acenou com a mão para que Brianna se


aproximasse dela, e não encontrou nenhum sinal de relutância no
rosto da lady.
Brianna caminhou em sua direção, apoiando as mãos em seu
rosto antes de puxá-la para um beijo.

Tamanha fora a surpresa de Neville.

Ela não esperava que a jovem fosse de fato atender ao seu


pedido. Não parecia algo com o que Brianna estivesse acostumada
a lidar.

Ainda assim, sua boca continuou exigente e suas mãos


descontroladas.

Catherina poderia a fazer sua ali mesmo, mas não seria o


correto.

— Você quer mesmo ser pega com uma plebeia bem debaixo
do nariz de sua amiga de infância? — Ela perguntou com as
pálpebras cerradas pelo desejo.

— Eu não me importo. E você não é uma plebeia, e mesmo


que fosse, eu não me importaria da mesma forma. — Brianna
gemeu perdendo a consciência.

Sempre as coisas fugiam do controle quando o assunto era


ela.

Catherina não conseguia se conter, só desejava satisfazer


qualquer desejo seu.

— Não podemos, Brí. Não assim. Prometo que assim que


chegarmos em casa eu farei o que você me pedir. — Prometeu
Neville, puxando-a para a cadeira de volta.
Se continuasse da forma que ia, não sobraria nada para
Adriel fazer picadinho dela.

— Espero que tenha causado uma boa impressão, Srta.


Neville. — Kimberly disse com um sorriso amistoso no rosto.

O sol já se punha quando enfim Brianna e Catherina


deixaram a mansão dos Wannells.

Tudo que a jovem queria era regressar para casa.

Faria Catherina cumprir sua promessa.

Ah se faria.

Não era justo que Neville tivesse todo o controle para si. Por
mais que Brianna não se importasse em tê-la tão dedicada à ela,
sentia a necessidade de fazê-la sentir nem que fosse um pequeno
fragmento do que ela a causava.

Seu corpo parecia flutuar e seus pensamentos sempre tão


centrados, se portavam desgovernados.

Faria Catherina implorar por ela. Implorar pelo seu toque, por
seus beijos.

— Só desejo que cheguemos logo. — Sussurrou a francesa


ao seu ouvido.

Brianna sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo.

Droga.

Era sempre o mesmo.

— Trate de cumprir dessa vez.


— Tenha certeza que cumprirei, cher. — Disse beijando o
dorso da mão enluvada.
Capítulo 18

A agonia da francesa destoava pelo aposento em ouro. Sua


respiração estava comprometida, assim como seus pensamentos e
valores. Mesmo que pudesse voltar atrás em sua palavra, não era
isso que desejava.

Seus pés continuavam presos ao piso em mármore,


cobiçando avançarem em direção a Brianna.

Neville estava perdida.

Brianna se portava ao extremo do quarto, olhando-a com


uma intensidade entorpecente. As íris verdes eram dotadas de
inocência com um toque de malícia ao fundo, deixando-a perfeita
demais para o seu próprio bem.

Todos os músculos do corpo de Catherina encontravam-se


rígidos feito aço.

A jovem lady tornava-a uma narcótica dependente.

— Você tem certeza de que quer mesmo fazer isso? Não


poderá voltar atrás depois, milady. —— Ela tocou na mesma tecla
pela milésima vez aquela noite.

Catherina tentou trazê-la de volta a razão inutilmente. Brianna


parecia irrefreável, estava muito segura do que queria. E ela queria
Neville por completo com todos os erros e acertos, mágoas e dores.

Brianna a queria para ela.


Não se importava que ainda amasse um outro alguém. Não
ali, não quando a tinha tão perto.

— Eu juro que tentei... — Catherina corrigiu-se rapidamente.


— Não, não tentei o suficiente.

Sorriu andando em direção a sua ruína com passadas


apressadas.

Em seu íntimo, ao longe do que lhes era compreensível, algo


gritava para que tomasse Brianna para si de uma vez por todas. Era
ilógico importar-se com o amanhã, com o que viria depois do ato. Do
que adiantaria pensar tanto?

Ela a queria. Céus, como a queria!

E não desejava mais tantas limitações entre as duas.

— Você disse que seria a melhor noite de minha vida. —


Brianna lembrou-a, deitando a cabeça no ombro dela.

Neville inspirou o cheiro suave de seu corpo, afagando seus


cabelos com tamanho cuidado. As madeixas alaranjadas eram
sedosas, assim como o tom nevado de sua pele coberta por pintas
quase imperceptíveis.

Mas Catherina sempre fora de observar os mínimos detalhes,


e nada passava despercebido por seus olhos, principalmente
tratando-se de Brianna e suas particularidades.

O dourado nas bordas de suas íris fora a primeira coisa que


chamou sua atenção quando a viu pela primeira vez. Desde do
princípio, seus olhos a prenderam. Catherina só não sabia.
Ainda.

Brianna a tinha nas mãos desde do primeiro momento.

— E será, amour. — Prometeu mais uma vez, não


percebendo o peso de suas palavras.

O tecido de cor Malva escondia o delineamento do corpo de


Brianna, Catherina teve de resistir ao impulso primitivo de rasgá-lo.
As batidas irregulares de seu coração assustavam-na
consideravelmente. Neville temia não conseguir manter-se de pé por
muito mais tempo.

Devagar, beijou serenamente os lábios trêmulos e doces da


jovem. Amava a lentidão tanto quanto amava a intensidade, mas ali,
o equilíbrio teria de reinar. Era a primeira vez amando uma outra
pessoa, conhecendo um outro gemido, outro sabor.

Catherina prezava o recíproco.

Queria que Brianna a sentisse em todos os lugares.

Queria o seu coração.

Invadiu a boca que beijava todas as noites antes de dormir, e


sentiu-se queimar. Sua pele ardia com o toque ainda tímido de
Brianna e um sorriso fácil escapou de seus lábios.

— O que foi? — Perguntou a lady levantando os olhos


rapidamente. — Está zombando de mim?

— Não, meu bem. Só não consigo controlar a felicidade que


me toma por inteira. — Ela suspirou abraçando-a para não deixar
que dúvidas viessem a permear o ar.
Suas mãos desceram para as costas de Brianna, desfazendo
o laço firme do vestido que guardava o corpo que jamais fora tocado
antes.

— Estou completamente apaixonada por você, Katherine.


Isso me assusta. — Brianna confessou num murmúrio.

Neville beijou delicadamente o pescoço esguio, tentando


fazê-la esquecer os temores que ameaçavam quebrar o momento.

— Se serve de consolo, também não sei como amenizar esse


sentimento louco que continua a crescer aqui dentro. — Neville
disse pondo uma das mãos de Brianna em cima de seu coração.

Dessa vez, Brianna tomou os seus lábios em desespero.

Seu maior medo era não ser retribuída, e os deuses haviam


atendido o pedido.

— Você será o meu fim, Katherine.

Neville a beijou com ainda mais intensidade perante suas


palavras sem filtro.

— Venha. — Chamou-a apontando para a cama de lençóis


brancos.

Brianna apenas a seguiu.

Neville deslizou o vestido Malva, junto com a chemise de


seda até a cintura pequena, libertando os seios de Brianna do tecido
caro, fazendo-a em contrapartida os cobrir envergonhada.

— Não sinta vergonha do que é lindo, Brí. Por favor. —


Suplicou brincando com um dos mamilos rosados entre seus dedos.
A jovem ofegou e Catherina engoliu o seu arquejo com
devoção.

Era possível sentir a timidez irradiar pelo aposento, mas não


era nada que o tempo não pudesse se encarregar. Brianna mais
cedo ou mais tarde entenderia.

O calor da boca de Neville encontrou os seus mamilos,


chupando-os e os apertando com maestria.

Decerto, Catherina possuía experiência com a boca. Seu


noivado fora antecipado justamente devido a sua falta de paciência
para esperar.

Ela não havia aguentado até o casamento.

— Ah, cher...

Catherina empurrou-a delicadamente para o colchão fofo,


subindo em cima de seu corpo no mesmo instante. Suas mãos
buscaram retirar o restante de tecido inútil, deixando a chemise
pender na cintura da jovem.

— Eu fiz o que você me pediu. — Os olhos verdes encararam


Catherina com desejo.

Procurando veracidade nas palavras dela, Neville invadiu o


meio de suas pernas com urgência.

Nua. Crua. Molhada.

— Je pourrais mourir maintenant. — Rosnou perdendo o


último resquício de consciência que ainda lhe restava.
Catherina a tocou dolorosa e lentamente. Seu ponto de
prazer pulsava, ela a sentia tremer sob o seu toque suave. O calor
de seu íntimo aqueceu-a por dentro.

Era como se nada houvesse feito sentido até aquele


momento. Até ela sentir o martelar do coração de Brianna, até ouvir
os seus gemidos roucos e súplicas atordoadas.

Catherina sentia como se sua vida enfim tivesse retornado ao


seu curso.

Seus dedos invadiram a pele aveludada nunca tocada antes,


forçando de leve a barreira que se mostrava presente e resistente
as suas investidas.

— Infelizmente não posso dizer que não será desconfortável.


Mas farei o máximo possível para que cada segundo valha a pena.
— Catherina tranquilizou-a, beijando o rosto corado.

Os movimentos delicados, mas firmes ao mesmo tempo,


continuavam a tentá-la. A cabeça de Brianna pendia para trás, ao
passo que seu corpo clamava por mais das carícias de Catherina.

— Mais, Katherine. Por favor... — Suplicou a jovem


respirando com dificuldade.

Catherina deixou um rastro de beijos molhados no ventre


reto, descendo em direção ao que realmente importava. Seu âmago
queimava descontroladamente, e respirar tornava-se difícil a cada
minuto.

A língua experiente penetrou o núcleo encharcado, ouvindo


palavras desconexas perfurar as paredes de todo o quarto.
Neville chupou e lambeu toda a extensão de Brianna,
venerando-a.

— Katherine! — Gritou atordoada.

— Shh...

Catherina continuou a penetrá-la devagar, adicionando um


dedo à mais dentro dela. A excitação de Brianna deixava Neville à
beira de um colapso.

— Você é linda, amour. — Ela murmurou voltando a chupá-la

Neville sentiu o hímen se romper, e a intimidade de Brianna


delatar-se, contraindo seus dedos.

— Só mais um pouco, cher. — Ela disse colocando um dos


seios na boca novamente.

Todo o corpo de Brianna ficou rijo.

— Eu... — Gemeu agarrando os cabelos de Catherina em


suas mãos.

O gozo quente escorreu por entre os dedos de Neville,


fazendo-a sorrir em satisfação.

Não havia perdido o jeito no fim das contas.

Fazer uma mulher gozar era uma de suas coisas favoritas.

Catherina puxou o corpo nu da jovem para perto, afagando


os cabelos úmidos pelo suor.

— E então? Melhor noite da sua vida? — Inquiriu de modo


vanglorioso.
As faces de Brianna ainda estavam rosadas.

— Cumpriu sua promessa, Katherine. — Ela disse baixo


levantando os olhos.

Queria perder-se nas íris azuis tempestuosas.

— Os Nevilles sempre cumprem com as suas promessas,


amour. — Ela sorriu. — Mas precisamos conversar.

O divertimento sumiu por completo de seus olhos


convidativos.

— Há algo errado? — Brianna perguntou aflita não


entendendo o receio em sua voz.

Seu corpo de repente ficou rígido novamente. De fato, não


podia mais voltar atrás, mas estava feliz com o rumo de sua relação
com Catherina.

Estava nas nuvens.

— Quando sairmos deste quarto, pedirei sua mão aos


Duques.

Os olhos de Brianna encheram-se de lágrimas, mas pelos


motivos errados. Não sentia nada, muito menos felicidade pelo
pedido tosco e indireto de casamento feito por Neville.

Ela não queria que Catherina se visse na obrigação de casar-


se à força.

Lágrimas deixaram seus olhos, e a fúria permeou seu


coração.
— Não dirá uma única palavra aos meus pais. Não me
casarei com você.

Catherina pensou não ter ouvido direito, pois pediu para que
Brianna repetisse as palavras novamente.

— Como? — Questionou sentando-se no colchão.

— Você ouviu perfeitamente bem. Não iremos nos casar.


Nem agora, nem depois. — Brianna repetiu levantando-se da cama.

Ela começou a procurar por suas roupas pelo tapete felpudo


do quarto com o orgulho ferido.

Catherina havia estragado tudo.

Tudo.

— Você não está sendo complacente, milady. Eu a desvirtuei


nessa cama. Eu a tive. Eu a fiz minha, droga! — Ela chiou
exasperada.

Não entendia como tudo estava desmoronando minutos de


ter se sentindo tão livre.

Tão feliz.

— Só cale a boca. — Brianna disse com a voz embargada.

Sua camisola cobria muito pouco e agora ela sentia muita


vergonha de sua nudez.

— Sabíamos que haveriam consequências. Eu quero fazer o


que é certo. — Pontuou Catherina abaixando a voz.
— Então é assim que enxerga o que acabamos de fazer?
Poupe suas palavras, não precisa arcar com nada. Eu estou bem.
— A jovem garantiu, caminhando para a porta.

— Brí, temos que chegar a um consenso. — Tentou


Catherina mais uma vez suavizando o tom de voz.

— Boa noite, Katherine.

— Não haja como uma criança! — Esbravejou perdendo o


controle de suas emoções.

Brianna não estava facilitando as coisas para ela.

— Eu não quero me casar! Eu não irei me casar! — A jovem


vociferou parecendo exausta.

— Por que isso agora? Você sabia dos riscos, Brianna.


Jamais agiria de má fé com você, por isso peço que reconsidere. —
Catheria suplicou já não sabendo o que fazer.

— Desista. Não estou pedindo para ser salva, Mon Cher.


Acha mesmo que preciso que restaure a minha honra? Pelo amor
de Deus! Eu sou uma Rodwell! — Zombou amarga.

— Isso não termina aqui. — Catherina passou pela porta


decidida.

— Você estragou tudo, Katherine! Tudo! — Ela gritou batendo


a porta de mogno fortemente.

Assim que se viu sozinha, Brianna chorou.

Um vazio se alojou em seu estômago, fazendo-a procurar


pelo ar que parecia ter desaparecido do quarto.
— Você é uma estúpida, Catherina. Uma estúpida. —
Murmurou deixando as lágrimas grossas rolarem.

O chão gelado abraçou o seu corpo cansado e


decepcionado.
Capítulo 19

O Marquês de Crawford limitou-se a abrir sua boca para não


perguntar o que afligia Brianna pela milésima vez naquela manhã de
maio. A jovem parecia aérea como se não tivesse se dado conta de
que estavam no meio de uma reunião de extrema importância.

Seu amigo e herdeiro do ducado não estava à altura do atual


Duque de Emsworth. Por isso, Adriel desejava que a filha mais nova
assumisse o seu posto após sua morte.

— Por favor, não me faça parecer um cavalheiro irritante por


lhe fazer a mesma pergunta novamente. — Sussurrou London
aproximando a cadeira para mais perto da jovem dama.

— Céus, você nunca foi tão parecido com August. Sua última
viagem afetou o seu cérebro? — Ela sorriu sem muito entusiasmo.

Por mais que tentasse, Brianna não conseguia entender do


que se tratava aquela reunião. O duque a havia convocado para
prepará-la para assumir o seu lugar.

Jamais quisera a posição de duquesa. O posto sempre


pertenceu a August, mas seu irmão não possuía a responsabilidade
necessária para tal.

E os futuros Rodwells precisavam dela.

A única coisa em que conseguia pensar era no regresso de


Neville à França.
Monsieur René encontrava-se debilitado, e ela não quis que
Timotheè deixasse Arabella para trás. Por isso, retornou para casa
em seu lugar.

Brianna nunca havia sentido tanta falta de alguém antes.


Nem mesmo de seu próprio irmão quando ganhava o mundo em
suas viagens. Poucas foram as palavras que trocaram antes de
Catherina ir, e a conversa sobre casamento não pareceu de forma
alguma uma pauta importante para ela.

Neville não voltou a tocar no assunto, muito menos lhe dirigiu


algum olhar que indicasse que desejava resolver a situação
estranha entre as duas.

A jovem sentiu vontade de procurá-la, mas o seu orgulho fora


maior.

Neville era quem devia procurá-la depois de tudo.

Fora uma insensatez sem tamanho lhe fazer um pedido sem


de fato querer fazê-lo. E por mais que Brianna não desejasse o
matrimônio, Catherina não podia simplesmente lhe propor
casamento para restaurar sua honra.

O mero pedido em si não fora o problema. Catherina a tinha


ferido com sua ingenuidade.

— Está quase acabando, Brí. — London falou baixo, de modo


conspiratório.

— Amém. — Ela sussurrou de volta.

Toda vez que Brianna dirigia seu olhar para a cama de casal,
lembrava de Neville. Ela agora parecia ser parte de tudo. Seu
cheiro, seu olhar... cada detalhe possuía um toque seu. Catherina
parecia ser parte dela.

Brianna começava a arrepender-se de não escolher bem


suas palavras durante a última conversa que tivera com ela.

Por que o matrimônio a assustava tanto?

Por que havia surtado com Neville quando ela só desejou


fazer o que era correto?

Não.

Não havia nada de certo naquilo.

Não poderia casar sem que houvesse amor.

E Catherina não a amava.

Mas e ela? A amava?

Suas divagações consumiam-na, sufocavam-na sem


piedade. Era um inferno não ter as respostas de que precisava para
tomar uma decisão assim que Neville retornasse.

Se retornasse.

E então, uma centelha de medo apossou-se de seu coração.

Catherina talvez não desejasse voltar. Talvez permanecesse


na França.

Valentinne.

Não. Ela tinha de voltar.


Lágrimas desceram dos olhos verdes de Brianna sem que ela
conseguisse impedi-las.

— Mas que droga. Você é a futura duquesa de Emsworth,


Brianna. Não seja fraca. — Ela ralhou consigo mesma, não
conseguindo conter os soluços que deixavam seus lábios.

Catherina veria Valentinne outra vez.

A veria.

O amor de sua vida.

Ciúme queimava em seu peito. Catherina a veria, droga! A


veria.

Ela não poderia competir. Sentia-se péssima por tudo até


então. Por como as coisas haviam ficado, por suas palavras duras,
por afastar Neville. Não era para ser daquela maneira.

— Brí? — Um sussurro arrastado conhecido pela jovem a fez


levantar-se subitamente.

Kimberly adentrou o quarto claro com um de seus sorrisos


luminosos no rosto em formato de coração. As mechas escuras
estavam presas num coque trançado elegantemente.

Brianna limpou as lágrimas grossas apressadamente para


que Kimberly não as notasse.

— Desde de quando esconde as coisas de mim? — A


morena perguntou aproximando-se dela.

A jovem fingiu não perceber o desapontamento em sua voz.


— Não sei do que está falando, Kim. — Mentiu
descaradamente.

Ela a conhecia mais do que a si mesma. Brianna não


conseguia enganá-la mesmo que tentasse.

Por isso, os olhos escuros da jovem fitavam-na duvidosos.

— Isso é patético, duquesa de Emsworth. — A outra sorriu


sentando-se na cama de lençóis brancos. — August nunca será o
suficiente. Essa posição sempre foi sua, Brí.

Brianna não compreendia o que Kimberly estava tentando


fazer, mas ainda assim, agradecia.

— Não. Eu nunca a quis, você sabe. Mas não é como se eu


pudesse lutar contra isso. — Ela rebateu perdida em pensamentos.

— Aquela francesa a deixa vulnerável não é?! — Kimberly


disse abruptamente, atraindo toda atenção de Brianna.

Seu tom não era simpático como antes. Ela parecia


chateada.

— Como? — Brianna novamente fingiu não entender.

— Eu sou muito observadora, Brí. Você sabe.

Decerto, a jovem era dona de um percepção assustadora.


Kimberly sempre fora atenta aos mínimos detalhes e Brianna às
vezes odiava essa sua particularidade.

— Seja direta, Kim. Odeio quando tentam fazer-me de boba.


— Chiou Brianna impaciente.

— Ela não é para você.


Os olhos verdes arregalaram-se devido as palavras frias de
Kimberly. Sentiu suas entranhas arderem com algo parecido com
raiva.

Ela nunca havia sentindo raiva de Kimberly.

Até aquele momento.

— Não fale o que não sabe, Wannell. Não seja ingênua. —


Ela disse entre dentes.

— Você precisa de alguém à sua altura, Brí. Ela não a


merece. — Kimberly se levantou, e caminhou em direção a jovem.

— Ela está acima da média. É uma mulher incrível, Kimberly.


Não entendo o porquê de estar sendo tão inconveniente.

— Você entenderá.

— Se esclareça! — Exigiu ela sem paciência.

— Juro que a farei compreender.

Dito isso, Kimberly a deixou.

Brianna teve vontade de puxá-la de volta. Era sempre o


mesmo.

Todos sempre a deixavam.

Sozinha e sem respostas válidas.


Capítulo 20

René se curava rapidamente dos danos causados pela


cólera. Para a felicidade de Catherina, suas bochechas já atingiam
um rosado saudável e as íris azuis estavam acesas.

Madame Adeline vivia no aposento deles dia e noite para


cuidar do marido. Catherina não fora de grande ajuda, ainda assim,
queria estar à disposição de seus pais.

O susto havia sido enorme. A primeira coisa que Catherina


fez assim que tomou posse das cartas de sua mãe, fora entrar no
primeiro navio para a França.

Jamais passara por sua cabeça que sentiria tanta saudade


de Londres.

Não, sua saudade em nada tinha a ver com Londres.

Brianna.

Ela sentia sua falta.

Inferno, como sentia.

Dos lábios, dos olhos... do aroma doce que emanava de sua


pele pálida. Do sotaque forte e bonito. Decerto, a distância estava
atormentando-a. Principalmente por ela não ter lhe dado a chance
de explicar-se. Havia a magoado. Sabia disso.

Mas não arrependia-se de ter feito o pedido. Ela podia não


amar Brianna, mas o que sentia por ela era muito forte.
E talvez esse fosse o problema.

Dizia para si mesma que todos mereciam a reciprocidade.


Brianna parecia não se deixar levar por suas emoções facilmente,
era uma mulher centrada. Neville não acreditava que a amava como
deveria ser.

Catherina não a merecia.

Mas a queria perto de si. Queria fazê-la sua e lhe


proporcionar todas as maravilhas do matrimônio. Não seria difícil
amá-la. Brianna tinha a facilidade de contrariá-la sempre que
possível.

— Filha, tem alguém querendo vê-la. — Adeline entrou no


recinto com o cenho abatido.

Neville fingiu não notar o cansaço da mãe. Se preocupava


com ela, mas Adeline jamais iria tolerar que a ajudasse. Não era à
toa que era a senhora da casa.

Catherina estava cansada de ficar em seu quarto. A França


parecia diferente para ela. Afinal, havia ficado fora um ano inteiro.
Era muito tempo para alguém que passara toda a sua vida num
único lugar.

Seus pés arrastaram-se pelo assoalho envernizado


preguiçosamente devido a monotonia que a cercava.

As telas a óleo pelo corredor a fizeram lembrar da jovem


Rodwell.

Brianna parecia fazer parte dela desde que a fizera sua.


— Maravilha, pirralha impertinente. — Ela sorriu tocando nas
telas com delicadeza.

Mas a textura e os traços pareciam grosseiros ao seu toque.


As telas não possuíam a sutileza de Brianna, não possuíam os
detalhes genuínos dela.

Pensando bem, Catherina não sentia medo há algum tempo.


Mas ali, naquela casa que lhe parecia estranha, sentiu uma onda de
pavor lhe encher o peito.

Seu monstro possuía madeixas alaranjadas, olhos verdes


apertados, perdidos, e uma boca cheia de sorrisos fáceis e réplicas
mordazes.

Neville sentia medo de que Brianna não a quisesse mais


depois de tudo.

Assim que René estivesse recuperado por completo, voaria


se preciso fosse para Londres. Tinha de se explicar.

Precisava. O mais rápido possível.

— Seu pai me disse que havia regressado.

Catherina sentiu o ar se expelir de seus pulmões e um gosto


semelhante a burbon ruim queimar em sua garganta, fazendo-a ter
ânsia de vômito.

Os olhos castanhos que haviam sido sua ruína encaravam-na


receosos.

O sorriso de dentes alinhados, e o bendito cabelo cacheado


continuava ali. Como sempre.
Valentinne era a mesma.

Os olhos azuis caíram num serzinho às saias de Vasseur,


arregalando-se a medida que tomavam consciência de quem era
aquela criança.

A filha de Valentinne.

O cabelo preto a lembrava.

— Diga olá, Miranda. — O tom de Valentinne era tão


vacilante quanto a sua postura.

Neville continuava encarando-a sem acreditar em seu


atrevimento.

Porém, por mais incrível que pudesse parecer, Catherina não


se sentia tão afetada por sua presença como sempre imaginara que
ficaria algum dia.

Sua respiração normalizou-se rapidamente, assim como sua


postura ereta impecável.

Não possuía a mínima vontade de ser rude, por isso, apenas


limitou-se a dizer:

— O que deseja, Sra. Vasseur? — Frieza emanava de seus


poros.

Talvez não conseguisse ser tão amável quanto queria.


Desejava mostrar a Valentinne que a tinha superado.

— Párdon por aparecer aqui de modo tão inesperado. E


ainda por cima com a minha filha. — Os olhos castanhos se
desviaram dos azuis, temendo ver neles repulsa.
Neville inspirou fundo e reconheceu que a criança em nada
tinha a ver com o fracasso de seu noivado.

Valentinne nunca a amara o suficiente.

Ponto.

— Olá, Miranda. Como vai, mocinha? — Ela ajoelhou-se,


desejando ficar da altura da menina que continuava presa as saias
da mãe.

Devia ter no máximo um ano.

Catherina recebeu um sorriso contido de poucos dentes, e


sentiu o peito aquecer.

— Ela ainda não fala, desculpe-me. — Informou Valentinne,


pegando a filha nos braços.

Amélie surgiu na sala para a felicidade de Catherina.

— Leve Miranda para ver o meu pai. Já estamos indo. — Ela


ordenou em tom suave para sua dama de companhia.

Precisava conversar com Valentinne a sós.

Precisava deixá-la partir de uma vez.

Mesmo que ainda doesse, era suportável. Pior seria continuar


pensando em como poderia ter sido. Seus destinos já estavam
traçados, Valentinne estava casada e tinha uma filha. Catherina
precisava seguir a sua vida.

Com ou sem Brianna.


Mas a simples hipótese de não tê-la em sua vida, deixou-a
com uma sensação de desconforto terrível no estômago.

— Perdoe-me por minha falta de tato, mas eu precisava vê-


la. — As primeiras palavras que deixaram os lábios de Valentinne
fizeram-na balançar a cabeça em concordância.

— Você nunca respeitou as regras, não é?! — Ela inquiriu


oferecendo um lugar no estofado de couro.

— Enquanto você sempre as seguiu veementemente.

Sim, Catherina sempre seguira as convenções sociais.

Sempre optara por fazer o correto.

— Eu sempre odiei isso em você. — Sussurrou Valentinne.

Neville arqueou uma das sobrancelhas claras devido a


ousadia de sua ex noiva.

— Não me importa. — Ela rebateu cruzando os braços.

Valentinne com certeza era a mesma.

— Eu senti a sua falta, Catherina.

Neville desejou chorar.

— E eu pensei que fosse morrer. — Ela disse como se


estivesse falando algo sem importância.

Mas ambas sentiram o ar pesar.

— Pensei em você durante todo esse tempo, queria que


soubesse. — Valentinne disse num murmúrio sufocado.
— Eu não dormia e não comia. Só conseguia amaldiçoar
Annelise por minha desgraça. Mas sabe, a culpa não foi dela. Foi
sua. Sua, Vasseur. Não diga que sentiu a minha falta. Você não
sabe o que eu passei por sua causa. — Catherina desabafou em
tom letal.

Valentinne apenas ouviu-a em silêncio.

— Sei que nada do que eu diga agora irá aliviar a minha


culpa, mas eu me arrependo de ter feito as coisas daquela maneira.
Deveria pensar mais em você, em como se sentiria. Em como
sofreria por culpa de meu egoísmo. Eu peço o seu perdão. E
mesmo que não queira me perdoar, irei entender, bien. Você tem
todo o direito de odiar-me. Eu só a fiz sofrer. — Valentinne voltou a
falar, enfim olhando para os olhos azuis.

Catherina sentiu um peso enorme deixar os seus ombros.

— Isso não é suficiente para apagar...

— Sim, não é, mas eu continuarei pedindo seu perdão, e


rezando para que um dia, eu seja digna dele. — A sinceridade
urgente na voz de Valentinne, deixou-a zonza.

Não adiantava mais guardar aquela mágoa. Só iria destruí-la.


E já não importava mais. Ela havia crescido, havia conhecido
pessoas maravilhosas que estavam dispostas à tudo pelo seu bem-
estar.

E Valentinne havia sido uma daquelas pessoas. Seu erro não


apagava os seus inúmeros acertos, Catherina seria injusta se não o
reconhecesse.
— Eu senti tanto a sua falta, Tinne. Tanto. — Neville
sussurrou, trazendo Valentinne para perto.

Lágrimas grossas molharam o seu vestido azul, mas ela não


se importou.

— Párdon, bien. Párdon. — implorou Vasseur deixando as


lágrimas vertidas descerem livremente por seu rosto.

— Não posso odiá-la para sempre, não é?! — Catherina deu


uma risada estrangulada, afastando-se do calor da outra.

Não havia mais nada a fazer.

— Você está mudada. Parece feliz. — observou Valentinne


limpando os resquícios de lágrimas.

Ela era durona demais para conceder tal espetáculo a


Neville.

Estava farta daquela pauta. Queria recomeçar.

— Há um outro alguém, e ela me faz feliz. — Ela confessou


olhando além dos olhos castanhos.

Valentinne tomou as mãos de Neville, levando-as aos lábios.

— Você merece toda a felicidade do mundo, Catherina. Eu a


amo, e desejo que conheça a felicidade em todas as suas nuaces,
porque sem amor, bien, a vida não tem sentido.

As palavras teriam alegrado Neville se ela não tivesse


estragado tudo.

— Eu a pedi em casamento, mas ela não deseja casar-se. —


Catherina sentiu as orelhas arderem de vergonha.
— A ama? — Indagou Vasseur seriamente, com os olhos
centrados no rosto corado dela.

Neville a amava?

— Eu não sei. — Confessou desviando o rosto.

Não ajudaria em nada mentir.

— Então só a pediu em casamento por si mesma. —


Valentinne levantou-se ficando de frente para ela.

— Não! Estou apaixonada por ela! — Catherina gritou


fazendo com que Valentinne sorrisse.

— Bien, não adianta negar. Está presa demais ao que


acredita.

Valentinne não a entendia.

— Ela precisa casar-se comigo, Tinne. Eu a desvirtuei.


Preciso arcar com as consequências agora. — Explicou andando de
um lado para o outro ainda mais perdida.

— Tem noção em como ela deve estar se sentindo? Só


deseja restaurar a honra da moça, par Dieu! A ofendeu, Catherina!
A feriu! — Valentinne acusou também andando de um lado para o
outro.

— Acha que eu não sei, inferno! Mas estou apaixonada por


ela. Faria de tudo para fazê-la feliz. — Ela disse fechando os olhos
fortemente.

Catherina era um tola, e sabia disso.

Claro que Valentinne tinha a razão.


— O que eu faço? — Perguntou sentando-se novamente no
sofá.

Era o cúmulo!

— Abra o seu coração. Seja sincera com ela e consigo


mesma. Não pense apenas em "concertar" as coisas. Não há nada
para concertar, Catherina. Seja razoável, escute-a.

— Está de bom tamanho, Vasseur. Vamos, papai deve estar


louco para vê-la. Sempre a preferiu à mim.

— Não fuja, Catherina. Mais cedo ou mais tarde terá que


tomar uma atitude. — sorriu Valentinne correndo em direção a
escadaria.

— Obrigada por nada! — Neville guinchou correndo atrás


dela.

Catherina agradecia internamente, mas Valentinne jamais a


ouviria dizer.
Capítulo 21

A desolação que envolveu a jovem Rodwell por dias


seguidos, deixou-a logo após a chegada de Neville. Alívio permeou
seu peito exausto. Em algum lugar de seu coração, uma voz sempre
lhe assegurou que ela retornaria para Londres, não sabia quando,
mas voltaria.

Estar dependente de Catherina a fazia praguejar dia e noite,


mas Brianna não conseguia mais lutar contra o que sentia por ela.

Precisava dela. Ansiava por ela.

Os traços já tão conhecidos surgiram diante de seus olhos.


Neville parecia feliz em estar de volta, o azul de suas íris estava
límpido, reluzente.

A duquesa cobria o rosto corado de Catherina com beijos


demorados, enquanto Brianna continuava à margem de toda
recepção calorosa.

Temia correr para Neville e se desfazer em seus braços. A


vontade que tinha era de matá-la por ter ido embora subitamente,
sem lhe dizer uma única palavra decente antes de abandoná-la por
um mês inteiro.

Continuava sentada com uma expressão impassível em seu


belo rosto, mantendo suas mãos firmes nos braços da cadeira de
madeira polida.
Não se levantara para cumprimentá-la. Não tinha ideia do
que fazer ou dizer. Brianna pela primeira vez não possuía ofensas
para lhe dirigir.

Por isso, manteve-se calada até o último momento.

— Como tem passado, milady? — Os pelos da nuca de


Brianna se eriçaram devido ao sotaque arrastado de Catherina.

Seu sorriso parecia contido demais para o gosto da lady.

— Muito bem, Neville. Como está o seu pai? — Ela


perguntou tirando as mãos dos braços da cadeira para alisar a saia
de seu vestido vermelho.

— Curado. — Respondeu a outra sucintamente.

As palavras formais incomodaram Brianna ao ponto de fazê-


la reprimir um comentário grosseiro. Olhava para o rosto pálido de
Catherina com indiferença fingida, afinal, a única coisa que desejava
era abraçá-la.

Apenas.

Almejava aninhar-se em seus braços e ouvir o som


melodioso de sua respiração. Queria suas mãos afagando seus
cabelos e os lábios vermelhos em todos os lugares possíveis de seu
corpo.

— Isso é maravilhoso, Katherine. — Ela disse afastando os


pensamentos.

— Oui, milady. É um milagre. — Catherina sorriu, dando-lhe


um último aceno de cabeça.
Todos abraçaram Catherina e lhe perguntaram durante o
jantar sobre a sua viagem. Seu relato fora vago, como se
escondesse detalhes importantes que não desejava compartilhar.

Mar calmo, brisa suave e recuperação.

Essas foram as palavras que saíram de sua boca.

London não se dando por satisfeito insistiu um pouco mais,


lhe arrancando risadas maravilhosas.

Tudo parecia certo aos presentes à mesa, mas não para


Brianna. O silêncio presente nos olhos azuis de Catherina
perturbava-a consideravelmente.

Por isso, assim que todos se retiraram e Catherina também,


Brianna continuou sozinha sentada à mesa pensando em como
arrancaria as palavras dela.

Subiu a passadas largas para o segundo andar, temendo que


ela já estivesse deitada. Deveria estar exausta da viagem com
certeza.

Brianna não gostava de ser inconveniente.

Odiava na verdade.

A porta de mogno estava entreaberta, e a jovem entrou no


cômodo iluminado pela luz de velas feito um felino. A silhueta de
Catherina tomava uma das paredes cremes, suas costas cobertas
por um roupão fora o único vislumbre que Brianna teve dela.

— Pensei que não voltaria. — Começou trêmula.


Seu estômago parecia acomodar centenas de borboletas
zonzas. Brianna estava muito nervosa com a indiferença de Neville.

Merecia ao menos uma explicação.

— Eu também. Mas eu precisava voltar. — Ela murmurou


virando-se lentamente.

Seus olhos pareciam ainda mais reluzentes devido a luz


bruxuleante.

— Por que? — Brianna quis saber ainda que temerosa.

Iria afastá-la depois de tudo?

Mas Brianna a tinha afastado antes.

Não podia exigir nada.

— Eu... — Catherina começou mas Brianna foi mais rápida.

— Me casarei com você.

Seus olhos verdes cintilaram com uma emoção desconhecida


para Neville. A curva de um sorriso surgiu em seu rosto pálido,
fazendo-a se aproximar de Catherina.

— Ange, não. — Negou Catherina pondo a palma sedosa na


lateral de seu rosto jovem.

Brianna afastou-se confusa como se um balde de água fria


tivesse sido jogado sobre sua cabeça.

— Entendo. — Ela ouviu-se sussurrar, virando as costas.

Não sabia porque, mas aceitar a proposta de Catherina lhe


pareceu fazer sentindo depois de tudo.
Vergonha irradiava de seu corpo.

— Não, Brí! Deixe-me terminar, mulher! — Catherina a puxou


de volta para os seus braços, e a beijou os cabelos.

— Não há o que explicar, Katherine. Eu já entendi. — Brianna


fechou os olhos verdes tentando se recuperar da vergonha.

— Quando a pedi em casamento eu não a ouvi. Não me


importei com o que você queria, apenas quis fazer as coisas do meu
jeito. Isso foi errado, quero me desculpar. — Neville disse
ternamente para Brianna, sentindo-a se desmanchar em seu
abraço.

— Mas agora eu quero. Percebi que...

— Você só está tentando me agradar, isso não é necessário,


Brí. Você é uma Rodwell afinal. Quer mesmo mudar esse
sobrenome poderoso? — Ela sorriu de modo insolente, roçando os
dedos levemente pelo queixo da dama.

— Não brinque com isso, Catherina! — Brianna ralhou


tentando se desprender das mãos de Neville.

— Amo quando chama-me pelo nome. Mesmo a pronúncia


não sendo perfeita, é um charme, ange. — Catherina
disse roucamente.

— O que estamos fazendo, Catherina? — Ela inquiriu


debilmente, perdendo os sentidos.

As mãos de Catherina já invadiam o seu decote.


— Vivendo, ange. Foi um inferno passar tanto tempo longe
de você, pirralha impertinente. — Neville provocou-a, mordendo o
lóbulo sensível de sua orelha.

— Não a perdoaria se ficasse lá. — Brianna falou baixo.

— Meu lugar é aqui, milady. Com você.

O roçar de lábios logo se transformou num beijo urgente. A


língua de Brianna inspecionou a boca de Catherina com saudade.
Era como se dependesse de seu gosto para continuar sã.

— Não faça mais isso. Não vá sem se despedir de mim,


entendeu? — Ela exigiu desfazendo o laço do roupão.

A nudez de Catherina deixou-a extasiada. Mesmo que


quisesse, não conseguiria não olhar para o corpo esculpido à sua
frente.

Os mamilos rosados de Neville se entumeceram ao seu


toque suave e inexperiente. Catherina arfou e levou a mão sedosa
para o triângulo entre suas pernas com uma expressão desafiadora.

— Não pare até me fazer gozar.

Brianna sorriu e foi em frente acatando a ordem de Catherina.


Capítulo 22

As pálpebras pesadas de Neville recusavam-se a abrir devido


a claridade que atravessava o dossel, porém algo pesado em seu
peito a fez abri-los mesmo contra sua vontade.

Uma confusão ruiva cobria seu colo despido, e o ressonar


sonoro que preenchia seus ouvidos fez com que um sorriso
preguiçoso surgisse em seus lábios.

O corpo nu de Brianna abraçava o seu com possessividade.


Sua cabeça continuava imóvel em seu peito.

Não fora fácil resistir aos seus protestos. Catherina tentou


persuadi-la mas fora Inútil. A jovem era irredutível, nada do que
dissesse a faria parar. Então Neville cedeu ao seu pedido.

A ruiva exigiu que permanecesse em sua cama até que ela


acordasse. Mesmo que isso a comprometesse, Catherina não ousou
ir contra os argumentos válidos de Brianna.

"E se por acaso o que fiz até agora não for suficiente?
Precisará de mais, não é"?!

A voz com que falara fora tão mansa e seus dedos tão ágeis
que Catherina não conseguiu lhe negar absolutamente nada.

Parecia incapaz de lhe negar qualquer pedido que fosse


depois da noite passada.

Seus músculos estavam relaxados, e o aroma adocicado da


pele de Brianna invadia seus sentidos.
— Então cumpriu com o que prometeu. — Brianna abriu os
olhos, e disse roucamente.

Ela não tinha noção do que Neville preparara para ela.

A pressão em seus quadris a fez praguejar baixo.

— Promessa é dívida, meu bem. Bon jour, milady. — Ela


gargalhou beijando os cabelos emaranhados.

A risada de Catherina era tão quente quanto os raios de sol


que invadiam o quarto. Brianna sentia o peito aquecer só de ouvi-la
respirar. Qualquer movimento por mais bobo que fosse atraía sua
atenção como um imã.

Jamais quisera pertencer a alguém como almejava pertencer


a mulher nua em sua cama. Era muito para o seu cérebro assimilar,
Catherina comprometia suas faculdades mentais.

A jovem levantou o rosto no momento exato em que


Catherina capturou os seus lábios com destreza. A língua
experiente percorreu toda a sua boca com precisão, fazendo-a arfar
e montar o corpo deliberadamente quente.

Neville manteve sua boca exigente, apertando as nádegas de


Brianna com um pouco de força. Seu corpo esguio subia e descia
no dela com agilidade.

Catherina precisava ir embora mas não queria. Não desejava


sair da bolha perfeita que as prendia.

Ali, naquela confusão de pernas e línguas Neville soube.


Nada do que fizesse ou dissesse mudaria o fato de que
Brianna era a dona de seu coração.

Céus, a amava!

A amava como uma louca, como um cão no cio. A quentura


de seu corpo tornou-se insuportável e o martelar em seus ouvidos
mais precisos.

Jamais fora Valentinne.

Sempre pertencera a Brianna.

Suas mãos desceram pelo ventre reto até encontrar a fenda


que escondia todo o seu prazer. A umidade da intimidade de
Brianna fazia-a latejar de desejo.

Era impossível pensar com clareza quando a jovem gemia


alto em seu ouvido.

— Todos vão escutá-la, cher. — Alertou Catherina risonha.

— Eu não me importo. —Brianna contrapôs com dificuldade.

Catherina tirou-a delicadamente de seu corpo, deitando-a


gentilmente na cama para subir em cima dela.

— Escute-me. Preciso possuí-la agora ou enlouquecerei. Mas


antes prometa-me que tentará não gritar tão alto. Se formos pegas
numa situação tão comprometedora como esta, o casamento será
inevitável.

Brianna balançou a cabeça em concordância.

A verdade é que já não estava tão preocupada quanto ao


casamento. Se fosse Catherina, não importava o tamanho do
problema.

Perdê-la estava fora de cogitação.

— Muito bem.

Mesmo que a amasse, Catherina queria que ela a


escolhesse, que a quisesse ao seu lado. Não adiantaria forçar uma
união entre ambas se Brianna não desejasse isso.

Neville beijou e mordeu a pele de suas coxas até enfiar o


rosto em meio às suas pernas.

Queria não pensar demais, por isso, tentou se concentrar no


que deveria fazer.

Sua língua lambeu suavemente a pele rosada, arrancando


súplicas enevoadas de Brianna. Ela sugou o clitóris enquanto
penetrava com dois dedos instintivamente o sexo úmido dela.

— Ah meu bem... Você vai acabar comigo. — Neville rosnou


ainda enfiada na intimidade de Brianna.

Os movimentos tortuosos logo a fizeram atingir o orgasmo.


Catherina lambeu até a última gota com satisfação.

Que Deus a ajudasse.

— Você acabou comigo há muito tempo, querida. — Refutou


Brianna com a respiração entrecortada.

Seus batimentos cardíacos estavam acelerados e o suor


deixava seu corpo escorregadio.

— Cuidarei de você agora. — Sussurrou com um brilho


travesso nos olhos, beijando Catherina novamente.
A pele corada de Brianna não passou despercebida por
Amirah que vinha desconfiando de seu envolvimento com Catherina
há meses. Guardou o sorriso para si, esperando pacientemente pelo
momento em que a francesa pediria a mão de sua filha em
casamento.

A sua permissão, assim como a do duque já estavam na


ponta da língua.

Neville seria uma companheira maravilhosa, além de ajudar


Brianna com os negócios da família.

— Os Wannells nos convidaram para assistir o quebra-nozes


hoje à noite. — A duquesa informou, percebendo o maxilar da jovem
Neville tencionar.

Ainda assim, continuou.

— O que acha Arabella? — Ela indagou atraindo a atenção


da filha do meio.

— Acho maravilhoso, mamãe. — A dama respondeu


suavemente.

— Então iremos! — Amirah decidiu escutando um murmúrio


de frustração de Catherina.

Os cachos pesados estavam presos num coque alto


deixando os sinais da pele alva visíveis.

— Isso a aborrece, meu bem? — Ela inquiriu preocupada.

— Não, milady. Não. — Catherina respondeu olhando para


Brianna.
— Escolha seu melhor vestido.

Neville engoliu com dificuldade o restante do chá que


continha na xícara de porcelana chinesa. Parecia que todos
estavam dispostos a tornar sua vida mais complicada.

Kimberly estaria lá.

E ela não desejava brigar para ter a atenção de Brianna


somente para si. Estava velha demais para esse tipo de coisa.

Mas o ciúme fora inevitável.

Seria sempre daquela forma a mera menção da lady? Ela


não suportaria.

Teria que se conter.

— Claro, milady. — Ela sorriu forçadamente se recolhendo.

Usaria com toda certeza o seu melhor vestido.


Capítulo 23

A jovem Rodwell divagava sobre como deveria ser pecado


um reles mortal possuir uma beleza tão extraordinária. Mesmo que a
visse todos os dias, Brianna não conseguia acostumar-se a aura
angelical que cercava Catherina. Seus olhos queimavam devido ao
brilho dos fios sedosos realçados pela luz do lampadário.

Ela encarava a loira no hall do teatro cheio de pessoas onde


o espetáculo aconteceria em poucos minutos.

O tecido degradê do vestido que cobria o corpo que conhecia


perfeitamente bem era de um violeta escuro, que salientava a pele
pálida e os cachos fartos presos num coque baixo. A saia volumosa
possuía pregas, e uma fita de um tom mais claro moldava a
pequena cintura.

O corpete mantinha o tronco reto e os seios pequenos um


pouco reveladores demais por conta do decote.

— Deus não é injusto, Celine? Veja como a Srta. Neville está


acima de qualquer beleza neste espaço. — Comentou Diane com as
outras solteironas de seu grupinho.

A herdeira do ducado de Emsworth engoliu um suspiro de


frustração ao ouvir as risadinhas nervosas das damas.

Celine mantinha os olhos claros em cima de Catherina como


se não pudesse não olhá-la. E o pior de tudo era que Brianna a
entendia.
Inferno, a entendia!

— Na verdade, minha cara Srta. Hanks, beleza é algo


bastante relativo. Aos seus olhos posso ser bela, mas aos de lady
Brianna por exemplo, não. — Contrapôs Neville parecendo divertir-
se com o tom arroxeado que tomou o rosto da jovem.

— Acredito que lady Brianna a ache tão encantadora quanto


qualquer uma de nós. Deixe de tanta modéstia, Catherina. — Disse
Celine num tom de intimidade.

Catherina?

— Merci, Srta. Trollope. São seus olhos. — Neville sorriu


beijando a mão enluvada de Celine em agradecimento.

O ciúme queimou no peito da jovem Rodwell, fazendo-a ir na


frente. Mas as mãos delicadas de Catherina tocaram seu ombro
fazendo-a desmanchar vergonhosamente.

— Ange. As palavras daquelas senhoritas não significam


nada para mim. — Sussurrou com sua voz aveludada.

— Oras, elas não estão mentindo. Você está tão bela que
não consigo tirar os olhos de você sequer por um segundo desde de
que chegamos. — Reclamou Brianna ainda de costas.

— Fico lisonjeada por seus lindos olhos estarem centrados


exclusivamente em mim... — Disse ela alisando deliberadamente as
mãos da jovem até a extensão de seus ombros retos.

— Por que está usando espartilho? Você odeia isso. —


Brianna apontou tentando sair das teias que a prendiam a cada
segundo.
— Por você. Eu queria está à sua altura esta noite, amor. —
Catherina confessou desviando os olhos azuis.

Brianna tentou, mas fora impossível não corar violentamente


com sua afirmação tão transparente.

— Se continuar desse modo, ficarei sem noiva antes mesmo


de me casar. Tirarão você de mim. — Ela brincou abraçando o corpo
esguio.

Neville pareceu relutar, mas retribuiu o gesto íntimo.

— Tudo bem por você? — Inquiriu risonha.

— Oui, Chérie. — Brianna afirmou, selando os lábios nos da


francesa.

Através do binóculo era possível enxergar toda a


graciosidade de Eleanor Drowingh. As madeixas âmbar soltavam-se
do penteado bem elaborado devido aos seus rodopios pelo palco de
madeira.

Catherina brincava com os dedos da mão de Brianna,


tentando chamar a atenção dela.

— Não dá para competir com uma bailarina perfeita, não é?!


— Murmurou beijando a pele do pescoço longo.

— Shh... preste atenção! — Exigiu a jovem Rodwell fazendo


a loira soltar uma risada baixa.

— Está bem, cher.

O universo não desejava tornar a noite mais fácil para as


pombinhas. Kimberly caminhava em direção às fileiras privilegiadas
destinadas aos Rodwells na intenção de irritar Catherina.

Brianna ouviu-a praguejar baixo, afundando no assento


desajeitadamente. Sabia de sua aversão por Kimberly, mas nada
demais.

Pelo menos era assim que pensava.

— Como vai, Brí? — Cumprimentou Kimberly sentando-se na


poltrona ao lado.

O perfume caro impregnou a fileira.

— Muito bem, Kim. E você, querida? — Brianna indagou


suavemente.

— Com saudades. Senti sua falta nos últimos dias. — Ela


comentou olhando-a intensamente.

A jovem fingiu não perceber o maxilar travado de Catherina e


continuou firme.

— Por que não me visitou? — Questionou desconfiada.

Sentia-se desconfortável pelas expressões nada gentis no


rosto de Neville. Ela parecia uma criança birrenta. Por isso, obrigou-
se a continuar dando atenção a Kimberly.

Ela ainda era sua amiga.

— Presumo que ande ocupada com os seus afazeres. August


contou-me sobre como tudo anda uma loucura.

Sim, Adriel vinha deixando-a maluca.


— Ah, mas você é a minha amiga mais próxima. — Disse
pondo uma das mãos sobre as de Kimberly.

— Creio que a Srta. Neville tenha tomado o meu lugar. —


Kimberly brincou com um fundo de verdade no tom de voz. — Só
passei para dizer "olá" estou indo, as deixarei agora.

A expressão zombeteira no rosto da morena não passou


despercebida por Catherina que tornou-se fria ao fim do segundo
ato.

— Nunca pensei que você agiria de modo tão infantil! —


Chiou Brianna guardando o binóculo.

— Ah, claro. Aquela mulher só faltou beijá-la em minha


frente, Brianna. — Ela rebateu com as feições duras.

— Não conversamos ainda com os meus pais sobre nosso


envolvimento e prefiro deixar assim até você aprender a tolerar
certas coisas. — O tom de voz controlado da jovem fez Catherina
explodir.

— Então aprenda a tolerar Celine. Ela é um doce e nunca


tentou provocá-la.

Os lábios da Rodwell se retorceram em desgosto.

— São situações completamente diferentes, Katherine! —


Brianna apontou, levantando-se do assento confortável.

— Não, milady. Não pode exigir coisas de minha parte sem


fazer nada em troca. Reciprocidade, lembra?
— Ela é minha amiga! — A jovem guinchou exasperada,
temendo gritar.

— E está apaixonada por você, inferno!

Neville passou a massagear as têmporas em sinal de


aborrecimento.

— Preciso tomar um ar. Com a sua licença. — Resmungou


Brianna, deixando de vez o assento.

— Toda, Ange.

Brianna andava de um lado para o outro no corredor


inabitado do segundo andar, irritada. A luz era escassa, mas apenas
o silêncio do espaço acalmava-a. A zoada do andar superior
deixava-a ainda mais agitada do que o recomendado.

Seus nervos pareciam derretidos.

Neville sempre a provava o quão boba e ciumenta era.

A jovem achava o sentimento de posse tóxico demais para


que ela, alguém tão firme em suas convicções, o sentisse e o
praticasse com frequência.

Sim, desde de seu regresso, Kimberly estava agindo de


maneira estranha. Transpassavam em suas íris negras, centelhas
de sentimentos desconhecidos. Algo havia mudado em suas
palavras.

Brianna só não sabia o quê.

O frio que atravessava as janelas abraçava seus ombros nus,


fazendo-a desejar o calor dos braços da francesa mais birrenta que
já conhecera em sua vida.

Como havia deixado ela invadir suas defesas?

Jamais deixara alguém chegar tão perto de seu coração.

Quando criança, Brianna sempre fora reclusa, difícil de lidar.


Mas conforme os anos foram se passando, sua posição exigiu mais
de si do que de Arabella ou August, o herdeiro até então.

Os bailes e as soirées precisavam de sua total atenção. E


como desenvolvera simpatia e inteligência ainda muito nova, fora a
filha mais solicitada para as tarefas.

Por isso, tornara-se um alvo desejado para o mercado


matrimonial.

Nunca desejara o casamento até ali. Mas desde a viagem de


Catherina, Brianna esperara por seu pedido ansiosamente.
Contudo, nada havia sido dito até então.

Por que queria casar-se com ela? Por que agora?

Por que não aceitara da primeira vez?

Muitas eram as suas dúvidas.

Então, como se um raio tivesse partido sua cabeça, Brianna


deixara a verdade transparecer de uma vez.

Não conseguia se imaginar mais sem Neville ao seu lado.


Desejava acordar todos os dias na mesma cama que ela e ver o
sorriso largo iluminar todos os cantos do quarto que dividiriam
durante toda uma vida.
Brianna queria ser sua esposa com todo o seu coração
porque, Santo Deus, a amava.

A amava tanto que não se importaria em abdicar de todas as


coisas que um dia havia considerado importantes.

Não se importaria de abdicar do controle, e do sobrenome


que carregava.

Amava Catherina com todas as fibras de seu ser. Com todas


as batidas irregulares de seu coração.

O seu amor sempre fora dela. Unicamente dela.

Lágrimas grossas deixaram seus olhos verdes devido ao


peso que deixara os seus ombros. Voltaria para o seu assento e a
diria toda a verdade.

— Céus, eu fui laçada. — Sorriu, dizendo para si mesma.

Um ranger estranho no piso de madeira fez com que Brianna


recuasse subitamente para trás. A penumbra escondia um homem
com vestes surradas e escuras. Seu rosto estava coberto por um
pedaço de pano vermelho, impossibilitando-a de reconhecê-lo.

— Quem é você? — Ela perguntou, obrigando-se a mascarar


o pânico que tomava conta de cada célula de seu corpo.

— Descobrirá em breve, milady. — O homem disse num tom


grave, avançando em direção ao corpo frio da jovem.

Suas mãos grandes e ásperas taparam a boca dela para que


não alertasse o andar superior.
— Quieta, garota! — Ele chiou dando um tapa perto do
ouvido de Brianna.

Mesmo com o ouvido comprometido, ela se contorceu dentro


do abraço bruto tentando livrar-se com toda força que lhe restava.

Tudo se tornara um borrão. A jovem fora desfalecendo a


medida que o boa noite Cinderela fazia efeito. A única coisa que
ouviu durante os seus últimos minutos de consciência fora a risada
seca do estranho.

— Bons sonhos, duquesa de Emsworth.


Capítulo 24

Os Rodwells já não conheciam o significado da palavra


descanso. Toda Londres estava alarmada com o desaparecimento
da filha caçula do casal.

Uma mantilha parecia ter sido posta sobre os olhos azuis de


Neville. Seu rosto revelava uma angústia crua, e o sofrimento
estampado em seu rosto não passara despercebido pelo marquês
de Crawford que tentava a todo custo confortá-la com palavras
gentis.

A culpa a corroía por dentro. Ela pensava em como havia


sido tola em permitir que Brianna saísse daquele maldito assento
para Deus sabe onde.

O desespero tomou-a nas primeiras horas de


desaparecimento dela. Ninguém sabia de seu paradeiro, muito
menos ouvira qualquer pedido de socorro de sua parte.

Não havia uma razão lógica para que desaparecesse sem


mais nem menos.

Os policiais alegavam sequestro. No entanto, nada era de


fato uma certeza, apenas suposições infundadas.

Não haviam pistas. Catherina não possuía nada para agarrar-


se.
— Lembra-se de algo que ela tenha dito antes de sair do
local, senhorita? — O policial cujo nome Neville não importou-se em
decorar, perguntou-a.

— Santo Deus, homem! Me faz a mesma pergunta há três


dias! — Ela explodiu impaciente.

O policial encolheu os ombros devido ao tom agressivo e


nada convencional dela numa situação tão delicada como aquela.
Seu peito subia e descia diante do esforço em manter-se sã.

— Calma, Neville. Ele não tem culpa. — London sussurrou,


abraçando-a junto ao seu corpo forte.

Catherina permitiu-se pela primeira vez em três dias, chorar.

Ela tentava transmitir otimismo quando o mundo inteiro


desabava sobre sua cabeça. Fingir que tudo estava sob controle
estava matando-a. Neville não suportava esperar notícias de
Brianna, quando poderia muito bem estar fazendo algo de útil para
encontrá-la a salvo.

— Eu não pude dizer o quanto a amo. Não aceito, London!


Ela tem que aparecer viva! — sussurrando, ela sufocou um grito de
frustração no casaco grosso dele.

— Terá toda uma vida para dizer, querida. Não se entregue.


Ela voltará, eu tenho certeza. — O lorde assegurou, beijando os
cabelos loiros dela.

— Dá próxima a prenderei ao pé de minha cama e nunca


mais a deixarei ir. Mesmo que isso me mate, London, eu a
encontrarei. — Neville prometeu, agarrando-se as suas palavras.
Catherina fitava os anjinhos gorduchos que cobriam as
paredes do salão principal, sentindo o coração pesar. Por mais que
tentasse, sua mente não parava um minuto sequer.

Em sua cabeça diversas coisas terríveis já haviam passado


mesmo contra sua vontade.

— Srta. Neville! Srta. Neville! — Um dos criados irrompeu o


espaço com um pedaço de papel nas mãos.

No mesmo instante, Catherina deixou a cadeira que ocupava


e correu de encontro ao homem alto.

— O que é isso? — Perguntou afobada na esperança de ser


alguma notícia sobre o paradeiro de Brianna.

O criado tinha uma expressão assustada no rosto enrugado.

Os duques se juntaram a Neville para ler o que continha no


pequeno papel gasto. Seus dedos tremiam de ansiedade, pois o que
ela mais desejava era um sinal.

Os olhos dela varreram o bilhete rapidamente, e seu rosto


atingiu um tom vermelho escarlate ao passo que terminara o
parágrafo único que nele continha.

— Onde está o imprestável do seu filho, milady? — Ela gritou


fora de si.

As veias saltadas de seu pescoço deixavam em evidência


toda a sua fúria. Os dentes perfeitamente alinhados rangiam de
ódio.
— Catherina, tenha calma! Parece uma desequilibrada! —
Timotheè tomou a frente da duquesa com os olhos azuis sobre a
irmã que respirava com dificuldade.

— Onde ele está, Amirah? — Ela exigiu num tom


mortalmente áspero.

— Meu bem... — Amirah disse baixo, tentando abrandar a


situação.

— Então eu mesma o encontrarei.

Neville deixou o salão e todos os presentes ficaram


temerosos com o seu temperamento.

Há dias seu humor estava instável, suas palavras duras e os


olhares perdidos como se nada mais fizesse o mínimo sentido. Ela
não era a mesma. Toda felicidade que a cercara meses antes
sumira, deixando espaço para a melancolia incessante.

Suas passadas largas a levaram até a biblioteca onde August


fumava um charuto de forma lenta.

Os músculos das costas eram rígidos e o terno de veludo


azul-marinho delineava seu corpo perfeitamente. A estrutura óssea
do maxilar barbeado era visível pelo reflexo do espelho emoldurado
em ouro, do lado esquerdo da primeira estante. August parecia
perturbado como se já esperasse Neville.

— Você tem noção do que fez? — Ela falou baixo com uma
frieza assustadora.

A raiva que preenchia cada parte de seu corpo, cegava-a por


completo.
— Eu posso explicar...

Mas Catherina não o deixara falar.

— Miserável! Ela está desaparecida há três dias e você


sabia! —Neville gritou, acertando-o na boca com força.

August limpou o sangue do lábio inferior, tentando se


recompor do ataque violento.

— Eu não sabia que ela seria sequestrada! Brí é a pessoa


mais valiosa do mundo para mim! —— Replicou o antigo herdeiro
do ducado, preparando-se para outro soco.

A força com que fora atingido, deixou-o momentaneamente


desnorteado.

— Juro que irei matá-lo! Prometo que será bastante doloroso.


— Neville avançou em sua direção o socando no olho direito com
ainda mais força.

Seu corpo convulsionava pelo ódio reprimido.

Ela parecia uma bomba relógio prestes a explodir e pretendia


levar August junto para o inferno.

Ele prendera os pulsos finos para proteger-se dos golpes


certeiros da jovem, recusando-se a revidar.

Catherina não estava em seu normal e ele compreendia que


tudo aquilo era culpa sua.

Somente sua.

— Mas o que está acontecendo aqui? — O duque tomou


Catherina nos braços a tempo de ela atingir novamente August.
— A culpa é dele! — Ela acusou, deixando as lágrimas
descerem deliberadamente.

Neville sentia os olhos arderem pelas lágrimas grossas.

— O que ela está dizendo, August? — Indagou a duquesa


com os olhos marejados.

— Eu explicarei tudo mamãe. Prometo. — Murmurou


desviando os olhos de Amirah.

A vergonha explícita nos olhos de August até comoveria


Catherina se ela não o odiasse tanto naquele momento. As palavras
do duque o feriram profundamente, mas isso não a fez se sentir
melhor.

Sua reação não fizera jus ao desgosto que nutria pela


criatura desonrada à sua frente.

London passava as mãos grandes pelas mechas negras


contendo-se para não assassinar o amigo ali mesmo.

— Eu irei entregar a recompensa a ele. — Disse ela com a


postura mais ereta do que seria possível em seu estado.

— Ele quer a minha cabeça, Catherina! Kenneth não aceitará


nada além disso! — Chiou o loiro inconformado.

Sabia que o homem que havia sequestrado sua irmã jamais o


deixaria livre. Não depois de tudo que fizera.

— Cale a sua maldita boca, August. Só de ouvi-lo meus


ouvidos sangram. — Disse Neville num tom cortante.
— Isso não é negociável, Catherina! Você não irá a lugar
nenhum! — Explodiu Timotheé bloqueando o caminho.

— Não cabe à você decidir, Timotheè. — Sussurrou


afastando-se do irmão.

A sala continuava em silêncio.

Os duques a olhavam com os olhos cheios de lágrimas.

— Podemos resolver, filha. — Assegurou Amirah tocando-a o


cotovelo coberto pelo tecido branco.

— Não. Não podem. Por isso eu irei, já está decidido. Por


favor, se me impedirem, jamais os perdoarei.

— O Tendring não é lugar para você! É um dos bairros mais


pobres de Londres, você não pode ir sozinha. — Contrapôs o duque
com o cenho franzido de preocupação.

— O marquês me acompanhará por precaução.

Catherina estava irredutível em sua decisão. Ninguém a faria


mudar de ideia.

— Eu quem deveria estar lá. — Murmurou August com a voz


embargada.

— Você foi um inconsequente, mas não desejo que nada de


ruim o aconteça. Ela o ama e por esse motivo não posso odiá-lo
para sempre.

Catherina tinha ciência do quão perigoso seria enfrentar um


homem que almejava vingança e a cabeça de seu futuro cunhado.
Ainda assim, precisava ir. Precisava salvá-la.
Capítulo 25

A poeira do pequeno cortiço caía sobre os cabelos


alaranjados de Brianna, fazendo-a propagar todo o ódio que a
consumia a cada maldito segundo naquele lugar. Seu sequestrador
permanecia num silêncio aterrador, levando-a a um estado de
pânico letárgico.

— Tenho sede. — Ela murmurou com dificuldade.

Sua garganta ardia devido à falta de água. Há três dias suas


necessidades vinham sendo negligenciadas pelo estranho de
aparência assustadora.

A luz era escassa e ela não tinha ideia de onde estava. O


medo de não ser encontrada seguia perturbando-a.

— Não se preocupe, duquesa. Mais cedo ou mais, seu irmão


estará aqui. — O homem desdenhou, exibindo um sorriso convicto.

Era como se ele estivesse bastante seguro de seu êxito e


nem um pouco temeroso com a forca que o aguardava.

— Não tenha tanta certeza. Que o tipo de relação você


mantém com August? — Brianna exigiu, tentando levantar do chão
imundo.

As cordas apertavam seu pulsos fortemente dificultando


qualquer chance de fuga daquele buraco horrendo.
— Aquele bastardo tem a morte de minha esposa nas costas,
milady. — Ele disse com o tom dotado de escárnio, como se
pronunciar o nome de August deixasse um gosto ruim em sua boca.

Brianna tentou não se abalar.

August poderia ser um imbecil, mas não era um assassino


inescrupuloso.

— Não acredito em você. — Ela retorquiu deixando um


sorriso de deboche tomar seus lábios ressecados.

O calor infernal que sentia somado a sede deixava-a zonza.


Estava desidratada como jamais ficara antes.

— Ele fingiu ser meu amigo para tirar tudo de mim! — O


desconhecido berrou, jogando a garrafa de uísque no chão.

Os cacos de vidro voaram para os ombros nus de Brianna,


cortando-a de leve.

— Maldição! — A blasfêmia deixou a boca dela, sem ela ao


menos dar-se conta.

— Lilian estava muito doente e eu confiei a ele todo o


dinheiro que tinha. Seu irmão perdeu tudo e desapareceu. A
tuberculose de minha esposa estava num estágio avançado, era
preciso tratamento adequado. —Ele fez uma pausa, e então
prosseguiu. — Custava muito dinheiro, milady. Ainda assim, ele
fechou os olhos para o meu desespero. Bastardo!

O homem tremia ao falar da morte prematura de sua esposa.

— Qual é o seu nome? — Brianna indagou num fio de voz.


Sentia pena do estranho à sua frente. A ternura tomou seu
coração no instante em que imaginou como havia sido difícil para
ele perder alguém que amava tanto.

— Kenneth. — Ele respondeu sem vontade, encarando-a


com os olhos escuros.

— Sr. Kenneth, você não precisa fazer isso. Pode recomeçar,


tentar outra vez...

— Cala-se! O levarei comigo para o inferno! — Ele


esbravejou alto, abandonando a cadeira.

Lágrimas quentes botaram dos olhos verdes, dificultando a


respiração de Brianna.

— Depressa, ange. Depressa. — Ela sussurrou no silêncio do


cômodo degradante.

Brianna não tinha noção nenhuma de tempo e espaço. Presa


e amordaçada feito um animal, rezava para que Catherina viesse ao
seu socorro o quanto antes. Mesmo que tentasse, jamais
conseguiria sair dali sozinha. Sua esperança se esvaia a cada
segundo sem notícias.

— Tenho sede, por favor...— Ela suplicou para Kenneth que


mantinha o olhar vítreo sobre ela.

— Shh...

Não haviam mais lágrimas para derramar. Brianna com toda


certeza morreria ali.

Sozinha.
— Seu miserável!

Uma batida suave na porta deixou o homem forte apreensivo.


Suas mãos foram para dentro das vestes pretas surradas, tirando
um punhal afiado. A barba por fazer lembrava um viking das ilhas do
Norte.

— Brianna! Responda! Está aí?

Neville.

Brianna desejou gritar seu nome, mas não podia. O pano sujo
impedia-a de responder o chamado de Catherina.

— Mas que diabos! — Kenneth caminhou até a porta,


revelando uma mulher desequilibrada.

Catherina irrompeu o espaço indo em direção a Brianna.


Seus braços já estavam sobre o corpo trêmulo da jovem e a boca
em todos os lugares possíveis. Lágrimas deixaram seus olhos azuis,
aquecendo o peito da jovem Rodwell.

— Ah, Chérie, nunca mais, está me ouvindo? Nunca mais


faça isso. — Neville proferiu as palavras firmes, tirando a mordaça
dos lábios ressecados de Brianna.

— Onde está August? Fui bem claro no bilhete. Quero a


cabeça dele! — Kenneth gritou, parecendo ultrajado pela presença
da jovem.

— Creio que isso não será possível. — Catherina desdenhou


com uma fúria incontrolável no olhar.
A jovem Rodwell entrou em alerta no instante em que Neville
sacou um revólver da faixa do vestido.

Não conseguia acreditar que Catherina fora até ali por ela.

— Guarde isso, milady. Vamos conversar como pessoas


civilizadas. — Kenneth pediu, olhando-a vacilante.

Catherina continuava com a arma apontada em sua direção.

— Pretendo matá-lo, Kenneth. Não perderia o meu tempo


conversando com um rato miserável feito você. Isso iria ferir o meu
orgulho.

Brianna jamais a vira daquela maneira. Sentia-se assustada


com as palavras que deixavam os lábios que tanto amava beijar.
Neville não estava em seu normal. Era como se uma outra pessoa
estivesse ali.

— Katherine, não. Você não é assim. — Ela interveio, pondo-


se ao lado de Neville.

— Você não me conhece. — Catherina retorquiu áspera.

— Conheço o suficiente. Você não precisar fazer isso. Você


não quer.

— Ah, Bien... eu quero.

Seus dedos foram para os ombros cobertos pela Musselina


azul num gesto reconfortante.

Neville estava fria.

— Está tudo bem, amor. Eu estou bem. — Ela sussurrou


docemente. — Vamos para casa.
Catherina ainda mantinha os olhos gélidos sobre Kenneth.

— Ele pagará.

Num ato de desespero, Kenneth avançou sobre o corpo de


Catherina, jogando-a no chão violentamente.

Brianna entrou em pânico ao ver Neville ir para cima do corpo


forte do homem de maneira implacável. Por mais que estivesse na
vantagem de possuir um revólver, Kenneth era mais forte.

Os olhos opacos continuavam sobre o homem estranho.

Catherina acertou o queixo dele, fazendo-o cambalear para


trás.

— Sua cadela! — Ele urrou, dando-lhe um tapa no rosto


pálido.

— Por favor! — Brianna gritou, tentando parar Neville.

O cano fino do metal estava sobre o peito de Kenneth e um


sorriso assustador apossou-se da boca avermelhada de Catherina.

— Morra!

— Pelo amor de Deus, não faça isso!

Se Catherina o matasse jamais se perdoaria. Brianna


conhecia a alma pura que habitava o corpo da francesa.

Os olhos azuis se suavizaram ao visualizar o rosto da jovem


lady.

— Párdon, Chérie. Não queria assustá-la.


Um gritou irrompeu a garganta de Neville quando Kenneth a
perfurara com o punhal. Ele havia se aproveitado de sua distração,
golpeando-a no abdômen.

— Não!

Tudo pareceu acontecer em câmera lenta. O barulho de um


tiro fora ouvido por todo o quarto e o homem caíra agonizante no
chão. O sangue escuro espalhou-se pelo peito forte rapidamente.

— Irei morrer, mas a levarei comigo, maldita. — Ele sorriu


tossindo um líquido viscoso.

— Vá pro inferno! — Catherina guinchou, procurando o rosto


de Brianna.

O tecido branco de seu vestido estava ensopado e as mãos


trêmulas caídas ao lado de seu corpo.

— Mas que inferno. Isso dói. — Neville murmurou, respirando


com dificuldade.

London adentrou o cômodo com horror nos olhos. O terno


desalinhado revelava a preocupação e as noites mal dormidas.

— Por que a deixou entrar sozinha, imbecil? — Brianna gritou


colocando a cabeça mole de Catherina sobre o seu colo.

— Eu precisava entrar sozinha. A culpa foi minha por deixá-la


ir. — Disse Neville com lágrimas nos olhos.

Não chorava por saber que a morte estava próxima. Chorava


porque jamais acordaria ao lado de Brianna de novo.
— Não! A culpa não foi sua. — Brianna chiou, alisando o
rosto pálido.

— Leve-a para casa, London. Deixe-me aqui. Morrerei mais


cedo ou mais tarde.

A hemorragia não podia mais ser controlada.

— Cale essa boca, Neville! Ou eu juro por Deus que a farei


calar.

London passou o braço pelos joelhos fracos de Catherina,


erguendo-a do chão.

— Pelo amor de Deus, vamos ser realistas. Com certeza não


passarei dessa noite. — Ela retrucou tentando olhá-lo nos olhos.

— Por que você é tão teimosa? — Brianna inspirou fundo


com a voz embargada.

— Preciso do seu perdão, Brí. Por todas as tolices que lhe


disse, por todas as falhas e...

— Não se esforce, por favor. Em breve estaremos em casa.


— Brianna pediu numa súplica atormentada.

— Eu preciso dizer... — Catherina sussurrou respirando


fundo. — Eu a am...

As pálpebras de Catherina fechavam-se sem o seu


consentimento.

— Mantenha os olhos abertos, Droga! Catherina eu jamais a


perdoarei se fechá-los!
Mas já era tarde demais. Os olhos azuis se fecharam e nada
mais fora dito.
Capítulo 26

Os olhos de Finn, médico da família e amigo próximo, não


transmitiam conforto algum. As íris azuis estavam dotadas de uma
preocupação alarmante e Brianna tentava ser o mais otimista
possível, vendo que aquele não era o momento mais adequado para
ficar histérica.

Mas ela estava por um triz. Mais cedo ou mais tarde


certamente enlouqueceria.

Lutava para manter-se impassível. Porém, não conseguia ser


fria ao ponto de não derramar uma lágrima sequer ao olhar para
Catherina tão indefesa.

Suas mãos trêmulas tocavam a pele acinzentada de Neville,


esperando qualquer reação de sua parte, mas o corpo inerte na
cama parecia morto.

Dr. Finn cuidara do ferimento com tamanha destreza, mas os


efeitos colaterais do ópio ainda estavam presentes. A febre se
mantinha alta e fazia Catherina delirar. O punhal perfurara o seu
fígado, o que dificultara sua recuperação.

— Pensei que não resistiria, mas o inferno parece não me


querer ainda. — Ela murmurou, abrindo os olhos azuis lentamente.

A jovem lady aproximou-se de seu rosto, distribuindo beijos


suaves pelas têmporas temendo machucá-la de alguma forma.
Não confiava em suas emoções. Temia enforcar Neville ali
mesmo.

— Sinto vontade de esbofetear esse seu rostinho lindo. —


Sussurrando, Brianna a beijou na testa.

Catherina inspirou fundo parecendo sentir dor.

— Eu mereço. Desculpe-me, Chérie. — Neville pediu,


desviando o olhar envergonhado.

Ela não se sentia pronta para encarar Brianna ainda.

— Você quase morreu! — Replicou a jovem incrédula.

Neville fora irresponsável e idiota. Brianna não toleraria mais


um feito tão estúpido, mesmo que ela tivesse como objetivo salvar
sua vida. Preferia morrer ao ter um outro vislumbre do corpo magro
convulsionar sem trégua durante noites inteiras.

— É a segunda vez que isso acontece, mas fora Valentinne a


idiota. — Neville sorriu nostálgica.

— Parece não estar levando a sério o que aconteceu.

Brianna sentiu ciúmes a menção do nome de Valentinne, mas


fingiu não abalar-se.

— Como você mesma disse, eu quase morri. — Ela rebateu,


adotando uma expressão séria. — Então sim, não irei dar tanta
importância quando não me arrependo. Faria de novo para vê-la
segura.

— Eu ainda não compreendo. E não me venha com aquela


conversa novamente.
— Juro que nunca agi de maneira tão inconsequente antes.
Juro. Mas quando recebi o bilhete de Kenneth meu autocontrole fora
reduzido ao pó. Eu só a queria segura em meus braços o mais
rápido possível, e quando a vi sentada naquele chão... — Ela parou
um pouco para tomar fôlego. — Me transformei. O ódio e a
insensatez fizeram-me cometer erros que jamais me daria o luxo de
cometer numa situação como aquela. Principalmente quando a sua
vida estava em risco.

Os olhos de Catherina se fixaram num ponto do quarto


iluminado.

— Deveria ter entrado com London.

— Você jamais entenderá. — Ela interpôs, fechando os olhos


cansados.

— Não! E não vou compactuar com essa sandice! — Brianna


gritou, desconcertada.

Mais lágrimas deixaram seus olhos verdes.

— Pare de chorar. A amo demais para vê-la sofrer.

Então Neville dissera.

Brianna arregalara os olhos em descrença.

— Como disse? — Perguntou com a voz rouca.

Seu coração batia descompassado e a garganta estava seca.

— Deveria ter dito antes. Temia morrer e não dizer como me


sinto de verdade. — Ela sussurrou, puxando os pulsos de Brianna.
A boca macia de Catherina sugou erótica e firmemente a dela
num movimento que oscilava entre o desespero e alívio. As
respirações ofegantes se misturaram entre si e as mãos
desajeitadas pela emoção varriam os corpos cobertos de tecidos.

— Sempre desejei reciprocidade mas agora parece ser um


detalhe tão pequeno. Não me importo se não me ama, só peço para
que me deixe amá-la até o final de minha vida nesta terra.

Neville parecia uma cópia fiel dos anjos pintados nas


catedrais de Londres. Os cabelos emaranhados davam-lhe um ar
selvagem.

— Mas eu a amo, querida. Chega a ser insuportável. A amo


tanto que poderia morrer. — Murmurou Brianna com a boca sedosa
sobre a de Catherina.

— Você me ama?

Agora fora a vez de Neville perguntar com incredulidade.


Desconfiança cintilava em suas íris.

— Com todo o meu coração. Ele é todo seu, meu bem. Eu te


amo, Neville. Eu te amo. — disse num suspiro abafado.

— Eu a amo mais do que já amei qualquer outra coisa em


minha vida. Você me fez sentir viva quando a única coisa que eu
desejava era me auto destruir. Amo cada particularidade e defeito
seu, desejo acordar todos os dias ao seu lado e brigar com você
para logo depois fazermos as pazes nesta cama. — Neville a puxou
para cima de seu corpo, mas ela relutou.

— Seu ferimento...
— Eu morrerei se não beijá-la agora.

Então a jovem baixou a boca para a de Neville, engolindo


todos os seus arquejos de prazer. Sentia-se flutuar como se aquilo
fosse perfeito demais até mesmo para ela.

Tinha medo de acordar e tudo não passar de um sonho.

— Brianna Rowdell, meu amor, quer se casar comigo?

Neville sentou-se no colchão fofo com a ajuda da jovem, e


tomou as mãos delicadas entre as suas.

— Sem um anel? — Brianna sorriu, deixando a cabeça


pender para o lado.

— Cristo, como deixei isso acontecer? Vejamos...

Catherina rasgou uma pequena tira do lençol fino e amarrou


no dedo anelar de Brianna.

— Que Deus me ajude, mas eu quero. Sim, sim, sim! Eu


aceito abdicar de meu lindo sobrenome por você, amor! — Ela gritou
de felicidade, jogando-se em cima do corpo ferido.

— Brí, meu corte. — Catherina chiou de dor, desabando de


costas no colchão.

— Párdon, párdon! — Pediu a jovem sentindo-se mal.

— Lembre-me de quando sair desta cama puni-la


severamente. — sussurrou com malícia no olhar.

— A lembrarei, Mon Cher.


Brianna alinhou-se ao corpo de Neville com todo cuidado do
mundo. Não existia outro lugar em que ela desejava estar naquele
momento. Os braços de Catherina se tornara sua casa antes
mesmo que ela pudesse fazer algo para impedir.
Capítulo 27

A agitação de Neville estava se saindo um espetáculo e tanto


para o bando de raposas que esperavam por um mero deslize seu.
Qualquer palavra, olhar ou ação mal pensada colocariam tudo a
perder. Mas ela buscava não se importar, afinal, se casaria com
Brianna a qualquer custo. No fim de tudo, ela seria sua esposa.

E valeria a pena.

A aristocracia britânica mantinha os olhos felinos sobre ela


com seus sorrisos falsos e afetados. Catherina era um modelo de
disciplina e ordem a ser seguido. No entanto, perante aqueles
nobres pomposos, ela só conseguia inspirar e inspirar fundo mais
uma vez.

O salão principal estava todo decorado em tecidos dourados


e azul turquesa. O noivado mais esperado estava enfim
acontecendo.

— Está belíssima, meu bem. — Catherina nem precisou virar-


se para saber de quem se tratava. Sentia o cheio de amêndoas
invadir suas narinas.

— São seus olhos, amor. — Ela sorriu, virando calmamente.

Brianna trajava um vestido de festa verde esmeralda com


saia volumosa e esvoaçante. O decote generoso deixava a
imaginação correr desenfreada e o espartilho que moldava a cintura
já fina contribuía para fazê-la sucumbir à loucura.
Cachos elaborados caíam pelas têmporas deixando-a com a
aparência de um anjo.

Ah, sim. Aquela era a sua noiva.

Sua mulher.

— Sabe, quando nos casarmos, não restará nenhum desses


malditos espartilhos. Prometo arrancá-los com os dentes se assim
desejar. — O sorriso sedutor já se fazia presente.

— Tão primitiva... — Brianna sussurrou, deixando-se levar


pelas promessas de Neville.

— Você me faz agir assim. — Ela disse, beijando as mãos


enluvadas.

— Meu Deus, você é o meu sonho. — A jovem confidenciou


com emoção cintilando nos olhos verdes.

— E você é o amor de minha vida.

Poderia beijá-la ali mesmo na frente de todos. Não se


importava de parecer indecorosa porque claramente não ligava
mais. Só desejava saciar as necessidades de sua dama.

— Quando fala assim, chego a pensar que já não me


pertenço. — disse Brianna fitando-a com ternura.

— Mas você se pertence, meu bem. No entanto, também é


minha. Porque você quis assim.

London surgira abruptamente, infiltrando-se na penumbra que


as envolvia. Já era algo dele quebrar o clima entre elas.
— Ah, marquês inconveniente. Eu poderia estrangulá-lo com
muito prazer. — Neville guinchou, deixando Brianna ir.

Ela precisava fazer sala para os convidados, mas Catherina


era egoísta demais. Queria sua atenção somente para si. Era pedir
muito?

— Desculpe-me, soberana. — Ele pediu nem um pouco


sincero. A zombaria acompanhava suas palavras. — Sabe que ela
precisa ir, não é?!

— Claro que sei, mas isso não quer dizer que eu concorde.
— Ela sorriu, tomando o braço do cavalheiro.

— Ah, Neville...

— A propósito, está impecável esta noite, milorde. — Elogiou-


o prontamente.

A beleza de Crawford era estonteante. Até um cego tinha de


admitir. Os olhos prateados sorriram para ela em agradecimento.

— Merci, milady.

Eles cumprimentaram alguns convidados no caminho a


contragosto. Catherina não se sentia nada a vontade, mesmo assim,
obrigou-se a ser cortês. Não era uma insensível. E não daria
motivos para envergonhar os Rodwells ou colocá-los em maus
lençóis.

Porém, paciência possuía limites. E a sua chegara ao ápice


quando Kimberly se materializara em sua frente com as madeixas
negras presas no alto da cabeça. Algumas pérolas haviam sido
postas para chamar ainda mais atenção para sua beleza
extraordinária.

Ela parecia um anjo caído.

Um anjo da morte, para ser sincera.

E para desgraça de Catherina, ela era amiga de infância de


sua noiva.

— Então conseguiu, não é?! Como se sente? — Questionou


com um sorriso de escárnio.

Catherina podia fazê-la se sentir uma mísera formiga com as


palavras certas, mas naquela noite em especial se sentia humilde.

— Colocando desta forma parece que a vê como um prêmio.


E minha cara Kim, ela não é. Você teve sua chance, não fez nada
para que o vento soprasse ao seu favor. Por isso, não fique
amargurada destilando o seu veneno no meu baile de noivado.

— Não seja ridícula. Acha mesmo que poderia me vencer se


eu ao menos tivesse tentando? — Os olhos negros pareciam
doentes de raiva.

— Jamais saberemos, não é?! — Neville zombou, agarrando


com mais força o braço de London.

Ele se mantinha em silêncio. No entanto, o maxilar tenso


revelava seu desconforto com a situação.

— Ela só está eufórica. Veja bem, Brianna logo se cansará,


como sempre faz. O que mais pode oferecer a ela depois desse
sobrenome sem graça? — Kimberly perguntou com petulância
erguendo uma das sobrancelhas escuras.

— Oras, mas "Neville" é um sobrenome muito mais bonito


que Wannell, não acha, milorde? — zombou Catherina olhando para
o lorde.

— Ah, com toda certeza, milady. Além de ser francês. — Ele


sorriu fitando Kimberly diretamente.

— Verá, Neville. Verá que estou certa. Ela é boa demais para
você.

— Já chega. Saia imediatamente desse recinto antes que eu


perca a cabeça. — Catherina exigiu entre dentes.

Kimberly encolheu os ombros, mas manteve a postura altiva.

— Não será necessário. Se me derem licença. — Disse


curvando-se numa reverência desajeitada.

London manteve-se calado. Catherina tampouco desejou


dizer algo para quebrar o silêncio constrangedor. Claro que ela
sabia que Brianna era demais para ela. Seria uma duquesa,
precisava de alguém à sua altura. Mas Catherina a amava demais
para deixá-la somente por isso. Se esforçaria para ser o que ela
precisava.

— Não leve em consideração as sandices daquela louca.


Você é a única que a faz feliz. Brianna a ama. — O marquês disse
com convicção depois de um longo tempo.

— Eu sei e isso é tudo que importa.


Catherina tentou fingir que nada acontecera, que estava feliz
e bem naquele círculo de pessoas que se fechava entre si. Mas
Brianna já a conhecia bem demais para saber que algo
definitivamente não estava bem. Podia perceber pela respiração
irregular e pelos olhos sem foco.

Detalhes pequenos que jamais haviam passados


despercebidos por ela. Conhecia Neville com a palma da mão. E
que Deus a ajudasse.

— O que houve, amor? — Perguntou suavemente.

Catherina tentou afastar as sombras do olhar, mas não


conseguira. Não quando os olhos que eram tudo para ela fitavam-na
com tamanha preocupação.

— Nada, Chérie. Não é nada. — Ela sussurrou baixo,


alisando o dorso da mão de Brianna.

Não desejava lhe preocupar com as suas divagações.

— Seremos apenas um daqui há uma semana. Compreende


que não poderá mentir para mim, não é?!

Brianna possuía a proeza de ser encantadora até mesmo


quando era irritantemente manipuladora.

— Eu sei, Bien. Não se preocupe, juro que tudo está


perfeitamente bem. — sorriu beijando os dedos cobertos pela seda
da luva.

— Senhoras e senhores, peço um minuto de sua atenção.


Brianna havia nascido para aquilo. A voz grave soou por todo
salão e a música lenta que soava parara ao seu comando.

— A partir de hoje, Catherina Neville é oficialmente a minha


noiva. E eu queria deixar claro o quanto a amo, e o quanto me
esforçarei para fazê-la feliz. Espero que a conheçam como eu, e
vejam o mesmo que eu vi.

— Chérie... — sussurrou com voz de choro.

— Meu bem... — disse a jovem olhando no fundo dos olhos


azuis marejados. — Eu amo você com todo o meu coração.

E ali a promessa fora selada.

Elas se pertenciam e nenhuma pessoa no mundo poderia


mudar aquele fato. Nem Kimberly, nem toda maldita Londres.
Capítulo 28

Os preparativos do casamento deixaram Brianna totalmente


absorta. Se alguém lhe dissesse há um ano atrás que diria sim para
Neville ela teria caído na gargalhada. Jamais imaginaria o quão
louca seria por Catherina.

Era fato. Ela a amava mais do que a si mesma. Queria fazer


da mansão dos Rodwells um lar para os seus futuros filhos.

Os filhos que teria com Catherina.

Nada mais importava em todo mundo. Apenas ela. Neville era


o centro de seu universo e Brianna não tinha vergonha alguma em
parecer uma lunática.

Ela se sentia dessa forma. Sentia-se flutuar quando os olhos


que foram a sua desgraça desde o princípio a olhavam daquela
maneira ou quando Catherina a chamava de "Chérie".

Nada mais importava.

Brianna torcia as mãos em nervosismo. Seu estômago estava


embrulhado conforme o momento pelo qual tanto havia ansiado se
aproximava.

Santo Deus, ela iria se casar!

— Diga-me que está pronta... — Adriel irrompeu o quarto


bagunçado com preocupação nos olhos.

Brianna estava atrasada. Muito atrasada.


— Ajude-me com o espartilho, por favor, papai! — Ela gritou
ainda mais nervosa reconhecendo que estava muito atrasada.

Mas os atrasos das noivas não eram tradição? Tinham de


tolerar.

Neville insistiu para que Brianna casasse de azul. E Brianna


acatou o seu pedido como a boba apaixonada que era. O tecido a
lembrava de seus olhos.

Claro que ela casaria de azul.

— Já deveria estar pronta há meia hora, Brianna! — O duque


chiou perdido com as tiras do corpete.

Maravilha.

Brianna sentiu todo o ar ser sugado de seus pulmões.

— Meu Deus! Pai eu não vou conseguir!

A quem ela queria enganar? Brianna estava morrendo de


medo. O suor frio descia por sua testa de instante em instante.

Ela sentia que poderia morrer de nervosismo a qualquer


momento.

— Catherina já está lá. Não pode desistir até dizer “sim”. —


Adriel apontou suave.

Seus braços enlaçaram Brianna confortando-a


instantaneamente. A última coisa que desejava era que sua filha
morresse ali naquele momento.

Seus olhos claros a fitaram cheios de orgulho. Brianna se


tornara uma mulher incrível. De uma personalidade inflexível, mas
precisava admitir que ainda assim incrível. O vestido belíssimo
acentuava suas curvas e as mangas caíam elegantemente por seus
ombros nus.

O véu estava preso por uma tiara adornada por safiras que
pertencera a Sophie, antiga duquesa de Emsworth.

Adriel estava seguro em entregar sua filha mais nova e


herdeira nas mãos de Neville. Ela a faria feliz e ele a amava tanto
quanto amava qualquer um de seus filhos.

— Falta um pequeno detalhe. Já volto.

Brianna ficara presa no lugar tentando normalizar a sua


respiração. O som incessante das batidas de seu coração a faziam
tremer em antecipação.

— Ah, Deus! — Rogou mais uma vez andando de um lado


para o outro.

Organizar o casamento não fora problema mas a perspectiva


de encarar Catherina de branco era demais para ela.

Ela seria sua esposa, droga!

— Voltei. — Anunciou o duque adentrando o cômodo.

Ele tirara de dentro de uma caixa de veludo preto um colar


em ouro branco com um pingente de safira no meio.

— É lindo, papai...

A voz embargada de Brianna deixara o duque em alerta.

— Não chore agora, Brí. Nunca aprendi a consolar uma


mulher! — Adriel suplicou fazendo-a sorrir.
— Estou pronta.

Não, ela não estava pronta.

Brianna sentiu as pernas falharem quando as portas da


capela foram abertas e ela viu o tanto de gente que a esperava.
Neville instintivamente a olhou com devoção fazendo sua respiração
acelerar consideravelmente.

Ela a amava tanto.

— Vamos, Brí. — Sussurrou Adriel apertando de leve os


dedos finos e frios da filha.

As pétalas de rosas amarelas estavam espalhadas por todo o


trajeto até o altar e a luz bruxuleante das velas do lampadário
iluminava os fios loiros de Catherina.

O tecido branco a envolvera perfeitamente como Brianna


havia previsto. A beleza de Neville parecia estar ainda mais evidente
naquele dia.

O dia do casamento delas.

Brianna desejava correr e viver para sempre no calor dos


braços de sua noiva. Mas suas pernas continuavam imóveis.

Catherina pareceu notar a relutância de Brianna pois dera um


passo à frente com uma expressão preocupada.

London a puxou com suavidade pelo braço falando alguma


coisa em seu ouvido.

Os ombros de Neville relaxaram mostrando que as palavras


de London causaram o efeito desejado. Um sorriso doce tomou os
lábios cheios e Brianna sentiu-se sair do transe.

“Venha. Prometo não deixá-la cair.”

Catherina murmurou do altar.

E isso fora o suficiente para Brianna praticamente correr ao


seu encontro.

A marcha nupcial soou por toda a capela fazendo os


convidados do mais alto escalão olharem cheios de admiração para
a noiva.

Brianna já não seria uma Rodwell mas isso não lhe


importava. Teria o amor de sua vida para sempre. E nenhum título
de nobreza teria o mesmo valor para ela.

O véu arrastava pelo chão ao passo que a jovem lady se


aproximava de seu destino. Um destino ao qual nunca sonhara mas
que já não se imaginava sem.

O desfecho era perfeito.

Um velho sábio uma vez dissera que Deus escrevia certo por
linhas tortas e Brianna nunca havia entendido de fato o que ele
queria dizer. Até agora.

Sua pulsação acelerara quando enfim Neville deixara um


casto beijo em sua testa.

— Eu amo você. — Sussurrou baixinho tomando as mãos de


Brianna entre as suas.

— Meus irmãos, estamos aqui reunidos para abençoar a


união dessas duas mulheres. — Disse o padre em bom som para
que todos ouvissem.

Dominique era amigo de infância do duque, por isso não se


assustara quando o mesmo fora até sua casa na madrugada
falando sobre um casamento de duas pessoas do mesmo sexo.

Para alguns aquela celebração era uma completa blasfêmia.

Para Brianna e Catherina era o amor em sua forma mais


pura.

E mesmo que Dominique se recusasse, elas arrumariam um


outro jeito.

— Catherina Neville você aceita essa mulher para ser sua


esposa durante toda a eternidade? — indagou Dominique com os
olhos transbordando emoção.

— Eu, Catherina Neville, aceito você, Brianna Rodwell, para


ser não mais que você mesma, de todas as maneiras que a vida nos
encontre, cuidando de você na doença, e alegrando você na saúde,
enquanto vivermos eu juro por tudo que é mais sagrado que a farei
a mulher mais feliz do mundo.

Dos olhos verdes, lágrimas grossas desciam.

— Brianna Rodwell você aceita essa mulher para ser sua


esposa durante toda a eternidade?

Brianna inspirou fundo e disse com a voz um pouco trêmula:

— Em nome de Deus, eu, Brianna Rodwell, aceito você,


Catherina Neville, para ser minha esposa, para ter e manter deste
dia em diante, para melhor, para pior, na riqueza e na pobreza, na
saúde e na doença, para amar e respeitar, até que a morte nos
separe. Este é o meu voto solene.

— Então agora beije a noiva, Neville!

A capela ovacionou o casal com palavras de encorajamento.

— Eu te amo, Brianna Neville. Amo os filhos que teremos e


toda a vida que dividiremos. Droga, eu amo você. — Murmurou com
os olhos marejados, beijando Brianna com fervor diante de toda a
Igreja.

Brianna só conseguira corresponder.

— Eu amo você, Katherine Neville.


Epílogo

O sol do amanhecer reluzia as madeixas ruivas da nova


duquesa, deixando-as ainda mais lustrosas. Como se isso fosse
possível.

Em geral, Brianna parecia abrigar algum tipo de luz infinita


dentro de si. O brilho que transmitia chegava a cegar os olhos
alheios.

Neville continuava parada fitando-a com veneração. Mesmo


depois de tantos anos de casadas, ela sentia o mesmo frio
inexplicável no estômago, o suor descer por sua testa e a boca
secar consideravelmente quando os seus olhos encontravam
Brianna.

Sentia-se da mesma forma quando a olhava: enfeitiçada e


completamente apaixonada.

Brianna sempre tivera esse poder sobre suas emoções. Era


dona de todo seu amor e pensamentos. E seria assim por toda
eternidade.

O destino era um maldito sádico, mas fora generoso com


Neville por mais incrível que pudesse parecer. Sua vida havia
tomado um curso que jamais imaginara, decerto, o destino gostava
de brincar com as pessoas. Com ela em especial ao que parecia.

Catherina se achava boa demais para certas coisas e o


orgulho a privara da verdade durante muito tempo.
Pensava em como fora tola na juventude. Tivera de
atravessar o continente e levar uma facada (tinha de acrescentar)
para enfim encontrar todas as respostas que precisava.

— Será que fizemos bem em deixar as crianças em Londres


com a mamãe? — Indagou a duquesa parecendo preocupada.

Estavam em sua segunda lua de mel. Renovar os votos fora


ideia de Brianna, e Neville como a esposa fácil de convencer que
era, caíra em suas artimanhas mais uma vez.

E céus, era a mulher mais feliz de todo mundo.

Seus filhos e a sua esposa eram o oxigênio que preenchia os


seus pulmões. Davam sentido a sua existência.

— Crianças, milady? — Catherina nem ao menos tentou


disfarçar o sarcasmo em seu tom de voz.

Sophie completara dezoito anos no verão passado e


Alexandra já tinha quinze. Não eram mais crianças, mesmo assim, o
cenho franzido de sua esposa pedia para que ela não discutisse.

Elas continuavam sendo crianças para Brianna. Ponto.

— Falo de Devon. Ele só tem dois anos, amor. — Retorquiu


parecendo ainda mais preocupada.

Brianna nem ao menos sabia mentir.

— Ouça-me, nos últimos anos você se dedicou assiduamente


aos nossos filhos. Merece um pouco de descanso, Chérie. —
Sussurrou aproximando-se do corpo alerta de Brianna.
Os olhos verdes fecharam-se e os lábios de Neville tomaram
os da duquesa num beijo solene cheio de amor. A brisa e o cheiro
de mar as envolvia fazendo Catherina mergulhar nos encantos de
sua esposa.

As mãos de Brianna alisavam a sua nuca devagar,


torturando-a.

— A Grécia é perfeita, amor. — Murmurou com os lábios


sobre os de Neville.

— Não mais que você. A Grécia não se compara a você,


amour.

Neville afrouxou o corpete trazendo-o para baixo de um único


puxão.

Seu novo hobby era despir a esposa em qualquer lugar a


qualquer momento.

Pobre Joshet, sempre encontrava os pedaços de tecidos


rasgados pelo assoalho de madeira da pequena cabana.

Brianna deixou escapar um "oh" de surpresa mas não resistiu


ao olhar predador de Neville.

Os olhos de Catherina continuavam tão azuis quanto o mar


da Grécia. Eles eram os mesmos de dezenove anos atrás.

Catherina sempre seria a francesa rabugenta que pisara no


mármore do salão de baile dos Rodwell. Ela sempre seria o amor de
sua vida.
— Este já é o quarto espartilho que você destrói, Katherine. O
que faço com você? — Gemeu recebendo as carícias lânguidas da
loira.

A língua experiente fazia os mamilos rosados ficarem rígidos.

Brianna segurava fortemente nos ombros de sua esposa


temendo desabar na grama.

Catherina a faria sua ali, em frente pro mar, ao ar livre, mais


uma vez.

— Lembra-se do nosso baile de noivado? — Perguntou


Neville levantando o olhar rapidamente.

Brianna assentiu um pouco zonza.

Como poderia esquecer? Mesmo que desejasse não


conseguiria. Aquele baile fora só o começo da vida maravilhosa que
levava nos braços da esposa.

— Eu lhe prometi que arrancaria todos estes espartilhos com


os dentes se esse fosse o seu desejo. — Murmurou envolvendo a
cintura fina de Brianna.

— Oui.

Catherina mais uma vez a beijou ardentemente.

Nunca se cansaria de beijar Brianna.

— Eu amo você, minha pirralha impertinente. Para todo o


sempre. — Murmurou abraçando o corpo inerte em seus braços.

— Eu amo você. Para sempre, Bien.


E Catherina cumprira o que prometera. O vestido branco de
Brianna não serviria mais para nada.

FIM

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