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"Ela sonhara ontem à noite. E na manhã seguinte, acordara nebulosa. Com uma certa
autonomia nos gestos. E nas palavras, economia. O dia portanto, se fez econômico e curto.
Porque o seu pensar era ausente. Ainda se consumia com o que fora sonhado. Aquele sonhar
feito de vontade era uma ânsia. De ver e tocar no intocável. Da descoberta repetida e certa. O
tempo sem passagem de tempo feito de sonho e esgotamento. Assim, acordou pensativa.
Assim foi o seu dia. Sem alardes para ser apenas um dia. Pensou no sonhado. Voltou a ânsia. A
vontade. Ela que tinha ultimamente, estando com os nervos a flor da pele, tendo alguns
sonhos vividos, insistentes, e às vezes, sem sentido, no momento pousara a xícara de café,
amargo, com calma, pensativa e esforçando - se para não parecer louca de si para si, imaginou
borrões, gente estranha, montanhas , crateras, um tanto de coisas comuns...mas, não isso.
Isso, agora, tentava decifrar, com algumas palavras incertas, imaginando ver-se ridícula e sem
voz.
O que era aquilo? Pensou mais uma vez. Calma, bocejou. Tomou outro gole de café amargo. O
que foi aquilo?
Mas, o ontem era o ontem. Sonhos são sonhos. Realidades impostas vive- se aqui, pensou c
clareza e calma.
Mas, o ontem ainda pesava-lhe, com uma ligeira enxaqueca e divagações. Fazendo alardes,
não a deixando esquecer. Um pensar pesado talvez fizesse parte agora de sua manhã. Pesado
e feito de lágrimas.
Ela se sentiu piegas. E quanto mais brotava tal sentimento, como planta daninha, mais
chorava. Nem sabia bem o porquê. Chorava agora pesada e demoradamente, fora e dentro
dela. Mais para dentro de si do que para fora. Seria o tal sonho ? Lembrou do tal como cristal.
Vivido. Assim o foi. Entrou no sonho portas adentro em um mundo só seu. Se viu desperta,
bonita, alongada, feliz. Viu sua imagem em um espelho e perguntou de si para si: " Voltou?"
Achou- se estranha. Não se reconhecendo mais. Não respondeu, pois se viu em êxtase pois era
jovem. Como se olhando a primeira vez. O êxtase era sem fim. Disse de si para si que ali seria o
seu lugar. Não sabendo ao certo que lugar estava. Nem onde. Olhou- se mais uma vez não se
reconhecendo ...mas, sabia que era sua imagem. Mudada . Feliz. O seu eu dentro de si, em
algum lugar, dizia ter se encontrado. Sentou- se perto de uma janela enorme, pois se via
cansada. Olhou profundamente a paisagem lá fora. Era lindo. As cores, de tão vividas,
lembraram- lhe plástico colorido. Era um jardim.
Imaginou o dono daquilo, mas, não havia ninguém a quem perguntar. Havia apenas ela, o
espelho e a janela.
Mas, o tempo a consumia. Sentia isso. Pensou por um momento, que o tempo ali inexistia.
Como uma mágica. Pensou até parar o tempo não pensando nele. Olhou - se então
preocupada no espelho. Lembrando -se do tempo. Sentiu- se consumida por este. Olhou - se
novamente com horror: o tempo a consumia por completo. Quanto tempo tinha se passado
ali? Esperando....esperando...quanto tempo de espera? Sentiu- se tão perdida que passou
mal. Sentiu - se sufocar. Estava presa. Onde? Em que lugar? O tempo a moldou para a espera e
isso a agoniava. Opressa e sem voz naquela caixa com janela enorme, ela esperava. Quem? O
quê? Prevaleceu de repente uma saudade mesclada com ansiedade. Ânsia e desejo. Viu
pessoas ao longe, estranhas, fora da janela de vidro, fora do seu alcance. Não as ouvia. Um eco
profundo retornava quando tentava falar. Não havia ninguém.
Agora era ela, uma janela e um jardim . Não sabia ser real ou de plástico. Percebeu que nada
se desfazia. Nem a janela, nem as flores, nem o sol, nem a noite. Nem os estranhos ao longe.
Conversavam intactos. Mas, olhando- se novamente ao espelho, ela sim. E isso a aterrorizava.
Envelhecer e terrível, pensou. Olhava- se sistemática e insistente. Seu rosto não existia mais.
O tempo inexistia ali, mas, prevalecia para ela. Dentro dela sentiu doer. Porquê?
Sua figura, agora velha e desfigurada, cansada de esperar, sentada ali naquela janela, sentiu -
se triste e silenciosa. Voltou- se ao espelho em cólera. A figura a sua frente, dentro de uma
miragem límpida era a si própria. Velha e desfigurada. A juventude tinha- lhe voltado às costas.
Ignoro- me?
Sentiu pesar. Sentiu o medo pousando como uma ave. Lentamente estava ali.
Lembrou vagamente da espera. Lembrou o porquê estivera ali. Entrando por uma porta de
lembranças.
Ele mora aqui agora. Porque não voltaria? Ouviria a sua voz? Inventaria estórias?
Sentiu um cansaço extremo nos pés e nos braços e se deixou sentar novamente frente a
janela. Olhando mais uma vez, entendeu a agonia da espera. Talvez em vida, está nunca
terminaria.
Deixou- se ficar Ali. Presa e ansiosa na longa espera. Até que esta finalmente a cansou. Sentiu-
se solitária mas liberta. Não sabia bem do quê nem para quê. Mas, a liberdade deu um certo
gosto em sua boca.
Amou- o tanto e com tanto apego e saudade, que a vontade de revê- lo em seus olhos, a
sufocava.
Ele agora, morador eterno do único lugar que ela conhecia. Aqui, pensou, aqui. Cá dentro.
Era madrugada alta quando acordou. Acordou como que retornando de uma viagem, sabe-se
lá da onde..
O cobertor quente pesava- lhe ao corpo. A boca seca pediu água. Não havia palavras nem
pensamento algum, que passasse por sua cabeça agora, sentia apenas a refrescancia da água
na sua garganta.
O escuro, pesado como o cobertor que tinha largado, deu a ela, de repente, um senso de
liberdade, dever cumprido, primorosa missão. Voltava de uma guerra. O escuro do quarto
tocava - lhe a pele e ela corajosamente não tinha mais medo. A água fria, fez- lhe alheia aos
olhos acostumados agora à escuridão. Sentiu-se viva.
Pisou no chão igualmente frio. Sentiu seus pés e todo seu corpo. O escuro do quarto agora não
era feito de medo, mas de vida também.
Respirava.
Sobrevivera ao naufrágio.
Como algo concreto que jamais se abstém de ser real, ela voltaria. Sempre.
"Quase todas as manhãs, agora, ao preparar o café, ela fechava apertado, a torneira da pia.
Tornara-se habitual. E com o mesmo hábito, sem força no pensar, ela ligava o rádio. A torneira,
teimando ainda em quebrar o silêncio, gotejava ainda, um pouco. Balbuciava, reclamando
baixinho, a ordem imposta pelo gesto brusco. " Fique quieta!"
Hoje, diferente de todas as outras manhãs, ela ligara e desligara o rádio várias vezes. Uma,
duas, três. Ainda não sabia ao certo o porquê. Mas, tinha uma intuição. Fingiu- se para si, ser
boba. Desconhecer a intuição. Tinha medo de falar. Então, pensou. Segredou a si. Fingiria não
saber. Seria mais fácil.
Mas, o incomodo persistiu. Por fim, com um gesto também brusco, desligou o rádio. Começou
a sentir no paladar, que o café rotineiro, de todas as manhãs, nesta estava mais amargo.
Pensou no açúcar. Mas, imediatamente, em repulsa, desistiu da máscara doce. Tomaria o
líquido amargo. O mal estar ligeiro, agora, era palpável e acentuou-se com o café puro. Com a
mesa posta. Com a torrada. Com a manteiga. Ela mastigava Autômata. O mal estava feito,
pensou. Chegou. Está aqui. A manteiga a sua frente, se tinha derretido. Como cera ao sol. Ela
sempre tão cautelosa, tão cuidadosa, não percebia. Estava ali, presente, como um hóspede
indesejável, reivindicando direitos, e ela não sabendo o que fazer, deu sinal finalmente, que o
reconhecia. Que o aceitava. Que o alojara. E isso, pela primeira vez, a assustava.
O silêncio se fez presente. Era ente. Era hóspede permanente em sua casa.
Desde quando descera a copa, em todas as outras manhãs, ela se fazia de lograda. Cantarolava
baixinho, fingindo não sentir. Ria para si ou olhava as plantas. Aguava terra. Tirava roupa do
varal. O céu ora claro pra escuro, nada lhe dizia. Se falasse algo, tampouco ela escutaria.
Enxergava tudo. Via o que não queria ver. Achava que sentir era como plantar. Dominaria o
crescimento. Mataria algo de sede. De fome. De vontade. Ela, só ela sim, teria esses poderes.
Mas, não esta manhã. Tudo estava inerente à sua vontade.
Assustada, procurou pelos antigos pardais, que anteriormente eram alimentados, quase
ansiando que eles voltassem a sujar o quintal, como acontecia antes. Mas, eles teimavam em
não aparecer mais. Onde estariam?
Entrara novamente na copa, na cozinha. Trafegou a passos lentos, como se quisesse dar vazão
ao que tanto a incomodava. "Talvez passe" pensou. Mas, os passos iam da cozinha para a
copa, da copa para o quintal, do quintal para a sala, quase que como um disfarce, mas que ela
sabia ser necessário, pois desde o início, combinara de si para si, em um ato heróico e cheio de
vida, que seria uma sobrevivente. " Sou uma sobrevivente " . Repetia às manhãs, ao espelho.
No fundo, achava o ato meio débil, nunca entendo ao certo porque fazia.
Agora, neste exato momento, entrando na cozinha, e dando voltas na copa vazia, alcançando
com pressa, talheres, xícara e a torrada, sentiu necessidade do refrão débil: " sou uma
sobrevivente."
Mas, por mais que repetisse, como uma oração, a agonia sempre voltava. O algo estava ali.
Coçou as mãos e os braços fortemente, com a boca cheia de torrada, querendo aliviar-se. A
cabeça pesava-lhe. Ouvia ainda, da torneira calada, as últimas reclamações. Com um gesto
fingindo paciência, único, calou-a, apertando- lhe ainda mais.
Sufocando aquela garganta de metal, parecia agora arrependida, pois era assim que se sentia.
Apertada. Sufocada. Inerte. Como uma torneira quieta. Como que tendo de jorrar alguma
coisa, mas, não conseguia. Não precisaria de espelho para ver-se. Sua alma era o silêncio. E
este, como um rastro de fogo, rápido, invadia a copa, a sala, as escadas, o quarto, a casa toda.
A casa agora, queimava no silêncio.E ele, como único dono presente, reinando em absoluto,
reivindicava agora a alma dela. Aterrorizada e surpresa, via agora, sentia. Como não percebeu
antes? E ela finalmente se viu, completamente queimada.
Seu hóspede enfim, se fez presente. Revelou-se. Deu a conhecer suas pretensões. Talvez, não
como alguém cruel, ou bom em demasia, ou passageiro. Era o que sempre foi. Ela o sabia,
desde sempre, com a diferença que fingia não saber. Ele escondera-se atrás dos móveis,
outrora limpos e encerados, atrás das cortinas da casa falante, dentro da cômoda. As gavetas e
portas, em segredo lhe falavam. Mas ela, na sua teimosia de vida, negava a acreditar. Ela, feliz
demais, empaturrada de doce nas mãos, não sabia como acreditar. "As coisas se escondem
atrás de nós". Pensou sentada a mesa, se aquietando e terminando seu café. Por fim, enxergou
seu hóspede à sua frente. Materializado no lugar que outrora fora dele.
Era feliz. O sabia. Entendia tudo. Acreditava. Mas, o estar agora nesta nova guerra, e
descobrimento, pesava-lhe. Não sabia se poderia se alegrar por achar-se intuitiva por
descobrir por si este indesejável intruso, agora presente, ou sentir-se arrastada por uma onda
repentina de pena para si.
O que sentiria? Ela não soube responder. Sabia apenas da fome que sentia agora. Era uma
fome de gestos. Da voz dele. Que jazia queimada assim como toda a casa. Sabia apenas estar
faminta de algo frente à esta nova realidade.
Terminou seu café mais calma. Com sinceridade para si. Não carecia enganar-se mais. A casa
existia. Sobreviveria ao incêndio. Sem sua voz, haveria o rádio. A torneira teimosa. Um pássaro
cá ou acolá com certos barulhos. A voz da vizinha brigando com o cachorro.
Para si e para ela, sabia sempre, desde que existia como gente, ser duas. Nada mudaria.
Haveria sempre ela e a voz dela. A que disfarçaria sempre, como sobrevivente de guerra, que
sempre encontraria as palavras corretas, um propósito e um ser nas coisas e a que viveria sob
este disfarce. Disso sabia: não teria medo.
Pesaria descobrir tantas coisas. Mas, por hora precisava lavar a louça amontoada na pia.
"As coisas sempre são o que são, nada tem um nome definido. Até serem descobertas."
Pensou com as mãos cobertas de sabão. "
"Não sabendo ainda o porquê, raramente ia ao quintal em noites estreladas. Ele ao contrário
dela, amava o céu noturno. Sempre, com olhos fixos nas pequenas luzes, que no infinito
longínquo ainda brilhavam vivas, a chamava. Uma, duas, três vezes, em um tom baixo mas,
insistente. Às vezes, usava o apelido de costume, outras vezes seu nome. E ela sentia no
íntimo, com certa admiração e incredulidade, sua fraqueza em não querer ficar sozinho
naquele vasto piche negro. E admitia para si: isso o tornava belo. Ele com um propósito
solitário mas decidido, manifestava o desejo pungente, de compartilhar o inatingível.
Presentear com os olhos o inalcançável.
Ela demorava a ir ....enfiada na casa, dava- lhe desculpas...dizia finalmente que tinha medo.
Medo de quê?! Perguntou indignado certa vez. Olhaaa...vem ver...aquela ali! E ela devido a
insistência dele, aparecia finalmente na penumbra do quintal, se esgueirando pelas paredes,
pedindo abraço. Quando a via ao seu lado, corria ao interior da casa, e afoito, apagava o
restante das lâmpadas que ainda davam certo conforto a ela.
Agora veja, suplicava ele. Siga meu dedo...ele então a abraçava e levantava seu rosto para o
céu. Apontava. Uma, duas, três, todas...queria mostrar-lhe todas. Ela fingia que não via. Mas,
no íntimo enxergava tudo. Aquilo era tão vasto. E tão grande. Tão poderoso, que tudo
rodopiava em segundos e a deixava atordoada. E com medo ela emudecia. Emudecia por
dentro, por fora....seu rosto congelava. Ela sentia. Sem jeito, disfarçando, ela enganava-o
fingindo gostar.
Como explicar a dimensão desta beleza sublime, que dá medo? O caos deste piche negro
acima que assusta? O estar com ele ali, tornava suportável.
Fingia como boba, não conseguir enxergar. Ele que já tinha desligado as luzes de toda casa, e
gostava disso, no breu completo, dava a ela certo incômodo bom. E por mais que tentasse
entender, de todas as vezes, ela não conseguia explicar. Apenas sabia: o incômodo era bom.
Furtivo. Pesado no início, como uma descoberta a ser feita, mas, sempre a tornava leve.
Lembrava da infância. Seu pai apontando para ela, no céu noturno, algum avião que passava.
Ela amava. Como se todos os aviões fossem coisas muito importantes. A serem vistos. Assim
ela achava.
Mas, agora...ela tinha medo. Não existiam aviões. Tinham luzes fracas, fortes... Enormes,
pequeninas, em um mar negro distante e inacessível. Sem controle. Sentia então, perder algo.
Como escape entre os dedos. O que?
Como uma lição infantil a ser aprendida, ela ouvia o seu medo emudecida.
Ele falando a meio tom, em uma verdade quase absoluta, crédulo em tudo, a abraçava no
quintal. Naquele quadrado simples e negro, mas, com uma vastidão gigantesca de escuridão e
luzes, ele sentia seus braços frios.
Ela de todas as vezes, sentia a boca seca. Coração batia forte. Apertado. Temeroso. Queria
fugir dali. Não entendia, por mais que tentasse explicar, este certo abismo em formato de
abraço. Pode algo ser tão vivo que lhe tira o fôlego? Pensava. Por segundos, as vezes, sentia
cair, mas ele por instinto, a segurava firme. Ria dela...com uma graça jovial, quase infantil. Ela
só ouvia o riso dele ..
Porque gostava daquele abismo que a tragava com tanta vida e beleza?
Ela não ria. Nunca. Só continuava ouvir no escuro, a risada gostosa dele. Apenas disfarçava,
sentindo o escuro como aliado. Aprendera a disfarçar com os olhos. Fingindo não ter medo.
O medo, ela descobrira depois, era o presságio do tempo. Hoje, ela o sabia. Hoje ela aprendera
a olhar sem medo as estrelas. Tornaram- se confidentes. Segredou a elas sua infantilidade
passada. Aprendera a andar. A não cair. Sentira na massa negra, obscurecida e intacta, algo
que vai além de si, que contrasta com o mundo cotidiano e diário.
"Porque terminaria?" Repetia teimosa, vestindo uma roupa pesada, como uma proteção. As
ondas do saber, vinham, mas paravam, lerdas. A maré estava alta, agitada, os olhos
viam....mas, ainda assim...era inconcebível entrar no mar. Um mergulho em águas tão
perigosas, estava fora de cogitação. Parando...indo...parando.meu pensar finalmente era um
nado sem sincronia, mas o afogar-se estava fora de cogitação.
O saber, em águas tão profundas, escondia o entender, e a mão paciente, muito no verbo e na
ação, direcionava o leme.
"Eu me visto da casa hoje. Assim como me vestia dele. E de tudo que ele falava. Eu me cobria
com o lençol, com o cheiro, com a pele, com a voz dele. E já imaginava o som dele na ausência
inexistente. Como o ontem, que já existiu. Hoje, o som que guardo da voz, incorpora tudo o
que vejo e sinto. Moléculas de lembranças, impregnadas dele, permanece. Como um bom
perfume."
" Às vezes, chegara quase a odiar as flores que ele plantara para ela.
Sentia uma certa agonia, neste nascer e renascer constante. Como se o nascente e o poente do
sol e o morrer do dia, fosse dado a ela, apenas com a ramificação dele.
Ela observava ele na memória vívida, zelando e cuidando da terra e das plantas, que logo
morreriam.
O cabelo prata dele, outrora castanho escuro, agora branco e puro com a luz do sol, irradiava
um certo querer nela. Incerto. Mas, com vontade de parar o mesmo sol e dia que o fazia
brilhar.
Ela agora, quase odiava, as mesmas plantas, a mesma terra, o verde de passagem jovial, e as
que jaziam já mortas.
Seus olhos foram forçados a ver a nitidez da terra e a mudança impiedosa das sombras.
Percebera depois de um tempo, que ele plantara flores nela, ela avessa à contagem do tempo,
percebia agora com nitidez estranha às estações, jogada a semente da lembrança na terra
seca, sedenta agora por água, nada mudaria ou escaparia, aos dias e anos seguidos de sol. "
Dava- lhe uma certa sensação de plenitude essas pequenas guerrilhas íntimas. Não tomando
para si, ainda que temerosa, em um futuro incerto, a guerra plena . A tolerância para si, nestes
momentos, tornava- a paciente e bondosa. Quase pueril. Não que o fosse. Quase nunca era.
Tinha olhos por todo corpo. E a mínima rajada de vento a fazia sentir. As coisas eram coisas e
somente coisas que se auto destruíam e o tempo um amigo mortal.
Saboreando nesta manhã, o café preto e amargo, que tinha o mesmo gosto e cor de todas as
manhãs, nesta, acentuou-se o desabrochar. A descoberta. O amargo do líquido, parecia-lhe
finalmente mais suave.
Abocanhou um bocado do pão de milho que a anos fazia para ele. Abocanhou uma, duas, três.
E com um novo sabor sobrevivente, ela gostara. Finalmente, com uma placidez de uma
trabalhadeira braçal, lembrou-se dele.
O dia deu-lhe bom dia normal. O Domingo se espalharia como os outros domingos. O sol da
manhã, misturou-se rasteiro com tudo o que ela conhecia: quintal, plantas, roupas a secar, ela.
O sol misturava- se a ela. Ela fazia parte dali, daqui, lá acolá. E aos poucos, como recém saída
de um quarto escuro, e com os olhos levemente fechados, ela acordara.
Saiu....saiu da penumbra que a escondia e viu certa claridade forte abraçando-a com força.
Pela primeira vez, não escondeu seus olhos, daquele que pouco a pouco, logo nas primeiras
horas, banhava tudo.
Seus olhos abriram -se secos. Acostumando -se pouco a pouco com o enunciado do dia.
Nesta agonia e paz presente em toda parte. O que sentiria no dia seguinte? Presente diante
deste mesmo sol imutável aos seus olhos, mas que a mudou para sempre?
A contenção de si era quase um ritual agora. Pensara...aprendera a pensar como algo a parte
de si.
O que faria diante deste mesmo sol que suavemente a agredia com sua claridade estranha?
Aprenderia a respirar?
Lembrar- se-ia dos encontros de si para si, nestas confidências que só os olhos da alma
conseguem ver?
Juntos, tinham se acostumado tão bem com o formato das coisas....Tudo tão concreto e
acertado. Trabalhou com precisão o novelo da vida. Gostara das cores que o seu jardim
secreto adquirira. Com ele, a linha e a forma parecia ter sentido.
Mas, as vezes, em um minuto de silêncio muda o formato das coisas. A vida perde a forma e a
água tão sagrada e continua, não encharca o solo como o esperado.
O improvável rompe-se.
Mas o sol agora, os fazia abertos. O castanho doía. Latejava ver. Mas ela teimosamente via.
O agridoce na boca misturado com o café amargo e a bolacha doce ainda se fazia presente e
perdurou por um bom tempo. "
Meu cabelo negro solto, emaranhado com a força do vento, em uma juventude eterna,
Pensamentos.....
Milhares e milhares de palavras- estrelas que nadam neste mar silencioso e negro.
Nos acompanha ao poente, mais um dia, fazendo oscilar a sombra do eu , que existe em mim.
Forte claridade deste meu saber, que me cega suavemente...e fecho as cortinas deste meu
pensar.
É dado em certa hora, que teimo em te buscar nas paredes do palácio vazio.
Sombra do que é,
Fagulhas que me queimavam a alma e toda existência, agora se aplainam, com a placidez da
tarde.
Não há dor.
Não há bondade
Não há maldade.
Para nós.
Fora teus olhos, eternamente cor de âmbar. E no teu rosto, o que imagino ser, uma leve brisa
morna.
A propósito da saudade, neste meus olhos ainda cor de terra molhada, que te olham agora,
E pedirei licença ao teu sorriso, para viver, mais um dia sem você."