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ISSN 2314-2189
doi: 10.34096/sys.n40.10492 121
Signo y Seña 40 (julio-diciembre, 2021): [121-143]
A escalada da violência
doméstica contra mulher
durante a pandemia da
covid-19 no discurso da ONU
Mulheres
" Cintia de Freitas Rodrigues Loureiro
Universidade de Brasília, Brasil
cintiafrodrigues@gmail.com
Viviane Resende
Universidade de Brasília, Brasil
resende.v.melo@gmail.com
Resumo
Abstract
Resumen
Palabras clave: violencia doméstica contra la mujer, pandemia, ONU Mujeres, análisis
crítico del discurso.
1. Introdução
1 Entendemos que a violência doméstica não é restrita à violência de homens contra mulheres, pois extra-
pola os limites da cisheteronormatividade. Contudo, neste trabalho concentramos o olhar sobre a violência
doméstica praticada por homens contra mulheres.
2 A nota técnica “Violência Doméstica durante a pandemia de covid-19” pode ser acessada emhttps://forum-
seguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf. Acessada em 27 de abril
de 2021.
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Cintia de Freitas Rodrigues Loureiro, Viviane Resende Signo y Seña 40 (julio-diciembre, 2021): [121-143]
3 Informações da notícia “COVID-19: Mulheres à frente e no centro”, sobre Declaração de Phumzile Mlambo-
Ngcuka, vice-secretária geral da ONU e diretora executiva da ONU Mulheres, podem ser acessadas em http://
www.onumulheres.org.br/noticias/covid-19-mulheres-a-frente-e-no-centro. Acessado em 16/11/2020.
4 Informações da notícia “Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos
afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas” podem ser acessadas em https://agenciadenoticias.ibge.
gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27877-em-media-mulheres-dedicam-
10-4-horas-por-semana-a-mais-que-os-homens-aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-pessoas. Aces-
sado em 16/11/2020.
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Na maioria dos casos, a agressão física que leva as mulheres a esses abrigos é apenas a
manifestação mais imediata da subordinação que elas experimentam. Muitas mulheres
que procuram proteção estão desempregadas ou subempregadas e um bom número
delas são pobres. Os abrigos que servem a essas mulheres não podem se dar ao luxo de
lidar apenas com a violência infligida pelo agressor; eles também devem confrontar as
outras formas de dominação multicamadas e rotineiras que muitas vezes convergem para
a vida dessas mulheres, dificultando sua capacidade de criar alternativas às relações abu-
sivas que as levaram a abrigos em primeiro lugar (Crenshaw 1991, 1245, tradução nossa).
Outra questão levantada pela autora é sobre mulheres, muitas vezes, bus-
carem o fim do ciclo da violência doméstica, mas sem necessariamente
desejar a prisão de seus companheiros, “levando em conta a marca colonial
conter a privação de liberdade”. Isso mostra, segundo Akotirene, traços
de elitismo e racismo na própria Lei Maria da Penha (Lei N.°11.340, de 7
de agosto de 2006).
Os textos dos posts da ONU Mulheres, que estão no estrato realizado como
parte de eventos discursivos em suporte digital, serão analisados para
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Ao discorrer sobre esta categoria, Fairclough (2003) teve como base estudos
de Halliday, para quem, por meio da linguagem, interagimos com outras
pessoas no dia a dia para estabelecer e manter relações. Segundo Halliday
(2014), esta interação, ou troca, entre os participantes acontece por meio
de funções de fala. As duas principais —oferecer e solicitar— podem se rea-
lizar a partir da natureza do que está sendo trocado: informações ou bens
e serviços. Essas duas variáveis, quando tomadas em conjunto, definem as
quatro funções principais de fala: oferta, comando, declaração e pergun-
ta. Estas, por sua vez, são correspondidas por um conjunto de respostas
desejadas: aceitar (ou não) uma oferta, executar (ou não) um comando,
reconhecer (ou não) uma declaração e responder (ou não) a uma pergunta
(Halliday 2014, 135)7.
Para dar vazão a esta dimensão discursiva, Fairclough (2001, 200) aponta
que a modalidade pode se manifestar para além das palavras que funcionam
como operadores da modalização, como verbos modais, adjuntos modais,
grupos adverbiais e também algumas expressões que denotem noções de
probabilidade ou usualidade. Os tempos verbais e as indeterminações tam-
bém estão entre as possibilidades de operação dos mecanismos de moda-
lidade nos textos. O uso do presente do indicativo, por exemplo, pode ser
interpretado como uma modalidade categórica.
4. Análises
A prática social em que se situa o recorte que compõe o corpus para este
artigo é a prática de produção de conteúdo digital, de perfil institucional
de organismo internacional, em rede social —neste caso, o perfil da ONU
Mulheres no Instagram. A análise das postagens identificou os objetivos
comunicacionais do organismo internacional como sendo a promoção de
ações institucionais do órgão e de seus parceiros; campanhas informativas
e serviços.
Figura 2. Nuvem de palavras: conteúdo verbal das publicações de @onumulheresbr (elaboração própria).
O impacto econômico da pandemia Covid-19 pode dificultar que uma mulher deixe o
B
parceiro violento, assim como pode aumentar o risco de exploração sexual.
Elas estão mais expostas à violência de gênero e ao tráfico. Estes riscos podem aumentar
C devido às restrições de mobilidades internas e externas e à falta de documentação, o que
torna mais difícil o acesso delas a serviços de saúde e medicamentos.
F O distanciamento social não pode significar isolamento nem abandono das mulheres.
O confinamento pode fazer com que situações de violência doméstica ou exploração sexual
G
contra as mulheres apareçam ou piorem.
Essas maravilhosas aqui em cima, são algumas das integrantes do Comitê de Mulheres
Negras rumo ao planeta 50-50 em 2030. Este projeto, que é parceiro da @onumulheresbr,
H vem pensando em sustentabilidade no mais amplo sentido da palavra e priorizando a vida
das mulheres negras, que é comprovadamente o grupo que vem sendo mais afetado diante
da pandemia por Covid-19.
Quadro 1. Mapeamento de modalidades epistêmicas de probabilidade no corpus (destaques nossos; elaboração
própria).
Esta seleção acima foi feita para agrupar os fragmentos em que o prin-
cipal foco da ação discursiva é alertar para os efeitos da pandemia da
Covid-19 na vida de mulheres. Entre as possíveis consequências, algumas
já registradas oficialmente por órgãos públicos, estão: aumentar riscos de
violência doméstica (A); aumentar o risco do parceiro se tornar violento
e de exploração sexual (B); maior exposição à violência de gênero e ao
tráfico (C); aumento do risco de violência por parte de maridos e compan-
heiros (D); aumento do risco de violência contra mulheres (E); aumento de
abandono de mulheres (F); surgimento ou agravamento de situações de
violência doméstica e exploração sexual (G); atentado à vida de mulheres
negras, o grupo mais afetado na pandemia (H). A modalização epistêmica
de probabilidade mais frequente nesses casos é com “poder” (ou “tender”),
vinculado a “aumentar”, “dificultar”, “estar sujeita” e o léxico do risco. Há
também modalidade categórica em C, com o uso do presente do indicativo
(“estão” e “torna”). Assim, o que essas modalizações realizam é ênfase
sobre situações de violência já postas, em termos de tendência diante das
limitações impostas pela pandemia, seja pelo necessário isolamento, seja
pela precariedade anterior e agora agravada.
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Ah, você pode me acionar também no Google Assistente. Basta dizer: Ok, Google, falar
I
com Robô ISA.
Então, se você conhece alguém ou você mesma está passando por alguma situação de
K
violência e não sabe o que fazer ou a quem recorrer, eu posso te orientar.
O que governos, empresas, meios de comunicação e sociedade civil devem fazer para
P
responder à crise?
Que ações devem tomar governos, empresas, sociedade civil e meios de comunicação na
Q resposta ao aumento da violência contra as mulheres, resultado do distanciamento social?
#FicaEmCasa é uma recomendação que todes devemos seguir, mas sabemos que a casa
U
também é um lugar perigoso para muitas mulheres.
A partir do uso dos verbos “dever”, “precisar” e “ter de”, o organismo apon-
ta para a responsabilização de instituições e atores sociais, com alto grau
de obrigatoriedade para as ações a serem tomadas sugeridas pela ONU
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5. Reflexões finais
8 Acesse em https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/vitimas-de-violacoes-de-direitos/publica-
coes/painel-de-dados-da-ouvidoria-nacional-de-direitos-humanos.
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para que alguém faça algo, é necessário elucubrar sobre quem deve fazer
o quê. É de nosso conhecimento que as postagens têm objetivos diversos
e não devem se limitar à cobrança de ações. Porém, nas publicações em
que o foco é chamar atenção para a necessidade de tomadas de decisão
ou mudança de direcionamento de ações, é necessária a preocupação em
como atribuir responsabilidades no lugar da escolha pela responsabilização
não específica.
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