Você está na página 1de 24

A criança como método

para ler Lacan

Aula 1
Ilana Katz e Christian Dunker
IP/USP - março/2023
• A infância universalizada:
é a que recusa a se dizer em seus traços: no Brasil é branca, rica
e filha de famílias cis, hetero e bi parentais, além de não ter
deficiência classificada.
• As infâncias contra hegemônicas:

INFÂNCIA / São as que confrontam tal universalidade, as quais sempre


precisamos adicionar um descritivo para referi-las (Katz, 2021,

INFÂNCIAS 2022).

• o lugar da criança no discurso social na história da


humanidade (Philippe Ariès)
• o lugar designado à criança no laço social no mesmo tempo
histórico.
• os determinantes culturais e sociais: os marcadores de classe,
raça, gênero e deficiência atravessam a experiência da
infância.
• Infâncias: faixa etária? de tempo de crescimento? de
INFÂNCIA / maturidade biológica? condição de estudante/aprendiz?
• A diferença está marcada na geografia, mas também não é
INFÂNCIAS geográfica.
• A questão é territorial e decide hegemonias.

• Diversidade→ Geopolítica
GEOPOLÍTICA
• Interrogar a produção teórica da psicanálise para territorializar e racializar a experiência
da criança.

→A teoria da constituição do sujeito é universal?


- a diversidade e a variação antropológica das infâncias
- os elementos que ampliariam essa possibilidade

• Os nossos modos de dizer a criança e sua família: participamos do debate político


engajados no enfrentamento da segregação ou, fazendo um uso específico de nossos
modos de entender e de dizer a estrutura subjetiva, participamos da consolidação dos
discursos patologizantes?
“No tempo • o sujeito responde ao lugar que é reservado à
criança

da infância • 'criança' é o significante que conjuga os termos do


o sujeito desenvolvimento, as possibilidades do corpo e as
determinações da época. Comporta, também, as
diferenças de cultura e os efeitos da divisão de
precisa lidar classes e de marcadores como raça, gênero e
deficiência no interior de uma mesma cultura.
com a • o sujeito responde ao lugar que lhe é atribuído:
criança” recusa, confirma, transforma.

→ Clarice Cohn, Colette Soler


CHILD AS METHOD
Erica Burman,2019
CRIANÇA COMO MÉTODO / CHILD AS METHOD
• a questão da tradução

essencialização da criança
(criança burgesa/autenticidade/verdade)
X
determinação geopolítica da infância

• Conjunto de compromissos epstemológicos que toma a criança como ponto nodal de um conjunto
de práticas, relações sociais e arranjos institucionais como forma de ler as práticas político-
culturais (incluindo a produção acadêmica).
CHILD AS METHOD
• Uma resposta articulada entre os Estudos da Infância* e as Teorias Sociais Críticas: teorias
pós coloniais, estudos sobre migração, teorias feministas, teoria queer, psicanálise.

• Uma abordagem transnacional para enfrentar a perspectiva universalizante do


desenvolvimento que se presta a descontextualização política das infâncias.

• Uma estratégia analítica para abordar as infâncias geopolítica e historicamente


determinadas.

• Para interrogar o papel e a função performados pela figura da criança.


• Elemento chave de vários tipos de discursos de
desenvolvimento

• Criança como posição interpretativa ou narrativa

CRIANÇA • criança e infância como eixo central nas dinâmicas


e reconfigurações coloniais e pós-coloniais

• recusa modelos deficitários da infância


(desconstrução da psicologia do desenvolvimento)

• CRIANÇA COMO MÉTODO É UMA AGENDA POLÍTICA


MÉTODO

• Método como estrutura analítica (não é protocolo técnico)

• Não tem relação com nenhum modelo específico ou teoria sobre infância → produzir um
egajamento ético-político

• Interseccionalidade (como mútua deteminação)


Raça, classe, gênero, deficiência, sexualidade: “o status de ser criança é modulado por isso”
(geopolítica)
[efeitos na subjetivação]
MÉTODO
• Perspectiva feminista decolonial:
“a partir de um objeto de estudo, procuramos destrinchar todas as vertentes que o tornam social,
cultural, político, histórico e econômico. Um método que desnaturaliza a injustiça (“sempre foi
assim”) e destaca o esforço constante da supremacia ideológica de normalização de injustiças e
iniquidades, um método que nos alerta para a pacificação induzida pela ideologia do "não há
alternativa” (Vergés, 2021)

→ transpondo essa proposição para os diferentes domínios dos estudos da infância:


desnaturalizar o que é feito em nome da criança (explo teto do orçamento)

→ significações a respeito da infância


+ consequências que tais construções organizam : com que ideia de criança entramos nos
debates?
INFLUÊNCIAS
INFLUÊNCIAS

- como esses compromissos epistemológicos convocam desenhos específicos de pesquisa,


foco e análise.

- Lentes analíticas para explorar temporalidades e historicidades

- Artigo da Artemis Chri


- O caso da Maré: práticas de cuidado X acesso a direitos
INFLUÊNCIAS
1-ASIA AS METHOD
• Chen, 2010

• Co-construção das concepções ocidente/oriente

• De-imperialização (projeto político e subjetivo para desinvestir


nas formas colonizadas de pensar e sentir)

• De-guerra fria: reinterpretar suas consequências

→Elisão entre os projetos de criança, nação e desenvolvimento


internacional precisa ser enfrentada

→Importar análises pós coloniais para pensar a infância


INFLUÊNCIAS
2-BORDER AS METHOD
• Mezzadra&Neilson, 2013

• Discussão pós-marxista do trabalho em relação a (i)migração

• Bordas incluem e excluem e por isso demandam a observação e o estudo de suas


formas específicas e ativas de inclusão e exclusão

• Leitura geográfica dos termos em jogo para resistir à individualização e


psicologização

→ assim como os imigrantes, as crianças não são simplesmente excluídas, mas


tomadas em formas particulares de participação (ex: formas de dar trabalho aos
adultos- proteção e tutela)
→ familiarismo e desresponsabilização do estado ( o estranho caso do homescholling)
INFLUÊNCIAS
3-ESTUDOS DA DESCOLONIALIDADE
• Frantz Fanon

• modelo psicossocial da compreensão da experiência


individual

• articulação entre mudanças sociais e individuais- incluindo as


barreiras para a transformação

• entendimento de classe, raça, deficiência, gênero e sexo


como relações constitutivas da subjetividade (e não
suplementares)

• oferta de uma crítica socialista e anticolonial da política do


projeto de desenvolvimento explorativo
Formulações que apontam para a constituição mútua e
interdependente do conhecimento e seus objetos.

• Mobilizada em Asia e Border as Method


• Intervenção feminista no discurso científico e suas
universalizações
• Foca na interdependência e relação constitutiva entre
posição estrutural (social) e subjetividade [Ética do
Cuidado]
• Foco no impacto constituinte das relações do poder
INTERSECCIONALIDADE sobre as subjetividades
• Método que desnaturaliza injustiças

• “alinhada as práticas exteriores a minha disciplina de


origem [home] para encontrar instrumentos críticos para
ser capaz de indicar suas limitações.” ERICA BURMAN

→Em “Fanon, Education, Action, Child as Method”:


Interseccionalidade para mostrar que racialização e
infância são construídas por outras estruturas sociais.
CHILD AS METHOD
• Inter referência: recusa a essencialização da criança → para situar a infância em suas condições
espaço-materiais e explicitar a constituição mútua das gerações com outras categorias sociais.

• Aprofundamento da análise pós-colonial: para produzir um sistema de múltiplas referências que


enfrente a reprodução da estrutura neo-colonial que habilita os percursos dos sujeitos e o
movimento do desejo (Chakrabarty, 2009)

• O que podemos produzir quando mobilizamos a imagem da criança como objeto analítico crítico /
chave diagnóstica.

• Necessidade de ir além da infância como entidade monolítica (para ser salva, restaurada e
protegida) e mostrar como essas noções contribuem para performar subjetividades.
“A criança se apresenta como objeto de estudo
que permite elaborar os modos de injustiça- os praticados
contra crianças mas também os praticados em nome das
crianças, assim, desnaturalizando essas injustiças.”

Erica Burman, 2022


• Se alia a pesquisas ativistas e compreende a pesquisa
como um conjunto de práticas socialmente
negociadas e co-estabelecidas em solidariedade com
e co-produzida com os grupos marginaliados e
oprimidos.

• O objetivo é produzir mundança, começando pela


Child as conceitualização e compromissos epstemológicos
para abordar as experiências vividas e a perspectiva
Method dos afetados

• Interseções entre política, economia e dinâmicas


geopolíticas (globais e locais) devem ser entendidas
como parte de um projeto pós-colonial,
antipatriarcal e anti-capitalista nos quais as crianças
aparecem mais do que como imagens teóricas e de
políticas públicas.
( Burman, 2019)
CHILD AS METHOD PARA LER LACAN
Child as Method (Burman, 2019) como referência metodológica

• a psicanálise como objeto dessa leitura:


- para participar do debate sobre as infâncias em um campo estabelecido por interseccionalidade→
incluir a si mesma como algo que também precisa ser analisado/pensado

• leitura de trabalhos de Lacan que abordam a constituição do sujeito:


- como a ideia de constituição do sujeito expõe diferentes formas da psicanálise dizer a criança e a
família.
- as consequências que armam a crítica política da noção de desenvolvimento que penetra na sua
produção.
O que vamos procurar:
• A ideia de criança:
O que aquilo que a psicanálise diz sobre a criança/a partir da criança, diz sobre a
psicanálise?

“Diz-me como tratas a criança e te direi quem és.”


(Sauret, 1998)

• O método como teoria política:


uma ação investigativa, um compromisso.
O que vamos ler
em Lacan
O “textos formadores” nos quais também
apoiamos parte significativa de nossa
transmissão:

• Complexos Familiares, 1938


• Seminário 4- As relacões de objeto, 1956-57
• Seminário 5- Formacões do inconsciente, 1957-58
• A Significação do falo, 1958
• Alocução sobre as psicoses, 1967
• Nota sobre a criança, 1969
• Conferência de Genebra, 1975.
• BURMAN, Erica. Education, Action: child as method. London: Routleage, 2019.

• BURMAN, Erica; MILLEI, Zsuzsa. Post-socialist geopolitical uncertainties: Researching memories of


childhood with ‘child as method’. Children & Society. Vol 36: 993– 1009; 2022.

• CHEN, Kuang-Hsing. Asia as method: Toward Deimperialization. Durham (USA): Duke University
Press, 2010.

• CHRISTIANIKI, Artemis. Crisis, Ψ-Trauma, Refugees : Psycho-political Questions at the Edge of


Fortress Europe. Psychotherapy and Politics International. Vol. 20, No. 04, 2022.

• COHN, Clarice. Concepções de infância e infâncias: Um estado da arte da antropologia da criança

Referências •
no Brasil. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 221-244, maio-ago. 2013.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA,
2008.

para esta • KATZ, Ilana; VOLTOLINI, Rinaldo. À escola o que é da escola e à família o que é da família. Mais Ainda Psicanálise,
Literatura e Política. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=qekbhC3GI4s&t=550s>. Acesso em 12
de março de 2023.

aula • KATZ, Ilana. Infâncias: uma questão para a Psicanálise. In: SURJUS, Luciana Togni de Lima e Silva;
MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso (Orgs.). Saúde Mental Infanto-Juvenil: Territórios, políticas e
clínicas de Resistência. Santos: Unifesp/ Abrasme, 2019.

• KATZ, Ilana. Infâncias e Parentalidade: nomeações, funções e funcionamento. In: TEPERMAN,


Daniela; GARRAFA, Thais; IACONELLI, Vera (orgs). Laço. Coleção Parentalidade e Psicanálise. Belo
Horizonte: Autêntica, 2020.

• MEZZADRA, Sandro; NEILSON, BRETT. Border as method, or, the multiplication of labor. Durham
(USA): Duke University Press, 2013.

• SAURET, Marie-Jean. O infantil e a estrutura. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 1998.

• VOLTOLINI, Rinaldo. Amar ou armar as crianças? Vicissitudes contemporâneas da relação


parentalidade/ escolaridade. In: TEPERMAN, Daniela; GARRAFA, Thais; IACONELLI, Vera (orgs).
Laço. Coleção Parentalidade e Psicanálise. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

• VORCARO, Angela. A criança na clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.

Você também pode gostar