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A excelência na formação professores na NOVA FCSH: uma

história de vencedores e uma estratégia de futuro

1. Pequena história pessoal da formação de professores na NOVA FCSH

Ao contrário do que costumo fazer em comunicações científicas, o tempo e o modo


deste encontro para celebrar os 30 anos de formação de professores na NOVA
FCSH obrigam-me a uma pequena contextualização autobiográfica. Perceber-
se-á melhor a minha reflexão se disser que em 2018 faço precisamente 25 anos de
trabalho na NOVA FCSH e que em todos estes anos o denominador comum é a
coordenação, a leccionação e a investigação na área da formação de professores.
Uma das razões que levaram a professora Maria Leonor Carvalhão Buescu a
propor a minha contratação em 1993 foi a minha experiência e formação
pedagógica aliada ao facto de ter naquela altura completado um doutoramento em
Literatura Portuguesa numa universidade britânica com um mestre de sabedoria
– Alexandre Pinheiro Torres – que era uma espécie de lenda viva expatriada das
Letras portuguesas. Recordo este facto de combinação de uma formação
científica em estudos literários com uma formação pedagógica adquirida
sobretudo no estágio feito no Politécnico de Portalegre e em vários anos de ensino
no sistema público do Básico e do Secundário, porque nestes 25 anos na NOVA
FCSH sempre tentei que nunca se separassem essas duas realidades formativas.
Sempre que pude, tentei conceber a formação de professores numa faculdade de
ciências sociais e humanas como um campo dinâmico entre vários saberes e
ajudei a construir currículos, ciclos de estudos, programas de unidades
curriculares e até leis nacionais sempre com o mesmo espírito de diálogo
interdisciplinar.
O balanço que faço dos meus 25 anos na NOVA FCSH a formar professores
e a coordenar quem forma professores é sob a forma de gratidão e orgulho por ter
ajudado nesta nobre arte de fazer nascer um professor. Sempre entendi que
devíamos aproveitar a excelência do pensamento científico que é a marca
principal da fábrica de conhecimento que é uma faculdade como esta para aqui
fazer nascer os nossos futuros professores. Nunca entendi esta Faculdade como
uma escola de formação de professores – um equívoco que ainda hoje conduz a
muitos preconceitos vivos sobre esta actividade -, mas antes como uma escola de
produção de conhecimento novo onde facilmente podemos acolher quem deseja
ser professor com esse conhecimento como referência fundamental do seu ofício.
E é grande a diferença entre uma escola que também forma professores com tais
princípios e uma escola convencional de formação de professores. Curiosamente,
a história dos últimos 30 anos da legislação portuguesa sobre formação de

1
professores acompanha também essas comunhões e dissidências de
pensamento, desde o Despacho Normativo nº 32/84, de 9 de Fevereiro, até ao
Decreto-Lei nº 79/2014, de 14 de Maio. Analisei em pormenor esta história
legislativa complexa em “A (in)definição de uma filosofia curricular na legislação
sobre formação de professores de línguas nos últimos 30 anos” 1, pelo que agora
me dispenso de repetir o que aí descrevo como uma história que contribuiu,
negativamente, para muitos cenários negros da carreira profissional dos
professores e dos cursos que se desenharam para o efeito no espaço do Ensino
Superior.
Hoje, a NOVA FCSH tem 10 mestrados de ensino para a formação que
conhecemos ainda como inicial, e vários outros cursos pós-graduados na área
educativa, que apontam para a formação contínua de professores: um mestrado
em Educação, um e-mestrado em Didáctica do Inglês, um Doutoramento em
Educação e um Doutoramento em Didáctica das Línguas; tem também renovado o
equilíbrio entre a docência e a investigação em educação, sobretudo com a criação
de um grupo de investigação no âmbito do CICS.NOVA, liderado por David Justino,
a que podemos acrescentar outros grupos específicos como o TEALS do CETAPS,
que eu próprio coordeno, dedicado ao ensino do Inglês e outras línguas aplicadas.
Destaco ainda o facto de vários destes cursos serem em associação com outras
instituições de Ensino Superior, porque sempre entendemos que a formação de
professores se faz com a partilha de experiências e de saberes transversais que
vão muito para além de uma única instituição.
Esta intensa actividade apenas carece de uma maior coesão interna em
termos de organização e gestão: em vez de estar disseminada por vários
departamentos, se a NOVA FCSH caminhar para uma outra forma de organização
interna, podia e devia estar concentrada numa escola ou grande área da educação.
Não escrevo “ciências da educação” de propósito, porque esse sempre foi um
grande equívoco da nossa história, que inclui as instituições de poder como o
próprio MEC, a FCT ou a A3ES: o campo da educação inclui as ciências da educação,
mas não é a sua única forma de realização; as ciências da educação e a formação
de professores partilham muitas afinidades científicas e práticas pedagógicas,
mas não se esgotam em si mesmas; a formação de professores é transversal a
todos os saberes e áreas científicas e pertence ao grande campo da educação.
Infelizmente, desde os painéis de avaliação da FCT até aos da A3ES, desde a
criação de departamentos em diversas universidades até aos programas
editoriais, a história dos últimos 30 anos tratou a formação de professores como
uma espécie de subdisciplina das ciências da educação. Explicar este erro foi

1
In Que Alguém Somos? - O Ensino de Línguas Estrangeiras em Portugal, 2017. E-book, Escryptos,
ISBN: 9789899534728; edição ne varietur: Obras Completas de Carlos Ceia, vol. 14, CreateSpace
Independent Publishing Platform, ISBN-13: 978-1981787425; ISBN-10: 1981787429, 2017.

2
sempre um enorme desafio não só na NOVA FCSH como no campo de debate sobre
educação.
Temos hoje um quadro favorável a um desenvolvimento sustentado da
formação de professores na NOVA FCSH. Como sempre fizemos, mesmo na
década de 1990 quando se multiplicavam as vagas sem qualquer critério em outras
instituições, aqui nunca aceitámos formar professores como uma produção
industrial em massa. Sempre controlámos muito bem a limitação da oferta,
porque a excelência da formação foi e continua a ser o nosso paradigma
institucional. Nunca foi fácil fazer prevalecer essa opção, quer no quadro interno
da NOVA FCSH quer no quadro das avaliações externas da A3ES, porque é um
caminho que obriga a uma selecção mais rigorosa dos candidatos e à manutenção
dos cursos mesmo em épocas cíclicas de retracção da procura.
No primeiro caso, o da selecção dos candidatos, evoluímos à medida que
fomos aprendendo com os erros próprios e com as limitações legais que não
podem responder à especificidade da formação inicial e ao perfil dos seus
candidatos: gradualmente, temos revisto o regulamento interno, adaptando-o às
idiossincrasias das nossas experiências e dos perfis e acções mais
problemáticos de alguns candidatos. Introduzimos hoje um processo de admissão
mais rígido, que inclui uma entrevista e uma pequena simulação de aula, com o
objectivo de detectar o mais precocemente possível eventuais casos de falta de
vocação para a profissão docente, podendo assim recusar candidatos que
revelem de forma evidente que são incapazes de transmitir conhecimentos,
comunicar em público, relacionar-se com os outros ou manter uma postura
pedagógica adequada à profissão. É ainda um teste falível, mas representa um
passo no sentido antecipar, tanto quanto possível, casos de evidente inaptidão que
no passado não conseguíamos evitar por o concurso ser fundamentalmente
documental.
No segundo caso, a manutenção dos mestrados de ensino mesmo em
épocas cíclicas de retracção de candidatos, por razões várias, desde a pressão
social e política que desvaloriza a profissão docente até às regras internas de
gestão mais contida dos custos destes cursos, tem sido uma insistência cuja
responsabilidade assumo, porque acreditei sempre, e continuo a acreditar, que
devemos manter um fluxo de formação a funcionar com os candidatos que dão
provas de pretender seguir esta profissão.
Em tempos de retracção da procura da formação inicial de professores,
podemos ter a quase certeza de que quem procura adquirir habilitação
profissional para a docência é porque está convictamente motivado para este
percurso e temos, assim, o dever institucional de acolher tais candidatos e de lhes
dar a melhor formação possível. Não compete à instituição de ensino superior
decidir sobre a necessidade de formar mais ou menos professores. Essa é uma
prorrogativa das instituições governativas; às universidades e politécnicos
compete oferecer a formação a quem a procura. Este princípio simples não nos

3
impede de acompanhar as flutuações do mercado, as variações das políticas
educativas e outros factores externos, por exemplo, reflectir sobre as condições
que podem conduzir a uma renovação do quadro de professores dos ensinos
Básico e Secundário.

2. Da necessidade de formar hoje e amanhã mais professores

Podemos facilmente conceder ao estudo “Professores: uma profissão sem


renovação à vista” (CNE, “Estado da Educação”, 2016), da autoria da investigadora
Isabel Flores, um benefício de dúvida pouco metódica. O alerta que faz conduz
facilmente a notícias como a que o Expresso destacou: “Estudo sobre a
necessidade de docentes para o 3º ciclo e secundário calcula que serão precisos
apenas 470 novos profissionais entre 2020 e 2025” 2. Podemos impressionar-nos
com o cálculo do número de nascimentos em Portugal até 2017 e as taxas altas de
insucesso, dados que conduziram à dedução “científica” sobre a necessidade de
não formarmos mais professores nos próximos anos. Podemos colocar em
segundo plano a estimativa de reforma de 30 mil professores nos próximos 15
anos, porque, segundo o estudo, com a quebra da natalidade, metade dessas
saídas não necessitarão de ser recuperadas. O estudo reconhece que os dados
terão de ser actualizados caso se verifique uma alteração do rácio de alunos por
professor/turma, o que acaba de ser anunciado pelo actual Governo como uma
medida efectiva já a partir de 2018-19.

Tudo somado, a renovação da classe docente dos Ensinos Básico e


Secundário parece ser um problema, que Isabel Flores resume assim:

Se permitirmos que os professores se reformem sem se fazer novas


contratações, o rácio aumentará de 10 para 13 alunos por professores, o que
está em linha com os restantes países da OCDE. Neste cenário, com a
diminuição do número de alunos no sistema, o número de professores pode
passar de cerca de 74 mil em 2015 para 45 mil em 2030, considerando os 30
mil que se reformarão. (p. 355)

O contraditório a esta tese foi apresentado pelo insuspeito Mário Nogueira, com
quem sou obrigado a concordar nesta contra-argumentação: por outro lado,
houve “uma queda de 30% do número de professores nos últimos 10 anos quando
o total de alunos registou uma diminuição de apenas 10%”. Ou seja, precisa, “dois
terços da redução dos professores não teve nada a ver com a queda demográfica,

2
Isabel Leiria,“Candidatos a professor quase sem emprego a partir de 2020 “,
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-12-12-Candidatos-a-professor-quase-sem-emprego-
a-partir-de-2020#gs.PSXdh5E

4
mas sim com a adopção de políticas como o aumento do número de alunos por
turma ou a constituição de mega-agrupamentos”. 3

O deslumbramento negativo que se repete periodicamente com os baixos


rácios professor/alunos em Portugal, a partir dos relatórios da OCDE, para
reclamar que Portugal é dos países mais privilegiados e, portanto, onde há
margem para aumentar o número de alunos por professor – por exemplo, no
estudo referido de Isabel Flores, esse destaque negativo é bem vincado para que
se saiba que Portugal está em vantagem em relação a países como a Alemanha,
Japão ou reino Unido (p. 354), porém, quer Isabel Flores quer toda a comunicação
social portuguesa que regularmente faz desta estatística uma manchete
bombástica, ignoram o critério de cálculo usado pela OCDE nesse rácio. Vejamos
o último relatório “Education at a Glance 2015”, amplamente citado, porque conclui
para Portugal um favorável rácio de 13, 10 e 9 alunos por professor
respectivamente no Ensino Básico (1º ciclo), 2º e 3º ciclos e Secundário. Esta
conclusão sempre me pareceu inútil e irrealista, por um facto nunca citado pela
comunicação social: o critério de cálculo deste rácio é o da soma de todos os
alunos de uma escola pelo número total de professores, como se todas as
disciplinas fossem equivalentes, como se todas as turmas de uma escola fosse
realidades iguais, como se todas as organizações internas das turmas e do
serviço docente obedecesse a uma fórmula exacta. Estas conclusões (ou as
conclusões que destes relatórios se tiram e se divulgam massivamente)
distorcem a realidade das escolas e não será somente em Portugal. Uma escola
pública do 1º Ciclo em Portugal não tem um professor para 13 alunos nem no
melhor dos nossos sonhos. Sempre se jogou com o máximo de alunos por
turma/docente, até aqui de 27 e a partir de 2018-19, reduzindo-se para 24,
conforme anunciado pelo Governo. E todas as escolas organizam as suas turmas
com base não na média da OCDE mas na quota máxima permitida pela lei
portuguesa, que quase duplica essa média na maior parte dos casos. Por isto, é
falaciosa a conclusão de Isabel Flores, após citar o quadro da “Education at a
Glance 2015”, e repetida pela comunicação social portuguesa, de que “o Ministério
da Educação não terá de contratar novos docentes nos próximos 15 anos” se se
optar pela redução do número de alunos por turma. Como não há turmas de 13
alunos no 1º Ciclo do Básico, ou de 8 no 2º e 3º Ciclos, fica claro que é precisamente
o contrário que se deve reclamar: para descermos aos níveis ideias de 13 a 15
alunos por turma, é preciso contratar muitos mais professores nos próximos 15
anos, porque as turmas actuais têm, em média real, o dobro desse rácio.

As notas de rodapé dos diferentes estudos da OCDE e do EUROSTAT são


ignoradas no único ponto em que não deviam ser, caso a agenda comunicacional e

3
“Só serão necessários mais professores até 2020 “,
https://www.publico.pt/2017/12/12/sociedade/noticia/so-vao-ser-necessarios-mais-
professores-nos-proximos-dois-anos-1795646

5
política não fosse a de querer concluir que há professores a mais em Portugal: se
o valor do rácio é a divisão simples entre o número de alunos pelo número de
professores em exercício em determinado ano lectivo, incluindo os professores
do ensino especial e contabilizando a população crescente de ano para ano de
alunos com NEE que obriga à redução do número de alunos por turma, então os
valores médios globais que situam sempre Portugal num patamar de conforto na
rácio professor/alunos têm que ser lidos de forma muito cautelosa quanto à real
necessidade do sistema educativo português relativamente ao contingente de
professores no sistema e suas necessidades futuras. É que em outros países que
gostamos citar (Alemanha, Finlândia, Reino Unido, etc.) como exemplos de rácios
maiores que podíamos adoptar, o sistema educativo tem uma gestão totalmente
diferente dos alunos com NEE, em regra concentrados em escolas especiais, com
professores e técnicos trabalhando em conjunto com essa população especial.
Por isso, quando a OCDE calcular o rácio professor/alunos em Portugal apenas
em turmas que não incluam alunos com NEE, teremos finalmente um quadro mais
justo e correcto da situação.

3. Sobre o futuro da formação inicial de professores e necessidades do


sistema

Em outro estudo mais realista, “Organização Escolar: As Turmas” do


Conselho Nacional de Educação (2016) 4, faz um retrato mais realista dos
diferentes ciclos de escolaridade, incluindo o ensino especial e sua integração no
ensino normal e mostra-nos um quadro a partir do qual me parece mais justo tirar
conclusões sobre o futuro da formação inicial de professores e necessidades do
sistema:

A partir dos dados do sistema Nacional de Gestão de Turmas disponibilizado pela


Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) em novembro de 2015,
em 2015/2016, no pré-escolar o número médio de crianças por turma é de 19,6; no

4
http://www.cnedu.pt/pt/noticias/cne/1108-estudo-cne-organizacao-escolar-as-turmas

6
2.º ciclo, o número médio de alunos por turma é de 22,1; no 3.º ciclo, o número médio
é de 22,4; no Ensino Secundário, o número médio de alunos por turma é de 24,5.
Nesta análise, verifica-se que grande parte das turmas de todos os ciclos estão
sobredimensionadas. 5 Ou seja, temos dados que demonstram o contrário de
tantas estatísticas e estudos sobre educação, em contextos nacionais muito
diferentes dos europeus, e portanto incomparáveis, apontando para uma medida
que desde sempre apoiei: é mais provável ter sucesso de aprendizagem em
turmas mais pequenas do que em turmas maiores, logo um sistema educativo
saturado de professores, alegadamente, pode investir – não há outro verbo
possível – mais em educação, contratando mais professores, criando turmas
mais pequenas e apoiando de forma mais organizada o ensino especial. Esta
cenário afectará qualquer política de formação de professores, quer no caso mais
provável de tais medidas nunca acontecerem quer no caso mais idealista de
alguém assumir a coragem política de ir por esse caminho.

O que normalmente acontece nesta discussão, que me acompanha


profissionalmente há 25 anos, é a vitória do argumento de que a culpa é de quem
forma os professores: ou os formou mal, ou os formou em excesso, ou os formou
inadequadamente sem olhar às necessidades do sistema. Utopicamente, prefiro
continuar a acreditar no contrário desta argumentação, sem ignorar que há nela
alguma verdade: podemos formar professores bem, em quantidade justa, e em
harmonia com as necessidades do sistema, não podemos é continuar a formar
sem qualidade controlada. O muito falado sistema de controlo da qualidade que
hoje se aplica a tudo faz sentido nos cursos de formação de professores se estiver
relacionado com a sua admissão e com a forma como se desenvolve a formação
ao longo da vida de um professor.

O processo de selecção dos candidatos aos mestrados em ensino é a chave


para garantir que saberemos (trans)formar melhores candidatos em melhores
professores. É sabido que em países como a Finlândia, Japão, Singapura ou China
existe um exame de admissão à profissão de professor bastante exigente e
selectivo. Nos países da OCDE, há uma política de formação de professores, em
serviço, que completa a equação:

Across OECD countries, the proportion of fully certified teachers has a


positive, albeit modest association with student performance in PISA. In
countries that performed above the OECD average in science, at least 80%
of the students are in schools that invite specialists to conduct teacher
training or organise in-service workshops for teachers or where teachers

5
OECD (2015), "Who wants to become a teacher?", PISA in Focus, No. 58, OECD Publishing, Paris,
http://dx.doi.org/10.1787/5jrp3qdk2fzp-en.
7
cooperate with each other. This is higher, on average, than what is observed
among other countries. 6

Estamos a falar da retracção da formação inicial de professores face aos


constrangimentos do sistema educativo, dos factores externos que o
condicionam como a quebra da natalidade, mas há uma outra zona de formação de
professores que não é afectada por esses factores e que tem uma renovação e um
caminho bem à vista: a formação contínua. Ou seja, uma boa organização da
formação inicial nunca resolverá o problema da qualidade da formação dos
professores se não existir um mecanismo de extensão desse período que seja
configurado como uma verdadeira e eficaz oportunidade de desenvolvimento das
capacidades pedagógicas e sobretudo científicas dos professores. Arrisco até a
dizer que o que nos falta é apostar num processo de formação contínua eficiente
do ponto de vista da actualização de conhecimentos científicos e menos nas
vertentes pedagógicas e de gestão educativa.

Para uma verdadeira reforma da carreira dos professores dos ensinos


básico e secundário é preciso tocar na ferida que ninguém conseguiu sarar até
hoje: como valorizar a carreira através da avaliação do desempenho profissional
dos docentes? Sem querer entrar nas questões de ordem laboral que sempre se
arrastam para este tema e que acabam pode dominar publicamente a sua
discussão, o que me importa é definir um modelo de formação inicial – mantenho
o adjectivo por falta de um correspondente em português para o que se designa
como pre-service teacher training/education em termos internacionais – que se
feche em si mesmo como um ciclo único de formação mas que se constitua como
uma primeira etapa na carreira de um professor, cujo desenvolvimento seria
sempre concretizado com acções de formação contínua muito diferentes dos
modelos que ensaiámos em Portugal nas últimas décadas. Tentámos em tempos
que os nossos seminários pós-graduados pudessem ser acreditados como
formação adequada a essa carreira, criando a possibilidade de um docente poder
inscrever-se num único seminário de qualquer curso de mestrado ou
doutoramento, que depois creditaria na sua carreira. Falhou o processo, quase
ninguém tomou conhecimento dessa possibilidade e menos ainda foi possível
tirar algum benefício na carreira. Esse era um caminho fácil de organizar no
Ensino Superior, mas se nunca existir um modelo claro de progressão por mérito
de formação adequada (aquisição de um grau superior, diploma de estudos pós-
graduados, certificação de acções de formação cientificamente relevantes ou
participação em projectos de investigação avançada), nunca poderemos falar de
verdadeira formação contínua e de pouco serve o esforço que hoje existe em

6
OECD (2017), "What do we know about teachers’ selection and professional development in high-
performing countries?", PISA in Focus, No. 70, OECD Publishing, Paris,
http://dx.doi.org/10.1787/87acdc87-en.

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integrar a investigação em acção na formação inicial se não existir nenhum
incentivo à sua continuidade ao longo da carreira de um professor. E esta opção é
meramente política: uma vez que existe hoje um modelo legislativo estável e
adequado, por mais suspeita que seja a minha opinião por me ter envolvido nesse
modelo, exigia-se, com urgência, que se repensasse totalmente a formação ao
longo da vida de um professor dos ensinos básico e secundário.

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