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Complexo de Tapajós e a ameaça ao Povo Munduruku.

Letícia Silva Sales

Resumo: O artigo apresenta as consequências do projeto de construção de hidrelétricas


na Bacia do Rio Tapajós, oeste do Pará, pelo projeto do Complexo Hidrelétrico do
Tapajós através da ação do Grupo de Estudos Tapajós (GET) formado por empresas
públicas e privadas que realizaram os estudos de impacto ambiental e viabilidade
econômica da UHE São Luiz do Tapajós, que também planeja converter a região em
hidrovias de transportes de soja do mato Grosso até portos no Rio Amazonas. Foram
analisados materiais de grupos contra e a favor da construção da usina e seus impactos
(positivos e/ou negativos) para a região, como também no que tange à proteção e
preservação do Povo Munduruku, a tribo indígena mais afetada pela construção da
UHE.

Palavras-chave: Hidrelétrica, Tapajós, Mundurukus.

Introdução

A Bacia do Rio Tapajós começou a ser estudada em 1986, quando a Eletronorte


realizou Estudo de Inventário preliminar, cujas atividades foram interrompidas em
1991. A empresa havia detectado apenas para o aproveitamento de São Luiz do Tapajós
uma potência instalada de 14 mil megawatts (MW).
Em 2005, a Eletronorte solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
registro para estudos de inventário do Rio Tapajós, quase ao mesmo tempo em que a
Camargo Corrêa. As empresas decidiram se unir para estudar o rio em conjunto e, em
janeiro de 2006, a Aneel concedeu o registro ativo (a autorização) para os estudos em
conjunto. Os estudos prosseguiram até junho de 2008, quando as empresas entregaram o
resultado à Aneel – e foram aprovados em maio de 2009.
Após a conclusão do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) e do
Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do
Tapajós, a capacidade instalada da usina foi ampliada para 8.040MW com 4.012MW
médios de energia firme. São Luiz do Tapajós foi o primeiro aproveitamento a ter seus
estudos concluídos. Estão em andamento ainda os estudos de engenharia e ambientais
do AHE Jatobá.
Ainda para desenvolver os estudos necessários à fase de Viabilidade do
empreendimento a Eletrobras entrou com pedido de abertura de processo de
licenciamento junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis, para dar início aos estudos ambientais das usinas. Em fevereiro de 2012, o
Ibama emitiu o Termo de Referência, documento que baliza a realização dos Estudos de
Impacto Ambiental, para o AHE São Luiz do Tapajós e em maio do mesmo ano o termo
de referência do AHE Jatobá.
Hoje o Grupo de Estudos Tapajós reúne as empresas Eletrobras, Eletronorte,
EDF, Camargo Corrêa (alvo de investigação na Lava Jato), Cemig, Copel, GDF SUEZ,
Endesa Brasil e Neoenergia com o objetivo de concluir os estudos de viabilidade e
ambientais das usinas de São Luiz do Tapajós e de Jatobá.
Os aproveitamentos hidroelétricos (AHE) em estudo estão previstos para a bacia
do rio Tapajós, no Estado do Pará, região Norte do Brasil. O AHE São Luiz do Tapajós
fica a aproximadamente 65 quilômetros à montante da cidade de Itaituba e próximo da
Vila Pimental.
Já o aproveitamento hidrelétrico de Jatobá fica localizado próximo à localidade
também chamada de Jatobá, entre as cidades de Jacareacanga e Itaituba. Em relação à
foz do rio, onde se localiza a cidade de Santarém, o AHE Jatobá está distante 456
quilômetros.
O empreendimento ameaça diretamente o povo indígena Munduruku e as
comunidades tradicionais de Montanha e Mangabal e de Pimental. Afetará de maneira
indireta o povo indígena Sateré-Mawé, da Terra Indígena Andirá-Marau, e as
comunidades tradicionais à jusante, São Luiz (a apenas 3 km do eixo da barragem),
Pinel, Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Vila Rayol, mas este número pode ser maior
considerando a precariedade dos estudos de impacto à jusante.

Desenvolvimento

O povo indígena Munduruku, de que trata este artigo, ocupa tradicionalmente o


médio e o alto rio Tapajós. No médio, os indígenas ocupam as proximidades do rio
Jamanxim - Terras Indígenas Sawré Muybu, Sawré Apompu, Sawré Juybu (em
identificação) - e a cidade de Itaituba - Reservas Indígenas Praia do Mangue e Praia do
Índio (homologadas). No alto, ocupam os rios formadores do Tapajós, Juruena e Teles
Pires, e seus afluentes à margem direita, rios das Tropas, Kabitutu, Kururu, Crepori e
Cadariri - Terras Indígenas Sai Cinza, Munduruku, Kayabi, Apiaká-Kayabi (todas
homologadas). Segundo o censo de 2010 do Instituo Brasileiro de Geografia e
Estatística, os Munduruku possuem uma população de 13.103, distribuídos em cerca de
130 aldeias (ECI, 2014). Os Munduruku possuem diversas associações (Conselho
Indígena Munduruku Pusuru Kat Alto Tapajós –Cimpukat, Da’uk, Kerepo, Pahyhyp,
Pusuru e Wixaxima).
Se construída, a Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós impactará mais
intensamente os grupos Munduruku que vivem nas Terras Indígenas Sawré Muybu,
Sawré Apompu e Sawré Juybu. Estes territórios são vistos pelo governo federal como
obstáculos ao empreendimento, o que tem impedido o prosseguimento da demarcação.
Dentre os impactos previstos estão:
 Aumento dos conflitos fundiários;
 Invasão das terras indígenas e disputa pelo uso dos recursos naturais;
 Redução da pesca e da caça;
 Deterioração da autonomia alimentar;
 Transmissão de doenças infectocontagiosas.
O impacto mais grave é a inundação de 8% da área da Terra Indígena Sawré
Muybu, o que resultará na remoção compulsória das três aldeias munduruku (Sawré
Muybu, Dace Watpu, Karo Muybu). Este é o impacto considerado mais grave e, além
da remoção, o reservatório da Usina Hidrelétrica irá provocar a destruição de cemitérios
e locais sagrados (“Travessia dos Porcos” e “Garganta do Diabo”) e a inundação de
áreas com solo de terra preta (katon, em Munduruku), onde os indígenas fazem suas
roças e garantem seus alimentos. A Constituição diz que:

é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, 'ad referendum'
do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco
sua população, ou no interesse da soberania do país, após deliberação do
Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo
que cesse o risco. (Art. 231§5º1 da CF)
Defensores do projeto dizem que o país não pode abrir mão de uma fonte de
energia renovável e barata. O Ministério de Minas e Energia disse, em nota, que as
hidrelétricas são importantes para o crescimento do país "com nossa geografia favorável
à geração desse tipo de energia, que ainda é a mais barata disponível". Segundo a nota,
os "empreendimentos hidrelétricos modernos têm como característica o respeito ao
ambiente e às populações locais" e o governo "está permanentemente aberto ao diálogo
com as comunidades" (MME, 2016).
Para Adriano Pires, diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura, o
país não pode "se dar ao luxo" de não construir Tapajós e as questões ambientais e
indígenas devem ser "equacionadas", mas não podem impedir a realização da obra. "O
Brasil vive nos últimos anos o que chamo de 'ciclotimia', em que ora falta, ora sobra
energia. Não podemos viver assim, senão a energia será sempre um problema."
(PIRES, 2016)
Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da
Universidade Federal do Rio de Janeiro é necessário “fazer uma análise comparativa
com outras fontes antes de dizer não". Para ele, usinas hidrelétricas é a melhor opção
tanto em termos econômicos quanto do ponto de vista de operação, já que não sofrem da
intermitência que caracteriza a eólica, por exemplo, que depende de ventos.
Por outro lado, os contrários à construção da usina dizem que a era de grandes
empreendimentos centralizados, nos moldes de Belo Monte, acabou.
Para Célio Bermann, coordenador da pós-graduação em energia da USP e vice-
presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, "em razão da crise, o
Brasil não tem demanda de energia para essa usina no curto e médio prazos".
(Bermann, 2016)
O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV), considera dispensável a
energia da hidrelétrica São Luiz do Tapajós. A seu pedido, técnicos do ministério
buscam alternativas para propor ao presidente interino, Michel Temer (PMDB), com
destaque para a geração eólica. "A combinação de fontes renováveis e limpas como
eólica, solar e de biomassa desponta como a chave para o atendimento da demanda
prevista com menor potencial de impacto negativo". (Nota do MMA, 2016)
Sarney se diz "contrário a qualquer projeto que não garanta o efetivo equilíbrio
entre o desenvolvimento econômico e social com a manutenção ou melhoria da
qualidade ambiental".
O ministro se referia à paralisação do licenciamento ambiental da usina no
Tapajós pelo Ibama, em 19 de abril de 2016. O processo se iniciara dois anos antes, com
a entrega do estudo e do relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) do empreendimento
planejado pela Eletrobras.
Pelo planejamento, São Luiz deveria entrar em operação em 2021.O Ibama
levantou vários questionamentos ao EIA/Rima em março de 2015, mas ainda não
recebeu todas as informações pedidas. Em 26 de fevereiro de 2016, a Funai enviou ao
Ibama parecer técnico afirmando a inviabilidade do projeto do ponto de vista indígena.
Com base nessa avaliação, o licenciamento foi suspenso.
Até então, sob pressão do setor elétrico no governo Dilma Rousseff (PT), a
Funai vinha procrastinando o reconhecimento da Terra Indígena Sawré Muybu, a mais
próxima da barragem projetada. O relatório de identificação dos 1.780 km² da área já
estava pronto. É um passo decisivo no processo, seguido da demarcação e da
homologação, mas o documento só foi publicado no mesmo 19 de abril em que o Ibama
paralisou o licenciamento da usina -dois dias depois da votação do impeachment da
presidente Dilma na Câmara.
A queixa dos índios mundurukus se deve ao fato de que o estudo e o relatório de
impacto ambiental de São Luiz foram feitos sem ouvi-los, como manda a legislação
brasileira. Os mesmos contam com o apoio de ONGs como o Greenpeace e o Cimi
(Conselho Indigenista Missionário, da Igreja Católica), assim como o Ministério
Público Federal, para barrar o processo de licenciamento. Agora, com a quase
oficialização da terra indígena Sawré Muybu, ganham substancial vantagem jurídica em
eventual processo no Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto importante para barrar a obra da usina foi o adiamento do leilão, sob
a alegação de que as mesmas só podem ser realizadas quando as questões ambientais
estiverem resolvidas, conforme o secretário executivo do Programa de Parceria em
Investimentos (PPI), Moreira Franco.

Considerações finais

A implantação de barragens e hidrovias na bacia do Tapajós implicam graves


impactos, inclusive danos a TIs e UCs. O sistema de licenciamento ambiental não tem
sido capaz de evitar a aprovação de projetos com grandes impactos e o sistema jurídico
também não é capaz de fazer valer as proteções legais, devido à existência de leis
autorizando a suspensão de segurança para permitir a continuação de qualquer obra com
importância econômica.

O EIA da barragem de São Luiz do Tapajós ignora vários impactos


socioeconômicos graves e minimiza outros. Este tratamento se encaixa em um padrão
de tais relatórios, sendo elaborados para favorecer a aprovação do projeto pelas
autoridades ambientais, não importando o quão grave sejam os impactos, ao invés de
servir como uma base para a tomada de decisão racional e como uma ferramenta para
proteger os moradores locais.

O licenciamento da barragem de São Luiz do Tapajós ilustra um processo


contestado e mostra que o governo não é monolítico, contendo diversos pontos de vista.
É evidente o poder político muito maior para aqueles que apoiam a construção da
barragem. O exemplo de São Luiz do Tapajós serve para mostrar a fraqueza das
proteções contra impactos sérios das dezenas de outras grandes barragens planejadas na
Amazônia brasileira, bem como em outros países com sistemas similares de tomada de
decisão.

Atualmente, todas as necessidades para alterações de leis são restringidas pela


dominação do Congresso Nacional brasileiro da bancada Ruralista, que representa os
grandes proprietários de terras e que se opõem às restrições ambientais de todos os
tipos. O resultado da ameaça que avança a Bacia do rio Tapajós, bem como em outros
locais onde represas estão sendo planejadas em toda a Amazônia brasileira, depende do
embate que se realiza no chão nas áreas afetadas.

Divulgação e debate democrático também são necessários com relação a toda a


gama de componentes incluídos nos planos de desenvolvimento da bacia, inclusive
projetos de alto impacto como a hidrelétrica de Chacorão, que hoje estão praticamente
ausentes do conhecimento público.
Referências Bibliográficas

GRUPO DE ESTUDOS TAPAJÓ. História. Disponível em:


http://www.grupodeestudostapajos.com.br/quem-somos/historia/. Acesso em: 21 mai.
2016.

GRUPO DE ESTUDOS TAPAJÓ. Localização. Disponível em:


http://www.grupodeestudostapajos.com.br/complexo-tapajos/localizacao/ Acesso em 21
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INDIOS lutam contra nova Belo Monte. Disponível em:


http://temas.folha.uol.com.br/indios-contra-usina-do-tapajos/indios-contra-usina/indios-
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PARA defensores usina é mais barata e confiável. Disponível em:


http://temas.folha.uol.com.br/indios-contra-usina-do-tapajos/indios-contra-usina/para-
defensores-usina-e-mais-barata-e-confiavel.shtml Acesso em 25 jul. 2016

PARA Ministério do Meio Ambiente energia eólica seria opção a usina. Disponível em:
http://temas.folha.uol.com.br/indios-contra-usina-do-tapajos/indios-contra-usina/para-
ministerio-do-meio-ambiente-energia-eolica-seria-opcao-a-usina.shtml Acesso em 25
jul. 2016.

Hidrelétricas na Amazônia
Impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras.
Philip M. Fearnside Vol. 2, 2015.

O projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós e as violações aos direitos do


povo indígena Munduruku
Ministério Público Federal, 2016. Acesso em 14 jun. 2016

TAPAJÓS: Elementos para a governança da sustentabilidade em uma região


singular.
Wilson Cabral de Sousa Júnior et. al, 2014

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