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Helder Henrique de Faria – Dr. em Geografia – Pesquisador do Instituo Florestal – Gerente de Unidades de
Conservação do Interior – Fundação Florestal – helder@fflorestal.sp.gov.br
Andréa Soares Pires – M.Sc. em Planejamento Ambiental – Pesquisadora do Instituo Florestal – Gestora do
Parque Estadual do Morro do Diabo – Fundação Florestal – deapires@yahoo.com.br
Nelson Antônio Gallo – Biólogo – Gestor do Parque Estadual do Aguapeí – Fundação Florestal
gallo@fflorestal.sp.gov.br
Fernando Antônio Bauab – Dr. em Biologia – Consultor – medusa@medusambiental.com.br
Resumo
Por ocasião do enchimento do lago formado pela usina hidroelétrica Sergio Motta e os
impactos ambientais gerados, os Ministérios Públicos, Estadual e Federal, intercederam junto à
Companhia de Energia de São Paulo para a criação, implantação e gestão de unidades de
conservação de proteção integral na região impactada. O processo de planejamento revelou a
„descoberta‟ de dois sítios de elevada riqueza biológica, com muitos animais típicos do
Pantanal Brasileiro, fato que contribuiu para que o lugar fosse conhecido regionalmente pela
alcunha de „pantaninho paulista‟. Este trabalho expõe as particularidades dos dois Parques
Estaduais que na atualidade são gerenciados pela Fundação Florestal de São Paulo e aponta a
grande oportunidade de se instituir um novo Sítio Ramsar para o Brasil.
Abstract
At the completion of the lake formed by the Sergio Motta hydroelectric and environmental
impacts generated, the prosecutors, State and Federal, to intercede with the São Paulo Energy
Company for the creation, deployment and management of protected areas of integral
protection in the region impacted. The planning process revealed a 'discovery' of two sites of
high biological richness, with many animals typical of the Brazilian Pantanal, a fact which
contributed to the place was known regionally by the nickname of 'pantaninho paulista'. This
paper describes the features of the two State Parks that currently are managed by the São Paulo
Forestry Foundation and shows the great opportunity to establish a new Ramsar Site for Brazil.
Introdução
Na atualidade 11,5% da superfície mundial terrestre é coberta por áreas protegidas, com
mais de 120.000 sítios terrestres reconhecidos internacionalmente pela União Internacional para
a Conservação, ainda com lacunas dentre todos os biomas planetários, com incidência
significativa sobre a representatividade ecológica e regional, fator negativo para muitas
espécies em perigo de extinção (UNEP-WCMC, 2008).
Em termos regionais, o Estado de São Paulo possui dois biomas de grande relevância
mundial, a Mata Atlântica e o Cerrado, conhecidos como Hotspots, áreas de grande diversidade
biológica, mas que sofrem intensa degradação. Estes biomas abrigam cercam de 78% das
espécies da lista oficial brasileira de fauna silvestre ameaçada de extinção (Mittermeier et.al.,
2004). Com os maiores índices de urbanização e industrialização do país, o Estado de São
Paulo sofreu com uma intensa exploração dos recursos naturais no seu território, fragmentando
estes biomas em meio a diversos usos da terra.
O estado de São Paulo possui 13,94% do território recoberto por vegetação natural
remanescente (Kronka et. al., 2005). Muito embora no estado exista uma rede de unidades de
conservação de proteção integral e de usos sustentável sob administração de vários órgãos,
ainda não há uma sistematização adequada de quanto representa as unidades em termos de
categorias e superfície, havendo muitas sobreposições e apenas aproximações (Faria, 2004).
Historicamente as UCs paulistas sempre estiveram sob a responsabilidade do Instituto
Florestal de São Paulo, mas com o objetivo de dar maior eficácia ao sistema gerencial editou-se
o Decreto Estadual Nº51.453/2006, criando-se o Sistema Estadual de Florestas – SIEFLOR
(SÃO PAULO, 2006) que transfere essa responsabilidade à Fundação para a Conservação e a
Produção Florestal do Estado de São Paulo - Fundação Florestal. A partir de então a Fundação
é quem tem por missão criar, implantar e gerenciar as áreas reconhecidas pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000), cabendo ao Instituto Florestal a
pesquisa florestal e ambiental, a gestão das áreas experimentais e as de produção florestal
sustentada.
Esta nova estrutura gerencial para as UCs paulistas visa dar ao sistema maior eficiência
e eficácia, estando as duas organizações com missões de elevada envergadura. Assim, ao
Instituto cabe a gestão de 39 áreas distribuídas em Estações Experimentais, Florestas Estaduais
de produção sustentada, Hortos e Viveiros Florestais, além de algumas estações ecológicas
contíguas às áreas experimentais. À Fundação cabe a gestão de 89 UCs distribuídas entre
Parques Estaduais, Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Extrativistas,
Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reserva
Estadual, com cerca de 900.000 de Parques e alguns milhões de hectares distribuídos entre as
demais categorias (SÃO PAULO, 2009).
Neste contexto estão inseridas as unidades de conservação apresentadas neste trabalho -
o processo de criação, planejamento e a implementação de ações e propostas técnico-científicas
direcionadas a proteger e conservar uma amostra significativa de habitats e espécies de áreas
úmidas.
Características Sócio-Ambientais
A economia regional está alicerçada, principalmente, na pecuária e no setor
sucroalcooleiro. A pecuária de corte, juntamente com outras culturas permanentes e
temporárias de menor proporção, representou nas últimas décadas o principal componente
econômico, situação que vem se alterando nos últimos anos em função da introdução da cultura
canavieira na região da Nova Alta Paulista, que se expande rapidamente sobre as áreas de
pecuária, muitas das vezes ocupando terras de pastagens em acelerado processo de degradação.
Além da pecuária de corte e da cana-de-açúcar, os municípios localizados na margem
norte do Parque do Aguapeí apresentam fruticultura bastante desenvolvida, com destaque para
a produção de abacaxi no município de Guaraçaí e uva e acerola no município de
Junqueirópolis, reconhecidos nacionalmente pela qualidade destes produtos.
Recente pesquisa de opinião revelou que mais de 90% dos entrevistados nos municípios
sede dos Parques reconhece a importância de se manter áreas destinadas à preservação
ambiental no território. No entanto, mais de 65% da população desconhece a existência das
áreas protegidas, aspecto que remete à necessidade premente de se formular estratégias de
comunicação e educação ambiental.
O clima na região de abrangência do “pantaninho paulista” é o tropical quente e úmido,
com precipitações médias anuais em torno de 1.200 mm e temperatura média anual superior a
18oC. Segundo Monteiro (1973), toda esta região, situa-se em zona de transição climática onde
a circulação atmosférica é controlada pela dinâmica das massas polar atlântica e equatorial
continental. A massa polar atlântica é a principal responsável pela produção da maior
quantidade de precipitações na região; e a massa equatorial continental é responsável por
instabilidades, com correntes oriundas da Amazônia provocando chuvas intensas, de curta
duração, com alta capacidade erosiva.
A predominância de alagadiços nos dois parques decorre das características
geomorfológicas dessas áreas, com a presença de Gleissolos, solos de coloração acinzentada
com fortes limitações ao uso agrícola. Por se tratarem de rios de planície, tanto o Aguapeí como
o Peixe possuem traçado meândrico, que se alteram ao longo do tempo em função do regime
das cheias, solapamento de barrancos, erosão e sedimentação, aspecto facilmente notável em
imagens orbitais ou fotografias aéreas, que destacam a formação de lagoas marginais
permanentes e temporárias onde outrora passava o leito principal do rio.
A elevada produtividade orgânica dessas lagoas lhes atribui a função de verdadeiros
berçários, tanto para a ictiofauna como para outros grupos faunísticos que necessitam destes
ambientes para a reprodução e alimentação, a exemplo de representantes da anurofauna,
entomofauna e avifauna.
A paisagem destes Parques lhes confere grande potencial ecoturístico, evidenciado nas
expedições de campo durante a fase de planejamento, quando os especialistas puderam
contemplar toda a paisagem marginal e uma enorme diversidade de fauna. O percurso
meandrico reduz o campo de visão da pessoa embarcada e gera expectativas quanto aos
cenários adiante, propícios à observação das aves residentes e migratórias, assim como jacarés,
capivaras, antas, entre outros.
A fauna sobressalente
Essas características conferem aos dois Parques Estaduais enorme diversidade
faunística (Figura 1). Tendo por base levantamentos básicos realizados em 2008, somam quase
40 espécies da mastofauna, mais de 230 espécies da avifauna, cerca de 50 espécies da
herpetofauna e mais de 70 espécies da ictiofauna. Destas, mais de 40 são espécies que se
encontram listadas em alguma categoria de ameaça no Estado de São Paulo (São Paulo, 2008).
Figura 1 – Em sentido horário: Foz do Aguapeí, revoada de colhereiros e tuiuiús, cervo do pantanal, anhuma,
mutum de penacho e várzeas do Parque Estadual do Aguapeí, elementos da paisagem do “Pantaninho
Paulista”. Acervo do PEA/PERP, 2008.
Ameaças Antrópicas
Os Parques Aguapeí e Rio do Peixe, apesar de protegidos por lei, enfrentam sérios
problemas ambientais, principalmente em função do uso dado às terras do entorno.
A pecuária extensiva praticada na região há décadas se caracteriza pelo baixo
investimento em formação e manutenção de pastagem, gerando destruição de ecossistemas
ambientais, uma vez que o esgotamento ou a baixa produtividade de determinadas áreas
incentiva a expandir seus domínios sobre biomas naturais; degradação do solo, erosões,
assoreamento e contaminação de mananciais com nitrogênio, fósforo, potássio, hormônios,
metais pesados e patógenos carregados para o leito dos rios pela lixiviação do solo.
A cultura canavieira está em expansão na região e os principais problemas ambientais
estão relacionados com a queima dos canaviais, nos tratos culturais e na fertirrigação. A queima
dos canaviais, além de provocar a poluição atmosférica, morte de animais silvestres e
esterilização do solo, oferece risco de incêndios aos remanescentes florestais, já que nas
proximidades dos parques esta pratica está proibida. O emprego de agro-químicos pode afetar
gravemente todo o ecossistema em caso de acidente ou incúria.
A pesca ilegal e a caça é uma realidade freqüente nos Parques Aguapeí e Peixe; prova
disso é a grande quantidade de material apreendido pela fiscalização. Espécies ameaçadas da
“megafauna carismática” como o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) e o jacaré-do-
papo-amarelo (Caiman latirostris) são alvos freqüentes dos caçadores. A coleta de iscas vivas
para o turismo de pesca também é uma freqüente, bem como a caça de aves canoras
(xerimbabo) como o curió (Sporophila angolensis).
É de conhecimento coletivo que os rios Aguapeí e Peixe recebem cargas poluidoras
provenientes de esgotos gerados pelas cidades e indústrias situadas ao longo das respectivas
bacias hidrográficas, o que certamente interfere na qualidade das águas que adentram os limites
dos Parques e, conseqüentemente, ocasionando danos à fauna e na cadeia alimentar dependente
deste recurso.
Ameaças biológicas
As principais ameaças biológicas na região dos Parques Aguapeí e Rio do Peixe
consistem na presença de espécies invasoras. Dentre as espécies exóticas introduzidas
identificadas até o momento há uma representante vegetal, o bambu (Bambusa vulgaris) e duas
espécies animais, o peixe bagre-africano (Clarias gariepinus) e o molusco caramujo-africano
(Achatina fulica).
O bambu foi introduzido há muito tempo, provavelmente por agricultores no intuito de
conter processos erosivos e se alastrou por toda a extensão de ambos os parques, com maior
incidência no Peixe. Atualmente se mescla à vegetação nativa, sobre a qual parece avançar.
O bagre africano foi introduzido no Brasil para criação em cativeiro e chegou aos
grandes rios da maioria do Estado de São Paulo. Atualmente representa fator extremamente
negativo à ictiofauna nativa, por ser uma espécie altamente resistente e voraz, prolifera-se
rapidamente e compete com as espécies nativas, ameaçando de extinção local espécies menores
de peixes. O caramujo-africano foi descoberto recentemente nos parques, provavelmente por
pescadores que a utilizam como isca. Restrito a alguns focos, prolifera-se com incrível
velocidade, podendo representar um risco à fauna silvestre, uma vez que transporta agentes
patogênicos e compete por alimentação com a fauna herbívora.
Numa das extremidades do PEA foram avistados exemplares de porcos domésticos que
fugiram de seus criadouros, tornando-se semi-selvagens e competindo por recursos com as
espécies nativas. Todos estes componentes deverão ser alvo de pesquisas e projetos na busca de
soluções aos problemas.
Figura 1. Localização dos Parques do “Pantaninho Paulista”, RPPNs da CESP e da proposta de Sítio
RAMSAR Adaptado de “CESP – programa de unidades de conservação”.
Considerações Finais
A iniciativa das Promotorias Públicas, Estadual e Federal, revela um exemplo a ser
seguido pelos demais representantes distribuídos pelo Brasil, na medida em que propuseram a
ação cível e reconheceram a necessidade de estarem alicerçados tecnicamente por profissionais
da Secretaria de Meio Ambiente, que os muniram dos conhecimentos afeitos à criação,
implantação e gestão de áreas protegidas, sem o que não teriam como aquilatar os
requerimentos para os novos Parques Estaduais. Note-se que o compromisso se estende ad
eternum, enquanto a usina hidroelétrica gerar energia, algo que parece inédito no país.
A Fundação Florestal tem o grande desafio de implantar e tornar eficazes os Parques
Estaduais do Aguapeí e Rio do Peixe. Eles são belos e de extrema importância para a
conservação da biodiversidade paulista, uma lacuna preenchida antes mesmo que os cientistas
„descobrissem‟ suas maravilhas naturais. Juntamente com as outras unidades de conservação do
“pantaninho paulista” configuram um mosaico, cuja agenda comum se pauta no ordenamento
ambiental do território, a conservação de habitats e espécies da fauna e o desenvolvimento
sustentável.
As ameaças antrópicas – caça, pesca, incêndios florestais, invasões, etc. estão com os
dias contados, haja vista a forte motivação dos guardas parque do estado e os trabalhos de
divulgação, marketing e educação ambiental projetados para essas áreas; as ameaças biológicas
precisam de pesquisas básicas e aplicadas para serem solucionadas, sendo fundamental o papel
do Instituto Florestal, universidades, e outras instituições do gênero.
É substancial dizer que stakeholders de elevada influência e eminência regional
reconhecem os benefícios que essas áreas geram, mostrando-se simpáticos e comprometidos,
como de fato já se materializa, em auxiliar na conservação e desenvolvimento dos parques
Aguapeí e Rio do Peixe, o que facilitará a solução de problemas e maximização das ações
benfazejas.
Os impactos decorrentes do cultivo da cana de açúcar e da produção de álcool é
perfeitamente manejável e está sendo tratado pela Fundação Florestal e Ministério Público,
mediante agenda de reuniões entre todos os atores implicados visando estabelecer critérios e
parâmetros para a diminuição e/ou eliminação dos impactos ambientais sobre a biota, à luz das
recentes políticas públicas engendradas pela Secretaria de Meio Ambiente – 21 Programas
Ambientais Estratégicos (SMA, 2009).
A proposição em pró de um novo sítio Ramsar no espaço biogeográfico enfocado está
alicerçada nas informações contidas neste trabalho, sobretudo pelo seu enquadramento em pelo
menos 8 dos 9 critérios de classificação da Convenção Ramsar (Ramsar Convention, 2009).
Esta medida, dependente de maiores estudos, envolvimento e articulações organizacionais e
representará ganhos ambientais incalculáveis para a conservação das áreas protegidas
instituídas no espaço do “pantaninho paulista”. Quiçá fomentando a criação de novas áreas
protegidas pela CESP e pelo Estado de Mato Grosso do Sul, na margem esquerda do rio
Paraná. Esta é uma primeira provocação ao assunto!
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