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Saúde Crescimento
Mental, Desenvolvimento
Democracia Rev Bras Crescimento DesenvolvimentoPESQUISA
Hum. 2010; 20(1): 11-15
e Responsabilidade Hum. 2010; ORIGINAL
20(1): 11-15
ORIGINAL RESEARCH
Alberto Olavo Advíncola Reis. Saúde Mental, Democracia e Responsabilidade. Rev Bras
Crescimento Desenvolv Hum. 2010; 20(1): 11-15.
Resumo
No presente artigo se abordam as relações entre saúde mental e as tarefas atuais da
democracia no Brasil e, nesse contexto, os desafios que os Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico representam para o campo da saúde mental. Considera-se que os
Manicômios Judiciários, sua lógica, sua população constituem uma das últimas fronteiras
relativamente resistentes ao avanço do movimento antimanicomial. Com sua especificidade
e ambiguidade, entre o crime e a loucura, eles produzem e reproduzem de maneira prática
o mito da periculosidade. Nesse contexto, o artigo examina, especificamente, a questão da
responsabilidade do louco infrator.
Abstract
In this article the relationships between mental health and the tasks of the democracy in
Brazil are focused. In such context, the challenges that the Custody and Psychiatric Treatment
Hospitals present to the mental health field are studied. The Judiciaries Asylum, their logic
and their population are considered as the last resistant border against the anti-asylum
movement. Such institutions, placed between madness and crime, produce and reproduce,
specifically and ambiguously, the myth of the danger/aggressiveness. Particularly in this
context, the article analyzes the question of the responsibility of the author of infractions
due to mental disorder.
O presente artigo foi elaborado a partir dos termos do Discurso de abertura do I Simpósio Internacional de Manicômios Judiciários
e Saúde Mental.
1 Docente do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP. Coordenador do grupo de pesquisa
CNPq Laboratório de Saúde Mental Coletiva – LASAMEC. Orientador do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, área
de concentração Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da FSP/USP. Correspondência para: albereis@usp.br
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quais se refere Eglander (2006)5. Esse último “quadrilhamento” disciplinar, isto é, “as instân-
tipo de delito é cometido, sobretudo pela popu- cias de controle individual funcional num du-
lação mais jovem. Além do horizonte da loucu- plo modo: o da divisão binária e da marcação
ra, há de se pensar, nesse contexto, o fato de se (louco-não louco; perigoso-inofensivo; normal-
ampliarem cada vez mais “as contradições que anormal) e o da determinação coercitiva”7.
atravessam a dinâmica das novas gerações, en- (p.165). Não parece ser diferente a compreen-
tre a informação de que elas dispõem sobre o são de Maciel8 quando ela precisa que “o con-
acesso a pautas de consumo cada vez mais so- ceito tecido por Erving Goffman de ‘instituição
fisticadas, através dos meios de comunicação e total’ não consegue explicar satisfatoriamente
dos shoppings, e a real impossibilidade de ter as complexidades existentes num lugar onde se
acesso a esse consumo através de canais líci- podem reunir características tão peculiares: é um
tos”6 (p.199). Vislumbra-se nesses números um espaço prisional e asilar, penitenciário e hospi-
debate sobre a pobreza, a lei e a loucura. talar e para onde se enviam os culpados e ino-
Quando se tem em perspectiva as variá- centes, ao mesmo tempo, pois a prisão recebe
veis sócio-econômicas observa-se que a popu- os primeiros e o hospício, os inocentes.” (p.1).
lação dos manicômios judiciários é caracteri- A realidade institucional atual dos Manicômios
zada por um nível de escolaridade baixo, Judiciários indica que sob a determinação da
predominando significativamente o 1º grau in- figura das Medidas de Segurança se amontoam
completo, por uma inserção profissional pou- pessoas que vivem num espaço real e simbóli-
co qualificada, tipo servente de pedreiro, e, fi- co, em que se cotejam, sem limites precisos, os
nalmente, por um sedentarismo marcado pela mais diversos fenômenos pertencentes ao que
ausência de fluxo migratório e dispersão geo- no século XIX se denominavam o crime, a lou-
gráfica. Trata-se, na maioria dos casos, de pes- cura e o vício.
soas que residem nas proximidades das locali- Esses dados aproximativos por si só já
dades onde nasceram. Se se estimam os permitem dizer que os manicômios judiciários
parâmetros populacionais por esses dados che- e seus efeitos marcam antes de tudo um lugar
gar-se-ia à conclusão apressada de que quem de ambigüidade e instabilidade no interior da
enlouquece e comete delito são pessoas sem atual política de saúde mental brasileira.
estudo, com nível socioprofissional pouco qua- Essas ambigüidades se refletem e sur-
lificado o que sugere, nesses termos, que a lou- gem nos mais diversos níveis:
cura se define essencialmente como questão No plano jurídico e administrativo são
sócio-econômica. estabelecimentos ou equipamentos voltados à
Nesse caso, não se necessitaria de saúde mental que, em grande parte dos Esta-
HCTPs, mas simplesmente de educação e tra- dos da Federação, não se ligam ao Ministério
balho qualificado. Por último, vê-se que os re- ou Secretarias de Saúde, mas estão na depen-
sidentes não são loucos errantes que se mos- dência da esfera da Justiça e, como tais, não
tram nas figuras de Brueghel ou Bosch, mas pertencem organicamente ao SUS.
pessoas que permanecem em suas comunida- A medida de segurança, que é o nome
des, sem muito se distanciarem dos lugares do dispositivo ao qual se encontra submetido
onde nasceram e teceram seus laços. Vê-se de o paciente, tem por cerne o conceito de
imediato que os Manicômios Judiciários não periculosidade. “Do ponto de vista jurídico,
são instituições exatamente equivalentes às o portador de doença mental ou comprometi-
instituições de isolamento e exclusão. mento cognitivo, comprovado por perícia
Falta-lhes, em algum nível, o que médica, ao cometer um crime, não é conside-
Foucault denominou como poder do rado autor do ato, por ser julgado inimputável,
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incapaz de distinguir o caráter ilícito dos pró- criminalmente o “louco” pelo delito cometi-
prios atos. do? É possível se fazer alguma distinção entre
Nesses casos, a lei determina a absolvição responsabilidade que marca e define a pessoa
com aplicação de medida de segurança (MS), com como sujeito de direito e a responsabilidade
prazo indeterminado, estando sujeito à perícia penal? Seria possível distinguir responsabili-
médica indicatória de cessação de dade ética, psicológica e social de culpabilida-
periculosidade.” 9. É sobre a realização de tal de penal? Em que medida punir o infrator “lou-
noção que o médico psiquiatra é chamado a opi- co” não lhe traria apenas a recompensa gozosa
nar e oficializar muito embora não se trate de um e masoquista propiciada pelo supereu?
conceito psicológico, mas, no limite, de uma no- Não é tarefa fácil distinguir entre as suti-
ção jurídica,evidentemente não calcada no prin- lezas que definem os contornos dessas idéias e
cipio retributivo do direito posto que a noções. O I Simpósio Internacional sobre Ma-
periculosidade é a mera antecipação probabilística nicômios Judiciários e Saúde Mental permitiu
de um evento não realizado no presente. debater algumas dessas questões. A Faculdade
O efeito imediato desta ambivalência é de Saúde Pública, que o acolheu tem como um
a dissonância criada no interior da própria sub- de seus anexos ou componentes o Centro de
jetividade do médico que é chamado a decidir Saúde Escola Geraldo Paula Souza. O imóvel,
psiquiatricamente sobre uma questão jurídica para quem não sabe, foi residência de Tarsila
carregada de conseqüências que podem recair do Amaral e Oswald de Andrade. Esse último
como responsabilidade ou ameaça sobre seus termina seu Manifesto Antropofágico procla-
ombros. Sabe-se que a medida de segurança se mando desejar ver instalada “contra a realidade
reveste de um caráter perverso porque pode social, vestida e opressora, cadastrada por Freud,
prolongar ad infinitum a “pena” do paciente, a realidade sem complexos, sem loucura, sem
transformando-a numa prisão perpétua. Mas prostituições e sem penitenciárias do
por outro lado, aboli-la não implicaria colocar matriarcado de Pindorama”.10 (p.4). Foi sob a
em discussão o próprio estatuto da égide dessa utopia que foram então abertos os
inimputabilidade e, neste caso, responsabilizar trabalhos desse Simpósio.
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