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Ana e Lol: o corpo afetado

Paola Salinas

“Se com Ana Karenina1 pude ver a histeria afetando o corpo em sua máxima divisão angustiante. Com
Lol V Stein2 sou tocada pela inconsistência permanente que pelo peso, faz corpo.”3 Li Ana e Lol com
meu corpo. Sem Lacan, sem ler o que escreveu sobre Lol. Por outro lado, com ele, presente como
discurso, efeito e desejo no meu percurso de analisante na via de um corpo e uma mulher. Parto do
efeito que estas mulheres causaram: lembranças, sensações, angústia e estranheza.

Ana
O excesso de simbólico no trato com a mulher, o amor e o gozo, mostra-se como defesa nesse
contexto. Comportamentos pré-estabelecidos buscam dar consistência e fazer existir a relação sexual.
Pelo furo no saber sobre o gozo feminino a mulher é moldada numa tirania superegóica, o que faz
proliferar o imaginário, predomina o campo escópico e a enfatuação do falo como conseqüência.
Ana faz surgir o sujeito de desejo em sua dignidade estruturante. Na ruptura com o
regramento sobre o ser mulher cede ao amor, mas é presa do gozo. Tomada pela angústia histérica,
oscila entre a dúvida de saber-se amada o suficiente para evitar a presença da Outra e não ser digna
do lugar de mulher. O saber sobre o gozo e a posição feminina não advêm com a realização do amor.
Por não poder usufruir do contorno dado pelo amor de Vronsky enlouquece na demanda de amor
erotômana, e, ao vê-la sem resposta, estanca a vida.
Perder o homem, referencial, conector que lhe dera incialmente novo lugar numa espécie de
“atravessamento” do Outro articulado ao desejo, mas sem muita clareza sobre o gozo em jogo.
A busca de Ana pelo feminino fora de si culmina com a clareza mentirosa de ter-se tornado
objeto descartável, dejeto. Frente a esse insuportável descarta a si na linha férrea.
Lol
É J. Hold quem nos fala e não Lol, trata-se do que conseguiu apreender de sua feminilidade.
Seria então somente o efeito de Lol neste homem? Creio que não, é através dele que Lol se relocaliza.
O recebe e assim bordeia seu ser de paixão, morto até então pela contingência presentificada no
abandono no baile.
Com Hold se aproxima do que foi, ou do que pensou ter sido, vivendo o que em verdade é
novo e nunca experimentado. Tatiana, amante de Hold, ponte das duas cenas, é seu guia e seu
escudo, serve para valorizar-se e descobrir-se. Precisa desse espelho que não a reflete totalmente
para experimentar a mulher em si. Ocupa-se com um tenso comparar sem depreciar-se ou venerá-la.

1
Tolstoi. L. Ana Karenina. Publicações Europa-América. Portugal, tradução de João Netto
2
Duras, M. O arrebatamento de Lol V. Stein
3
Paola Salinas - post facebook. 15/2/2012
1
Lol, alheia às regras, compreende, não reivindica restituição, desliga-se do laço ao perder o
amor e o ponto de contato com o mundo; contato esse retomado quando com Hold revisita os
mesmos lugares colocando em ato a sexualidade, num misto de rewiew e novidade.
A outra que outrora lhe toma o ar, a luz, reaparece com interesse e proximidade. É objeto de
estudo, engano, aprendizagem, espelha-se nela para ser mulher, espelha-se nele para saber da
mulher, vê-os, participa numa distância imaginária ótima que lhe permita flutuar pela relação sexual,
fazê-la existir com uma leveza desconcertante. Observa sempre, toma o gozo para si, o experimenta.
Olha sem nos deixar claro o por que ou até quando, e com isso consegue um lugar. Renovada,
feminina.
À leitora fica a conclusão. O que se fez? Que corpo marcou-se no vai e vem entre o de Lol e
Tatiana?... o corpo amortecido no baile, o que goza com o homem e aquele deixado ficar no campo
de centeio.
Se Ana se lança ao vazio, Lol habita nele.

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