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DISCIPLINA: L i t e r a t u r a e o u t r a s L i n g u a g e n s
Aertísticas: Relações intersemióticas
RESUMO
Este artigo apresenta o conto “Conversa de bois”, de João Guimaraes Rosa, em
uma perspectiva da produtividade e intersemiose. Esse conto foi publicado no livro
Sagarana, conto modernista publicado em 1946. O conto narra a história de Tiãozinho e
senhor Agenor Soronho, que são incumbidos da tarefa de levar um defunto que havia
falecido naquela manhã em torno de umas seis léguas de distância. Por ocasião o
defunto era pai de Tiãozinho um dos condutores de junta de bois. Alguns aspectos e
características são importantes de serem relatadas, como a “franzinidade” do menino e o
defunto sendo carregado em cima de uma carga de rapadura. Tendo tomado ao pé da
letra o preceito platônico ("banir os poetas da República"), nossa civilização e sua
ciência estão cegas diante de uma produtividade, a escritura, para receber um efeito: a
obra. Elas produzem, assim, uma noção e seu objeto, os quais, retirados do trabalho
produtor, intervêm, a título de objeto de consumo, num circuito de troca (real-autor-
obra-público) Trata-se da noção e de objeto literatura: trabalho translinguístico que
nossa cultura só atinge no pós produção ( no consumo); produtividade oculta,
substituída pela representação de uma tela que dubla o autêntico e/ou pela audição de
um discurso- objeto secundário em relação ao real e suscetível de ser apreciado,
pensado, julgado unicamente em sua substituição reificada. É nesse nível de
inteligibilidade da literatura como discurso substitutivo que se situa a recepção do
consumo do texto com sua exigência de verossímil.
A conversa é dos bois, os seres humanos são ouvintes, demonstrando assim uma
característica do sertanejo, homem rude de poucas palavras, em determinado momento
¹Mestrando em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.
²Mestranda em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.
do texto os próprios bois percebem a humanização em determinado boi que acaba de
chegar e fazer parte da junta. Assim sendo os bois sentem alegria de ser animais, pois o
homem é acometido pelo sofrimento.
SUMMARY
This article presents the short story “Conversa de bois”, by João Guimaraes
Rosa, from a perspective of productivity and intersemiosis. This tale was published in
the book Sagarana, a modernist tale published in 1946. The tale tells the story of
Tiãozinho and Mr. Agenor Soronho, who are tasked with carrying a deceased who had
died that morning around six leagues away. At the time, the deceased was the father of
Tiãozinho, one of the ox yoke drivers. Some aspects and characteristics are important to
be reported, such as the boy's “shrunk” and the deceased being carried on top of a load
of brown sugar. Having taken the Platonic precept literally ("banish the poets of the
Republic"), our civilization and its science are blind to a productivity, writing, in order
to receive an effect: the work. They thus produce a notion and its object, which, taken
of a screen that dubs the authentic and/or by the hearing of a discourse-object secondary
in relation to the real and susceptible of being appreciated, thought about, judged solely
discourse that the reception of text consumption with its demand for verisimilitude is
situated.
use «a sign, its object (or content) and its interpretation '1. On the other hand, semiotics
is the study of symbols and semiosis, which studies all cultural phenomena as if they
The conversation is of the oxen, the human beings are listeners, thus
moment of the text the oxen themselves perceive the humanization in a certain ox that
has just arrived and is part of the junta. Thus, oxen feel joy in being animals, because
E, quando Copérmico era quase único de seu parecer, ela era sempre
incomparavelmente mais verossímil que a de todo o resto do género humano.
Ora, não sei se o estabelecimento da arte de estimar verossimilhanças não
seria mais útil que boa parte de nossas ciências demonstrativas, e já pensei
nisto mais de uma vez. LEIBNIZ, Novos Ensaios, IV, 2
O discurso literário, segundo, se projeta sobre o outro que lhe serve de espelho e
com que se identifica além da diferença. O espelho ao qual o verossímil remete o
discurso literário é o discurso chamado natural. Tornar verossímil, ao nível semântico,
seria reduzir o artificial, o estático, o gratuito (ou seja, o diferente dos significados do
princípio natural) à natureza, à vida, à evolução, à finalidade (isto é, semantemas
constitutivos do princípio natural)
A retórica pode ser utilizada como um meio de passar uma boa impressão e
convencer o júri com base em uma defesa que se utilize da boa retórica transmitindo a
ideia de que o réu possui bons traços de caráter. Sobre isso, Roland Barthes afirma que
os “traços de caráter que o tribuno deve mostrar ao auditório (pouco importa sua
sinceridade), para causar boa impressão [...] são suas aparências”.
Para ele, mais que ilegível, a produtividade é indizível numa retórica literária.
Escrito durante a vida de Roussel, mas destinado à publicação póstuma, Comment j’ ai
écrit, responde a exigência da ciência quanto a morte do literário/ morte do escritor.
Roussel não pratica a ciência como literatura e sim representa a literatura com ciência.
Também há outra passagem que revela as lamentações dos pois a respeito do árduo trabalho
diário que desempenham, se comparando com outros que têm vida boa, essa postura também
é essencialmente humana. Vejamos o que o texto diz a esse respeito:
Na passagem está escrito que os bois estabelecem um diálogo que começam dizendo
que:
— No tempo-das-águas pastando na invernada, sem trabalhar, só vivendo e pastando
e vão-se embora para deixar lugar aos novos que chegam magros, esses todos não
são como nós...”
— Eles não sabem que são bois...
— apoia enfim Brabagato, acenando a Capitão com um esticão da orelha esquerda.
— Há também o homem...
— É, tem também o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta...
— ajunta Dançador, que vem lerdo, mole-mole, negando o corpo.
— O homem me chifrou agora mesmo com o pau...
— O homem é um bicho esmochado, que não devia haver. Nem convém espiar
muito para o homem. É o único vulto que faz ficar zonzo, de se olhar muito. E
comprido demais, para cima, e não cabe todo de uma vez, dentro dos olhos da gente.
— Mas eu já vi o homem-do-pau-comprido correr de uma vaca... De uma vaca. Eu
vi. — Quieto, Buscapé! ... Sossega, meu boizinho bom...
— Clama o menino guia (ROSA, 2015, p. 262).
O trecho acima mostra uma inversão em os pois pensam, falam e tem sentimentos e o
homem é visto como um ser humano que age como animal, que fere, que maltrata. Sendo
denominado pelos bois como um bicho esmochado, para quem nem se deve olhar muito. No
trecho a seguir, os animais começam a relacionar os próprios pensamentos aos dos homens,
reforçando o processo de humanização dos animais por meio desse conto de Guimarães Rosa:
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