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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU


EM LETRAS

PPGLETRAS – MESTRADO EM LETRAS – LITERATURA


E CRÍTICA LITERÁRIA

DISCIPLINA: L i t e r a t u r a e o u t r a s L i n g u a g e n s
Aertísticas: Relações intersemióticas

Orientadora: Drª Custódia Annunziata


Spencieri de Oliveira

A Produtividade chamada texto

“Conversa de Bois”: Um olhar


intersemiótico na obra de João Guimarães
Rosa
Julia Kristeva

Mestrando: Luiz Carlos Moreira Ramo Mantovano


Mestranda: Gilclene Cristina Fagundes Cruvinel
Goiania- Go
18/10/2022
“Conversa de Bois”: Um olhar
intersemiótico na obra de João Guimarães
Rosa
Luiz Carlos Moreira Ramo Mantovano ¹

Gilclene Cristina Fagundes Cruvinel²

RESUMO
Este artigo apresenta o conto “Conversa de bois”, de João Guimaraes Rosa, em
uma perspectiva da produtividade e intersemiose. Esse conto foi publicado no livro
Sagarana, conto modernista publicado em 1946. O conto narra a história de Tiãozinho e
senhor Agenor Soronho, que são incumbidos da tarefa de levar um defunto que havia
falecido naquela manhã em torno de umas seis léguas de distância. Por ocasião o
defunto era pai de Tiãozinho um dos condutores de junta de bois. Alguns aspectos e
características são importantes de serem relatadas, como a “franzinidade” do menino e o
defunto sendo carregado em cima de uma carga de rapadura. Tendo tomado ao pé da
letra o preceito platônico ("banir os poetas da República"), nossa civilização e sua
ciência estão cegas diante de uma produtividade, a escritura, para receber um efeito: a
obra. Elas produzem, assim, uma noção e seu objeto, os quais, retirados do trabalho
produtor, intervêm, a título de objeto de consumo, num circuito de troca (real-autor-
obra-público) Trata-se da noção e de objeto literatura: trabalho translinguístico que
nossa cultura só atinge no pós produção ( no consumo); produtividade oculta,
substituída pela representação de uma tela que dubla o autêntico e/ou pela audição de
um discurso- objeto secundário em relação ao real e suscetível de ser apreciado,
pensado, julgado unicamente em sua substituição reificada. É nesse nível de
inteligibilidade da literatura como discurso substitutivo que se situa a recepção do
consumo do texto com sua exigência de verossímil.

A semiose é um termo que foi introduzido pelo filósofo e matemático norte-


americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) para designar o processo de significação
e a produção de significados, ou seja, a maneira como os seres humanos usam «um
signo, seu objeto (ou conteúdo) e sua interpretação '1. Por outro lado, a semiótica é o
estudo dos símbolos e da semiose, que estuda todos os fenómenos culturais como se
fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação

A conversa é dos bois, os seres humanos são ouvintes, demonstrando assim uma
característica do sertanejo, homem rude de poucas palavras, em determinado momento
¹Mestrando em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.
²Mestranda em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.
do texto os próprios bois percebem a humanização em determinado boi que acaba de
chegar e fazer parte da junta. Assim sendo os bois sentem alegria de ser animais, pois o
homem é acometido pelo sofrimento.

Palavras Chave: Intersemiose; Produtividade; Signo.

SUMMARY

This article presents the short story “Conversa de bois”, by João Guimaraes

Rosa, from a perspective of productivity and intersemiosis. This tale was published in

the book Sagarana, a modernist tale published in 1946. The tale tells the story of

Tiãozinho and Mr. Agenor Soronho, who are tasked with carrying a deceased who had

died that morning around six leagues away. At the time, the deceased was the father of

Tiãozinho, one of the ox yoke drivers. Some aspects and characteristics are important to

be reported, such as the boy's “shrunk” and the deceased being carried on top of a load

of brown sugar. Having taken the Platonic precept literally ("banish the poets of the

Republic"), our civilization and its science are blind to a productivity, writing, in order

to receive an effect: the work. They thus produce a notion and its object, which, taken

from the production work, intervene, as an object of consumption, in a circuit of

exchange (real-author-public-work). : translinguistic work that our culture only achieves

in post-production (in consumption); hidden productivity, replaced by the representation

of a screen that dubs the authentic and/or by the hearing of a discourse-object secondary

in relation to the real and susceptible of being appreciated, thought about, judged solely

in its reified replacement. It is at this level of intelligibility of literature as a substitutive

discourse that the reception of text consumption with its demand for verisimilitude is

situated.

Semiosis is a term that was introduced by the American philosopher and

mathematician Charles Sanders Peirce (1839-1914) to designate the process of

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²Mestranda em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.
signification and the production of meanings, that is, the way in which human beings

use «a sign, its object (or content) and its interpretation '1. On the other hand, semiotics

is the study of symbols and semiosis, which studies all cultural phenomena as if they

were sign systems, that is, systems of signification.

The conversation is of the oxen, the human beings are listeners, thus

demonstrating a characteristic of the sertanejo, rude man of few words, in a certain

moment of the text the oxen themselves perceive the humanization in a certain ox that

has just arrived and is part of the junta. Thus, oxen feel joy in being animals, because

man is affected by suffering.

Key words: Intersemiosis; Productivity; Sign.

¹ No E-Dicionário de Termos Literários (organizado e coordenado Ceia; consultado em 22/09/2016), o


artigo correspondente à entrada semiótica cita uma passagem de Umberto Eco (Sobre os espelhos, 1989,
p. 11, nota), a que não é estranha alguma ironia: «[A] semiose é o fenômeno típico dos seres humanos (e,
segundo alguns, também dos anjos e dos animais), pelo qual – como diz Peirce – entram em jogo um
signo, seu objeto (o conteúdo) e sua interpretação. A semiótica é a reflexão teórica sobre o que seja
semiose. Em conseqüência, o semiótico é aquele que nunca sabe o que seja semiose, mas está disposto a
apostar sua vida no fato de que ela existe.

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INTRODUÇÃO

E, quando Copérmico era quase único de seu parecer, ela era sempre
incomparavelmente mais verossímil que a de todo o resto do género humano.
Ora, não sei se o estabelecimento da arte de estimar verossimilhanças não
seria mais útil que boa parte de nossas ciências demonstrativas, e já pensei
nisto mais de uma vez.  LEIBNIZ, Novos Ensaios, IV, 2

Tendo tomado ao pé da letra o preceito platônico ("banir os poetas da


República"), nossa civilização e sua ciência estão cegas diante de uma produtividade, a
escritura, para receber um efeito: a obra. Elas produzem, assim, uma noção e seu objeto,
os quais, retirados do trabalho produtor, intervêm, a título de objeto de consumo, num
circuito de troca (real-autor-obra-público) Trata-se da noção e de objeto literatura:
trabalho translinguístico que nossa cultura só atinge no pós produção ( no consumo);
produtividade oculta, substituída pela representação de uma tela que dubla o autêntico
e/ou pela audição de um discurso- objeto secundário em relação ao real e suscetível de
ser apreciado, pensado, julgado unicamente em sua substituição reificada. É nesse nível
de inteligibilidade da literatura como discurso substitutivo que se situa a recepção do
consumo do texto com sua exigência de verossímil.

Chama-se verossimilhança ou verosimilhança, em linguagem coerente ao


atributo daquilo que parece intuitivamente verdadeiro, isto é, o que é atribuído a uma
realidade portadora de uma aparência ou de uma probabilidade de verdade, na relação
ambígua que se estabelece entre imagem e ideia.

O seu princípio, na Grécia Antiga, aconselhava que as artes deviam ter um


conteúdo verosímil (ou verossímil), ou seja, possível, coerente. O enredo devia ser
possível, e não incongruente

A ciência literária, situada também no circuito dizer-ouvir e dele extraindo sua


essência e sua intenção de querer-dizer, define seu objeto- o texto-como palavra; logo,
também ele, como um querer-dizer verdadeiro.

Assim a ciência literária, solidária à atitude de consumo com respeito à produção


textual na sociedade da troca, assimila a produção semiótica a um enunciado, recusa
conhecê-la no processo de sua produtividade e lhe impõe a conformidade com um
objeto verídico (tal é a atitude filosófica convencional que apresenta a literatura como
expressão do real)

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1. A impossibilidade de considerar uma prática semiótica que não seja em suas
relações com uma verdade discursiva (semântica ou sintática).

2. A amputação (abstração idealista) da totalidade atuante numa de suas partes:


em resultado consumido por um determinado sujeito.

A literatura obriga-se a tratar do verossímil. É esse terceiro aspecto do


verossímil que os textos de Raymond Roussel nos revelam. O Verossímil é tratado além
de si mesmo no qual o quere-dizer torna-se o poder escrever e procede a desmistificação
do verossímil

Raymond Roussel foi um escritor, dramaturgo e poeta francês. Foi um dos


precursores do surrealismo, famoso pelo caráter desconcertante e excêntrico de sua
obra, que combina elementos sobrenaturais e jogos linguísticos. Se a função de sentido
do discurso é uma função de verossimilhança acima da diferença, de identidade e de
presença a si, como o demonstrou a admirável leitura de Husserl feita por J Derrida,
poderíamos dizer que o verossímil (o discurso literário) é o segundo grau da relação
simbólica de semelhança... A verdade seria um discurso semelhante ao real; o
verossímil, sem ser verdadeiro, seria o discurso semelhante ao real.

O sentido verossímil finge preocupar-se com a verdade objetiva; o que preocupa


de fato é a relação com um discurso cujo o fingir-se-uma-verdade-objetiva é
reconhecido, admitido, institucionalizado. O problema do verossímil é o problema do
sentido: ter sentido é ser verossímil (semântica ou sintaticamente), sendo o sentido
(além da verdade objetiva) um efeito interdiscursivo, o efeito verossímil é uma questão
de relação de discursos.

O discurso literário, segundo, se projeta sobre o outro que lhe serve de espelho e
com que se identifica além da diferença. O espelho ao qual o verossímil remete o
discurso literário é o discurso chamado natural. Tornar verossímil, ao nível semântico,
seria reduzir o artificial, o estático, o gratuito (ou seja, o diferente dos significados do
princípio natural) à natureza, à vida, à evolução, à finalidade (isto é, semantemas
constitutivos do princípio natural)

A segunda característica semântica é um efeito, resultado, um produto que


esquece o artifício da produção. Emergindo antes e após a produção textual, anterior e

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posterior ao trabalho translinguístico. (Falar / ouvir) cognoscível a um sujeito que fala e
a um destinatário, ela não é nem presente, nem passado.

Discurso da produção presente é ciência, discurso da produção passada é


história. O verossímil sintático seria o princípio de derivabilidade (das diferentes partes
de um discurso concreto) um sistema formal global. Depende, pois, de uma estrutura de
normas de articulações particulares de sistema retórico preciso: a sintaxe verossímil de
um texto é o que o torna conforme as leis da estrutura discursiva (às leis retóricas).

Através da derivabilidade, a retórica camufla o artifício da conjunção


semanticamente verossimilizante. Essa derivabilidade retórica oferece o mito da
determinação ou da motivação à leitura ingênua.

A gênese da retórica se explica usualmente por uma circunstância histórica


bem precisa, de ordem sócio-política. Na Sicília do século V a. C. dois
tiranos — Gelon e Hieron —, visando a povoar Siracusa, transferem
populações, expropriam e redistribuem terras; depostos numa rebelião,
abrem-se processos para a devolução das propriedades aos antigos donos,
mobilizando-se assim grandes júris populares. Convinha então às partes em
litígio a maior eficácia possível no uso do discurso, para persuadir de suas
razões os julgadores; com a utilidade desse modo posta em voga, os recursos
da eloquência começam logo a ser sistematizados, tornando-se objeto de uma
arte, no sentido antigo deste termo. Ainda no mesmo século V a. C. a retórica
seria introduzida na Ática, onde se desenvolveria favorecida por uma
situação social e política semelhante à da Sicília, marcada pela livre
reivindicação de direitos por via judiciária (cf. Barthes, em Cohen et alii
1975, p. 151).

A retórica pode ser utilizada como um meio de passar uma boa impressão e
convencer o júri com base em uma defesa que se utilize da boa retórica transmitindo a
ideia de que o réu possui bons traços de caráter. Sobre isso, Roland Barthes afirma que
os “traços de caráter que o tribuno deve mostrar ao auditório (pouco importa sua
sinceridade), para causar boa impressão [...] são suas aparências”.

Os critérios semânticos da verossimilização sintática serão a linearidade


(origem-finalidade) e a motivação (silogismo) para a prosa, assim como o
desdobramento (rima, associação, identificação, repetição) para o verso.

A produtividade do texto por definir-se com escritura, não se preocupa com a


retórica. O conceito de escritura foi trabalhado por Lacan, Derrida e Barthes, entre

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outros. Em que pese a heterogeneidade entre os autores, eles parecem estabelecer
algumas diferenças com relação ao termo escrita. Onde a escritura seria uma nova
forma de fazer escrita. Em termos conceituais, escritura e escrita, contornam
significados distintos, havendo na primeira um toque de sensibilidade, talvez um clamor
artístico, pois esta desenvolve a criação, retratando novas línguas e trazendo elementos
terceiros para construção de histórias ou palavras, enquanto a segunda caracteriza-se por
ser mais rígida, com destaque para o seu teor linguístico, principalmente, o falar sobre
algo ou alguém.

Para Derrida, entende-se por escritura todas as modalidades de escrita que


sejam fundamentalmente não fonéticas, mesmo que a escrita fonética tenha se
constituído num tempo posterior da história da escrita (Derrida 1967a, 1a parte, cap. 1).

O termo Escritura aparece também em O grau zero da escritura, de Roland


Barthes, numa tentativa de substituir o conceito literatura, marcado, historicamente,
como produto alienante da burguesia. [Questão discutida durante a II Jornada do Grupo
de Estudos Literatura Loucura Escritura – GELLE]. Escritura, para Barthes, é uma
noção (não propriamente um conceito) para diferenciar a escrita que tem valor por si
mesma (mesmo que, obviamente, hajam conteúdos ali envolvidos), da escrita que
somente tem valor pelo seu conteúdo.

Barthes pega como exemplo, os autores Marquês de Sade, Charles Fourier e


Inácio de Loyola como exemplos de escrituras. Para ele, esses autores não fazem uma
escrita transitiva, porque inventam novas línguas, as quais fazem com que os seus textos
valham por si mesmos, independentemente dos seus conteúdos. E, desta forma, fazem
biografema. Os textos de Roussel, inteiramente modelados no e pelo desdobramento,
dividem-se (tanto na escritura quanto para a leitura) em duas vertentes: a produtividade
textual e o produto-texto.

Para ele, mais que ilegível, a produtividade é indizível numa retórica literária.
Escrito durante a vida de Roussel, mas destinado à publicação póstuma, Comment j’ ai
écrit, responde a exigência da ciência quanto a morte do literário/ morte do escritor.
Roussel não pratica a ciência como literatura e sim representa a literatura com ciência.

Na combinatória sêmica fala de produto e não de produtividade, pois as


combinações sêmicas mais absurdas torna-se verossímeis na palavra. A alianã de duas
séries disjuntivas só aparece absurda de um lugar à distância temporal e espacial com

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relação ao discurso produzido: o lugar da diferenciação lógica, exterior ou lugar da
palavra identificadora.

O signo se desdobra claudicando: o significante designa pelo menos dois


conteúdos, o conteúdo supões pelo menos dois significados, a forma remete pelo menos
dois conteúdos, o conteúdo supõe pelo menos duas interpretações, e assim até o infinito,
todos verossímeis, por que unidos sob um mesmo significante (ou sob uma forma, ou
sob um mesmo conteúdo e assim infinitamente) não oscilam menos numa vertigem: a
nebulosidade de sentido, na qual está submersa, em última instância verossímil (O
signo).

Roussel desvenda assim outra variante combinatória sêmica verossímil: a


unidade significante desdobra-se em dois índices, dos quais somente um é um porta-
sentido, enquanto a conjunção é possível graças a uma identidade do nível do índice
isento a significação.

A obsessão rousseliana com a linguagem produtora do verossímil traduz-se por


uma paixão pela polissemia e todos os seus fenômenos colaterais (sinonímia,
homonímia). Esse termo polivalente está representado em Noveles Impressions d’
Afrique pela imagem da Cruz: Signo que significa tudo, qualquer coisa e nada, ou pelo
menos tema frequente da calúnia: imagem pejorativa da palavra verossimilizante.

Decepção do sentido o discurso verossímil é também a restrição do sentido, uma


redução do real. A verossimilização é nosso único procedimento de evolução na
intelecção, é o motor da racionalidade cognoscente. É ela que transforma o absurdo em
significação

A máquina fotográfica é a imagem que Roussel utiliza para narra o efeito de


projeção do mesmo sobre o outro, estruturado pelo retoque de um (discurso) mais do
que pela disjunção de dois. A segunda parte do livro Impressions d’ Afrique põe em
cena a unidade maior: a frase com seus elementos e sua dependência

Para Roussel o processo de produção textual começa por uma conjunção de


significantes e não pressupõe nenhum conceito ou ideia anteriores ao ato de escreve,
exceto um programa elementar da máquina que comporta duas funções: aplicação
(semelhança dos significantes) e negação (diferença dos significados). Os únicos textos
franceses não estranho é carta

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Exteriores à problemática do verossímil, as N.I.A. não constituem em mensagem
destinada a um efeito: elas não contam qualquer aventura, não descrevem nenhum
fenômeno preciso, não descobrem nenhuma verdade anterior à sua produtividade.

É evidente que o conceito de produtividade textual nos situa num nível de


raciocínio que evoca aquele definido pelos matemáticos como teorias essencialmente
indecidível, se o termo presta equívocos em outros contextos, significa que a verdade ou
falsidade de uma hipótese não podem jamais ser conhecidas), o conceito de indecidível
é de suma importância para nossos propósitos.

A verdade da produtividade textual não passível de prova nem de verificação, o


que significaria que a produtividade textual depende de um outro domínio que não o
verossímil. Como sempre a produtividade deve em questão antecede sua ciência; a
ciência dessa produtividade deve ser feita a partir da semiótica, mas não unicamente
com ela (se quisermos evitar o miniaturismo decorativo da Idade Média), através dela,
mas enquanto aparato e não como sistema fixo.

Humanização dos bois

Para entender o processo de humanização é preciso levar em conta o contraponto que


é o processo de desumanização. Nesse sentido, o conto esse aspecto é facilmente identificado
na passagem em que Tiãozinho e Azarias são tratados de forma desumana por Agenor
Soronho e pelo tio Raul, ou seja, se podem ser tratados de forma desumana, o oposto
existe.
Dessa forma, pode-se dizer que o processo de humanização pode ser observado nos
contos “Conversa de bois” sobretudo na passagem que narra o dia que explodiu Mabata-Bata,
sendo condicionado pela relação tríade entre homens, crianças e bois. Nesse contexto, os
animais exercem tanto um papel de testemunhas da desumanização que é
realizada pelos homens sobre as crianças, como também desempenham a função
de elemento deflagrador de um processo de humanização pelo qual as crianças se
libertam das situações de exploração a que estavam submetidas.
Sendo a vingança uma atitude essencialmente humana, a passagem em que os bois resolvem
vingar Tiãozinho, traduz essa característica, conforme é possível verificar no trecho abaixo
extraída da obra de Guimarães Rosa:

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Então, Brilhante — junta do contra-coice, lado direito — coçou calor, e aí teve
certeza da sua própria existência. Fez descer à pança a última bola de massa verde,
sempre vezes repassada, ampliou as ventas, e tugiu: “Boi... Boi... Boi...” Mas os
outros não respondem: continuam a vassourar com as caudas e a projetar de um para
o outro lado as mandíbulas, rilhando molares em muito bons atritos bois (ROSA,
2015, p. 260).

Também há outra passagem que revela as lamentações dos pois a respeito do árduo trabalho
diário que desempenham, se comparando com outros que têm vida boa, essa postura também
é essencialmente humana. Vejamos o que o texto diz a esse respeito:
Na passagem está escrito que os bois estabelecem um diálogo que começam dizendo
que:
— No tempo-das-águas pastando na invernada, sem trabalhar, só vivendo e pastando
e vão-se embora para deixar lugar aos novos que chegam magros, esses todos não
são como nós...”
— Eles não sabem que são bois...
— apoia enfim Brabagato, acenando a Capitão com um esticão da orelha esquerda.
— Há também o homem...
— É, tem também o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta...
— ajunta Dançador, que vem lerdo, mole-mole, negando o corpo.
— O homem me chifrou agora mesmo com o pau...
— O homem é um bicho esmochado, que não devia haver. Nem convém espiar
muito para o homem. É o único vulto que faz ficar zonzo, de se olhar muito. E
comprido demais, para cima, e não cabe todo de uma vez, dentro dos olhos da gente.
— Mas eu já vi o homem-do-pau-comprido correr de uma vaca... De uma vaca. Eu
vi. — Quieto, Buscapé! ... Sossega, meu boizinho bom...
— Clama o menino guia (ROSA, 2015, p. 262).

O trecho acima mostra uma inversão em os pois pensam, falam e tem sentimentos e o
homem é visto como um ser humano que age como animal, que fere, que maltrata. Sendo
denominado pelos bois como um bicho esmochado, para quem nem se deve olhar muito. No
trecho a seguir, os animais começam a relacionar os próprios pensamentos aos dos homens,
reforçando o processo de humanização dos animais por meio desse conto de Guimarães Rosa:

— Os bois soltos não pensam como o homem. Só nós, bois-de-carro, sabemos


pensar como o homem!... Mas Realejo, pendulando devagar fronte e chifres, entre os
canzis de madeira esculpida, que lhe comprimem o pescoço como um colarinho
duro, resmunga:
— Podemos pensar como o homem e como os bois. Mas é melhor não pensar como
o homem...
— É porque temos de viver perto do homem, temos de trabalhar... Como os
homens... Por que é que tivemos de aprender a pensar?...
— É engraçado: podemos espiar os homens, os bois outros...
— Pior, pior... Começamos a olhar o medo, o medo grande.., e a pressa... O medo é
uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho... E ruim ser boi-
decarro. E ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza,
fome, calor
— tudo, pensado, é pior... [...] E então, calmo, rediz Dançador, voz tão rouca, de
azebuado, com tristeza no tutano:

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— Não podemos mais deixar de pensar como o homem... Estamos todos pensando
como o homem pensa... (ROSA, 2015, p. 263).

Diante do exposto, é possível verificar que Conversa de Bois, constitui-se em um


conto que retrata o processo de humanização em que os bois são colocados como
agentes deflagradores de acontecimentos que libertam crianças, no caso o Tiãozinho.
Percebe-se, que no conto, as decisões sobre os destinos dos seres humanos são tiradas
das mãos dos homens, e confiadas aos bois, por meio dos quais se inicia um processo de
humanização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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¹Mestrando em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.


²Mestranda em Letras, Críticas Literárias pela Pontifícia Universidade Católica- PUC-GO.

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