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Aspectos psicológicos do ensinar e aprender à distância

Boa noite.

Gostaria de iniciar fazendo um agradecimento à Comissão Permanente de Promoção à


Saúde Mental - CPPSM, na pessoa de Deivid Cassiano, pelo convite para participar
deste II Colóquio sobre Saúde Mental: Saúde mental: desafios e possibilidades no
contexto da pandemia, entendendo que esse é realmente um momento de muitos
desafios, desvios, perdas, devires, e possibilidades. E que lugares como esse, de
encontro, mesmo que virtual, são indiscutivelmente, lugares de circulação de saberes,
posições, de trocas de experiências, portanto, lugares de potências, no qual espero poder
contribuir com minha fala.

Nunca é demais iniciar também referenciando e reverenciando as 139.294 pessoas


mortas até o meio da tarde de hoje, pela covid 19, seus familiares e amigos, razão pela
qual nos encontramos aqui virtualmente, e razão pela qual devemos orientar nossas
ações no sentido de buscar sempre outros mundos possíveis, mais justos, menos
desiguais, mais inclusivos, mais solidários.

Dito isso, Gostaria de fazer minha audiodescrição, considerando a possibilidade de


alguma pessoa cega ou com baixa visão estar conosco. Sou morena clara, de meia idade,
cabelos na altura um pouco acima do ombro, que já foram castanhos, hoje pontilhados
de mechas grisalhas, uso óculos para leitura, apareço do busto para cima, estou vestindo
uma blusa . Estou no meu gabinete de estudo, ao fundo tenho minha estante com livros,
porta-lápis, plantas e quadros.

O primeiro slide traz, sobre um fundo azul claro degradê, o símbolo do IFBA à
esquerda, o símbolo do II Colóquio à direita e se lê acima no centro: II Colóquio sobre
Saúde Mental. Saúde mental: desafios e possibilidades no contexto da pandemia,

Abaixo, no centro, o título da minha fala: Aspectos psicológicos do ensinar e aprender à


distância

Mais abaixo, meu nome, Nicoleta Mendes de Mattos e o mês e o ano em que estamos:
setembro de 2020.

São poucos slides, e vou ler e comentar o que está escrito, e descrever as imagens que
utilizei.

Esse slide traz uma imagem que achei muito significativa, foi produzida pela ou para a
revista época no início da pandemia, 22 de março, e no lado esquerdo, uma carteira
daquelas com tampo e dois livros em cima, ao lado direito, como se estivesse à sua
frente, uma representação do coronavirus enorme, esverdeada. Na altura da parte
superior da cadeira, onde estaria a cabeça do estudante, foram desenhada três listas
vermelhas inclinadas, que passam para mim um sentimento aflitivo, no conjunto, diante
do cononavirus opressor, que, ainda para mim, associei, olhando para a imagem, ao
lugar do professor. (Ou a ausência dele, será?), de qualquer forma, penso que é uma
imagem forte, que bem expressava aquele momento, relacionado diretamente com o
ensinar e com o aprender, foco da nossa fala hoje, e que cabe aqui pensar como ao
longo desse tempo temos os posicionado diante desse contexto.

Então, para poder falar um pouco dos aspectos psicológicos do ensinar e do aprender,
resolvi seguir o percurso /pistas do título desse Colóquio e dessa mesa, tentando pensar
e fazendo recortes a partir do que essas pistas me levaram. O resultado é o que irei
compartilhar com vocês.

Nesse slide, Inicio a partir do contexto psicossocial da pandemia, parte do tema do


colóquio. Não vou me deter, apenas pontuar algumas questões que considero essenciais
de serem identificadas:

O que me leva, no slide seguinte, a trazer um conceito de saúde mental para poder
dialogar com a dimensão psicológica /subjetiva. Embora não seja exatamente sinônimo,
estou tomando a subjetividade como uma dimensão do psicológico para poder pensar
mais adiante o ensinar e o aprender.

Iniciando com o conceito de saúde mental, de acordo com Martín-Baró: é uma produção
humana, a “materialização, na pessoa ou no grupo, do caráter humanizador ou alienante
de uma estrutura de relações históricas” (MARTIN-BARÓ, 2017, p. 251).
Para Martín-Baró (1984/2017), existem concepções hegemônicas sobre saúde mental
podem ser divididas em dois agrupamentos, não necessariamente excludentes:
(a) sinônimo ou ausência de transtornos mentais; é comum pensar que ter saúde mental
é não expressar nenhuma patologia, nenhum sofrimento; e que o inverso também é
verdadeiro: quem tem algum transtorno não tem saúde mental.
(b) um funcionamento adequado do organismo. Ancorada numa lógica funcionalista,
naturaliza a ideia do bom e do mau funcionamento, sem problematizar o contexto de
produção.
Todas duas concepções entendem a saúdem mental como um atributo individual,
cabendo, portanto, ao indivíduo a responsabilidade de garanti-la (aqui cabe pensar desde
a ideia do plano de saúde X SUS até as disseminadas dicas de autocuidado nesse
momento).

Num contexto de desastre, há de se ter muita cautela com diagnósticos patologizantes e


com a medicalização da vida e das reações diante da pandemia.

Daí a importância de se pensar a subjetividade numa perspectiva relacional, não


individualizante e internalizada, mas dentro de um contexto concreto, estruturado e
produzido historicamente, e portanto, não essencialista, não abstrata.
De acordo com Gonzalez-Rey, a subjetividade consiste na “organização dos processos
de sentido e de significação que aparecem e se organizam de diferentes formas” (2005,
p. 108), dimensão inseparável da condição humana, uma produção constituída nas ações
e relações da pessoa com o mundo a sua volta: organiza-se em termos da subjetividade
social e da subjetividade individual, sendo, o sujeito, constituído na tensão dessas duas
dimensões.
Está sempre ancorada na concretude histórica.

Com essa compreensão, passo a problematizar o que poderia ser, ou como compreendo
a dimensão psicológica do ensinar e do aprender, que é o que trata o slide seguinte.

Então, aqui sinalizo a necessidade de um recorte, dentro desse vasto campo que
compreende os aspectos psicológicos do ensinar e aprender, trazendo uma posição.

Quanto aos processos psicológicos usados no pensamento humano, como a percepção, a


memória, o raciocínio etc., bem como as emoções e afetividade, envolvidos nos
processos de ensino e de aprendizagem, não estão localizados apenas na cabeça dos
indivíduos. Eles são compartilhados entre as pessoas e influenciados por fatores sociais
e culturais, como o ambiente, as atividades e comunidades das quais participamos.

Existe uma Indissociabilidade da relação de ensino e aprendizagem: não é um processo


meramente individual, mas também sociorrelacional: como bem afirma Paulo Freire
“Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”
(FREIRE, 2013, p. 25);

Portanto, O processo de ensinar e aprender é o encontro de diferentes subjetividades


propicia uma interação dialógica na perspectiva de superar (ou não) a assimetria que
originou o encontro.

Significa dizer que na relação de ensinar e aprender as condições propícias ou não para
o ensino e a aprendizagem emergem sempre de uma relação, sejam elas materiais,
psicológicas, ou educacionais. Então, é preciso desde sempre identificar nessa relação
quais mecanismos envolvidos, como eles operam, o nível de expectativas e implicação
de todos os envolvidos, e, sobretudo, em quais condições elas se expressam e se
produzem.

Chego no slide seguinte ao titulo da mesa, a dimensão psicológica do ensinar e do


aprender à distância, a partir de algumas questões, para refletir com vocês, sem
nenhuma pretensão de esgotar o tema.

O que é possível? O que é desejável? Como têm sido identificadas as necessidades para
o ensino-aprendizagem (diagnóstico)? Como têm sido encaminhadas?

As armadilhas da transposição literal (invasão de domicílio, falsa intimidade, internet


como espaço da eterna juventude, desigualdade digital etc.) e os impactos psicossociais
possíveis:
Na estudante – a síndrome do “tou à toa” a enorme preocupação em enviar lição,
trabalhos e informações para os alunos, que precisam fazer, muitas vezes sem as
condições mínimas para isso.

Na professora – a síndrome da produtividade ou quem cuida do cuidador? O


esgotamento

Na instituição: a síndrome da eficiência. O colégio que não pode parar.

Nas relações – a experiência do estranhamento e o efeito da cura

Em todos, as angústias são tratadas como escape e adoecimento, com ausência de


doença mental, e não como uma reação ao momento de pandemia, ela não é acolhida
como parte, e sim como algo que precisa ser resolvido, muitas vezes, a qualquer custo.
É importante lembrar que essa não é uma condição da pandemia, e sim do modelo
contemporâneo que adotamos. De acordo com Lourdes Atié (2020), o coronavirus criou
uma angústia e uma mudança nas formas de viver, que atingem também as escolas. E,
no entanto, parece que estamos reproduzindo o mesmo modus operandi que tivemos a
vida toda.

E aí, o que fazer? Porque temos que fazer alguma coisa. Temos? Qual seria o
imperativo? O que pode ser feito?

No último slide, faço algumas tentativas de indicações / provocações, porque também


não tenho respostas, tenho pensado muito na ideia de um caminho, de uma rede, de um
ajuntamento de ideias e de sentimentos (onde ainda não é possível ajuntamento de
corpos) que se produz enquanto é construído.

A partir desse texto de Paulo Freire, que é bem batido, e ainda assim pode ser revelador:

Na imagem, aparece uma colagem de papel e várias texturas em forma de partes do


corpo que compõe o busto de Paulo Freire. Ao lado, está escrito: “Ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a
sua construção. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

Destaco principalmente essa ideia de criar as possibilidades no momento atual, nesse


momento em que estamos vivendo, com as condições que estão dadas, para que sejam
transformadas, ou não, a partir do que existem, concretamente. Esse momento pode ser
uma grande oportunidade de fazer diferente.

Possibilidade de cuidar junto, compreensão do mundo virtual como ferramenta de


criação – Resistências – Enfrentamentos – Apropriação. Em qual contexto? Tem que
haver confiança,

Problematização da realidade: espaço de potência (pelas frestas - sulcos, fendas, gretas,


rachas, fissuras).
O ensino –aprendizagem enquanto Espaço de Cuidado (Para que o futuro não nos
apareça como destino – não conformar – não reagir).

Nesse momento de pandemia, avança um movimento no qual a escola, os professores


parecem não tem mais importância, o que importa são corporações e clientes, o que
significa dizer, que no limite, se decreta a morte também dos estudantes, deste lugar na
relação pedagógica. Entendo que precisamos fazer frente a esse movimento, entende-lo
como algo maior, que não é da pandemia, e de um sistema muito mais amplo.

Fortalecer essa relação ensino aprendizagem que se encontra na escola, identificar suas
conexões, cuidar dessas relações, me parece, é um caminho potente, dentre outros, para
cuidar da saúde mental das pessoas, preservando o que elas tem de melhor: a
possibilidade do encontro.

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