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BR Oliveira. VIII CIH.

1848 - 1855

DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE A MORTE: UMA ANÁLISE SOBRE


DEATH NOTE (2006)
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3676

Bruno Refundini de Oliveira, UEM

Resumo

A seguinte pesquisa consiste em analisar as crenças orientais a


partir da duologia Death Note (2006) e Death Note the Last Name (2006),
dirigido por Shusuke Kaneko, adaptações cinematográficas, do mangá,
Death Note (2003-2006), escrito por Tsugumi Ohta e ilustrado por Takeshi
Obata. A narrativa demostra o jovem Light Yagami (Tatsuya Fujiwara)
que, após ter contato com um objeto do mundo sobrenatural, busca
realizar uma revolução sócio-político, sendo que, o único capaz de pará-lo
é o detetive L (Kenichi Matsuyama), em uma disputa que definirá o
conceito de “justiça”. A partir desta fonte, se torna possível uma análise
pelo viés de múltiplas áreas do conhecimento, tais como Direito, Filosofia,
Palavras Chave:
História e Psicologia, as quais contribuem para a discussão sobre, como se
História das crenças;
deve executar a pena de morte, o questionamento acerca dos valores do
representações míticas;
“bem” e do “mal”, a representação da hierofania contida no “caderno da
“morte”; filosofia.
morte” e as características da Jornada do Herói. Para tanto, os aportes
teóricos constituem em Lilian Yamamoto (2015), Friedrich Nietzsche
(2003), Mircea Eliade (1992) e Joseph Campbell (2013). Elegendo como
aporte metodológico Marcos Napolitano (2011) e Roberto Abdala Junior
(2009) para se analisar o cinema como documento histórico e como tais
elementos são “representados” ao telespectador.
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permite a Light Yagami se tornar Kira 5, e


Introdução
dá início a uma revolução idealista, ao
Death Note (2003-2006) é uma lado de Misa Amane (Erika Toda),
obra de repercussão do mangaká Tsugumi “Trata-se de assumir a criação do
Ohba1 e ilustrado por Takeshi Obata2, a ‘mundo’ que se escolheu habitar”
qual foi adaptada para o cinema em 2006, (ELIADE, 1992, p. 31).
pelo diretor Shunsuke Kaneko3 e o Por outro lado, a construção do
roteirista Tetsuya Oishi. A história de personagem L se constrói com base em
Light Yagami (Tatsuya Fukiwara) é poucas informações, apenas que também
transformada quando adquire o Death é um intelectual, considerado o último
Note e conhece o shinigami Ryuk4 (Shidou recurso da justiça em deter grandes
Nakamura, voz), projeta-se em um criminosos. L, como o grande detetive
conflito tático de proporção global, Sherlock Holmes, se utiliza do método
contra o detetive L (Kenichi Matsuyama), Morelli, que consiste em reconstituir a
no qual o objetivo é a justiça no conceito cadeia de eventos, a partir dos
da “morte”. pormenores, que à maioria é
A construção do protagonista imperceptível (GINZBURG, 1991),
Light Yagami se é passada como um destacando a cena em que L, se apresenta
intelectual, um jovem acadêmico de a Light, com o mesmo pacote de batata
Direito, trilíngue e hacker. O forte senso frita, que o “inocenta” (DEATH NOTE,
de justiça de Light o leva a investigar o 2006).
cumprimento da lei, e tem a descoberta Partindo desta fonte, o presente
de que inúmeros criminosos estão livres, trabalho tem como objetivo realizar uma
por incompetência do sistema ou falta de discussão teórica acerca da cadeia de
provas (DEATH NOTE, 2006). Perde a eventos ligadas, a pena de morte, moral,
fé na justiça, jogando fora um livro de monomito e da hierofania. Para isto se
práticas jurídicas em um beco qualquer, e foram elegidos como aporte teórico
encontrando o elemento chave de toda a Lilian Yamamoto (2015), Friederich
trama o Death Note, em razão que esse Nietzsche (2003), Joseph Campbell
representa a “hierofania” (ELIADE, (2013) e Mircea Eliade (1992).
1992). A manifestação do sagrado
Cinema enquanto fonte histórica
Na visão teórica e metodológica
de Roberto Abdala Júnior (2009), o
cinema pode ser usado pelos professores
1
Pseudônimo do autor, além de ser reconhecido de História na construção do
por escrever Bakuman (2008-2012) e Platinum End conhecimento histórico (ABDALA,
(2015 -). 2009), dada a presença e o súbito
2
Takeshi Obata também é conhecido por ilustrar interesse em filmes e outras fontes
Hikaru no Go (1998-2003) e Bakuman (2008-2012). audiovisuais que dialoguem com o
3
Shusuke Kaneko também é conhecido por presente e a visão do futuro e do passado.
outros trabalhos como Godzilla, Mothra & King Porém o Cinema e História possuem
Ghidorah (2001) e Gamera trilogia (1995, 1996, diferenças em suas narrativas.
1999).
4
“Não há tradução em português que consiga
abranger o conceito japonês de shinigami, mas
podemos aproximá-lo da concepção ocidental de 5
Uma versão nipônica do léxico inglês killer.
“ceifeiro da morte”. As tradições nipônicas não Além do mais, é o título dado a todos os usuários
acreditam em uma dona morte, mas em deuses que do Death Note.
a servem e dela se constituem. ” Ver:
SCHMALTZ NETO, 2015, p. 15).

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De acordo com a metodologia comprimento desta condição já a encerra,


de Roberto Abdala Junior, Death Note enquanto que na narrativa da História é
ancora sua “realidade” na moderna compartilhar conhecimento sobre uma
cidade de Tóquio, lidando com a tradição dada memória que se faz/fez presente de
milenar nipônica à crença na figura do determinada sociedade (ABDALA, 2009).
shinigami e do Herói, como o mito se Em Death Note a narrativa segue desde o
mostra presente ao homem ponto ao qual o protagonista adquire o
contemporâneo, os conflitos sociais caderno que pode revolucionar o mundo
presentes no cotidiano, e as novas até seu fim, ao olhar do historiador essa
relações internacionais do Japão, que narrativa apresenta as memórias que se
viveu por muitos séculos um bloqueio fazem presente no Japão moderno.
diplomático. Do ponto de vista
História e Cinema apresentam o metodológico, as fontes audiovisuais,
desenrolar de acontecimentos, neste caso o cinema, são vistas como
procurando atribuir coerência e “novas” fontes primárias
inteligibilidade aos processos (NAPOLITANO, 2011), sendo que
históricos e/ou aos contextos no alguns as consideram erroneamente, uma
qual eles têm sua origem ou estão demonstração quase direita dos objetivos
imbricados; ancoram seus da história, dividindo-se em duas, as de
discursos numa “realidade” que se natureza documental, buscando um
dispõem a (re) construir. Ao
registro mais real dos eventos e
realizarem essa (re)construção,
recorrem a estratégias discursivas
personagens históricos, e por outro lado,
que pretendem instaurar uma as de natureza artística, são percebidas
inteligibilidade às relações pelo estigma de subjetividade absoluta.
socioculturais, políticas, Contudo, o mais importante é perceber a
econômicas, enfim, às relações fonte audiovisual (cinema/filme) em sua
históricas de toda ordem que estrutura de linguagem, seu mecanismo
entram na composição dos seus de representação da realidade e seu
discursos e constroem “o mundo código interno (NAPOLITANO, 2011).
como representação. (ABDALA,
2009, p. 2) Destacando o “efeito de
realidade” (NAPOLITANO, 2011),
A importância dos cenários, como sendo o elemento chave que
segundo Abdala, corresponde a proporciona ao telespectador a sensação
materialização da narrativa ao de real nas fontes audiovisuais, isso é a
telespectador, onde é apresentado forma como as imagens e o som é
aspectos da época os quais se propõem a demonstrado. Em Death Note a trilha
dialogar. No caso de Death Note que sonora é essencial na criação do clímax
busca representar o mesmo período o de suspense e a tensão, a “representação”
qual é gravado se tem uma maior do Ryuk em um ser é fenomenal,
representação da realidade do que se demonstrando a visão do diretor em
buscasse reproduzir, por exemplo, o como seria um shinigami. Entretanto é
Japão da Era Edo, visto que, tudo o que necessário ser capaz de perceber o
está sendo exibido representa um ponto porquê das adaptações, omissões e
de vista sobre a realidade, além do uso de falsificações presentes no filme.
computação gráfica para demonstrar o
shinigami, aumentando a “impressão de No conceito moderno de
realidade” (ABDALA, 2009, p. 2). documento é rejeitado a ideia da
historiografia clássica “o documento fala
A narrativa do Cinema tem por si”. Sendo assim, as mesmas
como objetivo apresentar uma boa armadilhas de um texto escrito podem ser
história ao telespectador, apenas o encontradas nas fontes audiovisuais.

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Posto isto a maior armadilha é analisar o equivale à “Criação do Mundo”


que é evidência e o que é representação, (ELIADE, 1992).
pois todo documento é ancorado na Na visão de Light este mundo se
evidencia de um fato histórico, entretanto daria de forma idealizada, um mundo sem
suas representações são cheias de crimes (sagrado), do qual autodenomina
imparcialidades e intencionalidades de “Deus” (menção a repetir os passos de
demonstrar um determinado ponto de
Deus criador), além disso seus pares
vista (NAPOLITANO, 2011). também almejam tal mundo, assim “Esse
Este presente artigo lida com “a comportamento verifica se em todos os
História do cinema enfatiza o estudo dos planos da sua existência, mas é evidente
‘avanços técnicos’, da linguagem no desejo do homem religioso de mover
cinematográfica e condições sociais de se unicamente em um mundo santificado,
produção e recepção de filmes” quer dizer, em um espaço sagrado”
(NAPOLITANO, 2011, p. 240). O filme (ELIADE, 1992, p. 21).
demostra o avanço da computação
“Encontramos por toda a parte
gráfica, tendo uma linguagem pautada no
o simbolismo do Centro do Mundo, e é
suspense e desenvolvendo o interesse ele que, na maior parte dos casos, nos
pelo desenrolar da trama, trabalhando a
permite entender o comportamento
realidade sociocultural japonesa, a qual se religioso em relação ao ‘espaço em que se
tem um consenso sobre a aprovação da
vive’” (ELIADE, 1992, p. 25). Portanto,
pena de morte, não é unanime sobre a o homem religioso só pode viver em um
sociedade existe-se a parcela que
“mundo sacralizado” (“Céu”), enquanto
questiona. Logo, Death Note causa uma que o a-religioso, representado por L e
recepção reflexiva e questionadora sobre seus seguidores, convive no profano
o que ocorre na sociedade nipônica, (Terra) que se marca pela neutralidade, e
sintetizando assim “na dupla pergunta ‘o oposição ao sagrado (ELIADE, 1992).
que um filme diz e como diz?’” Logo, aceita a imperfeição das leis,
(NAPOLITANO, 2011, p. 245). simultaneamente as vê como aquilo que
os tornam íntegros, diferenciando-os do
Caderno da Morte
mundo inferior – mundo da impunidade,
A cena inicial do filme consiste da podridão, a qual Light, acredita que a
da queda no Death Note no mundo sociedade se encontra.
Humano. Partindo de uma discussão no “Visto que ‘nosso mundo’ é um
campo da História das crenças, já que Cosmos, qualquer ataque exterior ameaça
ponto chave que ancora toda a narrativa é transformá-lo em ‘Caos’” (ELIADE,
o Death Note, ou seja, a hierofania, “O 1992, p. 28). Assim, se apresenta a
homem toma conhecimento do sagrado imposição de L, sobre o novo mundo de
porque este se manifesta, se mostra como Kira, um verdadeiro agente do “Caos”
algo absolutamente diferente do profano” que, deve ser eliminado em nome do
(ELIADE, 1992, p. 13). O caderno está Cosmo, além do mais isto
representando uma realidade que não faz simbolicamente se torna um círculo de
parte da ordem “natural” deste mundo, constante embate.
ao matar qualquer pessoa que tenha seu
nome assinado nele, enquanto visualiza Pena de Morte
mentalmente o rosto da pessoa.
A pena de morte, na Terra do
Light Yagami passa a seguir o Sol Nascente é aceita para “os crimes
comportamento do homem religioso a
mais graves” (YAMAMOTO, 2015, p.
partir do momento em que está 272), sendo necessário passar por uma
hierofania evidencia o “ponto fixo” série de critérios, para o réu ser
absoluto, que simboliza o “Centro” que

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executado. sociedade. (YAMAMOTO, 2015,


p. 274-275)
Light, decide testar o Death
Note e percebe que o caderno é real, O detetive L, decide parar Kira,
possui a capacidade de matar pessoas, pois seu conceito de justiça difere do
contato que escreva o nome e imagine o mesmo. L acredita que alguns assassinos
rosto da pessoa, caso a morte não seja extremos mereçam a pena de morte,
detalhada em 40 segundos, morrerá de como em sua declaração a Kira que o
ataque cardíaco. Light passa a ser juiz, encontraria e o mataria (DEATH NOTE,
júri, e executor, ignorando os atuais 2006), entretanto, ele acredita que isto
critérios que levam a pena de morte aceita deva ser a luz da justiça, os julgamentos
pelo governo japonês que consiste em: devem ser avaliados em diversos critérios
e em sua natureza, apenas matar um
1) a natureza do homicídio; 2) a assassino ou ladrão sem averiguar os
motivação;3) o método empregado fatos que levaram ao crime é puramente
no homicídio; 4) o número de
mais um assassinato à sangue frio e não
pessoas mortas; 5) o sentimento
dos familiares da vítima; 6) a “justiça”, como se observa na seguinte
magnitude das implicações sociais citação:
do caso; 7) a idade do réu; 8) os
Ela deve ocorrer de maneira que a
precedentes criminais do réu e; 9)
justiça e a igualdade possam existir.
demonstração de remorso pelo réu.
Kant também defende a igualdade
(YAMAMOTO, 2015 apud
nos domínios do crime e da
OTANI, 2010, p. 200).
punição: o criminoso deverá
Light, agora com sua conversão suportar o mesmo montante de
em “assassino” passa a se pensar como dor que o imputado à vítima.
“Deus do novo mundo” (DEATH Como ninguém força uma pessoa a
cometer crimes, se ela o faz, deve
NOTE, 30min20s, 2006), o qual se
estar desejando receber o mesmo
encarrega de consertar o mundo, tipo de tratamento; apesar de se
livrando-o de pessoas más. Sua obsessão retribuir do mesmo modo que a
em criar um mundo limpo o leva ao ação, não se considera uma forma
extremo, e graças ao Death Note é capaz de vingança. (YAMAMOTO, 2015
de “julgar de forma divina” todos que apud, POTTER, 1998, p. 173).
cometam crimes, resultando “numa
queda de 70% na criminalidade” Ciência Venatória
(DEATH NOTE THE LAST NAME,
02h03min, 2006), como observado na Na busca de pormenores que
seguinte citação: legitimem a moral de Light Yagami,
destaca-se uma cena em que o
O caráter preventivo caracteriza-se protagonista se encontra lendo Jenseits von
pelo fato de a pena ser cruel o Gut und Böse (Além do Bem e do Mal), de
suficiente para o indivíduo ser Friederich Nietzsche (DEATH NOTE,
levado a realizar o cálculo utilitário
1h27min05s, 2006). Conforme um
que o faça abster-se do ato
criminoso. Assim, a pena de morte estudante de Direito, esta é uma obra que
viria a coibir a criminalidade. Da serve de referencial no direito penal, dada
mesma forma, a severidade da pena as suas críticas aos valores morais.
tem como objetivo causar temor e Perante uma discussão metodológica
prevenir que o criminoso seja reconstitua os indícios (GINZBURG,
libertado e venha a tornar-se 1991), que convergem e divergem sobre
reincidente (Geis, 1955-56, p. 166). os ideais universais, da moral nobre e
Nessa perspectiva, a vida do plebeia (NIETZSCHE, 2003), presentes
criminoso é sacrificada para a em Kira e L.
salvação dos demais indivíduos da

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Kira pode ser visto como florescido” (CAMPBELL, 2013, p. 15).


representante do espírito nobre Death Note, apresenta dois heróis Light
nietzschiano. Por ser um verdadeiro Yagami/Kira e L. Esta dualidade entre os
nobre, determina o conceito de “bom”, dois representarem o herói, se
por sua própria força e vontade, em exemplifica pela contraposição do povo
oposição a tudo aquilo que considera que o legítimo, e o lado oposto que,
baixo, vulgar, não em reação a algo, mas classifica o herói, como um monstro
sim por sua vontade e força, (CAMPBELL, 2014).
concomitantemente despreza e “afasta” o
A análise histórica do mito do
oposto desse nível de elevação e orgulho
herói, também pode ser compreendida
(NIETZSCHE, 2003). Entretanto, Kira
pelo paradigma da semiótica médica
executa uma pessoa completamente
(GINZBURG, 1991), já que, a psicanálise
inocente, sua namorada Shiori Akino
se apresenta como a ferramenta chave na
(Yuu Kashii), para se manter em sua
compreensão das minúcias compostas no
revolução, o que diverge, de seu ideal,
mito (CAMPBELL, 2013), estes sintomas
demonstrando-se como um hipócrita. se dariam pela manifestação do
L representa um mediador entre inconsciente do homem. Sendo que, o
a moral do senhor e a moral do escravo. herói mitológico se dá pela estrutura
(NIETZSCHE, 2012). O personagem, nuclear “separação-iniciação-retorno”
permeia na moral nobre, ao ponto de (CAMPBELL, 2013, p. 36).
estabelecer, o significado da palavra
“justiça”. Todavia, L, situa-se, sobre a Numa palavra: a primeira tarefa do
moral plebeia, já que está submisso ao herói consiste em retirar-se da cena
mundana dos efeitos secundários e
sistema democrata, portanto, não pode iniciar uma jornada pelas regiões
condenar Kira, a não ser que seja capaz causais da psique, onde residem
de explicar toda a cadeia de eventos, que efetivamente as dificuldades, para
o permite ser o grande assassino em série. torna-las claras, erradica-las em
Além disto a cena na qual Light favor de si mesmo (isto é,
combater os demônios infantis de
Yagami assassina Lind L. Taylor (Matt
sua cultura local). (CAMPBELL,
Lagan) (DEATH NOTE, 31min, 2006). 2013, p. 27)
Light não se preocupou em averiguar a
transmissão enquanto mundial, não se Light Yagami, realiza está tarefa.
preocupou em investigar se Taylor Retira-se da cena mundana, na cena em
pudesse ser considerado um “criminoso”, que desacredita no sistema judiciário,
logo, pode ser analisada como “Exigir da simbolizado por jogar no beco seu livro
força que não se expresse como força, que de práticas jurídicas (DEATH NOTE,
não seja um querer-dominar, um querer- 2006). Inicia sua jornada ao ter contato
vencer, um querer subjugar, uma sede de com o Caderno da Morte, dialogando
inimigos, resistências e triunfos, é tão com o peso da tarefa de se tornar um
absurdo quanto exigir da fraqueza que se “assassino”, que elimina os demônios da
expresse como força. ” (NIETZSCHE, cultura local, as pessoas más que
2003, p. 36). Ou seja, L, suspeitava que apodrecem o bem-estar da sociedade
Kira estivesse embasado neste ideal de nipônica, um corpo social marcado pela
“nobre”, demonstrado a veracidade de lógica de que, cada ser tem o seu papel, e
seu método. o não cumprimento dessas tarefas,
acarretara no retardamento dessa unidade
Monomito coletiva. Em contrapartida, a construção
de L, está posterior a essa fase.
“Em todo o mundo habitado,
“Sua segunda e solene tarefa e
em todas as épocas e sob todas as
façanha é, por conseguinte […] retornar
circunstâncias, os mitos humanos têm

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ao nosso meio, transfigurado, e ensinar a próprio nome no Death Note, e


lição de vida renovada que aprendeu. ” consequentemente garantindo sua vitória,
(CAMPBELL, 2013, p. 28). A mensagem que consistia em provar que Light era o
trazida pelo herói Kira é a execução de primeiro Kira (DEATH NOTE THE
todos os criminosos, e salvação daqueles LAST NAME, 2006).
que são “bons” de coração. Kira
converge de sua lição no momento em Conclusão
que assassina duas pessoas inocentes
(DEATH NOTE, 2006). O documento audiovisual Death
Simultaneamente, o detetive L, traz a Note, assim como os documentos
mensagem de punição aos grandes manuscritos, está produzido sobre uma
criminosos, através do método determinada intencionalidade e
morelliano, portanto, só poderia executar representação, um conjunto de ideias,
os Kira, quando fosse capaz de articulado com coerência e coesão em si
responder, como Kira dizima as pessoas mesma (NAPOLITANO, 2011).
sem toca-las, e quem são eles(as). Sob o olhar da História das
A mensagem recebida e o crenças, os filmes Death Note, apresentam
legado. Assim que L comprova ao uma visão de determinado corpo social
mundo a existência de Kira, como um ser japonês, de 2006. A relação entre o
limitado, a população divide-se entre a homem religioso e a-religioso, no país já
mensagem dos heróis (DEATH NOTE, considerado a terra dos deuses.
2006). Os seguidores de Kira, propagam A sobrevivência do monomito,
a sua ideologia através dos meios de por seu valor, a maturação da psique
comunicação online, enquanto que um humana, “[…] nem sequer teremos que
segundo Kira (Misa) surge, se correr os riscos de todos os tempos nos
apresentando como um “discípulo” que precederam, o labirinto é totalmente
deseja levar o julgamento aos criminosos, conhecido” (CAMPBELL, 2013, p. 31).
ao contrário do primeiro Kira (Light), Sendo ressaltado que esses caminhos não
esta não assassina nenhuma pessoa são imudáveis, são mutáveis de acordo
inocente, mesmo que se demonstre com a aventura. A mensagem da
contrária a este ideal (DEATH NOTE mitologia consiste em “[…] viva a vida
THE LAST NAME, 23min,15s, 2006). O em termos de experiência e, portanto, de
governo e seus partidários se posicionam conhecimento do mistério intrínseco da
ao lado de L, acreditando que Kira deva vida e do seu próprio mistério”
ser morto, e que todos devam estar (CAMPBELL, 2014, p. 181).
submissos a um código penal justo.
Em suma, optou-se por elencar
“Muitos mitos se contradizem a uma determinada cadeia de elos, que
si mesmos” (CAMPBELL, 2014, p. 155). permita a ancoragem na História das
Como já demonstrado Light Yagami, crenças, enquanto transita nas demais
perpassou por todo o ciclo cosmogônico ciências humanas, “E, como o do
do herói, todavia, no final se apresenta médico, o conhecimento histórico é
como um “monstro-tirano” indireto, indiciário, conjectural”
(CAMPBELL, 2013, p. 67). Light se (GINZBURG, 1991, p. 157).
perde em seu egocentrismo, para ter a
chance de matar seu inimigo mortal, Referências
disposto a sacrificar Misa (sua “amante”),
em vez de si mesmo, resultou em seu ABDALA JUNIOR, Roberto. O cinema: outra
fracasso. Por outro lado, L se apresentou forma de “ver” a história. Revista Iberoamericana
como o herói redentor, esteve disposto a de Educación. p.1-11. Disponível em:
<http://www.rieoei.org/deloslectores/1244abdal
fazer o sacrifício final, ao assassinar o a.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2016.

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