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Os Mercados de Belém:
Um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura do Ferro
São Paulo
2007
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Débora de Fátima Lima Veiga
Os Mercados de Belém:
Um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura do Ferro
Dissertação apresentada à
Comissão de Pós-Graduação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
para a obtenção do título de Mestre em
História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo
sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl
São Paulo
2007
Autorizo reprodução total ou parcial deste trabalho
por meio convencional ou eletrônico
para fins de estudo ou pesquisa, desde que citada a fonte.
Esta dissertação não seria possível sem a confiança de Beatriz Mugayar Kühl,
com sua enorme disposição em acompanhar o todo o processo desde o processo de seleção
para o ingresso no curso de Pós-Graduação até a conclusão do presente trabalho. Sua
atenção, paciência e constante estímulo foram fundamentais para o desenvolvimento dos
trabalhos de pesquisa. Contar com seu acompanhamento foi um privilégio único que
ultrapassa as dimensões desse trabalho.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela concessão da
bolsa que possibilitou o desenvolvimento da pesquisa.
Aos membros da banca do Exame de Qualificação, Mônica Junqueira e Paulo
César Marins, pelas observações e sugestões pertinentes para a continuidade do trabalho.
À Secretaria da Comissão de Pós-graduação, pela generosidade em aceitar o
adiamento da entrega do Memorial de Qualificação quando sofri o acidente e precisei ser
operada em 2006, às vésperas da entrega do material.
Aos professores Maria Lúcia Bressan Pinheiro, Fernanda Fernandes, Agnaldo
Farias, Paulo Bruna, Mário Henrique D’Agostino, Luiz Munari e Ricardo Marques de
Azevedo, que foram importantes interlocutores através das disciplinas realizadas.
Aos professores Fernanda Fernandes, Beatriz Kühl e José Pedro de Oliveira, que
muito contribuíram com suas colocações acerca do tema da preservação, durante a
realização do estágio de docência do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino na
disciplina Técnicas Retrospectivas do curso de graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Às equipes das bibliotecas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAUUSP
– e da Pós-graduação, que dispensaram a atenção qualificada que permitiu a consulta
necessária à bibliografia.
Ao meu amado esposo Gilberto, que nunca me deixou desanimar, e que foi
companheiro constante nessa jornada, apoiando e estimulando a prosseguir a despeito das
muitas dificuldades enfrentadas no decorrer do curso, além de ajudar nos levantamentos,
nas revisões e na preparação do material. Palavras não podem expressar o que sinto por
tudo isso.
Aos meus queridos pais, Fátima e José, que, estando longe ou perto, e até mesmo
enfrentando problemas sérios de saúde, sempre me apoiaram e estimularam não apenas
durante o curso de mestrado, mas também em todos os momentos da minha vida, para que
eu chegasse até aqui.
Aos meus irmãos tão queridos Fádia, Fábio e Sérgio, que não só me apoiaram,
como também foram minhas pernas e meus olhos quando eu não pude ir à Belém, e que
ajudaram nos levantamentos fotográficos e na obtenção de alguns exemplares da
bibliografia.
À amiga Inês Torres, pela ajuda e pelo apoio constante nos momentos difíceis, e
pela contribuição nas revisões finais.
Às amigas do curso de Pós-graduação Vera Wilheim, Licia Oliveira, Priscila
Henning e Denise Puertas, que com as discussões para o desenvolvimento dos trabalhos
das disciplinas cursadas e em nossas reuniões muito contribuíram para o amadurecimento
das idéias, além do apoio constante.
À Superintendência Regional em Belém do Instituto de Patrimônio Historio e
Artístico Nacional, em especial a superintendente arq. Maria Dorotéia de Lima, como
também Lúcia e João Veloso, pelos esclarecimentos e por possibilitarem o acesso ao
material referente aos mercados estudados.
Ao Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural do Município de
Belém, em especial a arq. Filomena Mata Longo, pelos esclarecimentos e por
possibilitarem o acesso ao material referente aos mercados estudados.
À unidade executora do Programa Monumenta em Belém, em especial a
coordenadora Maria Eugênia Coimbra, por fornecer levantamento arquitetônico atualizado,
e ampla documentação referente à restauração que está sendo realizada no Mercado de
Carne.
À Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura de Belém, por fornecer as
plantas e outros documentos acerca da intervenção realizada no Mercado de Peixe em
2001.
À Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém, em especial ao arq.
José Akel Fares Filho, pelo acesso ao material referente aos mercados estudados.
À Secretaria Municipal de Economia da Prefeitura de Belém, sobretudo a
Administração dos mercados, pelos importantes esclarecimentos prestados.
À equipe da Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural do Pará Tancredo
Neves, pela atenção qualificada que tornou possível o acesso aos Relatórios da Intendência
Municipal e demais obras raras da bibliografia.
À equipe da Biblioteca Central da Universidade Federal do Pará, pelo pronto
atendimento que possibilitou o acesso à parte da bibliografia utilizada na pesquisa.
Resumo
The research deals with the preservation of the iron architecture through the study of two
markets of Belém (Pará) extremely representative: the Market of Fish (also known as
Market of Iron) and the Market of Meat (also called Municipal Market), buildings
constructed between the end of the Nineteenth Century and beginning of Twentieth
Century. To evidence the relevance of these objects of study, the manifestations of the iron
architecture had been studied, since ends of the Eighteenth Century until the beginning of
the Twentieth Century - examining both the constructions in iron properly said and the
ones that count on metallic elements whose presence rees-echo in excellent way in the
conformations of its units - with intention to show the interest and the importance of this
type of construction in Belém and the significance, in the context of great transformations
that happened in the city in the “rubber cycle”, of study objects. The markets then had been
analyzed in its characteristic architectural, technician-constructive typologicals and, also
examining the transformations and interventions for which they had passed throughout the
time. Special interest was given to the study of its current state of conservation and the
relation between buildings and the environment in which they are inserted. The intention
was of, through these studies, analyzing the material and technician-constructive aspects,
together with the aesthetic, historical and symbolic aspects of the constructions,
circumscribing the quarrel with aid of the conceptual contributions offered by the current
theoretical sources of the restoration, to establish some orientations to be observed in what
it refers to its preservation.
Lista de figuras
INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
1. OS MERCADOS DE BELÉM, A ARQUITETURA DO FERRO E A BELLE
ÉPOQUE.............................................................................................................................21
1. 1 - O CICLO DA BORRACHA E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS DA BELLE ÉPOQUE EM
BELÉM ..............................................................................................................................21
1. 2 - A ARQUITETURA DO FERRO EM BELÉM NO CONTEXTO NACIONAL E DA PRODUÇÃO
ARQUITETÔNICA BELEMENSE ...........................................................................................35
1. 3 - O VER-O-PESO, SEUS MERCADOS E O PROJETO DE MODERNIDADE DO INTENDENTE
ANTÔNIO LEMOS ..............................................................................................................52
2. OS MERCADOS DO VER-O-PESO EM BELÉM ....................................................61
2. 1 - O MERCADO DE CARNE: .........................................................................................61
2.1.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas: ............61
2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:....................................................................75
2.2 - O MERCADO DE PEIXE: ............................................................................................89
2.2.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas: ............89
2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:..................................................................110
3. A PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA DO FERRO: O CASO DOS
MERCADOS DE BELÉM ..............................................................................................123
3.1 – ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES: ...............................................................................123
3.1.1 – O Mercado de Carne e suas Intervenções .....................................................123
3.1.2 – O Mercado de Peixe e suas Intervenções:.....................................................127
3.2 – OS MERCADOS DE BELÉM: ORIENTAÇÕES PARA SUA PRESERVAÇÃO ....................141
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................151
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................155
15
Introdução
A preocupação com as questões referentes à preservação do patrimônio histórico
tem crescido em nosso país, evidenciando-se o papel da memória na consolidação da
identidade coletiva. Semelhantemente, o interesse pela preservação da arquitetura
relacionada ao patrimônio industrial – e entenda-se aqui como patrimônio industrial não
apenas os edifícios destinados à indústria, mas também a arquitetura pré-fabricada – tem
aumentado.
No quadro da preservação do patrimônio industrial, a preocupação com a
preservação da arquitetura do ferro no Brasil é incipiente. Possui grande importância
histórica, estando intimamente ligada a significativos períodos de transformações
econômicas, sociais e arquitetônicas em muitas cidades importantes do país, o que resultou
na instauração de debates e na produção de alguns estudos específicos sobre o tema.
Nesse sentido, os estudos realizados por Geraldo Gomes da Silva (1985) foram
inovadores e forneceram uma visão abrangente das muitas formas em que essa arquitetura
se manifestou, examinando exemplares significativos de diversas cidades do Brasil e
estabelecendo relações com a forma como a arquitetura do ferro foi praticada no país,
relacionando-a à produção em outros países.
Posteriormente, a ocorrência em 1992, na cidade de Belém do Pará, do Seminário
“Arquitetura do Ferro: Memória e Questionamento” possibilitou que o debate sobre a
importância da preservação dessa arquitetura iniciasse de forma mais efetiva tanto na
cidade quanto nacionalmente – já que contou com participantes de diversos estados e,
mesmo, de outros países – dando à Belém uma posição precursora. Desta forma, foram
instaurados debates mais amplos sobre as questões teóricas e práticas da preservação da
arquitetura do ferro, possibilitando o intercâmbio de diversas experiências nacionais e
internacionais, caso da Argentina, Colômbia e Costa Rica. Como resultado do referido
seminário, foram publicados seus anais no mesmo ano de 1992, sob a organização da
professora da Universidade federal do Pará, Jussara da Silveira Derenji, contando com a
contribuição de diversos autores que haviam apresentado trabalhos durante o referido
seminário.
Em 1994 publicaram-se estudos realizados por Cacilda Teixeira da Costa, fruto de
sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo. Estes estudos possibilitaram
uma análise da arquitetura européia de ferro do século XIX e a maneira como ela foi
empregada no Brasil, tendo como base as obras produzidas pela firma Saracen Foundry,
de Walter Macfarlane, de Gasglow, importante fornecedora de diversas peças espalhadas
16
1
Ao se falar na ausência de uma real política de preservação da arquitetura do ferro, o que se pretende dizer é
que não existe uma política de práticas de preservação e manutenção dessa arquitetura.
17
cidade. Neste contexto, os mercados surgem não só como locais de comércio, mas também
como importantes pontos de convergência dentro deste complexo, que é tombado pelo
Departamento de Patrimônio Histórico do Município de Belém e pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sendo também candidato à Patrimônio da
Humanidade pela UNESCO. O Mercado de Peixe – inicialmente conhecido como Mercado
de Ferro, mas também chamado de Mercado do Ver-o-Peso – começou a ser construído em
1899 a partir de propostas dos engenheiros Bento Miranda e Raymundo Vianna, com
estrutura de ferro, da qual nada se sabe acerca da origem. O Mercado de Carne – conhecido
inicialmente como Mercado Municipal, mas também chamado de Mercado Bolonha 2 –
construído em 1867, mas ampliado e reformado em 1908 pelo engenheiro Francisco
Bolonha, conta com uma grande caixa externa de alvenaria e pátio interno com imponente
estrutura metálica fabricada pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow. O Mercado de
Peixe passou por uma recente intervenção conduzida pela Prefeitura Municipal de Belém,
concluída em 2001, e o Mercado de Carne encontra-se entre as edificações que fazem parte
do Programa Monumenta do Ministério da Cultura do Governo Federal. Ambos os
mercados, desde sua construção, encontram-se em plena atividade e integrados à paisagem
e à memória local. São, portanto, edificações extremamente representativas não só da
expressão da arquitetura do ferro na cidade e no país, mas também de suas relações e
integração com o espaço urbano no qual estão inseridas.
O objetivo da pesquisa realizada para a elaboração da presente dissertação foi o de,
mediante o estudo dos Mercados de Belém, contribuir para as discussões da problemática
da preservação da arquitetura do ferro. O intuito foi, através dos estudos das características
arquitetônicas, tipológicas, técnico-construtivas, do exame das transformações pelas quais
passaram ao longo do tempo, incluindo-se as restaurações, e de sua configuração atual –
contemporizados com os aspectos estéticos, históricos e simbólicos destas edificações e de
sua forma de inserção na cidade – e procurando circunscrever a discussão com auxílio das
contribuições conceituais oferecidas pelas atuais vertentes teóricas da restauração,
estabelecer orientações a serem observadas no que tange à sua preservação. Desta forma,
procurou-se:
- Proceder a uma análise pormenorizada sobre os mercados de Carne e de Peixe em Belém,
buscando compreender suas características arquitetônicas, tipológicas e técnico-
2
Célebre figura na história de Belém, o engenheiro Francisco Bolonha participou de muitas obras realizadas
durante o período áureo do chamado “ciclo da borracha”, inclusive dos trabalhos de reforma e ampliação
realizados no antigo Mercado Municipal, atual Mercado de Carne.
18
3
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca do processo de formação e crescimento do
núcleo urbano de Belém, v. CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973,
vol. 1. MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão Pará. Belém: Grafisa, 1976, vol 1.
PENTEADO, Antônio Rocha. Belém, Estudo de Geografia Urbana. Belém: Universidade Federal do Pará,
1968, vol. 1.
22
Belém. Isto acabou por induzir um crescimento da população, sobretudo com o aumento da
classe burocrática produzido em função do novo papel de capital do Estado que a cidade
então desempenhava, além da relativa intensificação das atividades comerciais. Nesse
período, a Amazônia torna-se alvo de um projeto civilizacional 4 que o Marquês de Pombal
alimentou para a região, cujo discurso abrangia a constituição de um novo espaço civil, a
construção de cidades dotadas de racionalidade urbana, a dinamização do comércio e a
exaltação monumental do Estado, visto como representação material e moral do progresso.
Os principais agentes do espaço urbano nesse período são a classe burocrática, as ordens
religiosas, os comerciantes e as camadas mais pobres da população, sendo que a fisionomia
da cidade traduzia-se a partir de suas bases econômicas, a saber: comércio, extrativismo e
agricultura de subsistência. A cidade vê seu ritmo de crescimento um pouco mais acelerado
em relação a sua fase anterior 5 : o bairro da Cidade já se apresenta totalmente expandido –
visto que se encontrava limitado entre a baía e o alagadiço do Pirí – e o bairro da Campina
expande-se, sobretudo com a construção de novas igrejas, edifícios públicos – como o
belíssimo Palácio do Governo, de autoria do arquiteto italiano Giusepi Antonio Landi – e
residências. No que se refere ao espaço urbano, o projeto civilizacional pombalino trouxe
uma maior preocupação com relação à simetria no tecido da cidade e a organização do
espaço urbano. Com os trabalhos de aterro do Pirí, o processo de expansão da cidade
começa a tomar novos rumos, visto que estes trabalhos possibilitaram a urbanização das
áreas entre os núcleos da Cidade e da Campina.
A região começa paulatinamente a integrar-se à economia de mercado internacional
através da afluência de riquezas geradas pela Companhia Geral de Comércio 6 , e Belém
passa a tomar lugar como entreposto de produtos tropicais, como a cultura de exportação
do cacau. É importante ressaltar que durante todo este período, o Pará – à semelhança de
4
Acerca do projeto civilizacional pombalino, são muito esclarecedores os comentários do Prof. Geraldo
Coelho em sua apresentação no Seminário Landi e o Século XVII na Amazônia, realizado na cidade de Belém
em novembro de 2003, sob organização da Universidade Federal do Pará, Universidade da Amazônia e
Museu Paraense Emílio Goeldi. Para maiores informações, v. COELHO, Geraldo Mártires. Linguagem e
Utopia: Figuras do Discurso Civilizacional Pombalino na Amazônia. In: Landi e o Século XVIII na Amazônia
(Anais). Disponível em:< http://www.ufpa.br/landi/anais/Linguagem%20e%20Utopia.doc> Acesso em 20 de
junho de 2004.
5
Para maiores informações e referências bibliográficas sobre o período, v. CRUZ, Ernesto. História de
Belém. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973, vol. 1. MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de
Belém do Grão Pará. Belém: Grafisa, 1976, vol 1. PENTEADO, Antônio Rocha. Belém, Estudo de
Geografia Urbana. Belém: Universidade Federal do Pará, 1968, vol. 1.
6
A companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão foi fundada pelo Marquês de Pombal,
objetivando promover a fomentação e o reaquecimento da economia portuguesa e a integração de áreas antes
abandonadas pelo antigo Sistema Colonial ao comércio mercantilista. Para maiores informações acerca da
Companhia Geral de Comércio, v. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 12
ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1972.
23
toda a região amazônica – manteve sua produção e seu comércio ligados diretamente à
Europa, tendo pouca expressão dentro do cenário nacional. Paralelamente às atividades
extrativistas e agrícolas, desenvolvia-se também alguma manufatura artesanal, tal como a
que ocorria nos engenhos e curtumes, por exemplo. No entanto, nas primeiras décadas do
século XIX, a cidade entra num período de declínio econômico – sobretudo com a queda
do preço do cacau – e de turbulências políticas que culminariam com o movimento da
Cabanagem 7 . Desta forma, o processo de expansão da cidade permaneceu estagnado
durante anos.
Contudo, a partir da segunda metade do século XIX o Pará passou por mais um
breve período de desenvolvimento econômico em função da produção e exportação do
látex. A borracha já era conhecida pelos europeus desde o século XVIII, através de seu
diversificado emprego pela população nativa da Amazônia em utensílios de uso cotidiano,
tais como sapatos e garrafas, ou no revestimento de tecidos, tornando-se relevante por sua
qualidade de impermeabilização e por sua grande elasticidade 8 . Mas é apenas quando os
estudos sobre sua aplicação industrial são aprofundados e seu emprego é ampliado – o que
ocorreu em especial a partir da descoberta do processo de vulcanização – que a borracha
assume um papel relevante no cenário mundial.
Com o estreitamento das relações econômicas entre a Amazônia e os países
europeus, a inserção da borracha como matéria-prima para as novas indústrias colocou a
região numa posição de destaque. A borracha, por suas inúmeras aplicações, passa a ser
um material do progresso, extremamente representativo dos avanços tecnológicos de
então, colocando a Amazônia como participante ativa do desenvolvimento da ciência e das
importantes inovações da vida moderna. A ampliação das aplicações da borracha e o
conseqüente aumento da demanda pelo produto propiciou um grande progresso material
para as elites amazônicas, que
detinham o monopólio da produção do látex, o que se repercutiu de forma marcante em
todos os aspectos das sociedades da região.
7
Para outras informações e bibliografia complementar acerca do movimento da Cabanagem no Pará, v.
CHIAVENATO, José Júlio. Cabanagem: o povo no poder. São Paulo: Editora brasiliense, 1984. DI PAOLO,
Pasquale. Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. Belém: Editora Cejup, 1990. SALLES, Vicente. O
Memorial da Cabanagem: Esboço do pensamento político-revolucionário do Grão-Pará. Belém: Cejup,
1992. SANTOS, Sandra Costa dos. Cabanagem. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas: Campinas, 2004.
8
DAOU, Ana Maria. A Belle Époque Amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.18.
24
9
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870 – 1920). Belém: Paka-Tatu,
2002, p. 77.
10
Sobre a cadeia hierárquica que sustentava o sistema de aviamento, v. MIRANDA NETO, Manuel José de.
O Dilema da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 20. Para maiores informações acerca do sistema de
aviamento, v. SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800/1920). São Paulo: T. A. Queiroz,
1980.
11
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Eclética no Pará. In: FABRIS, Annateresa, org. Ecletismo na
Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel/EDUSP, 1987, p. 151.
25
15
A ostentação e o luxo foram características marcantes na alta sociedade do período, que no desejo de
igualar a vida na cidade aos confortos e benesses da vida das classes mais abastadas européias de então,
importava – em grandes quantidades – tudo que lhes convinha para a reprodução daquele estilo de vida.
16 16
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 83.
17
DAOU, Ana Maria. op.cit., p.7.
18
BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Belém: MEC/FUNART, 1984, p. 14.
19
Isto é, a construção do mundo burguês sobre os pilares da industrialização.
27
20
Para informações e uma bibliografia mais completa sobre cidade e modernidade, v. BRESCIANI, Maria
Stella M. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades do século XIX). In: Revista Brasileira de
História. São Paulo: Marco Zero, 5 (8-9), 1985, pp. 35-68. HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: A
Modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. SEVSENKO, Nicolau. Literatura como
missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983. RAGO,
Luiza Margareth. Do Cabaré ao Lar: a Utopia da Cidade Disciplinar no Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
21
CASTRO, Fábio. Cartografias da modernidade de Belém. In: GOVERNO DO PARÁ. Belém da Saudade.
Belém: Secult, 1995, p. 23.
22
Id., p. 23.
28
Montenegro (...) oferecia a Antônio Lemos o clima propício para um trabalho a bem da
coletividade belemense.” 23
Em sua administração, que foi de 1897 a 1911, o Intendente conduziu a cidade a
uma série de profundas transformações, que não se refletiam apenas no âmbito urbano,
mas também em incentivos à educação, cultura e assistência social. Todo este trabalho foi
cuidadosamente registrado pelo próprio Lemos, numa série de relatórios24 que ele publicou
em sete volumes, e que representa, segundo Rocque 25 , “(...) o mais belo e rico manancial
de informações daquela Belém (...)”. A cidade cresceu tanto e tão rápido que em 1904 sua
paisagem urbana já se configurava de acordo com as novas concepções européias 26 .
Segundo Sarges 27 , as transformações urbanas por que passou Belém faziam “(...) parte de
uma nova estratégia social no sentido de mostrar ao mundo civilizado (entenda-se Europa),
que a cidade de Belém era o símbolo do progresso (...)”.
A cidade precisava adequar-se às transformações capitalistas, e – para tanto –
foram implementadas uma série de medidas de modernização, medidas estas que
procuravam facilitar o escoamento da produção e de divisas para os países centrais com os
quais o comércio era estabelecido. Além disso, havia a necessidade de proporcionar a
determinados segmentos da população – sobretudo os seringalistas, comerciantes e
fazendeiros, todos ligados, de certa forma, à economia gomífera – segurança e
acomodação. Tudo isto aliado à idéia positivista de progresso apregoada pela República. A
modernização urbana segundo o modelo europeu que foi reproduzido em Belém com
expressividade durante a administração de Lemos contava com a implementação de novos
bairros, a construção de toda uma série de mobiliário e equipamentos urbanos (tais como
bosques, praças, asilo, mercados, etc.), além da abertura de novas vias de acesso e de
grandes boulevards, e de uma política sanitarista bastante rigorosa. Para Daou 28 , todo este
processo de
“(...) embelezamento da cidade resultava de alterações urbanísticas e arquitetônicas
estimuladas por uma legislação que procurava modernizar os espaços públicos e dotar de
23
TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão Pará. Belo Horizonte, Editora Itatiaia Limitada,
1987, 3. ed., p. 137.
24
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. Relatório apresentado ao Conselho Municipal
de Belém pelo Exmo. Sr. Intendente Antônio José de Lemos. Belém: A. A. Silva, 1902/1908, 7v. Os
relatórios da Intendência, que foram apresentados ao Conselho Municipal de Belém durante a administração
do Intendente Antônio Lemos, são fontes documentais de grande importância para o estudo desta época,
sobretudo pelas informações – freqüentemente – muito detalhadas por eles fornecidas. Estes relatórios podem
ser encontrados na Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (CENTUR).
25
ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua época. Belém, Amazônia Edições Culturais, 1973, p. 415.
26
As propostas e concepções urbanas de Lemos foram muito influenciadas pelas concepções urbanas
francesas, sobretudo as de Haussman. Cf.: TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 152.
27
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 14.
28
DAOU, Ana Maria. op. cit., p.31.
29
29
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 149.
30
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 186.
30
31
CASTRO, Fábio. op. cit, p. 23.
32
Id., p. 24.
33
O Grande Hotel foi a primeira instalação hoteleira de grande porte em Belém,sendo construído no início do
século XX. Sua terrasse representou – por muitos anos – um dos mais importantes pontos de referência
sócio-cultural da cidade. Foi demolido em 1974 para dar lugar a um edifício de propriedade de uma rede de
hotéis internacional.
32
34
Denominação das vivendas rurais existentes na Belém de outrora, localizadas nas estradas e subúrbios da
cidade, e utilizadas pelas classes abastadas como moradia ou local para passar fins de semanas aprazíveis.
Para maiores informações e referências bibliográficas, v. SOARES, R. R. Vivendas rurais do Pará: rocinhas
e outras (do século XIX e XX). Belém: Fundação Cultural do Município de Belém, 1996.
35
CASTRO, Fábio. op. cit, p. 25.
33
isto, nota-se a forte ligação entre Belém e as duas grandes capitais européias, oriunda – de
um lado – da dependência financeira e comercial com a Inglaterra, e – de outro – da forte
relação cultural com a França. Some-se a isto o fato da cidade ter se tornado um verdadeiro
centro de consumo, o que estava extremamente ligado às transformações econômicas,
sociais e culturais pelas quais vinha passando. Era consumida toda uma gama de produtos,
que iam desde alimentação e vestuário, até materiais de construção, sendo mesmo em
algumas ocasiões importadas edificações inteiras. Esses produtos vinham sobretudo da
Europa e dos Estados Unidos, trazidos nos vapores que freqüentemente desembarcavam no
Porto de Belém.
A ampliação da estrutura urbana e o conseqüente desenvolvimento do setor
construtivo tiveram grande apoio – sobretudo no que diz respeito às grandes construções
públicas e a muitas das construções feitas pela elite local – no uso de materiais, técnicas e
mão de obra importados 36 . Era uma Belle Époque também para a arquitetura em Belém.
36
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 160.
34
37
BASSALO, Célia Coelho. op. cit, p. 13.
38
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 155.
39
Havia um desejo de rompimento com a estética neoclássica, profundamente associada ao período imperial.
40
TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 155-156.
41
O Instituto Lauro Sodré – que era mantido pelo Estado – era uma escola profissional gratuita para meninos
órfãos, que formava profissionais de alto nível em diversos tipos de especialidades – tais como serralheria,
marcenaria, carpintaria, ferraria, etc. – além de produzir, em suas oficinas, mobiliário para as escolas públicas
locais, impressão e encadernação para as publicações do governo estadual e grades de ferro forjado de grande
qualidade.
36
classicizante nas obras feitas em Belém. Na contra-mão desta linha, porém, estava o
engenheiro Francisco Bolonha 42 , que – a despeito de também ser diplomado pela
Politécnica do Rio – acabou se tornando tipicamente eclético, introduzindo formas e
materiais inovadores. Já os arquitetos eram em número bastante reduzido, e diplomados
pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Há notícias de apenas um arquiteto
estrangeiro, o italiano Felinto Santoro 43 . Desta forma, grande parte das obras públicas e
particulares do período foi realizada por engenheiros locais, trabalhando com um emprego
maciço da importação 44 .
No que se refere às obras públicas, segundo Derenji 45 , “a alternativa mais comum
foi a adoção de exteriores em estilo clássico, significando o neoclássico tardio, a
linguagem arquitetônica dominada pelos engenheiros da Escola Politécnica”. O exterior
dos edifícios era sóbrio e simétrico, e quando havia ornamentação, esta se restringia aos
frontões, usualmente triangulares. Eventualmente a esses exteriores estavam elementos ou
mesmo pavilhões inteiros importados em ferro.
Como exemplos destas construções podem ser citados o Instituto Lauro Sodré e a
Sucursal do Corpo de Bombeiros. No primeiro, temos o frontão triangular característico,
com pouca ornamentação, porém bem executada. O segundo, tem um exterior neoclássico
e algumas estruturas em ferro em seu interior.
Nas residências, de modo geral, as fachadas podem ser descritas como neoclássicas,
com frontispícios trabalhados apenas no cenário de frente – a cobertura era escondida atrás
de platibandas altas e trabalhadas – que, freqüentemente, têm a forma de frontões. Havia
também pequenos porões que auxiliavam na ventilação e, eventualmente, eram usados
azulejos como revestimento, fato este que era comumente seguido pela presença de
platibandas com balaústres coríntios, estatuetas ou figuras de pinha 46 .
Havia, no entanto, muitos palacetes pertencentes a membros do governo e da nova
burguesia. Nestes temos um grande retrato da época e sua influência na arquitetura
produzida em Belém: construções suntuosas, ecléticas, com interiores muito
freqüentemente Art Nouveau, nas quais não só grande parte do mobiliário vinha da Europa
e dos Estados Unidos, como também os materiais de construção e – eventualmente – até a
42
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca da produção arquitetônica do engenheiro
Francisco Bolonha, v. DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 158.
43
Felinto Santoro era oriundo da Real Academia de Nápoles, e executou importantes obras em Belém no
período, com destaque para o Mercado de São Braz, importante exemplar da arquitetura eclética na cidade.
44
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 156.
45
Id., p. 156.
46
TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 156.
40
47
Idem, p. 159.
48
KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a
sua preservação.São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria de Estado da Cultura, 1998, p. 81.
41
49
SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do Ferro no Brasil. 2. Ed. São Paulo: Nobel, 1987, p. 89.
50
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 83.
51
Ib. id.
52
Id., p. 84.
53
A modernidade, aqui, deve ser entendida como um novo modo de vida e de relações diferentes daqueles
que o Brasil conheceu enquanto colônia, sobretudo em aspectos como a intensificação das relações sociais e
a preocupação no estabelecimento de um Estado Moderno.
54
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 83.
42
coloniais – em cidades mais modernas 55 , com áreas de convívio público como praças e
teatros, além da introdução de novos equipamentos urbanos como mercados, armazéns e
estações ferroviárias. Neste sentido, o emprego do ferro – e de outros metais – nos
edifícios dava aos construtores a possibilidade da realização de grandes obras num período
de tempo menor se comparado aos materiais convencionais.
Neste quadro, é importante ressaltar que a importação de edifícios pré-fabricados
de ferro – diferentemente da importação de componentes metálicos – não se deu em
grandes proporções, além de não se apresentar de maneira uniforme. Segundo Kühl 56 , “(...)
normalmente esse tipo de edificação apareceu em lugares que apresentavam rápido
crescimento econômico no período, crescimento esse ligado à produção e exportação de
produtos agrícolas”. Como já foi visto, o crescimento das cidades demandou um grande
número de edificações em um curto período de tempo e em locais sem mão-de-obra
especializada. Os edifícios com estrutura metálica atendiam a essas necessidades, o que
contribuiu para sua utilização em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife,
Fortaleza, Belém e Manaus. Algumas dessas cidades fazem parte de regiões cuja economia
floresceu tardiamente 57 , sobretudo durante a segunda metade do século XIX, como foram
os casos de São Paulo e do Pará, ligados ao café e à borracha, respectivamente, como será
visto a seguir.
Finalmente, a despeito da produção arquitetônica do ferro no Brasil constituir-se
sobretudo de obrar importadas que “(...) não tiveram ramificações na arquitetura
nacional” 58 , seus edifícios foram em grande parte integrados aos locais onde foram
empregados, chegando muitas vezes a se estabelecer como marcos na paisagem urbana,
permanecendo integrados à paisagem e intimamente ligados à memória local, como ocorre
com a arquitetura do ferro em Belém.
Como foi visto anteriormente, o forte crescimento ocorrido em Belém durante o
“Ciclo da Borracha” culminou em transformações dos mais variados aspectos da vida na
cidade. Belém crescia rapidamente, e, por conseguinte, havia um grande número de
construções, públicas e privadas. Segundo Derenji 59 , “(...) o poder aquisitivo do Estado e
da classe enriquecida permitia a escolha dos produtos mais sofisticados e de melhor
qualidade em disponibilidade nos centros industrializados”. A riqueza e a velocidade com
55
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 86.
56
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit, p. 82.
57
Ib. id.
58
Id., p. 83.
59
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 162.
43
60
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit, p. 91.
61
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura residencial do ferro no Pará. In: DERENJI, Jussara da Silveira
(Org.) Arquitetura do Ferro: Memória e Questionamento. Belém: CEJUP: Universidade Federal do Pará,
1993, p. 160.
62
Id., p. 161.
63
Termo freqüentemente usado na época.
64
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 104.
44
65
COSTA, Cacilda Teixeira da. O Sonho e a Técnica: a arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: EDUSP,
1994, p. 160.
66
Id., p. 160.
67
Dado que consta em uma de suas colunas de ferro fundido.
68
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 108.
69
Id., p. 128.
45
Cie. Ambos são inteiramente de ferro, sendo apenas a cobertura em telha cerâmica. Para
Silva 70 , os pavilhões representam “(...) um dos mais expressivos remanescentes da
arquitetura do ferro, considerando-se seu excelente estado de conservação e sua integração
plástica com o corpo principal do edifício”.
Outro pavilhão importante é o pavilhão de ferro situado nos jardins da residência
oficial do governador do Estado do Pará (atual Parque da Residência e sede da Secretaria
de Estado da Cultura). Dele não se têm informações sobre sua origem nem construção, mas
supõe-se que seja europeu, em função de sua semelhança aos pavilhões de caça e casas de
chá européias.
Algumas estruturas notáveis também devem ser registradas como importantes
exemplares da arquitetura do ferro em Belém. Uma delas foi o reservatório d’água “Pais de
Carvalho”, que se destacava na paisagem urbana da cidade. O reservatório era composto
por três cilindros metálicos apoiados sobre uma estrutura de ferro. Foi fabricado pela firma
Boudet, Donon & Cie., de Paris – e contava com um gradil com portão importado,
produzido pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow – e construído com muita
dificuldade, sob a direção do Eng. Francisco Bolonha, no período de 1904 a 1912. A
demora em sua construção se deu porque, a despeito da apregoada rapidez com que as
estruturas de ferro eram erigidas, sua construção demandava uma tecnologia que ainda não
era dominada no Brasil 71 . O reservatório apresentou uma utilização cercada de problemas,
em função da existência de centenas de pontos de oxidação em sua estrutura, o que acabou
por comprometer sua estabilidade, levando-o a ser demolido em 1965. Seu gradil e portão
foram mantidos e hoje fazem parte do complexo do Parque da Residência (antiga
residência oficial do governador).
Outro reservatório importante com estrutura metálica é o que ainda permanece no
bairro de São Braz. Produzido pela Casa Tony Dussieux, de Paris, e montado no mesmo
período do anterior. No entanto, sua estrutura mais despojada, não causa o impacto da
beleza da estrutura do outro.
Ainda no setor de obras públicas, temos os mercados. Segundo Silva 72 , entre “(...)
os edifícios pré-fabricados em ferro, importados pelo Brasil, nenhum tipo foi tão útil e tão
disseminado quanto os mercados públicos”. Em Belém, os mercados vieram ao encontro
70
Id., p. 130-131.
71
Um dos grandes problemas que os edifícios e peças pré-fabricadas de ferro encontraram no Brasil foi a
falta de uma mão de obra qualificada para este tipo de trabalho, o que por vezes contribuía para a lentidão no
processo de construção.
72
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 138.
46
73
Id., p. 188.
74
Ib. id.
47
Mercado de Carne é “(...) um dos mais eloqüentes exemplares da função ornamental que
desempenhou o ferro fundido em fins do século passado e princípios do atual”.
O terceiro e último dos mercados é o Mercado de São Braz, construído em 1911
pelo arquiteto italiano Felinto Santoro. O mercado foi construído em alvenaria de tijolos,
mas conta com uma cobertura com estrutura metálica e gradis de ferro fundido, todos de
origem desconhecida.
A produção arquitetônica de ferro em Belém, no entanto, não esteve ligada apenas
ao setor público. Muitas foram as suas aplicações no setor privado, mas a grande maioria
não guardava as mesmas proporções do emprego nas construções públicas. Um dos
exemplos que fogem a essa regra são os armazéns do porto de Belém, de propriedade da
Port of Pará (atual Companhia Docas do Pará). Trata-se de um conjunto de 13 armazéns
fornecidos pelas firmas S. Pearson and Son Ltd., da Inglaterra, e Schneider de Creusot, da
França. Os armazéns são compostos por uma estrutura de ferros perfilados combinados
entre si, com vedação com chapas metálicas corrugadas. É interessante notar o fato de que
estas edificações, diferentemente do que com freqüência se observava nas demais peças
pré-fabricadas de ferro em Belém, possuem uma estética mais próxima à estética industrial.
Ainda no setor privado das construções em Belém, a arquitetura do ferro também
teve presença nas edificações comerciais, tanto externa quanto internamente. No entanto, o
mais usual nestas construções era o arcabouço de alvenaria de tijolos com algumas porções
de ferro no seu interior, além de algumas eventuais peças externas. Um dos exemplares de
grande beleza é a Livraria Universal – também chamada de Livraria Tavares Cardoso. O
prédio de fachada neogótica revestida de pedra de lioz esconde um interior de ferro que,
segundo Derenji 75 , tem provável origem francesa, uma vez que o montador era das
Acieries de Longwy, na França. O edifício tem três pavimentos, sendo internamente dotado
de um grande vão central, com os pavimentos dispostos numa estrutura de mezanino de
ferro.
Outro edifício comercial de destaque é a loja de tecidos Paris n’América, que
permanece em funcionamento até hoje. Trata-se de uma edificação eclética, com emprego
maciço de materiais importados – espelhos e lustres franceses, louça inglesa, cerâmica
alemã. No entanto, é a escada metálica, em dois lances sinuosos, que domina o conjunto do
interior da edificação.
75
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 162.
50
Nas construções residenciais o ferro teve uma participação mais restrita, além de
diversa daquela ocorrida nos edifícios comerciais, sendo empregada normalmente como
detalhe em grades de fechamento, torreões metálicos ou em algumas marquises. Exemplos
desse emprego são encontrados em alguns casos, tal como uma residência em estilo
oriental situada no Largo do redondo, na Av. Nazaré (onde hoje funciona uma agência
bancária), cujos portões e grades são da firma francesa Guillot Pelletier 76 . Há também nos
elementos externos da cobertura do Palacete Bolonha, que Silva 77 coloca como muito
semelhantes aos encontrados em catálogos produzidos pela firma Walter MacFarlane, de
Glasgow.
Finalmente, raríssimos dentro dos exemplares da arquitetura do ferro no Brasil,
temos em Belém quatro residências que merecem destaque: três construídas com o Sistema
Danly e uma construção mista de alvenaria de tijolos com ferro, de propriedade do
Intendente Antônio Lemos. Em todas elas, a origem e as circunstâncias da importação são
desconhecidas, mas fica claro o desejo, por parte daqueles que as consumiram, de uma
assumida modernidade, expressa através da arquitetura.
Como foi dito anteriormente, três dessas edificações foram construídas com o
Sistema Danly. Este sistema era composto por uma estrutura perfilada e vedação de
paredes em chapas duplas estampadas, com um avançado sistema de ventilação no interior
da parede, o que proporcionava um conforto bastante desejado numa cidade de clima
quente e úmido como Belém. Das construídas no Sistema Danly, temos uma situada na Av.
Generalíssimo Deodoro, de origem e data de construção desconhecidas. É o maior dos três
chalés, com planta original com cerca de 378 m², dispostos em dois pavimentos, sendo
cerca de 138 m² de sua área total constituída de alpendres em forma de “U” 78 .
Outro dos chalés construídos com o Sistema Danly situava-se na Av. Almirante
Barroso, mas atualmente foi remontado no Campus da Universidade Federal do Pará.
Sobre a edificação, sabe-se apenas que pertenceu a Álvaro Adolpho. O chalé tem planta em
forma de “T”, com área de 360 m² distribuídos em dois pavimentos, sendo que do total
desta área, 220 m² são de alpendre.
O último dos chalés pré-fabricados situa-se na Av. Almirante Barroso. Sua origem
é, como nos casos anteriores, desconhecida. A edificação – que é térrea – tem planta
76
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Eclética no Pará, op. cit., p. 168.
77
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 103.
78
Id., p. 203.
51
79
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura residencial do ferro no Pará. op. cit., p. 166.
80
Id., p. 167.
52
81
CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém, p. 229.
82
CRUZ, Ernesto. op. cit., p. 237.
53
Como foi visto anteriormente, a partir da segunda metade do século XIX, Belém
passou por um período de grande crescimento econômico, que contribuiu para que a cidade
fosse palco de uma série de transformações, inclusive urbanas. Nesta fase, muitos edifícios
foram construídos, e dentre eles, o Mercado Municipal.
O referido mercado foi construído por iniciativa do então Presidente da Província
Henrique de B. Rohan 83 , que em junho de 1852 contratou a firma Viúva Danin & Filhos
para a construção do mesmo na Praça do Mercado, na quadra situada entre as avenidas 15
de Novembro e Boulevard da República e pelas ruas Ocidental e Oriental do Mercado. As
obras foram concluídas em 1867.
A construção 84 , de apenas um pavimento em alvenaria de tijolos, ocupava toda a
extensão da quadra, e abrigava estabelecimentos comerciais voltados para o exterior, uma
galeria – delimitada pelas paredes posteriores dos estabelecimentos externos e uma arcada
que sustentava a cobertura – onde estava localizada uma série de aparadores de madeira
nos quais era comercializada toda sorte de produtos, desde os alimentícios até os de
armarinho, contando ainda com um grande pátio interno, cujo acesso era feito através de
quatro entradas situadas em cada uma das faces do edifício, e onde eram igualmente
comercializadas frutas, verduras, carnes e toda sorte de alimentos, além de roupas e outros
objetos. O edifício contava ainda com um pequeno pavimento superior na parte central da
fachada da rua 15 de novembro (fachada principal do mercado), que abrigava a
administração, e que era acessível através de uma escada caracol no interior do mesmo. A
cobertura ficava oculta por platibanda e sua estrutura era de madeira coberta com telha
cerâmica curva. No grande pátio interno do mercado, estavam dispostos de forma simétrica
quatro grandes pavilhões, onde eram comercializados a carne fresca e também o pescado.
Estes pavilhões possuíam estrutura de madeira e cobertura em telha cerâmica. Bem ao
centro do grande pátio, ficava um chafariz . As instalações sanitárias do edifício eram ao
lado da porta do boulevard da República.
O início da fase áurea da borracha, a ascensão de Belém como principal
entreposto comercial da Amazônia e o processo de implantação da República contribuíram
– como já foi visto – para um aceleramento no desenvolvimento urbano que vinha sendo
feito há algum tempo na cidade, uma vez que o novo regime dava uma maior autonomia
83
TAHARA, Eliza Miki; KIKUCHI, Sofia Maki. Ver-o-Peso: Cenário Urbano de Ontem e de Hoje. Belém:
Universidade Federal do Pará, 1990, sem numeração de página. Trabalho de Conclusão de Curso.
84
Para uma descrição do antigo prédio do Mercado Municipal – aquele anterior aos trabalhos de reforma e
ampliação realizados pelo Intendente Antônio Lemos – v. BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de
Belém, Pará. Paris: Editora F. A. Fidanza, 1902, impresso por Philippe Renouard, p. 57-58.
54
85
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 138.
86
Id., p. 143.
87
Id., p. 144.
55
88
BELÉM, Intendência Municipal de. op. cit., 1902, p. 70.
89
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p.143.
90
A lei municipal que abriu concorrência pública para a construção do Mercado de Peixe também abriu
concorrência para a construção de um mercado no bairro do Reduto, cf. BELÉM, Intendência Municipal de.
Coleção dos Relatórios dos Intendentes Municipais de Belém dos annos de 1898 a 1901. II tomo. Belém:
Typographia da Casa Editora Pinto Barbosa, 1903, p. 53, sendo este documento disponível na Biblioteca da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Nos demais relatórios da
Intendência, o Mercado do Reduto aparece como sucursal do Mercado de Ferro, fato que ocorre também para
o mercado localizado no Porto do Sal, que igualmente aparece como sucursal daquele mercado, de acordo
com BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém, op. cit., 1902, p. 74., relatório disponível na
Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural Tancredo Neves (CENTUR).
91
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca da documentação relativa às leis e contratos
firmados para a construção do Mercado de Peixe, v. BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de
Belém, op. cit., 1902, p. 377-393.
57
não se enquadrava aos novos padrões de higiene e modernidade idealizados por Lemos e
pelas elites locais. O abandono e o descaso da Municipalidade nos governos anteriores e
dos comerciantes levaram também o Mercado Municipal a um estado precário de
conservação. Sobre o estado no qual o Mercado Municipal se encontrava, Lemos 95
escreveu:
“(...) apresentava um aspecto deveras repugnante, com as paredes ennegrecidas, o chão
immundo, a desorganisação do serviço administrativo, a incuria da fiscalisação, a
indisciplina dos mercadores alli estabelecidos, a balburdia imperando dominantemente
por toda a parte, não obstante os esforços do probidoso funcionario que o dirigia e ainda
hoje o dirige!”
Desta forma, ao assumir a Intendência, Lemos – dentro de sua política saneadora
– procurou melhorar as condições de higiene do estabelecimento, além de tomar uma série
de medidas de modo a regularizar o comércio de alimentos, controlando a entrada e saída
de produtos e procurando setorizar os espaços de modo coerente, a fim de otimizar os
serviços e o comércio em geral. Todas essas medidas contribuíram para uma melhoria das
condições tanto do estabelecimento quanto das atividades nele desenvolvidas, no entanto, a
demanda cada vez maior – em virtude do crescimento demográfico, que acompanhava de
perto o crescimento econômico – exigia mudanças mais profundas. Isso foi expresso
diversas vezes pelo Intendente em seus Relatórios, como pode-se observar no trecho a
seguir, extraído do Relatório de 1903 96 :
“O Mercado municipal, não obstante seu aspecto antigo, póde ainda prestar mui valiosos
serviços. Muito bem localizado, no centro de importantíssimo bairro e vizinho ao littoral,
dispõe de sólidos alicerces, n’uma área consideravelmente vasta. Creio poder aproveital-
o de modo conveniente, ampliando-o e elevando-o, de modo a tornar duplo ou triplo seu
rendimento mensal, – caso não seja preferível concedel-o a empresa particular que
effetue todos os gastos , restituindo-o de novo á Indendencia, após um praso razoavel de
exploração.”
O antigo mercado possuía uma excelente localização bem no centro comercial de
então e muito próximo da zona portuária e da doca do Ver-o-Peso, de onde constantemente
chegavam mercadorias para abastecê-lo. Desta forma, o local era propício e com as
grandes dimensões do terreno, era bastante apropriada a idéia de reforma e ampliação.
Assim, Lemos solicita à Câmara permissão para que o mercado passasse por um processo
de reforma, ampliação e modernização de suas estruturas, o que é aceito e em 4 de março
de 1904 foi aprovada pela Câmara a lei n° 384, que autorizou a abertura de licitação e a
contratação das obras. Em seu Relatório de 1904 97 a Intendência informa que a proposta
95
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 67.
96
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1903, p. 73.
97
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904, p. 126.
59
98
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904/1908.
99
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904, p. 129.
60
talhos, etc., a fim de tornar o mercado mais moderno e higiênico, e incumbe o engenheiro
Francisco Bolonha de levá-los adiante.
No Relatório de 1906 100 , Lemos informa que firmou, em 31 de maio de 1906,
contrato com o engenheiro Francisco Bolonha para a instalação e concessão de exploração
de aparadores a serem instalados no pátio central, corredores e entradas do mercado. De
igual modo, a Municipalidade também firma contrato com o mesmo engenheiro para
instalação e exploração dos talhos onde era vendida a carne verde no mercado, em 30 de
novembro de 1906. Os trabalhos prosseguem em todo o ano de 1906 e 1907: é construída
uma marquise junto às arcadas das galerias que dão para o pátio interno do edifício, onde
também foram instalados aparadores para venda de mercadorias, além de serem montados
quatro pavilhões de ferro vindos de Glasgow no local dos antigos pavilhões de madeira,
onde foram instalados os novos talhos para comercialização da carne; um pavilhão de
comodidade, que abrigaria as instalações sanitárias do edifício; e um reservatório suspenso
para abastecimento do mercado.
Finalmente, em 17 de dezembro de 1908 o novo e melhorado Mercado Municipal
foi, enfim, inaugurado. Segundo Lemos, em seu Relatório de 1908 101 , os melhoramentos
feitos no Mercado Municipal dão “(...) um outro e novo aspecto, agradável sob todos os
pontos de vista, da hygiene, da estabilidade e, direi mesmo, da esthetica”. Segundo notícia
saída num jornal 102 de grande circulação na cidade naquele período, a expressão de
admiração em relação ao novo edifício do mercado foi intensa, o que denota a grande
receptividade que a obra obteve.
Como foi visto, essas duas grandes obras demonstram uma nítida busca por uma
modernidade, expressa aqui tanto na escolha dos materiais quanto na adoção de uma
arquitetura próxima do que se praticava no restante do mundo 103 para este tipo de
edificação, implementando na cidade o que havia de mais moderno no que tange ao
comércio de alimentos. Os mercados são, sem dúvida, duas grandes obras da Intendência
que representam de forma muito clara o projeto de modernidade pensado pelas elites locais
durante o fausto vivenciado no auge do ciclo da borracha.
100
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1906, p. 104.
101
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1908, p. 144-145.
102
Artigo publicado no jornal A Província do Pará, de 18 de dezembro de 1908, sob o título “O Mercado
Municipal”.
103
A arquitetura do ferro foi amplamente utilizada para construção de mercados em diversas partes do
mundo.
61
2. 1 - O Mercado de Carne:
106
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1906, p. 102.
107
Era muito comum, em Belém, o emprego de réguas de acapu e pau-amarelo, assentadas de forma alterna
para o revestimento dos pisos de madeira.
108
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1905, p. 122.
109
Essas especulações foram levantadas durante a pesquisa feita pelo Programa Monumenta do Ministério da
Cultura do Governo Federal, presentes no memorial que acompanha o projeto de restauro do Mercado de
Carne (documentação esta que pode ser encontrada na Unidade Executora do Programa Monumenta em
Belém, localizada no Palácio Antônio Lemos, sede da Prefeitura Municipal de Belém), e ratificadas em
entrevista feita com a arq. Maria Eugênia Coimbra, coordenadora da unidade executora do programa em
Belém.
63
possivelmente ficaria uma pequena cozinha; e – nesta mesma sala menor – uma pequena
subdivisão para um banheiro. Ora, as atividades comerciais no mercado começavam muito
cedo e todo o deslocamento de mercadorias era feito ali mesmo na região. Como os bairros
mais populares ficavam distantes do centro e o transporte público não tinha a abrangência
de hoje, essa idéia torna-se bastante aceitável. Há ainda outros fatores que justificam essa
teoria e que serão vistos mais adiante, quando for estudada a situação atual do edifício.
Ao entrar no térreo do edifício, tem-se uma série de galerias limitadas pela área
junto às paredes posteriores das lojas que davam para a parte externa do mesmo e pelas
portadas que se abrem para o pátio interno do mercado. Essas galerias são revestidas de
azulejos importados e têm piso de mosaico, sendo que a parte externa das portadas
encontra-se coberta por uma marquise construída com suporte e elementos de sustentação
metálicos, e apoiada sobre consolos ornamentados engastados na parede perimetral do
edifício. A marquise era coberta com chapas de vidro espesso e opaco do tipo cathedral
que dão uma cobertura com projeção horizontal de cerca de 2,00 m. Essa marquise tem a
função de proteger os comerciantes ali instalados do sol e da chuva, além de fornecer uma
iluminação natural abundante. Nessa área das galerias e sob a marquise – mais
especificamente nos membros das portadas – que foram construídos, durante as obras de
reforma e ampliação da Intendência, os aparadores onde eram vendidas flores, frutas,
verduras e legumes, além do comércio de armarinho, cafés econômicos e tabacaria. Estes
aparadores foram distribuídos em secções especiais, de acordo com o gênero de comércio
que cada um deles explorava, num total de 120 aparadores, sendo destes 70 fechados e 50
abertos.
Além dos aparadores, foram instalados também, junto à entrada da Rua 15 de
Novembro, seis mostradores de madeira envernizada e com portas de vidro destinados à
venda de charutos, cigarros, jornais, postais e outras mercadorias. Na porta de entrada, pelo
Boulevard da República e pelas travessas Oriental e Ocidental do mercado, foram
instaladas prateleiras metálicas, fechadas até meia altura, para a venda de farinha, tabaco,
gêneros alimentícios e demais mercadorias.
No pátio central, conservando a mesma disposição dos antigos barracões de
madeira, foram instalados pavilhões metálicos que servem de abrigo para os talhos onde é
vendida a carne, e um pavilhão de comodidade, igualmente metálico, onde funcionavam
instalações sanitárias. Estes pavilhões para a venda de carne foram importados e
confeccionados pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow, o que pode ser verificado em
64
suas colunas. A descrição detalhada destes pavilhões é feita num dos jornais 110 na época de
inauguração do mercado.
Segundo esta descrição, os quatro pavilhões de ferro tinham 20 metros de
comprimento por 10 metros de largura e 4 metros de pé-direito. Sua cobertura era em dois
planos: no primeiro plano, era feita com telhas tipo francesa e, no segundo plano, havia
uma clarabóia de vidros do tipo cathedral. Estes planos estavam separados por um
lanternim de 1 metro de altura com venezianas metálicas tipo Louvre. Toda a estrutura da
cobertura era metálica e estava apoiada sobre colunas de ferro fundido com capitel
coríntio.
Os pavilhões eram fechados com portas de ferro – portas de enrolar – situadas
entre as colunas de ferro fundido que sustentam a cobertura. A parte superior às portas de
enrolar é toda circundada por painéis de ferro fundido rendados que, juntamente com as
venezianas do tipo Louvre, auxiliam na ventilação do ambiente.
Cada pavilhão tem duas ordens – ou fileiras – de 10 talhos cada, onde é vendida a
carne verde. Essas ordens encontram-se separadas por um corredor central de 1m de
largura, usado exclusivamente pelos comerciantes e que dava acesso ao interior dos talhos
através parte posterior dos mesmos. Na frente dos talhos, tem-se um corredor com cerca de
1,50m de largura, funcionando como área de circulação dos pavilhões e também para que a
população possa escolher e comprar a carne negociada nos talhos.
Cada talho mede 2m de largura por 2,50m de fundos. São constituídos por stalls
separadas por painéis de ferro emoldurados, até a altura de um metro e daí para cima – até
uma altura total de cerca de 2,50m – por painéis de tela de ferro galvanizado, para que
possa haver contato entre uma e outra stall e que a ventilação seja mais eficiente no interior
dos pavilhões. A frente dos talhos é composta por painéis com grades de ferro e motivos de
ornamentação de bronze, que suportavam um balcão com placa de mármore de 45cm de
largura por 5cm de espessura, sendo que o mármore era branco com veios em dois
pavilhões, e vermelho nos outros dois. Sobre o centro de cada talho foi instalada uma
balança de suspensão sobre coluna de metal amarelo, encimada por uma cabeça de boi, de
cuja boca pendiam os aros – do mesmo metal – que suportavam as placas de mármore
branco, onde a carne era pesada. Essas balanças eram de fabricação portuguesa e estavam
providas de um jogo completo de pesos de metal que iam desde 100g até 20kg. Cada talho
110
Artigo publicado no jornal A Província do Pará, de 18 de dezembro de 1908, sob o título “O Mercado
Municipal”. Nota-se que no relatório de 1908, na página 144, o Intendente cita a presença do jornalista
Raymundo Rocha Moreira, responsável pelo artigo acima citado.
65
também possuía dois cepos sobre pés de ferro. Tanto os painéis divisórios entre os talhos
quanto à parte posterior destes, são encimados por belos e artísticos motivos de
ornamentação de bronze. Cada talho era numerado com uma placa de ferro esmaltado, em
forma de escudo, que trazia o número correspondente ao talho e ao respectivo pavilhão (A,
B, C ou D).
No centro do pátio interno do mercado, foi construído um pavilhão de ferro, que a
Intendência chamou de pavilhão de comodidade, e que contava com 5 metros de
comprimento por 4 metros de largura. No interior deste pavilhão encontrava-se, de um
lado, um mictório com três bacias verticais de opalina, arrematadas – em sua parte superior
– por placas de mármore royal-rouge; do outro lado, foram instalados cinco water closets
com tampa de suspensão automática, separados por divisões de mármore com portas de
madeira de funcionamento automático. Havia também neste pavilhão um lavatório de
fonte e mármore com espelho de cristal bisotê.
Os quatro pavilhões onde era vendida carne tinham o piso originalmente
revestido com ladrilhos de mosaico. Os balcões de mármore possuíam cinco gavetas, sendo
duas destinadas ao produto das vendas e três para guardar os utensílios e roupas dos
talhadores.
O chalé de ferro do pavilhão de comodidade foi construído por firma francesa,
segundo relatório da Intendência 111 . Os aparelhos sanitários usados neste pavilhão eram o
que havia de mais moderno na época e foram fabricados pela Dontton & Cª., da Inglaterra.
O piso era de mosaico.
O mercado possuía, ainda um belo reservatório de água – com capacidade para
dezesseis mil litros – e que estava disposto sobre uma forte coluna de ferro fundido de 6
metros de altura – igualmente em ferro – e dotado de consolos na sua parte superior, que
sustentavam a plataforma onde repousava a cuba reservatória, sendo o acesso ao mesmo
feito através de uma escada em caracol igualmente de ferro. A torre recebia água no
encanamento geral da cidade, e era responsável pelo abastecimento completo do
estabelecimento, o que era feito de forma bastante satisfatória, uma vez que cada um dos
talhos possuía uma torneira de ¾ niquelada para sua serventia, além de diversas torneiras
espalhadas por todos os recantos do edifício, com bocal adaptável a mangueiras de
borracha, possibilitando uma limpeza fácil e rápida.
111
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit.,1905, p. 124.
66
112
Cf. SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit,, p. 180.
113
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 162-189.
67
114
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit, p. 189.
115
O Mercado de Peixe em Belém também possui um pavimento sobre o nível térreo na área das lojas
externas, destinado a depósito ou habitação, mas trata-se de um mercado fechado.
116
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 138-189.
68
117
Foram consultados os arquivos da Secretaria Municipal de Urbanismo, da Companhia de
Desenvolvimento Metropolitano do Município de Belém, do Departamento de Patrimônio Histórico da
Fundação Cultural do Município de Belém e da superintendência regional do Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, a fim de que fossem encontrados registros de eventuais intervenções sofridas
pelo Mercado de Carne. No entanto, não foi obtido nenhum material. Nos arquivos da Companhia de
Desenvolvimento Metropolitano do Município de Belém foram encontradas plantas – datadas de 1980 – com
propostas de intervenção no referido mercado, mas esta intervenção não chegou a ser realizada,
permanecendo apenas o projeto. Sabe-se, contudo, que o edifício havia passado por uma pequena
intervenção, muito mais inclinada a uma reforma do que a uma intervenção restaurativa, o que foi ratificado
pela arq. Filomena Mata Longo, do Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural do
Município de Belém, em entrevista realizada durante os trabalhos de campo da pesquisa desta dissertação,
em outubro de 2006. No entanto, até o momento também não foram encontrados documentos ou plantas que
registrassem esta pequena intervenção, nem durante a pesquisa para a dissertação nem tão pouco durante o
levantamento feito pelo Programa Monumenta para o projeto da nova intervenção a ser realizada. O que foi
confirmado pela coordenadora da unidade executora do programa em Belém, arq. Maria Eugênia Coimbra.
118
A referida planta encontrava-se perdida entre os arquivos da Companhia de Desenvolvimento
Metropolitano de Belém, e foi achada durante a pesquisa iconográfica, graças à ajuda do professor da
Universidade da Amazônia, arq. José Akel Fares, que muito gentilmente auxiliou na busca de material
iconográfico na Companhia, da qual faz parte do quadro de funcionários.
119
Esta intervenção, como já foi dito, não chegou a ser realizada.
69
120
Todas as plantas esquemáticas desta dissertação foram executadas pela própria autora a partir dos
originais entregues em formato digital (.dwg) pelas entidades consultadas (CODEM, SEURB e IPHAN).
72
121
Na planta de levantamento, esses compartimentos aparecem como espaços vazios. É muito provável que,
nesses casos, tenha sido abolido o pavimento intermediário da loja ou compartimento externo, permanecendo
apenas os pavimentos térreo e superior.
122
Relembrando, segundo a descrição do Relatório de 1905, cada compartimento superior tinha uma ampla
sala, com uma sala menor ao lado, onde funcionaria uma cozinha, e, num dos lados desta sala menor, outros
dois pequenos compartimentos para chuveiro e w.c.
73
resultante da intervenção ainda não datada 123 . Junto às arcadas, aparentemente ainda havia
alguns aparadores para a venda de mercadorias, mas não há informações na planta se eram
os mesmos da época de Lemos.
Quanto aos pavilhões de ferro, dois deles – aparentemente – permaneceram com a
mesma estrutura dos talhos originais. Nos outros dois pavilhões, numa das ordens de talhos
de um deles houve uma total descaracterização com mudanças na disposição dos talhos e –
pelo que pôde ser observado na planta da proposta de intervenção – a adoção de talhos de
alvenaria, e no outro, parte dessa ordem de talhos foi descaracterizada da mesma forma.
No que se refere à estrutura dos quatro grandes pavilhões, não houve mudança aparente.
O pavilhão de comodidade foi bastante descaracterizado internamente, perdendo
suas divisões internas e as louças, passando apenas a ser uma grande sala para a
administração do mercado.
A caixa d’água instalada por Lemos para o abastecimento do mercado foi retirada
e foi instalada uma grade de proteção sobre a parte descoberta do pátio interno a fim de
evitar a invasão de aves de rapina à procura de restos de carne. Estas foram as alterações
detectadas através da análise da planta de 1979.
Em maio de 1988 o Mercado de Carne sofreu um incêndio. O fogo começou
numa das lojas – ou compartimentos externos – localizada na Rua Oriental do Mercado.
Quando os bombeiros conseguiram conter o incêndio, três lojas já haviam sido destruídas:
a Casa Boa Esperança, a Casa Lima e o Varejão Oriental. O prejuízo para os lojistas foi
grande, mas não houve comprometimento da estrutura no local do incêndio. Os trabalhos
de recuperação foram feitos pelos próprios lojistas. Não foram encontradas nos jornais da
época notícias sobre a causa deste incêndio, mas acredita-se que tenha sido por
complicações na rede elétrica de uma das lojas.
Em julho de 1988 o mercado sofreu novo incêndio, poucos meses depois da
ocorrência do primeiro. Este novo incêndio atingiu quatro lojas externas do mercado. A
estrutura do vigamento do piso do pavimento superior destas lojas foi muito danificada
pelo fogo, tendo que ser demolido nessa área. Segundo notícia de jornal da época, o
incêndio poderia ter sido muito pior, uma vez que foi descoberta grande quantidade de
pólvora armazenada numa das lojas externas próximas as que sofreram o incêndio. As
causas do incêndio não constam das notícias posteriores, mas chegou-se a acreditar que o
123
Este fato foi confirmado durante a realização da documentação fotográfica e pela análise de plantas
recentes do mercado, visto que os materiais empregados para revestimento dessas cozinhas são semelhantes
aos empregados nas alterações feitas nos talhos, e diferem daqueles empregados no restante do edifício.
75
incêndio tenha sido criminoso. Novamente, a recuperação ficou por conta dos proprietários
das lojas atingidas.
O que se pôde observar durante a pesquisa é que, no decorrer dos anos, as
modificações e intervenções sofridas pelo Mercado de Carne alteraram principalmente
algumas de suas características arquitetônicas, sobretudo no que diz respeito à disposição
de ambientes e revestimentos. Como foi visto, com o passar do tempo, diversas pequenas
intervenções foram feitas por iniciativa dos próprios comerciantes do mercado – como no
caso das ampliações das lojas externas e das mudanças em alguns dos talhos dos grandes
pavilhões do pátio interno – ou por consentimento da administração do mercado – como no
caso dos compartimentos externos do edifício – e até mesmo por iniciativa da própria
administração, como no caso das alterações no pavilhão de comodidade e da retirada da
caixa d’água.
124
As descrições que se seguem são baseadas em visita de campo e no levantamento fotográfico realizados
em outubro de 2006, além de informações colhidas junto à coordenadoria da unidade executora do Programa
Monumenta em Belém.
76
Belém como local de moradia, os compartimentos superiores das lojas passaram a ser
usados como depósitos ou, algumas vezes, permanecem vazios.
Não foi possível o acesso aos pavimentos intermediário e superior 125 . No entanto,
foram colhidas algumas informações junto ao Programa Monumenta 126 do Ministério da
Cultura do Governo Federal, que forneceu uma documentação da qual consta um
levantamento feito quando da elaboração do projeto de intervenção. De acordo com esta
documentação, permanecem os pisos em tábuas de madeira apoiadas sobre barrotes
também de madeira. Ainda de acordo com a documentação, não foram vistoriadas as
cabeças dos barrotes, mas acredita-se que existam danos causados pela umidade resultante
de infiltrações nas alvenarias. As lojas do pavimento térreo apresentam piso de cerâmica
vermelha, em sua grande maioria. As poucas lojas em que este piso não é utilizado, são
lojas de maior padrão, onde o piso é revestido de lajotas cerâmicas mais modernas.
Também não foi permitido o acesso aos pavimentos intermediário e superior, a
fim de que fossem examinadas as paredes internas desses pavimentos das lojas. No
entanto, é muito provável que as mesmas se encontrem bastante deterioradas em função de
muitos de seus compartimentos permanecerem desocupados e sem nenhum tipo de
manutenção.
De acordo com a documentação do Monumenta, nos forros do pavimento
superior – que foram assentados no sistema saia-camisa fixada a caibros de madeira
apoiados nas tesouras – notam-se falhas causadas por ataque de umidade ou xilófagos. Nas
lojas térreas também se verificam alguns pontos de deterioração nos forros, mas o estado
geral de conservação destes é bem melhor, sobretudo por se tratar de forros de lojas.
Verificou-se – ainda – que as lojas do pavimento térreo apresentam-se ocupadas
por todo o tipo de atividades, que vão desde lojas de produtos artesanais, até lojas de
materiais elétricos, armarinhos e artigos de umbanda.
No que diz respeito às fachadas, o estado de conservação do reboco das paredes é
variável, apresentando algumas áreas de danos, sobretudo no pavimento superior. No
entanto, não foi possível uma observação mais detalhada do estado de conservação destas
áreas em função da impossibilidade de acesso às mesmas. Na área da fachada que
corresponde ao pavimento térreo, observa-se a ocorrência de partes faltantes e
125
Os proprietários das lojas externas não permitiram que as mesmas fossem fotografadas, nem que fossem
examinados os compartimentos – intermediário e superior – das mesmas. No entanto, algumas fotos foram
tiradas a distância a fim de que fosse possível ao menos uma pequena amostra da atual situação do edifício.
126
O Mercado de Carne faz parte do Programa Monumenta, do Governo Federal. A restauração do edifício
será feita numa parceria entre a Prefeitura de Belém e a União, sendo que as obras começaram em janeiro de
2007.
77
127
Em algumas lojas foram pintados painéis – por iniciativa dos próprios comerciantes – com imagens
regionais.
128
Não foi permitido o acesso aos pavimentos superiores das lojas externas do mercado.
78
129
Alguns desses compartimentos instalados nas galerias encontram-se fechados, o que impossibilitou o
exame dos mesmos.
83
130
Foi disponibilizado, durante a pesquisa, o acesso ao material (documentação fotográfica, plantas,
memorial, etc.) até então levantado pelo Programa Monumenta para a elaboração do projeto de restauro do
Mercado de Carne.
88
131
No que se refere às características do Mercado de Ferro quando de sua inauguração, as descrições
presentes nesta dissertação estão baseadas naquelas feitas pela Intendência municipal. Para maiores
informações e referências bibliográficas, v. BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op.
cit., 1902, pp. 383-393. BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., pp. 71-73.
132
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 383.
90
133
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 71.
134
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 383.
135
Id., p. 384.
136
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 72.
91
137
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 385.
138
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1905, p. 133.
139
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 385.
140
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 72.
141
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, pp. 385-386.
142
Os relatórios da Intendência Municipal não revelam o tipo de chapas metálicas utilizadas para a vedação
das paredes da fachada. No entanto, nota-se em fotos de época que essas chapas são – aparentemente
estampadas e lisas.
92
143
Durante a pesquisa, a 2ª Superintendência Regional do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN PA/AP) permitiu acesso à documentação fotográfica referente ao complexo do Ver-o-
Peso, incluindo-se os mercados.
93
compartimentos inferiores – arrematadas por bandeiras móveis de ferro e vidro que faziam
a iluminação dos compartimentos superiores. As quatro portas principais do mercado
também não são descritas, mas pelas fotografias percebe-se que são de ferro –
provavelmente barras de ferro fundido e chapas de ferro – numa composição bastante
simples, sobretudo se comparada às portas do Mercado de Carne. As janelas das torres não
são descritas na documentação da época, mas acredita-se que sejam de madeira e vidro. A
platibanda é feita em chapas metálicas corrugadas e possui adornos em forma de círculo
exatamente na direção de cada porta dos compartimentos exteriores ou lojas. O edifício era
originalmente circundado por soleiras seguidas de cantaria, medindo 0,35m de largura
sobre 0,20m de espessura, assentes sobre muro de alvenaria ordinária.
No que se refere à estrutura, as dimensões dos pilares são diferentes 144 , conforme
as duas linhas das fundações. Eles são formados a partir da junção de dois ferros em U com
secção de 250 x 80 x 60mm na linha interior e de 152 x 59 x 6mm na linha exterior, sendo
a altura, respectivamente, de 9,40m na linha interior e 7,90m na linha exterior. As
atracações são feitas transversalmente por tesouras de ferro, sendo que as centrais são do
tipo treliça reta a contra fichas inclinadas, com vão de 21,00m, e as exteriores são tesouras
simples sem contra-fichas, com 4,72m de vão.
A cobertura 145 total do edifício é separada em secções distintas. A secção central
– que corresponde à cobertura da área central do edifício – é sustentada por tesouras de
21m e a secção exterior pelas tesouras de 4,72m. O edifício possui telhame – com um
grande lanternim na cobertura da secção central – em telha tipo Marselha, assente sobre
ripas de louro – uma madeira típica da região – e pernas mancas de acapu, presas por
grampos e pequenas chapas de junção nas terças de ferro. Em todo o telhado foram
distribuídas clarabóias retangulares de 3x1,50m, feitas com chapas de vidro de 5mm de
espessura. Nas torres, a cobertura é de escamas de zinco no sistema Vieille-Montagne, com
travejamento de ferro e madeira.
As tesouras 146 de 21 metros têm espaçamento de 3m de eixo, do sistema de vigas
de treliça reta e com lanternim. As asnas e os tirantes são formados por uma série de ferros
em T compostas por duas cantoneiras, as contra-fichas verticais também são formadas por
duas cantoneiras, e as inclinadas por traves no mesmo tipo, que variam conforme o esforço
que suportam. A cerca de 1m acima das tesouras centrais fica o lanternim formado pelo
144
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 387.
145
Id., pp. 388-389.
146
Id., p. 388.
94
mesmo sistema de viga de treliça de ferro e cobrindo uma área de 135m2. As terças e a
cumieira são também de ferro do tipo duplo T e foram dispostas em onze ordens
longitudinais com espaçamento de 1,51m eixo a eixo. As tacaniças que ligavam as
extremidades da cumieira aos pilares dos ângulos eram formadas por quatro meias
tesouras. A atracação longitudinal dos pilares dava-se através de diversas ordens de ferros
em U e que faziam a ligação dos mesmos não apenas abaixo da superfície do solo como
também nas linhas do plano das impostas, do fecho dos arcos e da cornija, de um de outro
lado dos pilares. Havia também, na linha da platibanda, treliças de ferro em U a fim de
reforçar a atracação, que se completava ainda por linhas transversais que serviam para
sustentar as divisórias dos compartimentos exteriores do edifício. A atracação de todas as
peças entre si era feita com chapas de ferro.
As tesouras 147 de 4,72m de vão eram compostas por tirantes de dois ferros em U,
asnas de duplo T e pendural de ferro. As terças e a cumieira também são de ferro em T
duplo, dispostas em três ordens longitudinais com espaçamento de 1,25m.
No que se refere à ventilação e iluminação, o edifício do mercado é descrito 148
como sendo muito claro e bastante ventilado. As lojas dispostas na parte exterior do
edifício – anteriormente descritas – recebiam iluminação e ventilação abundante
diretamente do exterior através das portas e bandeiras. Já a área central recebia ventilação e
iluminação tanto dos compartimentos exteriores – com os quais se comunicava pelos
mezaninos gradeados que se abriam no alto das divisórias dos compartimentos exteriores –
como também pelos quatro vãos de entrada e pelas duas grandes ordens de venezianas que
o circula tanto abaixo da linha das tesouras principais quanto abaixo do lanternim. Essas
venezianas são compostas de secções consecutivas e alternadas de chapas de ferro e chapas
de vidro martelado. As clarabóias, já descritas, complementam o serviço das venezianas.
Seria importante também, fazer uma breve descrição acerca das fundações do
edifício, uma vez que o mercado foi construído em terreno acrescido, numa área que
poucos anos antes era invadida pelas marés. A construção foi toda assente sobre pilotis 149 ,
com estacas cravadas cuidadosamente, numa profundidade relativa de 40 a 70 palmos. As
estacas foram cravadas aos pares e em número de 240, ficando cada par no ponto em que
repousam os pilares, sendo ligadas transversalmente por barrotes da mesma espessura, de
22cm de lado, e longitudinalmente por longarinas da mesma esquadria. A carga sobre as
147
Ib. id.
148
Id., p. 389.
149
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 73.
95
fundações foi distribuída com maior estabilidade, de maneira a trabalhar o concreto com
uma pressão não superior a 800g/cm2 ou um décimo da carga geral adotada.
No que se refere à tipologia, o Mercado de Peixe é um mercado fechado. Como
foi visto na descrição acima relatada, o mercado possui, à semelhança do Mercado de
Carne, compartimentos voltados para o exterior do edifício e quatro acessos – um em cada
face – para o interior do mesmo, onde ficavam os talhos onde era vendido o peixe,
mariscos, frutas, verduras e outros gêneros alimentícios. Nas lojas do exterior eram
vendidos produtos de utilidade geral. Como foi visto anteriormente, esta tipologia de
mercado com lojas abrindo para o exterior e uma grande área interna onde estão
localizados talhos e aparadores possui apenas três ocorrências devidamente reconhecidas
no país 150 . No caso do Mercado de Ferro, a tipologia é ainda mais particular, haja vista o
edifício possuir fachada e estrutura metálicas e seu interior ser composto de um grande
pátio coberto onde talhos e aparadores estão devidamente distribuídos, diferentemente dos
outros dois mercados 151 , onde o grande pátio interno é aberto e nele estão localizados
pavilhões onde foram instalados os talhos. Dentro da lista de exemplares de mercados
fechados analisados por Silva 152 , nenhum apresenta esta particularidade. Além disso, as
torres do mercado 153 também são extremamente atípicas e singulares em relação aos
demais mercados encontrados no país 154 , visto que em nenhum deles havia tal ocorrência.
Estas peculiaridades de planta dentro desta tipologia tornam o edifício único no país 155 .
O sistema construtivo – como se pode observar na descrição do mercado quando
de sua inauguração e pelo que até hoje se encontra – é basicamente metálico. Silva 156
destaca o fato de que “(...) é surpreendente a inexistência de ferro fundido com efeitos
decorativos e a utilização quase exclusiva de ferros perfilados, combinados entre si” para a
composição da estrutura do edifício e de sua cobertura. É curiosa também a adoção de
paredes divisórias em madeira para os compartimentos exteriores do mercado e de paredes
150
Cf. SILVA, Geraldo Gomes da, op. cit., pp. 150-156, 180-190.
151
Mercado de Carne, em Belém, e Mercado Municipal de Pelotas.
152
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., pp. 138-161.
153
Durante muitos anos acreditou-se que o Mercado de Peixe fosse projeto do engenheiro Francisco Bolonha,
uma vez que este costuma utilizar torres em estilo neogótico nas suas construções, como é o caso do Palacete
Bibi Costa e do Palacete Bolonha, ambos projetados e executados pelo engenheiro.
154
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., pp. 138-189.
155
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 189. O autor descreve os mercados de ferro encontrados no Brasil.
Em sua grande maioria os mercados fechados são edifícios metálicos com quatro acessos localizados em
cada uma das faces de suas fachadas e com uma grande área interna onde são vendidas as mercadorias, como
é o caso do Mercado São José em Recife, e o Mercado São João na cidade de São Paulo. Há também as
construções mistas com corpo central em alvenaria de tijolos e pavilhões internos para a venda de carnes,
frutas, verduras, etc. Ele classifica ainda os mercados como abertos e fechados.
156
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 74.
96
157
CLOQUET, L. Tratté d’Architecture. Paris: Béranger, 1900, v. 4, pp. 172-186. BARBEROT, E. Tratté
Pratique de Serrurerie. Paris: Bavory, 1894, v. II, pp. 155-161.
97
158
A proposta previa a transferência da feira do Ver-o-Peso para outra região da cidade, que daria lugar a um
grande estacionamento que atendesse às necessidades da área, além de algumas alterações na doca do Ver-o-
Peso.
98
abrangida pelo projeto, sendo parte já trabalhada e parte ainda por trabalhar. Este
desmoronamento acabou levando o edifício do Mercado de Peixe a adernar, fato que já
pôde ser percebido poucos dias depois da ocorrência do primeiro, conforme notícia de
jornal 159 . Para quem se aproximava da área de barco, pela baía, podia-se notar que o
mercado apresentava uma inclinação considerável, com a parte mais baixa localizada na
área da torre com vista para a baía e para a doca do Ver-o-Peso. A Secretaria de Obras da
Prefeitura Municipal realizou, então, uma vistoria no edifício a fim de avaliar o estado em
que o mesmo se encontrava e – segundo notícia de jornal 160 – não foram encontradas
rachaduras no mesmo. No entanto, nenhuma medida concreta foi tomada, na época, para
contornar o problema.
A situação suscitou indignação e uma profunda preocupação quanto ao destino do
edifício – na época, havia uma grande preocupação com a possibilidade de desabamento do
edifício do mercado – e da área, mobilizando a mídia no sentido de pressionar as
autoridades a tomarem medidas de modo preservar a integridade do Mercado de Ferro e do
Ver-o-Peso. Assim, a Prefeitura Municipal decide realizar uma grande intervenção na área
que abrangeu o Mercados de Peixe e a feira do Ver-o-Peso.
Antes de serem descritos os trabalhos realizados durante a intervenção de 1985, é
conveniente que seja feita uma breve descrição do estado em que se encontrava o mercado,
a fim de que se tenha uma melhor compreensão dos trabalhos realizados e de sua
configuração até aquele momento. Neste sentido, as plantas do levantamento realizado em
1979, juntamente com algumas notícias de jornais e fotos da época são extremamente
elucidativas e auxiliares nesta descrição.
As fachadas do edifício do mercado sofreram muitas modificações no decorrer de
todos aqueles anos. Foi construída uma marquise de concreto – provavelmente por
iniciativa da própria Prefeitura – em todo o perímetro externo do edifício, logo abaixo das
bandeiras em arco, com a finalidade de proteger as portas das lojas externas das chuvas,
muito freqüentes na cidade. Também as portas originais de duas folhas em madeira foram
substituídas por portas metálicas de enrolar. A opção pela instalação de portas metálicas
provavelmente se deu a fim de garantir uma maior segurança aos comerciantes, uma vez
que a criminalidade na região central de Belém foi aumentando com o passar dos anos. Em
função da adoção de portas de enrolar em substituição às antigas portas de madeira, as
bandeiras retangulares das portas também foram eliminadas. Nas torres, algumas janelas
159
CARTÃO Postal de Belém está desaparecendo. A Província do Pará. Belém, 22 de janeiro de 1981.
160
SEOB vistoria prédio do Mercado do Ver-o-Peso. O Liberal. Belém, 24 de fevereiro de 2001.
99
161
A planta de levantamento de 1979 não apresenta o mezanino das lojas e das torres, apenas o pavimento
térreo.
100
acerca de seu estado de conservação e nem tampouco as possíveis alterações que o mesmo
teria sofrido. Também os aparadores já não existiam mais: cederam lugar para a nova
disposição dos talhos, uma vez que a venda de verduras e legumes passou a ser feita na
feira livre, que ocupou a área vizinha ao edifício do mercado. Os vãos das janelas das lojas
que davam para o interior do edifício permaneceram – em sua maioria – intactos, mas em
alguns casos as esquadrias foram substituídas por grades de ferro. Não foram encontradas
informações acerca do estado de conservação dos revestimentos dessa área do edifício,
mas é bem provável que estivessem bastante danificados, uma vez que se tratava de um
edifício antigo e que não passava por manutenções periódicas.
Em relação à cobertura, também não foi encontrada nenhuma documentação
acerca de seu estado de conservação, mas é muito provável que estivesse com problemas
sobretudo no telhamento, haja vista a idade do edifício e a poluição a qual a área esteve
submetida ao longo daqueles anos. Sobre a estrutura metálica da cobertura, não foi
encontrado nenhum tipo de material que pudesse fornecer dados sobre seu estado de
conservação e eventuais modificações ou pequenas intervenções.
Esta era a provável configuração e estado em que se encontrava o Mercado de
Ferro em fins dos anos 70. De acordo com informações fornecidas pela Arq. Filomena
Mata Longo 162 , que participou dos trabalhos realizados nos anos 80 no mercado, a
proposta de intervenção contemplava basicamente o tratamento das fachadas e da área
onde se localizavam os talhos, que foi alvo também de uma proposta de remodelação. A
descrição que será feita a seguir baseou-se nas plantas da intervenção e no breve relato
feito pela arquiteta.
Nas fachadas do edifício, as superfícies metálicas receberam jateamento de areia
para a remoção da pintura antiga que se encontrava bastante danificada. Foram, depois,
tratados os pontos de oxidação e recompostas as partes que sofreram corrosão ou
substituídas as peças que se encontravam extremamente danificadas e irrecuperáveis, e a
superfície recebeu finalmente uma nova pintura. No que se refere às portas das lojas ou
compartimentos externos, elas foram tratadas e/ou substituídas conforme cada caso, mas
permaneceram de enrolar. As paredes das lojas externas que haviam avançado em relação
ao pátio interno do edifício foram recuadas, retomando a posição original, a fim de que a
grande área central recobrasse sua antiga configuração. Mas as divisões internas – ou seja,
as divisões das lojas em si – mantiveram-se as mesmas.
162
Que naquela época trabalhava na Secretaria Municipal de Urbanismo e que atualmente está lotada no
Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de Belém.
101
No pátio interno, as paredes foram pintadas e receberam azulejo branco até uma
altura de 1.80m. Os talhos foram reformulados, a fim de melhorar as condições de higiene
para a venda do pescado. Em toda a área do pátio interno, o piso original – que era um tipo
de ladrilho – que se encontrava bastante danificado, foi substituído por korodur. As janelas
das lojas externas que davam para o pátio foram recuperadas e no lugar das esquadrias,
receberam grades de ferro pintadas. O pavilhão de administração e fiscalização do mercado
também sofreu intervenção, passando a abrigar uma área de vestiário, com chuveiros, para
atender aos comerciantes de pescado. No entanto, mantiveram-se os talhos que estavam
instalados ao redor dele.
Em relação à cobertura, não foi encontrada nenhuma documentação acerca da
intervenção, mas é muito provável que tenha sido feito pelo menos um trabalho de limpeza
do telhamento, tanto na cobertura em telha cerâmica quanto na cobertura metálica das
torres. O mesmo vale para a estrutura das coberturas.
Os trabalhos foram concluídos em de outubro de 1985 e representaram a primeira
iniciativa concreta por parte das autoridades responsáveis no sentido de preservar o
Mercado
102
de Peixe. No entanto, pouco tempo depois – pouco mais de um ano após a conclusão das
obras – a área do Ver-o-Peso já enfrentava mais uma vez a sujeira e o abandono, sobretudo
na feira livre ao lado do Mercado de Ferro.
Apesar das importantes medidas tomadas para a preservação do edifício, a
intervenção de 1985 não proporcionou nenhuma ação efetiva no que se refere ao problema
da inclinação de uma das torres do mercado. Esse problema foi objeto de outra
intervenção, feita na área do cais que vinha sofrendo adensamento. As obras tiveram início
em dezembro de 1987 e foram coordenadas pela Prefeitura Municipal. Os trabalhos
consistiram de cravamento no solo de perfis armados de aço, rosqueados, até uma
profundidade de 25m, onde pôde ser encontrado o terreno sólido. Foi injetada, ainda,
argamassa de cimento a fim de firmar o solo. Com isso, o rebaixamento do mercado foi
interrompido, estabilizando-se nos 80cm que havia chegado até então.
Conforme anteriormente mencionado, pouco tempo depois da conclusão das
obras de intervenção em 1985, o Ver-o-Peso já apresentava sinais de abandono e sujeira.
Com o passar dos anos, juntou-se a isto pequenas modificações e alterações realizadas
sobretudo na área da feira livre, além da falta de manutenção do edifício, que conduziram a
um progressivo processo de deterioração. Isso pôde ser observado através de diversas
notícias de jornais da época, que apontavam o estado de abandono da área. Muito se
discutiu e diversos projetos foram feitos, mas nada saiu do papel. Finalmente, em 1998
decidiu-se pela realização de um concurso nacional para seleção de propostas para a
recuperação do patrimônio histórico e urbano do Ver-o-Peso. O concurso foi conduzido
pela Prefeitura Municipal de Belém em conjunto com o Instituto dos Arquitetos do Brasil.
O edital foi lançado em setembro de 1998, e em março de 1999 foi apresentada a proposta
vencedora: a do escritório carioca do arq. Flávio Ferreira.
Antes de dar início à descrição dos trabalhos realizados durante esta intervenção,
é importante que seja feito um breve relato de como o edifício se encontrava antes da
mesma, a fim de que possam ser entendidos os trabalhos realizados durante a intervenção.
Este breve relato baseia-se nas plantas do levantamento realizado para o projeto de
intervenção, que foram fornecidas pela Secretaria de Urbanismo da Prefeitura Municipal
de Belém.
A fachada voltada para a Boulevard Castilho França – antiga Boulevard da
República – tinha muitas manchas negras na cobertura metálica de uma das torres, estando
a outra apenas com algumas manchas. A pintura das torres estava deteriorada, além de
haver alguns pontos de oxidação em ambas as torres. Os tubos coletores de águas pluviais
104
metálicos também estavam deteriorados, com partes faltantes e em alguns casos chegavam
mesmo a não existir mais algumas peças. As janelas das torres estavam com a pintura
igualmente deteriorada, havendo também pontos de oxidação e vidros quebrados. A
cobertura apresentava um ponto com vegetais superiores e nas clarabóias, as placas de
vidro haviam sido substituídas por chapas metálicas opacas. A platibanda apresentava
pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação, o que ocorria também no restante da
fachada, além de haver ainda algumas manchas negras nas paredes externas. As bandeiras
em arco apresentavam alguns vidros quebrados, além de certas intervenções – em alguns
pontos – anteriormente realizadas. A marquise de concreto apresentava umidade
descendente e pintura deteriorada, pintura esta que também se encontrava deteriorada nas
portas metálicas. No grande portão de acesso havia apenas uns poucos pontos onde a
pintura estava deteriorada ou que apresentavam oxidação.
Na fachada voltada para a feira livre, a cobertura metálica das torres apresentava
algumas manchas escuras e pontos de corrosão. A pintura das torres também estava
bastante deteriorada, tendo pontos de oxidação, corrosão e algumas manchas negras.
Alguns vidros das esquadrias também estavam quebrados ou mesmo faltando. A platibanda
estava com pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação, acontecendo o mesmo com as
paredes da fachada. Também havia vidros quebrados nas bandeiras em arco e algumas
haviam sofrido pequenas modificações. A marquise de concreto apresentava umidade
descendente, assim como ocorria na fachada do Boulevard, além de algumas manchas
negras. As portas metálicas das lojas tinham pintura deteriorada e alguns pontos de
oxidação, ocorrendo o mesmo com a parte inferior do grande portão de acesso.
Na fachada voltada para o rio, a cobertura das torres possuía algumas manchas
negras, além de pontos de oxidação. No restante das torres, a pintura estava deteriorada e
havia pontos de oxidação. Aqui também algumas partes dos tubos coletores de águas
pluviais haviam sido destruídas pela corrosão. Assim como ocorreu na fachada do
Boulevard, havia um ponto na cobertura que apresentava vegetais superiores. A platibanda
apresentava pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação. O mesmo ocorria com o
restante da fachada, além disto esta última apresentava pontos de oxidação e algumas
manchas negras. A marquise, como ocorreu nas outras fachadas, possuía umidade
descendente, além de apresentar algumas manchas negras. As portas das lojas externas
estavam com a pintura deteriorada e com pontos de oxidação, o que também ocorria no
grande portão de acesso.
105
A fachada voltada para a doca do Ver-o-Peso tinha uma das torres – a mais
próxima do calçadão com vista para o rio – com uma inclinação bem perceptível. A
cobertura metálica das torres tinha muitas manchas negras. A pintura das torres estava
deteriorada e notava-se ainda alguns pontos de oxidação. Aqui também alguns tubos
coletores de águas pluviais estavam danificados pela corrosão. Na platibanda, a pintura
apresentava-se deteriorada e com oxidação em alguns pontos. As bandeiras em arco
estavam com alguns vidros quebrados ou mesmo faltando. A marquise apresentava
umidade descendente – assim como em todo o restante do edifício – e algumas manchas
negras. As portas metálicas das lojas estavam com a pintura deteriorada.
Sobre o interior das lojas e demais paredes internas do mercado, a alvenaria
apresentava bom estado de conservação. Em planta, percebe-se que algumas lojas haviam
sofrido modificações em suas áreas, que foram ampliadas ou mesmo reduzidas. Em relação
ao pátio interno, aparentemente permaneceu a mesma disposição dos talhos. No que se
refere aos gradis das janelas do pátio interno, algumas apresentavam partes deterioradas na
pintura, além de pontos de oxidação.
A estrutura metálica da cobertura – tesouras metálicas – apresentava-se estável e,
de uma maneira geral, em boas condições, excetuando-se apenas alguns pontos de
oxidação. As peças em madeira da cobertura estavam infestadas por xilófagos e com
degradação causada por alguns pontos de infiltração da água da chuva. No telhame,
notava-se a presença de sujidades em função da poluição e infestação por agentes
biológicos, sobretudo a ação extremamente danosa provocada pelas fezes de urubus. Em
alguns pontos do telhame, havia ainda a ocorrência de vegetação. Nos lanternins, notava-se
diferentes estágios de oxidação nas cantoneiras e montantes metálicos, além de diversos
vidros faltantes. As calhas dos frechais da cobertura principal e das platibandas da fachada
apresentavam problemas de oxidação e deformação em função de adaptações
inapropriadas. Já as calhas fixadas por hastes metálicas apresentavam problemas em
virtude de ação mecânica.
A nova intervenção foi conduzida pela Secretaria de Urbanismo da Prefeitura
Municipal de Belém – baseada no projeto do escritório do arq. Flávio Ferreira, vencedor do
Concurso Ver-o-Peso – e executada pelas firmas Docol e Estacon Engenheria. Em linhas
gerais, a proposta da intervenção realizada em 2001 abrangia o tratamento e a recuperação
das fachadas do mercado e das torres; tratamento e recuperação da cobertura das lojas
externas, área central e das torres metálicas; tratamento e remodelação dos revestimentos
106
de piso e parede da grande área interna do edifício; e remodelação dos talhos e do pavilhão
central desta grande área.
A execução do projeto de restauração foi dividida em duas etapas 163 . A primeira
etapa abrangeu as fachadas e as torres, incluindo a estrutura e os revestimentos de todas
fachadas. Na segunda etapa, a cobertura foi tratada, o piso foi refeito, os talhos foram
remodelados e realizaram-se os projetos complementares de instalações prediais.
No projeto original de restauro, estava previsto – durante a etapa inicial – que
fossem feitas prospecções nas fachadas para a determinação das cores originais. No
entanto, quando as obras tiveram início, percebeu-se que essa pesquisa não seria possível,
em função do processo de jateamento com areia para a remoção de tinta, realizado durante
a intervenção de 1985. Segundo os arquitetos responsáveis pelo projeto, o processo
utilizado causou um atrito que impossibilitou a identificação das cores originais. Assim,
optou-se pelo emprego da cor cinza, já utilizada anteriormente na intervenção de 1985.
Desta forma, foi feita a remoção de todo o revestimento sobre a superfície das fachadas
através de raspagem. A seguir, as superfícies foram tratadas e devidamente recuperadas e
preparadas para receber a nova pintura. No entanto, durante os trabalhos de pintura, a
Secretaria de Urbanismo do município decidiu, àrevelia, fazer um teste e pintar uma das
torres e parte de uma das fachadas em tons de creme e amarelo. O fato gerou polêmica e
criou atritos entre a Prefeitura e os autores do projeto, apoiados pelos órgãos de
patrimônio. Depois de protestos feitos também pelos feirantes e pela população, a pintura
de teste foi removida e foi executada uma pintura em tons de azul acinzentado e branco,
para os detalhes e esquadrias das torres.
Ainda na fachada, as portas de enrolar das lojas ou compartimentos externos do
mercado tiveram o revestimento removido, foram tratadas e pintadas. Nos arcos, os vidros
existentes foram todos removidos e substituídos por vidro liso transparente com 6mm de
espessura. Nas marquises, foram removidas as placas de fibrocimento, as mãos-francesas
foram reforçadas e receberam cobertura de lona. Nas torres, a cobertura foi tratada e
163
Todo o material (memoriais, plantas, etc.) referente às descrições da intervenção de 2001 foi obtido junto
a Secretaria Municipal de Urbanismo (SEURB), durante levantamento pesquisa e iconográfica realizada em
viagem feita – em função da pesquisa – à Belém em outubro de 2006.
107
164
A Secretaria Municipal de Urbanismo forneceu, durante a realização da pesquisa, extensa documentação
iconográfica (todas as plantas de arquitetura, restauro e instalações) acerca da intervenção realizada em 2001.
108
recuperada, e as telhas metálicas receberam pintura na cor cinza. As esquadrias das torres
foram recuperadas e os elementos metálicos de adorno que haviam sido corroídos ou
degradados foram tratados, mas optou-se por não substituir as partes faltantes.
De acordo com as plantas, o projeto de intervenção previu algumas modificações
nas lojas externas. Na fachada voltada para a Boulevard Castilho França, foram instaladas
duas pequenas lojas junto ao portão de acesso ao interior do mercado e outras três lojas
sofreram modificações: uma recebeu um compartimento para depósito – e
conseqüentemente foi construída uma nova parede divisória, em alvenaria de tijolos – e as
outras duas sofreram remembramento, tornando-se uma única loja, com área total bem
maior. Na fachada voltada para a doca do Ver-o-Peso, foram criados dois banheiros – um
masculino e outro feminino – e quatro lojas externas sofreram remembramento, dando
origem a outras duas.
No interior do mercado, o piso foi completamente modificado. Nas áreas de
circulação, o piso existente foi parcialmente demolido e foi utilizado piso tipo korodur na
cor vermelha, com cota maior no eixo central da circulação e cotas menores – com
inclinação para o caimento das águas durante a limpeza do edifício – em frente à área dos
talhos, onde foram feitas sarjetas em korodur na cor cinza claro, que conduziam as águas
servidas para o sistema de esgotos. Na área dos talhos, foi executado contrapiso sobre o
piso existente, que também teve elevação de cota e recebeu acabamento em korodur,
também na cor cinza claro.
Nos talhos, as paredes divisórias foram completamente demolidas, sendo
executadas novas divisórias em placas de concreto pré-moldado, com acabamento em
korodur, no mesmo tom do piso dos talhos. Cada talho passou a contar com duas bancadas:
uma para exposição dos peixes e outra para limpeza. A bancada para exposição dos peixes
passou a ter um tampo em concreto revestido com aço inoxidável apoiado em um suporte
feito com tubo de aço galvanizado, estando este fixo a um bloco de concreto construído
dentro do piso de cada talho. As bancadas de limpeza e tratamento do pescado foram feitas
com tampo em concreto revestido com chapa de aço inoxidável. Estas bancadas foram
dotadas ainda de uma cuba também em aço inoxidável e armário suspenso, de madeira,
abaixo da cuba. Dentro dos talhos foram instalados cepos circulares em madeira, com
superfície superior revestida em placa de polipropileno, para o corte dos peixes.
As paredes periféricas, no interior do mercado, tiveram o revestimento danificado
removido, sendo aplicada nova argamassa de reboco. Elas foram revestidas até meia
parede com korodur no mesmo tom do piso dos talhos e, a partir daí, pintadas com tinta
109
acrílica branca. As grades do mezanino foram tratadas e recuperadas. As peças que foram
consideradas inaproveitáveis foram substituídas por outras de dimensões semelhantes às
originais. As grades receberam pintura e tratamento semelhante ao da estrutura da
cobertura.
Na cobertura, as telhas foram retiradas e limpas, para que fosse avaliado o seu
estado e detectada a eventual necessidade de substituição de peças. Procurou-se
reaproveitar ao máximo as telhas, mas aquelas que foram consideradas inaproveitáveis,
foram substituídas por outras de padrão formal e cromático semelhante às originais.
Finalmente, as telhas foram impermeabilizadas com a aplicação de duas demãos de
silicone líquido. As telhas foram recolocadas e de acordo com o projeto de restauro, foram
retomadas as clarabóias originalmente existentes no edifício, mas agora foram empregadas
telhas de vidro – ao invés das antigas placas de vidro originais – a fim de possibilitar uma
maior facilidade de manutenção.
Nas calhas, foi feita a limpeza, consolidação e recuperação dos mecanismos de
fixação das calhas, com substituição de todas as partes danificadas e faltantes. As peças de
substituição foram confeccionadas em chapas de aço galvanizado com 2mm de espessura,
feitas sob encomenda, seguindo as mesmas dimensões das que se encontravam antes da
intervenção. As emendas – que de acordo com a documentação foram executadas apenas
quando se fez estritamente necessário – foram executadas com dobraduras e solda.
Os condutores de águas pluviais foram inteiramente substituídos por outros em
PVC de primeira qualidade, com dimensões semelhantes as dos condutores que se
encontravam no edifício quando de sua intervenção. Os dutos que conduzem a água do
telhado superior até as calhas inferiores foram refeitos. Já os dutos que lançam água junto
ao lanternim, receberam uma chapa junto à saída, a fim de desacelerar a queda d’água que
provoca entrada de água pelo telhado.
No que se refere à estrutura metálica da cobertura, procurou-se – segundo
documentação de projeto – aproveitar ao máximo as peças estruturais das tesouras. Os
eventuais reforços estruturais foram executados com qualidade igual ou superior à
estrutura original, observando o respeito à configuração e espaçamento da mesma. A
remoção da camada oxidada foi executada através de raspagem com espátula e/ou lixação
manual com lixa 280, a superfície foi então tratada e recuperada. As chapas ou peças
estruturais consideradas inaproveitáveis foram substituídas por peças com material de
composição análoga e com formas e dimensões semelhantes às originais.
110
165
Não foi possível realizar, durante o levantamento uma vistoria para a verificação – de perto – do estado da
cobertura. No entanto, pelas fotos tiradas da rua, há sinais de que a cobertura encontra-se em bom estado de
conservação.
112
166
É muito provável que, com o passar dos anos e as constantes modificações sofridas nessa área, os forros
originais tenham sido lentamente substituídos por outros, a medida em que as alterações realizadas pelos
próprios comerciantes aconteciam.
167
Durante a realização do levantamento para verificação do atual estado do Mercado de Peixe, apesar de
terem sido feitas visitas em todas as lojas, alguns comerciantes não permitiram a realizam de fotos que
mostrassem o interior de algumas dessas lojas.
168
A semelhança do que ocorre com os forros, que – em sua maioria – foram provavelmente substituídos,
também as escadas provavelmente foram todas substituídas pelas constantes modificações feitas pelos
comerciantes das lojas externas.
117
169
O Mercado de Carne sofreu apenas uma intervenção, como foi visto no capítulo anterior, mas que não se
sabe a data e da qual também não foram encontradas nem as plantas nem tão pouco nenhum outro tipo de
documentação. No entanto, o mercado é atualmente objeto de uma intervenção coordenada atualmente pelo
Programa Monumenta do Ministério da Cultura do Governo Federal, que representa a primeira grande
intervenção a ser executada no edifício desde os trabalhos de ampliação e reforma realizados durante a
administração do Intendente Antônio Lemos, concluídos em 1908.
124
170
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia: Ateliê Editorial, 2004, esclarece que: “(...) a restauração
deve visar o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer
um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”
(p. 33),e que também “(...) deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isso venha a
infringir a própria unidade potencial que visa a reconstruir” (p. 47). Desta forma, para Brandi, é importante
que “(...) qualquer intervenção de restauro não torne não torne impossível mas, antes, facilite as eventuais
intervenções futuras” (p. 48), além de que
“(...) a ação de restauro ademais, e pela mesma exigência que impões o respeito da complexa historicidade
que completa à obra de arte, não se deverá colocar como secreta e quase fora de tempo, mas deverá ser
pontuada como evento histórico tal como é, pelo fato de ser ato humano e de se inserir no processo de
transmissão da obra de arte para o futuro” (p. 61).
Neste sentido, também são incisivas as proposições colocadas na Carta de Veneza (§ 9):
“A restauração, uma operação que deve manter caráter excepcional, tem por finalidade conservar e revelar
valores estéticos e históricos do monumento, fundamentando-se no respeito à substância antiga e na
autenticidade dos documentos. Deve deter-se onde começa a hipótese, e no plano das reconstituições
conjunturais, o trabalho complementar, considerado indispensável por razões estéticas ou técnicas, deverá se
destacar da composição arquitetônica, levando consigo a marca de nosso tempo.”
125
ser necessariamente metálico, mas que seja compatível com as estruturas existentes –
seguindo os princípios da distinguibilidade e da reversibilidade, tendo um projeto que se
harmonize com o conjunto, mas sem ser mimético ou entrar em competição com o
existente.
No que se refere às coberturas, também foram feitas algumas substituições. No
pavimento superior do edifício do mercado algumas das telhas cerâmicas foram trocadas
por telhas metálicas. O mesmo aconteceu na marquise de cobertura da circulação. Nos
pavilhões de ferro do pátio central, a cobertura em telha de vidro foi trocada por telhas
cerâmicas. No primeiro caso a substituição – que muito provavelmente foi oriunda de
alguma manutenção daquele ponto da cobertura – foi executada de forma distoante do
conjunto, o que fez com que uma simples manutenção acabasse por causar uma lesão na
imagem original da cobertura. É importante ressaltar que mesmo as manutenções devem
ser feitas e pensadas em harmonia com o existente. Neste caso, o mais correto teria sido
utilizar telhas com formas e material similar aos encontrados na cobertura existente. No
segundo caso, a intervenção acabou causando uma interferência na percepção do espaço
através da luz. Aqui também o mais correto seria que esta percepção fosse mantida através
do emprego de materiais que possibilitassem a mesma percepção, sem contudo ser
necessariamente os mesmos materiais usados originalmente.
Além destes problemas enfrentados – mesmo que de forma equivocada – na
intervenção sofrida pelo mercado, existem outros que – como foi dito, a despeito de sua
importância para a preservação do edifício – não foram ainda enfrentados.
O primeiro diz respeito às estruturas metálicas presentes no edifício. Como se
sabe, estas edificações apresentam superfícies bastante vulneráveis em função do problema
da oxidação. Como o mercado não sofre nenhum tipo de manutenção periódica, essas
superfícies foram perdendo progressivamente suas camadas protetivas a medida em que a
pintura – elemento fundamental na conservação das superfícies metálicas – foi se
deteriorando. Assim, a superfície do metal foi paulatinamente exposta, dando início ao
processo de oxidação. Mais uma vez, em função da ausência de manutenções, o problema
da oxidação evoluiu, em alguns casos, para a corrosão, que em determinadas peças chegou
mesmo a destruir completamente algumas partes, como em alguns talhos e na escada da
antiga caixa d’água, por exemplo. É importante ressaltar que se deve procurar preservar –
sempre que possível – as camadas de pintura original existentes – desde que estas estejam
em boas condições – ou pelo menos as camadas de proteção a fim de que seja evitada a
exposição da superfície metálica, o que conduz ao um rápido processo de oxidação e,
126
171
No que se refere aos métodos utilizados para recomposições de pequenas peças metálicas, v. WAITE,
John G. The Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC,
US Government Printing Office, 1991, pp. 12-13, e KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 261.
172
O emprego de materiais incompatíveis pode, eventualmente, levar à corrosão. Para maiores informações a
este respeito, v. WAITE, John G. The Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., pp. 12-13,
e KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 261.
173
É muito comum o emprego de materiais e técnicas incompatíveis na execução destes reparos e pequenas
intervenções, tais como tintas incompatíveis, argamassas mal executadas, etc.
174
De igual modo, os reparos e pequenas intervenções são realizados sem a observância dos princípios
fundamentais da reversibilidade, distinguibilidade e mínima intervenção.
127
175
Conforme destacado na Carta de Veneza (§ 5), a “conservação dos monumentos será sempre favorecida
quando se atribuir aos mesmos uma destinação de utilidade social”.
176
Segundo KÜHL, Beatriz. op. cit, p. 255, os métodos abrasivos são considerados os mais eficientes para a
limpeza de grandes superfícies, tanto os métodos abrasivos secos quanto os métodos abrasivos úmidos. No
caso do método abrasivo seco, um jato de partículas sob pressão é emitido sobre a superfície a ser limpa. A
partícula a ser utilizada, o tamanho da mesma e a pressão a ser aplicada pelo jato no processo dependem do
tipo de material a ser limpo. As partículas mais utilizadas são as de pedra, tijolo, madeira ou mesmo vidro –
no caso do ferro ou do ferro fundido – , e também partículas de cobre –empregadas para determinados tipos
de aço.
128
para uma edificação histórica. O método também requer determinados cuidados com as
superfícies adjacentes, a fim de que as mesmas estejam protegidas durante a execução do
processo. Além disso, é importante considerar a possibilidade de eventuais problemas que
as partículas em suspensão possam causar ao ambiente. No caso do Mercado de Peixe, o
jateamento a seco utilizado para a limpeza impossibilitou – conforme mencionado no
capítulo anterior – a identificação da cor original do edifício quando da segunda
intervenção – concluída em 2001 – e que também não se tem notícia de que tenha sido
registrada na ocasião da primeira intervenção. Além disso, não se trata do método mais
indicado 177 , em função da presença da feira livre – onde são vendidos sobretudo frutas,
verduras e legumes – e da grande circulação de pessoas e veículos na área, o que
fatalmente trouxe problemas de poluição ambiental em virtude da grande quantidade de
partículas em suspensão geradas durante o processo. Neste caso, o mais aconselhável seria
a adoção do método abrasivo com emprego concomitante de água – método abrasivo
úmido – uma vez que o mesmo não traria riscos de poluição ao meio ambiente, além de
proporcionar uma rápida eliminação da ferrugem e das impurezas. No entanto, é
importante ressaltar que no método abrasivo úmido ocorre a formação de uma camada de
ferrugem – que no caso do Mercado de Ferro pode se formar mais rapidamente, em função
da umidade relativa do ar em Belém ser bastante elevada praticamente durante o ano
inteiro, desse modo, é indicada uma camada primária tolerante à água, podendo-se usar um
inibidor de ferrugem na última enxaguadura 178 .
No que se refere à recomposição das partes que se encontravam corroídas, esta
foi feita através de resina com pouca quantidade de partículas metálicas, no caso das peças
pequenas, e com substituição para as áreas maiores. As falhas ou lacunas de uma superfície
metálica podem ser trabalhadas com massa à base de partículas de metal – que podem ser
de aço ou ferro, de acordo com a peça original – associadas às resinas epóxi. Esta solução
pode ser utilizada tanto para o ferro fundido quanto para o ferro, desde que o material
original ainda seja eficiente estruturalmente, uma vez que o elemento reparado não tem a
mesma resistência de uma peça metálica homogênea, e quando a superfície for
177
Para maiores informações acerca dos métodos de limpeza de superfícies metálicas, v. ASHURST,
John&Nicola. Op. cit., pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron,
Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991. Do mesmo autor,
Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building, Washington DC, US
Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
178
ASHURST, John&Nicola, op. cit., pp. 35-36. KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., p. 256, consideram o
método adequado, a despeito das precauções a serem tomadas durante sua execução. John G. Waite, The
Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., p.7, aponta as mesmas deficiências de
procedimento citadas pelos outros autores, mas não o considera eficaz.
129
convenientemente preparada 179 . Contudo, esta mistura pode causar problemas pela
diferença dos coeficientes de dilatação térmica dos materiais e deve ser protegida por
pintura, pela degradação do epóxi com raios ultra-violeta. Quanto às substituições não
foram encontradas referências acerca dos materiais utilizados quando da primeira grande
intervenção sofrida pelo mercado. No entanto, é importante evitar que essas substituições
sejam feitas com outros metais que possuam diferente potencial eletrolítico em relação às
peças originais, o que pode levar à corrosão galvânica. A adoção de peças feitas do mesmo
material ou a partir de materiais não-metálicos é mais aconselhada, de acordo a avaliação
feita em função das necessidades de cada caso específico 180 .
No caso da marquise de concreto – colocada no decorrer dos anos – que foi
retirada e, em seu lugar, foi executada uma marquise com estrutura metálica e cobertura
em lona, a opção pela manutenção de uma marquise na área é justificada pelo fato de a
cidade manter altíssimos índices pluviométricos durante boa parte do ano; desta forma, as
chuvas são quase diárias e a manutenção de uma cobertura que protegesse os acessos das
lojas externas do edifício era requerida. Isto é comprovado pelo fato que, em diversas fotos
de época onde o mercado é retratado, são encontrados toldos de proteção sobre as portas
das lojas exteriores. No entanto, a peça existente – de concreto – não se harmonizava com
o conjunto, causando danos a leitura do edifício. Assim, a substituição pela peça com
estrutura metálica e cobertura em lona é válida e vem ao encontro da necessidade de
manutenção de uma cobertura na área – que não havia sido prevista no projeto original,
mas que era extremamente necessária – a fim de manter a mesma protegida das chuvas e
da incidência direta dos raios solares.
Como foi descrito no capítulo 2, as portas de enrolar das lojas externas do
mercado foram mantidas, sendo tratadas ou substituídas, de acordo com a necessidade
específica de cada peça. A manutenção das portas de enrolar se deve ao fato de que as
mesmas foram instaladas – em determinado momento da história do edifício que não se
pôde precisar e em substituição às originais em madeira – por questões de segurança.
Assim, esta manutenção foi uma opção de projeto pautada no contexto em que o edifício se
encontra inserido, respeitando suas estratificações. Neste sentido, como as bandeiras
móveis e as portas de madeira haviam sido substituídas; se fosse feita a opção pelo retorno
à configuração original, haveria a necessidade de execução de uma série de peças
179
KÜHL,Beatriz Mugayar. Op. cit., p. 261.
180
Para maiores informações acerca de substituições, v. WAITE, John G. The Maintenance and Repair of
Architectuaral Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., p. 261.
130
inteiramente novas – uma vez que não havia mais peças originais no edifício – o que
poderia se configurar como falso histórico, fato absolutamente indesejável numa
restauração 181 . Além disso, as peças não representavam adições que deturpassem a leitura
da obra. Assim, sua permanência é justificável. No que se refere ao tratamento destas
portas, é importante destacar que, durante o processo de avaliação dos processos de
degradação das peças metálicas que compõem um edifício e a subseqüente escolha dos
métodos de tratamento, recomposição e/ou substituição das mesmas, as substituições sejam
feitas apenas quando as peças forem de fato irrecuperáveis. Neste caso, os elementos a
serem substituídos dever ser feitos de acordo com o tipo de intervenção, isto é, uma
manutenção ou uma restauração. Em se tratando, de fato, de uma manutenção – como foi o
caso das portas de enrolar das lojas externas, que em si não têm importância histórica para
a edificação, uma vez que se constituíam de peças relativamente recentes – a substituição
pode ser feita por peças semelhantes e executadas com o mesmo material das anteriores,
assim como ocorreu nesta intervenção.
No pátio interno também houve uma série de intervenções: as paredes foram
tratadas, pintadas e receberam revestimento cerâmico até cerca de meia parede, o piso de
ladrilho foi substituído e os talhos para venda do pescado foram reformulados. No caso dos
revestimentos de parede, como foi visto, o que se sabe é que antes da intervenção as
paredes também estavam pintadas e com cerâmica em meia parede. Não se sabe precisar a
cor nem o tipo dos revestimentos, mas é muito provável que a tinta das paredes fosse
branca ou de outra tonalidade clara, uma vez que essas tonalidades refletem melhor a luz.
Neste caso, é mais delicado comentar as intervenções visto que não há muitas informações
acerca do existente. Já quanto ao piso, convém que sejam feitas algumas observações, que
são igualmente válidas para tratamentos de paredes. A opção feita no projeto foi pela
substituição completa dos mosaicos originais, que se encontravam bastante deteriorados,
por um revestimento em korodur. Mais uma vez torna-se à questão das substituições.
Como foi dito anteriormente, essa é uma questão bastante delicada, sobretudo no caso de
uma substituição total de uma área tão extensa quanto o revestimento do piso, o que não é
recomendado, a não ser que a mesma esteja realmente irrecuperável ou destruída. O mais
indicado seria tratar a superfície, procurando substituir apenas aquilo que se encontrava de
181
Como afirma BRANDI, Cesare, op. cit., p 47, quando diz que na restauração “(...) apresentam-se duas
instâncias, a instância histórica e a instância estética, que deverão, na recíproca contemporização, nortear
aquilo que pode ser restabelecido da unidade potencial da obra de arte, sem que se venha a constituir um
falso histórico ou a perpetuar uma ofensa estética”.
131
182
Conforme a Carta de Veneza (§ 9 ) que diz que “A restauração (...) tem por finalidade conservar e revelar
os valores estéticos e históricos do monumento, fundamentando-se no respeito à substância antiga e na
autenticidade dos documentos”.
132
dizer que se as alterações limitaram-se apenas às adequações devidas para este novo uso,
sem prejuízo do contexto; a intervenção é perfeitamente aceitável, visto que não interfere
na percepção do ambiente e nem remove contribuições anteriores, uma vez que a
administração passou para a área superior do pavilhão, que já existia quando da realização
da intervenção.
No que se refere ao recuo das paredes das lojas externas que haviam avançado em
direção à área central do mercado, esta remoção justifica-se pela retomada da leitura do
ambiente da área central, que se encontrava prejudicada por estes acréscimos. Aqui, a
remoção é pautada na prevalência 183 da instância estética – leitura e percepção do ambiente
da área central do mercado – sobre a histórica – representada pelos acréscimos realizados
ao se avançar as paredes das lojas externas em direção à área central que prejudicam a
percepção da arquitetura – o que é perfeitamente justificado.
Nas torres, as esquadrias das janelas haviam sido anteriormente retiradas, sendo o
local fechado com chapas metálicas pintadas na mesma cor da fachada; as chapas que
fechavam os vãos foram retiradas e optou-se pelo retorno ao emprego de esquadrias a fim
de que o ritmo da fachada fosse retomado e a lacuna criada fosse reintegrada. As
intervenções anteriores haviam originado uma ruptura no tecido figurativo que precisava
ser devidamente tratada, através da reintegração da imagem. A opção de projeto foi a
execução de uma esquadria com linhas gerais semelhantes às da original, resguardando-se
apenas algumas diferenciações quanto às dimensões do vão e alguns outros detalhes, como
a ausência das bandeiras presentes nas esquadrias originais. Esta foi uma proposta
equivocada, que acabou recaindo numa imitação diferenciada 184 que leva a uma idéia de
falso histórico. Conforme explica Kühl 185 baseada nas proposições crítico-
conservativas 186 :
183
Para uma melhor explanação acerca das questões referentes às relações entre as instâncias estética e
histórica, v. BRANDI, Cesare. op. cit., pp. 29-33.
184
Sobre o problema do equívoco da imitação diferenciada e da diferenciação imitativa no tratamento de
lacunas, v. Umberto Baldini. Teoria Del restauro e unità de metodologia, 2vols. Firenze, Nardini: 1° vol,
1997, 8a ed., pp. 40-57.
185
KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação de Edifícios Industriais. In: Desígnio
Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP – n. 1 –
março/2004 – São Paulo: Annablume. Semestral, p. 106.
186
A vertente crítico-conservativa da restauração fundamenta o restauro na análise da obra, de seus aspectos
físicos e de suas características formais, e de seu transcorrer na história para contemporizar, de acordo com
as formulações brandianas, as instâncias estéticas e históricas, procurando intervir de modo a respeitar seus
elementos caracterizadores, para que a obra seja valorizada e transmitida para o futuro da melhor forma
possível. Sobretudo no que se refere ao tempo em que se coloca a intervenção, as formulações brandianas,
que se constituem como base da vertente crítico-conservativa da restauração, são bastante claras ao colocar
sua atuação no tempo presente. Para maiores detalhes, v. BRANDI, Cesare. op. cit., pp. 59-62.
133
187
A consoância, aqui, deve ser entendida como uma proposta diversa, mas que se relaciona harmonicamente
com a obra, sem trabalhar de modo imitativo, mimético ou análogo.
134
problema não foi tratado, a despeito de sua gravidade e de sua relevância no que se refere à
preservação do edifício, sendo enfrentado apenas anos depois, quando foi feita uma
intervenção específica para que o edifício fosse estabilizado. Como foi dito anteriormente,
a função da intervenção é – sobretudo – a preservação da obra, assegurando sua
permanência. O problema do adernamento do edifício e da inclinação de uma de suas
torres deveria, portanto, ser enfrentado prioritariamente, uma vez que representa um risco
para a preservação do mercado e não posteriormente.
O Mercado de Peixe sofreu também uma segunda grande intervenção, levada
adiante pela Prefeitura e concluída em 2001. Assim como ocorreu na primeira grande
intervenção, esta segunda também limitou seus trabalhos em função da verba
disponibilizada pela Prefeitura. Desta forma, a intervenção centrou seus trabalhos no
tratamento e recuperação das fachadas e das torres metálicas, tratamento e substituição dos
revestimentos de piso e parede da área central, e remodelações dos talhos e do pavilhão
central do mercado propriamente dito.
Da mesma maneira como foi feito para a análise da intervenção de 1985, também
seria interessante, neste caso, começar a análise a partir dos trabalhos realizados durante a
intervenção, para que fossem posteriormente tratados os problemas que não constaram da
mesma.
Nas fachadas, a limpeza e remoção da pintura que se encontrava deteriorada foi
feita através de raspagem. Como se sabe, os processos manuais não são os mais indicados
como única forma para limpeza e tratamento das superfícies, uma vez que não removem
completamente a ferrugem, as camadas de pintura e as impurezas 188 . Desta forma, o mais
aconselhável seria o uso de método abrasivo úmido, como foi apontado na análise feita
anteriormente no tratamento das fachadas, realizado na primeira grande intervenção.
Assim, assegura-se uma completa remoção da ferrugem e das impurezas, além da remoção
da camada de pintura, onde se faz necessário, a fim de que a superfície esteja pronta para
receber os sistemas protetivos da pintura. A pintura foi feita após aplicação de massa
epóxica e com tinta esmalte acetinada. Na pintura, as camadas intermediárias em epóxi são
recomendáveis; no entanto, resinas epóxi se degradam com facilidade quando expostas à
radiação ultravioleta e, por isso, requerem camadas de acabamento bastante resistentes. As
188
Novamente, para maiores informações acerca dos métodos de preparação das superfícies metálicas,
incluindo as preparações manuais, v. John & Nicola Ashurst, Practical Building Conservation, 5 vols.,
Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair
of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991.
Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building,
Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
135
tintas à base de uretana 189 – como foi o caso da tinta utilizada para a pintura das fachadas
do mercado – também são recomendadas para aplicação em peças antigas sem camada de
pintura pré-existente – quando a limpeza atingir a superfície do metal – e devem ser
aplicadas numa espessura entre 125 a 250 micra. É aconselhável que sejam aplicadas, ao
todo, quatro camadas de pintura, incluindo aqui as camadas primárias, intermediárias e de
acabamento, visto que é mais prudente a aplicação de uma camada a mais do que a escolha
de um sistema mais caro.
No que se refere à polêmica causada em torno da opção feita pela Secretaria de
Urbanismo – SEURB – por uma pintura em tons de amarelo e creme – a revelia daquilo
que havia sido determinado em projeto e que seguia os tons da pintura anterior – algumas
considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, a questão da cor é ponto extremamente
relevante, sobretudo em se tratando de edificações metálicas, onde as pinturas constituem-
se como um importante mecanismo de proteção das superfícies 190 . Em segundo lugar, a cor
anterior – que era um tom de cinza, já se encontrava consolidada na memória local 191 ,
desta forma, qualquer outra cor que fosse muito diferente desta, acabaria por induzir a uma
falsa sensação de novo, a um rejuvenescimento forçado da obra, o que definitivamente não
é o que se busca numa intervenção 192 .
No que se refere às portas de enrolar das lojas externas, as bandeiras em arco das
fachadas e as esquadrias e cobertura metálica das torres, os procedimentos centraram-se
numa manutenção daquilo que havia sido feito anteriormente: as peças foram limpas,
tratadas e protegidas e aquelas que eram irrecuperáveis foram substituídas. Esta postura é a
mais acertada, haja vista o fato de que nestes casos são necessários apenas pequenos
reparos a fim de tratar e proteger a obra. Quanto às placas de fibrocimento que haviam sido
colocadas em algumas das marquises da fachada, as mesmas foram retiradas, as mãos-
francesas foram reforçadas – quando necessário – e toda a lona antiga foi, aparentemente,
substituída. A substituição das placas de fibrocimento que haviam sido colocadas em
189
Tinta composta por resina poliuretênica alifática, pigmentos diversos, xilol, toluol e éteres glicólicos.
190
Sobre o problema da renovação da cor em edificações históricas, v. CARBONARA, Giovanni,
Aviccinamento ao restauro, op. cit., pp. 511-519.
191
Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema, v. Beatriz Mugayar Kühl, Preservação da
Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, op. cit., p. 213-215.
192
RIEGL, Alois. El culto moderno a los monumentos. Madri: Visor, 1999, 2ª. Ed.,pp. 81-91 trata do
problema ao analisar os diversos modos com que uma dada sociedade percebe e se apropria de seus
monumentos históricos, apontando para o fato de que por vezes esta sociedade procura valores que façam
com que os bens culturais correspondam a uma expectativa dos sentidos (valor de uso) ou do espírito (valor
artístico), de forma tão satisfatória quanto uma criação moderna: são o que ele chama de valores de
contemporaneidade. Neste sentido, Riegl – ao avaliar o valor artístico – apresenta como uma das categorias o
valor como novidade, no qual o monumento histórico se equipara a uma criação recente, o que exige do
mesmo uma perfeita integridade de cores e formas.
136
193
No que se refere às contribuições do passado, a Carta de Veneza (§ 11) afirma que: “Os acréscimos à
construção de um monumento são marcas respeitáveis de todas as épocas, e devem permanecer, uma vez que
a unidade do estilo não constitui a meta final da restauração”.
138
optou-se pelos métodos manuais de raspagem e/ou lixação, feita com lixa 280. Como
mencionado, os métodos manuais não são eficientes na remoção completa da ferrugem,
camadas de pintura e impurezas. Neste caso, o mais apropriado seria o emprego do método
abrasivo úmido – que promove uma remoção rápida da ferrugem e das impurezas –
seguido de uma camada primária tolerante à água a fim de que fosse assegurada uma
rápida proteção da superfície – extremamente importante quando se faz uso deste método –
ou, na impossibilidade deste, o emprego de procedimento mecânico através de escova
giratória, cuja eficiência é maior que a dos métodos manuais, complementado pelos
métodos manuais nas eventuais pequenas cavidades, onde o mecânico não pode ser
aplicado eficientemente. A pintura foi feita com a aplicação – através de rolo ou trincha
macia – de duas demãos de primer epóxi seguidas por uma demão de tinta poliuretânica.
Neste caso, seria aconselhável que fosse feita pelo menos mais uma camada de tinta, visto
que a aplicação em várias camadas reduz a probabilidade de falhas e proporciona um maior
isolamento ao metal. No que se refere aos métodos de aplicação da pintura, os pincéis são
considerados os mais adequados e eficientes, por permitirem um contato completo entre a
pintura e o metal.
Estes foram os problemas tratados durante a intervenção concluída em 2001.
Contudo, existem ainda alguns pontos que – a despeito de sua relevância – não foram
trabalhados durante esta intervenção e cujos problemas precisam ser abordados.
Em primeiro lugar, tem-se – mais uma vez – a questão das lojas externas do
edifício do mercado. Durante esta última grande obra, as lojas externas não sofreram
nenhum tipo de intervenção, sendo tratadas novamente apenas as portas de enrolar de seus
acessos, no âmbito das ações nas fachadas. É importante ressaltar novamente que, por mais
descaracterizadas que as lojas eventualmente pudessem estar, a função do restauro é
preservar – na medida do possível – a obra da forma como ela chegou até nós, no contexto
no qual está inserida e respeitando suas diversas estratificações. Os trabalhos de
conservação – como tratamento das eventuais patologias a serem encontradas e limpeza e
tratamento das superfícies no interior das lojas – devem ser feitos para que a obra possa
permanecer em boas condições, a fim de que seja assegurada sua preservação e sua
transmissão para as futuras gerações. É preciso destacar também que a obra é um todo e,
justamente por isso, se um determinado problema que afeta uma área do edifício que não
foi tratada, em função da mesma não fazer parte destes trabalhos, permanecer, pode afetar
as demais áreas que eventualmente tenham sido tratadas, pondo em risco os trabalhos
140
194
Apesar de terem sido feitas recomendações para tanto nos projetos da intervenção de 2001.
141
As orientações aqui tecidas para a preservação dos mercados de Belém têm como
base os princípios discutidos pela vertente “crítico-conservativa” 195 da restauração, que
está alicerçada na teoria brandiana e na releitura das proposições do restauro crítico. Esta
vertente, que é fundamentada no juízo histórico-crítico e na análise caso a caso, propõe a
restauração como ato conservativo, que – longe de significar um congelamento – propõe,
quando necessário, o uso de recursos criativos para tratar algumas questões referentes a
preservação – como o problema da remoção de adições e reintegração de lacunas – mas
sempre baseados no respeito à obra, jamais em detrimento da mesma. Como afirma
Kühl 196 , justamente por ser fundamentada no juízo histórico-crítico – ou seja, num juízo de
valor – a restauração tem pertinência relativa não apenas no que se refere aos parâmetros
culturais e sócio-econômicos de cada época, mas também em relação aos de épocas
anteriores e posteriores. Desta forma, o problema da conservação dos monumentos
históricos – e por conseguinte, também dos mercados em estudo – deve ser discutido e
enfrentado dentro da realidade de cada época, uma vez que o fato de as posturas futuras
serem provavelmente diversas das atuais não nos exime da responsabilidade de
preservação e nem tão pouco da necessidade de uma ação seletiva e crítica em relação ao
legado de outras épocas. Por isso mesmo, é fundamental que o juízo histórico-crítico seja
bem fundamentado, a fim de que sejam evitadas arbitrariedades, como algumas posturas
tomadas em relação a determinados problemas enfrentados nas intervenções anteriores nos
mercados.
Tomando como base estas proposições, serão feitas a seguir algumas orientações
que visam assegurar a preservação destas duas importantes e singulares obras da
arquitetura do ferro na cidade de Belém e no Brasil, da melhor forma possível, para as
gerações futuras. Assim, alguns problemas – teóricos e práticos – precisam ser enfrentados
e tratados de modo específico, como será visto a seguir.
Em primeiro lugar, tem-se o tratamento das superfícies. Nos mercados, as
superfícies são constituídas de diversos materiais – e não apenas de ferro ou outros
materiais metálicos – e por isso mesmo, exigem ações diferenciadas para a sua
preservação. No caso das superfícies metálicas, tem-se o problema constante da oxidação e
da corrosão. Este problema é causado – sobretudo – por dois fatores: a total ausência – por
parte das autoridades responsáveis – de um programa de conservação e manutenções
195
Sobre as atuais vertentes teóricas da restauração, v. CARBONARA, Giovanni, op. cit., p. 393-439.
196
KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação da Arquitetura Industrial, op. cit.,
p. 106.
144
periódicas que assegure a preservação destes edifícios e as constantes cheias às quais a área
está periodicamente submetida. No que se refere à ausência de um programa de
conservação dos mercados, o abandono ao qual estes edifícios por vezes estiveram – e
estão – sujeitos possibilitou o desenvolvimento de patologias – como a corrosão – que
muitas vezes conduziu à perda total de importantes elementos dos mesmos, o que chegou a
levar à necessidade de substituições – às vezes – de grandes peças nas poucas intervenções
pelos quais passaram. De igual modo, as freqüentes cheias enfrentadas periodicamente pela
área – sem especial quando as fortes chuvas que caem sobre a cidade coincidem com os
períodos de maré alta – proporcionam um ambiente extremamente propício para o
desenvolvimento de patologias nas superfícies metálicas, sobretudo em função da água das
cheias ser rica em lama e restos de alimentos, além de outras substâncias que podem levar
a degradação das mesmas. Assim, é fundamental que se estabeleça uma política de
manutenções periódicas para que – mantendo as superfícies limpas e tratadas – seja evitado
que as patologias, que possam vir a se apresentar nas superfícies, levem as mesmas à
degradação.
Ainda no que se refere ao tratamento das superfícies metálicas, como a cidade
possui altíssimos índices pluviométricos, as tintas aplicadas costumam ter uma
durabilidade menor, o que exige que sejam feitas repinturas, uma vez que com o desgaste
provocado pelas chuvas, associado à poluição a camada protetiva das superfícies fica
reduzida, possibilitando a ocorrência de patologias. Assim, é fundamental que se
estabeleçam, dentro do programa de conservação, manutenções programadas em que as
condições das superfícies metálicas dos mercados sejam avaliadas a fim de que possa ser
verificada a necessidade – ou não – de repintura. No caso em que a mesma se fizer
necessária, deve ser feita seguindo os princípios teóricos 197 e práticos 198 para sua
execução, baseados em estudos e discussões necessárias e devidamente aprofundados do
problema.
197
É de grande importância que a questão da renovação da pintura seja tratada com extremo cuidado do
ponto de vista teórico, a fim de que sejam evitados problemas como a já citada “sensação de novo”. Um dos
problemas a ser enfrentado dentro dos princípios teóricos que irão reger as discussões acerca da repintura é a
questão da cor. Sobre esta discussão, conforme já foi mencionado, v. CARBONARA, Giovanni, op. cit., pp.
511-519.
198
Acerca das questões práticas referentes à pintura e ao tratamento das superfícies metálicas, é importante
citar, novamente, que os estudos feitos por John & Nicola Ashurst, Practical Building Conservation, 5 vols.,
Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair
of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991.
Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building,
Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148, são de grande importância na
determinação dos métodos a serem utilizados para tal.
145
199
É muito comum o emprego de materiais e técnicas incompatíveis na execução destes reparos e pequenas
intervenções, tais como tintas incompatíveis, argamassas mal executadas, etc.
200
De igual modo, os reparos e pequenas intervenções são realizados sem a observância dos princípios
fundamentais da reversibilidade, distinguibilidade e mínima intervenção.
201
Para maiores informações acerca das questões de ordem técnica no que se refere ao tratamento das
superfícies de alvenaria, v. Mário Mendonça de Oliveira, Tecnologia da Conservação e da Restauração,
Materiais e Estruturas, Salvador, EDUFBA: ABRACOR, 2002, pp.29-35. Márcia Braga (Org.), Conservação
e restauro: arquitetura, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 2003, pp. 115-117.
202
Em língua portuguesa, são bastante abrangentes e relevantes os estudos feitos por Beatriz Mugayar Kühl,
O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração, in: Anais do Museu
Paulista. São Paulo. N. Ser. V. 12, jan./dez. 2004, pp. 309-330. E também, da mesma autora, Preservação da
Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, Relatório Científico, pp. 207-225.
146
203
É provável que, no decorrer do tempo, sejam necessários alguns reparos nos revestimentos de piso dos
edifícios em estudo. Estes reparos – ocasionados em função de um eventual descolamento de peça ou por
partes faltantes causadas por impactos fortes – devem ser encarados como processos de manutenção. Neste
caso, as substituições, quando necessárias, poderão seguir materiais, cores e padrões semelhantes aos
encontrados na superfície avariada.
204
Como ocorreu na intervenção de 1985 no Mercado de Peixe, onde houve uma substituição maciça do
revestimento de piso da área central do edifício.
205
Verificou-se, durante a realização da pesquisa, que a quase ausência de uma fiscalização mais incisiva em
relação às pequenas intervenções realizadas progressivamente nos mercados contribui – em muito – para a
descaracterização dos mesmos.
206
Grande parte das intervenções descaracterizantes e sem critério feitas pelos comerciantes dos mercados
ocorre em função da falta de conscientização daqueles em relação à importância da preservação dos
mercados e da observação à legislações de tombamento dos mesmos. Logo, é de grande importância o
estabelecimento de uma programa de conscientização, baseado na educação patrimonial, a fim de que seja
assegurada a preservação, da melhor forma possível, dos edifícios em estudo.
207
As considerações tecidas por Beatriz Mugayar Kühl, Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em
São Paulo: reflexões sobre a sua preservação, op. cit., pp. 322-335, em especial a p. 327, onde são feitas as
147
formais, o conteúdo técnico destas edificações deve ser considerado, uma vez que estes
edifícios apresentam importantes contribuições para a história da técnica, dos métodos
construtivos e da estática, e – por isso mesmo – suas inovações formais, espaciais e
tecnológicas devem ser preservadas. No caso dos mercados de Belém, a integração entre
estruturas metálicas e alvenarias, as particularidades do sistema construtivo, as propostas
que evidenciam adaptações voltadas para a realidade local, a excentricidade de
determinadas formas – como é o caso das torres do Mercado de Peixe – e a riqueza plástica
de outras – como nos grandes pavilhões do pátio central do Mercado de Peixe – fazem
destes edifícios exemplares importantes e singulares dentro da produção arquitetônica em
ferro no país, exigindo das ações para a sua preservação uma postura que tenha em mente
essas características peculiares aos mesmos.
As intervenções sobre a estrutura destes edifícios devem levar em consideração o
fato de que este tipo de construção apresenta a concepção estrutural ligada de modo
indissolúvel à sua forma arquitetônica, configurando-se como elemento de fundamental
importância e que deve ser preservado. Note- se que a concepção estrutural deve ser
mantida desde que seja verificada sua fiabilidade e que os eventuais problemas que
surgirem tenham causas acidentais. Portanto, nos casos em que a concepção estrutural se
mostrar inadequada e que sejam de fato necessárias alterações, é importante que as
intervenções sejam feitas – sempre que possível – de modo a complementar a estrutura
primitiva, mediante o emprego de reforços que a tornem conveniente, sem contudo
descaracterizá-la. É primordial também – sempre que isto for possível – salvar a própria
matéria original, através da recuperação de sua capacidade de resistência.
É preciso ressaltar ainda que – como visto – estas edificações apresentam
superfícies bastante vulneráveis em função do problema da oxidação. Desta forma, deve-se
procurar preservar as camadas de pintura original existentes – desde que estas esteja em
boas condições – ou pelo menos as camadas de proteção. E quando for preciso que seja
feita uma limpeza até a superfície do metal, é importante que sejam escolhidos métodos 208
adequados às necessidades específicas daquela superfície, procurando guardar as marcas
de seu processo de fabricação. De igual modo, sempre que se fizerem necessários
considerações no que tange ao aspecto técnico dessas edificações, são de grande importância no que se refere
à preservação dos exemplares resultantes da produção arquitetônica em ferro.
208
Sobre os métodos de preparação das superfícies metálicas, v. John & Nicola Ashurst, Practical Building
Conservation, 5 vols., Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The
Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US
Government Printing Office, 1991. Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In:
America’s Historic Building, Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
148
209
Sobre os métodos utilizados para recomposições e pequenas substituições em peças metálicas, v. Para
maiores informações acerca de substituições, v. John G. Waite, The Maintenance and Rapair of Architectural
Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e Beatriz Mugayar Kühl, op. cit., p. 261.
210
Eventualmente o emprego de materiais incompatíveis pode levar à corrosão. Para maiores informações a
este respeito, v. John G. Waite, The Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e
Beatriz Mugayar Kühl, op. cit., p. 261.
211
Conforme expresso na Carta de Veneza (§ 4), que diz que a “(...) conservação de monumentos exige, em
primeiro lugar, sua permanente manutenção”, e também por BRANDI, Cesare, op. cit., p.102, que diz que
“(...) a restauração preventiva é também mais imperativa, se não mais necessária, do que aquela de extrema
urgência, porque é voltada, de fato, a impedir esta última que dificilmente poderá ser realizada com uma
salvaguarda completa da obra de arte”.
149
212
No que diz respeito às questões referentes à relação entre o antigo e o novo na intervenção, ligadas a
questão do uso e das necessidades dele decorrentes, são bastante amplos e elucidativos os estudos feitos por
Beatriz Mugayar Kühl, Preservação da Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, op. cit., pp.
184-191.
213
A esse respeito, são muito relevantes as colocações de Brandi sobre a manutenção, que ele chama de
restauração preventiva. Para maiores informações e referências bibliográficas, v. BRANDI, Cesare, op. cit.,
pp. 97-109.
150
restauração que possam vir a ser feitos. No entanto, esses processos devem ser conduzidos
de forma criteriosa e nunca conduzidos de modo unicamente empírico, nem mesmo nos
casos de manutenções ordinárias. Como foi visto, nos mercados essas manutenções
ordinárias foram feitas de forma completamente aleatória, guiadas por um empirismo
desinformado, o que resultou, com o passar dos anos, em progressivos processos de
descaracterização em ambos os mercados. Além disso, a ausência de um programa de
manutenções periódicas tem contribuído para o desenvolvimento de patologias – sobretudo
no caso das estruturas e superfícies metálicas – que, por vezes, têm conduzido a um
processo cada vez mais intenso de degradação destes edifícios. Logo, assegurar a
implementação – por parte dos órgãos responsáveis pela administração e preservação dos
mercados – de mecanismos de proteção ligados a processos de manutenção programada
representa hoje para os mercados uma forma eficiente e fundamental de evitar intervenções
mais dramáticas no futuro – como as intervenções restaurativas pelas quais estes edifícios
passaram em função do total abandono ao qual foram legados pelas entidades por eles
responsáveis – e assegurar de forma efetiva e prolongada a sua preservação.
No entanto, todas estas orientações deixarão, em grande parte, de serem garantias
de preservação se não for feito, paralelamente a todos elas, um amplo e fundamental
programa de educação patrimonial em relação aos mercados e a preservação dos mesmos.
Para bem se preservar, é preciso conhecer o bem a ser preservado, entender a sua
importância e as implicações constantes de sua preservação214 . Neste sentido, seria
extremamente salutar que as entidades responsáveis pela preservação dos mercados – num
trabalho conjunto com a própria Prefeitura – promovessem um programa de educação
patrimonial para que não só os comerciantes 215 de ambos os mercados e da área do Ver-o-
Peso, como também o restante da população, entendessem o valor destas edificações e a
importância de sua preservação para a história da cidade. Porque é através de uma ação
conjunta, tanto das entidades responsáveis pela preservação destes monumentos quanto da
população que o processo constante de preservação destes edifícios pode ser assegurado.
214
Como afirma BRANDI, Cesare, op. cit., p. 31:
“Na verdade, apesar de o reconhecimento dar-se sempre na consciência singular, naquele mesmo momento
pertence à consciência universal, e o indivíduo que frui daquela revelação imediata, impõe a si próprio o
imperativo categórico como o imperativo moral, da conservação”.
215
Durante a pesquisa, notou-se que tem crescido o interesse por parte dos comerciantes dos mercados na
preservação dos mesmos. No entanto, faltam a estes as noções de como preservar e quais as ações que devem
ser tomadas para que seja garantida essa preservação. É justamente aqui que entra o papel da educação
patrimonial, conscientizando e esclarecendo, a fim de que todos aqueles que estabelecem algum tipo de
relação com o patrimônio a ser preservado possam de fato participar do processo de preservação dos
mesmos.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
manutenções. O mesmo ocorre com diversos outros monumentos espalhados pelo país, que
– depois de restaurados e passada a comoção em torno da restauração – voltam a ser
esquecidos. A preservação é um processo contínuo, e não uma ação pontual. Justamente
por isso, deve-se ter em mente a extrema importância das manutenções, que precisam,
obrigatoriamente, ser previstas no próprio projeto de restauração, que irá orientar as
posturas e ações a serem tomadas nestas manutenções e a freqüência das mesmas. Este é
um passo de grande importância rumo a uma preservação efetiva dos edifícios históricos.
Nota-se também que nas edificações em estudo, a ausência de manutenções e o
abandono contribuíram para que determinados problemas que – mesmo tendo sido
enfrentados nas intervenções – tornassem a ocorrer, como é o caso da oxidação e da
conseqüente corrosão das superfícies metálicas. Como foi visto no trabalho, as constantes
cheias às quais a área em que os mercados estão localizados está submetida – sobretudo o
Mercado de Peixe – produz um ambiente extremamente propício para a oxidação que –
quando não tratada – leva à corrosão e à degradação dos edifícios. Os processos de
oxidação e corrosão são problemas muito graves – e comuns – no exemplares da
arquitetura do ferro, sobretudo porque levam a uma gradativa perda de matéria – causada
pela corrosão – e que podem causar danos profundos a estes monumentos. Cada edifício
tem suas especificidades que devem ser reconhecidas e levadas em consideração dentro do
conjunto de medidas que procurará garantir sua preservação. No caso das superfícies
metálicas, a ausência de manutenções não possibilita um tratamento antecipado das
patologias e outros problemas eventuais que possam vir a atacar esses edifícios. Neste
sentido, as manutenções funcionam como tratamento profilático dentro das medidas de
conservação e preservação, não apenas dos exemplares da arquitetura do ferro, mas dos
monumentos históricos em geral, cada um com sua especificidade.
Como foi visto, além do abandono, os mercados sofreram com intervenções que
foram equivocadas em certos aspectos. Este é outro problema enfrentado dentro do
processo de preservação dos monumentos históricos, e são vários – como visto – os
equívocos, conceituais, metodológicos e operacionais, ocorrentes nas intervenções. Por
vezes os edifícios não são encarados como documentos históricos e formais relevantes por
parte daqueles que atuam nessas intervenções, sobretudo com os exemplares da arquitetura
industrial, que ainda passam por um processo de reconhecimento no que se refere ao seu
valor histórico. Ora, a falta de um reconhecimento do valor histórico e documental destes
monumentos conduz a uma série de posturas equivocadas que são, por vezes,
extremamente prejudiciais, causando danos graves que acabam descaracterizando aquilo
153
que deveria ser preservado. Desta forma, é fundamental que estes valores sejam
reconhecidos e levados em consideração durante as análises que resultarão nas propostas
de intervenção.
De igual modo, observou-se que muitos dos equívocos que ocorreram nas
intervenções realizadas nos mercados são decorrentes da ausência de um conhecimento
aprofundado e de uma fundamentação teórica que possibilitasse guiar as ações e posturas
tomadas nas intervenções. Os debates sobre a preservação dos monumentos históricos vêm
sendo feitos há séculos e nas últimas décadas apresentam contribuições que são
verdadeiras ferramentas, hoje, para ações de conservação e restauro dos edifícios. No
entanto, o que se tem notado é que a grande maioria dos profissionais que atuam nessas
intervenções desconhece ou ignora esses debates e as formulações que são a base dos
princípios de preservação. Neste sentido, é fundamental que as intervenções sejam feitas
por profissionais qualificados, com conhecimentos aprofundados dos aspectos teóricos e
técnicos da restauração.
Da mesma forma, é extremamente relevante uma participação mais incisiva das
entidades de preservação dentro deste processo. O que se tem visto, por vezes, é que o
papel dessas entidades fica restrito, na maioria dos casos, a uma ação muito mais
burocrática – no sentido da apresentação de documentos ou na emissão de pareceres,
muitas vezes ignorados por aqueles que atuam diretamente nas obras – do que de fato
participativa no processo de intervenção. É fundamental que a intervenção envolva não só
os órgãos responsáveis pela gestão dos monumentos, mas também as entidades de
preservação, que têm condições de auxiliar na orientação e tomada de decisões. Logo, é
preciso que estas entidades ganhem força e sejam mais atuantes, e não apenas meras
espectadoras dentro deste processo.
Durante a pesquisa notou-se ainda, que algumas das intervenções realizadas nos
mercados eram revestidas de uma conotação muito mais política do que de fato cultural, o
que vem ocorrendo com freqüência nas intervenções realizadas atualmente. Neste sentido,
as posturas tomadas em relação ao monumento visam mais tornar o edifício “novo” ou
“adequado” a um determinado uso do que de fato preservá-lo. Muitas vezes, também, as
intervenções vêm revestidas de conotações econômicas, em que a questão das relações
entre a preservação e o turismo repercute de modo negativo, uma vez que as questões
estéticas e históricas – devem nortear as decisões a serem tomadas – deixam de prevalecer,
em função de questões de caráter prático e econômico, permutando-se a finalidade da ação
– que é preservar como ato de cultura – pelos meios necessários para atingi-la. Há de se
154
216
KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação da Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas. op.
cit., p. 228.
155
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