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Débora de Fátima Lima Veiga

Os Mercados de Belém:
Um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura do Ferro

São Paulo
2007
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Débora de Fátima Lima Veiga

Os Mercados de Belém:
Um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura do Ferro

Dissertação apresentada à
Comissão de Pós-Graduação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
para a obtenção do título de Mestre em
História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo
sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Mugayar Kühl

São Paulo
2007
Autorizo reprodução total ou parcial deste trabalho
por meio convencional ou eletrônico
para fins de estudo ou pesquisa, desde que citada a fonte.

Veiga, Débora de Fátima Lima.


Os Mercados de Belém: um Estudo sobre a Preservação da Arquitetura do
Ferro / Débora de Fátima Lima Veiga. – São Paulo, 2007.
160p.: il.

Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: História e Fundamentos


da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP.
Orientadora: Beatriz Mugayar Kühl.

1. Arquitetura 2. História 3. Patrimônio Histórico


I. Título
Para as três pessoas que eu mais amo:
meu marido
Gilberto
e meus pais
Fátima e José.
Agradecimentos

Esta dissertação não seria possível sem a confiança de Beatriz Mugayar Kühl,
com sua enorme disposição em acompanhar o todo o processo desde o processo de seleção
para o ingresso no curso de Pós-Graduação até a conclusão do presente trabalho. Sua
atenção, paciência e constante estímulo foram fundamentais para o desenvolvimento dos
trabalhos de pesquisa. Contar com seu acompanhamento foi um privilégio único que
ultrapassa as dimensões desse trabalho.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela concessão da
bolsa que possibilitou o desenvolvimento da pesquisa.
Aos membros da banca do Exame de Qualificação, Mônica Junqueira e Paulo
César Marins, pelas observações e sugestões pertinentes para a continuidade do trabalho.
À Secretaria da Comissão de Pós-graduação, pela generosidade em aceitar o
adiamento da entrega do Memorial de Qualificação quando sofri o acidente e precisei ser
operada em 2006, às vésperas da entrega do material.
Aos professores Maria Lúcia Bressan Pinheiro, Fernanda Fernandes, Agnaldo
Farias, Paulo Bruna, Mário Henrique D’Agostino, Luiz Munari e Ricardo Marques de
Azevedo, que foram importantes interlocutores através das disciplinas realizadas.
Aos professores Fernanda Fernandes, Beatriz Kühl e José Pedro de Oliveira, que
muito contribuíram com suas colocações acerca do tema da preservação, durante a
realização do estágio de docência do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino na
disciplina Técnicas Retrospectivas do curso de graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Às equipes das bibliotecas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAUUSP
– e da Pós-graduação, que dispensaram a atenção qualificada que permitiu a consulta
necessária à bibliografia.
Ao meu amado esposo Gilberto, que nunca me deixou desanimar, e que foi
companheiro constante nessa jornada, apoiando e estimulando a prosseguir a despeito das
muitas dificuldades enfrentadas no decorrer do curso, além de ajudar nos levantamentos,
nas revisões e na preparação do material. Palavras não podem expressar o que sinto por
tudo isso.
Aos meus queridos pais, Fátima e José, que, estando longe ou perto, e até mesmo
enfrentando problemas sérios de saúde, sempre me apoiaram e estimularam não apenas
durante o curso de mestrado, mas também em todos os momentos da minha vida, para que
eu chegasse até aqui.
Aos meus irmãos tão queridos Fádia, Fábio e Sérgio, que não só me apoiaram,
como também foram minhas pernas e meus olhos quando eu não pude ir à Belém, e que
ajudaram nos levantamentos fotográficos e na obtenção de alguns exemplares da
bibliografia.
À amiga Inês Torres, pela ajuda e pelo apoio constante nos momentos difíceis, e
pela contribuição nas revisões finais.
Às amigas do curso de Pós-graduação Vera Wilheim, Licia Oliveira, Priscila
Henning e Denise Puertas, que com as discussões para o desenvolvimento dos trabalhos
das disciplinas cursadas e em nossas reuniões muito contribuíram para o amadurecimento
das idéias, além do apoio constante.
À Superintendência Regional em Belém do Instituto de Patrimônio Historio e
Artístico Nacional, em especial a superintendente arq. Maria Dorotéia de Lima, como
também Lúcia e João Veloso, pelos esclarecimentos e por possibilitarem o acesso ao
material referente aos mercados estudados.
Ao Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural do Município de
Belém, em especial a arq. Filomena Mata Longo, pelos esclarecimentos e por
possibilitarem o acesso ao material referente aos mercados estudados.
À unidade executora do Programa Monumenta em Belém, em especial a
coordenadora Maria Eugênia Coimbra, por fornecer levantamento arquitetônico atualizado,
e ampla documentação referente à restauração que está sendo realizada no Mercado de
Carne.
À Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura de Belém, por fornecer as
plantas e outros documentos acerca da intervenção realizada no Mercado de Peixe em
2001.
À Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém, em especial ao arq.
José Akel Fares Filho, pelo acesso ao material referente aos mercados estudados.
À Secretaria Municipal de Economia da Prefeitura de Belém, sobretudo a
Administração dos mercados, pelos importantes esclarecimentos prestados.
À equipe da Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural do Pará Tancredo
Neves, pela atenção qualificada que tornou possível o acesso aos Relatórios da Intendência
Municipal e demais obras raras da bibliografia.
À equipe da Biblioteca Central da Universidade Federal do Pará, pelo pronto
atendimento que possibilitou o acesso à parte da bibliografia utilizada na pesquisa.
Resumo

A pesquisa trata da preservação da arquitetura do ferro através do estudo de dois mercados


de Belém (Pará) extremamente representativos: o Mercado de Peixe (também conhecido
como Mercado de Ferro) e o Mercado de Carne (também chamado de Mercado
Municipal), edificações construídas entre final do século XIX e início do século XX. Para
evidenciar a relevância desses objetos de estudo, foram estudadas as manifestações da
arquitetura do ferro, desde fins do século XVIII até o início do século XX – examinando
tanto as construções em ferro propriamente dito quanto as que contam com elementos
metálicos cuja presença repercute de maneira relevante nas conformações de seus
exemplares – com o intuito de mostrar o interesse e a importância desse tipo de construção
em Belém e a significância, no contexto de grandes transformações por que passou a
cidade no chamado "ciclo da borracha", dos objetos de estudo. Os mercados foram então
analisados em suas características arquitetônicas, tipológicas e técnico-construtivas,
examinando também as transformações e intervenções pelas quais passaram ao longo do
tempo. Especial interesse foi dado ao estudo de seu atual estado de conservação e da
relação entre edifícios e o ambiente no qual estão inseridos. O intuito foi de, através desses
estudos, analisar os aspectos materiais e técnico-construtivos, contemporizando-os com os
aspectos estéticos, históricos e simbólicos das edificações, circunscrevendo a discussão
com auxílio das contribuições conceituais oferecidas pelas atuais vertentes teóricas da
restauração, para estabelecer algumas orientações a serem observados no que tange à sua
preservação.
Abstract

The research deals with the preservation of the iron architecture through the study of two
markets of Belém (Pará) extremely representative: the Market of Fish (also known as
Market of Iron) and the Market of Meat (also called Municipal Market), buildings
constructed between the end of the Nineteenth Century and beginning of Twentieth
Century. To evidence the relevance of these objects of study, the manifestations of the iron
architecture had been studied, since ends of the Eighteenth Century until the beginning of
the Twentieth Century - examining both the constructions in iron properly said and the
ones that count on metallic elements whose presence rees-echo in excellent way in the
conformations of its units - with intention to show the interest and the importance of this
type of construction in Belém and the significance, in the context of great transformations
that happened in the city in the “rubber cycle”, of study objects. The markets then had been
analyzed in its characteristic architectural, technician-constructive typologicals and, also
examining the transformations and interventions for which they had passed throughout the
time. Special interest was given to the study of its current state of conservation and the
relation between buildings and the environment in which they are inserted. The intention
was of, through these studies, analyzing the material and technician-constructive aspects,
together with the aesthetic, historical and symbolic aspects of the constructions,
circumscribing the quarrel with aid of the conceptual contributions offered by the current
theoretical sources of the restoration, to establish some orientations to be observed in what
it refers to its preservation.
Lista de figuras

FIGURA 1 – PLANTA DA CIDADE DE BELÉM.............................................................. 30


FIGURA 2 – AVENIDA 16 DE NOVEMBRO .................................................................... 34
FIGURA 3 – AVENIDA TITO FRANCO ............................................................................ 34
FIGURA 4 – AVENIDA DE NAZARETH........................................................................... 34
FIGURA 5 – RUA JOÃO ALFREDO .................................................................................. 34
FIGURA 6 – AVENIDA DA INDEPENDÊNCIA ............................................................... 34
FIGURA 7 – PRAÇA DA REPÚBLICA .............................................................................. 34
FIGURA 8 – INSTITUTO LAURO SOFRÉ........................................................................ 36
FIGURA 9 – SUCURSAL DO CORPO DE BOMBEIROS ............................................... 36
FIGURA 10 – RUA DR. MALCHER ................................................................................... 36
FIGURA 11 – CAFÉ DA PAZ ............................................................................................... 36
FIGURA 12 – PALÁCIO DO GOVERNO........................................................................... 36
FIGURA 13 – PALÁCIO DO GOVERNO........................................................................... 36
FIGURA 14 – GRANDE HOTEL ......................................................................................... 37
FIGURA 15 – TEATRO-BAR PARAENSE ........................................................................ 37
FIGURA 16 – LIVRARIA UNIVERSAL............................................................................. 37
FIGURA 17- LOJA PARIS N’AMÉRICA........................................................................... 37
FIGURA 18 – INTERIOR DA LIVRARIA UNIVERSAL................................................. 37
FIGURA 19 – INSTITUTO GENTIL BITTENCOURT .................................................... 37
FIGURA 20 – PALACETE AUGUSTO MONTENEGRO ................................................ 38
FIGURA 21 – PALACETE CARLOS BRÍCIO DA COSTA ............................................. 38
FIGURA 22 – TEATRO DA PAZ ......................................................................................... 38
FIGURA 23 – TEATRO DA PAZ ......................................................................................... 38
FIGURA 24 – INTERIOR DOTEATRO DA PAZ.............................................................. 38
FIGURA 25 – PALACETE MUNICIPAL ........................................................................... 38
FIGURA 26 – INSTITUTO LAURO SODRÉ ..................................................................... 47
FIGURA 27 – PAVILHÃO DE MÚSICA SANTA HELENA MAGNO ........................... 47
FIGURA 28 – PAVILHÃO EUTERPE ................................................................................ 47
FIGURA 29 – PAVILHÃO 1° DE DEZEMBRO................................................................. 47
FIGURA 30 – RESERVATÓRIO PAES DE CARVALHO ............................................... 47
FIGURA 31 – RESERVATÓRIO DE SÃO BRAZ ............................................................. 47
FIGURA 32 – ASILO DA MENDICIDADE........................................................................ 48
FIGURA 33 – ASILO DA MENDICIDADE........................................................................ 48
FIGURA 34 – RESIDÊNCIA DO INTENDENTE ANTÔNIO LEMOS........................... 48
FIGURA 35 – MERCADO DE FERRO ............................................................................... 48
FIGURA 36 – ARMAZÉNS DO PORTO............................................................................. 48
FIGURA 37 – DOCA DO VER-O-PESO ............................................................................. 55
FIGURA 38 – BOULEVARD DA REPÚBLICA................................................................. 55
FIGURA 39 – MERCADO DE FERRO ............................................................................... 55
FIGURA 40 – DOCA DO VER-O-PESO ............................................................................. 55
FIGURA 41 – MERCADO MUNICIPAL ............................................................................ 55
FIGURA 42 – MERCADO MUNICIPAL ............................................................................ 55
FIGURA 43 – MERCADO DE CARNE............................................................................... 69
FIGURA 44 – MERCADO DE CARNE............................................................................... 69
FIGURA 45 – INTERIOR DO MERCADO DE CARNE................................................... 69
FIGURA 46 – INTERIOR DO MERCADO DE CARNE................................................... 69
FIGURA 47 – MERCADO MUNICIPAL ............................................................................ 69
FIGURA 48 – MERCADO MUNICIPAL ............................................................................ 69
FIGURA 48 – MERCADO DE CARNE: PLANTA DO PAVIMENTO TÉRREO ......... 70
FIGURA 49 – MERCADO DE CARNE: PLANTA DO PAVIMENTO
INTERMEDIÁRIO ................................................................................................................ 70
FIGURA 50 – MERCADO DE CARNE: PLANTA DO PAVIMENTO SUPERIOR ..... 71
FIGURA 51 – MERCADO DE CARNE: PLANTA DO PAVIMENTO TÉRREO ......... 73
FIGURA 52 – MERCADO DE CARNE: PLANTA DO PAVIMENTO SUPERIOR ..... 73
FIGURA 53 – FACHADA DO MERCADO DE CARNE................................................... 78
FIGURA 54 – FACHADA DO MERCADO DE CARNE................................................... 78
FIGURA 55 – INTERIOR DO MERCADO DE CARNE................................................... 78
FIGURA 56 – INTERIOR DO MERCADO DE CARNE................................................... 78
FIGURA 57 – FACHADA DO MERCADO MUNICIPAL ................................................ 78
FIGURA 58 – GALERIAS DO MERCADO........................................................................ 78
FIGURA 59 – GALERIAS DO MERCADO........................................................................ 79
FIGURA 60 – MARQUISE.................................................................................................... 79
FIGURA 61 – CIRCULAÇÃO .............................................................................................. 79
FIGURA 62 – CIRCULAÇÃO .............................................................................................. 79
FIGURA 63 – GALERIAS..................................................................................................... 79
FIGURA 64 – GALERIAS..................................................................................................... 79
FIGURA 65 – PAVILHÕES METÁLICOS......................................................................... 80
FIGURA 66 – CIRCULAÇÃO .............................................................................................. 80
FIGURA 67 – CIRCULAÇÃO .............................................................................................. 80
FIGURA 68 – PAVILHÕES METÁLICOS......................................................................... 80
FIGURA 69 – INTERIOR DOS PAVILHÕES METÁLICOS .......................................... 80
FIGURA 70 – INTERIOR DOS PAVILHÕES METÁLICOS .......................................... 80
FIGURA 71 – TALHOS ......................................................................................................... 81
FIGURA 72 – TALHOS ......................................................................................................... 81
FIGURA 73 – TALHOS ......................................................................................................... 81
FIGURA 74 – TALHOS ......................................................................................................... 81
FIGURA 75 – ADMINISTRAÇÃO....................................................................................... 81
FIGURA 76 – PAVILÕES METÁLICOS............................................................................ 81
FIGURA 77 – PÁTIO INTERNO ......................................................................................... 84
FIGURA 78 – MIRANTE ...................................................................................................... 84
FIGURA 79 – MIRANTE ...................................................................................................... 84
FIGURA 80 – MIRANTE ...................................................................................................... 84
FIGURA 81 – TALHOS ......................................................................................................... 84
FIGURA 82 – ADMINISTRAÇÃO....................................................................................... 84
FIGURA 83 – TALHOS ......................................................................................................... 85
FIGURA 84 – TALHOS ......................................................................................................... 85
FIGURA 85 – CIRCULAÇÃO .............................................................................................. 85
FIGURA 86 – PÁTIO INTERNO ......................................................................................... 85
FIGURA 87 – PORTÕES DE ACESSO ............................................................................... 85
FIGURA 88 – FACHADA DO MERCADO DE CARNE................................................... 85
FIGURA 89 – LOJAS EXTERNAS ...................................................................................... 86
FIGURA 90 – ADMINISTRAÇÃO....................................................................................... 86
FIGURA 91 – LOJAS EXTERNAS ...................................................................................... 86
FIGURA 92 – LOJAS EXTERNAS ...................................................................................... 86
FIGURA 93 – FACHADA DO MERCADO DE CARNE................................................... 86
FIGURA 94 – PÁTIO INTERNO ......................................................................................... 86
FIGURA 95 – GALERIAS..................................................................................................... 87
FIGURA 96 – GALERIAS..................................................................................................... 87
FIGURA 97 – PORTÕES DE ACESSO ............................................................................... 87
FIGURA 98 – ADMINISTRAÇÃO....................................................................................... 87
FIGURA 99 – COBERTURA DOS PAVILHÕES .............................................................. 87
FIGURA 100 – COBERTURA DOS PAVULHÕES ........................................................... 87
FIGURA 101 – MERCADO DE PEIXA............................................................................... 92
FIGURA 102 –MERCADO DE PEIXE................................................................................ 92
FIGURA 103 – MERCADO DE PEIXE............................................................................... 92
FIGURA 104 – MERCADO DE PEIXE............................................................................... 92
FIGURA 105 – MERCADO DE PEIXE............................................................................... 92
FIGURA 106 – MERCADO DE PEIXE............................................................................... 92
FIGURA 107 – PLANTA BAIXA DO MERCADO DE PEIXE (PAVIMENTO
TÉRREO) .............................................................................................................................. 102
FIGURA 107 – PLANTA BAIXA DO MERCADO DE PEIXE (PAVIMENTO
TÉRREO E MEZANINO DO PAVILHÃO OCTOGONAL) .......................................... 102
FIGURA 109 – PLANTA DO MERCADO DE PEIXE (PAVIMENTO TÉRREO)...... 107
FIGURA 110 – TALHOS ..................................................................................................... 112
FIGURA 111 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 112
FIGURA 112 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 112
FIGURA 113 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 112
FIGURA 114 – TALHOS ..................................................................................................... 112
FIGURA 115 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 112
FIGURA 116 – ÁREA CENTRAL DO MERCADO......................................................... 113
FIGURA 117 – TALHOS ..................................................................................................... 113
FIGURA 118 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 113
FIGURA 119 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 113
FIGURA 120 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 113
FIGURA 121 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 113
FIGURA 122 – INTERIOR DO MERCADO .................................................................... 114
FIGURA 123 – TALHOS ..................................................................................................... 114
FIGURA 124 – TALHOS ..................................................................................................... 114
FIGURA 125 – TALHOS ..................................................................................................... 114
FIGURA 126 – TALHOS ..................................................................................................... 114
FIGURA 127 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 114
FIGURA 128 – PAVILHÃO OCTOGONAL..................................................................... 115
FIGURA 129 – MEZANINO ............................................................................................... 115
FIGURA 130 – MEZANINO ............................................................................................... 115
FIGURA 131 – ESTRUTURA DA COBERTURA............................................................ 115
FIGURA 132 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 115
FIGURA 133 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 115
FIGURA 134 – INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE................................................. 118
FIGURA 135 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 118
FIGURA 136 – ÁREA CENTRAL...................................................................................... 118
FIGURA 137 – PAVILHÃO OCTOGONAL..................................................................... 118
FIGURA 138 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 118
FIGURA 139 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 118
FIGURA 140 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 119
FIGURA 141 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 119
FIGURA 142 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 119
FIGURA 143 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 119
FIGURA 144 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 119
FIGURA 145 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 119
FIGURA 146 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 120
FIGURA 147 – TORRES ..................................................................................................... 120
FIGURA 148 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 120
FIGURA 149 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 120
FIGURA 150 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 120
FIGURA 151 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 120
FIGURA 152 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 121
FIGURA 153 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 121
FIGURA 154 – LOJAS EXTERNAS .................................................................................. 121
FIGURA 155 – FACHADA DO MERCADO DE PEIXE................................................. 121
FIGURA 156– INTERIOR DO MERCADO DE PEIXE.................................................. 121
FIGURA 157 – TORRES ..................................................................................................... 121
FIGURA 158 – COMPLEXO DO VER-O-PESO ............................................................. 142
FIGURA 159 – COMPLEXO DO VER-O-PESO ............................................................. 142
FIGURA 160 – COMPLEXO DO VER-O-PESO ............................................................. 142
FIGURA 161 – COMPLEXO DO VER-O-PESO ............................................................. 142
FIGURA 162 – COMPLEXO DO VER-O-PESO ............................................................. 142
Sumário

INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
1. OS MERCADOS DE BELÉM, A ARQUITETURA DO FERRO E A BELLE
ÉPOQUE.............................................................................................................................21
1. 1 - O CICLO DA BORRACHA E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS DA BELLE ÉPOQUE EM
BELÉM ..............................................................................................................................21
1. 2 - A ARQUITETURA DO FERRO EM BELÉM NO CONTEXTO NACIONAL E DA PRODUÇÃO
ARQUITETÔNICA BELEMENSE ...........................................................................................35
1. 3 - O VER-O-PESO, SEUS MERCADOS E O PROJETO DE MODERNIDADE DO INTENDENTE
ANTÔNIO LEMOS ..............................................................................................................52
2. OS MERCADOS DO VER-O-PESO EM BELÉM ....................................................61
2. 1 - O MERCADO DE CARNE: .........................................................................................61
2.1.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas: ............61
2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:....................................................................75
2.2 - O MERCADO DE PEIXE: ............................................................................................89
2.2.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas: ............89
2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:..................................................................110
3. A PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA DO FERRO: O CASO DOS
MERCADOS DE BELÉM ..............................................................................................123
3.1 – ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES: ...............................................................................123
3.1.1 – O Mercado de Carne e suas Intervenções .....................................................123
3.1.2 – O Mercado de Peixe e suas Intervenções:.....................................................127
3.2 – OS MERCADOS DE BELÉM: ORIENTAÇÕES PARA SUA PRESERVAÇÃO ....................141
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................151
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................155
15

Introdução
A preocupação com as questões referentes à preservação do patrimônio histórico
tem crescido em nosso país, evidenciando-se o papel da memória na consolidação da
identidade coletiva. Semelhantemente, o interesse pela preservação da arquitetura
relacionada ao patrimônio industrial – e entenda-se aqui como patrimônio industrial não
apenas os edifícios destinados à indústria, mas também a arquitetura pré-fabricada – tem
aumentado.
No quadro da preservação do patrimônio industrial, a preocupação com a
preservação da arquitetura do ferro no Brasil é incipiente. Possui grande importância
histórica, estando intimamente ligada a significativos períodos de transformações
econômicas, sociais e arquitetônicas em muitas cidades importantes do país, o que resultou
na instauração de debates e na produção de alguns estudos específicos sobre o tema.
Nesse sentido, os estudos realizados por Geraldo Gomes da Silva (1985) foram
inovadores e forneceram uma visão abrangente das muitas formas em que essa arquitetura
se manifestou, examinando exemplares significativos de diversas cidades do Brasil e
estabelecendo relações com a forma como a arquitetura do ferro foi praticada no país,
relacionando-a à produção em outros países.
Posteriormente, a ocorrência em 1992, na cidade de Belém do Pará, do Seminário
“Arquitetura do Ferro: Memória e Questionamento” possibilitou que o debate sobre a
importância da preservação dessa arquitetura iniciasse de forma mais efetiva tanto na
cidade quanto nacionalmente – já que contou com participantes de diversos estados e,
mesmo, de outros países – dando à Belém uma posição precursora. Desta forma, foram
instaurados debates mais amplos sobre as questões teóricas e práticas da preservação da
arquitetura do ferro, possibilitando o intercâmbio de diversas experiências nacionais e
internacionais, caso da Argentina, Colômbia e Costa Rica. Como resultado do referido
seminário, foram publicados seus anais no mesmo ano de 1992, sob a organização da
professora da Universidade federal do Pará, Jussara da Silveira Derenji, contando com a
contribuição de diversos autores que haviam apresentado trabalhos durante o referido
seminário.
Em 1994 publicaram-se estudos realizados por Cacilda Teixeira da Costa, fruto de
sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo. Estes estudos possibilitaram
uma análise da arquitetura européia de ferro do século XIX e a maneira como ela foi
empregada no Brasil, tendo como base as obras produzidas pela firma Saracen Foundry,
de Walter Macfarlane, de Gasglow, importante fornecedora de diversas peças espalhadas
16

pelo país e pelo mundo.


Finalmente, as pesquisas sobre a arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em
São Paulo feitas por Beatriz Mugayar Kühl para sua tese de doutorado, também pela
Universidade de São Paulo, e que culminaram, em 1998, com a publicação desse estudo,
não apenas ampliaram o debate sobre a importância da preservação dessa arquitetura, mas
também inovaram ao tratar de forma específica sobre as questões práticas da mesma.
Desta forma, pode-se observar que o interesse pela arquitetura do ferro e sua
preservação ainda são recentes e seus estudos incipientes, fazendo parte do alargamento
daquilo que passou a ser considerado bem cultural. Portanto, exigem uma reflexão mais
ampla e aprofundada sobre a forma de tratá-los, tendo como referência as atuais vertentes
teóricas da Restauração. No caso específico dos mercados de Belém, não há um inventário
pormenorizado das edificações em estudo, que podem ser considerados entre os bens mais
representativos do período na cidade. Além disso, observa-se que as iniciativas no sentido
de uma real política de preservação da arquitetura do ferro 1 são pontuais em Belém (à
semelhança do que acontece com as demais obras relacionadas a essa arquitetura no país),
a despeito do interesse pela sua preservação e do crescimento dos debates em torno do
tema.
Assim, pode-se observar que muito ainda se tem a estudar e debater sobre os
aspectos teóricos da preservação da produção em ferro no Brasil; a discussão dos aspectos
técnicos apenas começou. A presente dissertação pretende, pois, fornecer algumas
contribuições para o alargamento desses debates. Busca-se – através do estudo de dois
mercados de Belém que se constituem como exemplares extremamente representativos da
arquitetura do ferro na cidade e da memória local e nacional – contribuir para um maior e
necessário aprofundamento das questões teóricas e práticas relativas à preservação da
produção arquitetônica com ferro no país, incluindo-a no quadro atual de discussões sobre
preservação.
Os mercados estudados para a elaboração desta dissertação foram os mercados de
carne e de peixe, que fazem parte do chamado “Complexo do Ver-O-Peso”, tradicional
entreposto comercial da cidade, palco de importantes manifestações da tradição e do
folclore local e importante ponto de comunicação entre esta, as ilhas e algumas cidades do
estado. O complexo está intimamente ligado à imagem da cidade e à memória coletiva
paraense, sendo importante marco referencial, e considerado o cartão postal oficial da

1
Ao se falar na ausência de uma real política de preservação da arquitetura do ferro, o que se pretende dizer é
que não existe uma política de práticas de preservação e manutenção dessa arquitetura.
17

cidade. Neste contexto, os mercados surgem não só como locais de comércio, mas também
como importantes pontos de convergência dentro deste complexo, que é tombado pelo
Departamento de Patrimônio Histórico do Município de Belém e pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sendo também candidato à Patrimônio da
Humanidade pela UNESCO. O Mercado de Peixe – inicialmente conhecido como Mercado
de Ferro, mas também chamado de Mercado do Ver-o-Peso – começou a ser construído em
1899 a partir de propostas dos engenheiros Bento Miranda e Raymundo Vianna, com
estrutura de ferro, da qual nada se sabe acerca da origem. O Mercado de Carne – conhecido
inicialmente como Mercado Municipal, mas também chamado de Mercado Bolonha 2 –
construído em 1867, mas ampliado e reformado em 1908 pelo engenheiro Francisco
Bolonha, conta com uma grande caixa externa de alvenaria e pátio interno com imponente
estrutura metálica fabricada pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow. O Mercado de
Peixe passou por uma recente intervenção conduzida pela Prefeitura Municipal de Belém,
concluída em 2001, e o Mercado de Carne encontra-se entre as edificações que fazem parte
do Programa Monumenta do Ministério da Cultura do Governo Federal. Ambos os
mercados, desde sua construção, encontram-se em plena atividade e integrados à paisagem
e à memória local. São, portanto, edificações extremamente representativas não só da
expressão da arquitetura do ferro na cidade e no país, mas também de suas relações e
integração com o espaço urbano no qual estão inseridas.
O objetivo da pesquisa realizada para a elaboração da presente dissertação foi o de,
mediante o estudo dos Mercados de Belém, contribuir para as discussões da problemática
da preservação da arquitetura do ferro. O intuito foi, através dos estudos das características
arquitetônicas, tipológicas, técnico-construtivas, do exame das transformações pelas quais
passaram ao longo do tempo, incluindo-se as restaurações, e de sua configuração atual –
contemporizados com os aspectos estéticos, históricos e simbólicos destas edificações e de
sua forma de inserção na cidade – e procurando circunscrever a discussão com auxílio das
contribuições conceituais oferecidas pelas atuais vertentes teóricas da restauração,
estabelecer orientações a serem observadas no que tange à sua preservação. Desta forma,
procurou-se:
- Proceder a uma análise pormenorizada sobre os mercados de Carne e de Peixe em Belém,
buscando compreender suas características arquitetônicas, tipológicas e técnico-

2
Célebre figura na história de Belém, o engenheiro Francisco Bolonha participou de muitas obras realizadas
durante o período áureo do chamado “ciclo da borracha”, inclusive dos trabalhos de reforma e ampliação
realizados no antigo Mercado Municipal, atual Mercado de Carne.
18

construtivas, e as transformações pelas quais passaram ao longo dos anos. O intuito é


oferecer contribuições monográficas para o conhecimento dessas edificações e de sua
importância como exemplares representativos da arquitetura do ferro e da memória local e
nacional;
- Estudar a inserção desses edifícios no contexto urbano em que foram construídos e no
contexto atual, oferecendo, desse modo, contribuições para o entendimento e relevância do
papel destas edificações na cidade; e
- Contribuir para os estudos sobre a preservação da arquitetura do ferro através da análise
dos casos de estudo, sob a óptica das atuais vertentes teóricas da restauração,
estabelecendo algumas orientações para a preservação destes mercados.
No decorrer da pesquisa e em função do exame de qualificação, foi acrescentado
a estes objetivos específicos iniciais aquele de discutir, dentro das vertentes teóricas e
práticas de restauração de bens culturais, as questões referentes à unidade de método,
procurando verificar – e comprovar – sua aplicabilidade no que respeita à arquitetura do
ferro através dos casos de estudo. No entanto, em função de uma série de problemas e
dificuldades enfrentadas durante a pesquisa de campo, optou-se por retirar este objetivo
específico – que de fato não constava da proposta inicial da pesquisa, mas que foi
acrescentado posteriormente a fim de enriquecer os trabalhos de pesquisa e as
contribuições da mesma – uma vez que não seria possível, sobretudo em função do tempo
restante em conseqüência das dificuldades enfrentadas para a obtenção dos dados
necessários para contribuir os objetivos supracitados, realizar esta discussão de forma
ampla e clara.
A pesquisa foi desenvolvida através do seguinte método:
- Pesquisa bibliográfica para levantamento acerca dos temas relacionados à investigação, a
saber: os edifícios em estudo; o contexto histórico, econômico e social no qual foram
inseridos; a arquitetura então produzida na cidade, com especial destaque para a produção
arquitetônica em ferro; e, finalmente, os aspectos – teóricos e técnicos – ligados à
preservação de edificações e elementos da arquitetura do ferro, tendo como base as atuais
vertentes da restauração;
- Pesquisa documental, para fornecer subsídios tanto acerca da construção das edificações
em estudo quanto das transformações e eventuais restaurações ou intervenções pelas quais
passaram ao longo do tempo;
- Pesquisa iconográfica – baseada em fotos de época, mapas, plantas arquitetônicas,
postais, etc. – que fornecessem informações sobre os edifícios em estudo, de modo a
19

auxiliar tanto a caracterização de suas feições quando de sua construção e suas


transformações ao longo do tempo, quanto na apreensão de seu estado atual;
- Pesquisa de campo baseada em duas viagens feitas à cidade de Belém – uma em 2005 e
outra em 2006 – para a realização de levantamentos fotográficos detalhados das
edificações em estudo, visando auxiliar na compreensão de suas características e da forma
como os objetos de estudo se inserem no espaço da cidade;
- Entrevistas realizadas com os órgãos responsáveis pela administração e preservação dos
mercados, a saber: a Secretaria Municipal de Economia, SECON, (que cuida da
administração de feiras e mercados em Belém, incluindo os mercados de carne e de peixe);
o Departamento de Patrimônio Histórico, responsável pelo tombamento dos mercados na
esfera municipal; Fundação Cultural do Município de Belém, FUMBEL, entidade ligada à
Prefeitura Municipal de Belém; Superintendência Regional, em Belém, do Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, uma vez que os mercados – juntamente com
todo o Complexo do Ver-o-Peso – são tombados em âmbito federal. Foi também muito
importante a entrevista feita com a administração local do Programa Monumenta do
Ministério da Cultura do Governo Federal, que vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa
sobre o Mercado de Carne, que será restaurado dentro dos trabalhos do referido programa.
A finalidade destas entrevistas foi a de contribuir no entendimento do papel das
instituições nas edificações em estudo, a sua relação com as intervenções pelas quais as
edificações passaram, e as atuais ações relacionadas à sua preservação.
Tendo com base a síntese realizada a partir dos levantamentos anteriormente
descritos, e procurando observar os objetivos – geral e específicos – da pesquisa, a presente
dissertação estruturou-se em três capítulos.
O capítulo 1, procura retratar as circunstâncias nas quais os mercados foram
construídos, tentando traçar um quadro das transformações pelas quais a cidade de Belém
passava e a arquitetura que então se produzia na cidade, buscando relacionar de que forma
a produção arquitetônica com ferro na cidade se relacionava com todos esses
acontecimentos. Ele se encontra dividido em três partes. Na primeira parte são abordadas
as transformações ocorridas na cidade durante o “Ciclo da Borracha” e a chamada Belle
Époque na cidade de Belém, a fim de que fosse traçado um breve quadro das mudanças
econômicas, sociais e culturais pelas quais a cidade passou durante o referido período, e
que corresponde ao contexto no qual os mercados foram então inseridos. Na segunda, é
traçado um breve quadro da arquitetura do ferro em Belém, procurando relacioná-la com a
produção arquitetônica na cidade e com a arquitetura do ferro no Brasil, a fim de que se
20

possa contextualizar a construção dos mercados à produção arquitetônica na cidade. Na


terceira parte, são discutidas as circunstâncias que levaram à construção dos mercados em
estudo, através de um breve quadro sobre a evolução da área do Ver-o-Peso em Belém
num período que vai desde a sua criação até a administração do Intendente Antônio Lemos
– para que fosse entendida a relação desta com os mercados e as transformações do
período – e do projeto de modernidade proposto por Lemos para a cidade de Belém, a fim
de equipará-la às grandes capitais mundiais de então.
O capítulo 2 busca traçar um quadro das características arquitetônicas, tipológicas e
técnico-construtivas dos mercados, procurando destacar seus aspectos singulares e sua
importância, além das transformações por que passaram ao longo dos anos e da situação
atual em que se encontram. O capítulo foi dividido, assim, em duas partes. Na primeira
parte são descritas as características arquitetônicas, tipológicas e técnico-construtivas do
Mercado de Carne e as transformações por que passou ao longo dos anos, além de um
detalhado levantamento de sua situação atual, com documentação fotográfica recente e
análise da mesma. Na segunda parte, tem-se o mesmo procedimento realizado para o
Mercado de Peixe.
O capítulo 3 procura discutir a questão da preservação da arquitetura do ferro através
do caso dos mercados de Belém. É dividido em duas partes. Na primeira parte, são
abordados os aspectos teóricos e técnicos da preservação da arquitetura do ferro a partir do
que foi – e também do que, a despeito de sua importância, não foi – realizado nas
intervenções sofridas no Mercado de Peixe e no Mercado de Carne em Belém. Finalmente,
na segunda parte, são apresentadas algumas orientações para a preservação dos mercados
em estudo, tendo como base as intervenções pelas quais passaram e os problemas que
apresentam, circunscritas dentro das atuais discussões acerca da preservação de edifícios
históricos – em especial a vertente crítico-conservativa – e dos aspectos teóricos e técnicos
da preservação da arquitetura do ferro.
Com isso, espera-se que a presente dissertação atinja seus objetivos, e que possa
oferecer contribuições para um necessário e importante alargamento das discussões sobre a
preservação da arquitetura do ferro em nosso país.
21

1. OS MERCADOS DE BELÉM, A ARQUITETURA DO FERRO E A BELLE


ÉPOQUE

1. 1 - O Ciclo da Borracha e as Transformações Urbanas da Belle Époque em Belém


Os mercados de carne e de peixe foram construídos durante o auge de um período
de várias transformações econômicas, sociais, políticas e culturais na cidade de Belém e
em toda a região amazônica e que se expressou também em sua arquitetura: foi a chamada
Belle Époque vivida durante o apogeu do ciclo da borracha na Amazônia. Em função disto,
seria interessante – a fim de situar a construção dos mercados dentro deste contexto – que
fosse feita uma breve análise acerca do ciclo da borracha e das transformações urbanas
ocorridas em Belém durante sua Belle Époque.
Durante o período áureo da economia gomífera – compreendido entre 1880 e 1912
– Belém foi palco de um discurso de poder que reformulou a cidade tanto em seu plano
urbano quanto em seus mais diversos aspectos. No entanto, para compreendermos essas
transformações e o cenário econômico, social e político no qual elas se deram, é importante
traçar um breve quadro da evolução urbana da cidade.
A cidade de Belém, a despeito de sua posição estratégica de ligação entre o interior
da região amazônica e o mar, teve um crescimento 3 lento e difícil, a semelhança do que
ocorreu nos demais núcleos urbanos da região. Belém constituía-se, até o final do século
XVII, de dois núcleos separados pelo igarapé do Pirí: a Cidade e a Campina. O núcleo da
Cidade estabelecia-se junto ao Forte do Presépio, local de fundação da cidade de Belém, e
a Campina configurava-se ao redor da Rua dos Mercadores (atual rua João Alfredo).
Durante esse período, a cidade desempenhou basicamente um papel de defesa – haja vista
sua posição bastante estratégica na desembocadura do Amazonas – e de porto de
escoamento das chamadas drogas do sertão. Desta forma, a população era muito pequena e
constituía-se basicamente por funcionários da Coroa, religiosos e alguns poucos
comerciantes.
A partir do século XVIII a Coroa Portuguesa toma medidas de modo a incentivar o
desenvolvimento econômico na região – surgem as Companhias de Comércio – e o Estado
do Pará passa a se chamar Estado do Grão Pará e Maranhão, cuja capital transfere-se para

3
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca do processo de formação e crescimento do
núcleo urbano de Belém, v. CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973,
vol. 1. MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão Pará. Belém: Grafisa, 1976, vol 1.
PENTEADO, Antônio Rocha. Belém, Estudo de Geografia Urbana. Belém: Universidade Federal do Pará,
1968, vol. 1.
22

Belém. Isto acabou por induzir um crescimento da população, sobretudo com o aumento da
classe burocrática produzido em função do novo papel de capital do Estado que a cidade
então desempenhava, além da relativa intensificação das atividades comerciais. Nesse
período, a Amazônia torna-se alvo de um projeto civilizacional 4 que o Marquês de Pombal
alimentou para a região, cujo discurso abrangia a constituição de um novo espaço civil, a
construção de cidades dotadas de racionalidade urbana, a dinamização do comércio e a
exaltação monumental do Estado, visto como representação material e moral do progresso.
Os principais agentes do espaço urbano nesse período são a classe burocrática, as ordens
religiosas, os comerciantes e as camadas mais pobres da população, sendo que a fisionomia
da cidade traduzia-se a partir de suas bases econômicas, a saber: comércio, extrativismo e
agricultura de subsistência. A cidade vê seu ritmo de crescimento um pouco mais acelerado
em relação a sua fase anterior 5 : o bairro da Cidade já se apresenta totalmente expandido –
visto que se encontrava limitado entre a baía e o alagadiço do Pirí – e o bairro da Campina
expande-se, sobretudo com a construção de novas igrejas, edifícios públicos – como o
belíssimo Palácio do Governo, de autoria do arquiteto italiano Giusepi Antonio Landi – e
residências. No que se refere ao espaço urbano, o projeto civilizacional pombalino trouxe
uma maior preocupação com relação à simetria no tecido da cidade e a organização do
espaço urbano. Com os trabalhos de aterro do Pirí, o processo de expansão da cidade
começa a tomar novos rumos, visto que estes trabalhos possibilitaram a urbanização das
áreas entre os núcleos da Cidade e da Campina.
A região começa paulatinamente a integrar-se à economia de mercado internacional
através da afluência de riquezas geradas pela Companhia Geral de Comércio 6 , e Belém
passa a tomar lugar como entreposto de produtos tropicais, como a cultura de exportação
do cacau. É importante ressaltar que durante todo este período, o Pará – à semelhança de

4
Acerca do projeto civilizacional pombalino, são muito esclarecedores os comentários do Prof. Geraldo
Coelho em sua apresentação no Seminário Landi e o Século XVII na Amazônia, realizado na cidade de Belém
em novembro de 2003, sob organização da Universidade Federal do Pará, Universidade da Amazônia e
Museu Paraense Emílio Goeldi. Para maiores informações, v. COELHO, Geraldo Mártires. Linguagem e
Utopia: Figuras do Discurso Civilizacional Pombalino na Amazônia. In: Landi e o Século XVIII na Amazônia
(Anais). Disponível em:< http://www.ufpa.br/landi/anais/Linguagem%20e%20Utopia.doc> Acesso em 20 de
junho de 2004.
5
Para maiores informações e referências bibliográficas sobre o período, v. CRUZ, Ernesto. História de
Belém. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973, vol. 1. MEIRA FILHO, Augusto. Evolução Histórica de
Belém do Grão Pará. Belém: Grafisa, 1976, vol 1. PENTEADO, Antônio Rocha. Belém, Estudo de
Geografia Urbana. Belém: Universidade Federal do Pará, 1968, vol. 1.
6
A companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão foi fundada pelo Marquês de Pombal,
objetivando promover a fomentação e o reaquecimento da economia portuguesa e a integração de áreas antes
abandonadas pelo antigo Sistema Colonial ao comércio mercantilista. Para maiores informações acerca da
Companhia Geral de Comércio, v. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 12
ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1972.
23

toda a região amazônica – manteve sua produção e seu comércio ligados diretamente à
Europa, tendo pouca expressão dentro do cenário nacional. Paralelamente às atividades
extrativistas e agrícolas, desenvolvia-se também alguma manufatura artesanal, tal como a
que ocorria nos engenhos e curtumes, por exemplo. No entanto, nas primeiras décadas do
século XIX, a cidade entra num período de declínio econômico – sobretudo com a queda
do preço do cacau – e de turbulências políticas que culminariam com o movimento da
Cabanagem 7 . Desta forma, o processo de expansão da cidade permaneceu estagnado
durante anos.
Contudo, a partir da segunda metade do século XIX o Pará passou por mais um
breve período de desenvolvimento econômico em função da produção e exportação do
látex. A borracha já era conhecida pelos europeus desde o século XVIII, através de seu
diversificado emprego pela população nativa da Amazônia em utensílios de uso cotidiano,
tais como sapatos e garrafas, ou no revestimento de tecidos, tornando-se relevante por sua
qualidade de impermeabilização e por sua grande elasticidade 8 . Mas é apenas quando os
estudos sobre sua aplicação industrial são aprofundados e seu emprego é ampliado – o que
ocorreu em especial a partir da descoberta do processo de vulcanização – que a borracha
assume um papel relevante no cenário mundial.
Com o estreitamento das relações econômicas entre a Amazônia e os países
europeus, a inserção da borracha como matéria-prima para as novas indústrias colocou a
região numa posição de destaque. A borracha, por suas inúmeras aplicações, passa a ser
um material do progresso, extremamente representativo dos avanços tecnológicos de
então, colocando a Amazônia como participante ativa do desenvolvimento da ciência e das
importantes inovações da vida moderna. A ampliação das aplicações da borracha e o
conseqüente aumento da demanda pelo produto propiciou um grande progresso material
para as elites amazônicas, que
detinham o monopólio da produção do látex, o que se repercutiu de forma marcante em
todos os aspectos das sociedades da região.

7
Para outras informações e bibliografia complementar acerca do movimento da Cabanagem no Pará, v.
CHIAVENATO, José Júlio. Cabanagem: o povo no poder. São Paulo: Editora brasiliense, 1984. DI PAOLO,
Pasquale. Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. Belém: Editora Cejup, 1990. SALLES, Vicente. O
Memorial da Cabanagem: Esboço do pensamento político-revolucionário do Grão-Pará. Belém: Cejup,
1992. SANTOS, Sandra Costa dos. Cabanagem. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas: Campinas, 2004.
8
DAOU, Ana Maria. A Belle Époque Amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.18.
24

Segundo Sarges 9 , o mercado externo – consumidor da borracha amazônica –


esbarrou inicialmente com alguns entraves, tais como a mão-de-obra e transportes para
comunicação interna reduzidos e o financiamento externo para extração em larga escala, o
que repercutiu nas relações econômicas, políticas, culturais e sociais da região.
O problema da mão-de-obra vai ser solucionado através da imigração interna, vinda
sobretudo do nordeste – principalmente a partir da grande seca que atingiu os sertões
cearenses em 1877 – e que contou com o apoio dos governantes dos estados amazônicos.
Esse processo de imigração possibilitou a formação de alguma força de trabalho para os
seringais, contribuindo com a expansão da produção do látex, sem contudo alterar o
processo produtivo. Começa então uma intrincada cadeia econômica, que irá ser a base da
economia gomífera na Amazônia, cujas relações de produção estavam baseadas no sistema
de aviamento. Este sistema de crédito era uma prática na região desde os tempos da
Colônia, e baseava-se no fornecimento de mercadorias a crédito.
Para uma maior compreensão dessas relações, seria importante fazer um breve
desenho deste sistema 10 . Numa das extremidades desta cadeia, encontrava-se a figura do
seringueiro: retirantes nordestinos em sua grande maioria, eram aparentemente livres, mas
estavam em condições muito semelhantes à relação de servidão dentro do sistema. Eram os
responsáveis pela extração do látex da seringueira e pela confecção das pélas ou bolas de
borracha. Compravam seus mantimentos – a preços exorbitantes – junto aos armazéns
mantidos pelos seringalistas – proprietários das terras – e por este motivo acumulavam
dívidas – e que tinham início desde sua saída do nordeste – que os colocavam em situação
de constante exploração, em virtude de seu crescente débito. Deste modo, o seringalista
seria o primeiro aviador de mercadorias nesta cadeia. Eram os donos dos seringais que
negociavam sua produção com as casas aviadoras.
No entanto, estes aviadores de primeira ordem também necessitavam de crédito e
materiais. E é justamente aí que entram as casas aviadoras. Estas instituições “(...) atuavam
no âmbito bancário suprindo as deficiências do setor, abrindo crédito ao dono do seringal e
se ligando às casas exportadoras” 11 . Elas atuavam basicamente como intermediárias entre

9
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870 – 1920). Belém: Paka-Tatu,
2002, p. 77.
10
Sobre a cadeia hierárquica que sustentava o sistema de aviamento, v. MIRANDA NETO, Manuel José de.
O Dilema da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 20. Para maiores informações acerca do sistema de
aviamento, v. SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800/1920). São Paulo: T. A. Queiroz,
1980.
11
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Eclética no Pará. In: FABRIS, Annateresa, org. Ecletismo na
Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel/EDUSP, 1987, p. 151.
25

os interesses dos seringalistas e das empresas estrangeiras, situadas na outra extremidade


do sistema.
Todo este sistema contribuiu para mudanças que se repercutiram na estrutura
político-social da região, o que levou a grandes alterações tanto no modo de vida e nos
padrões de costumes quanto na composição das classes dominantes.
Por sua estratégica posição geográfica, Belém assumiu o papel de principal porto de
escoamento da produção do látex, o que lhe proporcionou grande acúmulo de capital, além
de torná-la a vanguarda cultural da região 12 . A sociedade local, que desde o período
colonial tem em sua classe dominante os proprietários de terras escravagistas, os militares
e os altos funcionários da Coroa, passa a abranger novos personagens para suas elites: os
seringalistas (também chamados de coronéis da borracha), os financistas e os
exportadores, personagens estes que contavam com o apoio do Estado, a quem interessava
o recolhimento dos impostos sobre o grande volume de dinheiro que esta nova economia
proporcionava.
Todas essas modificações acabaram por levar as oligarquias agrárias a se
transformar, adaptando-se a nova economia. Assim, os seringalistas – preocupados em
substituir a tradicional burocracia administrativa – procuraram mandar seus filhos estudar
na Europa, a fim de formar uma elite de doutores 13 que assumisse um papel primordial nos
negócios públicos – e nos seus próprios também. A formação dessa nova elite intelectual
colaborou ainda na introdução de novos hábitos de vida.
Os donos de seringais, diferentemente dos proprietários de terras do período
colonial, passam a morar – em sua grande maioria – na capital, atraídos pelo conforto
oferecido por esta, e mandam construir residências inspiradas nos moldes da arquitetura
européia de então. A vida social passa a se tornar mais intensa na cidade, e as classes mais
abastadas buscam, além do conforto, a diversão. Na área do entretenimento, tornou-se
comum mandar buscar companhias artísticas da Europa e do Rio de Janeiro para que se
apresentassem no Teatro da Paz 14 . Neste período também são abertas inúmeras casas de
diversões, como o Café Chic, o Café da Paz, O Chat Noir e o Café Riche. Em 1912 foi
inaugurado o Cinema Olímpia – existindo até os dias de hoje –, que logo se transformou
12
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 135.
13
Id., p. 82.
14
O Teatro da Paz foi construído, a partir de planos do engenheiro José Tibúrcio Pereira de Magalhães, ainda
no período imperial, sendo inaugurado em 1878. Em 1904 ele passou por algumas reformas feitas pelo
governador Augusto Montenegro, que alteraram um pouco sua configuração original. O teatro viveu seus
dias mais gloriosos durante o período áureo do ciclo da borracha, quando nele foram feitas célebres
apresentações de produções européias e nacionais, como a da obra “O Guarani”, dirigida pelo próprio Carlos
Gomes, que se encantou de tal forma com a cidade, que acabou transferindo-se para capital paraense.
26

em local de lazer da pequena burguesia, e onde os coronéis da borracha desfilavam com


suas prostitutas de luxo, cujos vestidos eram trazidos diretamente da Europa 15 .
Segundo Sarges 16 :
“... A formação de um excedente econômico na região, resultante da extorsão do
seringueiro, dos lucros obtidos pelos ‘aviadores’ e seringalistas e a inversão de capitais
(giro e fixo) por pessoas não residentes na região, vai ser responsável pela demonstração
do pendor pelo luxo e ostentação dos ‘coronéis da borracha’...”
A despeito da dependência financeira em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos,
as elites locais encontravam-se culturalmente ligadas a Paris, que era uma das cidades-
pólos da chamada Belle Époque e símbolo da fase áurea da modernidade.
A Belle Époque foi um período que representou a manifestação das conquistas
burguesas numa época caracterizada por grandes avanços materiais e tecnológicos e pela
vasta ampliação dos mercados e das relações comerciais 17 . A modernidade entendida,
como expansão das riquezas, esteve caracterizada pelo avanço tecnológico proporcionado
pela Revolução Industrial, na ampliação dos sistemas de transporte e integração através da
construção de ferrovias, na expansão do mercado internacional, na urbanização e
crescimento das cidades, na mudança de comportamento público e privado e pela nova
democracia.
No entanto, em Belém a:
“... belle époque enquanto materialização diversificada de uma estética de imediata
aceitação por parte da burguesia européia, afigura-se como uma contradição dotada de peso
específico quando observada no mundo tropical da borracha” 18
Neste período foram transplantados elementos e valores que eram contrastantes
com os componentes básicos da organização cultural local, baseada nas necessidades e no
condicionamento do homem regional. As representações estéticas da Belle Époque eram
inerentes ao estágio cultural então vivido pela Europa 19 , estágio este alheio a uma
Amazônia exportadora de matérias-primas, onde não estavam presentes a visão e a razão
de mundo da classe média européia em expansão. Desta forma, o “gosto” burguês trazido
para a região na era da borracha tornava-se artificial e superficial, uma vez que não havia
uma correspondência direta entre o estágio de desenvolvimento social da região e as
representações estéticas produzidas pela burguesia européia industrializada.

15
A ostentação e o luxo foram características marcantes na alta sociedade do período, que no desejo de
igualar a vida na cidade aos confortos e benesses da vida das classes mais abastadas européias de então,
importava – em grandes quantidades – tudo que lhes convinha para a reprodução daquele estilo de vida.
16 16
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 83.
17
DAOU, Ana Maria. op.cit., p.7.
18
BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” em Belém. Belém: MEC/FUNART, 1984, p. 14.
19
Isto é, a construção do mundo burguês sobre os pilares da industrialização.
27

A modernidade 20 no Brasil esteve ligada ao processo de industrialização, à divisão


técnica do trabalho, à urbanização e à formação de uma elite nacional, todos considerados
indicadores do progresso, tido como elemento sintonizador da sociedade nacional com as
modernas sociedades civilizadas. No período entre o final do século XIX e início do século
XX, a sociedade brasileira passou por uma transformação em seu espaço público e no seu
modo de vida, estabelecendo-se uma nova moral e uma nova estrutura urbana. Essas
transformações estiveram manifestas em diversos aspectos – tais como construções
luxuosas, luz elétrica, bondes, ferrovias, vestuário, formação de uma nova estética – e
representaram uma expressão do poder da crescente e forte classe burguesa, além da
necessidade de proporcionar melhores condições para a ampliação e reprodução do capital,
impostas pela internacionalização da economia capitalista.
Em Belém, o processo de modernização foi viabilizado em grande parte pelo
grande acúmulo de capital proporcionado pela economia gomífera. Durante o período
áureo do ciclo da borracha (1880 a 1912), Belém foi foco do desenvolvimento de um
discurso de poder da modernidade, que se configurou como a base ideológica das
reformulações urbanas, sociais, políticas e intelectuais ocorridas durante a chamada Belle
Époque na cidade 21 . Este discurso manifestava o desejo das sociedades locais de tornar a
região amazônica próspera e importante – não apenas no quadro nacional, mas também
internacional – o que modificou a cidade de Belém nos mais diversos aspectos, como
ressalta Castro 22 :
“O monopólio mundial do látex, mantido pela Amazônia nesse período, permitiu
investimentos, públicos e privados, que tornaram Belém uma cidade única, de cores
tradicionais acrescidas dos signos de sofisticação, higienização e agilização da vida
citadina do mundo europeu de então.”
Dentro deste quadro de reformulações ocorridas em Belém, a figura do Intendente
Antônio José de Lemos surge como peça tão importante que chega mesmo a ser associada
à própria Era da Borracha. A esse respeito, pode-se afirmar que:
“A época protegia-lhe os grandiosos planos de obras públicas e de aformoseamento da
cidade. Estava-se na fase áurea da borracha, e no Governo do Estado, (...) Augusto

20
Para informações e uma bibliografia mais completa sobre cidade e modernidade, v. BRESCIANI, Maria
Stella M. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades do século XIX). In: Revista Brasileira de
História. São Paulo: Marco Zero, 5 (8-9), 1985, pp. 35-68. HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: A
Modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. SEVSENKO, Nicolau. Literatura como
missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983. RAGO,
Luiza Margareth. Do Cabaré ao Lar: a Utopia da Cidade Disciplinar no Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
21
CASTRO, Fábio. Cartografias da modernidade de Belém. In: GOVERNO DO PARÁ. Belém da Saudade.
Belém: Secult, 1995, p. 23.
22
Id., p. 23.
28

Montenegro (...) oferecia a Antônio Lemos o clima propício para um trabalho a bem da
coletividade belemense.” 23
Em sua administração, que foi de 1897 a 1911, o Intendente conduziu a cidade a
uma série de profundas transformações, que não se refletiam apenas no âmbito urbano,
mas também em incentivos à educação, cultura e assistência social. Todo este trabalho foi
cuidadosamente registrado pelo próprio Lemos, numa série de relatórios24 que ele publicou
em sete volumes, e que representa, segundo Rocque 25 , “(...) o mais belo e rico manancial
de informações daquela Belém (...)”. A cidade cresceu tanto e tão rápido que em 1904 sua
paisagem urbana já se configurava de acordo com as novas concepções européias 26 .
Segundo Sarges 27 , as transformações urbanas por que passou Belém faziam “(...) parte de
uma nova estratégia social no sentido de mostrar ao mundo civilizado (entenda-se Europa),
que a cidade de Belém era o símbolo do progresso (...)”.
A cidade precisava adequar-se às transformações capitalistas, e – para tanto –
foram implementadas uma série de medidas de modernização, medidas estas que
procuravam facilitar o escoamento da produção e de divisas para os países centrais com os
quais o comércio era estabelecido. Além disso, havia a necessidade de proporcionar a
determinados segmentos da população – sobretudo os seringalistas, comerciantes e
fazendeiros, todos ligados, de certa forma, à economia gomífera – segurança e
acomodação. Tudo isto aliado à idéia positivista de progresso apregoada pela República. A
modernização urbana segundo o modelo europeu que foi reproduzido em Belém com
expressividade durante a administração de Lemos contava com a implementação de novos
bairros, a construção de toda uma série de mobiliário e equipamentos urbanos (tais como
bosques, praças, asilo, mercados, etc.), além da abertura de novas vias de acesso e de
grandes boulevards, e de uma política sanitarista bastante rigorosa. Para Daou 28 , todo este
processo de
“(...) embelezamento da cidade resultava de alterações urbanísticas e arquitetônicas
estimuladas por uma legislação que procurava modernizar os espaços públicos e dotar de

23
TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão Pará. Belo Horizonte, Editora Itatiaia Limitada,
1987, 3. ed., p. 137.
24
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. Relatório apresentado ao Conselho Municipal
de Belém pelo Exmo. Sr. Intendente Antônio José de Lemos. Belém: A. A. Silva, 1902/1908, 7v. Os
relatórios da Intendência, que foram apresentados ao Conselho Municipal de Belém durante a administração
do Intendente Antônio Lemos, são fontes documentais de grande importância para o estudo desta época,
sobretudo pelas informações – freqüentemente – muito detalhadas por eles fornecidas. Estes relatórios podem
ser encontrados na Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (CENTUR).
25
ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua época. Belém, Amazônia Edições Culturais, 1973, p. 415.
26
As propostas e concepções urbanas de Lemos foram muito influenciadas pelas concepções urbanas
francesas, sobretudo as de Haussman. Cf.: TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 152.
27
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 14.
28
DAOU, Ana Maria. op. cit., p.31.
29

certas características as edificações, imprimindo, nas fachadas dos prédios, elegância


estética, graciosidade e uma racionalidade condizente com as necessidades de ventilação e
higiene exigidas pelo clima (...)” .
As exportações aumentavam a cada dia e o aumento no saldo da balança comercial
impulsionou o início de algumas mudanças na vida e no aspecto da cidade29 . A cidade, que
até então não havia obtido um crescimento significativo, permanecendo restrita aos dois
núcleos iniciais, sofre profundas alterações. Assim, o cenário central de Belém vai sendo
transformado num espaço onde a burguesia passou a exibir seu poder, luxo e riqueza 30 . O
centro histórico manteve sua escala e o traçado colonial, e por sua proximidade a região
portuária, firmou seu papel de centro de negócios com a instalação de bancos, seguradoras,
empresas de navegação, etc., além dos tradicionais estabelecimentos comerciais. Dá-se
início a um processo de elitização do espaço urbano, onde as camadas mais populares
passam a se instalar em áreas ainda mais distantes do centro, e por conseguinte mais
distantes dos recentes beneficiamentos.
Para se ter uma idéia das grandes transformações pelas quais Belém passou nesse
período, faz-se necessária uma breve descrição do quadro geral em que se encontrava a
cidade no auge da Belle Époque.

29
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 149.
30
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 186.
30

Figura 1 – Planta da cidade de Belém


Planta mostrando os distritos e os principais logradouros da cidade, executada na
administração do Intendente Antônio Lemos.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.28.
31

Segundo Castro 31 , em 1912 a cidade encontrava-se dividida em seis distritos, tendo


cada um sua coordenação feita por uma prefeitura policial. O primeiro distrito abrangia o
núcleo inicial da cidade. Era uma área sobretudo residencial, mas também contava com os
principais edifícios do poder público: como os palácios governamentais, as secretarias de
Estado, a sede do bispado, o presídio, o Arsenal de Marinha e os corpos de bombeiros e
policiais. Seu eixo estrutural era a avenida 16 de Novembro – que ligava o Largo do
Palácio ao Largo de São José – e seu eixo principal – que também era o local onde
residiam as famílias tradicionais – formado pelas ruas paralelas Dr. Assis e Dr. Malcher,
que ligavam o largo da Sé ao Arsenal de Marinha. Ainda neste primeiro distrito estava o
Bairro do Jurunas, que apesar de ser formado basicamente por classes populares, ainda não
estava inteiramente aberto aos imigrantes nordestinos.
O segundo distrito era constituído pelo antigo núcleo da Campina, e estava
composto por dois bairros: a Campina e o Reduto. O bairro da Campina, que teve suas
estruturas sociais modificadas durante o ciclo da borracha, firmando-se como bairro
comercial estava dividido em duas partes: uma parte litorânea, mais antiga e onde se
situava o comércio, e a área correspondente aos aterramentos feitos no Piri. O Bairro do
Reduto era um misto de área comercial, portuária e residencial e que a partir da década de
20 passou a abrigar fábricas e vilas operárias. Os pontos de convergência urbana eram: o
Boulevard da República, o complexo de Mercados do Ver-o-Peso, o complexo de trapiches
do Porto e o Largo das Mercês, no Bairro do Comércio; o Largo do Rosário, na Campina; e
a doca no bairro do Reduto.
O terceiro distrito abrangia inicialmente o Largo da Pólvora, que se estabelecia
como novo centro da cidade. A área constituía-se – segundo Castro 32 – como ponto mítico
de Belém, e nela se encontravam as maiores esperanças no futuro da cidade. Durante a
primeira fase do ciclo da borracha – entre 1860 e 1885 – essa área configurou-se como
local de instalação de casas e estabelecimentos ligados ao divertimento: cafés, bares,
bilhares, circos, prostíbulos e teatros de redez-vous. Com o passar do tempo, a urbanização
das proximidades da área e a crescente sofisticação das opções de lazer – como a
construção dos cinematógrafos, do Teatro da Paz, do Grande Hotel 33 e de cafés elegantes –
a Pólvora se tornou uma área extremamente sofisticada na cidade. A Batista Campos e seus

31
CASTRO, Fábio. op. cit, p. 23.
32
Id., p. 24.
33
O Grande Hotel foi a primeira instalação hoteleira de grande porte em Belém,sendo construído no início do
século XX. Sua terrasse representou – por muitos anos – um dos mais importantes pontos de referência
sócio-cultural da cidade. Foi demolido em 1974 para dar lugar a um edifício de propriedade de uma rede de
hotéis internacional.
32

arredores também passaram a fazer parte deste distrito, e igualmente sofreram


transformações. A Batista Campos, a Avenida Serzedello Correa e a Soledade firmaram-se
como locais de importantes residências, belíssimos palacetes de propriedade das elites
ligadas a economia gomífera.
O quarto distrito tinha seu eixo estrutural estabelecido na Avenida de Nazareth, que
começava no Largo da Pólvora, seguindo rumo ao Largo de Nazareth e terminando no
Largo de São Braz, mas com o nome de Avenida da Independência. O Bairro de Nazareth
era uma antiga área rural da cidade, ocupada inicialmente por “rocinhas” 34 , quintas e
granjas, muito comuns na Belém oitocentista, mas que com o crescimento urbano
proporcionado pela borracha, passou a abrigar palacetes e sobrados das elites seringueiras
mais prósperas. Também compunham o distrito os bairros do Umarizal – onde estava
instalada a santa casa de Misericórdia – e o recém criado Bairro da Sacramenta.
O quinto distrito começava no Bairro de São Braz, onde se localizavam a estação
central da estrada de ferro de Bragança, o Mercado de São Braz (inaugurado em 1909) e o
Cemitério Santa Izabel. As áreas próximas ao Largo de São Braz foram utilizadas para
abrigar o crescente fluxo de imigrantes nordestinos atraídos para a cidade pelo fascínio da
borracha, e representava – para muitos – uma das áreas mais perigosas da cidade, fora do
rígido controle imposto pela administração lemista. Também neste distrito estava o Bairro
do Guamá, estabelecido a partir da Avenida José Bonifácio, que levava ao cemitério Santa
Izabel.
O sexto e último distrito estabelecia-se sob a Avenida Tito Franco, que foi –
segundo Castro 35 – um projeto fundamental da urbanística lemista e que tinha por objetivo
definir os rumos da expansão futura da cidade. Nela o governo construiu equipamentos
urbanos de grande porte, como o Asilo da Mendicidade, o Hospital dos Alienados, o
Instituto Lauro Sodré e o Bosque Municipal. Também ao longo da avenida e em suas
proximidades instalaram-se imponentes construções particulares, além de casas com
quintais imensos, novas quintas e granjas, que procuravam resgatar o antigo ar rural de
Nazareth.
A cidade tornou-se uma capital agitada, com pretensões de ares europeus e muito
influenciada por um francesismo, sobretudo no que se refere ao aspecto intelectual. Com

34
Denominação das vivendas rurais existentes na Belém de outrora, localizadas nas estradas e subúrbios da
cidade, e utilizadas pelas classes abastadas como moradia ou local para passar fins de semanas aprazíveis.
Para maiores informações e referências bibliográficas, v. SOARES, R. R. Vivendas rurais do Pará: rocinhas
e outras (do século XIX e XX). Belém: Fundação Cultural do Município de Belém, 1996.
35
CASTRO, Fábio. op. cit, p. 25.
33

isto, nota-se a forte ligação entre Belém e as duas grandes capitais européias, oriunda – de
um lado – da dependência financeira e comercial com a Inglaterra, e – de outro – da forte
relação cultural com a França. Some-se a isto o fato da cidade ter se tornado um verdadeiro
centro de consumo, o que estava extremamente ligado às transformações econômicas,
sociais e culturais pelas quais vinha passando. Era consumida toda uma gama de produtos,
que iam desde alimentação e vestuário, até materiais de construção, sendo mesmo em
algumas ocasiões importadas edificações inteiras. Esses produtos vinham sobretudo da
Europa e dos Estados Unidos, trazidos nos vapores que freqüentemente desembarcavam no
Porto de Belém.
A ampliação da estrutura urbana e o conseqüente desenvolvimento do setor
construtivo tiveram grande apoio – sobretudo no que diz respeito às grandes construções
públicas e a muitas das construções feitas pela elite local – no uso de materiais, técnicas e
mão de obra importados 36 . Era uma Belle Époque também para a arquitetura em Belém.

36
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 160.
34

Figura 2 – Avenida 16 de Novembro Figura 3 – Avenida Tito Franco


Vista tomada a partir do cruzamento com a rua Localizada no sexto distrito de Belém. À esquerda
Conselheiro João Alfredo, no bairro da Campina. da foto está a primeira Escola de Agronomia do
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Pará.
86. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.
110.

Figura 4 – Avenida de Nazareth Figura 5 – Rua João Alfredo


Localizada no quarto distrito de Belém. À Importante rua do centro comercial no bairro da
esquerda da foto está a Casa Outeiro. Campina, no segundo distrito de Belém.
Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op.
cit., p. 94. cit., p. 118.

Figura 6 – Avenida da Independência Figura 7 – Praça da República


Na foto, nota-se o reservatório de São Braz. A Localizava-se no terceiro distrito de Belém. Na
rua fazia parte do quinto distrito de Belém. . foto, a ampla calçada da praça.
Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do.
cit., p. 103. op. cit., p. 90.
35

1. 2 - A Arquitetura do Ferro em Belém no Contexto Nacional e da Produção


Arquitetônica Belemense
Como já foi mencionado, o crescimento econômico gerado pela produção da
borracha também se refletia nas construções em Belém. A arquitetura – assim como as
concepções urbanas, os modismos e as tendências estéticas – tinha suas fontes na Europa, e
atendia aos desejos e necessidades – mundanas e intelectuais – das elites locais, nutridas,
sobretudo, do comércio de exportação da borracha 37 . Segundo Derenji 38 , há uma
diversificação dos programas a fim de abrigar novas atividades introduzidas pelo rápido
enriquecimento, como salas de jogos, salas de música e bibliotecas. Nas residências
ocorreu uma transferência das salas de banho e das cozinhas para o corpo da casa, além de
mudanças na implantação – com um certo gosto pelos jardins – e nas técnicas construtivas.
Havia por parte das elites locais o desejo de um modo de vida moderno e mais próximo a
vida nos grandes centros da Europa, o que também deveria ser expresso através de uma
nova arquitetura que rompesse com a “obsoleta” estética anterior 39 . Assim, um certo
francesismo tomou conta da arquitetura:
“Aparecem, então, casas com frontispícios trabalhados, altos, por intermédio de
embasamentos, segundo o costume europeu dos porões de arranjo da carvoaria e da
calefação, e que em Belém servem para assegurar a ventilação necessária ao resguardo dos
pisos de madeira em tabuado corrido sobre barrotes. Grande parte das casas residenciais
em Belém obedecem ao academicismo francês na fachada e a certas concepções da
arquitetura portuguesa (...), algumas delas com soluções tropicais de amplas varandas,
jardins laterais, quintais ocupados por árvores frutíferas e criações domésticas.” 40
A legislação que regula as novas construções exige dos construtores uma série de
conhecimentos bem mais amplos. Havia pouca qualificação na mão-de-obra local, e a
“nova” cidade precisava de mão-de-obra especializada. Para atender a esta demanda, o
Instituto Lauro Sodré manteve um atelier, que contribuiu para a formação de profissionais
de alto nível em diversas especialidades 41 . Os engenheiros locais tinham sua formação,
geralmente, da escola Politécnica do Rio de Janeiro. Esses profissionais tendiam a seguir
uma linha mais

37
BASSALO, Célia Coelho. op. cit, p. 13.
38
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 155.
39
Havia um desejo de rompimento com a estética neoclássica, profundamente associada ao período imperial.
40
TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 155-156.
41
O Instituto Lauro Sodré – que era mantido pelo Estado – era uma escola profissional gratuita para meninos
órfãos, que formava profissionais de alto nível em diversos tipos de especialidades – tais como serralheria,
marcenaria, carpintaria, ferraria, etc. – além de produzir, em suas oficinas, mobiliário para as escolas públicas
locais, impressão e encadernação para as publicações do governo estadual e grades de ferro forjado de grande
qualidade.
36

Figura 8 – Instituto Lauro Sofré


Inaugurado em 1899 pelo governador Paes de Figura 9 – Sucursal do Corpo de
Carvalho. Bombeiros
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Fachado do prédio do Corpo de Bombeiros,
203. inaugurado em 1904 pelo Intendente Antônio
Lemos.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.
206.

Figura 10 – Rua Dr. Malcher Figura 11 – Café da Paz


Vista tomada a partir da Catedral da Sé, onde Um dos pontos tradicionais da cidade, à esquerda
podem ser vistas as casas com platibanda na fotografia.
introduzidas por Lemos. Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op.
Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. 90.
cit., p. 65.

Figura 12 – Palácio do Governo Figura 13 – Palácio do Governo


Antes da reforma realizada pelo governador Após da reforma realizada pelo governador
Augusto Montenegro. Augusto Montenegro.
Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. Fonte: Fonte: PARÁ, Governo do Estado do.
cit., p. 180. op. cit., p. 180.
37

Figura 14 – Grande Hotel Figura 15 – Teatro-bar Paraense


Situava-se em frente à Praça da Ficava anexo à Fábrica de Cerveja Paraense e era
República. um dos tradicionais pontos da cidade.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.
cit., p. 236. 236.

Figura 16 – Livraria Universal Figura 17- Loja Paris n’América


Fundada em 1868, era um dos pontos Sua construção teve um emprego maciço de
obrigatórios da intelectualidade paraense. materiais importados.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
cit., p. 229. p. 226.

Figura 18 – Interior da Livraria Figura 19 – Instituto Gentil


Universal Bittencourt
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. O gradil e o mobiliário do edifício foram
cit., p. 236. feitos nas oficinas do Instituto Lauro Sodré.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do.
op. cit., p. 229.
38

Figura 20 – Palacete Augusto Figura 21 – Palacete Carlos Brício da


Montenegro Costa
Palacete de propriedade do governador Augusto Vista do palacete, executado pelo eng. Francisco
Montenegro. Bolonha.
Fonte: SARGES, Maria de Nazará. op. cit., p. Fonte: SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p.

Figura 22 – Teatro da Paz Figura 23 – Teatro da Paz


Antes das reformas feitas pelo governador Após a remodelação de 1905.
Augusto Montenegro em 1905. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. p. 229.
182.

Figura 24 – Interior doTeatro da Paz Figura 25 – Palacete Municipal


Após as reformas feitas pelo governador Augusto Vista do Palácio Municipal, onde se vê, ao fundo
Montenegro em 1905. o Palácio do Governo do Estado.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.
184. 178.
39

classicizante nas obras feitas em Belém. Na contra-mão desta linha, porém, estava o
engenheiro Francisco Bolonha 42 , que – a despeito de também ser diplomado pela
Politécnica do Rio – acabou se tornando tipicamente eclético, introduzindo formas e
materiais inovadores. Já os arquitetos eram em número bastante reduzido, e diplomados
pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Há notícias de apenas um arquiteto
estrangeiro, o italiano Felinto Santoro 43 . Desta forma, grande parte das obras públicas e
particulares do período foi realizada por engenheiros locais, trabalhando com um emprego
maciço da importação 44 .
No que se refere às obras públicas, segundo Derenji 45 , “a alternativa mais comum
foi a adoção de exteriores em estilo clássico, significando o neoclássico tardio, a
linguagem arquitetônica dominada pelos engenheiros da Escola Politécnica”. O exterior
dos edifícios era sóbrio e simétrico, e quando havia ornamentação, esta se restringia aos
frontões, usualmente triangulares. Eventualmente a esses exteriores estavam elementos ou
mesmo pavilhões inteiros importados em ferro.
Como exemplos destas construções podem ser citados o Instituto Lauro Sodré e a
Sucursal do Corpo de Bombeiros. No primeiro, temos o frontão triangular característico,
com pouca ornamentação, porém bem executada. O segundo, tem um exterior neoclássico
e algumas estruturas em ferro em seu interior.
Nas residências, de modo geral, as fachadas podem ser descritas como neoclássicas,
com frontispícios trabalhados apenas no cenário de frente – a cobertura era escondida atrás
de platibandas altas e trabalhadas – que, freqüentemente, têm a forma de frontões. Havia
também pequenos porões que auxiliavam na ventilação e, eventualmente, eram usados
azulejos como revestimento, fato este que era comumente seguido pela presença de
platibandas com balaústres coríntios, estatuetas ou figuras de pinha 46 .
Havia, no entanto, muitos palacetes pertencentes a membros do governo e da nova
burguesia. Nestes temos um grande retrato da época e sua influência na arquitetura
produzida em Belém: construções suntuosas, ecléticas, com interiores muito
freqüentemente Art Nouveau, nas quais não só grande parte do mobiliário vinha da Europa
e dos Estados Unidos, como também os materiais de construção e – eventualmente – até a

42
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca da produção arquitetônica do engenheiro
Francisco Bolonha, v. DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 158.
43
Felinto Santoro era oriundo da Real Academia de Nápoles, e executou importantes obras em Belém no
período, com destaque para o Mercado de São Braz, importante exemplar da arquitetura eclética na cidade.
44
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 156.
45
Id., p. 156.
46
TOCANTINS, Leandro. op. cit., p. 156.
40

mão-de-obra. São exemplos remanescentes dessa época os palacetes Bolonha, Montenegro


e Carlos Brício da Costa.
As edificações comerciais também não escapavam à influência européia, sobretudo
francesa 47 . Isso ficava claro principalmente em se tratando de grandes estabelecimentos
comerciais. Nestes, temos novamente a presença de uma arquitetura freqüentemente
eclética, por vezes com materiais importados – sobretudo da Europa – e interiores que
também com muita freqüência contavam com mobiliário igualmente importado. Clássicos
exemplos da influência européia na arquitetura de estabelecimentos comerciais em Belém
são a Casa Paris n’América (loja de tecidos finos que funciona até hoje), com sua
arquitetura feita predominantemente com materiais importados da Europa e que remete
diretamente àquela comumente empregada em estabelecimentos comerciais franceses; e a
Livraria Universal, com fachada eclética e interior estruturado e ricamente decorado com
ornamentos metálicos pré-fabricados importados da Europa.
É justamente o emprego do ferro, cuja imagem está associada aos tão ambicionados
ideais de progresso e modernidade buscados então, que irá permanecer como memória e
imagem da Belle Époque em Belém.
A arquitetura do ferro no Brasil, segundo Kühl 48, “esteve intimamente ligada à
ampliação das relações comerciais com a Europa”, uma vez que sua produção esteve quase
que exclusivamente ligada à importação, haja vista a pouca representatividade da
siderurgia nacional dentro da produção na época.
Até a vinda da Corte Portuguesa para o Rio, em 1808, o Brasil encontrava-se
comercialmente isolado dos demais países. Acrescente-se a isto o fato de que os três
primeiros séculos de colonização foram caracterizados pela exploração das riquezas locais,
não havendo investimentos que contribuíssem para o desenvolvimento necessário à
promoção do bem-estar dos que aqui habitavam. Desta forma, uma das primeiras
providências tomadas pelo rei foi a de abrir os portos para as “nações amigas”.
Este fato propiciou à Colônia o estabelecimento de um intercâmbio sistemático
realizado diretamente com as chamadas matrizes culturais européias, o que acarretou a
introdução de uma série de mudanças nos hábitos e em alguns aspectos da vida local. Na
arquitetura, estas modificações estão ligadas a certas conveniências de mercado e a um
desejo de modernidade de determinados governos locais.

47
Idem, p. 159.
48
KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a
sua preservação.São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria de Estado da Cultura, 1998, p. 81.
41

Dentre os produtos que compunham a lista de importações do Brasil, temos os


produtos siderúrgicos que, segundo Silva 49, ocuparam lugar de destaque na segunda
metade do século XIX. Cabe aqui um pequeno parêntese. Segundo Kühl 50 , havia desde o
século XVI no Brasil pequenas forjas, no entanto, é com a vinda da corte para o Rio que a
siderurgia teve seu início efetivo no país. Dentre as fábricas, pode-se destacar a Real
Fábrica de Ferro de São João do Ipanema e a Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar,
ambas iniciativas da Corte Portuguesa 51 . Contudo, elas não alcançaram os resultados
esperados, não operando de forma lucrativa. Há também notícia a respeito de fundições no
Amazonas, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Santa Catarina 52 , mas
ainda assim a produção siderúrgica era pequena frente aos produtos importados, que
contavam com benefícios das baixas tarifas alfandegárias.
Outro fator importante a ser ressaltado – fechando aqui o parêntese a respeito da
siderurgia no Brasil – quando se discutem as questões relativas à arquitetura do ferro no
país são os novos processos que ocorriam nas cidades. A abertura dos portos trouxe, entre
outros impactos, uma contribuição para uma “europeização” nos costumes e em algumas
práticas da vida local, sobretudo a partir do século XIX, como foi anteriormente
apresentado ao se abordar às transformações ocorridas na Belle Époque em Belém. A
abertura dos portos facilitou o intercâmbio entre o Brasil e a Europa – além,
eventualmente, dos Estados Unidos – e possibilitou não apenas que os europeus e seus
produtos entrassem no país, mas também que brasileiros fossem aos países europeus e
entrassem em contato com a cultura e os novos hábitos da época. A Europa moderna 53 de
então se tornaria rapidamente o ideal dos governantes e da burguesia locais. Segundo
Kühl 54 , os
“edifícios metálicos no Brasil tiveram (...) uma assimilação relativamente fácil, pois se
tratava de uma inovação vinda de países considerados modelos. A novidade da
arquitetura do ferro era um sinal de modernidade e de progresso tecnológico”.
As cidades também cresciam mais rapidamente e junto com este crescimento
surgiam novas necessidades. O intercâmbio com outros países trouxe novas idéias que
transformaram as cidades brasileiras – que ainda permaneciam com características

49
SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do Ferro no Brasil. 2. Ed. São Paulo: Nobel, 1987, p. 89.
50
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 83.
51
Ib. id.
52
Id., p. 84.
53
A modernidade, aqui, deve ser entendida como um novo modo de vida e de relações diferentes daqueles
que o Brasil conheceu enquanto colônia, sobretudo em aspectos como a intensificação das relações sociais e
a preocupação no estabelecimento de um Estado Moderno.
54
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 83.
42

coloniais – em cidades mais modernas 55 , com áreas de convívio público como praças e
teatros, além da introdução de novos equipamentos urbanos como mercados, armazéns e
estações ferroviárias. Neste sentido, o emprego do ferro – e de outros metais – nos
edifícios dava aos construtores a possibilidade da realização de grandes obras num período
de tempo menor se comparado aos materiais convencionais.
Neste quadro, é importante ressaltar que a importação de edifícios pré-fabricados
de ferro – diferentemente da importação de componentes metálicos – não se deu em
grandes proporções, além de não se apresentar de maneira uniforme. Segundo Kühl 56 , “(...)
normalmente esse tipo de edificação apareceu em lugares que apresentavam rápido
crescimento econômico no período, crescimento esse ligado à produção e exportação de
produtos agrícolas”. Como já foi visto, o crescimento das cidades demandou um grande
número de edificações em um curto período de tempo e em locais sem mão-de-obra
especializada. Os edifícios com estrutura metálica atendiam a essas necessidades, o que
contribuiu para sua utilização em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife,
Fortaleza, Belém e Manaus. Algumas dessas cidades fazem parte de regiões cuja economia
floresceu tardiamente 57 , sobretudo durante a segunda metade do século XIX, como foram
os casos de São Paulo e do Pará, ligados ao café e à borracha, respectivamente, como será
visto a seguir.
Finalmente, a despeito da produção arquitetônica do ferro no Brasil constituir-se
sobretudo de obrar importadas que “(...) não tiveram ramificações na arquitetura
nacional” 58 , seus edifícios foram em grande parte integrados aos locais onde foram
empregados, chegando muitas vezes a se estabelecer como marcos na paisagem urbana,
permanecendo integrados à paisagem e intimamente ligados à memória local, como ocorre
com a arquitetura do ferro em Belém.
Como foi visto anteriormente, o forte crescimento ocorrido em Belém durante o
“Ciclo da Borracha” culminou em transformações dos mais variados aspectos da vida na
cidade. Belém crescia rapidamente, e, por conseguinte, havia um grande número de
construções, públicas e privadas. Segundo Derenji 59 , “(...) o poder aquisitivo do Estado e
da classe enriquecida permitia a escolha dos produtos mais sofisticados e de melhor
qualidade em disponibilidade nos centros industrializados”. A riqueza e a velocidade com

55
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 86.
56
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit, p. 82.
57
Ib. id.
58
Id., p. 83.
59
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit., p. 162.
43

que a cidade crescia tornou habitual a importação de materiais de construção, mobiliário


urbano e até mesmo edifícios inteiros de ferro 60 .
O uso deste material, além de oferecer a vantagem da rapidez de construção de
uma peça pré-fabricada, ainda traz consigo o simbolismo da modernidade tão ansiada pelas
elites da região. As lojas importadoras locais contavam com grandes e muito bem
detalhados catálogos de peças que iam desde calhas e gradis, até pequenas edificações
como pavilhões de mercados, o que atendia a demanda tanto de construções residenciais
como de edifícios públicos.
No entanto, nem só de importações vivia a arquitetura do ferro em Belém.
Segundo Derenji 61 , desde “(...) a segunda metade do século XIX a própria região Norte
possuía algumas oficinas que trabalhavam com fundição de ferro”. Já em 1893 Belém
contava com oficinas fundidoras como a do Arsenal de Marinha, a Amazon Co’s, a
Bulhosa & Cia. e a George Summer & Co’s, no entanto, todas voltadas basicamente para a
navegação. Segundo Derenji 62 , essas oficinas funcionaram como formadoras de mão-de-
obra especializada, uma vez que algumas delas tinham em seus quadros de funcionários
mestres-oficiais europeus que ajudavam na formação da mão-de-obra local. Também neste
sentido, o Instituto Lauro Sodré contava, desde 1892, com cursos de serralheria e ferraria, e
em suas oficinas fabricava grades, portões e peças de pequeno porte. Uma destas peças é o
belo conjunto de grades e portão do Colégio Gentil Bittencourt, que permanece até hoje.
No entanto, uma estrutura tão reduzida não conseguia nem atender a grande demanda local
e nem tão pouco fazer frente aos preços dos produtos importados.
As propostas de remodelação e “embelezamento” 63 da cidade incluíam a
instalação de equipamentos e mobiliário urbanos. A mudança nos hábitos e na vida da
população evidenciava-se na abertura – por parte da Intendência Municipal – de praças e
passeios públicos, que demandavam de toda uma gama de mobiliário urbano. Segundo
Silva 64 , os
“serviços públicos instalados exigiam equipamentos que não existiam em quantidade
suficiente, para atender aos anseios de “modernização” ou atualização da sociedade.
Mais uma vez o ferro importado desempenhou papel importantíssimo e sua utilização na
construção do mobiliário urbano passou a ser uma constante”.

60
KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit, p. 91.
61
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura residencial do ferro no Pará. In: DERENJI, Jussara da Silveira
(Org.) Arquitetura do Ferro: Memória e Questionamento. Belém: CEJUP: Universidade Federal do Pará,
1993, p. 160.
62
Id., p. 161.
63
Termo freqüentemente usado na época.
64
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 104.
44

No caso do mobiliário urbano, a importação de peças pré-fabricadas de ferro era


particularmente adotada tanto em função da rapidez deste tipo de construção quanto pela
grande variedade de peças disponíveis nos catálogos das importadoras. Um exemplo é o
belo conjunto de postes e torre da Praça do Relógio, produzidos pela empresa Walter
MacFarlane, de Glasgow. Não se sabe exatamente a data de sua instalação, mas acredita-
se que tenha sido entre fins de 1910 e início de 1920 65 . Segundo Costa 66 , a torre do relógio
faz parte do MacFarlane’s Examples of Architectural Ironwork, publicado em 1911.
Dos exemplares da arquitetura do ferro empregados no mobiliário urbano na
época, merecem destaque ainda alguns coretos e pavilhões de praças. No entanto, poucas
dessas peças contém algum tipo de indicação de origem ou mesmo algum tipo de
referência bibliográfica que forneça maiores informações. O pavilhão Euterpe, na praça da
República é um dos poucos exemplares de que se tem certeza da origem. Trata-se de uma
peça fabricada pela firma Guillet Pelletier 67 , de Orleans e que foi montada em Belém em
1896. Segundo Silva 68 , um dos coretos da praça Batista Campos tem origem supostamente
alemã, de acordo com dados que constam de relatórios oficiais. Há ainda inúmeros outros
coretos e pavilhões de ferro nas muitas praças construídas em Belém naquela época, mas –
como já foi dito – poucos tem informações consistentes acerca da procedência e
construção.
Finalmente, dentre os exemplares remanescentes da arquitetura do ferro no
mobiliário urbano em Belém, temos um mictório público – atualmente fora de uso – no
Bosque Rodrigues Alves, um dos poucos exemplares deste tipo de equipamento muito
comum na Europa, mas pouco utilizado no Brasil, a julgar pelos raros remanescentes.
Da mesma forma como foram empregados pequenos pavilhões de ferro no
mobiliário urbano, também foram utilizadas algumas dependências de ferro incorporadas a
edificações em alvenaria, que – segundo Silva 69 – “(...) mantinham, propositadamente,
uma certa autonomia plástica em relação ao resto do edifício, cuja construção, quase
sempre, se destacava por seus objetivos essencialmente decorativos”. Um destes exemplos
é o Asilo da Mendicidade, atual Casa do Ancião D. Macedo Costa . A construção teve
início em fins de 1899, sendo concluída em 1901, pela firma Mendes & Cia. O prédio
conta com dois pavilhões de ferro executados pela firma francesa Guillet Pelletier Fies &

65
COSTA, Cacilda Teixeira da. O Sonho e a Técnica: a arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: EDUSP,
1994, p. 160.
66
Id., p. 160.
67
Dado que consta em uma de suas colunas de ferro fundido.
68
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 108.
69
Id., p. 128.
45

Cie. Ambos são inteiramente de ferro, sendo apenas a cobertura em telha cerâmica. Para
Silva 70 , os pavilhões representam “(...) um dos mais expressivos remanescentes da
arquitetura do ferro, considerando-se seu excelente estado de conservação e sua integração
plástica com o corpo principal do edifício”.
Outro pavilhão importante é o pavilhão de ferro situado nos jardins da residência
oficial do governador do Estado do Pará (atual Parque da Residência e sede da Secretaria
de Estado da Cultura). Dele não se têm informações sobre sua origem nem construção, mas
supõe-se que seja europeu, em função de sua semelhança aos pavilhões de caça e casas de
chá européias.
Algumas estruturas notáveis também devem ser registradas como importantes
exemplares da arquitetura do ferro em Belém. Uma delas foi o reservatório d’água “Pais de
Carvalho”, que se destacava na paisagem urbana da cidade. O reservatório era composto
por três cilindros metálicos apoiados sobre uma estrutura de ferro. Foi fabricado pela firma
Boudet, Donon & Cie., de Paris – e contava com um gradil com portão importado,
produzido pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow – e construído com muita
dificuldade, sob a direção do Eng. Francisco Bolonha, no período de 1904 a 1912. A
demora em sua construção se deu porque, a despeito da apregoada rapidez com que as
estruturas de ferro eram erigidas, sua construção demandava uma tecnologia que ainda não
era dominada no Brasil 71 . O reservatório apresentou uma utilização cercada de problemas,
em função da existência de centenas de pontos de oxidação em sua estrutura, o que acabou
por comprometer sua estabilidade, levando-o a ser demolido em 1965. Seu gradil e portão
foram mantidos e hoje fazem parte do complexo do Parque da Residência (antiga
residência oficial do governador).
Outro reservatório importante com estrutura metálica é o que ainda permanece no
bairro de São Braz. Produzido pela Casa Tony Dussieux, de Paris, e montado no mesmo
período do anterior. No entanto, sua estrutura mais despojada, não causa o impacto da
beleza da estrutura do outro.
Ainda no setor de obras públicas, temos os mercados. Segundo Silva 72 , entre “(...)
os edifícios pré-fabricados em ferro, importados pelo Brasil, nenhum tipo foi tão útil e tão
disseminado quanto os mercados públicos”. Em Belém, os mercados vieram ao encontro

70
Id., p. 130-131.
71
Um dos grandes problemas que os edifícios e peças pré-fabricadas de ferro encontraram no Brasil foi a
falta de uma mão de obra qualificada para este tipo de trabalho, o que por vezes contribuía para a lentidão no
processo de construção.
72
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 138.
46

do programa de higienização dos espaços públicos urbanos, além de aliarem-se ao desejo


de modernidade, expresso em seu material. Temos três importantes mercados a serem
estudados, construídos durante a Belle Époque: um inteiramente metálico, outro com
pavilhões internos de ferro e um terceiro com edifício em alvenaria de tijolos e estrutura de
cobertura em ferro. O primeiro é o Mercado de Peixe, também conhecido como Mercado
de Ferro. Foi inaugurado em 1901, sendo construído pelos engenheiros Bento Miranda e
Raymundo Vianna, mas cuja origem permanece desconhecida. Sua estrutura é composta
quase exclusivamente por ferros perfilados combinados entre si, com alguns pequenos e
poucos elementos de ferro fundido, com função decorativa. O edifício possui quatro torres
marcantes situadas nos quatro ângulos chanfrados do edifício e constitui-se como o mais
importante referencial da cidade, mostrando-se perfeitamente integrado à paisagem desde
sua construção.
O segundo é o Mercado Municipal ou Mercado de Carne, construído em 1867 em
alvenaria de tijolos e ampliado em 1908, quando foram construídos o segundo pavimento e
instalados os quatro pavilhões de ferro no interior do pátio e outro menor para sanitários
públicos (pavilhão de conveniência). As obras do mercado foram conduzidas pelo Eng.
Francisco Bolonha, sendo os quatro pavilhões e os portões produzidos pela firma Walter
MacFarlane, de Glasgow, e o pavilhão de comodidade de origem francesa. A diferença
entre a origem do pavilhão de comodidade e os quatro pavilhões centrais se deu em função
da construção do primeiro ter sido decidida antes da construção dos outros 73 . Segundo
Silva 74 , o

73
Id., p. 188.
74
Ib. id.
47

Figura 26 – Instituto Lauro Sodré Figura 27 – Pavilhão de Música Santa


Fotografia da oficina de ferreiro e serralheiro. Helena Magno
Fonte: ÁLBUM DO PARÁ: Governador Augusto Feito de ferro pré-fabricado da Europa, foi
Montenegro. Paris, 1908, p. 305. construído na Praça da República.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
p. 151.

Figura 28 – Pavilhão Euterpe Figura 29 – Pavilhão 1° de Dezembro


Pavilhão de ferro pré-fabricado pela Guillot De ferro pré-fabricado importado da
Pelletier, de Orleans na França. Alemanha e inaugurado em 1904.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
153. p. 158.

Figura 30 – Reservatório Paes de Figura 31 – Reservatório de São Braz


Carvalho Produzido pela casa Tony Dussieux, de Paris.
Sua construção foi coordenada pelo engenheiro Fonte: ÁLBUM DO PARÁ, op. cit., p. 265.
Francisco Bolonha.
Fonte: ÁLBUM DO PARÁ, op. cit., p. 265.
48

Figura 32 – Asilo da Mendicidade Figura 33 – Asilo da Mendicidade


Fachada principal do prédio, inaugurado em 1902 Interior do prédio onde se vê um dos pavilhões
pelo Intendente Antônio Lemos. de ferro importados da França.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Fonte: BELÉM, Intendência Municipal de.
195. Álbum de Belém, op. cit., p. 24.

Figura 34 – Residência do Intendente Figura 35 – Mercado de Ferro


Antônio Lemos Vista da fachada do Boulevard da
Foi destruída em 1912 por um incêndio incitado
República.
por adversários políticos.
Fonte: ÁLBUM DO PARÁ, op. cit., p. 158.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p.
243.

Figura 36 – Armazéns do Porto


Vista panorâmica dos armazéns de ferro da Port of Pará, fornecidos por firmas da Inglaterra e da
França.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. 49.
49

Mercado de Carne é “(...) um dos mais eloqüentes exemplares da função ornamental que
desempenhou o ferro fundido em fins do século passado e princípios do atual”.
O terceiro e último dos mercados é o Mercado de São Braz, construído em 1911
pelo arquiteto italiano Felinto Santoro. O mercado foi construído em alvenaria de tijolos,
mas conta com uma cobertura com estrutura metálica e gradis de ferro fundido, todos de
origem desconhecida.
A produção arquitetônica de ferro em Belém, no entanto, não esteve ligada apenas
ao setor público. Muitas foram as suas aplicações no setor privado, mas a grande maioria
não guardava as mesmas proporções do emprego nas construções públicas. Um dos
exemplos que fogem a essa regra são os armazéns do porto de Belém, de propriedade da
Port of Pará (atual Companhia Docas do Pará). Trata-se de um conjunto de 13 armazéns
fornecidos pelas firmas S. Pearson and Son Ltd., da Inglaterra, e Schneider de Creusot, da
França. Os armazéns são compostos por uma estrutura de ferros perfilados combinados
entre si, com vedação com chapas metálicas corrugadas. É interessante notar o fato de que
estas edificações, diferentemente do que com freqüência se observava nas demais peças
pré-fabricadas de ferro em Belém, possuem uma estética mais próxima à estética industrial.
Ainda no setor privado das construções em Belém, a arquitetura do ferro também
teve presença nas edificações comerciais, tanto externa quanto internamente. No entanto, o
mais usual nestas construções era o arcabouço de alvenaria de tijolos com algumas porções
de ferro no seu interior, além de algumas eventuais peças externas. Um dos exemplares de
grande beleza é a Livraria Universal – também chamada de Livraria Tavares Cardoso. O
prédio de fachada neogótica revestida de pedra de lioz esconde um interior de ferro que,
segundo Derenji 75 , tem provável origem francesa, uma vez que o montador era das
Acieries de Longwy, na França. O edifício tem três pavimentos, sendo internamente dotado
de um grande vão central, com os pavimentos dispostos numa estrutura de mezanino de
ferro.
Outro edifício comercial de destaque é a loja de tecidos Paris n’América, que
permanece em funcionamento até hoje. Trata-se de uma edificação eclética, com emprego
maciço de materiais importados – espelhos e lustres franceses, louça inglesa, cerâmica
alemã. No entanto, é a escada metálica, em dois lances sinuosos, que domina o conjunto do
interior da edificação.

75
DERENJI, Jussara da Silveira. op. cit, p. 162.
50

Nas construções residenciais o ferro teve uma participação mais restrita, além de
diversa daquela ocorrida nos edifícios comerciais, sendo empregada normalmente como
detalhe em grades de fechamento, torreões metálicos ou em algumas marquises. Exemplos
desse emprego são encontrados em alguns casos, tal como uma residência em estilo
oriental situada no Largo do redondo, na Av. Nazaré (onde hoje funciona uma agência
bancária), cujos portões e grades são da firma francesa Guillot Pelletier 76 . Há também nos
elementos externos da cobertura do Palacete Bolonha, que Silva 77 coloca como muito
semelhantes aos encontrados em catálogos produzidos pela firma Walter MacFarlane, de
Glasgow.
Finalmente, raríssimos dentro dos exemplares da arquitetura do ferro no Brasil,
temos em Belém quatro residências que merecem destaque: três construídas com o Sistema
Danly e uma construção mista de alvenaria de tijolos com ferro, de propriedade do
Intendente Antônio Lemos. Em todas elas, a origem e as circunstâncias da importação são
desconhecidas, mas fica claro o desejo, por parte daqueles que as consumiram, de uma
assumida modernidade, expressa através da arquitetura.
Como foi dito anteriormente, três dessas edificações foram construídas com o
Sistema Danly. Este sistema era composto por uma estrutura perfilada e vedação de
paredes em chapas duplas estampadas, com um avançado sistema de ventilação no interior
da parede, o que proporcionava um conforto bastante desejado numa cidade de clima
quente e úmido como Belém. Das construídas no Sistema Danly, temos uma situada na Av.
Generalíssimo Deodoro, de origem e data de construção desconhecidas. É o maior dos três
chalés, com planta original com cerca de 378 m², dispostos em dois pavimentos, sendo
cerca de 138 m² de sua área total constituída de alpendres em forma de “U” 78 .
Outro dos chalés construídos com o Sistema Danly situava-se na Av. Almirante
Barroso, mas atualmente foi remontado no Campus da Universidade Federal do Pará.
Sobre a edificação, sabe-se apenas que pertenceu a Álvaro Adolpho. O chalé tem planta em
forma de “T”, com área de 360 m² distribuídos em dois pavimentos, sendo que do total
desta área, 220 m² são de alpendre.
O último dos chalés pré-fabricados situa-se na Av. Almirante Barroso. Sua origem
é, como nos casos anteriores, desconhecida. A edificação – que é térrea – tem planta

76
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Eclética no Pará, op. cit., p. 168.
77
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 103.
78
Id., p. 203.
51

simples, dotada de um pequeno alpendre na fachada principal, sendo internamente os


compartimentos dispostos de ambos os lados de um corredor central.
A quarta edificação, como já foi mencionado, era de propriedade do Intendente
Antônio Lemos, mas foi destruída num incêndio em 1912 por motivações políticas. O
chalé possuía fachada e alguns elementos verticais de ferro, com vedações internas
provavelmente em alvenaria de tijolos 79 . A disposição em planta do chalé é desconhecida,
mas acredita-se que a casa era composta de pelo menos seis ambientes de uso social.
Segundo Derenji 80 ,
“a característica mais importante apresentada por esse prédio é a relação entre o novo e o
antigo, representada pelo material inovador e elementos decorativos, oriundos de
técnicas tradicionais, nas fachadas; ou pelo exterior em ferro e os interiores com
decoração tradicional”.
A arquitetura do ferro desempenhou um papel extremamente representativo no
que se refere à concretização do projeto de modernidade proposto pelas elites locais em
Belém. Neste sentido, os mercados de carne e de peixe, construídos durante a
administração lemista no Ver-o-Peso são de grande importância no entendimento de como
este projeto foi posto em prática, como será visto a seguir.

79
DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura residencial do ferro no Pará. op. cit., p. 166.
80
Id., p. 167.
52

1. 3 - O Ver-o-Peso, seus Mercados e o Projeto de Modernidade do Intendente


Antônio Lemos
A história da área que atualmente se conhece como Ver-o-Peso é muito anterior
às transformações ocorridas na fase áurea da borracha e, segundo Cruz 81 , o
“... VER-O-PESO tem, pois, a sua história que remonta a época dos primórdios da
conquista portuguesa, quando, na Capitania do Pará, transcorria com regular
intensidade os primeiros capítulos da sua vida administrativa e econômica, e muitos
anos eram decorridos desde que Francisco Coelho de Carvalho, Governador e Capitão-
Geral do Estado do Maranhão e Grão Pará, concedera em 1627 à Câmara de Belém,
uma légua de terras para a sua serventia...”,
situada às margens da baía do Guajará, junto à desembocadura do igarapé do Piri, numa
área onde – como foi visto anteriormente - já se instalara a atividade comercial.
Em 18 de julho de 1687 a Câmara enviou uma carta ao Rei de Portugal pedido-
lhe a permissão para a cobrança do tributo do Ver-o-Peso, a fim de melhorar suas rendas
de modo a possibilitar o desenvolvimento dos serviços públicos. É importante ressaltar que
a Casa do Ver-o-Peso foi criada no Brasil com a finalidade de que o peso do açúcar e
demais produtos da Colônia fosse verificado, para que a partir desse peso fosse cobrado o
devido imposto, sendo essa modalidade fiscal introduzida em 1624 no Rio de Janeiro.
Assim, em 21 de março de 1688 foi assinada a Provisão Régia pela qual era concedida à
Câmara de Belém a renda do Ver-o-Peso. Ficava então criada a Casa do Ver-o-Peso em
Belém, que permaneceu em atividade até 28 de setembro de 1839, quando foi extinta pelo
Presidente Bernardo de Sousa Franco, através da Lei n° 22, que determinava que o imposto
até então ali cobrado pela casa passaria a ser arrecadado pela Recebedoria Provincial. A
Casa, que estava situada de frente para a doca construída quando dos trabalhos de
aterramento do Pirí e que segundo Cruz 82 ficava muito possivelmente na esquina da Rua
dos Mercadores (atual João Alfredo), foi então arrendada para a Ribeira do Peixe Fresco
até 1847, sendo enfim demolida.
No entanto, mesmo após a extinção da Casa do Ver-o-Peso, a área já havia
consolidado sua “vocação” comercial e o tráfego de mercadorias vindas de todas as partes
e cujos barcos atracavam em sua doca contribuiu para que ali se instalasse uma série de
pequenos estabelecimentos para a comercialização de alimentos, além, é claro, do
comércio ambulante.

81
CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém, p. 229.
82
CRUZ, Ernesto. op. cit., p. 237.
53

Como foi visto anteriormente, a partir da segunda metade do século XIX, Belém
passou por um período de grande crescimento econômico, que contribuiu para que a cidade
fosse palco de uma série de transformações, inclusive urbanas. Nesta fase, muitos edifícios
foram construídos, e dentre eles, o Mercado Municipal.
O referido mercado foi construído por iniciativa do então Presidente da Província
Henrique de B. Rohan 83 , que em junho de 1852 contratou a firma Viúva Danin & Filhos
para a construção do mesmo na Praça do Mercado, na quadra situada entre as avenidas 15
de Novembro e Boulevard da República e pelas ruas Ocidental e Oriental do Mercado. As
obras foram concluídas em 1867.
A construção 84 , de apenas um pavimento em alvenaria de tijolos, ocupava toda a
extensão da quadra, e abrigava estabelecimentos comerciais voltados para o exterior, uma
galeria – delimitada pelas paredes posteriores dos estabelecimentos externos e uma arcada
que sustentava a cobertura – onde estava localizada uma série de aparadores de madeira
nos quais era comercializada toda sorte de produtos, desde os alimentícios até os de
armarinho, contando ainda com um grande pátio interno, cujo acesso era feito através de
quatro entradas situadas em cada uma das faces do edifício, e onde eram igualmente
comercializadas frutas, verduras, carnes e toda sorte de alimentos, além de roupas e outros
objetos. O edifício contava ainda com um pequeno pavimento superior na parte central da
fachada da rua 15 de novembro (fachada principal do mercado), que abrigava a
administração, e que era acessível através de uma escada caracol no interior do mesmo. A
cobertura ficava oculta por platibanda e sua estrutura era de madeira coberta com telha
cerâmica curva. No grande pátio interno do mercado, estavam dispostos de forma simétrica
quatro grandes pavilhões, onde eram comercializados a carne fresca e também o pescado.
Estes pavilhões possuíam estrutura de madeira e cobertura em telha cerâmica. Bem ao
centro do grande pátio, ficava um chafariz . As instalações sanitárias do edifício eram ao
lado da porta do boulevard da República.
O início da fase áurea da borracha, a ascensão de Belém como principal
entreposto comercial da Amazônia e o processo de implantação da República contribuíram
– como já foi visto – para um aceleramento no desenvolvimento urbano que vinha sendo
feito há algum tempo na cidade, uma vez que o novo regime dava uma maior autonomia

83
TAHARA, Eliza Miki; KIKUCHI, Sofia Maki. Ver-o-Peso: Cenário Urbano de Ontem e de Hoje. Belém:
Universidade Federal do Pará, 1990, sem numeração de página. Trabalho de Conclusão de Curso.
84
Para uma descrição do antigo prédio do Mercado Municipal – aquele anterior aos trabalhos de reforma e
ampliação realizados pelo Intendente Antônio Lemos – v. BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de
Belém, Pará. Paris: Editora F. A. Fidanza, 1902, impresso por Philippe Renouard, p. 57-58.
54

para a Municipalidade, além do considerável aumento na arrecadação municipal, que


passou a contar com maiores recursos para a implementação de uma série de
reformulações e ampliações da infra-estrutura urbana. Grande parte dessas transformações
foi realizada durante a administração do Intendente Antônio José de Lemos, como foi visto
nos tópicos anteriores. Tem-se o Estado como grande agente patrocinador da
modernização, do projeto de modernidade pensado pelas elites locais para a região. É
importante ressaltar – como afirma Sarges 85 – que o conceito de modernidade está aqui
profundamente ligado ao de progresso, que se expressava através do desenvolvimento da
vida urbana, de melhorias na infra-estrutura do transporte (sobretudo o transporte de
cargas), da internacionalização dos mercados e de um comércio mais intenso. Esses
conceitos de modernidade, civilização e progresso eram indispensáveis para qualquer
cidade “ingressar” no mundo moderno. O projeto de modernidade pensado por intelectuais
e políticos belenenses – entre eles o Intendente Lemos – pretendia colocar a cidade como
representante da Amazônia no mundo moderno.
Neste sentido, a urbanização tem um papel fundamental, e o poder público surge
também como agente organizador do espaço urbano. O processo de remodelação levado
adiante por Lemos foi estruturado a partir de um plano de saneamento e embelezamento da
cidade, que visavam – através da ordenação dos costumes e do estabelecimento de uma
moral educadora – controlar os indivíduos e ordená-los em seus respectivos “espaços”.
Estas reformas também atingiram o Ver-o-Peso. Segundo Sarges 86 , o imperativo
da limpeza e da beleza torna fundamental que os cidadãos se acostumem à limpeza e ao
domínio de seus hábitos. Para tanto, o Intendente Antônio Lemos adota uma política
saneadora preventiva, que procurava zelar pelo saneamento, saúde pública, estética da
cidade e etc. Esta nova política do Intendente – que se revestia com ares de modernidade –
não tinha um caráter temporário, antes, “(...) pretendia atingir a permanência, condição
necessária para uma cidade que se preparava para viver a Belle-Époque” 87 . Neste sentido,
o abastecimento da população também estava condicionado a estas novas normas, uma vez
que os alimentos estavam sujeitos

85
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 138.
86
Id., p. 143.
87
Id., p. 144.
55

Figura 37 – Doca do Ver-o-Peso Figura 38 – Boulevard da República


Fotografia tirada antes da construção do Mercado Visto tomada em direção ao Ver-o-Peso, antes
de Ferro. Ao fundo, os antigos armazéns do da Construção do Mercado de Ferro.
Trapiche Auxiliar do Comércio. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. p. 78.
54.

Figura 39 – Mercado de Ferro Figura 40 – Doca do Ver-o-Peso


Vistta a partir da esquina entre a doca do Ver-o- Nota-se, ao fundo, o Mercado de Ferro.
Peso e o Boulevard da República. Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit.,
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. p. 59.
53.

Figura 41 – Mercado Municipal Figura 42 – Mercado Municipal


À direita da foto, antes das reformas À esquerda da foto, após os trabalhos de reforma
implementadas por Lemos.. e ampliação de 1908.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. Belém da Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. Belém da
Saudade, op. cit., p. 80. Saudade, op. cit., p. 80.
56

à fiscalização e os locais de venda deveriam ser preparados ou construídos de acordo com


as exigências da Municipalidade, além de conservados com toda higiene.
Ainda seguindo o projeto de modernidade das elites locais – baseados nos já
citados conceitos de modernidade, civilização e progresso – que pretendiam fazer da
capital paraense uma cidade moderna, Lemos acreditava que:
“(...) uma cidade será tanto melhor servida pelo poder municipal, quanto mais
multiplicados forem pelos seus differentes bairros os recintos destinados ás feiras
quotidianas de generos alimenticios. Os grandes núcleos modernos dos mais adeantados
paizes do mundo são-nos exemplos desta pratica, de que tamanhas comodidades
decorrem para a população. E entre nós mesmos, a disseminação de mercados em pontos
diversos vae, não só cooperando para o desenvolvimento dos locais onde se estabelecem,
mas ainda satisfazendo as mais latentes necessidades publicas de abastecimento de
generos de consumo.” 88
Este pensamento demonstra o valor dado aos mercados, enquanto símbolos de
modernidade e desenvolvimento. Os mercados – juntamente com as estações ferroviárias,
fábricas, etc. – eram algumas das tipologias que representavam a modernidade. Neste
sentido, os mercados de ferro europeus se impuseram não apenas pelas necessidades do
programa, mas também pelo gosto 89 em moda, o que justifica sua grande aceitação. No
Brasil, os mercados de ferro foram os edifícios pré-fabricados mais amplamente
disseminados, estando profundamente ligados ao anseio – por parte do poder público e das
elites – de um estado que representasse seus ideais de modernidade, representados aqui no
material que – como visto anteriormente – agregava um grande valor tecnológico. Em sua
administração, o Intendente Antônio Lemos construiu quatro mercados – o Mercado de
Ferro no Ver-o-Peso e suas sucursais 90 no bairro do Reduto e no Porto do Sal, e o Mercado
de São Braz – além de ampliar e reformar o Mercado Municipal.
Em 30 de dezembro de 1897 é baixada a lei n° 173 91 , que entre outras medidas,
autoriza a Intendência a chamar concorrência pública para a construção e exploração de
um mercado situado no primeiro quarteirão do boulevard da República, e que estaria

88
BELÉM, Intendência Municipal de. op. cit., 1902, p. 70.
89
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p.143.
90
A lei municipal que abriu concorrência pública para a construção do Mercado de Peixe também abriu
concorrência para a construção de um mercado no bairro do Reduto, cf. BELÉM, Intendência Municipal de.
Coleção dos Relatórios dos Intendentes Municipais de Belém dos annos de 1898 a 1901. II tomo. Belém:
Typographia da Casa Editora Pinto Barbosa, 1903, p. 53, sendo este documento disponível na Biblioteca da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Nos demais relatórios da
Intendência, o Mercado do Reduto aparece como sucursal do Mercado de Ferro, fato que ocorre também para
o mercado localizado no Porto do Sal, que igualmente aparece como sucursal daquele mercado, de acordo
com BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém, op. cit., 1902, p. 74., relatório disponível na
Biblioteca de Obras Raras da Fundação Cultural Tancredo Neves (CENTUR).
91
Para maiores informações e referências bibliográficas acerca da documentação relativa às leis e contratos
firmados para a construção do Mercado de Peixe, v. BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de
Belém, op. cit., 1902, p. 377-393.
57

destinado à comercialização de pescado, verduras, frutas, farinha de mandioca e outros


artigos alimentícios. Em 24 de janeiro de 1898, um edital é publicado pela Intendência
Municipal – em Belém e no Rio de Janeiro, além dos Estados Unidos, Inglaterra, França e
Bélgica – e que abriria a referida concorrência para o recebimento de plantas e propostas
para construção e exploração do mercado. Finalizado o prazo para o recebimento de
propostas – que foi inicialmente de seis meses e depois prorrogado por mais três meses –
apenas uma proposta foi apresentada: a dos engenheiros Bento Miranda e Raymundo
Vianna, que foi aprovada pelo Conselho Municipal em 24 de março de 1899.
As obras para a construção do edifício têm início ainda em 1899 92 , e na segunda
quinzena de novembro de 1901 o Intendente recebeu a comunicação oficial da conclusão
dos trabalhos do edifício, sendo este inaugurado – após a devida inspeção – em 1o de
dezembro de 1901. Sobre a inauguração do mercado, o Lemos 93 afirma:
“Não foi essa inauguração um facto commum, que pudesse passar desapercebido pela
alma popular, sempre disposta aos maiores enthusiasmos. Desde as primeiras horas da
manhã, o estabelecimento achava-se circundado por grande massa de povo, que queria
assistir com patriotico orgulho e com viva satisfação á abertura do novo mercado, mais
um elemento de progresso para a terra paraense, mais uma prova do empenho com que o
governo municipal se esforça para cumprir o seu dever. Como estava combinado, não
houve pompa na inauguração: foi uma festa simples, uma festa digna da iniciativa, do
escopo, do modo por que o mercado passou da idéa para a realização. Assististes,
senhores Vogaes, áquela generosa e bella festa, sem luxo de phrases sonorosas (...),
como todas as datas que assignalam a marcha para avante de uma civilização operosa.
Como no publico, deve o novo melhoramento ter causado em vosso espirito a mais
brilhante e agradável impressão, pelo aspecto que apresentava, considerado sob os
pontos de vista de sua solidez, elegancia e hygiene.”
O mercado refletia, em seu material e em sua arquitetura industrializada, os
ansiados ideais de modernidade. Tratava-se de um edifício térreo, com quatro torres
localizadas em cada uma de suas extremidades, com estrutura em perfis metálicos
combinados entre si, vedação em chapas – aparentemente – estampadas e corrugadas, do
mesmo material, e cobertura com estrutura também em perfis metálicos combinados entre
si e telhas cerâmicas. O edifício logo foi considerado um dos melhores mercados do
Brasil 94 , mantendo-se sempre muito bem abastecido por frutas, verduras, hortaliças,
pescado, etc., além de contar com uma forte fiscalização, a fim de garantir a higiene e a
qualidade dos produtos comercializados.
Mas a cidade crescia e o Mercado de Ferro, juntamente com o Mercado
Municipal já não atendiam a demanda da população. Além disso, o Mercado Municipal
92
BELÉM, Intendência Municipal de. Coleção dos Relatórios dos Intendentes Municipais de Belém dos
annos de 1898 a 1901, op. cit., p. 81.
93
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 72-73.
94
SARGES, Maria de Nazaré. op. cit., p. 172.
58

não se enquadrava aos novos padrões de higiene e modernidade idealizados por Lemos e
pelas elites locais. O abandono e o descaso da Municipalidade nos governos anteriores e
dos comerciantes levaram também o Mercado Municipal a um estado precário de
conservação. Sobre o estado no qual o Mercado Municipal se encontrava, Lemos 95
escreveu:
“(...) apresentava um aspecto deveras repugnante, com as paredes ennegrecidas, o chão
immundo, a desorganisação do serviço administrativo, a incuria da fiscalisação, a
indisciplina dos mercadores alli estabelecidos, a balburdia imperando dominantemente
por toda a parte, não obstante os esforços do probidoso funcionario que o dirigia e ainda
hoje o dirige!”
Desta forma, ao assumir a Intendência, Lemos – dentro de sua política saneadora
– procurou melhorar as condições de higiene do estabelecimento, além de tomar uma série
de medidas de modo a regularizar o comércio de alimentos, controlando a entrada e saída
de produtos e procurando setorizar os espaços de modo coerente, a fim de otimizar os
serviços e o comércio em geral. Todas essas medidas contribuíram para uma melhoria das
condições tanto do estabelecimento quanto das atividades nele desenvolvidas, no entanto, a
demanda cada vez maior – em virtude do crescimento demográfico, que acompanhava de
perto o crescimento econômico – exigia mudanças mais profundas. Isso foi expresso
diversas vezes pelo Intendente em seus Relatórios, como pode-se observar no trecho a
seguir, extraído do Relatório de 1903 96 :
“O Mercado municipal, não obstante seu aspecto antigo, póde ainda prestar mui valiosos
serviços. Muito bem localizado, no centro de importantíssimo bairro e vizinho ao littoral,
dispõe de sólidos alicerces, n’uma área consideravelmente vasta. Creio poder aproveital-
o de modo conveniente, ampliando-o e elevando-o, de modo a tornar duplo ou triplo seu
rendimento mensal, – caso não seja preferível concedel-o a empresa particular que
effetue todos os gastos , restituindo-o de novo á Indendencia, após um praso razoavel de
exploração.”
O antigo mercado possuía uma excelente localização bem no centro comercial de
então e muito próximo da zona portuária e da doca do Ver-o-Peso, de onde constantemente
chegavam mercadorias para abastecê-lo. Desta forma, o local era propício e com as
grandes dimensões do terreno, era bastante apropriada a idéia de reforma e ampliação.
Assim, Lemos solicita à Câmara permissão para que o mercado passasse por um processo
de reforma, ampliação e modernização de suas estruturas, o que é aceito e em 4 de março
de 1904 foi aprovada pela Câmara a lei n° 384, que autorizou a abertura de licitação e a
contratação das obras. Em seu Relatório de 1904 97 a Intendência informa que a proposta

95
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 67.
96
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1903, p. 73.
97
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904, p. 126.
59

apresentada pelos comerciantes Joaquim da Silva Vidinha, Joaquim Mendes Corrêa,


Bernardino da Cunha Mendes e o industrial major Antonio Pinto Xavier foi aceita, sendo o
contrato assinado em 16 de maio daquele ano, e aprovado pelo Conselho Municipal ainda
em junho do mesmo ano. Resolvidas as questões burocráticas, em 1° de agosto de 1904
começam as obras de reforma do edifício, sob a empreitada de J. S. de Freitas & Cª, e que
limitavam-se à construção de um segundo pavimento sobre o antigo prédio do mercado e a
alguns melhoramentos nos compartimentos externos do pavimento térreo. É importante
ressaltar que pelo que pôde ser observado nos relatórios da Intendência 98 , as obras no
Mercado Municipal foram realizadas sem que o mesmo fosse fechado, a fim de que não
houvesse problemas com o abastecimento de alimentos para a população da cidade – que
neste caso contaria apenas com o recém inaugurado Mercado de Peixe – e nem tão pouco
os comerciantes do mercado fossem prejudicados durante o período que o mesmo
permanecesse fechado.
Sobre o início das obras, afirma-se no Relatório de 1904 99 :
“Os trabalhos de ampliação e elevação do Mercado Municipal, contractados com os
commerciantes Joaquim da Silva Vidinha, Joaquim Mendes Corrêa, Bernardino da
Cunha Mendes e o industrial major Antonio Pinto Xavier, estão sendo desempenhados
com escrupulosa observancia da planta approvada, sob a competente fiscalização do
illustre sr. dr. João Antonio Luiz Coelho, secretario effectivo da Intendência e fiscal das
alludidas obras.”
Os trabalhos iniciais foram no sentido de renovar o antigo reboco das paredes
externas do edifício, além da necessidade de se refazer parte das paredes e das arcadas no
lado oriental do prédio. Foram também iniciados os trabalhos de construção de um
pavimento superior para a edificação. De acordo com o referido relatório, no mês de
novembro daquele ano já se encontravam quase concluídos os trabalhos no lado da
travessa Oriental do Mercado, e no do boulevard da República já eram feitos os trabalhos
de cobertura do novo pavimento.
Os trabalhos prosseguiram e, em 30 de setembro de 1905, foram concluídas as
obras dessa primeira fase, que compreenderam a construção de um novo pavimento com as
mesmas proporções do pavimento térreo, além dos trabalhos de cobertura do novo
pavimento e de melhoria e renovação das fachadas. No entanto, depois de concluídos estes
trabalhos iniciais, a Intendência decide implementar também melhorias no pavimento
térreo, tais como melhorias nas galerias, nos aparadores para venda de mercadorias, nos

98
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904/1908.
99
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1904, p. 129.
60

talhos, etc., a fim de tornar o mercado mais moderno e higiênico, e incumbe o engenheiro
Francisco Bolonha de levá-los adiante.
No Relatório de 1906 100 , Lemos informa que firmou, em 31 de maio de 1906,
contrato com o engenheiro Francisco Bolonha para a instalação e concessão de exploração
de aparadores a serem instalados no pátio central, corredores e entradas do mercado. De
igual modo, a Municipalidade também firma contrato com o mesmo engenheiro para
instalação e exploração dos talhos onde era vendida a carne verde no mercado, em 30 de
novembro de 1906. Os trabalhos prosseguem em todo o ano de 1906 e 1907: é construída
uma marquise junto às arcadas das galerias que dão para o pátio interno do edifício, onde
também foram instalados aparadores para venda de mercadorias, além de serem montados
quatro pavilhões de ferro vindos de Glasgow no local dos antigos pavilhões de madeira,
onde foram instalados os novos talhos para comercialização da carne; um pavilhão de
comodidade, que abrigaria as instalações sanitárias do edifício; e um reservatório suspenso
para abastecimento do mercado.
Finalmente, em 17 de dezembro de 1908 o novo e melhorado Mercado Municipal
foi, enfim, inaugurado. Segundo Lemos, em seu Relatório de 1908 101 , os melhoramentos
feitos no Mercado Municipal dão “(...) um outro e novo aspecto, agradável sob todos os
pontos de vista, da hygiene, da estabilidade e, direi mesmo, da esthetica”. Segundo notícia
saída num jornal 102 de grande circulação na cidade naquele período, a expressão de
admiração em relação ao novo edifício do mercado foi intensa, o que denota a grande
receptividade que a obra obteve.
Como foi visto, essas duas grandes obras demonstram uma nítida busca por uma
modernidade, expressa aqui tanto na escolha dos materiais quanto na adoção de uma
arquitetura próxima do que se praticava no restante do mundo 103 para este tipo de
edificação, implementando na cidade o que havia de mais moderno no que tange ao
comércio de alimentos. Os mercados são, sem dúvida, duas grandes obras da Intendência
que representam de forma muito clara o projeto de modernidade pensado pelas elites locais
durante o fausto vivenciado no auge do ciclo da borracha.

100
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1906, p. 104.
101
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1908, p. 144-145.
102
Artigo publicado no jornal A Província do Pará, de 18 de dezembro de 1908, sob o título “O Mercado
Municipal”.
103
A arquitetura do ferro foi amplamente utilizada para construção de mercados em diversas partes do
mundo.
61

2. OS MERCADOS DO VER-O-PESO EM BELÉM

2. 1 - O Mercado de Carne:

2.1.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas:


Trata-se de um edifício de beleza singular e extremamente representativo da
arquitetura da época da borracha, sobretudo no que se refere à arquitetura do ferro. Seu
exterior de alvenaria de modo algum denuncia o que se encontra no seu interior, não só
pela beleza e leveza obtidas a partir das peças de ferro como também pela surpreendente
plasticidade observada no conjunto.
Como foi visto antes, o edifício foi originalmente construído em 1867, mas sofreu
grande reforma e ampliações durante a gestão do Intendente Antônio Lemos, que
resultaram no edifício cujas características principais permanecem até hoje. Assim, seria
interessante fazer, de início, uma descrição do mercado quando de sua inauguração pela
Intendência Municipal, em 1908.
Externamente, o novo edifício era dotado de fachadas com linguagem neoclássica
e possuía dois pavimentos, com lojas com entradas externas individuais que se abriam
diretamente para as ruas e travessas que delimitam o quadrilátero que compõe o mercado.
Segundo relatório da Intendência 104 , “(...) as quatro fachadas, na parte correspondente a
cada porta de entrada, fôram ornamentadas com decorações feitas com arte, nos centros
das quaes, em relêvo, dominam as armas da cidade”. Os antigos portões de madeira do
mercado foram substituídos por outros feitos de ferro forjado e com ornamentação em
bronze que traz as letras MM – de Mercado Municipal, iniciais do edifício – circundadas
por guirlandas de louro, igualmente em bronze. Os portões são encimados por bandeiras
também de ferro forjado, trabalhadas de forma artística e tendo ao centro o escudo
municipal de Belém em alto relevo aplicado sobre uma faixa de bronze onde está escrito
Mercado Municipal. Segundo um dos relatórios 105 do Intendente Lemos, as fachadas do
mercado foram pintadas com tinta na cor cinza, e bem ao meio da platibanda de cada uma
das fachadas – na área que corresponde, no pavimento térreo, a cada uma das entradas do
mercado – havia o escudo de armas da cidade, trabalhado em estuque num tom que o
Intendente chamou de amarelo brando, quase branco. As portas das lojas eram de madeira,
encimadas por bandeiras com gradis de ferro fundido, que – como será visto – faziam
ventilação para o pavimento intermediário.
104
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1906, p. 102.
105
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1905, p. 123.
62

No pavimento térreo havia diversas lojas que, segundo relatório da


Intendência 106 , compunham um total de 51 portas, que constituíam os quartos – ou lojas –
externos do edifício. A parte térrea dessas lojas não é descrita nos relatórios e parece não
ter sofrido modificações durante as obras ocorridas no governo do Intendente Lemos,
sobretudo pelo fato de que – como foi visto anteriormente – as obras de reforma e
ampliação do mercado foram levadas adiante sem que o mesmo fosse fechado. Os
compartimentos do pavimento superior correspondiam a uma ou mais portas do pavimento
inferior. Seu piso foi assente sobre vigas de acapu – madeira típica da região – e composto
por réguas de acapu, que é uma madeira escura, e pau amarelo, que é uma madeira clara 107 .
A descrição de uma dessas lojas ou quartos – como eram chamados nos relatórios da
Intendência – dá conta de que os mesmos eram
“(...) divididos n’uma sala muito espaçosa, arejada por duas janellas, olhando para a via
pública, communicando-se por meio de uma só porta com uma dependência de
dimensões inferiores, também servida por duas janellas, dando para o pateo interno da
casa, as quaes serão protegidas por gradis de ferro, para evitar o assalto de ladrões.
N’uma pequena divisão de tabique, á direita do compartimento menor, há dois gabinetes,
com latrina ingleza e banheiro.
Além d’esse pavimento, cada quarto do rez do chão possúe um amplo sotão, com cerca
de 2 metros de altura, sem inclinação alguma no tecto, perfeitamente ventilado pelas
108
bandeiras das portas correspondentes, constituindo optimo deposito” .
Cada quarto – ou loja – térreo tinha seu acesso individual ao correspondente
compartimento superior, que era feito através de escadas. Como foi visto na descrição
acima, havia ainda um compartimento intermediário – que o Intendente chamou de sótão e
que era usado para depósito de mercadorias pelos proprietários das respectivas lojas.
Não se encontram registros nem nos relatórios nem em nenhum outro tipo de
documentação do período acerca do uso destinado aos compartimentos superiores, que –
como visto – encontravam-se diretamente ligados a cada uma das lojas sobre as quais
estavam dispostos. No entanto, acredita-se 109 que eram utilizados para habitação pelos
proprietários dessas mesmas lojas, haja vista a disposição de seus ambientes: uma sala
ampla, muito provavelmente utilizada para dormitório; uma sala menor, onde

106
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1906, p. 102.
107
Era muito comum, em Belém, o emprego de réguas de acapu e pau-amarelo, assentadas de forma alterna
para o revestimento dos pisos de madeira.
108
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1905, p. 122.
109
Essas especulações foram levantadas durante a pesquisa feita pelo Programa Monumenta do Ministério da
Cultura do Governo Federal, presentes no memorial que acompanha o projeto de restauro do Mercado de
Carne (documentação esta que pode ser encontrada na Unidade Executora do Programa Monumenta em
Belém, localizada no Palácio Antônio Lemos, sede da Prefeitura Municipal de Belém), e ratificadas em
entrevista feita com a arq. Maria Eugênia Coimbra, coordenadora da unidade executora do programa em
Belém.
63

possivelmente ficaria uma pequena cozinha; e – nesta mesma sala menor – uma pequena
subdivisão para um banheiro. Ora, as atividades comerciais no mercado começavam muito
cedo e todo o deslocamento de mercadorias era feito ali mesmo na região. Como os bairros
mais populares ficavam distantes do centro e o transporte público não tinha a abrangência
de hoje, essa idéia torna-se bastante aceitável. Há ainda outros fatores que justificam essa
teoria e que serão vistos mais adiante, quando for estudada a situação atual do edifício.
Ao entrar no térreo do edifício, tem-se uma série de galerias limitadas pela área
junto às paredes posteriores das lojas que davam para a parte externa do mesmo e pelas
portadas que se abrem para o pátio interno do mercado. Essas galerias são revestidas de
azulejos importados e têm piso de mosaico, sendo que a parte externa das portadas
encontra-se coberta por uma marquise construída com suporte e elementos de sustentação
metálicos, e apoiada sobre consolos ornamentados engastados na parede perimetral do
edifício. A marquise era coberta com chapas de vidro espesso e opaco do tipo cathedral
que dão uma cobertura com projeção horizontal de cerca de 2,00 m. Essa marquise tem a
função de proteger os comerciantes ali instalados do sol e da chuva, além de fornecer uma
iluminação natural abundante. Nessa área das galerias e sob a marquise – mais
especificamente nos membros das portadas – que foram construídos, durante as obras de
reforma e ampliação da Intendência, os aparadores onde eram vendidas flores, frutas,
verduras e legumes, além do comércio de armarinho, cafés econômicos e tabacaria. Estes
aparadores foram distribuídos em secções especiais, de acordo com o gênero de comércio
que cada um deles explorava, num total de 120 aparadores, sendo destes 70 fechados e 50
abertos.
Além dos aparadores, foram instalados também, junto à entrada da Rua 15 de
Novembro, seis mostradores de madeira envernizada e com portas de vidro destinados à
venda de charutos, cigarros, jornais, postais e outras mercadorias. Na porta de entrada, pelo
Boulevard da República e pelas travessas Oriental e Ocidental do mercado, foram
instaladas prateleiras metálicas, fechadas até meia altura, para a venda de farinha, tabaco,
gêneros alimentícios e demais mercadorias.
No pátio central, conservando a mesma disposição dos antigos barracões de
madeira, foram instalados pavilhões metálicos que servem de abrigo para os talhos onde é
vendida a carne, e um pavilhão de comodidade, igualmente metálico, onde funcionavam
instalações sanitárias. Estes pavilhões para a venda de carne foram importados e
confeccionados pela firma Walter MacFarlane, de Glasgow, o que pode ser verificado em
64

suas colunas. A descrição detalhada destes pavilhões é feita num dos jornais 110 na época de
inauguração do mercado.
Segundo esta descrição, os quatro pavilhões de ferro tinham 20 metros de
comprimento por 10 metros de largura e 4 metros de pé-direito. Sua cobertura era em dois
planos: no primeiro plano, era feita com telhas tipo francesa e, no segundo plano, havia
uma clarabóia de vidros do tipo cathedral. Estes planos estavam separados por um
lanternim de 1 metro de altura com venezianas metálicas tipo Louvre. Toda a estrutura da
cobertura era metálica e estava apoiada sobre colunas de ferro fundido com capitel
coríntio.
Os pavilhões eram fechados com portas de ferro – portas de enrolar – situadas
entre as colunas de ferro fundido que sustentam a cobertura. A parte superior às portas de
enrolar é toda circundada por painéis de ferro fundido rendados que, juntamente com as
venezianas do tipo Louvre, auxiliam na ventilação do ambiente.
Cada pavilhão tem duas ordens – ou fileiras – de 10 talhos cada, onde é vendida a
carne verde. Essas ordens encontram-se separadas por um corredor central de 1m de
largura, usado exclusivamente pelos comerciantes e que dava acesso ao interior dos talhos
através parte posterior dos mesmos. Na frente dos talhos, tem-se um corredor com cerca de
1,50m de largura, funcionando como área de circulação dos pavilhões e também para que a
população possa escolher e comprar a carne negociada nos talhos.
Cada talho mede 2m de largura por 2,50m de fundos. São constituídos por stalls
separadas por painéis de ferro emoldurados, até a altura de um metro e daí para cima – até
uma altura total de cerca de 2,50m – por painéis de tela de ferro galvanizado, para que
possa haver contato entre uma e outra stall e que a ventilação seja mais eficiente no interior
dos pavilhões. A frente dos talhos é composta por painéis com grades de ferro e motivos de
ornamentação de bronze, que suportavam um balcão com placa de mármore de 45cm de
largura por 5cm de espessura, sendo que o mármore era branco com veios em dois
pavilhões, e vermelho nos outros dois. Sobre o centro de cada talho foi instalada uma
balança de suspensão sobre coluna de metal amarelo, encimada por uma cabeça de boi, de
cuja boca pendiam os aros – do mesmo metal – que suportavam as placas de mármore
branco, onde a carne era pesada. Essas balanças eram de fabricação portuguesa e estavam
providas de um jogo completo de pesos de metal que iam desde 100g até 20kg. Cada talho

110
Artigo publicado no jornal A Província do Pará, de 18 de dezembro de 1908, sob o título “O Mercado
Municipal”. Nota-se que no relatório de 1908, na página 144, o Intendente cita a presença do jornalista
Raymundo Rocha Moreira, responsável pelo artigo acima citado.
65

também possuía dois cepos sobre pés de ferro. Tanto os painéis divisórios entre os talhos
quanto à parte posterior destes, são encimados por belos e artísticos motivos de
ornamentação de bronze. Cada talho era numerado com uma placa de ferro esmaltado, em
forma de escudo, que trazia o número correspondente ao talho e ao respectivo pavilhão (A,
B, C ou D).
No centro do pátio interno do mercado, foi construído um pavilhão de ferro, que a
Intendência chamou de pavilhão de comodidade, e que contava com 5 metros de
comprimento por 4 metros de largura. No interior deste pavilhão encontrava-se, de um
lado, um mictório com três bacias verticais de opalina, arrematadas – em sua parte superior
– por placas de mármore royal-rouge; do outro lado, foram instalados cinco water closets
com tampa de suspensão automática, separados por divisões de mármore com portas de
madeira de funcionamento automático. Havia também neste pavilhão um lavatório de
fonte e mármore com espelho de cristal bisotê.
Os quatro pavilhões onde era vendida carne tinham o piso originalmente
revestido com ladrilhos de mosaico. Os balcões de mármore possuíam cinco gavetas, sendo
duas destinadas ao produto das vendas e três para guardar os utensílios e roupas dos
talhadores.
O chalé de ferro do pavilhão de comodidade foi construído por firma francesa,
segundo relatório da Intendência 111 . Os aparelhos sanitários usados neste pavilhão eram o
que havia de mais moderno na época e foram fabricados pela Dontton & Cª., da Inglaterra.
O piso era de mosaico.
O mercado possuía, ainda um belo reservatório de água – com capacidade para
dezesseis mil litros – e que estava disposto sobre uma forte coluna de ferro fundido de 6
metros de altura – igualmente em ferro – e dotado de consolos na sua parte superior, que
sustentavam a plataforma onde repousava a cuba reservatória, sendo o acesso ao mesmo
feito através de uma escada em caracol igualmente de ferro. A torre recebia água no
encanamento geral da cidade, e era responsável pelo abastecimento completo do
estabelecimento, o que era feito de forma bastante satisfatória, uma vez que cada um dos
talhos possuía uma torneira de ¾ niquelada para sua serventia, além de diversas torneiras
espalhadas por todos os recantos do edifício, com bocal adaptável a mangueiras de
borracha, possibilitando uma limpeza fácil e rápida.

111
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit.,1905, p. 124.
66

Entre os pavilhões A, B,C e D existem duas ruas que se cruzam no centro do


edifício – onde fica o pavilhão de comodidade – e outras quatro ruas paralelas às paredes
internas do quadrilátero do edifício de alvenaria. As duas ruas centrais têm 5m de largura
uniforme e as outras quatro ruas têm largura variável, de 2 a 5 metros , em função do
quadrilátero que constitui o pátio interno do edifício ter forma irregular. As ruas do
quadrilátero interno do edifício eram calçadas com lajes estriadas de cimento comprido,
assentes sobre uma base de concreto, sendo as mesmas de fabricação nacional, da fabrica
de artigos de cerâmica do Dr. Domingos Acatauassú Nunes, na capital. Os corredores dos
pavilhões eram calçados com mosaicos poligonais de grés de fabricação inglesa.
Nas ruas centrais do pátio interno foram instalados dois chafarizes de fonte e uma
fonte para beber água, com copos de alumínio e receptáculo para os sobejos d’água,
constituindo-se numa construção elegante, com trabalhoso frontão assente sobre quatro
colunas.
O sistema de esgoto do mercado também foi completamente refeito durante os
trabalhos de reforma e ampliação feitos pelo Intendente Antônio Lemos, passando a contar
com um coletor geral abobadado, de alvenaria de tijolos, e diversas derivações de tubos de
grés vidrado de diferentes diâmetros, que variam de 4” a 8” e que conduzem todas as águas
pluviais e de lavagem ao coletor central que, juntamente com uma derivação especial
destinada a coletar o esgoto do pavilhão de comodidade, ligam-se ao coletor urbano que
passa sob o leito do Boulevard da República.
No que se refere à tipologia, o Mercado de Carne é classificado por Silva 112 como
mercado aberto. Como visto durante a descrição dos trabalhos feitos pela Intendência, o
mercado possui uma disposição bastante particular tendo seu corpo principal de alvenaria
de tijolos com lojas independentes abrindo-se para as ruas e travessas que circundam o
edifício e quatro entradas dispostas em cada uma das faces do mesmo, que dão acesso às
galerias térreas que se abrem para um imenso pátio interno, onde se encontram quatro
grandes pavilhões de ferro ricamente trabalhado, dispostos de forma simétrica em relação a
um pavilhão central, de tamanho menor e igualmente de ferro. Esta tipologia resulta
bastante particular se comparada com os outros exemplares de mercados da arquitetura de
ferro espalhados pelo país. Dos mercados abertos citados por Silva 113 , apenas os mercados
de Belém, Manaus e Pelotas apresentam edifício principal de alvenaria de tijolos e
pavilhões metálicos. Destes, apenas os edifícios de Belém e Pelotas têm algumas

112
Cf. SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit,, p. 180.
113
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 162-189.
67

características morfológicas semelhantes, como grande edifício em quadro, construído de


alvenaria de tijolos, com lojas externas dispostas nas quatro faces da edificação; quatro
acessos, sendo um em cada face; e grande pátio interno com edifício metálico. No entanto,
para Silva 114 , as semelhanças terminam aí, visto que o edifício metálico de pelotas foi – ao
que parece – construído simultaneamente com o edifício de alvenaria. Além disso, como já
foi mencionado, o Mercado de Carne possui ainda um pavimento intermediário – para
depósito – e outro superior construído sobre as lojas térreas e galerias, o que resulta numa
configuração única 115 se comparada a dos demais mercados listados por Silva 116 .
Quanto ao sistema construtivo, como visto, o Mercado Municipal é uma
composição mista cujo corpo central, de dois pavimentos, foi construído com um
arcabouço de alvenaria de tijolos e argamassa de cimento e areia fazendo a vedação
externa do edifício e as divisões internas do pavimento térreo, e paredes de tabique de
madeira real compondo as divisões dos compartimentos do pavimento superior. O sistema
de cobertura do edifício principal de alvenaria é feito com estrutura em madeira, coberto
por telhas cerâmicas no pavimento superior e marquise com estrutura de sustentação
metálica, coberta com chapas de vidro espesso e opaco na área externa às galerias do
pavimento térreo.
Nos quatro pavilhões de comércio e no pavilhão de comodidade foi empregado o
ferro, que nos pavilhões A, B, C e D se apresenta, como vimos com uma estrutura de
colunas de ferro fundido que sustentam o telhado com estrutura metálica e cobertura mista
de telhas cerâmicas no plano inferior e clarabóia de vidro cathedral no plano superior,
separadas por venezianas metálicas tipo Louvre.
No pavilhão de comodidade, temos uma edificação com estrutura feita em perfis
metálicos, com vedação em chapas metálicas estampadas. A estrutura do telhado é
igualmente feita com perfis metálicos e cobertura mista sendo de telhas cerâmicas no plano
inferior e uma clarabóia de vidro cathedral no plano superior, separados por um sistema de
venezianas do tipo Louvre.
Esta era a configuração do Mercado de Carne, quando foi inaugurado pela
Intendência Municipal em dezembro de 1908, após os trabalhos de ampliação e reforma.
No entanto, no decorrer dos anos, o mercado foi sofrendo algumas pequenas modificações

114
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit, p. 189.
115
O Mercado de Peixe em Belém também possui um pavimento sobre o nível térreo na área das lojas
externas, destinado a depósito ou habitação, mas trata-se de um mercado fechado.
116
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 138-189.
68

que suprimiram ou alteraram de alguma forma seus elementos, sem contudo


descaracterizá-lo.
Durante a pesquisa 117 , não foram encontrados registros de alterações sofridas
pelo Mercado Municipal. No entanto, através de planta 118 de levantamento, realizada em
1979 pela Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém (CODEM), para os
trabalhos da intervenção que o mercado sofreria nos anos 80 119 , pode-se extrair algumas
informações sobre como o mercado se encontrava até aquele momento.
Pela planta, percebe-se que as lojas do pavimento térreo haviam sofrido
modificações, uma vez que algumas haviam avançado em direção às galerias do pátio
central, possivelmente a fim de aumentar sua área. Também é muito provável que ao longo
dos anos,

117
Foram consultados os arquivos da Secretaria Municipal de Urbanismo, da Companhia de
Desenvolvimento Metropolitano do Município de Belém, do Departamento de Patrimônio Histórico da
Fundação Cultural do Município de Belém e da superintendência regional do Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, a fim de que fossem encontrados registros de eventuais intervenções sofridas
pelo Mercado de Carne. No entanto, não foi obtido nenhum material. Nos arquivos da Companhia de
Desenvolvimento Metropolitano do Município de Belém foram encontradas plantas – datadas de 1980 – com
propostas de intervenção no referido mercado, mas esta intervenção não chegou a ser realizada,
permanecendo apenas o projeto. Sabe-se, contudo, que o edifício havia passado por uma pequena
intervenção, muito mais inclinada a uma reforma do que a uma intervenção restaurativa, o que foi ratificado
pela arq. Filomena Mata Longo, do Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural do
Município de Belém, em entrevista realizada durante os trabalhos de campo da pesquisa desta dissertação,
em outubro de 2006. No entanto, até o momento também não foram encontrados documentos ou plantas que
registrassem esta pequena intervenção, nem durante a pesquisa para a dissertação nem tão pouco durante o
levantamento feito pelo Programa Monumenta para o projeto da nova intervenção a ser realizada. O que foi
confirmado pela coordenadora da unidade executora do programa em Belém, arq. Maria Eugênia Coimbra.
118
A referida planta encontrava-se perdida entre os arquivos da Companhia de Desenvolvimento
Metropolitano de Belém, e foi achada durante a pesquisa iconográfica, graças à ajuda do professor da
Universidade da Amazônia, arq. José Akel Fares, que muito gentilmente auxiliou na busca de material
iconográfico na Companhia, da qual faz parte do quadro de funcionários.
119
Esta intervenção, como já foi dito, não chegou a ser realizada.
69

Figura 43 – Mercado de Carne Figura 44 – Mercado de Carne


Fachada da rua 15 de Novembro, em foto de Fachada da rua 15 de Novembro logo após a
época. conclusão das obras de construção do pavimento
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. superior, em 1905.
113. Fonte: BELÉM, Intendência Municipal de. O
Município de Belém, op. cit., 1905. op. cit., p.
121.

Figura 45 – Interior do Mercado de Carne Figura 46 – Interior do Mercado de


Fotografia mostrando o grande pátio interno do Carne
mercado. Fotografia, sem data, mostrando um dos
Fonte: Arquivos do IPHAN – PA/AP (dezembro pavilhões de ferro.
de 1999). Fonte: Arquivos do IPHAN – PA/AP.

Figura 47 – Mercado Municipal Figura 48 – Mercado Municipal


Fotografia, sem data, da fachada do Boulevard Fotografia sem data mostrando detalhe de um
Castilho França. dos portões de acesso, já bastante deteriorado.
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. Fonte: Arquivos do IPHAN – PA/AP.
80.
70

Figura 48 – Mercado de Carne: Planta do Pavimento Térreo


Planta esquemática feita a partir da planta fornecida pela CODEM.

Figura 49 – Mercado de Carne: Planta do Pavimento


Intermediário
Planta esquemática feita a partir da planta fornecida pela CODEM.
71

Figura 50 – Mercado de Carne: Planta do Pavimento Superior


Planta esquemática feita a partir da planta fornecida pela CODEM 120 .

120
Todas as plantas esquemáticas desta dissertação foram executadas pela própria autora a partir dos
originais entregues em formato digital (.dwg) pelas entidades consultadas (CODEM, SEURB e IPHAN).
72

algumas lojas ou compartimentos exteriores tenham sofrido compartimentações, dividindo-


se em outras lojas menores, ou mesmo que tenham ocorrido adições, quando um mesmo
proprietário fez uso de mais de um compartimento exterior para atender a uma mesma loja,
suprimindo-se algumas de suas divisões originais. Essas novas paredes foram construídas
de alvenaria de tijolos. No pavimento intermediário, que se destinava originalmente para
depósito de mercadorias, ocorreu o mesmo fato: as lojas que avançaram em direção às
arcadas do pátio interno do mercado no primeiro pavimento subiram até o pavimento
intermediário, nivelando-se com as paredes já existentes no pavimento superior.
Os compartimentos do pavimento intermediário permaneceram, na sua grande
maioria, com a função de depósito, excetuando-se – aqui – oito compartimentos em que
aparentemente não havia nada 121 no pavimento intermediário e um em que funcionava um
restaurante no mesmo.
Já no pavimento superior, aparentemente ocorreram muitas modificações no que
se refere à disposição dos ambientes. De acordo com a planta, apenas uma das lojas
apresenta uma estrutura muito semelhante à descrita nos relatórios da Intendência
Municipal 122 , e mesmo assim com algumas modificações na sala maior. A grande maioria
foi profundamente descaracterizada, sofrendo modificações como acréscimo de outros
compartimentos e supressão de alguns compartimentos originais. Além disso, muitas lojas
passaram – nesse nível – a ter função de depósito, excetuando-se quatro lojas que
permaneceram como habitação, uma outra que passou a ser escritório e uma última que
abrigava um laboratório. Também segundo a planta, algumas janelas do pavimento
superior foram modificadas: nessas janelas, o vão original foi dividido em dois outros
vãos, dando origem a duas janelas.
Nas galerias que dão para o grande pátio, no interior do edifício, foram
construídas algumas paredes onde passaram a funcionar pequenos depósitos, além de um
frigorífico. Nas galerias, no lado voltado para a Rua 15 de Novembro e parte daquele
voltado para a rua Oriental do Mercado ainda funcionavam algumas cozinhas econômicas,
mas provavelmente

121
Na planta de levantamento, esses compartimentos aparecem como espaços vazios. É muito provável que,
nesses casos, tenha sido abolido o pavimento intermediário da loja ou compartimento externo, permanecendo
apenas os pavimentos térreo e superior.
122
Relembrando, segundo a descrição do Relatório de 1905, cada compartimento superior tinha uma ampla
sala, com uma sala menor ao lado, onde funcionaria uma cozinha, e, num dos lados desta sala menor, outros
dois pequenos compartimentos para chuveiro e w.c.
73

Figura 51 – Mercado de Carne: Planta do Pavimento Térreo


Planta esquemática feita a partir da planta fornecida pelo Monumenta.

Figura 52 – Mercado de Carne: Planta do Pavimento Superior


Planta esquemática feita a partir da planta fornecida pela Monumenta.
74

resultante da intervenção ainda não datada 123 . Junto às arcadas, aparentemente ainda havia
alguns aparadores para a venda de mercadorias, mas não há informações na planta se eram
os mesmos da época de Lemos.
Quanto aos pavilhões de ferro, dois deles – aparentemente – permaneceram com a
mesma estrutura dos talhos originais. Nos outros dois pavilhões, numa das ordens de talhos
de um deles houve uma total descaracterização com mudanças na disposição dos talhos e –
pelo que pôde ser observado na planta da proposta de intervenção – a adoção de talhos de
alvenaria, e no outro, parte dessa ordem de talhos foi descaracterizada da mesma forma.
No que se refere à estrutura dos quatro grandes pavilhões, não houve mudança aparente.
O pavilhão de comodidade foi bastante descaracterizado internamente, perdendo
suas divisões internas e as louças, passando apenas a ser uma grande sala para a
administração do mercado.
A caixa d’água instalada por Lemos para o abastecimento do mercado foi retirada
e foi instalada uma grade de proteção sobre a parte descoberta do pátio interno a fim de
evitar a invasão de aves de rapina à procura de restos de carne. Estas foram as alterações
detectadas através da análise da planta de 1979.
Em maio de 1988 o Mercado de Carne sofreu um incêndio. O fogo começou
numa das lojas – ou compartimentos externos – localizada na Rua Oriental do Mercado.
Quando os bombeiros conseguiram conter o incêndio, três lojas já haviam sido destruídas:
a Casa Boa Esperança, a Casa Lima e o Varejão Oriental. O prejuízo para os lojistas foi
grande, mas não houve comprometimento da estrutura no local do incêndio. Os trabalhos
de recuperação foram feitos pelos próprios lojistas. Não foram encontradas nos jornais da
época notícias sobre a causa deste incêndio, mas acredita-se que tenha sido por
complicações na rede elétrica de uma das lojas.
Em julho de 1988 o mercado sofreu novo incêndio, poucos meses depois da
ocorrência do primeiro. Este novo incêndio atingiu quatro lojas externas do mercado. A
estrutura do vigamento do piso do pavimento superior destas lojas foi muito danificada
pelo fogo, tendo que ser demolido nessa área. Segundo notícia de jornal da época, o
incêndio poderia ter sido muito pior, uma vez que foi descoberta grande quantidade de
pólvora armazenada numa das lojas externas próximas as que sofreram o incêndio. As
causas do incêndio não constam das notícias posteriores, mas chegou-se a acreditar que o

123
Este fato foi confirmado durante a realização da documentação fotográfica e pela análise de plantas
recentes do mercado, visto que os materiais empregados para revestimento dessas cozinhas são semelhantes
aos empregados nas alterações feitas nos talhos, e diferem daqueles empregados no restante do edifício.
75

incêndio tenha sido criminoso. Novamente, a recuperação ficou por conta dos proprietários
das lojas atingidas.
O que se pôde observar durante a pesquisa é que, no decorrer dos anos, as
modificações e intervenções sofridas pelo Mercado de Carne alteraram principalmente
algumas de suas características arquitetônicas, sobretudo no que diz respeito à disposição
de ambientes e revestimentos. Como foi visto, com o passar do tempo, diversas pequenas
intervenções foram feitas por iniciativa dos próprios comerciantes do mercado – como no
caso das ampliações das lojas externas e das mudanças em alguns dos talhos dos grandes
pavilhões do pátio interno – ou por consentimento da administração do mercado – como no
caso dos compartimentos externos do edifício – e até mesmo por iniciativa da própria
administração, como no caso das alterações no pavilhão de comodidade e da retirada da
caixa d’água.

2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:


Como foi visto anteriormente, o Mercado Municipal sofreu – ao longo dos seus
mais de cem anos de existência – algumas modificações que, de alguma forma, acabaram
por interferir ou alterar sua configuração – interna e externa – além da forma de utilização
e ocupação de seus ambientes. O mercado não passou por nenhum tipo de manutenção
periódica, e – como resultado disto – encontra-se 124 atualmente bastante deteriorado em
diversos pontos, tanto no edifício de alvenaria de tijolos quanto nos pavilhões de ferro.
As lojas ou compartimentos do pavimento térreo sofreram – conforme
mencionado – várias modificações quanto à disposição das paredes divisórias entre as
mesmas. Desta forma, é muito provável que haja bem poucas paredes originais. Os
revestimentos de piso e parede dessas lojas também foram bastante modificados: não há
mais revestimentos de piso originais, e – em algumas lojas – existe hoje revestimento
cerâmico inclusive nas paredes. No pavimento intermediário – originalmente criado para
abrigar os depósitos das lojas térreas – também sofreu alterações. Atualmente, eles existem
em algumas lojas, mas em diversos casos, não ocupam mais toda a superfície das mesmas,
como originalmente era feito. Com o progressivo esvaziamento do centro histórico de

124
As descrições que se seguem são baseadas em visita de campo e no levantamento fotográfico realizados
em outubro de 2006, além de informações colhidas junto à coordenadoria da unidade executora do Programa
Monumenta em Belém.
76

Belém como local de moradia, os compartimentos superiores das lojas passaram a ser
usados como depósitos ou, algumas vezes, permanecem vazios.
Não foi possível o acesso aos pavimentos intermediário e superior 125 . No entanto,
foram colhidas algumas informações junto ao Programa Monumenta 126 do Ministério da
Cultura do Governo Federal, que forneceu uma documentação da qual consta um
levantamento feito quando da elaboração do projeto de intervenção. De acordo com esta
documentação, permanecem os pisos em tábuas de madeira apoiadas sobre barrotes
também de madeira. Ainda de acordo com a documentação, não foram vistoriadas as
cabeças dos barrotes, mas acredita-se que existam danos causados pela umidade resultante
de infiltrações nas alvenarias. As lojas do pavimento térreo apresentam piso de cerâmica
vermelha, em sua grande maioria. As poucas lojas em que este piso não é utilizado, são
lojas de maior padrão, onde o piso é revestido de lajotas cerâmicas mais modernas.
Também não foi permitido o acesso aos pavimentos intermediário e superior, a
fim de que fossem examinadas as paredes internas desses pavimentos das lojas. No
entanto, é muito provável que as mesmas se encontrem bastante deterioradas em função de
muitos de seus compartimentos permanecerem desocupados e sem nenhum tipo de
manutenção.
De acordo com a documentação do Monumenta, nos forros do pavimento
superior – que foram assentados no sistema saia-camisa fixada a caibros de madeira
apoiados nas tesouras – notam-se falhas causadas por ataque de umidade ou xilófagos. Nas
lojas térreas também se verificam alguns pontos de deterioração nos forros, mas o estado
geral de conservação destes é bem melhor, sobretudo por se tratar de forros de lojas.
Verificou-se – ainda – que as lojas do pavimento térreo apresentam-se ocupadas
por todo o tipo de atividades, que vão desde lojas de produtos artesanais, até lojas de
materiais elétricos, armarinhos e artigos de umbanda.
No que diz respeito às fachadas, o estado de conservação do reboco das paredes é
variável, apresentando algumas áreas de danos, sobretudo no pavimento superior. No
entanto, não foi possível uma observação mais detalhada do estado de conservação destas
áreas em função da impossibilidade de acesso às mesmas. Na área da fachada que
corresponde ao pavimento térreo, observa-se a ocorrência de partes faltantes e

125
Os proprietários das lojas externas não permitiram que as mesmas fossem fotografadas, nem que fossem
examinados os compartimentos – intermediário e superior – das mesmas. No entanto, algumas fotos foram
tiradas a distância a fim de que fosse possível ao menos uma pequena amostra da atual situação do edifício.
126
O Mercado de Carne faz parte do Programa Monumenta, do Governo Federal. A restauração do edifício
será feita numa parceria entre a Prefeitura de Belém e a União, sendo que as obras começaram em janeiro de
2007.
77

descascamento do reboco, além da pintura estar – de um modo geral – bastante


deteriorada 127 , apresentando ainda algumas pixações, em função do vandalismo. Na
platibanda, há algumas áreas extremamente deterioradas, sobretudo próximo a travessa
Oriental do Mercado. Nessas áreas, observam-se manchas negras em diversos pontos e –
em algumas partes – nota-se ainda a presença de vegetação na alvenaria.
No pavimento térreo, todas as portas originais das lojas – que eram de madeira –
foram substituídas por portas metálicas de enrolar, mas as bandeiras em grades de ferro
foram mantidas. Algumas destas portas – assim como as bandeiras – apresentam pontos de
oxidação e pintura deteriorada.
As janelas do pavimento superior – tanto as que abrem para as ruas quanto as que
estão voltadas para o interior do mercado – apresentam estado de conservação bastante
variável, estando – em geral – com algum tipo de deterioração. Algumas apresentam
apenas a pintura deteriorada, em outras, observa-se ainda uma deterioração na madeira,
provavelmente causada pela umidade ou por xilófagos. Alguns vidros das janelas do
pavimento superior encontram-se quebrados ou mesmo faltando.
As escadas existentes nas lojas – e que dão acesso tanto ao pavimento
intermediário quanto ao superior – não puderam ser observadas 128 , mas é muito provável
que grande parte das mesmas tenha sido substituída, em função das inúmeras modificações
sofridas nessas áreas no decorrer dos anos.
Os quatro grandes e belíssimos portões de acesso – localizados em cada uma das
fachadas do edifício – apresentam pintura bastante deteriorada, sobretudo desgastada pela
ação do tempo, além de alguns pontos de oxidação e corrosão.
A cobertura do pavimento superior não pôde ser examinada, mas de acordo com a
documentação fornecida pelo Programa Monumenta, o telhamento encontra-se degradado,

127
Em algumas lojas foram pintados painéis – por iniciativa dos próprios comerciantes – com imagens
regionais.
128
Não foi permitido o acesso aos pavimentos superiores das lojas externas do mercado.
78

Figura 53 – Fachada do Mercado de Figura 54 – Fachada do Mercado de


Carne Carne
Fachada da rua Oriental do Mercado. Nesta foto, Fachada da rua Oriental do Mercado, numa
nota-se que a fachada está bastante deteriorada. tomada de parte do pavimento superior. A
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). superfície apresenta manchas negras,
descascamento do reboco e vegetais superiores.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 55 – Interior do Mercado de Figura 56 – Interior do Mercado de


Carne Carne
Detalhe da área das arcadas que sofreu Acesso pela rua Oriental do Mercado.
intervenção. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 57 – Fachada do Mercado Figura 58 – Galerias do Mercado


Municipal Vista de uma das cozinhas econômicas que foram
Nível de degradação da fachada da Rua Oriental instaladas ao longo dos anos nas galerias.
do Mercado. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
79

Figura 59 – Galerias do Mercado Figura 60 – Marquise


Interior de outra das cozinhas econômicas Detalhe da estrutura metálica da marquise,
instaladas nas galerias. atualmente com cobertura metálica.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 61 – Circulação Figura 62 – Circulação


A área foi ocupada por cozinhas econômicas e Outra vista da área, com as diversas
locais para venda de farinha e carne. cozinhas econômicas.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 63 – Galerias Figura 64 – Galerias


Nível de degradação do piso das galerias, na Revestimento cerâmico original das galerias, hoje
maior parte ainda permanece o revestimento bastante deteriorado.
original. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
80

Figura 65 – Pavilhões metálicos Figura 66 – Circulação


Pilar de um dos pavilhões, onde é possível ver a Detalhe de uma das cozinhas econômicas,
procedência dos mesmos. provavelmente instaladas na intervenção ainda
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). não datada..
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 67 – Circulação Figura 68 – Pavilhões metálicos


Detalhe das arcadas, onde se vê que algumas Circulação de serviço que dá acesso ao
receberam gradis para fechamento. interior dos talhos: há muitas partes
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). faltantes no piso.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 69 – Interior dos pavilhões Figura 70 – Interior dos pavilhões


metálicos metálicos
Detalhe do interior de um dos pavilhões, onde se Nível de deterioração da cobertura, sobretudo do
vê o nível de corrosão das peças. lanternim e das telhas.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
81

Figura 71 – Talhos Figura 72 – Talhos


Interior de um dos talhos, bastante degradado Detalhe do piso, com muitas partes faltantes.
pela corrosão das superfícies metálicas. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 73 – Talhos Figura 74 – Talhos


O nível de corrosão é bastante avançado em Mármore vermelho (original?) em um dos
algumas superfícies. talhos e, ao fundo, um cepo (original?).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 75 – Administração Figura 76 – Pavilões metálicos


Antigo pavilhão de comodidade, apresenta-se Detalhe do belíssimo rendilhado, com alguns
deteriorado em diversos pontos. pontos de oxidação em sua superfície.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
82

apresentando sujidades e as calhas de chapas galvanizadas estão deterioradas pela ação do


tempo, da poluição e da falta de manutenção. Em algumas áreas da cobertura, as telhas
originais de cerâmica foram substituídas por telhas metálicas. Ainda segundo a
documentação, a estrutura das tesouras não demonstra danos consideráveis.
O piso dos acessos ao interior do mercado – que é de cerâmica vermelha –
encontra-se danificado, com desgaste e partes faltantes, causadas por pequenas
intervenções feitas nas instalações – provavelmente hidráulicas ou sanitárias – e que
permanecem sem revestimento. Na área dos acessos junto às galerias, foram instaladas
grades do tipo sanfona e que se encontram com a pintura deteriorada e pontos de oxidação.
Nas galerias, a cerâmica vitrificada que reveste meia parede está bastante
deteriorada em diversos pontos, com partes faltantes em determinados trechos. Em outros,
parte dessa cerâmica foi substituída por outra, de dimensões semelhantes, na cor branca.
No piso das galerias que é em um tipo de ladrilho com motivos geométricos, também há
sinais de deterioração, sendo mesmo substituído por cerâmica em alguns pontos. A pintura
do restante das paredes está deteriorada, apresentando manchas de infiltração em
determinadas áreas, além de algumas rachaduras. No que se refere ao forro, nas áreas das
galerias onde foi possível o acesso 129 , o forro foi substituído por lambris de madeira,
alguns pintados, outros apenas envernizados.
Nos espaços das galerias, foram instaladas algumas lanchonetes e depósitos,
sendo que parte das arcadas foi fechada com alvenaria de tijolos e outras receberam gradis.
No seu interior, foram construídas algumas paredes em alvenaria de tijolos para a divisão
destes novos ambientes. Algumas das lanchonetes receberam balcões de alvenaria de
tijolos com revestimento em cerâmica branca. Na circulação, junto às arcadas das galerias
– onde antes ficavam os aparadores para a venda de frutas e verduras – hoje estão
instaladas cozinhas econômicas e pontos de venda de mercadorias, como carne e farinha de
mandioca. Nesses pontos, foram feitas diversas intervenções. Foi retirado o revestimento
cerâmico original das paredes e, em seu lugar, foi utilizada cerâmica branca simples.
Foram construídas bancadas de alvenaria de tijolos e revestidas também com cerâmica
branca. A cobertura original dessa área, que era de vidro – foi substituída por chapas
metálicas onduladas. As mãos-francesas originais encontram-se com a pintura deteriorada
e alguns pontos de oxidação.

129
Alguns desses compartimentos instalados nas galerias encontram-se fechados, o que impossibilitou o
exame dos mesmos.
83

Nos pavilhões, o piso de cerâmica vermelha encontra-se deteriorado em algumas


áreas, com partes faltantes em função de eventuais reparos feitos nas instalações dos
pavilhões. Em alguns pontos, o piso foi substituído por outro tipo de cerâmica. Na parte
superior dos pavilhões, mais precisamente na vedação em ferro fundido, ricamente
ornamentada, a pintura está deteriorada e desgastada pelo tempo. Há também pontos de
oxidação e corrosão, inclusive com algumas partes faltantes, provavelmente destruídas pela
corrosão. Isto é mais latente na área dos pavilhões que fica bem próxima à marquise de
cobertura da antiga área dos aparadores, na circulação. É bem provável que com a
proximidade da área e as eventuais chuvas fortes que costumam ocorrer na cidade, a água
desça com grande intensidade e ocorram respingos nessa superfície que, pela ausência de
manutenção, acaba sofrendo com a corrosão. O mesmo acontece com a estrutura metálica
da cobertura, que apresenta sua pintura bastante deteriorada, com pontos de oxidação e
corrosão, provavelmente causados por infiltração na cobertura dos pavilhões.
Os lanternins das coberturas dos pavilhões também se encontram bastante
degradados, com pintura deteriorada, pontos de oxidação e manchas esbranquiçadas. As
telhas do nível inferior da cobertura dos pavilhões estão bastante esbranquiçadas se
observadas a partir do interior dos mesmos. Numa vista de cima, elas se apresentam
manchas escuras e manchas esbranquiçadas. A parte superior da cobertura dos pavilhões
teve seu telhamento original – em telhas de vidro – substituído por telhas cerâmicas, que se
encontram em razoável estado de conservação – o que indica que a substituição é, pelo que
parece, relativamente recente se comparada a idade do edifício.
Nos talhos a situação é bastante crítica. Além da quase total deterioração da
pintura e da oxidação das peças, o nível de corrosão está bastante avançado, sendo que
muitos de seus elementos divisórios e de vedação apresentam-se tão corroídos que – em
muitas áreas – há grandes partes faltantes. Observa-se ainda, na superfície de algumas
peças, a presença de manchas esbranquiçadas. O problema da corrosão nos talhos é um
conjunto de atitudes predatórias em relação à estrutura metálica que envolve uma completa
ausência de manutenção ao uso de substâncias nocivas a superfície metálica, como
determinados materiais de limpeza. Em alguns talhos ainda é possível encontrar os tampos
originais de mármore, mas
84

Figura 77 – Pátio interno Figura 78 – Mirante


Vista de uma das ruas e, ao fundo, a escada do Detalhe da escada, hoje bastante degradada pela
mirante (antiga caixa d’água). corrosão.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 79 – Mirante Figura 80 – Mirante


Nível de corrosão na escada, que tem diversos Vista da parte posterior da escada, muito
elementos faltantes. afetada pela corrosão.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 81 – Talhos Figura 82 – Administração


Em alguns talhos, o mármore antigo foi Detalhe da parte superior do pavilhão, bastante
substituído por um tipo de granilite. alterado ao longo dos anos.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
85

Figura 83 – Talhos Figura 84 – Talhos


Vista de uma das paredes de alvenaria colocadas Outra tomada da mesma área, onde se pode ver a
nos talhos que sofreram intervenção. área alterada e a que permanece original.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 85 – Circulação Figura 86 – Pátio interno


O abandono e a falta de manutenção provocou Outra vista do pátio, mostrando a grade
algumas patologias nas superfícies das arcadas. instalada para proteção contra aves de rapina.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 87 – Portões de acesso Figura 88 – Fachada do Mercado de


Detalhe de um dos portões, com pintura bastante Carne
deteriorada. Detalhe da bandeira do portão de acesso pelo
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Boulevard Castilho França.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
86

Figura 89 – Lojas externas Figura 90 – Administração


As antigas portas de madeira das lojas externas Interior do pavilhão, que sofreu muitas alterações
foram substituídas por portas de enrolar. e atualmente encontra-se deteriorado.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 91 – Lojas externas Figura 92 – Lojas externas


Em algumas portas, as bandeiras originais foram Interior de uma das lojas externas, com forro
substituídas por gradis. substituído por lambri de madeira pintada.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 93 – Fachada do Mercado de Figura 94 – Pátio interno


Carne Detalhe mostrando o nível de deterioração da
Detalhe da fachada do Boulevard da República, área do pavimento superior voltada para o pátio
com pintura deteriorada e manchas negras na interno do mercado.
superfície. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
87

Figura 95 – Galerias Figura 96 – Galerias


Vista de uma das galerias, com diversas cozinhas Detalhe mostrando acesso a um dos
econômicas instaladas em intervenção não compartimentos do pavimento intermediário. Na
datada. parte superior da foto, nota-se parte do piso de
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). acapu e pau-amarelo.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006)

Figura 97 – Portões de acesso Figura 98 – Administração


Detalhe do portão da fachada do Boulevard Detalhe do forro do pavilhão que se encontra
Castilho França. bastante deteriorado.
Fonte: Arquivos do Programa Monumenta 130 . Fonte: Arquivos do Programa Monumenta.

Figura 99 – Cobertura dos Pavilhões Figura 100 – Cobertura dos Pavulhões


Vista da cobertura dos pavilhões no pátio central Vista da cobertura dos pavilhões a partir do
e de parte do pavimento superior do mercado. mirante: degradação no telhamento.
Fonte: Arquivos do Programa Monumenta. Fonte: Arquivos do Programa Monumenta.

130
Foi disponibilizado, durante a pesquisa, o acesso ao material (documentação fotográfica, plantas,
memorial, etc.) até então levantado pelo Programa Monumenta para a elaboração do projeto de restauro do
Mercado de Carne.
88

que se encontram bastante deteriorados e – muitas vezes – quebrados ou mesmo com


partes faltantes. Nos demais talhos, observa-se que o tampo original foi substituído por
outro, num tipo de granilite, que também se encontra bastante deteriorado. Há mesmo
talhos que estão abandonados e que não possuem mais o tampo.
Em duas ordens de talhos de dois dos pavilhões do pátio central os talhos
originais em ferro foram substituídos por bancadas em alvenaria de tijolos, revestidas de
cerâmica. Nessas ordens, a parede do fundo das mesmas – que era originalmente de ferro –
também foi substituída por uma parede em alvenaria de tijolos, revestida da mesma
cerâmica das bancadas novas. Muitos talhos se encontram fechados e outros – os que se
estão em avançado estado de corrosão – se encontram abandonados.
No pavilhão menor que fica na área central - onde funcionada atualmente a
administração do mercado – apresenta pintura externa e interna deteriorada em algumas
áreas. Nas partes metálicas, há pontos de oxidação e alguns pontos de corrosão. Nas partes
em madeira, mais precisamente na parte inferior da vedação, há partes em que o material
se encontra carcomido e com partes faltantes, provavelmente pela ação de xilófagos. A
estrutura e a cobertura metálica estão com a pintura deteriorada, apresentando inúmeros
pontos de oxidação, sobretudo nas telhas.
A escada onde antes ficava a caixa d’água para abastecimento do edifício – e que
hoje funciona como mirante – também está extremamente degradada. A pintura está
deteriorada e há diversos pontos de oxidação e corrosão. Alguns pisos, espelhos, balaustres
e mesmo partes do corrimão estão faltando. A grade que protege o pátio central – e que foi
inserida no decorrer dos anos – também apresenta-se com oxidação e corrosão em diversos
pontos, provavelmente em função da falta de manutenção do edifício.
Assim, de uma maneira geral, pode-se afirmar que grande parte dos problemas
encontrados no Mercado de Carne são oriundos da total ausência de manutenções no
edifício – que vem levando, com o passar dos anos, a um lento processo de degradação não
apenas das partes metálicas, mas de todo o mercado - e da falta de uma ação mais
controladora por parte da administração do mercado, o que possibilita as inúmeras
intervenções de pequeno porte que acabaram por descaracterizar algumas áreas do edifício.
Felizmente, a despeito do estado de abandono em que o mercado se encontra, muitas de
suas características principais não foram de todo perdidas no decorrer dos anos e – apesar
das modificações – ainda é possível reconhecer o fausto e grandeza que ele representa,
enquanto produto de uma época economicamente muito próspera para a cidade de Belém.
89

2.2 - O Mercado de Peixe:

2.2.1 – Características Arquitetônicas, Tipológicas e Técnico Construtivas:


O Mercado de Peixe no Ver-o-Peso, em Belém, foi por muitos anos também
chamado de Mercado de Ferro, e é um dos exemplares de mercados dos mais peculiares
dentro da produção arquitetônica em ferro no Brasil. Com sua localização no Boulevard da
República, junto à doca do Ver-o-Peso, e suas torres exóticas, o edifício é não apenas um
marco histórico na cidade como também um marco visual, tanto para quem circula pelo
centro histórico quanto para quem vem de barco para a cidade.
Há descrições 131 acerca de como o edifício originalmente se configurava e que
foram publicadas logo após a sua inauguração. Essa documentação foi tomada como base
para a importante e necessária descrição do edifício quando de sua inauguração, que será
feita agora.
O mercado de ferro tem uma superfície total 132 de 2.068,52m2, compreendidos
dentro de um retângulo de 31m x 67m, com ângulos abatidos através de alinhamentos
poligonais, que – em cada canto – dão lugar a quatro faces onde se situam as torres – que
são duas de 2m e duas de 2,40m – enquanto as faces retilíneas do mercado têm uma
extensão de 57 metros na maior dimensão e 21 metros na menor dimensão. O mercado tem
seu sistema geral de atracação construído de ferro, com pilares exteriores medindo 7,90m
de altura e os interiores 9,40m de altura, com um travejamento geral de ferro e aço. O
edifício consta de uma grande área central coberta, circundada exteriormente por
compartimentos para pequenos comércios, a semelhança do que acontece no Mercado de
Carne. Esta grande área central – que é o mercado propriamente dito – ocupa uma
superfície de 57m de comprimento por 21m de largura e possui quatro acessos localizados
em cada uma das fachadas do mercado. Estes acessos formavam alpendres com 3m de
largura por 5m de profundidade em duas fachadas e de 9m de largura por 5m de
profundidade nas outras duas. Num dos lados destes alpendres, estavam localizadas coxias
para a venda de farinha de mandioca, em depósitos envidraçados e perfeitamente
abrigados.

131
No que se refere às características do Mercado de Ferro quando de sua inauguração, as descrições
presentes nesta dissertação estão baseadas naquelas feitas pela Intendência municipal. Para maiores
informações e referências bibliográficas, v. BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op.
cit., 1902, pp. 383-393. BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., pp. 71-73.
132
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 383.
90

As lojas exteriores do mercado destinavam-se a pequenos comércios e ocupavam


44 compartimentos 133 de 3x5m, separados da área central por uma parede de alvenaria de
tijolos, estando cada compartimento separado por divisões de madeira ligadas às linhas de
ferro de atracação do edifício.
A fachada do mercado mede 7,10m até a linha superior das cornijas e a
platibanda 1,15m, sendo assim a altura total da fachada de cerca de 8,25m. A linha da
cumieira dos compartimentos comerciais e entradas fica a cerca de 7,60m do nível do
solo, e a da parte central a cerca de 11,70m do mesmo. O nível inferior do lanternim está a
8,70m do solo.
Tanto as subdivisões onde funcionam os estabelecimentos com acessos
individuais quanto às torres têm na parte superior e acima do plano das portas exteriores –
que dão acesso ao interior do edifício – sobre si um outro pavimento 134 , onde funcionam
outros compartimentos destinados à moradia dos empregados ou depósitos (a semelhança
do que ocorre no Mercado de Carne), correspondendo à mesma superfície do pavimento
inferior, e possuindo escadas de um lance com acesso feito exclusivamente por dentro das
lojas, com exceção das torres, onde foram estabelecidas escadas caracol em cada uma. Não
há registro nos relatórios da Intendência Municipal se havia, no interior dos
compartimentos superiores das lojas, alguma subdivisão nos casos onde os mesmo
funcionavam como habitação. O piso destes compartimentos foi executado em pranchões
de maçaranduba – uma madeira bastante encontrada na Amazônia – com vigamento de
acapu e ferro.
A parte central representa uma extensão de mais de 62% da área total coberta 135 .
Nela foram instalados cinqüenta e seis talhos de 2,40m x 3m em quatro secções, separadas
por corredores longitudinais e transversais de cerca de 3 metros de largura, que permitem o
livre trânsito, tanto lateralmente como nas linhas dos eixos do edifício. Os talhos 136 têm
subdivisões de ferro e mesas de madeira com tampo de mármore, possuindo cada talho
uma torneira para lavagens.
Nos corredores laterais, encostados às paredes divisórias dos compartimentos
externos, assim como nas faces externas das secções menores dos talhos, foram instalados
aparadores. Na parte ocidental da área central do mercado existe uma área livre de 315m2 –
21m x 15m – destinada a vendedores ambulantes e ao comércio avulso.

133
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 71.
134
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 383.
135
Id., p. 384.
136
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 72.
91

No centro do edifício eleva-se um pavilhão de forma octogonal 137 , com 2,50m de


raio, onde foi instalada a administração do mercado. Este pavilhão também não foi descrito
na documentação da época; contudo, através de uma foto constante do relatório de 1903 138 ,
pode-se especular um pouco acerca do mesmo. De acordo com a fotografia, nota-se que
este pavilhão possui estrutura metálica, sendo todo o seu perímetro é constituído de
esquadrias de ferro e vidro, muito provavelmente para que a administração pudesse ter uma
melhor visão do que se passava no interior do edifício.
A área total da parte central do edifício é revestida de mosaico 139 , tanto nos
corredores como nos talhos, sendo que a superfície dos talhos foi estabelecida em nível
superior a 0,15m da restante, com a declividade precisa para lavagem e asseio dos mesmos.
Na parte superior das paredes de tijolos – e correspondendo aos dois pavimentos
dos compartimentos exteriores – ficavam vários grandes espaços que formavam
mezaninos 140 fechados por grades que possibilitavam a passagem de ar e luz para a parte
central.
Não há registros nem no relatório de 1902 e nem nos posteriores acerca das cores
utilizadas na fachada do mercado. O mesmo acontece para o interior dos compartimentos
externos e para a área central do edifício.
As fachadas do edifício 141 são constituídas por uma série de traves de ferro iguais
compostas de arco pleno, repousando sobre colunas ocas também de ferro. Cada trave
mede cerca de 3,00m entre eixo para as partes intermediárias, com portas de 1,40m de
largura, e – respectivamente – de 1,85m e 2,64m nos alinhamentos poligonais das torres e
de 3,00m nas entradas principais. A vedação da parte superior das fachadas – assim como
das laterais de dois dos acessos do mercado – era feita com chapas metálicas 142 com
adornos simples. A fachada possuía ainda inúmeras portas duplas de madeira que dão
acesso às lojas – ou compartimentos exteriores – encimadas por bandeiras simples e
móveis de vidro – nos

137
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 385.
138
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1905, p. 133.
139
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 385.
140
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 72.
141
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, pp. 385-386.
142
Os relatórios da Intendência Municipal não revelam o tipo de chapas metálicas utilizadas para a vedação
das paredes da fachada. No entanto, nota-se em fotos de época que essas chapas são – aparentemente
estampadas e lisas.
92

Figura 101 – Mercado de Peixe Figura 102 –Mercado de Peixe


Vista do edifício a partir da doca do Ver-o-Peso. Vista do interior do edifício, quando de sua
Fonte: PARÁ, Governo do Estado do. op. cit., p. inauguração.
50. Fonte: BELÉM, Intendência Municipal de. O
Município de Belém, op. cit., 1905, p. 133.

Figura 103 – Mercado de Peixe Figura 104 – Mercado de Peixe


Fotografia sem data, mas anterior à intervenção Foto tirada durante a intervenção de 1985.
de 1985, pois o mercado ainda apresenta a Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.
marquise de concreto nas fachadas.
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP 143 .

Figura 105 – Mercado de Peixe Figura 106 – Mercado de Peixe


Outra foto da intervenção de 1985. Fotografia tirada durante a intervenção de 2001.
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP. Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.

143
Durante a pesquisa, a 2ª Superintendência Regional do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN PA/AP) permitiu acesso à documentação fotográfica referente ao complexo do Ver-o-
Peso, incluindo-se os mercados.
93

compartimentos inferiores – arrematadas por bandeiras móveis de ferro e vidro que faziam
a iluminação dos compartimentos superiores. As quatro portas principais do mercado
também não são descritas, mas pelas fotografias percebe-se que são de ferro –
provavelmente barras de ferro fundido e chapas de ferro – numa composição bastante
simples, sobretudo se comparada às portas do Mercado de Carne. As janelas das torres não
são descritas na documentação da época, mas acredita-se que sejam de madeira e vidro. A
platibanda é feita em chapas metálicas corrugadas e possui adornos em forma de círculo
exatamente na direção de cada porta dos compartimentos exteriores ou lojas. O edifício era
originalmente circundado por soleiras seguidas de cantaria, medindo 0,35m de largura
sobre 0,20m de espessura, assentes sobre muro de alvenaria ordinária.
No que se refere à estrutura, as dimensões dos pilares são diferentes 144 , conforme
as duas linhas das fundações. Eles são formados a partir da junção de dois ferros em U com
secção de 250 x 80 x 60mm na linha interior e de 152 x 59 x 6mm na linha exterior, sendo
a altura, respectivamente, de 9,40m na linha interior e 7,90m na linha exterior. As
atracações são feitas transversalmente por tesouras de ferro, sendo que as centrais são do
tipo treliça reta a contra fichas inclinadas, com vão de 21,00m, e as exteriores são tesouras
simples sem contra-fichas, com 4,72m de vão.
A cobertura 145 total do edifício é separada em secções distintas. A secção central
– que corresponde à cobertura da área central do edifício – é sustentada por tesouras de
21m e a secção exterior pelas tesouras de 4,72m. O edifício possui telhame – com um
grande lanternim na cobertura da secção central – em telha tipo Marselha, assente sobre
ripas de louro – uma madeira típica da região – e pernas mancas de acapu, presas por
grampos e pequenas chapas de junção nas terças de ferro. Em todo o telhado foram
distribuídas clarabóias retangulares de 3x1,50m, feitas com chapas de vidro de 5mm de
espessura. Nas torres, a cobertura é de escamas de zinco no sistema Vieille-Montagne, com
travejamento de ferro e madeira.
As tesouras 146 de 21 metros têm espaçamento de 3m de eixo, do sistema de vigas
de treliça reta e com lanternim. As asnas e os tirantes são formados por uma série de ferros
em T compostas por duas cantoneiras, as contra-fichas verticais também são formadas por
duas cantoneiras, e as inclinadas por traves no mesmo tipo, que variam conforme o esforço
que suportam. A cerca de 1m acima das tesouras centrais fica o lanternim formado pelo

144
BELÉM, Intendência Municipal de. O Município de Belém. op. cit., 1902, p. 387.
145
Id., pp. 388-389.
146
Id., p. 388.
94

mesmo sistema de viga de treliça de ferro e cobrindo uma área de 135m2. As terças e a
cumieira são também de ferro do tipo duplo T e foram dispostas em onze ordens
longitudinais com espaçamento de 1,51m eixo a eixo. As tacaniças que ligavam as
extremidades da cumieira aos pilares dos ângulos eram formadas por quatro meias
tesouras. A atracação longitudinal dos pilares dava-se através de diversas ordens de ferros
em U e que faziam a ligação dos mesmos não apenas abaixo da superfície do solo como
também nas linhas do plano das impostas, do fecho dos arcos e da cornija, de um de outro
lado dos pilares. Havia também, na linha da platibanda, treliças de ferro em U a fim de
reforçar a atracação, que se completava ainda por linhas transversais que serviam para
sustentar as divisórias dos compartimentos exteriores do edifício. A atracação de todas as
peças entre si era feita com chapas de ferro.
As tesouras 147 de 4,72m de vão eram compostas por tirantes de dois ferros em U,
asnas de duplo T e pendural de ferro. As terças e a cumieira também são de ferro em T
duplo, dispostas em três ordens longitudinais com espaçamento de 1,25m.
No que se refere à ventilação e iluminação, o edifício do mercado é descrito 148
como sendo muito claro e bastante ventilado. As lojas dispostas na parte exterior do
edifício – anteriormente descritas – recebiam iluminação e ventilação abundante
diretamente do exterior através das portas e bandeiras. Já a área central recebia ventilação e
iluminação tanto dos compartimentos exteriores – com os quais se comunicava pelos
mezaninos gradeados que se abriam no alto das divisórias dos compartimentos exteriores –
como também pelos quatro vãos de entrada e pelas duas grandes ordens de venezianas que
o circula tanto abaixo da linha das tesouras principais quanto abaixo do lanternim. Essas
venezianas são compostas de secções consecutivas e alternadas de chapas de ferro e chapas
de vidro martelado. As clarabóias, já descritas, complementam o serviço das venezianas.
Seria importante também, fazer uma breve descrição acerca das fundações do
edifício, uma vez que o mercado foi construído em terreno acrescido, numa área que
poucos anos antes era invadida pelas marés. A construção foi toda assente sobre pilotis 149 ,
com estacas cravadas cuidadosamente, numa profundidade relativa de 40 a 70 palmos. As
estacas foram cravadas aos pares e em número de 240, ficando cada par no ponto em que
repousam os pilares, sendo ligadas transversalmente por barrotes da mesma espessura, de
22cm de lado, e longitudinalmente por longarinas da mesma esquadria. A carga sobre as

147
Ib. id.
148
Id., p. 389.
149
BELÉM, Intendência Municipal de. Álbum de Belém. op. cit., p. 73.
95

fundações foi distribuída com maior estabilidade, de maneira a trabalhar o concreto com
uma pressão não superior a 800g/cm2 ou um décimo da carga geral adotada.
No que se refere à tipologia, o Mercado de Peixe é um mercado fechado. Como
foi visto na descrição acima relatada, o mercado possui, à semelhança do Mercado de
Carne, compartimentos voltados para o exterior do edifício e quatro acessos – um em cada
face – para o interior do mesmo, onde ficavam os talhos onde era vendido o peixe,
mariscos, frutas, verduras e outros gêneros alimentícios. Nas lojas do exterior eram
vendidos produtos de utilidade geral. Como foi visto anteriormente, esta tipologia de
mercado com lojas abrindo para o exterior e uma grande área interna onde estão
localizados talhos e aparadores possui apenas três ocorrências devidamente reconhecidas
no país 150 . No caso do Mercado de Ferro, a tipologia é ainda mais particular, haja vista o
edifício possuir fachada e estrutura metálicas e seu interior ser composto de um grande
pátio coberto onde talhos e aparadores estão devidamente distribuídos, diferentemente dos
outros dois mercados 151 , onde o grande pátio interno é aberto e nele estão localizados
pavilhões onde foram instalados os talhos. Dentro da lista de exemplares de mercados
fechados analisados por Silva 152 , nenhum apresenta esta particularidade. Além disso, as
torres do mercado 153 também são extremamente atípicas e singulares em relação aos
demais mercados encontrados no país 154 , visto que em nenhum deles havia tal ocorrência.
Estas peculiaridades de planta dentro desta tipologia tornam o edifício único no país 155 .
O sistema construtivo – como se pode observar na descrição do mercado quando
de sua inauguração e pelo que até hoje se encontra – é basicamente metálico. Silva 156
destaca o fato de que “(...) é surpreendente a inexistência de ferro fundido com efeitos
decorativos e a utilização quase exclusiva de ferros perfilados, combinados entre si” para a
composição da estrutura do edifício e de sua cobertura. É curiosa também a adoção de
paredes divisórias em madeira para os compartimentos exteriores do mercado e de paredes

150
Cf. SILVA, Geraldo Gomes da, op. cit., pp. 150-156, 180-190.
151
Mercado de Carne, em Belém, e Mercado Municipal de Pelotas.
152
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., pp. 138-161.
153
Durante muitos anos acreditou-se que o Mercado de Peixe fosse projeto do engenheiro Francisco Bolonha,
uma vez que este costuma utilizar torres em estilo neogótico nas suas construções, como é o caso do Palacete
Bibi Costa e do Palacete Bolonha, ambos projetados e executados pelo engenheiro.
154
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., pp. 138-189.
155
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 189. O autor descreve os mercados de ferro encontrados no Brasil.
Em sua grande maioria os mercados fechados são edifícios metálicos com quatro acessos localizados em
cada uma das faces de suas fachadas e com uma grande área interna onde são vendidas as mercadorias, como
é o caso do Mercado São José em Recife, e o Mercado São João na cidade de São Paulo. Há também as
construções mistas com corpo central em alvenaria de tijolos e pavilhões internos para a venda de carnes,
frutas, verduras, etc. Ele classifica ainda os mercados como abertos e fechados.
156
SILVA, Geraldo Gomes da. op. cit., p. 74.
96

em alvenaria de tijolos para a delimitação da grande área interna. Se forem observados os


demais mercados que se constituem como exemplares da arquitetura do ferro no Brasil,
nota-se que o que ocorria na maioria dos casos eram dois tipos distintos de construções:
edifícios mistos de alvenaria de tijolos e ferro ou os edifícios – ou pavilhões – inteiramente
de ferro. Desta forma, se comparado aos demais mercados encontrados no país, o sistema
construtivo do Mercado de Peixe em Belém é extremamente singular.
Ora, essas peculiaridades no que se refere à sua tipologia e ao seu sistema
construtivo, aliados ao fato de não haver registros acerca da origem do edifício levantam
algumas importantes questões sobre a construção do mercado. Em primeiro lugar, como já
foi visto, sua planta é bastante característica e única, se comparada às tipologias
encontradas em outros mercados do Brasil. O fato de possuir – assim como no Mercado de
Carne – um pavimento para depósito ou habitação sobre os compartimentos externos é
uma particularidade que – no Brasil – é encontrada apenas nesses dois mercados de Belém.
Da mesma forma, se observarmos os principais tipos de mercados apresentados por
Cloquet e Barberot 157 , não notamos nada parecido nesse sentido, nem tão pouco no que se
refere ao emprego de compartimentos exteriores ao mercado, com acessos individuais,
como no caso dos mercados de carne e de peixe. Em segundo lugar, há curiosidades em
seu sistema construtivo que igualmente o tornam único entre os demais exemplares
encontrados no país, como o fato de empregar ferro para estrutura e vedação, e madeira e
alvenaria de tijolos para vedação interna. Isso sobretudo se tratando de um edifício
inteiramente novo, onde todos esses materiais foram empregues simultaneamente. A
mistura de materiais ocorria com freqüência, sendo os exemplares numa única técnica
raros. No entanto, não se observa esta ocorrência entre os exemplares encontrados no
Brasil. Além disso, sempre foi intrigante o fato de não haver na documentação da época
nenhum registro acerca da sua origem, diferente do que ocorria com os demais edifícios
públicos da administração do Intendente Antônio Lemos, onde freqüentemente encontram-
se referências quando se trata de uma edificação – ou elementos da edificação – importada.
Como a proposta escolhida durante a licitação – como foi visto no capítulo 1 – foi a dos
engenheiros locais Bento Miranda e Raymundo Vianna, é bem provável – e aqui há apenas
uma suposição a partir dos dados encontrados durante a pesquisa – que os mesmos tenham
feito o projeto levando em consideração as limitações do terreno – e daí o emprego mínimo
da alvenaria de tijolos e o abundante uso sobretudo do ferro, muito mais leve que a

157
CLOQUET, L. Tratté d’Architecture. Paris: Béranger, 1900, v. 4, pp. 172-186. BARBEROT, E. Tratté
Pratique de Serrurerie. Paris: Bavory, 1894, v. II, pp. 155-161.
97

alvenaria – e as eventuais necessidades específicas do projeto, tais como os


compartimentos externos com locais para depósito e/ou habitação. Não se entrou aqui na
questão da origem das peças metálicas, que eventualmente possam ter sido importadas – a
partir de peças disponíveis em catálogos de importadoras, numa composição realizada
pelos autores do projeto e executores da obra – sobretudo porque a siderurgia local era
bastante incipiente e de não terem sido encontrados dados que esclareçam essa questão.
Com o passar dos anos, o Mercado de Peixe foi sofrendo pequenas alterações que
acabaram por modificar alguns elementos de sua configuração interna e externa. Não há
registros documentais acerca dessas modificações, e é muito provável que algumas delas
tenham sido conduzidas por iniciativa própria dos comerciantes locais, de acordo com suas
necessidades. Além dessas alterações, o edifício sofreu ainda, nesses cento e cinco anos
desde a sua inauguração, apenas duas grandes intervenções, ambas levadas adiante pela
Prefeitura Municipal de Belém: uma concluída em 1985 e outra em 2001.
Antes da intervenção de 1985, o Mercado de Ferro – assim como toda a área do
centro histórico de Belém – encontrava-se bastante deteriorado pela ação do tempo, dos
agentes externos e das pequenas e irregulares modificações que até então havia sofrido.
Assim, em meados dos anos 70 surge uma proposta de reestruturação da área, mas que não
faria grandes modificações ou intervenções nos mercados, limitando-se apenas a um
projeto de iluminação especial para os mesmos. A proposta causou, na época, muita
polêmica, sobretudo em função de suas proposições 158 , mas o anteprojeto jamais saiu do
papel.
Neste mesmo período, o Complexo do Ver-o-Peso era objeto de estudo para
processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
processo esse que foi de 1976 a 1977 – quando a área que abrange o Mercado de Peixe, o
Mercado Municipal, e alguns edifícios do boulevard Castilho França (antigo boulevard da
República) e da Praça D. Pedro II – foram finalmente tombados.
No início dos anos 80 a área foi objeto de uma obra – levada adiante pela
Prefeitura de Belém – para recuperação da drenagem profunda, elevação da cota, drenagem
e reforço do cais, além da pavimentação de uma área que ia desde a Praça do Pescador até
a rampa do Ver-o-Peso. No entanto, em fevereiro – quando a obra já se encontrava
praticamente concluída – ocorreu um desmoronamento de uma faixa de 50 metros da área

158
A proposta previa a transferência da feira do Ver-o-Peso para outra região da cidade, que daria lugar a um
grande estacionamento que atendesse às necessidades da área, além de algumas alterações na doca do Ver-o-
Peso.
98

abrangida pelo projeto, sendo parte já trabalhada e parte ainda por trabalhar. Este
desmoronamento acabou levando o edifício do Mercado de Peixe a adernar, fato que já
pôde ser percebido poucos dias depois da ocorrência do primeiro, conforme notícia de
jornal 159 . Para quem se aproximava da área de barco, pela baía, podia-se notar que o
mercado apresentava uma inclinação considerável, com a parte mais baixa localizada na
área da torre com vista para a baía e para a doca do Ver-o-Peso. A Secretaria de Obras da
Prefeitura Municipal realizou, então, uma vistoria no edifício a fim de avaliar o estado em
que o mesmo se encontrava e – segundo notícia de jornal 160 – não foram encontradas
rachaduras no mesmo. No entanto, nenhuma medida concreta foi tomada, na época, para
contornar o problema.
A situação suscitou indignação e uma profunda preocupação quanto ao destino do
edifício – na época, havia uma grande preocupação com a possibilidade de desabamento do
edifício do mercado – e da área, mobilizando a mídia no sentido de pressionar as
autoridades a tomarem medidas de modo preservar a integridade do Mercado de Ferro e do
Ver-o-Peso. Assim, a Prefeitura Municipal decide realizar uma grande intervenção na área
que abrangeu o Mercados de Peixe e a feira do Ver-o-Peso.
Antes de serem descritos os trabalhos realizados durante a intervenção de 1985, é
conveniente que seja feita uma breve descrição do estado em que se encontrava o mercado,
a fim de que se tenha uma melhor compreensão dos trabalhos realizados e de sua
configuração até aquele momento. Neste sentido, as plantas do levantamento realizado em
1979, juntamente com algumas notícias de jornais e fotos da época são extremamente
elucidativas e auxiliares nesta descrição.
As fachadas do edifício do mercado sofreram muitas modificações no decorrer de
todos aqueles anos. Foi construída uma marquise de concreto – provavelmente por
iniciativa da própria Prefeitura – em todo o perímetro externo do edifício, logo abaixo das
bandeiras em arco, com a finalidade de proteger as portas das lojas externas das chuvas,
muito freqüentes na cidade. Também as portas originais de duas folhas em madeira foram
substituídas por portas metálicas de enrolar. A opção pela instalação de portas metálicas
provavelmente se deu a fim de garantir uma maior segurança aos comerciantes, uma vez
que a criminalidade na região central de Belém foi aumentando com o passar dos anos. Em
função da adoção de portas de enrolar em substituição às antigas portas de madeira, as
bandeiras retangulares das portas também foram eliminadas. Nas torres, algumas janelas

159
CARTÃO Postal de Belém está desaparecendo. A Província do Pará. Belém, 22 de janeiro de 1981.
160
SEOB vistoria prédio do Mercado do Ver-o-Peso. O Liberal. Belém, 24 de fevereiro de 2001.
99

foram alteradas e a cobertura metálica dessas torres provavelmente se encontrava bastante


danificada, sobretudo em função da poluição causada pelo intenso tráfego de veículos na
região. Além disso a torre que se encontrava inclinada desde 1981 permanecia com o
problema, até então não resolvido.
No que se refere às lojas externas, pela planta observa-se que – assim como
ocorreu com o Mercado de Carne – no Mercado de Peixe houve um avanço de alguns
compartimentos externos em relação ao interior do edifício, muito provavelmente com a
finalidade de aumentar a área dessas mesmas lojas. Além disso, foram feitas diversas
mudanças em relação à divisão original das lojas ou compartimentos externos, que – como
já mencionado – possuía uma divisão mais simétrica, e que passaram por processos de
remembramento ou mesmo desmembramento em alguns casos. Além disso, as paredes
divisórias originais em madeira haviam sido substituídas por outras, de alvenaria de tijolos.
No entanto, algumas lojas aparentemente mantiveram uma modulação que está bem
próxima daquela originalmente projetada para o mercado. Não há registros acerca das
eventuais modificações realizadas no mezanino 161 – originalmente projetada para uso
habitacional ou depósito – mas é bem provável que – assim como ocorreu com as paredes
divisórias originais das lojas – eles tenham sido bastante alterados. Em relação aos
revestimentos de piso e parede das lojas ou compartimentos externos, também não foram
encontrados registros acerca de seu estado. Mas é bem provável que até aquele momento,
eles já tivessem sido substituídos, sobretudo o piso original, que era em madeira,
provavelmente teria sido substituído por outro em cerâmica, mais apropriado para o tráfego
intenso de pessoas e mercadorias e de manutenção mais simplificada.
No grande pátio interno, os talhos foram completamente descaracterizados.
Apesar da ausência de registros acerca dessa modificação, em algum momento a Prefeitura
resolveu substituir os antigos talhos – que contavam com estrutura de madeira, tampo de
mármore e divisórias de ferro – por outros, mais modernos e de acordo com os novos
padrões de higiene e também pela possibilidade de muitos desses talhos já se encontrarem
bastante deteriorados após tantos anos. Desta forma, eles passaram a ter divisórias e
estrutura da bancada em alvenaria de tijolos revestida de cerâmica, provavelmente branca.
De acordo com a planta do levantamento, os talhos também receberam uma nova
disposição e passaram a ser em número de 55, sendo alguns inclusive instalados em torno
do pavilhão de administração. Quanto a este pavilhão, não foram encontrados registros

161
A planta de levantamento de 1979 não apresenta o mezanino das lojas e das torres, apenas o pavimento
térreo.
100

acerca de seu estado de conservação e nem tampouco as possíveis alterações que o mesmo
teria sofrido. Também os aparadores já não existiam mais: cederam lugar para a nova
disposição dos talhos, uma vez que a venda de verduras e legumes passou a ser feita na
feira livre, que ocupou a área vizinha ao edifício do mercado. Os vãos das janelas das lojas
que davam para o interior do edifício permaneceram – em sua maioria – intactos, mas em
alguns casos as esquadrias foram substituídas por grades de ferro. Não foram encontradas
informações acerca do estado de conservação dos revestimentos dessa área do edifício,
mas é bem provável que estivessem bastante danificados, uma vez que se tratava de um
edifício antigo e que não passava por manutenções periódicas.
Em relação à cobertura, também não foi encontrada nenhuma documentação
acerca de seu estado de conservação, mas é muito provável que estivesse com problemas
sobretudo no telhamento, haja vista a idade do edifício e a poluição a qual a área esteve
submetida ao longo daqueles anos. Sobre a estrutura metálica da cobertura, não foi
encontrado nenhum tipo de material que pudesse fornecer dados sobre seu estado de
conservação e eventuais modificações ou pequenas intervenções.
Esta era a provável configuração e estado em que se encontrava o Mercado de
Ferro em fins dos anos 70. De acordo com informações fornecidas pela Arq. Filomena
Mata Longo 162 , que participou dos trabalhos realizados nos anos 80 no mercado, a
proposta de intervenção contemplava basicamente o tratamento das fachadas e da área
onde se localizavam os talhos, que foi alvo também de uma proposta de remodelação. A
descrição que será feita a seguir baseou-se nas plantas da intervenção e no breve relato
feito pela arquiteta.
Nas fachadas do edifício, as superfícies metálicas receberam jateamento de areia
para a remoção da pintura antiga que se encontrava bastante danificada. Foram, depois,
tratados os pontos de oxidação e recompostas as partes que sofreram corrosão ou
substituídas as peças que se encontravam extremamente danificadas e irrecuperáveis, e a
superfície recebeu finalmente uma nova pintura. No que se refere às portas das lojas ou
compartimentos externos, elas foram tratadas e/ou substituídas conforme cada caso, mas
permaneceram de enrolar. As paredes das lojas externas que haviam avançado em relação
ao pátio interno do edifício foram recuadas, retomando a posição original, a fim de que a
grande área central recobrasse sua antiga configuração. Mas as divisões internas – ou seja,
as divisões das lojas em si – mantiveram-se as mesmas.

162
Que naquela época trabalhava na Secretaria Municipal de Urbanismo e que atualmente está lotada no
Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de Belém.
101

No pátio interno, as paredes foram pintadas e receberam azulejo branco até uma
altura de 1.80m. Os talhos foram reformulados, a fim de melhorar as condições de higiene
para a venda do pescado. Em toda a área do pátio interno, o piso original – que era um tipo
de ladrilho – que se encontrava bastante danificado, foi substituído por korodur. As janelas
das lojas externas que davam para o pátio foram recuperadas e no lugar das esquadrias,
receberam grades de ferro pintadas. O pavilhão de administração e fiscalização do mercado
também sofreu intervenção, passando a abrigar uma área de vestiário, com chuveiros, para
atender aos comerciantes de pescado. No entanto, mantiveram-se os talhos que estavam
instalados ao redor dele.
Em relação à cobertura, não foi encontrada nenhuma documentação acerca da
intervenção, mas é muito provável que tenha sido feito pelo menos um trabalho de limpeza
do telhamento, tanto na cobertura em telha cerâmica quanto na cobertura metálica das
torres. O mesmo vale para a estrutura das coberturas.
Os trabalhos foram concluídos em de outubro de 1985 e representaram a primeira
iniciativa concreta por parte das autoridades responsáveis no sentido de preservar o
Mercado
102

Figura 107 – Planta Baixa do Mercado de Peixe (pavimento


térreo)
Planta esquemática elaborada a partir de levantamento realizada pela
CODEM em 1979 .

Figura 108 – Planta Baixa do Mercado de Peixe (pavimento térreo e


mezanino do pavilhão octogonal)
Planta esquemática elaborada a partir de planta. da intervenção de
1985 fornecida pela CODEM.
103

de Peixe. No entanto, pouco tempo depois – pouco mais de um ano após a conclusão das
obras – a área do Ver-o-Peso já enfrentava mais uma vez a sujeira e o abandono, sobretudo
na feira livre ao lado do Mercado de Ferro.
Apesar das importantes medidas tomadas para a preservação do edifício, a
intervenção de 1985 não proporcionou nenhuma ação efetiva no que se refere ao problema
da inclinação de uma das torres do mercado. Esse problema foi objeto de outra
intervenção, feita na área do cais que vinha sofrendo adensamento. As obras tiveram início
em dezembro de 1987 e foram coordenadas pela Prefeitura Municipal. Os trabalhos
consistiram de cravamento no solo de perfis armados de aço, rosqueados, até uma
profundidade de 25m, onde pôde ser encontrado o terreno sólido. Foi injetada, ainda,
argamassa de cimento a fim de firmar o solo. Com isso, o rebaixamento do mercado foi
interrompido, estabilizando-se nos 80cm que havia chegado até então.
Conforme anteriormente mencionado, pouco tempo depois da conclusão das
obras de intervenção em 1985, o Ver-o-Peso já apresentava sinais de abandono e sujeira.
Com o passar dos anos, juntou-se a isto pequenas modificações e alterações realizadas
sobretudo na área da feira livre, além da falta de manutenção do edifício, que conduziram a
um progressivo processo de deterioração. Isso pôde ser observado através de diversas
notícias de jornais da época, que apontavam o estado de abandono da área. Muito se
discutiu e diversos projetos foram feitos, mas nada saiu do papel. Finalmente, em 1998
decidiu-se pela realização de um concurso nacional para seleção de propostas para a
recuperação do patrimônio histórico e urbano do Ver-o-Peso. O concurso foi conduzido
pela Prefeitura Municipal de Belém em conjunto com o Instituto dos Arquitetos do Brasil.
O edital foi lançado em setembro de 1998, e em março de 1999 foi apresentada a proposta
vencedora: a do escritório carioca do arq. Flávio Ferreira.
Antes de dar início à descrição dos trabalhos realizados durante esta intervenção,
é importante que seja feito um breve relato de como o edifício se encontrava antes da
mesma, a fim de que possam ser entendidos os trabalhos realizados durante a intervenção.
Este breve relato baseia-se nas plantas do levantamento realizado para o projeto de
intervenção, que foram fornecidas pela Secretaria de Urbanismo da Prefeitura Municipal
de Belém.
A fachada voltada para a Boulevard Castilho França – antiga Boulevard da
República – tinha muitas manchas negras na cobertura metálica de uma das torres, estando
a outra apenas com algumas manchas. A pintura das torres estava deteriorada, além de
haver alguns pontos de oxidação em ambas as torres. Os tubos coletores de águas pluviais
104

metálicos também estavam deteriorados, com partes faltantes e em alguns casos chegavam
mesmo a não existir mais algumas peças. As janelas das torres estavam com a pintura
igualmente deteriorada, havendo também pontos de oxidação e vidros quebrados. A
cobertura apresentava um ponto com vegetais superiores e nas clarabóias, as placas de
vidro haviam sido substituídas por chapas metálicas opacas. A platibanda apresentava
pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação, o que ocorria também no restante da
fachada, além de haver ainda algumas manchas negras nas paredes externas. As bandeiras
em arco apresentavam alguns vidros quebrados, além de certas intervenções – em alguns
pontos – anteriormente realizadas. A marquise de concreto apresentava umidade
descendente e pintura deteriorada, pintura esta que também se encontrava deteriorada nas
portas metálicas. No grande portão de acesso havia apenas uns poucos pontos onde a
pintura estava deteriorada ou que apresentavam oxidação.
Na fachada voltada para a feira livre, a cobertura metálica das torres apresentava
algumas manchas escuras e pontos de corrosão. A pintura das torres também estava
bastante deteriorada, tendo pontos de oxidação, corrosão e algumas manchas negras.
Alguns vidros das esquadrias também estavam quebrados ou mesmo faltando. A platibanda
estava com pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação, acontecendo o mesmo com as
paredes da fachada. Também havia vidros quebrados nas bandeiras em arco e algumas
haviam sofrido pequenas modificações. A marquise de concreto apresentava umidade
descendente, assim como ocorria na fachada do Boulevard, além de algumas manchas
negras. As portas metálicas das lojas tinham pintura deteriorada e alguns pontos de
oxidação, ocorrendo o mesmo com a parte inferior do grande portão de acesso.
Na fachada voltada para o rio, a cobertura das torres possuía algumas manchas
negras, além de pontos de oxidação. No restante das torres, a pintura estava deteriorada e
havia pontos de oxidação. Aqui também algumas partes dos tubos coletores de águas
pluviais haviam sido destruídas pela corrosão. Assim como ocorreu na fachada do
Boulevard, havia um ponto na cobertura que apresentava vegetais superiores. A platibanda
apresentava pintura deteriorada e alguns pontos de oxidação. O mesmo ocorria com o
restante da fachada, além disto esta última apresentava pontos de oxidação e algumas
manchas negras. A marquise, como ocorreu nas outras fachadas, possuía umidade
descendente, além de apresentar algumas manchas negras. As portas das lojas externas
estavam com a pintura deteriorada e com pontos de oxidação, o que também ocorria no
grande portão de acesso.
105

A fachada voltada para a doca do Ver-o-Peso tinha uma das torres – a mais
próxima do calçadão com vista para o rio – com uma inclinação bem perceptível. A
cobertura metálica das torres tinha muitas manchas negras. A pintura das torres estava
deteriorada e notava-se ainda alguns pontos de oxidação. Aqui também alguns tubos
coletores de águas pluviais estavam danificados pela corrosão. Na platibanda, a pintura
apresentava-se deteriorada e com oxidação em alguns pontos. As bandeiras em arco
estavam com alguns vidros quebrados ou mesmo faltando. A marquise apresentava
umidade descendente – assim como em todo o restante do edifício – e algumas manchas
negras. As portas metálicas das lojas estavam com a pintura deteriorada.
Sobre o interior das lojas e demais paredes internas do mercado, a alvenaria
apresentava bom estado de conservação. Em planta, percebe-se que algumas lojas haviam
sofrido modificações em suas áreas, que foram ampliadas ou mesmo reduzidas. Em relação
ao pátio interno, aparentemente permaneceu a mesma disposição dos talhos. No que se
refere aos gradis das janelas do pátio interno, algumas apresentavam partes deterioradas na
pintura, além de pontos de oxidação.
A estrutura metálica da cobertura – tesouras metálicas – apresentava-se estável e,
de uma maneira geral, em boas condições, excetuando-se apenas alguns pontos de
oxidação. As peças em madeira da cobertura estavam infestadas por xilófagos e com
degradação causada por alguns pontos de infiltração da água da chuva. No telhame,
notava-se a presença de sujidades em função da poluição e infestação por agentes
biológicos, sobretudo a ação extremamente danosa provocada pelas fezes de urubus. Em
alguns pontos do telhame, havia ainda a ocorrência de vegetação. Nos lanternins, notava-se
diferentes estágios de oxidação nas cantoneiras e montantes metálicos, além de diversos
vidros faltantes. As calhas dos frechais da cobertura principal e das platibandas da fachada
apresentavam problemas de oxidação e deformação em função de adaptações
inapropriadas. Já as calhas fixadas por hastes metálicas apresentavam problemas em
virtude de ação mecânica.
A nova intervenção foi conduzida pela Secretaria de Urbanismo da Prefeitura
Municipal de Belém – baseada no projeto do escritório do arq. Flávio Ferreira, vencedor do
Concurso Ver-o-Peso – e executada pelas firmas Docol e Estacon Engenheria. Em linhas
gerais, a proposta da intervenção realizada em 2001 abrangia o tratamento e a recuperação
das fachadas do mercado e das torres; tratamento e recuperação da cobertura das lojas
externas, área central e das torres metálicas; tratamento e remodelação dos revestimentos
106

de piso e parede da grande área interna do edifício; e remodelação dos talhos e do pavilhão
central desta grande área.
A execução do projeto de restauração foi dividida em duas etapas 163 . A primeira
etapa abrangeu as fachadas e as torres, incluindo a estrutura e os revestimentos de todas
fachadas. Na segunda etapa, a cobertura foi tratada, o piso foi refeito, os talhos foram
remodelados e realizaram-se os projetos complementares de instalações prediais.
No projeto original de restauro, estava previsto – durante a etapa inicial – que
fossem feitas prospecções nas fachadas para a determinação das cores originais. No
entanto, quando as obras tiveram início, percebeu-se que essa pesquisa não seria possível,
em função do processo de jateamento com areia para a remoção de tinta, realizado durante
a intervenção de 1985. Segundo os arquitetos responsáveis pelo projeto, o processo
utilizado causou um atrito que impossibilitou a identificação das cores originais. Assim,
optou-se pelo emprego da cor cinza, já utilizada anteriormente na intervenção de 1985.
Desta forma, foi feita a remoção de todo o revestimento sobre a superfície das fachadas
através de raspagem. A seguir, as superfícies foram tratadas e devidamente recuperadas e
preparadas para receber a nova pintura. No entanto, durante os trabalhos de pintura, a
Secretaria de Urbanismo do município decidiu, àrevelia, fazer um teste e pintar uma das
torres e parte de uma das fachadas em tons de creme e amarelo. O fato gerou polêmica e
criou atritos entre a Prefeitura e os autores do projeto, apoiados pelos órgãos de
patrimônio. Depois de protestos feitos também pelos feirantes e pela população, a pintura
de teste foi removida e foi executada uma pintura em tons de azul acinzentado e branco,
para os detalhes e esquadrias das torres.
Ainda na fachada, as portas de enrolar das lojas ou compartimentos externos do
mercado tiveram o revestimento removido, foram tratadas e pintadas. Nos arcos, os vidros
existentes foram todos removidos e substituídos por vidro liso transparente com 6mm de
espessura. Nas marquises, foram removidas as placas de fibrocimento, as mãos-francesas
foram reforçadas e receberam cobertura de lona. Nas torres, a cobertura foi tratada e

163
Todo o material (memoriais, plantas, etc.) referente às descrições da intervenção de 2001 foi obtido junto
a Secretaria Municipal de Urbanismo (SEURB), durante levantamento pesquisa e iconográfica realizada em
viagem feita – em função da pesquisa – à Belém em outubro de 2006.
107

Figura 109 – Planta do Mercado de Peixe (pavimento térreo)


Planta esquemática executada a partir do projeto da intervenção de
2001, fornecido pela SEURB.
Fonte: Arquivos da SEURB 164 .

164
A Secretaria Municipal de Urbanismo forneceu, durante a realização da pesquisa, extensa documentação
iconográfica (todas as plantas de arquitetura, restauro e instalações) acerca da intervenção realizada em 2001.
108

recuperada, e as telhas metálicas receberam pintura na cor cinza. As esquadrias das torres
foram recuperadas e os elementos metálicos de adorno que haviam sido corroídos ou
degradados foram tratados, mas optou-se por não substituir as partes faltantes.
De acordo com as plantas, o projeto de intervenção previu algumas modificações
nas lojas externas. Na fachada voltada para a Boulevard Castilho França, foram instaladas
duas pequenas lojas junto ao portão de acesso ao interior do mercado e outras três lojas
sofreram modificações: uma recebeu um compartimento para depósito – e
conseqüentemente foi construída uma nova parede divisória, em alvenaria de tijolos – e as
outras duas sofreram remembramento, tornando-se uma única loja, com área total bem
maior. Na fachada voltada para a doca do Ver-o-Peso, foram criados dois banheiros – um
masculino e outro feminino – e quatro lojas externas sofreram remembramento, dando
origem a outras duas.
No interior do mercado, o piso foi completamente modificado. Nas áreas de
circulação, o piso existente foi parcialmente demolido e foi utilizado piso tipo korodur na
cor vermelha, com cota maior no eixo central da circulação e cotas menores – com
inclinação para o caimento das águas durante a limpeza do edifício – em frente à área dos
talhos, onde foram feitas sarjetas em korodur na cor cinza claro, que conduziam as águas
servidas para o sistema de esgotos. Na área dos talhos, foi executado contrapiso sobre o
piso existente, que também teve elevação de cota e recebeu acabamento em korodur,
também na cor cinza claro.
Nos talhos, as paredes divisórias foram completamente demolidas, sendo
executadas novas divisórias em placas de concreto pré-moldado, com acabamento em
korodur, no mesmo tom do piso dos talhos. Cada talho passou a contar com duas bancadas:
uma para exposição dos peixes e outra para limpeza. A bancada para exposição dos peixes
passou a ter um tampo em concreto revestido com aço inoxidável apoiado em um suporte
feito com tubo de aço galvanizado, estando este fixo a um bloco de concreto construído
dentro do piso de cada talho. As bancadas de limpeza e tratamento do pescado foram feitas
com tampo em concreto revestido com chapa de aço inoxidável. Estas bancadas foram
dotadas ainda de uma cuba também em aço inoxidável e armário suspenso, de madeira,
abaixo da cuba. Dentro dos talhos foram instalados cepos circulares em madeira, com
superfície superior revestida em placa de polipropileno, para o corte dos peixes.
As paredes periféricas, no interior do mercado, tiveram o revestimento danificado
removido, sendo aplicada nova argamassa de reboco. Elas foram revestidas até meia
parede com korodur no mesmo tom do piso dos talhos e, a partir daí, pintadas com tinta
109

acrílica branca. As grades do mezanino foram tratadas e recuperadas. As peças que foram
consideradas inaproveitáveis foram substituídas por outras de dimensões semelhantes às
originais. As grades receberam pintura e tratamento semelhante ao da estrutura da
cobertura.
Na cobertura, as telhas foram retiradas e limpas, para que fosse avaliado o seu
estado e detectada a eventual necessidade de substituição de peças. Procurou-se
reaproveitar ao máximo as telhas, mas aquelas que foram consideradas inaproveitáveis,
foram substituídas por outras de padrão formal e cromático semelhante às originais.
Finalmente, as telhas foram impermeabilizadas com a aplicação de duas demãos de
silicone líquido. As telhas foram recolocadas e de acordo com o projeto de restauro, foram
retomadas as clarabóias originalmente existentes no edifício, mas agora foram empregadas
telhas de vidro – ao invés das antigas placas de vidro originais – a fim de possibilitar uma
maior facilidade de manutenção.
Nas calhas, foi feita a limpeza, consolidação e recuperação dos mecanismos de
fixação das calhas, com substituição de todas as partes danificadas e faltantes. As peças de
substituição foram confeccionadas em chapas de aço galvanizado com 2mm de espessura,
feitas sob encomenda, seguindo as mesmas dimensões das que se encontravam antes da
intervenção. As emendas – que de acordo com a documentação foram executadas apenas
quando se fez estritamente necessário – foram executadas com dobraduras e solda.
Os condutores de águas pluviais foram inteiramente substituídos por outros em
PVC de primeira qualidade, com dimensões semelhantes as dos condutores que se
encontravam no edifício quando de sua intervenção. Os dutos que conduzem a água do
telhado superior até as calhas inferiores foram refeitos. Já os dutos que lançam água junto
ao lanternim, receberam uma chapa junto à saída, a fim de desacelerar a queda d’água que
provoca entrada de água pelo telhado.
No que se refere à estrutura metálica da cobertura, procurou-se – segundo
documentação de projeto – aproveitar ao máximo as peças estruturais das tesouras. Os
eventuais reforços estruturais foram executados com qualidade igual ou superior à
estrutura original, observando o respeito à configuração e espaçamento da mesma. A
remoção da camada oxidada foi executada através de raspagem com espátula e/ou lixação
manual com lixa 280, a superfície foi então tratada e recuperada. As chapas ou peças
estruturais consideradas inaproveitáveis foram substituídas por peças com material de
composição análoga e com formas e dimensões semelhantes às originais.
110

Nos lanternins, as placas de vidro das venezianas foram retiradas e limpas. As


peças foram então avaliadas e as que necessitavam, foram substituídas por outras em vidro
de dimensões e aspecto semelhantes aos originais. As ferragens e demais peças metálicas
das venezianas também foram tratadas.
Todas as peças metálicas da cobertura receberam pintura em resina poliuretânica
alifática. O processo se deu com a aplicação de duas demãos de primer epóxi e, a seguir,
uma demão de tinta poliuretânica.
O madeiramento da cobertura foi limpo e recebeu imunização. Onde houve
necessidade, as peças foram substituídas por outras novas, em madeira de lei, com
dimensões semelhantes às originais.
De uma maneira geral, observa-se que após a recente intervenção, o mercado
manteve uma boa quantidade de suas características arquitetônicas, tipológicas e técnico-
construtivas, sendo as alterações resultantes das modificações realizadas no decorrer dos
anos – muitas delas, mantidas nas intervenções.

2.1.2 – Levantamento da Situação Atual:


Como foi visto anteriormente, o Mercado de Ferro sofreu – ao longo dos anos –
diversas modificações que de alguma forma interferiram ou alteraram sua configuração –
interna e externa – além da forma de utilização e ocupação de seus ambientes. Mesmo
passados apenas poucos anos após a última intervenção, nota-se no edifício diversos sinais
de deterioração, além de serem observadas algumas pequenas intervenções aparentemente
feitas sem critério algum, a fim de resolver pequenos problemas pontuais, conforme será
visto a seguir.
Nas fachadas, o edifício mostra sinais de deterioração na pintura, com manchas
esbranquiçadas e alguns pontos de oxidação e mesmo de corrosão, além da sujeira causada
pela poluição. Estes sinais de deterioração encontram-se sobretudo nas chapas metálicas
inferiores dos acessos da Boulevard Castilho França e do calçadão voltado para o rio. Isto
se dá sobretudo em função do problema das constantes cheias a que a área está submetida.
Como se sabe, o edifício do mercado está localizado junto às margens da baía do Guajará.
Sempre que as chuvas intensas – muito comuns na cidade, que tem índices pluviométricos
bastante elevados praticamente o ano inteiro – coincidem com os períodos de maré alta,
ocorrem as cheias. Junto com essas cheias, vem muita lama e restos de alimentos que
111

eventualmente se encontrem na proximidade, em função dos resíduos produzidos pela


feira-livre – onde existem diversas barracas para a venda de frutas, verduras e legumes,
além das barracas destinadas à venda de alimentos e comidas típicas da região – o que gera
um ambiente extremamente propício para a de oxidação e para a corrosão das peças
metálicas, fato este verificado sobretudo nas partes inferiores das chapas metálicas da
fachada – exatamente a área afetada pelas cheias. Ainda na fachada, as placas de mármore
localizadas nos acessos encontram-se danificadas, apresentando rachaduras e partes
faltantes. Este fato se deve – muito provavelmente – pela ação do vandalismo. Na
platibanda, nota-se que a pintura se apresenta um pouco deteriorada em determinados
pontos, além da presença de algumas manchas escurecidas e pontos de oxidação. Nota-se
também pontos de oxidação na estrutura metálica logo abaixo dos toldos. Este fato deve
ocorrer – provavelmente – em função de algum tipo de infiltração causada pela água das
chuvas. Observa-se – ainda – que algumas partes dos toldos já se encontram bastante sujas,
sobretudo por causa da poluição causada pelo intenso tráfego de veículos na área. Os
portões de ferro dos acessos ao mercado também apresentam sinais de deterioração da
pintura, com pontos de oxidação e até mesmo de corrosão. Pela localização destes pontos
de oxidação e corrosão – parte inferior dos portões de acesso – é bastante provável que o
problema seja igualmente causado pelas constantes cheias as quais a área está submetida, a
semelhança do que ocorre com as chapas metálicas das fachadas. Permanece o problema
na torre que, desde 1981, vem sofrendo inclinação. Nas torres em geral, a cobertura
apresenta deterioração em algumas áreas da pintura, com pontos de oxidação, sobretudo
nas duas torres voltadas para o rio. A cobertura das demais áreas encontra-se –
aparentemente 165 – em bom estado de conservação.
No que se refere às lojas externas do mercado, nota-se que o interior de algumas
delas está bastante deteriorado, com manchas nas paredes, que denunciam antigos sinais de
infiltração. Além disso algumas lojas também apresentam instalações elétricas muito

165
Não foi possível realizar, durante o levantamento uma vistoria para a verificação – de perto – do estado da
cobertura. No entanto, pelas fotos tiradas da rua, há sinais de que a cobertura encontra-se em bom estado de
conservação.
112

Figura 110 – Talhos Figura 111 – Estrutura da cobertura


Os novos talhos construídos na intervenção de Estrutura metálica da cobertura da área central do
2001. edifício.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 112 – Estrutura da cobertura Figura 113 – Estrutura da cobertura


Detalhe da estrutura metálica, onde é possível ver Detalhe do lanternim.
o lanternim. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 114 – Talhos Figura 115 – Interior do Mercado de


Interior de um dos novos talhos, onde já é Peixe
possível ver alguns pontos de oxidação na base Detalhe do alpendre de acesso pelo Boulevard
das bancadas. Castilho França.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
113

Figura 116 – Área central do mercado Figura 117 – Talhos


Parede posterior das lojas externas, onde é Vista de alguns dos talhos da área central e parte
possível observar que o mezanino se encontra da estrutura metálica de cobertura.
fechado em algumas áreas. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 118 – Estrutura da cobertura Figura 119 – Estrutura da cobertura


Detalhe da estrutura de cobertura, onde é possível Tomada da ampla estrutura central.
ver os perfis metálicos que a compõem. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 120 – Interior do Mercado de Figura 121 – Interior do Mercado de


peixe Peixe
Detalhe da parte superior dos alpendres, com Rasgo feito na alvenaria para manutenção das
sua estrutura de cobertura. instalações elétricas. Este tipo de intervenção sem
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). critério é muito comum no mercado.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
114

Figura 122 – Interior do mercado Figura 123 – Talhos


Detalhe de um dos alpendres de acesso, onde é Detalhe da base de um dos novos talhos, onde
possível ver o madeirite utilizado para fechar existem alguns pontos de oxidação.
algumas áreas do mezanino. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 124 – Talhos Figura 125 – Talhos


Há uma grande quantidade de retos produzidos Interior de um dos talhos. A cobertura de
durante o horário de funcionamento do mercado. polipropileno dos cepos já não existe mais.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 126 – Talhos Figura 127 – Interior do Mercado de


Alguns dos armários de madeira sob as Peixe
bancadas dos novos talhos estão bastante Outro rasgo feito na alvenaria para manutenção
deteriorados. das instalações. Este tipo de intervenção sem
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). critério é muito comum no mercado.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
115

Figura 128 – Pavilhão octogonal Figura 129 – Mezanino


Foi totalmente remodelado durante a última Vista mostrando o nível de degradação do
intervenção e atualmente abriga os talhos para pavimento para depósito, que não fez parte dos
venda de mariscos. trabalhos da intervenção de 2001.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 130 – Mezanino Figura 131 – Estrutura da cobertura


Detalhe da área da foto anterior. Nota-se que o Cobertura do alpendre da doca do ver-o-Peso,
madeiramento e algumas peças metálicas estão onde a sujeira reflete a falta de manutenção do
bastante deterioradas. edifício.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 132 – Interior do Mercado de Figura 133 – Interior do Mercado de


Peixe Peixe
A pintura de algumas peças metálicas do Muitas intervenções feitas sem nenhum tipo de
interior se encontra degradada.. critério estão espalhadas por todo o edifício.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
116

precárias, com fiação exposta e em péssimo estado de conservação, o que representa um


perigo, uma vez que pode provocar incêndio. Os forros das lojas exteriores – como foi
visto anteriormente – provavelmente já não sãos os originais 166 , pelo menos
aparentemente 167 . O que se observa, é que nos estabelecimentos de menor porte, os forros
se encontram com pintura deteriorada, apresentando manchas – provavelmente oriundas de
problemas antigos de infiltração – e alguns denunciam problemas de infestação por
xilófagos. Nos estabelecimentos de maior porte, o forro – assim como acontece com as
pinturas das paredes divisórias de alvenaria das lojas – apresenta-se mais conservado. No
entanto, observa-se que há lojas em que atualmente o forro é de PVC. Os pisos das lojas
exteriores também apresentam alguns problemas. Em determinadas lojas, há diferenças no
tipo e/ou modelo dos revestimentos num mesmo piso, o que indica uma provável condição
de remembramento. Além disso, nas lojas de pequeno porte, o piso – muito provavelmente
já antigo – apresenta-se com visível desgaste causado pelo intenso tráfego de pessoas e
mercadorias. Nas lojas de maior porte, observa-se a utilização de piso cerâmico novo e –
normalmente – em bom estado de conservação. Quanto às escadas que conduzem aos
sótãos das lojas, onde funcionam os depósitos, a maioria é em madeira – muito
provavelmente não sendo mais original 168 – e não se encontra bem conservada. Não foi
possível ter acesso aos depósitos das lojas, no entanto, observando-se pela área do
mezanino – no interior do mercado – e pelos vidros das bandeiras em arco da fachada,
nota-se que estão bastante sujos e em péssimo estado de conservação, apresentando –
inclusive – deterioração em determinadas partes do forro dos mesmos. Isto se dá,
sobretudo, pela falta de manutenção e cuidado por parte dos comerciantes instalados nas
lojas.
As portas de enrolar das lojas externas apresentam pequenos pontos de oxidação
– principalmente nas áreas inferiores destas portas – provavelmente em função do
problema das cheias a que a área está submetida. Além disso, algumas das portas que
foram pintadas e tratadas durante a intervenção de 2001, foram substituídas por outras
novas e pintadas com cores diferentes daquelas utilizadas na intervenção.

166
É muito provável que, com o passar dos anos e as constantes modificações sofridas nessa área, os forros
originais tenham sido lentamente substituídos por outros, a medida em que as alterações realizadas pelos
próprios comerciantes aconteciam.
167
Durante a realização do levantamento para verificação do atual estado do Mercado de Peixe, apesar de
terem sido feitas visitas em todas as lojas, alguns comerciantes não permitiram a realizam de fotos que
mostrassem o interior de algumas dessas lojas.
168
A semelhança do que ocorre com os forros, que – em sua maioria – foram provavelmente substituídos,
também as escadas provavelmente foram todas substituídas pelas constantes modificações feitas pelos
comerciantes das lojas externas.
117

Nos alpendres dos acessos ao interior do mercado, já são visíveis sinais de má


conservação e deterioração. No alpendre do acesso pela doca do Ver-o-Peso, a pintura da
parede de alvenaria apresenta – em determinadas áreas – bolhas, rachaduras e manchas. As
rachaduras podem ser em função da inclinação da torre, já as manchas são provavelmente
causadas por infiltração. No geral, a área superior desses alpendres apresenta-se bastante
suja, com visível falta de manutenção. Nota-se ainda alguns pontos de oxidação na
estrutura metálica da cobertura de alguns deles.
No interior do mercado, observa-se que foram feitos alguns rasgos na alvenaria
para que fosse realizada manutenção das instalações – provavelmente de instalações
elétricas –, mas que não receberam novamente pintura, permanecendo a área dos rasgos
apenas no reboco, sem qualquer tipo de proteção. Notam-se ainda – nas paredes de
alvenaria no interior do mercado – algumas trincas e pequenas rachaduras. Ainda nas
paredes, na região dos mezaninos, há muita sujeira em alguns pontos. A grade de proteção
do mezanino recebeu, em determinadas áreas, pranchas de madeira – provavelmente
madeirite, pintado na mesma cor da grade do mezanino – por trás da grade, colocadas
certamente para isolar a área do sótão, onde estão os depósitos das lojas externas.
A estrutura metálica da cobertura central apresenta-se, de uma maneira geral, bem
conservada e sem aparentes pontos de oxidação. A luminosidade e a ventilação da área do
mercado propriamente dito são muito boas e o edifício permanece bem iluminado e arejado
mesmo nos horários em que a temperatura externa está mais elevada.
Nos talhos, nota-se que a base metálica de sustentação das bancadas já apresenta
pontos de oxidação, sobretudo na área inferior, onde ela é fixada ao piso. Isto se dá,
provavelmente, em função de resíduos de sujeira – oriundos dos restos de peixe que ficam
no piso dos talhos durante o funcionamento do mercado – não eliminados completamente e
do emprego de materiais de limpeza inadequados. Também foi observado que a maioria
das portas de madeira dos armários sob as bancadas de limpeza nos talhos estão sujas e
com a pintura danificada. É possível que este problema também seja decorrente dos
resíduos de sujeira não eliminados e do uso de materiais de limpeza impróprios para este
tipo de superfície. Os cepos dos talhos já não possuem a cobertura de polipropileno, e os
peixes são cortados diretamente na superfície de madeira, que não apresenta um bom
estado de conservação em alguns cepos.
118

Figura 134 – Interior do Mercado de Figura 135 – Lojas externas


Peixe Detalhe mostrando algumas manchas na parede
Parede do alpendre da doca do Ver-o-Peso, que do interior das lojas.
apresenta algumas rachaduras, provavelmente em Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
função do adernamento do edifício.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 136 – Área central Figura 137 – Pavilhão octogonal


Detalhe mostrando pontos de oxidação nos Detalhe dos talhos para a venda de mariscos.
pilares do edifício. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 138 – Lojas externas Figura 139 – Lojas externas


Interior de uma das lojas externas do edifício, Outra tomada do interior da mesma loja,
bastante degradada. mostrando a escada de acesso ao depósito.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
119

Figura 140 – Fachada do Mercado de Figura 141 – Lojas externas


Peixe Detalhe mostrando o interior de uma das lojas,
Pintura degrada e pontos de oxidação na que tem um comércio bem diversificado.
superfície da fachada. Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 142 – Fachada do Mercado de Figura 143 – Fachada do Mercado de


Peixe Peixe
Parte inferior das chapas metálicas, apresentando Os restos de alimentos da feira-livre contribuem
corrosão e muitos pontos de oxidação. para o entupimento dos bueiros.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 144 – Lojas externas Figura 145 – Fachada do Mercado de


Os revestimentos dessa loja são recentes. São Peixe
muito comuns as intervenções sem nenhum Pintura deteriorada e pontos de oxidação na
tipo de critério realizadas nesses ambientes. fachada do Boulevard Castilho França.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
120

Figura 146 – Fachada do Mercado de Figura 147 – Torres


Peixe Detalhe mostrando uma das torres voltada para a
As áreas inferiores das chapas metálicas são as baía do Guajará, com pontos de oxidação na
primeiras a sentir os efeitos das cheias. cobertura metálica.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 148 – Fachada do Mercado de Figura 149 – Fachada do Mercado de


Peixe Peixe
Nos depósitos, as mercadorias são amontoadas e A feira-livre tem algumas barracas muito
não há nenhum tipo de manutenção. próximas ao mercado.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 150 – Fachada do Mercado de Figura 151 – Lojas externas


Peixe O interior das lojas nunca foi objeto das
O processo de corrosão em algumas áreas da intervenções realizadas no mercado.
fachada está bastante avançado, em função da Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
falta de manutenção.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
121

Figura 152 – Lojas externas Figura 153 – Lojas externas


Interior de uma das diversas lojas externas do Diversos pontos de oxidação na estrutura
mercado. metálica.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 154 – Lojas externas Figura 155 – Fachada do Mercado de


A manutenção das lojas é feita apenas pelos Peixe
próprios comerciantes. Nesta, foi empregado Detalhe da parte superior da fachada do
forro de PVC. Boulevard Castilho França.
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).

Figura 156– Interior do Mercado de Peixe Figura 157 – Torres


Alpendre de acesso pelo Boulevard Castilho Detalhe da cobertura de uma das torres do
França. Boulevard (também voltada para a doca).
Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006). Fonte: Débora Lima Veiga (outubro de 2006).
122

O pavilhão de venda de mariscos relativamente bem conservado, apresentando


apenas alguns pontos de oxidação na estrutura metálica de sustentação das bancadas,
sobretudo a área onde as mesmas são fixadas ao solo. Este problema é provavelmente
causado – assim como em alguns dos demais talhos do mercado – pelos resíduos de sujeira
não eliminados, associados a um emprego de materiais de limpeza impróprios para a
superfície.
Observa-se, ainda, que nos talhos a refrigeração dos peixes e mariscos é
improvisada com o uso de isopor e gelo, o que não garante uma boa conservação dos
alimentos durante o período de funcionamento do mercado.
De uma maneira geral, como pode ser observado nesse levantamento da situação
atual do edifício, mesmo tendo passado por uma recente intervenção, o Mercado de Peixe
já apresenta sinais de deterioração, além de problemas os mais diversos. Há questões que
permanecem pendentes, como a das lojas exteriores, que não foram incorporadas em
nenhuma das duas intervenções e que se encontram extremamente descaracterizadas e –
em alguns casos – deterioradas. O problema da inclinação de uma das torres – que
igualmente também não foi incorporado em nenhum dos dois projetos de intervenção –
ainda não se encontra satisfatoriamente resolvido, uma vez que mesmo depois da última
intervenção, apareceram rachaduras nas paredes de alvenaria, o que indica que a estrutura
provavelmente permanece instável. Além disso, como visto, existem problemas de
oxidação e até mesmo de corrosão tanto no exterior como no interior de algumas áreas do
edifício. Ora, para um edifício que foi recentemente restaurado, isto demonstra que alguns
dos problemas que levam ao processo de oxidação e corrosão das peças metálicas não foi
devidamente resolvido ou trabalhado.
Estes dados fornecem importantes questões no que refere à preservação do
Mercado de Ferro – e também da preservação da arquitetura do ferro, do qual ele faz parte
– e que serão estudados no capítulo a seguir.
123

3. A Preservação da Arquitetura do Ferro: o Caso dos Mercados de Belém

3.1 – Análise das Intervenções:

3.1.1 – O Mercado de Carne e suas Intervenções


O Mercado de Carne sofreu, pelo que se tem notícia, apenas uma intervenção 169 ,
que não foi tão grande como aquelas ocorridas no Mercado de Peixe, mas que promoveu
trabalhos que – apesar de não poderem ser considerados como trabalhos de restauração e
sim de reforma – precisam ser estudados. Mesmo assim, é importante que esta intervenção
seja analisada, e sejam tecidas algumas considerações tanto no que se refere aos trabalhos
realizados quanto aos que – a despeito de sua importância – não foram feitos até o
momento.
A intervenção limitou-se – como foi visto anteriormente – a contemplar o grande
pátio interno do mercado, mais especificamente a área das galerias e da circulação, além de
algumas intervenções realizadas nos talhos dos pavilhões de ferro e nas coberturas.
Nas galerias, foram instaladas diversas cozinhas econômicas, depósitos,
banheiros e um frigorífico. Estas intervenções foram realizadas de forma completamente
equivocada, sem respeito algum pelo edifício histórico e suas características, portando-se
muito mais como uma reforma do que como uma intervenção em uma edificação
histórica. Algumas das arcadas das galerias foram fechadas, construíram-se paredes e
bancadas de alvenaria, e o espaço anteriormente fluido e integrado desta área acabou se
convertendo numa série de espaços escuros e fechados, sem integração com o interior do
edifício – como acontecia originalmente – e profundamente descaracterizado. Logo, as
intervenções feitas nas galerias representam adições que fragmentaram o interior do
mercado, interferindo de forma extremamente prejudicial na percepção do ambiente e na
leitura do edifício. Uma intervenção de verdadeira restauração jamais deveria destruir ou
descaracterizar elementos originais para modernizar ou adequar os espaços a um
determinado uso. Toda e qualquer intervenção deve ser feita com a finalidade de preservar
o edifício e suas estruturas, em suas diversas estratificações. Desta forma, sempre que se
fizer necessária a inserção de um elemento novo, esta deve ser feita em observância às

169
O Mercado de Carne sofreu apenas uma intervenção, como foi visto no capítulo anterior, mas que não se
sabe a data e da qual também não foram encontradas nem as plantas nem tão pouco nenhum outro tipo de
documentação. No entanto, o mercado é atualmente objeto de uma intervenção coordenada atualmente pelo
Programa Monumenta do Ministério da Cultura do Governo Federal, que representa a primeira grande
intervenção a ser executada no edifício desde os trabalhos de ampliação e reforma realizados durante a
administração do Intendente Antônio Lemos, concluídos em 1908.
124

características da edificação, sem causar nenhum tipo de prejuízo na leitura da mesma;


antes, deve estar em harmonia com o conjunto, sem ser mimética e sem entrar em
competição. A intervenção deve ser pontuada como inserção contemporânea, que resulte
numa proposta criativa, sem deixar de observar os princípios fundamentais que regem
qualquer intervenção em edifícios históricos, a saber, a mínima intervenção, a
reversibilidade e a distinguibilidade da ação contemporânea 170 .
O mesmo ocorreu nas intervenções feitas nas paredes externas das arcadas das
galerias, onde foram instaladas cozinhas econômicas e balcões para a venda de alimentos
frescos. À semelhança do que aconteceu anteriormente, as intervenções foram feitas de
forma equivocada, sem respeito ao edifício histórico e sua configuração,
descaracterizando-o e interferindo na percepção do mesmo na apreensão de seus espaços.
Aqui também são válidas as mesmas colocações feitas para as intervenções nas galerias, no
que se refere a inserção de elemento novo em monumento histórico.
Foram feitas também intervenções em duas ordens de talhos de dois diferentes
pavilhões, sendo uma ordem em cada um dos pavilhões. Nesta intervenção os talhos
originais de ferro foram substituídos por bancadas de alvenaria de tijolos revestida em
cerâmica, tendo ao fundo uma parede divisória igualmente de alvenaria de tijolos e
revestida do mesmo material. Mais uma vez a inserção do elemento novo é feita sem que
haja respeito pela matéria original e por sua configuração. Os espaços têm sua percepção
alterada, na medida em que a fluidez das estruturas metálicas é interrompida pelas paredes
de alvenaria, que se constituem como elementos opacos que acabam por criar barreiras na
leitura do ambiente. As substituições que eventualmente precisem ser feitas numa
intervenção devem ocorrer apenas quando for estritamente necessário, e o elemento novo a
ser inserido deve ser projetualmente adequado – o que não significa, nesse caso, que deva

170
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia: Ateliê Editorial, 2004, esclarece que: “(...) a restauração
deve visar o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer
um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”
(p. 33),e que também “(...) deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isso venha a
infringir a própria unidade potencial que visa a reconstruir” (p. 47). Desta forma, para Brandi, é importante
que “(...) qualquer intervenção de restauro não torne não torne impossível mas, antes, facilite as eventuais
intervenções futuras” (p. 48), além de que
“(...) a ação de restauro ademais, e pela mesma exigência que impões o respeito da complexa historicidade
que completa à obra de arte, não se deverá colocar como secreta e quase fora de tempo, mas deverá ser
pontuada como evento histórico tal como é, pelo fato de ser ato humano e de se inserir no processo de
transmissão da obra de arte para o futuro” (p. 61).
Neste sentido, também são incisivas as proposições colocadas na Carta de Veneza (§ 9):
“A restauração, uma operação que deve manter caráter excepcional, tem por finalidade conservar e revelar
valores estéticos e históricos do monumento, fundamentando-se no respeito à substância antiga e na
autenticidade dos documentos. Deve deter-se onde começa a hipótese, e no plano das reconstituições
conjunturais, o trabalho complementar, considerado indispensável por razões estéticas ou técnicas, deverá se
destacar da composição arquitetônica, levando consigo a marca de nosso tempo.”
125

ser necessariamente metálico, mas que seja compatível com as estruturas existentes –
seguindo os princípios da distinguibilidade e da reversibilidade, tendo um projeto que se
harmonize com o conjunto, mas sem ser mimético ou entrar em competição com o
existente.
No que se refere às coberturas, também foram feitas algumas substituições. No
pavimento superior do edifício do mercado algumas das telhas cerâmicas foram trocadas
por telhas metálicas. O mesmo aconteceu na marquise de cobertura da circulação. Nos
pavilhões de ferro do pátio central, a cobertura em telha de vidro foi trocada por telhas
cerâmicas. No primeiro caso a substituição – que muito provavelmente foi oriunda de
alguma manutenção daquele ponto da cobertura – foi executada de forma distoante do
conjunto, o que fez com que uma simples manutenção acabasse por causar uma lesão na
imagem original da cobertura. É importante ressaltar que mesmo as manutenções devem
ser feitas e pensadas em harmonia com o existente. Neste caso, o mais correto teria sido
utilizar telhas com formas e material similar aos encontrados na cobertura existente. No
segundo caso, a intervenção acabou causando uma interferência na percepção do espaço
através da luz. Aqui também o mais correto seria que esta percepção fosse mantida através
do emprego de materiais que possibilitassem a mesma percepção, sem contudo ser
necessariamente os mesmos materiais usados originalmente.
Além destes problemas enfrentados – mesmo que de forma equivocada – na
intervenção sofrida pelo mercado, existem outros que – como foi dito, a despeito de sua
importância para a preservação do edifício – não foram ainda enfrentados.
O primeiro diz respeito às estruturas metálicas presentes no edifício. Como se
sabe, estas edificações apresentam superfícies bastante vulneráveis em função do problema
da oxidação. Como o mercado não sofre nenhum tipo de manutenção periódica, essas
superfícies foram perdendo progressivamente suas camadas protetivas a medida em que a
pintura – elemento fundamental na conservação das superfícies metálicas – foi se
deteriorando. Assim, a superfície do metal foi paulatinamente exposta, dando início ao
processo de oxidação. Mais uma vez, em função da ausência de manutenções, o problema
da oxidação evoluiu, em alguns casos, para a corrosão, que em determinadas peças chegou
mesmo a destruir completamente algumas partes, como em alguns talhos e na escada da
antiga caixa d’água, por exemplo. É importante ressaltar que se deve procurar preservar –
sempre que possível – as camadas de pintura original existentes – desde que estas estejam
em boas condições – ou pelo menos as camadas de proteção a fim de que seja evitada a
exposição da superfície metálica, o que conduz ao um rápido processo de oxidação e,
126

conseqüentemente, a um grave e profundo estado de degradação das estruturas e


superfícies metálicas. É importante destacar ainda que, sempre que se fizerem necessários
eventuais procedimentos para o tratamento de pequenas partes faltantes, os processos
podem ser encarados como uma manutenção, sendo que estes pequenos elementos podem
ser refeitos ao idêntico, de acordo com os métodos 171 mais adequados às necessidades
específicas de cada caso. Os eventuais novos elementos que devam ser inseridos, devem
ser projetualmente adequados – sejam eles metálicos ou não, mas sempre em observância a
eventuais problemas de ordem técnica 172 – e que sigam os princípios da reversibilidade e
da distinguibilidade, através de projeto que esteja em harmonia com o conjunto, sem ser
mimético e sem entrar em competição com este.
O segundo diz respeito ao tratamento das superfícies de alvenaria do edifício do
mercado. Como foi visto no capítulo anterior, grande parte dessas superfícies se encontra
bastante degradada, apresentando uma série de patologias como manchas negras,
desagregação no reboco, descolamento de pintura, etc. Nestas superfícies, as patologias são
causadas sobretudo pela falta de manutenções periódicas e de uma série de pequenos
reparos e intervenções realizadas no decorrer dos anos, feitos sem qualquer tipo de critério
teórico ou técnico. O abandono ao qual o mercado por vezes foi – e ainda é – legado
propiciou o desenvolvimento dessas patologias, que resultaram numa profunda degradação
das superfícies, o que acaba por exigir uma intervenção mais profunda do que nos
trabalhos de manutenção. Também os reparos e pequenas intervenções feitas nas
superfícies de alvenaria nem sempre são executados de acordo com as proposições
técnicas 173 e teóricas 174 que orientam o restauro, resultando em intervenções equivocadas e
no desenvolvimento de patologias, que acabam por descaracterizar o edifício.
Outro importante problema a ser enfrentado é o dos espaços sobre as lojas
externas do mercado, que permanecem desocupados e – conseqüentemente – em
progressivo estado de degradação. O uso jamais deve ser o único critério a guiar uma
intervenção, mas se uma edificação histórica permanece sem nenhum tipo de utilização,

171
No que se refere aos métodos utilizados para recomposições de pequenas peças metálicas, v. WAITE,
John G. The Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC,
US Government Printing Office, 1991, pp. 12-13, e KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 261.
172
O emprego de materiais incompatíveis pode, eventualmente, levar à corrosão. Para maiores informações a
este respeito, v. WAITE, John G. The Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., pp. 12-13,
e KÜHL, Beatriz Mugayar. op. cit., p. 261.
173
É muito comum o emprego de materiais e técnicas incompatíveis na execução destes reparos e pequenas
intervenções, tais como tintas incompatíveis, argamassas mal executadas, etc.
174
De igual modo, os reparos e pequenas intervenções são realizados sem a observância dos princípios
fundamentais da reversibilidade, distinguibilidade e mínima intervenção.
127

fatalmente entrará em processo de deterioração, pois um uso, desde que adequado,


assegura a manutenção constante 175 . Assim, além do necessário e importante tratamento
que deve ser feito nas superfícies destas áreas, deve-se dar a elas uma destinação, a fim de
que seja evitado o abandono que induz ao lento processo de degradação das mesmas.
Finalmente, as coberturas do edifício do mercado e dos pavilhões do pátio central
apresentam sinais de deterioração e algumas patologias em função da falta de
manutenções periódicas. Essas estruturas e superfícies de cobertura devem ser, assim que
possível, inspecionadas e suas patologias – como o ataque por xilófagos nas estruturas de
madeira e a oxidação e corrosão nas estruturas metálicas devem ser tratadas de acordo com
os métodos específicos para cada uma delas.

3.1.2 – O Mercado de Peixe e suas Intervenções:


O Mercado de Peixe sofreu – pelo que se tem registro e notícia – apenas duas
grandes intervenções, como visto no capítulo anterior. Estas intervenções serão, aqui,
analisadas, procurando-se tecer considerações tanto no que se refere aos trabalhos
realizados quanto aos que – a despeito de sua importância – não foram contemplados
durante estas intervenções.
A intervenção de 1985 limitou-se – por motivos econômicos ligados à verba
disponibilizada pela Prefeitura para realização dos trabalhos – ao tratamento das fachadas e
da área central do mercado, com a remodelação dos talhos para a venda do pescado. Em
primeiro lugar, seria interessante analisar os pontos que tratados por esta intervenção, para
– a seguir – abordar aqueles que, apesar de importantes, não constavam da mesma.
No caso das fachadas, a limpeza da superfície e a remoção da pintura antiga – que
se encontrava deteriorada – foi feita pelo do processo de jateamento de areia 176 . É
importante lembrar que a técnica pode – eventualmente – remover as marcas manuais ou
mecânicas resultantes do processo de fabricação do material, o que é um inconveniente

175
Conforme destacado na Carta de Veneza (§ 5), a “conservação dos monumentos será sempre favorecida
quando se atribuir aos mesmos uma destinação de utilidade social”.
176
Segundo KÜHL, Beatriz. op. cit, p. 255, os métodos abrasivos são considerados os mais eficientes para a
limpeza de grandes superfícies, tanto os métodos abrasivos secos quanto os métodos abrasivos úmidos. No
caso do método abrasivo seco, um jato de partículas sob pressão é emitido sobre a superfície a ser limpa. A
partícula a ser utilizada, o tamanho da mesma e a pressão a ser aplicada pelo jato no processo dependem do
tipo de material a ser limpo. As partículas mais utilizadas são as de pedra, tijolo, madeira ou mesmo vidro –
no caso do ferro ou do ferro fundido – , e também partículas de cobre –empregadas para determinados tipos
de aço.
128

para uma edificação histórica. O método também requer determinados cuidados com as
superfícies adjacentes, a fim de que as mesmas estejam protegidas durante a execução do
processo. Além disso, é importante considerar a possibilidade de eventuais problemas que
as partículas em suspensão possam causar ao ambiente. No caso do Mercado de Peixe, o
jateamento a seco utilizado para a limpeza impossibilitou – conforme mencionado no
capítulo anterior – a identificação da cor original do edifício quando da segunda
intervenção – concluída em 2001 – e que também não se tem notícia de que tenha sido
registrada na ocasião da primeira intervenção. Além disso, não se trata do método mais
indicado 177 , em função da presença da feira livre – onde são vendidos sobretudo frutas,
verduras e legumes – e da grande circulação de pessoas e veículos na área, o que
fatalmente trouxe problemas de poluição ambiental em virtude da grande quantidade de
partículas em suspensão geradas durante o processo. Neste caso, o mais aconselhável seria
a adoção do método abrasivo com emprego concomitante de água – método abrasivo
úmido – uma vez que o mesmo não traria riscos de poluição ao meio ambiente, além de
proporcionar uma rápida eliminação da ferrugem e das impurezas. No entanto, é
importante ressaltar que no método abrasivo úmido ocorre a formação de uma camada de
ferrugem – que no caso do Mercado de Ferro pode se formar mais rapidamente, em função
da umidade relativa do ar em Belém ser bastante elevada praticamente durante o ano
inteiro, desse modo, é indicada uma camada primária tolerante à água, podendo-se usar um
inibidor de ferrugem na última enxaguadura 178 .
No que se refere à recomposição das partes que se encontravam corroídas, esta
foi feita através de resina com pouca quantidade de partículas metálicas, no caso das peças
pequenas, e com substituição para as áreas maiores. As falhas ou lacunas de uma superfície
metálica podem ser trabalhadas com massa à base de partículas de metal – que podem ser
de aço ou ferro, de acordo com a peça original – associadas às resinas epóxi. Esta solução
pode ser utilizada tanto para o ferro fundido quanto para o ferro, desde que o material
original ainda seja eficiente estruturalmente, uma vez que o elemento reparado não tem a
mesma resistência de uma peça metálica homogênea, e quando a superfície for

177
Para maiores informações acerca dos métodos de limpeza de superfícies metálicas, v. ASHURST,
John&Nicola. Op. cit., pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron,
Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991. Do mesmo autor,
Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building, Washington DC, US
Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
178
ASHURST, John&Nicola, op. cit., pp. 35-36. KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., p. 256, consideram o
método adequado, a despeito das precauções a serem tomadas durante sua execução. John G. Waite, The
Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., p.7, aponta as mesmas deficiências de
procedimento citadas pelos outros autores, mas não o considera eficaz.
129

convenientemente preparada 179 . Contudo, esta mistura pode causar problemas pela
diferença dos coeficientes de dilatação térmica dos materiais e deve ser protegida por
pintura, pela degradação do epóxi com raios ultra-violeta. Quanto às substituições não
foram encontradas referências acerca dos materiais utilizados quando da primeira grande
intervenção sofrida pelo mercado. No entanto, é importante evitar que essas substituições
sejam feitas com outros metais que possuam diferente potencial eletrolítico em relação às
peças originais, o que pode levar à corrosão galvânica. A adoção de peças feitas do mesmo
material ou a partir de materiais não-metálicos é mais aconselhada, de acordo a avaliação
feita em função das necessidades de cada caso específico 180 .
No caso da marquise de concreto – colocada no decorrer dos anos – que foi
retirada e, em seu lugar, foi executada uma marquise com estrutura metálica e cobertura
em lona, a opção pela manutenção de uma marquise na área é justificada pelo fato de a
cidade manter altíssimos índices pluviométricos durante boa parte do ano; desta forma, as
chuvas são quase diárias e a manutenção de uma cobertura que protegesse os acessos das
lojas externas do edifício era requerida. Isto é comprovado pelo fato que, em diversas fotos
de época onde o mercado é retratado, são encontrados toldos de proteção sobre as portas
das lojas exteriores. No entanto, a peça existente – de concreto – não se harmonizava com
o conjunto, causando danos a leitura do edifício. Assim, a substituição pela peça com
estrutura metálica e cobertura em lona é válida e vem ao encontro da necessidade de
manutenção de uma cobertura na área – que não havia sido prevista no projeto original,
mas que era extremamente necessária – a fim de manter a mesma protegida das chuvas e
da incidência direta dos raios solares.
Como foi descrito no capítulo 2, as portas de enrolar das lojas externas do
mercado foram mantidas, sendo tratadas ou substituídas, de acordo com a necessidade
específica de cada peça. A manutenção das portas de enrolar se deve ao fato de que as
mesmas foram instaladas – em determinado momento da história do edifício que não se
pôde precisar e em substituição às originais em madeira – por questões de segurança.
Assim, esta manutenção foi uma opção de projeto pautada no contexto em que o edifício se
encontra inserido, respeitando suas estratificações. Neste sentido, como as bandeiras
móveis e as portas de madeira haviam sido substituídas; se fosse feita a opção pelo retorno
à configuração original, haveria a necessidade de execução de uma série de peças

179
KÜHL,Beatriz Mugayar. Op. cit., p. 261.
180
Para maiores informações acerca de substituições, v. WAITE, John G. The Maintenance and Repair of
Architectuaral Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., p. 261.
130

inteiramente novas – uma vez que não havia mais peças originais no edifício – o que
poderia se configurar como falso histórico, fato absolutamente indesejável numa
restauração 181 . Além disso, as peças não representavam adições que deturpassem a leitura
da obra. Assim, sua permanência é justificável. No que se refere ao tratamento destas
portas, é importante destacar que, durante o processo de avaliação dos processos de
degradação das peças metálicas que compõem um edifício e a subseqüente escolha dos
métodos de tratamento, recomposição e/ou substituição das mesmas, as substituições sejam
feitas apenas quando as peças forem de fato irrecuperáveis. Neste caso, os elementos a
serem substituídos dever ser feitos de acordo com o tipo de intervenção, isto é, uma
manutenção ou uma restauração. Em se tratando, de fato, de uma manutenção – como foi o
caso das portas de enrolar das lojas externas, que em si não têm importância histórica para
a edificação, uma vez que se constituíam de peças relativamente recentes – a substituição
pode ser feita por peças semelhantes e executadas com o mesmo material das anteriores,
assim como ocorreu nesta intervenção.
No pátio interno também houve uma série de intervenções: as paredes foram
tratadas, pintadas e receberam revestimento cerâmico até cerca de meia parede, o piso de
ladrilho foi substituído e os talhos para venda do pescado foram reformulados. No caso dos
revestimentos de parede, como foi visto, o que se sabe é que antes da intervenção as
paredes também estavam pintadas e com cerâmica em meia parede. Não se sabe precisar a
cor nem o tipo dos revestimentos, mas é muito provável que a tinta das paredes fosse
branca ou de outra tonalidade clara, uma vez que essas tonalidades refletem melhor a luz.
Neste caso, é mais delicado comentar as intervenções visto que não há muitas informações
acerca do existente. Já quanto ao piso, convém que sejam feitas algumas observações, que
são igualmente válidas para tratamentos de paredes. A opção feita no projeto foi pela
substituição completa dos mosaicos originais, que se encontravam bastante deteriorados,
por um revestimento em korodur. Mais uma vez torna-se à questão das substituições.
Como foi dito anteriormente, essa é uma questão bastante delicada, sobretudo no caso de
uma substituição total de uma área tão extensa quanto o revestimento do piso, o que não é
recomendado, a não ser que a mesma esteja realmente irrecuperável ou destruída. O mais
indicado seria tratar a superfície, procurando substituir apenas aquilo que se encontrava de

181
Como afirma BRANDI, Cesare, op. cit., p 47, quando diz que na restauração “(...) apresentam-se duas
instâncias, a instância histórica e a instância estética, que deverão, na recíproca contemporização, nortear
aquilo que pode ser restabelecido da unidade potencial da obra de arte, sem que se venha a constituir um
falso histórico ou a perpetuar uma ofensa estética”.
131

fato irrecuperável, de forma criativa e respeitosa em relação ao documento histórico,


seguindo os princípios da reversibilidade, distinguibilidade e mínima intervenção.
Quanto à reformulação dos talhos, ela se deu apenas no que se refere aos
revestimentos e à forma das paredes divisórias e das bancadas, e que se justificava – de
acordo com a concepção projetual – em função da necessidade de modernização dos
mesmos. Volta-se aqui – mais uma vez – à questão das substituições. Neste caso, a
substituição ocorre em função de uma suposta modernização dos talhos. Em restauração,
tudo aquilo que existe e pode ser recuperado, deve ser recuperado, a despeito de ser uma
contribuição posterior – como o caso dos talhos, que já não eram os originalmente
projetados para o mercado – e desde que a mesma não prejudique a leitura da obra e a
percepção dos espaços. No caso dos talhos, uma simples substituição de revestimentos ou
de formas em nome de uma modernização é uma atitude equivocada em relação às
adições, que devem consideradas na intervenção. As adequações em função de
determinadas necessidades de uso – no caso dos talhos, as remodelações eram para
modernizá-los, de acordo com as normas de higiene – não devem guiar a intervenção. O
que guia a intervenção é a preservação 182 e as normas seguem como elemento
concomitante, de extrema importância, mas jamais como único e principal fator a
determinar soluções. Neste caso, a melhor opção seria procurar adequar a realidade
encontrada a estas necessidades, intervindo de forma harmônica com o pré-existente,
seguindo os princípios da reversibilidade, distinguibilidade da ação contemporânea e da
mínima intervenção.
No pavilhão central, optou-se pela manutenção dos talhos que o circundavam e
foi criado, em seu interior, um espaço para vestiário, sendo a administração transferida
para área superior do pavilhão. A manutenção dos talhos que circundavam o pavilhão
central é perfeitamente justificável, uma vez que representam contribuições feitas com o
tempo e inseridas no contexto – haja vista a distribuição dos talhos já ter sido inteiramente
modificada anteriormente – e que por este motivo devem ser mantidas. Quanto à resolução
projetual de se criar um espaço para vestiário no pavilhão central, não há registros de como
se configurava o pavilhão, a não ser o de que sua planta era aparentemente a mesma de
quando o mercado foi inaugurado, haja vista a forma octogonal. Mas quanto às vedações,
não há registros se eram ou não as originais até aquele momento. Baseado nisto, pode-se

182
Conforme a Carta de Veneza (§ 9 ) que diz que “A restauração (...) tem por finalidade conservar e revelar
os valores estéticos e históricos do monumento, fundamentando-se no respeito à substância antiga e na
autenticidade dos documentos”.
132

dizer que se as alterações limitaram-se apenas às adequações devidas para este novo uso,
sem prejuízo do contexto; a intervenção é perfeitamente aceitável, visto que não interfere
na percepção do ambiente e nem remove contribuições anteriores, uma vez que a
administração passou para a área superior do pavilhão, que já existia quando da realização
da intervenção.
No que se refere ao recuo das paredes das lojas externas que haviam avançado em
direção à área central do mercado, esta remoção justifica-se pela retomada da leitura do
ambiente da área central, que se encontrava prejudicada por estes acréscimos. Aqui, a
remoção é pautada na prevalência 183 da instância estética – leitura e percepção do ambiente
da área central do mercado – sobre a histórica – representada pelos acréscimos realizados
ao se avançar as paredes das lojas externas em direção à área central que prejudicam a
percepção da arquitetura – o que é perfeitamente justificado.
Nas torres, as esquadrias das janelas haviam sido anteriormente retiradas, sendo o
local fechado com chapas metálicas pintadas na mesma cor da fachada; as chapas que
fechavam os vãos foram retiradas e optou-se pelo retorno ao emprego de esquadrias a fim
de que o ritmo da fachada fosse retomado e a lacuna criada fosse reintegrada. As
intervenções anteriores haviam originado uma ruptura no tecido figurativo que precisava
ser devidamente tratada, através da reintegração da imagem. A opção de projeto foi a
execução de uma esquadria com linhas gerais semelhantes às da original, resguardando-se
apenas algumas diferenciações quanto às dimensões do vão e alguns outros detalhes, como
a ausência das bandeiras presentes nas esquadrias originais. Esta foi uma proposta
equivocada, que acabou recaindo numa imitação diferenciada 184 que leva a uma idéia de
falso histórico. Conforme explica Kühl 185 baseada nas proposições crítico-
conservativas 186 :

183
Para uma melhor explanação acerca das questões referentes às relações entre as instâncias estética e
histórica, v. BRANDI, Cesare. op. cit., pp. 29-33.
184
Sobre o problema do equívoco da imitação diferenciada e da diferenciação imitativa no tratamento de
lacunas, v. Umberto Baldini. Teoria Del restauro e unità de metodologia, 2vols. Firenze, Nardini: 1° vol,
1997, 8a ed., pp. 40-57.
185
KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação de Edifícios Industriais. In: Desígnio
Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP – n. 1 –
março/2004 – São Paulo: Annablume. Semestral, p. 106.
186
A vertente crítico-conservativa da restauração fundamenta o restauro na análise da obra, de seus aspectos
físicos e de suas características formais, e de seu transcorrer na história para contemporizar, de acordo com
as formulações brandianas, as instâncias estéticas e históricas, procurando intervir de modo a respeitar seus
elementos caracterizadores, para que a obra seja valorizada e transmitida para o futuro da melhor forma
possível. Sobretudo no que se refere ao tempo em que se coloca a intervenção, as formulações brandianas,
que se constituem como base da vertente crítico-conservativa da restauração, são bastante claras ao colocar
sua atuação no tempo presente. Para maiores detalhes, v. BRANDI, Cesare. op. cit., pp. 59-62.
133

“O restauro é ato crítico que, alicerçado no reconhecimento da obra de arte e de seu


transformar no tempo, insere-se no tempo presente e não pode considerar o tempo como
reversível. A restauração jamais deve se colocar em qualquer uma das fases por que
passou a obra (muito menos no momento de sua criação) e nunca propõe imitação. Deve
ser ato de reinterpretação, voltado para a transmissão do bem para as próximas gerações
e, portanto, ação que mantém o futuro no horizonte de suas reflexões.”
Logo, a opção mais adequada seria a adoção de uma proposta que buscasse
trabalhar com uma arquitetura diferenciada – seguindo o princípio fundamental da
distinguibilidade da ação contemporânea – mas em consoância 187 com o pré-existente,
procurando buscar uma relação harmônica entre o antigo e o novo na intervenção.
Estes foram os pontos contemplados nesta intervenção concluída em 1985. No
entanto, é preciso tratar de alguns pontos que – a despeito de sua relevância – não foram
trabalhados durante esta intervenção e cujos problemas precisam ser abordados.
Em primeiro lugar, tem-se a questão das lojas externas do edifício do mercado.
Durante esta primeira grande intervenção de que se tem registro, as lojas externas não
sofreram nenhum tipo de intervenção, sendo tratadas apenas as portas de enrolar de seus
acessos. Neste caso, por mais descaracterizadas que as lojas eventualmente pudessem estar,
a função da intervenção seria preservar – na medida do possível – a obra da forma como
ela chegou até nós, dentro do contexto no qual está inserida e respeitando suas diversas
estratificações. Neste sentido, são fundamentais os trabalhos de conservação – como
tratamento das eventuais patologias a serem encontradas e limpeza e tratamento das
superfícies – para que a obra possa permanecer em boas condições a fim de que se
assegure sua preservação e sua transmissão para as futuras gerações. Além disso, a obra é
um todo e, por isso mesmo, se um determinado problema que afeta uma área do edifício
não for tratado durante uma intervenção – em função de não fazer parte dos trabalhos –
permanecer, pode afetar as demais áreas que eventualmente tenham sido tratadas, pondo
em cheque a intervenção. Desta forma, o melhor é que todos os problemas sejam
devidamente enfrentados a fim de que a obra seja de fato preservada.
Em segundo lugar tem-se a questão das coberturas, que também não foi tratada.
Aqui, são válidas as mesmas colocações feitas quanto aos problemas das lojas externas,
que também não foram enfrentados durante esta intervenção, e que podem acarretar
problemas que eventualmente comprometerão a intervenção realizada.
Finalmente, tem-se o grave problema de adernamento de uma das áreas do
mercado, com conseqüente inclinação de uma das suas torres. Durante a intervenção, este

187
A consoância, aqui, deve ser entendida como uma proposta diversa, mas que se relaciona harmonicamente
com a obra, sem trabalhar de modo imitativo, mimético ou análogo.
134

problema não foi tratado, a despeito de sua gravidade e de sua relevância no que se refere à
preservação do edifício, sendo enfrentado apenas anos depois, quando foi feita uma
intervenção específica para que o edifício fosse estabilizado. Como foi dito anteriormente,
a função da intervenção é – sobretudo – a preservação da obra, assegurando sua
permanência. O problema do adernamento do edifício e da inclinação de uma de suas
torres deveria, portanto, ser enfrentado prioritariamente, uma vez que representa um risco
para a preservação do mercado e não posteriormente.
O Mercado de Peixe sofreu também uma segunda grande intervenção, levada
adiante pela Prefeitura e concluída em 2001. Assim como ocorreu na primeira grande
intervenção, esta segunda também limitou seus trabalhos em função da verba
disponibilizada pela Prefeitura. Desta forma, a intervenção centrou seus trabalhos no
tratamento e recuperação das fachadas e das torres metálicas, tratamento e substituição dos
revestimentos de piso e parede da área central, e remodelações dos talhos e do pavilhão
central do mercado propriamente dito.
Da mesma maneira como foi feito para a análise da intervenção de 1985, também
seria interessante, neste caso, começar a análise a partir dos trabalhos realizados durante a
intervenção, para que fossem posteriormente tratados os problemas que não constaram da
mesma.
Nas fachadas, a limpeza e remoção da pintura que se encontrava deteriorada foi
feita através de raspagem. Como se sabe, os processos manuais não são os mais indicados
como única forma para limpeza e tratamento das superfícies, uma vez que não removem
completamente a ferrugem, as camadas de pintura e as impurezas 188 . Desta forma, o mais
aconselhável seria o uso de método abrasivo úmido, como foi apontado na análise feita
anteriormente no tratamento das fachadas, realizado na primeira grande intervenção.
Assim, assegura-se uma completa remoção da ferrugem e das impurezas, além da remoção
da camada de pintura, onde se faz necessário, a fim de que a superfície esteja pronta para
receber os sistemas protetivos da pintura. A pintura foi feita após aplicação de massa
epóxica e com tinta esmalte acetinada. Na pintura, as camadas intermediárias em epóxi são
recomendáveis; no entanto, resinas epóxi se degradam com facilidade quando expostas à
radiação ultravioleta e, por isso, requerem camadas de acabamento bastante resistentes. As

188
Novamente, para maiores informações acerca dos métodos de preparação das superfícies metálicas,
incluindo as preparações manuais, v. John & Nicola Ashurst, Practical Building Conservation, 5 vols.,
Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair
of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991.
Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building,
Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
135

tintas à base de uretana 189 – como foi o caso da tinta utilizada para a pintura das fachadas
do mercado – também são recomendadas para aplicação em peças antigas sem camada de
pintura pré-existente – quando a limpeza atingir a superfície do metal – e devem ser
aplicadas numa espessura entre 125 a 250 micra. É aconselhável que sejam aplicadas, ao
todo, quatro camadas de pintura, incluindo aqui as camadas primárias, intermediárias e de
acabamento, visto que é mais prudente a aplicação de uma camada a mais do que a escolha
de um sistema mais caro.
No que se refere à polêmica causada em torno da opção feita pela Secretaria de
Urbanismo – SEURB – por uma pintura em tons de amarelo e creme – a revelia daquilo
que havia sido determinado em projeto e que seguia os tons da pintura anterior – algumas
considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, a questão da cor é ponto extremamente
relevante, sobretudo em se tratando de edificações metálicas, onde as pinturas constituem-
se como um importante mecanismo de proteção das superfícies 190 . Em segundo lugar, a cor
anterior – que era um tom de cinza, já se encontrava consolidada na memória local 191 ,
desta forma, qualquer outra cor que fosse muito diferente desta, acabaria por induzir a uma
falsa sensação de novo, a um rejuvenescimento forçado da obra, o que definitivamente não
é o que se busca numa intervenção 192 .
No que se refere às portas de enrolar das lojas externas, as bandeiras em arco das
fachadas e as esquadrias e cobertura metálica das torres, os procedimentos centraram-se
numa manutenção daquilo que havia sido feito anteriormente: as peças foram limpas,
tratadas e protegidas e aquelas que eram irrecuperáveis foram substituídas. Esta postura é a
mais acertada, haja vista o fato de que nestes casos são necessários apenas pequenos
reparos a fim de tratar e proteger a obra. Quanto às placas de fibrocimento que haviam sido
colocadas em algumas das marquises da fachada, as mesmas foram retiradas, as mãos-
francesas foram reforçadas – quando necessário – e toda a lona antiga foi, aparentemente,
substituída. A substituição das placas de fibrocimento que haviam sido colocadas em

189
Tinta composta por resina poliuretênica alifática, pigmentos diversos, xilol, toluol e éteres glicólicos.
190
Sobre o problema da renovação da cor em edificações históricas, v. CARBONARA, Giovanni,
Aviccinamento ao restauro, op. cit., pp. 511-519.
191
Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema, v. Beatriz Mugayar Kühl, Preservação da
Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, op. cit., p. 213-215.
192
RIEGL, Alois. El culto moderno a los monumentos. Madri: Visor, 1999, 2ª. Ed.,pp. 81-91 trata do
problema ao analisar os diversos modos com que uma dada sociedade percebe e se apropria de seus
monumentos históricos, apontando para o fato de que por vezes esta sociedade procura valores que façam
com que os bens culturais correspondam a uma expectativa dos sentidos (valor de uso) ou do espírito (valor
artístico), de forma tão satisfatória quanto uma criação moderna: são o que ele chama de valores de
contemporaneidade. Neste sentido, Riegl – ao avaliar o valor artístico – apresenta como uma das categorias o
valor como novidade, no qual o monumento histórico se equipara a uma criação recente, o que exige do
mesmo uma perfeita integridade de cores e formas.
136

algumas das marquises é justificável, em função de representarem adições que interferem


na leitura do conjunto, além de poder provocar corrosão galvânica. No entanto, a aparente
substituição de toda a lona usada na intervenção anterior para a cobertura da marquise por
outra nova – e nos tons semelhantes àqueles utilizados também na nova pintura – não é
justificada, uma vez que o que se faz em restauração é tratar patologias, tratar lacunas,
quando necessário, e, por vezes, retirar adições que deturpem a leitura da obra. Logo, tudo
que existe e pode ser recuperado, deve ser restaurado. Assim, a melhor opção seria tratar os
eventuais problemas que fossem encontrados nas marquises, protegê-las e substituir apenas
as peças irrecuperáveis. No caso de determinados elementos de adornos faltantes das
torres, optou-se pela manutenção da lacuna. Neste caso, a opção é perfeitamente
justificável, desde que essa lacuna seja reabsorvida pela imagem total do mercado, o que
de fato ocorre.
As alterações feitas no nível das lojas externas a fim de que fossem executadas as
necessárias instalações sanitárias para o edifício também são justificáveis, uma vez que
atendem às normas de higiene através do princípio da mínima intervenção, além de serem
feitos de forma a ser pontuada a intervenção, distinguindo-a como obra nova,
contemporânea e sem prejudicar a leitura do edifício e na percepção de seus espaços.
No que se refere às lojas instaladas no alpendre localizado no acesso pela
Boulevard Castilho França, a instalação das mesmas reduz a percepção do espaço no
alpendre, interferindo na leitura do ambiente. Desta forma, resulta numa opção equivocada
que, apesar de ser uma obra contemporânea, descaracteriza o referido alpendre uma vez
que reduz seu espaço e a percepção do mesmo. Melhor seria a opção pela colocação de
aparadores – seguindo os princípios fundamentais da distinguibilidade, reversibilidade e
mínima intervenção – junto às paredes do alpendre, o que não causaria prejuízo à
apreensão do espaço, além de não descaracterizá-lo.
Quanto ao piso da área central do edifício – que foi inteiramente substituído em
função da implementação de caimentos para o sistema de coleta de águas servidas oriundas
da limpeza dos talhos e da circulação –, a remoção do piso anterior e a adoção de um novo
apenas para atender a determinadas necessidades relacionadas ao uso não são justificáveis.
O que guia a intervenção é a preservação do bem como ato de cultura, e as adequações a
serem feitas não podem ser tomadas como único e principal fator a determinar soluções, e
sim pensadas de forma concomitante com a preservação. A eliminação do piso anterior
137

representa um desrespeito pelas contribuições do passado 193 e uma descaracterização do


ambiente dentro de seu contexto. A solução deveria ser buscada as adequações de modo
criativo, a fim de atender às necessidades exigidas – e que não foram contempladas pelo
projeto anterior – sem, contudo, descaracterizar o espaço dentro de nova configuração. O
mesmo vale para as alterações feitas, durante esta segunda grande intervenção, nos
revestimentos de parede, no pavilhão central e na remodelação dos talhos. Em todos estes
casos, as contribuições anteriores foram ignoradas, optando-se pela remodelação quase
total da área central do mercado. Esta é uma postura absolutamente inaceitável numa
restauração, sobretudo de um bem onde os espaços descaracterizados eram perfeitamente
passíveis de recuperação e adequações, através de soluções criativas seguindo os princípios
fundamentais de reversibilidade, distinguibilidade da ação contemporânea e mínima
intervenção.
Na cobertura, houve tratamento e recuperação tanto da estrutura quanto do
telhamento. No que se refere às telhas, elas foram devidamente limpas e tratadas, a fim de
fosse assegurada sua proteção. As peças foram avaliadas e as substituições foram feitas
apenas quando se fez estritamente necessário. Como se tratam de pequenas partes a serem
substituídas, o processo pôde perfeitamente ser encarado como um processo de
manutenção, uma vez que não ocorre aqui uma cisão temporal na obra como imagem
figurada. Logo, é absolutamente justificável a substituição por telhas de padrão formal e
cromático semelhantes às anteriores. Ainda no telhamento, o projeto de restauro optou pela
retomada das clarabóias originalmente existentes no edifício e que haviam sido retiradas
em intervenções anteriores. Aqui, a retomada destas clarabóias representa a recuperação da
percepção do espaço através da luz. Além disso, as telhas usadas para fechar as clarabóias
anteriormente não possuem, em si, importância histórica que justifique sua preservação.
Quanto ao sistema de coleta de águas pluviais, foram tomadas duas atitudes que
precisam ser analisadas, pois representam duas posturas antagônicas frente a um mesmo
problema. A primeira foi em relação às calhas, que se encontravam danificadas pela ação
do tempo, dos agentes externos e pela falta de manutenção. Elas foram limpas e
consolidadas, além de recuperados os mecanismos de fixação que se encontravam
deteriorados, optando-se pela substituição apenas das partes muito danificadas ou faltantes.
As substituições foram feitas com materiais compatíveis e com dimensões semelhantes às

193
No que se refere às contribuições do passado, a Carta de Veneza (§ 11) afirma que: “Os acréscimos à
construção de um monumento são marcas respeitáveis de todas as épocas, e devem permanecer, uma vez que
a unidade do estilo não constitui a meta final da restauração”.
138

anteriores. A segunda foi em relação aos dutos, que igualmente se encontravam


danificados pela ação do tempo, dos agentes externos e pela falta de manutenção. Eles
sofreram uma intervenção mais drástica, sendo substituídos de diversas formas: aqueles
que conduzem as águas do telhado superior até as calhas inferiores foram refeitos, e os
condutores de águas pluviais foram inteiramente substituídos por outros de PVC. Note-se
que em ambos os casos, trata-se do problema da substituição, mas em dois níveis
diferentes. No primeiro – aquele relativo às calhas – optou-se pela substituição apenas das
partes faltantes ou muito danificadas, e como se tratava de pequenas substituições, foram
encaradas como manutenção, sendo as peças novas executadas com dimensões
semelhantes e materiais compatíveis, o que é perfeitamente justificável neste caso. Já no
segundo, em relação aos dutos, optou-se por substituições totais e refazimentos, duas
medidas inaceitáveis numa restauração. Como já foi dito, em restauração o que orienta a
intervenção é a preservação do bem como ato de cultura, que deve ser respeitado,
procurando-se substituir somente aquilo que é irrecuperável e apenas por outros elementos
projetualmente adequados e seguindo os princípios fundamentais da distinguibilidade e
reversibilidade, numa proposta que se harmonize com o conjunto sem, contudo, ser
mimética ou entrar em competição. Neste sentido, não podem ser justificadas atitudes
como substituições totais, nem tampouco refazimentos, que – no primeiro caso –
descaracterizam a obra e chegam, mesmo, a resultar em falso histórico. É importante
ressaltar que através de substituições e refazimentos maciços, opera-se através de rupturas,
ao contrário do que de fato se deseja do ponto de vista da preservação, que é trabalhar
através de permanências e continuidades.
Nos lanternins e no madeiramento da cobertura, houve limpeza e tratamento das
peças estavam danificadas, e as substituições foram feitas apenas onde as peças eram
irrecuperáveis. Aqui também – à semelhança do que ocorreu no telhamento – como se
tratava de pequenas peças a serem substituídas, o processo pôde ser encarado como
manutenção, visto que não ocorreu aqui uma cisão temporal na obra como imagem
figurada. Logo, é absolutamente justificável que as partes faltantes ou extremamente
danificadas sejam substituídas por peças de padrão formal e material semelhantes às
anteriores.
Finalmente, os trabalhos na estrutura metálica da cobertura também procuraram
atentar para o máximo aproveitamento das peças estruturais das tesouras, sendo os
eventuais reforços executados observando-se o respeito à configuração e espaçamento da
mesma, o que segue o princípio da intervenção mínima. Para remoção da camada oxidada,
139

optou-se pelos métodos manuais de raspagem e/ou lixação, feita com lixa 280. Como
mencionado, os métodos manuais não são eficientes na remoção completa da ferrugem,
camadas de pintura e impurezas. Neste caso, o mais apropriado seria o emprego do método
abrasivo úmido – que promove uma remoção rápida da ferrugem e das impurezas –
seguido de uma camada primária tolerante à água a fim de que fosse assegurada uma
rápida proteção da superfície – extremamente importante quando se faz uso deste método –
ou, na impossibilidade deste, o emprego de procedimento mecânico através de escova
giratória, cuja eficiência é maior que a dos métodos manuais, complementado pelos
métodos manuais nas eventuais pequenas cavidades, onde o mecânico não pode ser
aplicado eficientemente. A pintura foi feita com a aplicação – através de rolo ou trincha
macia – de duas demãos de primer epóxi seguidas por uma demão de tinta poliuretânica.
Neste caso, seria aconselhável que fosse feita pelo menos mais uma camada de tinta, visto
que a aplicação em várias camadas reduz a probabilidade de falhas e proporciona um maior
isolamento ao metal. No que se refere aos métodos de aplicação da pintura, os pincéis são
considerados os mais adequados e eficientes, por permitirem um contato completo entre a
pintura e o metal.
Estes foram os problemas tratados durante a intervenção concluída em 2001.
Contudo, existem ainda alguns pontos que – a despeito de sua relevância – não foram
trabalhados durante esta intervenção e cujos problemas precisam ser abordados.
Em primeiro lugar, tem-se – mais uma vez – a questão das lojas externas do
edifício do mercado. Durante esta última grande obra, as lojas externas não sofreram
nenhum tipo de intervenção, sendo tratadas novamente apenas as portas de enrolar de seus
acessos, no âmbito das ações nas fachadas. É importante ressaltar novamente que, por mais
descaracterizadas que as lojas eventualmente pudessem estar, a função do restauro é
preservar – na medida do possível – a obra da forma como ela chegou até nós, no contexto
no qual está inserida e respeitando suas diversas estratificações. Os trabalhos de
conservação – como tratamento das eventuais patologias a serem encontradas e limpeza e
tratamento das superfícies no interior das lojas – devem ser feitos para que a obra possa
permanecer em boas condições, a fim de que seja assegurada sua preservação e sua
transmissão para as futuras gerações. É preciso destacar também que a obra é um todo e,
justamente por isso, se um determinado problema que afeta uma área do edifício que não
foi tratada, em função da mesma não fazer parte destes trabalhos, permanecer, pode afetar
as demais áreas que eventualmente tenham sido tratadas, pondo em risco os trabalhos
140

executados. Logo, o melhor é que, durante o processo de intervenção, todos os problemas


sejam devidamente enfrentados a fim de que a obra seja de fato preservada.
Em segundo lugar, tem-se – mais uma vez – o grave problema de adernamento de
uma das áreas do mercado, com conseqüente inclinação de uma das suas torres. Durante a
intervenção, este problema não foi enfrentado 194 , a despeito de sua gravidade e de sua
relevância no que se refere à preservação do edifício. Os trabalhos realizados durante a
obra anteriormente feita especificamente na área do adernamento estabilizaram-na por um
tempo, mas o problema voltou a aparecer, necessitando ser novamente enfrentado. Como
foi dito anteriormente, a função do restauro é – sobretudo – a preservação da obra,
assegurando sua permanência. O problema do adernamento do edifício e da inclinação de
uma de suas torres deveria, portanto, ser enfrentado prioritariamente, uma vez que
representa um risco para a preservação do mercado e não posteriormente, como foi feito na
época.

194
Apesar de terem sido feitas recomendações para tanto nos projetos da intervenção de 2001.
141

3.2 – Os Mercados de Belém: Orientações para sua Preservação


Os Mercados de Carne e de Peixe em Belém integram o chamado “Complexo do
Ver-o-Peso”, que representa uma área que se constitui um importante patrimônio
edificado, situado no centro histórico da cidade, e datado dos séculos XVII a XX, sendo
uma síntese de grande parte da história arquitetônica, econômica e cultural da cidade.
Além do relevante patrimônio histórico e arquitetônico presente no Ver-o-Peso, tem-se
ainda a feira-livre, que cresceu – com o decorrer dos anos – na área situada junto ao
Mercado de Peixe. Nesta feira não são encontrados e comercializados apenas alimentos,
comidas típicas da região, artigos regionais e ervas medicinais, mas também mandingas,
encantarias e remédios para todos os males, e que fazem do Ver-o-Peso um palco de
grande fervilhar da cultura popular paraense. A área é palco também de uma tradição
bicentenária onde, todos os anos, em outubro, o cortejo de mais de um milhão de pessoas à
imagem da Virgem de Nazaré tem ali sua expressão maior de fé católica e paixão popular:
o Círio de Nazaré. Dentro do Mercado de Ferro há – atualmente – um altar dedicado à
Santa. Desta forma, o Ver-o-Peso representa também um grande lastro de memória
intangível, viva, que reflete toda a densidade histórica e cultural criada e recriada
permanentemente pelo povo.
Os dois mercados que foram ali construídos durante a administração do
Intendente Antônio Lemos – e que são objetos desta pesquisa – são obras que representam,
de forma bastante singular, o cenário do auge da riqueza da época da borracha traduzido na
arquitetura através do emprego daquilo que de mais moderno representava a construção
civil de então: a arquitetura do ferro. Com o passar dos anos, estas construções passaram a
se integrar de forma tão forte com a área que passaram a fazer parte – de forma
indissociável – da imagem do Ver-o-Peso. Logo, pensar na preservação dos mercados é
também pensá-la dentro de todo o rico contexto no qual estes mercados estão inseridos e
das inter-relações estabelecidas.
Durante este trabalho os mercados foram estudados a partir de sua história,
características arquitetônicas e transformações pelas quais passou ao longo dos anos,
incluindo-se as intervenções de restauro realizadas. Nos tópicos anteriores deste capítulo,
foram analisadas e discutidas as questões de ordem teórica e prática referentes a estas
intervenções a fim de que fossem esclarecidas determinadas posturas e apontadas as
possíveis soluções. A partir disso, torna-se necessário, agora, apresentar algumas
orientações que devem guiar a preservação destes mercados.
142

Figura 158 – Complexo do Ver-o-Peso


Vista aérea do Complexo pela Baía do Guajará: em destaque, a feira livre, os
edifícios dos mercados e o Solar da Beira.
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.

Figura 159 – Complexo do Ver-o-Peso Figura 160 – Complexo do Ver-o-Peso


Casario em frente ao Mercado de Peixe. Esquina do Boulevard Castilho França, em frente
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP. ao Mercado de Peixe, onde ficava a Casa do
Povo.
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.

Figura 161 – Complexo do Ver-o-Peso Figura 162 – Complexo do Ver-o-Peso


Praça do Relógio, em frente á doca do Ver-o- Casario em frente à doca do Ver-o-Peso.
Peso. Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.
Fonte: Arquivos do IPHAN PA/AP.
143

As orientações aqui tecidas para a preservação dos mercados de Belém têm como
base os princípios discutidos pela vertente “crítico-conservativa” 195 da restauração, que
está alicerçada na teoria brandiana e na releitura das proposições do restauro crítico. Esta
vertente, que é fundamentada no juízo histórico-crítico e na análise caso a caso, propõe a
restauração como ato conservativo, que – longe de significar um congelamento – propõe,
quando necessário, o uso de recursos criativos para tratar algumas questões referentes a
preservação – como o problema da remoção de adições e reintegração de lacunas – mas
sempre baseados no respeito à obra, jamais em detrimento da mesma. Como afirma
Kühl 196 , justamente por ser fundamentada no juízo histórico-crítico – ou seja, num juízo de
valor – a restauração tem pertinência relativa não apenas no que se refere aos parâmetros
culturais e sócio-econômicos de cada época, mas também em relação aos de épocas
anteriores e posteriores. Desta forma, o problema da conservação dos monumentos
históricos – e por conseguinte, também dos mercados em estudo – deve ser discutido e
enfrentado dentro da realidade de cada época, uma vez que o fato de as posturas futuras
serem provavelmente diversas das atuais não nos exime da responsabilidade de
preservação e nem tão pouco da necessidade de uma ação seletiva e crítica em relação ao
legado de outras épocas. Por isso mesmo, é fundamental que o juízo histórico-crítico seja
bem fundamentado, a fim de que sejam evitadas arbitrariedades, como algumas posturas
tomadas em relação a determinados problemas enfrentados nas intervenções anteriores nos
mercados.
Tomando como base estas proposições, serão feitas a seguir algumas orientações
que visam assegurar a preservação destas duas importantes e singulares obras da
arquitetura do ferro na cidade de Belém e no Brasil, da melhor forma possível, para as
gerações futuras. Assim, alguns problemas – teóricos e práticos – precisam ser enfrentados
e tratados de modo específico, como será visto a seguir.
Em primeiro lugar, tem-se o tratamento das superfícies. Nos mercados, as
superfícies são constituídas de diversos materiais – e não apenas de ferro ou outros
materiais metálicos – e por isso mesmo, exigem ações diferenciadas para a sua
preservação. No caso das superfícies metálicas, tem-se o problema constante da oxidação e
da corrosão. Este problema é causado – sobretudo – por dois fatores: a total ausência – por
parte das autoridades responsáveis – de um programa de conservação e manutenções

195
Sobre as atuais vertentes teóricas da restauração, v. CARBONARA, Giovanni, op. cit., p. 393-439.
196
KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões Teóricas Relativas à Preservação da Arquitetura Industrial, op. cit.,
p. 106.
144

periódicas que assegure a preservação destes edifícios e as constantes cheias às quais a área
está periodicamente submetida. No que se refere à ausência de um programa de
conservação dos mercados, o abandono ao qual estes edifícios por vezes estiveram – e
estão – sujeitos possibilitou o desenvolvimento de patologias – como a corrosão – que
muitas vezes conduziu à perda total de importantes elementos dos mesmos, o que chegou a
levar à necessidade de substituições – às vezes – de grandes peças nas poucas intervenções
pelos quais passaram. De igual modo, as freqüentes cheias enfrentadas periodicamente pela
área – sem especial quando as fortes chuvas que caem sobre a cidade coincidem com os
períodos de maré alta – proporcionam um ambiente extremamente propício para o
desenvolvimento de patologias nas superfícies metálicas, sobretudo em função da água das
cheias ser rica em lama e restos de alimentos, além de outras substâncias que podem levar
a degradação das mesmas. Assim, é fundamental que se estabeleça uma política de
manutenções periódicas para que – mantendo as superfícies limpas e tratadas – seja evitado
que as patologias, que possam vir a se apresentar nas superfícies, levem as mesmas à
degradação.
Ainda no que se refere ao tratamento das superfícies metálicas, como a cidade
possui altíssimos índices pluviométricos, as tintas aplicadas costumam ter uma
durabilidade menor, o que exige que sejam feitas repinturas, uma vez que com o desgaste
provocado pelas chuvas, associado à poluição a camada protetiva das superfícies fica
reduzida, possibilitando a ocorrência de patologias. Assim, é fundamental que se
estabeleçam, dentro do programa de conservação, manutenções programadas em que as
condições das superfícies metálicas dos mercados sejam avaliadas a fim de que possa ser
verificada a necessidade – ou não – de repintura. No caso em que a mesma se fizer
necessária, deve ser feita seguindo os princípios teóricos 197 e práticos 198 para sua
execução, baseados em estudos e discussões necessárias e devidamente aprofundados do
problema.

197
É de grande importância que a questão da renovação da pintura seja tratada com extremo cuidado do
ponto de vista teórico, a fim de que sejam evitados problemas como a já citada “sensação de novo”. Um dos
problemas a ser enfrentado dentro dos princípios teóricos que irão reger as discussões acerca da repintura é a
questão da cor. Sobre esta discussão, conforme já foi mencionado, v. CARBONARA, Giovanni, op. cit., pp.
511-519.
198
Acerca das questões práticas referentes à pintura e ao tratamento das superfícies metálicas, é importante
citar, novamente, que os estudos feitos por John & Nicola Ashurst, Practical Building Conservation, 5 vols.,
Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The Maintenance and Repair
of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US Government Printing Office, 1991.
Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In: America’s Historic Building,
Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148, são de grande importância na
determinação dos métodos a serem utilizados para tal.
145

Nas superfícies em alvenaria de tijolos, as patologias são causadas sobretudo em


função da falta de manutenções periódicas e de uma série de pequenos reparos e
intervenções feitos sem qualquer tipo de critério teórico ou técnico. Novamente, o
abandono ao qual estes edifícios por vezes estiveram e estão legados ocasionou o
desenvolvimento de patologias – tais como perda de reboco, deterioração de pinturas,
ataques por fungos e vegetais superiores, etc. – que resultaram, em diversos casos, em
especial nas paredes externas do mercado de carne e em algumas das paredes internas das
lojas externas de ambos os edifícios, numa profunda degradação dessas superfícies, o que
acaba por exigir uma intervenção muito mais profunda do que os trabalhos de manutenção.
De igual modo, os reparos e pequenas intervenções feitos nas superfícies de alvenaria nem
sempre são realizados em observância às importantes questões técnicas 199 , e muito menos
em relação às igualmente fundamentais questões teóricas 200 , resultando no
desenvolvimento de patologias e em intervenções equivocadas, que acabam por
descaracterizar os bens. Assim, é extremamente relevante que se estabeleça uma política de
manutenções periódicas para que – mantendo as superfícies limpas e tratadas, sejam
evitadas as patologias que possam eventualmente vir a se apresentar nas superfícies,
levando-as à degradação. Torna-se imprescindível, também, a fiscalização – por parte dos
órgãos responsáveis pela administração e preservação dos mercados – a fim de que os
eventuais reparos e pequenas intervenções a serem feitos nestas superfícies sejam
executados apenas e tão somente em observância às questões de ordem técnica 201 e
teórica 202 e sob a orientação e aprovação por parte do corpo técnico dos mesmos.
No que se refere aos revestimentos de piso, em ambos os edifícios grande parte
do problema a ser enfrentado em seu tratamento é originado em função da deterioração dos
revestimentos causada sobretudo pela falta de manutenção. Novamente, a ausência de uma
política de manutenções periódicas possibilita a sua degradação que apresenta – além do
desgaste natural decorrente do transcurso do tempo – problemas como partes faltantes

199
É muito comum o emprego de materiais e técnicas incompatíveis na execução destes reparos e pequenas
intervenções, tais como tintas incompatíveis, argamassas mal executadas, etc.
200
De igual modo, os reparos e pequenas intervenções são realizados sem a observância dos princípios
fundamentais da reversibilidade, distinguibilidade e mínima intervenção.
201
Para maiores informações acerca das questões de ordem técnica no que se refere ao tratamento das
superfícies de alvenaria, v. Mário Mendonça de Oliveira, Tecnologia da Conservação e da Restauração,
Materiais e Estruturas, Salvador, EDUFBA: ABRACOR, 2002, pp.29-35. Márcia Braga (Org.), Conservação
e restauro: arquitetura, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 2003, pp. 115-117.
202
Em língua portuguesa, são bastante abrangentes e relevantes os estudos feitos por Beatriz Mugayar Kühl,
O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração, in: Anais do Museu
Paulista. São Paulo. N. Ser. V. 12, jan./dez. 2004, pp. 309-330. E também, da mesma autora, Preservação da
Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, Relatório Científico, pp. 207-225.
146

causadas por descolamentos ou fortes impactos. Logo, torna-se novamente fundamental


que seja estabelecida uma política de manutenções periódicas a fim de que – mantendo
estas superfícies limpas e tratadas e sendo feitos os eventuais reparos 203 , quando
necessários – sejam evitados problemas que possam eventualmente vir a se apresentar nas
superfícies, levando-as a um estado tal de degradação que, como já aconteceu
anteriormente, conduziu a intervenções absolutamente equivocadas do ponto de vista
teórico 204 .
Há contudo, um outro grave problema a ser enfrentado no que se refere aos
revestimentos de piso e que diz respeito às substituições feitas, sem nenhum tipo de
critério, por parte dos comerciantes das lojas de ambos os edifícios. Estas substituições são
intervenções extremamente descaracterizantes e vêm sendo feitas há anos por parte dos
comerciantes, sem contudo ocorrer nenhuma atitude mais incisiva por parte das entidades
responsáveis pela administração e preservação dos mercados. Desta forma, é extremamente
relevante que seja feita uma maior fiscalização205 e um programa de conscientização 206 em
relação aos comerciantes, por parte destas entidades, a fim de que seja evitado este
problema tão prejudicial para os mercados.
Em segundo lugar, outra importante questão sobre a qual devem ser feitas
algumas orientações no que tange à preservação dos mercados diz respeito às estruturas
metálicas presentes nestes edifícios, sejam elas peças estruturais – como vigas de
travejamento e pilares – ou mesmo peças para composição do conjunto, como é o caso dos
talhos nos pavilhões e da escada no pátio central do Mercado de Carne.
Como se sabe, para a preservação da arquitetura do ferro 207 é necessário que se
tenha em mente suas características peculiares. Por este motivo, além das características

203
É provável que, no decorrer do tempo, sejam necessários alguns reparos nos revestimentos de piso dos
edifícios em estudo. Estes reparos – ocasionados em função de um eventual descolamento de peça ou por
partes faltantes causadas por impactos fortes – devem ser encarados como processos de manutenção. Neste
caso, as substituições, quando necessárias, poderão seguir materiais, cores e padrões semelhantes aos
encontrados na superfície avariada.
204
Como ocorreu na intervenção de 1985 no Mercado de Peixe, onde houve uma substituição maciça do
revestimento de piso da área central do edifício.
205
Verificou-se, durante a realização da pesquisa, que a quase ausência de uma fiscalização mais incisiva em
relação às pequenas intervenções realizadas progressivamente nos mercados contribui – em muito – para a
descaracterização dos mesmos.
206
Grande parte das intervenções descaracterizantes e sem critério feitas pelos comerciantes dos mercados
ocorre em função da falta de conscientização daqueles em relação à importância da preservação dos
mercados e da observação à legislações de tombamento dos mesmos. Logo, é de grande importância o
estabelecimento de uma programa de conscientização, baseado na educação patrimonial, a fim de que seja
assegurada a preservação, da melhor forma possível, dos edifícios em estudo.
207
As considerações tecidas por Beatriz Mugayar Kühl, Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em
São Paulo: reflexões sobre a sua preservação, op. cit., pp. 322-335, em especial a p. 327, onde são feitas as
147

formais, o conteúdo técnico destas edificações deve ser considerado, uma vez que estes
edifícios apresentam importantes contribuições para a história da técnica, dos métodos
construtivos e da estática, e – por isso mesmo – suas inovações formais, espaciais e
tecnológicas devem ser preservadas. No caso dos mercados de Belém, a integração entre
estruturas metálicas e alvenarias, as particularidades do sistema construtivo, as propostas
que evidenciam adaptações voltadas para a realidade local, a excentricidade de
determinadas formas – como é o caso das torres do Mercado de Peixe – e a riqueza plástica
de outras – como nos grandes pavilhões do pátio central do Mercado de Peixe – fazem
destes edifícios exemplares importantes e singulares dentro da produção arquitetônica em
ferro no país, exigindo das ações para a sua preservação uma postura que tenha em mente
essas características peculiares aos mesmos.
As intervenções sobre a estrutura destes edifícios devem levar em consideração o
fato de que este tipo de construção apresenta a concepção estrutural ligada de modo
indissolúvel à sua forma arquitetônica, configurando-se como elemento de fundamental
importância e que deve ser preservado. Note- se que a concepção estrutural deve ser
mantida desde que seja verificada sua fiabilidade e que os eventuais problemas que
surgirem tenham causas acidentais. Portanto, nos casos em que a concepção estrutural se
mostrar inadequada e que sejam de fato necessárias alterações, é importante que as
intervenções sejam feitas – sempre que possível – de modo a complementar a estrutura
primitiva, mediante o emprego de reforços que a tornem conveniente, sem contudo
descaracterizá-la. É primordial também – sempre que isto for possível – salvar a própria
matéria original, através da recuperação de sua capacidade de resistência.
É preciso ressaltar ainda que – como visto – estas edificações apresentam
superfícies bastante vulneráveis em função do problema da oxidação. Desta forma, deve-se
procurar preservar as camadas de pintura original existentes – desde que estas esteja em
boas condições – ou pelo menos as camadas de proteção. E quando for preciso que seja
feita uma limpeza até a superfície do metal, é importante que sejam escolhidos métodos 208
adequados às necessidades específicas daquela superfície, procurando guardar as marcas
de seu processo de fabricação. De igual modo, sempre que se fizerem necessários

considerações no que tange ao aspecto técnico dessas edificações, são de grande importância no que se refere
à preservação dos exemplares resultantes da produção arquitetônica em ferro.
208
Sobre os métodos de preparação das superfícies metálicas, v. John & Nicola Ashurst, Practical Building
Conservation, 5 vols., Hants, England, Gower, 1989, 2a ed., v. 4, Metals, pp. 31-41. John G. Waite, The
Maintenance and Repair of Architectuaral Cast Iron, Preservation Brief n. 27, Washington DC, US
Government Printing Office, 1991. Do mesmo autor, Deterioration and Methods of Preserving Metals. In:
America’s Historic Building, Washington DC, US Department of the Interior, 1980, pp. 130-148.
148

eventuais procedimentos para o tratamento de pequenas partes faltantes, os processos


podem ser encarados como uma manutenção, podendo estes pequenos elementos serem
refeitos ao idêntico, de acordo com os métodos 209 mais adequados às necessidades
específicas de cada caso. Já as eventuais substituições que possam vir a ocorrer devem ser
feitas por elementos que sejam projetualmente adequados – sejam eles metálicos ou não,
mas sempre em observância a eventuais problemas de ordem técnica 210 – e que sigam os
princípios da reversibilidade e da distinguibilidade da ação contemporânea, resultando num
projeto que se harmonize com o conjunto sem ser mimético e sem entrar em competição
com este.
Por todos estes motivos, é de grande importância a realização de manutenções
periódicas 211 , a fim de que a degradação não atinja estágios muito avançados – como
ocorreu e ainda ocorre em relação aos mercados em estudo – e onde se faça necessária uma
intervenção mais radical, conforme visto anteriormente. Assim, um programa cíclico e
sistemático de manutenção – que deve inclusive fazer parte do próprio projeto de restauro
– garante uma maior sobrevivência para os monumentos.
Em terceiro lugar, outro grande e grave problema a ser enfrentado a fim de que
seja assegurada a preservação dos mercados do Ver-o-Peso é o problema das adições.
Como mencionado inúmeras vezes, tanto o Mercado de Carne quanto o Mercado de Peixe
vêm sofrendo diversos tipos de adições ao longo dos anos, que comumente
descaracterizam seus espaços e interferem na leitura dos edifícios e que são conduzidas
sem nenhum tipo de critério nem tampouco de fiscalização por parte das entidades
responsáveis pela preservação destas edificações. Estas adições vão desde a colocação de
placas e elementos de comunicação visual nos estabelecimentos instalados nos mercados,
até as obras de ampliação e reforma que ocasionalmente ocorrem sobretudo nas lojas
externas. Além disso, há também todos os inconvenientes anteriormente mencionados
quando foram abordadas as questões relativas ao tratamento de superfícies.

209
Sobre os métodos utilizados para recomposições e pequenas substituições em peças metálicas, v. Para
maiores informações acerca de substituições, v. John G. Waite, The Maintenance and Rapair of Architectural
Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e Beatriz Mugayar Kühl, op. cit., p. 261.
210
Eventualmente o emprego de materiais incompatíveis pode levar à corrosão. Para maiores informações a
este respeito, v. John G. Waite, The Maintenance and Rapair of Architectural Cast Iron, op. cit., pp. 12-13, e
Beatriz Mugayar Kühl, op. cit., p. 261.
211
Conforme expresso na Carta de Veneza (§ 4), que diz que a “(...) conservação de monumentos exige, em
primeiro lugar, sua permanente manutenção”, e também por BRANDI, Cesare, op. cit., p.102, que diz que
“(...) a restauração preventiva é também mais imperativa, se não mais necessária, do que aquela de extrema
urgência, porque é voltada, de fato, a impedir esta última que dificilmente poderá ser realizada com uma
salvaguarda completa da obra de arte”.
149

Note-se que o que deveria guiar a intervenção – independentemente do fato de


que esta seja um trabalho realizado em função de uma adequação ligada a determinado uso
– é a preservação como ato de cultura. Desta forma, o uso e as necessidades decorrentes
dele nunca devem ser tomadas como único e principal fator a determinar soluções. Os
mercados são edifícios vivos que a despeito dos inúmeros problemas de abandono que
enfrentaram e vêm enfrentando nunca fecharam suas portas ou encerraram suas atividades,
nem tampouco deixaram de sofrer um processo contínuo de intercâmbios com a área na
qual estão inseridos e com a qual formam um complexo extremamente rico, não só para a
história e arquitetura da cidade, como também para sua cultura e tradições. Por este
motivo, é aceitável que as diversas facetas de seu ininterrupto uso estejam em constante
transformação, na medida em que a área e a própria cidade se transformam. Porém, as
eventuais adequações que possam vir a ser feitas no futuro, devem ter sempre a
preservação dos mercados como guia, sendo trabalhadas de modo concomitante à mesma,
procurando sempre soluções criativas 212 , antecedidas por uma profunda análise da situação
e pelas importantes questões de ordem teórica referentes à preservação dos edifícios
históricos, e tendo em mente os princípios fundamentais da mínima intervenção,
reversibilidade e distinguibilidade da ação contemporânea, a fim de que não sejam
repetidos os equívocos que vêm – no decorrer dos anos – descaracterizando estes edifícios.
Finalmente, outras duas importantes questões sobre as quais devem ser feitas
algumas orientações a fim de que seja assegurada a preservação dos mercados diz respeito
ao problema das manutenções e da educação patrimonial. Como foi visto em diversos
casos nestas orientações e no decorrer de parte do trabalho, grande parte dos problemas e
das patologias encontrados nos mercados, estão ligados a uma total ausência de
manutenções periódicas nestes edifícios. O problema da preservação passa,
213
obrigatoriamente, pela questão da manutenção , pois é através desta que se garante a
conservação dos monumentos, o que assegura sua preservação, sobretudo por serem
aquelas que ocorrem com mais freqüência. Por isso mesmo, é preciso dar atenção aos
importantes processos de manutenção programada, que devem – obrigatoriamente – fazer
parte da vida de qualquer monumento histórico e das propostas dos eventuais projetos de

212
No que diz respeito às questões referentes à relação entre o antigo e o novo na intervenção, ligadas a
questão do uso e das necessidades dele decorrentes, são bastante amplos e elucidativos os estudos feitos por
Beatriz Mugayar Kühl, Preservação da Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas, op. cit., pp.
184-191.
213
A esse respeito, são muito relevantes as colocações de Brandi sobre a manutenção, que ele chama de
restauração preventiva. Para maiores informações e referências bibliográficas, v. BRANDI, Cesare, op. cit.,
pp. 97-109.
150

restauração que possam vir a ser feitos. No entanto, esses processos devem ser conduzidos
de forma criteriosa e nunca conduzidos de modo unicamente empírico, nem mesmo nos
casos de manutenções ordinárias. Como foi visto, nos mercados essas manutenções
ordinárias foram feitas de forma completamente aleatória, guiadas por um empirismo
desinformado, o que resultou, com o passar dos anos, em progressivos processos de
descaracterização em ambos os mercados. Além disso, a ausência de um programa de
manutenções periódicas tem contribuído para o desenvolvimento de patologias – sobretudo
no caso das estruturas e superfícies metálicas – que, por vezes, têm conduzido a um
processo cada vez mais intenso de degradação destes edifícios. Logo, assegurar a
implementação – por parte dos órgãos responsáveis pela administração e preservação dos
mercados – de mecanismos de proteção ligados a processos de manutenção programada
representa hoje para os mercados uma forma eficiente e fundamental de evitar intervenções
mais dramáticas no futuro – como as intervenções restaurativas pelas quais estes edifícios
passaram em função do total abandono ao qual foram legados pelas entidades por eles
responsáveis – e assegurar de forma efetiva e prolongada a sua preservação.
No entanto, todas estas orientações deixarão, em grande parte, de serem garantias
de preservação se não for feito, paralelamente a todos elas, um amplo e fundamental
programa de educação patrimonial em relação aos mercados e a preservação dos mesmos.
Para bem se preservar, é preciso conhecer o bem a ser preservado, entender a sua
importância e as implicações constantes de sua preservação214 . Neste sentido, seria
extremamente salutar que as entidades responsáveis pela preservação dos mercados – num
trabalho conjunto com a própria Prefeitura – promovessem um programa de educação
patrimonial para que não só os comerciantes 215 de ambos os mercados e da área do Ver-o-
Peso, como também o restante da população, entendessem o valor destas edificações e a
importância de sua preservação para a história da cidade. Porque é através de uma ação
conjunta, tanto das entidades responsáveis pela preservação destes monumentos quanto da
população que o processo constante de preservação destes edifícios pode ser assegurado.

214
Como afirma BRANDI, Cesare, op. cit., p. 31:
“Na verdade, apesar de o reconhecimento dar-se sempre na consciência singular, naquele mesmo momento
pertence à consciência universal, e o indivíduo que frui daquela revelação imediata, impõe a si próprio o
imperativo categórico como o imperativo moral, da conservação”.
215
Durante a pesquisa, notou-se que tem crescido o interesse por parte dos comerciantes dos mercados na
preservação dos mesmos. No entanto, faltam a estes as noções de como preservar e quais as ações que devem
ser tomadas para que seja garantida essa preservação. É justamente aqui que entra o papel da educação
patrimonial, conscientizando e esclarecendo, a fim de que todos aqueles que estabelecem algum tipo de
relação com o patrimônio a ser preservado possam de fato participar do processo de preservação dos
mesmos.
151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação propôs-se a tratar, a partir da análise do caso do Mercado


de Carne e do Mercado de Peixe na cidade de Belém (Pará), das questões referentes à
preservação da arquitetura do ferro, em seus aspectos teóricos e técnicos, procurando
contribuir para o alargamento das discussões acerca dessas importantes questões, através
de subsídios oferecidos pelos dois casos.
Os mercados em estudo, como foi visto no decorrer do trabalho, apresentam
características singulares – como as quatro torres pontiagudas do Mercado de Peixe e a
extrema riqueza das peças de ferro fundido dos pavilhões e talhos do Mercado de Carne –
dentre os demais exemplares remanescentes desta tipologia e arquitetura no país e
configuram-se como marcos de um período de grande importância econômica, histórica,
política, social e cultural para a região amazônica, sobretudo para a cidade de Belém. Estes
mercados foram edificados numa área que se apresenta como síntese da produção
arquitetônica local no período entre os séculos XVII a XX, além de ser um palco de grande
fervilhar das tradições, da cultura e do folclore paraense.
No entanto, a despeito da importância que essas edificações têm, em diversos
sentidos, para a cidade, elas vêm sendo vítimas do abandono por parte das autoridades
responsáveis por sua preservação e de intervenções que são, em determinados aspectos,
equivocadas, e que em vez restaurar – procurando preservar, da melhor forma possível, os
bens e suas características – acabam agindo de forma desrespeitosa quanto a eles e às suas
diversas estratificações.
O abandono – e a conseqüente falta de manutenções – leva os monumentos a um
processo lento e progressivo de deterioração, que destrói, pouco a pouco, as edificações,
fazendo com que as futuras intervenções, quando ocorrerem, se tornem mais extremas,
com ações que provavelmente não seriam necessárias se fossem observadas medidas
periódicas de manutenção.
Durante a pesquisa, notou-se que não há – por parte das entidades responsáveis –
uma política de manutenções periódicas que procure assegurar a conservação dos
mercados mesmo após as intervenções realizadas. Este problema é muito comum no que se
refere à preservação de monumentos. Por vezes, mesmo após as intervenções, os edifícios
ficam “esquecidos” pelas autoridades responsáveis por sua manutenção, e o abandono
conduz à deterioração. No caso dos mercados, nota-se a inexistência de uma ação efetiva
da administração dos mercados no sentido de estabelecer e implementar um programa de
152

manutenções. O mesmo ocorre com diversos outros monumentos espalhados pelo país, que
– depois de restaurados e passada a comoção em torno da restauração – voltam a ser
esquecidos. A preservação é um processo contínuo, e não uma ação pontual. Justamente
por isso, deve-se ter em mente a extrema importância das manutenções, que precisam,
obrigatoriamente, ser previstas no próprio projeto de restauração, que irá orientar as
posturas e ações a serem tomadas nestas manutenções e a freqüência das mesmas. Este é
um passo de grande importância rumo a uma preservação efetiva dos edifícios históricos.
Nota-se também que nas edificações em estudo, a ausência de manutenções e o
abandono contribuíram para que determinados problemas que – mesmo tendo sido
enfrentados nas intervenções – tornassem a ocorrer, como é o caso da oxidação e da
conseqüente corrosão das superfícies metálicas. Como foi visto no trabalho, as constantes
cheias às quais a área em que os mercados estão localizados está submetida – sobretudo o
Mercado de Peixe – produz um ambiente extremamente propício para a oxidação que –
quando não tratada – leva à corrosão e à degradação dos edifícios. Os processos de
oxidação e corrosão são problemas muito graves – e comuns – no exemplares da
arquitetura do ferro, sobretudo porque levam a uma gradativa perda de matéria – causada
pela corrosão – e que podem causar danos profundos a estes monumentos. Cada edifício
tem suas especificidades que devem ser reconhecidas e levadas em consideração dentro do
conjunto de medidas que procurará garantir sua preservação. No caso das superfícies
metálicas, a ausência de manutenções não possibilita um tratamento antecipado das
patologias e outros problemas eventuais que possam vir a atacar esses edifícios. Neste
sentido, as manutenções funcionam como tratamento profilático dentro das medidas de
conservação e preservação, não apenas dos exemplares da arquitetura do ferro, mas dos
monumentos históricos em geral, cada um com sua especificidade.
Como foi visto, além do abandono, os mercados sofreram com intervenções que
foram equivocadas em certos aspectos. Este é outro problema enfrentado dentro do
processo de preservação dos monumentos históricos, e são vários – como visto – os
equívocos, conceituais, metodológicos e operacionais, ocorrentes nas intervenções. Por
vezes os edifícios não são encarados como documentos históricos e formais relevantes por
parte daqueles que atuam nessas intervenções, sobretudo com os exemplares da arquitetura
industrial, que ainda passam por um processo de reconhecimento no que se refere ao seu
valor histórico. Ora, a falta de um reconhecimento do valor histórico e documental destes
monumentos conduz a uma série de posturas equivocadas que são, por vezes,
extremamente prejudiciais, causando danos graves que acabam descaracterizando aquilo
153

que deveria ser preservado. Desta forma, é fundamental que estes valores sejam
reconhecidos e levados em consideração durante as análises que resultarão nas propostas
de intervenção.
De igual modo, observou-se que muitos dos equívocos que ocorreram nas
intervenções realizadas nos mercados são decorrentes da ausência de um conhecimento
aprofundado e de uma fundamentação teórica que possibilitasse guiar as ações e posturas
tomadas nas intervenções. Os debates sobre a preservação dos monumentos históricos vêm
sendo feitos há séculos e nas últimas décadas apresentam contribuições que são
verdadeiras ferramentas, hoje, para ações de conservação e restauro dos edifícios. No
entanto, o que se tem notado é que a grande maioria dos profissionais que atuam nessas
intervenções desconhece ou ignora esses debates e as formulações que são a base dos
princípios de preservação. Neste sentido, é fundamental que as intervenções sejam feitas
por profissionais qualificados, com conhecimentos aprofundados dos aspectos teóricos e
técnicos da restauração.
Da mesma forma, é extremamente relevante uma participação mais incisiva das
entidades de preservação dentro deste processo. O que se tem visto, por vezes, é que o
papel dessas entidades fica restrito, na maioria dos casos, a uma ação muito mais
burocrática – no sentido da apresentação de documentos ou na emissão de pareceres,
muitas vezes ignorados por aqueles que atuam diretamente nas obras – do que de fato
participativa no processo de intervenção. É fundamental que a intervenção envolva não só
os órgãos responsáveis pela gestão dos monumentos, mas também as entidades de
preservação, que têm condições de auxiliar na orientação e tomada de decisões. Logo, é
preciso que estas entidades ganhem força e sejam mais atuantes, e não apenas meras
espectadoras dentro deste processo.
Durante a pesquisa notou-se ainda, que algumas das intervenções realizadas nos
mercados eram revestidas de uma conotação muito mais política do que de fato cultural, o
que vem ocorrendo com freqüência nas intervenções realizadas atualmente. Neste sentido,
as posturas tomadas em relação ao monumento visam mais tornar o edifício “novo” ou
“adequado” a um determinado uso do que de fato preservá-lo. Muitas vezes, também, as
intervenções vêm revestidas de conotações econômicas, em que a questão das relações
entre a preservação e o turismo repercute de modo negativo, uma vez que as questões
estéticas e históricas – devem nortear as decisões a serem tomadas – deixam de prevalecer,
em função de questões de caráter prático e econômico, permutando-se a finalidade da ação
– que é preservar como ato de cultura – pelos meios necessários para atingi-la. Há de se
154

ressaltar, ainda, que as intervenções se têm transformado, cada vez mais, em


acontecimentos midiáticos. No caso da recente intervenção no Mercado de Peixe, a
“preservação do cartão postal da cidade” fez da intervenção uma “restauração-espetáculo”.
Isto é extremamente perigoso, por que, como afirma Kühl 216 , estas intervenções podem
acabar tento “(...) muito de espetáculo, mas nada de restauração, entendida como um ato
que visa a preservação de bens culturais”.
Desta forma, é fundamental que a preservação dos monumentos históricos seja
encarada de fato como ação cultural – e não apenas como iniciativas que se revestem de
uma aura de ação cultural para atingir determinados objetivos políticos e econômicos – e
que as implicações que disso decorrem, a saber, os valores documentais, formais,
memoriais e simbólicos, sejam levados em consideração como fatores que guiam a
intervenção, a fim de que os monumentos sejam transmitidos de forma consciente e
respeitosa para as gerações futuras.
É preciso que se tenha uma compreensão das raízes que levaram à preservação
dos monumentos históricos, voltando-se a entendê-las, para que se possa ter em mente o
real motivo e a forma de se preservar estes monumentos, a fim de que possam ser
respeitados enquanto documentos históricos, e em suas configurações, seu transcurso ao
longo dos anos e seu significado, assegurando-se assim que as ações e posturas a serem
tomadas visem verdadeiramente à sua preservação, entendida como ato de cultura.

216
KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação da Arquitetura Industrial em São Paulo: Questões Teóricas. op.
cit., p. 228.
155

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