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13/02/2023 13:31 Equívocos e inverdades em uma defesa da disparidade ou teoria particular do elitismo acadêmico -

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acadêmico
sociedade de
consumo

Jornal da Universidade / 5 de novembro de 2020 públicas a fim de


fomentar a
participação de jovens
na esfera política
Artigo | Fernando Nicolazzi, docente do Departamento de História, examina e rebate Isabela da Rosa Jardim

posicionamentos contrários à paridade na consulta para escolha de reitores Ricardo Severo e os


Laboratórios de
*Por: Fernando Nicolazzi Ensino de Física
Lucas Tillwitz / 9 de
*Foto de capa: Flávio Dutra/JU fevereiro de 2023

Tenho procurado acompanhar um pouco mais de perto os argumentos a favor e contrários à paridade acadêmica Bons ventos sopram
na direção da
nas consultas para cargos de gestão nas universidades federais. Creio, como já pude sugerir em outro texto, que a Amazônia
paridade é algo importante para a construção de uma unidade política que fortaleça, pelo menos na instituição Jornal da Universidade
/ 9 de fevereiro de
onde trabalho (UFRGS), a defesa dos princípios constitucionais de sua autonomia e que contribua para a melhoria 2023

da qualidade democrática de seus processos internos. E isso se torna ainda mais urgente quando vivemos em um As redes sociais
digitais em Tóquio
contexto de intervenção e de profundo desrespeito às instituições deliberativas da universidade, como o reitor 2020
Jornal da Universidade
/ 9 de fevereiro de
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2023
indicado pelo deputado Bibo Nunes não cansa de demonstrar nas reuniões do Conselho Universitário, órgão g
máximo da Universidade. o papel dos
algoritmos na tomada
de decisões judiciais
Leia mais: Jornal da Universidade
Teoria geral da reunião de departamento, seguida de três razões contrárias à paridade / 9 de fevereiro de
ç
judiciais no Tribunal
Até o momento, não encontrei argumentos que me parecessem suficientemente fortes para mudar minha posição.
Regional Federal da
No texto mencionado, procurei enfrentar algumas perspectivas contrárias à paridade, as quais certamente 4.ª Região
Jornal da Universidade
contribuem para o debate acadêmico sobre esse tema tão sensível e importante para muitas instituições. Mas há / 9 de fevereiro de
outras perspectivas que merecem particular atenção, não pela consistência de seus argumentos, mas porque
revelam os traços de um elitismo acadêmico que vai além do próprio debate em torno da paridade. Como tentarei
mostrar nos parágrafos abaixo, uma dessas perspectivas, oferecida pelo professor de filosofia da UFRGS Rogério
Severo, ampara seu elitismo em alguns equívocos e inverdades que precisam ser contrapostos no âmbito dos :: JU CIÊNCIA
debates acadêmicos.
Divulgação Científica
Se em outro contexto seria desnecessário dizer, num momento em que as tensões políticas estão em grau elevado,
Pesquisadora
gostaria de advertir que minha posição não diz respeito a considerações pessoais em relação ao meu colega de desenvolve embalagem
instituição, que não conheço e com quem não convivo, mas tão somente ao conteúdo das suas manifestações de alimentos com
públicas. São essas manifestações, portanto, que expressam um elitismo acadêmico que, caso eu seja bem- antioxidante derivado
sucedido, mostrarei estar amparado em equívocos e inverdades. Para tanto, tomo como objeto de análise um texto de cascas e sementes de
recentemente escrito por ele e publicado no Jornal da Universidade. Nele o autor apresenta “três razões contrárias uva

à paridade”. Percorrerei cada uma delas para tentar demonstrar meu ponto.
Professor da UFRGS fala
A primeira razão é a que mais evidencia o elitismo do argumento do autor e me deterei nela com vagar. Seu
sobre missão no interior
fundamento se situa na distinção entre atividades-fim e atividades-meio nas instituições de ensino superior,
do continente Antártico
alegando que docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes não contribuem em igual medida para a
realização das primeiras; supor isso seria apenas uma ideia “fantasiosa”, segundo o autor, que não estaria de
Podcasts científicos
acordo com a prioridade dos docentes nos planos do ensino, da pesquisa e da extensão. Para Rogério Severo, “o
bom senso manda que recaia sobre eles [docentes] uma responsabilidade maior no que diz respeito à gestão Da Boca Pra Fora –
universitária”. Aqui nos defrontamos com o primeiro equívoco: o autor confunde a atividade política de escolha dos Episódio sobre a
mandatários para cargos eletivos com a atividade administrativa de exercício desses cargos.  especialidade de
Odontologia Legal
Como se sabe, o Estatuto da UFRGS, reforçado pelo seu Regimento, define a Reitoria (para ficarmos em apenas um
dos exemplos que envolvem a discussão sobre a paridade) como órgão executivo cuja função é coordenar e
supervisionar todas as atividades universitárias; atividades estas que não se limitam, portanto, apenas às
atividades-fim. As decisões e ações tomadas por um ocupante do cargo dizem respeito ao conjunto amplo da :: VEM PRO CULTURA!
comunidade universitária em todas as suas funções e, por essa razão, restringir na prática a capacidade de escolha
Artista da capa |
dos gestores a apenas um segmento dessa comunidade é uma atitude excludente que revela traços de uma
Rommulo Vieira
compreensão elitista de universidade, como se esta não funcionasse inteiramente a partir de uma articulação entre Conceição reflete sobre
atividades-fim e atividades-meio: as primeiras não existem sem as segundas. suas trajetórias nos
diferentes ambientes
É preciso destacar que a discussão sobre paridade não diz respeito a quem realizará as tarefas de gestão em que atua
universitária, mas, sim, a quem tem capacidade efetiva de intervir nos processos de escolha das pessoas que
realizarão tais tarefas. Esse primeiro equívoco, então, conduz o autor a uma afirmação que merece aqui ser citada:
“dizer que estudantes, funcionários e professores estão em pé de igualdade democrática dentro da universidade é
uma fantasia da Disneylândia acadêmica”. O trecho é significativo pela escolha terminológica que faz com que :: ACOMPANHE O JU NAS REDES
professores não sejam encarados como aquilo que de fato são, ou seja, funcionários públicos. E ele importa
também porque sugere que, em processos de consulta à comunidade universitária, a democracia para uns deve ser  
diferente da democracia para outros. Sobre a tal da Disneylândia acadêmica, não entrarei na polêmica fácil, pois
seria trabalhoso definir quem nela desempenha o papel de Pateta. Sigamos, portanto. 

A coisa toda adquire ainda outros sentidos. Não satisfeito, o autor complementa sua posição: “Universidades não
são sociedades políticas, instituídas por pares, em que a opinião de todos deve valer por igual, nem são repúblicas
soberanas que criam suas próprias leis e metas”. Novamente a terminologia usada é preciosa: notem que não
estamos falando de argumentos, sejam eles sobre a administração institucional, sejam eles sobre a produção de
conhecimento, mas tão somente de opiniões. Se no primeiro caso, o dos argumentos, é inegável que para questões
administrativas muitos servidores técnico-administrativos possuem experiência e know-how maior do que muitos
servidores docentes e, para questões de produção de conhecimento, muitos docentes se destacam em relação a
muitos técnicos, o autor situou seu comentário no terreno simples das opiniões e mesmo ali sequer concedeu
estatuto de igualdade entre os segmentos que constituem a universidade.

Ou seja, a simples opinião, essa banal manifestação de um desejo íntimo ou de um julgamento pessoal, é critério de
distinção social definidor das hierarquias institucionais: para Rogério Severo, a opinião de docentes deve valer mais
do que a opinião de qualquer outra pessoa que faça parte da comunidade acadêmica. Gostaria de salientar que o
autor é muito cuidadoso em seu texto, o que leva a crer que a escolha das palavras não é mero lapso de estilo; é

uma construção consciente e, por isso, acaba revelando o fundamento oculto sobre o qual está amparado: um
argumento predominantemente elitista.

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E ainda há mais. Continua o autor: “A meta da universidade não é tampouco a de promover justiça social, nem pode
ser guiada por esse valor […] A universidade só pode contribuir para esse fim indiretamente, elaborando teorias e
análises verdadeiras e confiáveis da realidade, que possam ser usadas por agentes públicos de todas as posições e
ideologias políticas”. Em outras palavras, as instituições universitárias não poderiam ser agentes de transformação
social, devendo se restringir ao mero comentário teórico das transformações ocorridas ou apenas fornecendo
teorias para que elas tenham outros protagonistas. Dentro desse raciocínio, por exemplo, como pensar a política de
cotas que, embora seja uma conquista da sociedade como um todo, encontra no espaço universitário um dos seus
principais lugares de efetivação prática? Ou seja, por meio da reserva de vagas, a sociedade realmente definiu as
universidades como promotoras diretas de justiça social. 

Parece-me ser essa postura – a que retira das universidades seu protagonismo na sociedade – uma postura
conservadora e elitista, amparada por um questionável discurso de neutralidade política: seria uma das “metas” da
universidade apenas fornecer teorias para “todas as posições e ideologias políticas”, como pretende Severo,
indiferente aos conteúdos próprios dessas posições? Devemos nos manter neutros e aceitar passivamente se nos
espaços acadêmicos são promovidas ideologias racistas, misóginas, homofóbicas, autoritárias e antidemocráticas?
Essa “meta” estaria de acordo com aquilo que prevê o Estatuto da UFRGS, por exemplo, quando diz que a
universidade “é expressão da sociedade democrática e pluricultural, inspirada nos ideais de liberdade, de respeito
pela diferença e de solidariedade, constituindo-se em instância necessária de consciência crítica, na qual a
coletividade possa repensar suas formas de vida e suas organizações sociais, econômicas e políticas”?

É a partir desse ideal que o Estatuto não apenas coloca a universidade como expressão da sociedade, mas faz dela
uma instância de consciência crítica e, portanto, agente de transformação – a universidade e a comunidade
universitária se constituem, assim, sujeitos e promotores de justiça social. Isso não está em contradição com o
princípio afirmado pelo autor de que “as universidades públicas estão a serviço da sociedade como um todo, e não
dos seus membros internos”. E é justamente por estarem a serviço da sociedade que elas assim o fazem.

Enfim, a primeira razão oferecida pelo autor parte de um equívoco, confundindo gestão acadêmica com
possibilidade de escolha dos gestores. Ela me serviu também para embasar o argumento de que tal razão se
ampara em uma perspectiva profundamente elitista do que deva ser a universidade, seja em suas formas de
organização interna, seja na função social que desempenha no conjunto amplo da sociedade.

Após esse longo caminho, chegamos à segunda razão oferecida pelo professor Rogério Severo, aquela que é mais
facilmente questionável, pois considera a paridade algo simplesmente ilegal. Em sua pouca sutileza argumentativa,
o autor sugere inclusive que as consultas informais realizadas de forma paritária seriam como “caixa dois” de
campanhas políticas: uma forma de burlar a lei que se aproxima, portanto, de uma atitude criminosa. Além do
profundo desrespeito às muitas instituições que realizam consultas paritárias em acordo com o regramento legal
do Estado brasileiro, tal postura aparece como uma ofensa a quem defende a paridade, pois indiretamente sugere
que tal defesa estaria não apenas no plano do desvio da lei, mas no âmbito da conivência com o crime. De qualquer
forma, ela encontra dificuldade de se manter no campo dos fatos, e vou me furtar a remeter aos argumentos que
levantei no texto já mencionado.

Isso facilita que cheguemos à terceira razão, pois ela é igualmente significativa para meus propósitos: “na prática”,
diz Severo, a paridade seria apenas uma disputa de segmentos, onde cada um escolhe o candidato que atenda aos
seus interesses corporativos. A consequência é que a pessoa eleita ficaria “necessariamente comprometida com os
interesses dos grupos corporativos que a elegeram”. Curiosamente, talvez por uma desatenção argumentativa, o
autor cita um exemplo que vai de encontro ao seu próprio argumento: menciona o caso de uma universidade que
realizou consulta paritária e que, em sua avaliação, resultou na escolha de um candidato que ganhou simplesmente
porque teria, ainda segundo seu juízo de valor (não há no texto dados que permitam estabelecer isso como um
juízo de fato), se comprometido a não implementar ponto eletrônico para controle de frequência dos servidores
técnico-administrativos. Ocorre que, após a eleição, por pressão do Ministério Público Federal, o ponto eletrônico
teria sido implementado com a anuência do reitor escolhido. Ora, parece que o comprometimento com os tais
interesses corporativos não foi lá cumprido tão “necessariamente” assim, então. 

Mas essa terceira razão ainda se baseia em uma assertiva que no melhor dos casos pode ser considerada uma
inverdade ou, no pior, como uma simples e pura mentira. Segundo o autor, “o método de escolha paritária
necessariamente coloca em segundo plano o ensino, a pesquisa e a extensão”. Notem que a insistência no plano
das necessidades, perceptível pelo uso reincidente do termo “necessariamente”, assume uma clara função
persuasiva no texto, como se aquilo que está sendo descrito fosse da ordem dos fatos que forçosamente ocorrem
ou precisam ocorrer. Se assim fosse, deveríamos simplesmente acatar algo que, em tese, é da ordem da evidência.
Mas assim não é.

A alegação de que a paridade compromete o ensino, a pesquisa e a extensão universitárias não se encontra em
outro lugar se não no plano das inverdades. Considerar que a paridade “necessariamente” leva a isso não possui
respaldo empírico algum; trata-se tão somente de uma ilação que se fundamenta apenas num juízo moral do autor,
não no âmbito da realidade. Do contrário, seríamos “necessariamente” obrigados a assumir que cerca de 60% das 
universidades federais brasileiras têm “necessariamente” seu ensino, sua pesquisa e sua extensão comprometidos
por interesses corporativos. O simples cotejo da lista de instituições que escolheram a consulta paritária com

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índices de qualidade de cursos ou rankings que avaliam as universidades (sem entrar aqui no mérito de uma
avaliação de tais índices e rankings) é suficiente para demonstrar a improcedência do argumento.

Enfim, equívocos interpretativos, fragilidades argumentativas e inverdades salpicadas por um tom ofensivo contra
aqueles que defendem a paridade (praticamente assemelhados a criminosos pelo autor) fazem parte da
perspectiva apresentada por Rogério Severo, em uma postura que, em lugar de favorecer o debate, apenas o
rebaixa para o campo das disputas inócuas, sustentadas por um elitismo acadêmico que parece não ter mais lugar
em uma universidade pública, democrática e popular. A discussão sobre a paridade não é algo secundário em
nosso contexto, não é apenas pauta de reuniões departamentais que causam enfado em mentes que preferem
estar ocupando seu precioso tempo com a “busca da verdade”. Tal discussão, portanto, merece ao menos que seja
colocada em termos mais honestos. 

· · ·

Fernando Nicolazzi é professor do Departamento de História da UFRGS.

· · ·
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