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05/09/2023, 11:15 Revista Educação Pública - Resenha de <i>Escritos de educação</i>

ISSN: 1984-6290
Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024
DOI: 10-18264/REP

Resenha de Escritos de educação

Ruberlandia Araújo de Farias


Licenciada em Letras (UERN), especialista em Psicopedagogia Institucional (FIP), mestranda em Ciências da Educação (Facem), professora da rede pública municipal
e estadual em Alto do Rodrigues/RN

Esta resenha tem como objetivo fazer uma reflexão baseada no livro Escritos de Educação, organizado por Maria Alice Nogueira e por Afrânio
Catani sobre importantes escritos epistemológicos do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) a respeito de suas relevantes pesquisas e
contribuições sociológicas acerca do sistema educacional e do ensino. A obra reúne onze capítulos, cujo prefácio foi preparado pelo autor, além
de anexar informações entre os níveis de modalidades sistemáticos entre o ensino franco-brasileiro.

Sob a ótica desse reconhecido sociólogo, quiçá um dos maiores da propalada virada do século XX para XXI, propomos uma reflexão baseada no
capítulo II, “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e a cultura”, em paralelo ao contexto atual da pandemia de covid-19 que
assola o Brasil e o mundo, impactando a educação de forma devastadora.

Bourdieu deixa implícita nesse capítulo sua percepção de que o ensino não é transmitido da mesma forma para todos os alunos, como a escola
conservadora defende; todavia, ele afirma que os problemas enfrentados pelas escolas revelam um reflexo dos resultados advindos das
desigualdades sociais ou a um “sofrimento social” enfrentado pelas famílias em sua origem, em relevância ao desempenho do aluno moldado
pelo meio em que vive. Esse aspecto manifestou-se veladamente no sistema educacional brasileiro em tempos de isolamento social devido à
pandemia de covid-19.

Nesse sentido, em nossa sociedade, em se tratando do âmbito educacional, a desigualdade social tem sido cada vez mais intensa; as
disparidades econômicas entre as classes sociais, com a pandemia do novo coronavírus, evidenciaram estruturalmente os problemas dos alunos
de classes menos favorecidas em que a renda familiar, em sua grande maioria, advém dos programas assistenciais de órgãos governamentais,
então o acesso à internet para assistir às aulas remotas torna-se limitado ou precário. Para Beira e Nakamoto (2016), há também os professores,
que, em sua maioria, não possuem internet e capacitação para lidar com esses mecanismos digitais.

É interessante observar que o discurso de igualdade que a escola prega não funciona na prática, pois o ensino não acontece da mesma forma
para todos os alunos; um exemplo é o aluno vindo de uma família menos favorecida, que não terá os mesmos resultados dos que nascem em
ambientes mais favoráveis, que trazem “de berço” um vasto conhecimento cultural.

É dessa forma que se revela a disparidade de uma escola excludente, tornando-se notória a reprodução da desigualdade social. Nesse contexto,
podemos também mencionar a relação do grande índice de evasão escolar de alunos que não conseguem acompanhar o processo escolar de
aulas síncronas e/ou assíncronas; às vezes esse aluno abandona a escola por falta de significados lógicos à sua realidade. Ítalo Dutra, do Unicef,
em seminário promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) no início de abril de 2021, disse que

Tentamos identificar no nosso estudo quem são essas crianças e adolescentes que estão fora da escola. O perfil desse estudante tem cor, endereço
e renda. São principalmente pretos, pardos e indígenas, das regiões Norte e Nordeste, e de baixa renda. Pelos dados da Pnad, voltamos 20 anos no
tempo. O que já era desigualdade virou um abismo durante a pandemia. É preciso fazer uma busca ativa, ir atrás dessas crianças e adolescentes
que abandonaram a escola para reverter o quadro e recuperar 20 anos (Dutra, 2021).

Considerando relevante a opinião de Dutra, chefe de Educação do Unicef, que nos direciona a um olhar mais amplo, ele revela que no fracasso
escolar nesse âmbito pandêmico é, sim, desproporcional a distribuição de renda entre as classes sociais; isso irá reproduzir, conforme Bourdieu, a
cultura social imposta pelos que fazem parte da estrutura dita dominante (1998, p. 33). Tanto é que dados apresentados na CNN Brasil, em
pesquisa realizada entre o final de abril e o início de maio de 2020 com quase 4.000 redes municipais de ensino, mostraram que apenas

“33% dos domicílios brasileiros possuem computador e acesso à internet. Em consonância com os dados apresentados na revista, mais de 620 mil
estudantes abandonaram de vez os estudos, principalmente os alunos do Ensino Médio e dos anos finais do Ensino Fundamental. O levantamento
foi feito pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em
parceria com Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), Fundação Itaú Social, Fundação Lemann e Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef).

Nessa abordagem, recorremos mais uma vez à visão sociológica de Bourdieu, na qual a influência do capital cultural vê-se diante do sucesso
escolar, que está associado a uma disposição para o êxito: “eu nasci em um berço cultural e tenho a cultura de prática ou exerço essa cultura e
com certeza vou ter sucesso tanto na vida escolar como dentro da sociedade” (p. 47) ou fracasso escolar, já que os alunos que não têm a mesma
perspectiva econômica e cultural precisam se adequar à escola e aprender o que lhe é imposto.

Como sempre, a escola exclui; mais a partir de agora, exclui de maneira contínua, em todos os níveis e cursos... Esconde a diversidade das coisas,
que é estabelecimento indicado pelos orientadores escolares, é um lugar que reagrupa os mais desprovidos, que o diploma para o qual se
preparam é um certificado sem valor... Outros tantos sinais de adesão manifestados diante da instituição escolar pelas crianças oriundas das
famílias populares (Bourdieu, p. 243).

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Sem sombra de dúvidas, a partir da leitura de Bourdieu para pensarmos o momento atual da educação dentro de uma sociedade hierarquizada,
são inaceitáveis a prevalência excludente como fruto das diferenças naturais entre os indivíduos e o baixo índice de aprendizagem durante as
aulas remotas por falta de condições acessíveis aos meios digitais para assimilar o conteúdo disponibilizado através de canais educativos ou
aplicativos, principalmente neste momento de caos provocado pela pandemia de covid-19.

Esta é a oportunidade imprescindível de ressignificar a educação; é o momento propulsor para promover melhorias que atendam às
necessidades atuais, bem como é preciso um olhar humanizado daqueles que gerem a máquina pública, de maneira que torna-se premente a
necessidade de criar medidas proativas e garantir aos menos favorecidos condições aquisitivas de instrumentos tecnológicos e assim poder
minimizar a evasão escolar, sobretudo os impactos das desigualdades socioeconômicas e culturais na educação, um direito fundamental de
todos, tanto nas aulas síncronas como assíncronas, senão, nessa conjuntura, lamentavelmente, os efeitos serão irreversíveis em nosso país.

Assim, no que tange à leitura e à apreciação sociológica a que se propõe o livro, seu conteúdo é compreensível, consistente, relevante e pode ser
recomendado para qualquer pessoa ou profissional que queira conhecer mais da complexidade ideológica comportamental da sociedade atual,
principalmente por analisar a diversidade cultural hierarquizada dentro de um sistema socioeducacional.

Bourdieu afirma: “uma pedagogia realmente racional, isto é, fundada sobre uma sociologia das desigualdades culturais, contribuiria para
diminuir as desigualdades diante da escola e da cultura”. Portanto, trata-se de uma leitura e releitura que nos interessa muito.

Referências
BEIRA, Diovane; NAKAMOTO, Paula. A formação docente inicial e continuada prepara os professores para o uso das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) em sala de aula? In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA. Anais... 2016. p. 825

BOURDIEU, P. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, Afrânio (Orgs.). Escritos de
educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

FORSTER, Paula. Pandemia aumenta evasão escolar, diz relatório da Unicef. CNN Brasil, 2021 Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/28/pandemia-aumenta-evasao-escolar-diz-relatorio-do-unicef. Acesso em: 19 maio 2021.

LENCASTRE, Carla. ’Pandemia’ de abandono e evasão escolar. Projeto Colabora, 1 abr. 2021. Disponível em:
https://projetocolabora.com.br/ods4/pandemia-de-abandono-e-evasao-escolar/. Acesso em: 19 maio 2021.
Publicado em 29 de junho de 2021

Como citar este artigo (ABNT)


FARIAS, Ruberlandia Araújo de. Resenha de Escritos de educação. Revista Educação Pública, v. 21, nº 24, 29 de junho de 2021. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/24/resenha-de-iescritos-de-educacaoi

Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0)

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