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Ni há dúvida de que este

é um estudo fascinante e altamente


informativo. A análise do conceito sentido num conceito RE búrdde ci
de legitimidade em Rousseau, em- carismática, que deriva sua legiti
bora valendo por si mesma, propor- dade da política revolucionária
ciona um pano de fundo contra o não apenas de uma personalidade.
qual os aspectos autoritários da teo- dominante — ampliando assim con:
ria weberiana da dominação legíti- sideravelmente a conceptualização
ma são revelados com notável clare- weberiana.
za. Por outro lado, Merquior tem Wolfgang J. Mommse:
o cuidado de evitar qualquer conde- Government and Oppositio:

Pam
E otuos
oh rd teoria da
pitteidade
Rousseau e Weber

Rousseau e Weber é, no ensaís-


mo de José Guilherme Merquior, ROUSSEAU E WEBER
o esforço mais desenvolvido no
campo da teoria política. Original-
mente sua tese de doutorado na
London School of Economics and
Political Science, sob a exigente e
estimulante supervisão de Ernest
Gellner, o livro se concentra em
dois pontos cruciais na história da
reflexão ocidental sobre a legitimi-
dade: o Contrato Social de Rous-
seau, berço da doutrina democrá-
tica nos tempos modernos, e a fa-
mosa tipologia da autoridade legíti-
ma ra suma sociológica de Max We-
ber.
A obra contém uma defesa
apaixonada, porém não cega, do
pensamento político de Rousseau,
e uma crítica penetrante das limita-
ções da visão weberiana. Mas a re-
jeição qualificada de uma parte das
análises de Weber não impediu
Merquior de esquadrinhar com
grande simpatia suas posições meto-
dológicas, tantas vezes mal inter-
pretadas, nem de utilizar conceitos
weberianos para esboçar uma teoria
o
-1756
TORA

da legitimidade revolucionária. Ba-


seada na noção-chave de burocracia
R. Miguel Couto, 40-
221

carismática, essa teorização mer-


LIVRARIA ED) T
PADRÃO

quioriana de regimes revolucioná-


-

rios aborda de frente os processos


1784

revolucionários de nossa época, que


T. 221-

o mestre de Economia e Sociedade


não chegou a conhecer em seus des-
db samôntos,
José Guilherme Merquior

- ROUSSEAU E WEBER
Dois estudos sobre a teoria da legitimidade

Tradução de
Margarida Salomão

eprora A GUANABARA
À 10]
7

* Para H.
fr
L

“Não podendo fazer o que é justo verdadeiro, acabamos fazendo o que


é verdadeiro justo
Pascal

“A unanimidade quase sempre significa servidão


Charles de Rémusat

Título Original:
Rousseau and Weber

Copyright: º J.G. Merquior, 1980

Direitos exclusivos para a língua portuguesa


Copyright º 1990 by
EDITORA GUANABARA KOOGANS.A.
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou


reprodução deste volume, no todo ou em parte, a
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios 4: rumo a uma teoria da
(eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou outros),
sem permissão expressa da Editora. «riana da legitimidade, 144
Sumário
LIVROS CORRELATOS DE JOSÉ GUILHERME MERQUIOR

Agradecimentos, IX, X
The Veil and the Mask: essays on culture and ideology, Londres, Rou- Prefácio à edição brasileira, XI
tledge & Kegan Paul, 1979.
A Natureza do Processo, Rio, Nova Fronteira, 1982; 2: ed., 1984. Introdução: A questão da legitimidade na teoria social, 1
O Argumento Liberal, Rio, Nova Fronteira, 1983; 2: ed., 1985.
| Rousseau e Weber como típicos teóricos da legitimidade, 1
Michel Foucault ou o Niilismo de Cátedra, Rio, Nova Fronteira, 1985;
IE O conceito de legitimidade: legitimidade-norma e legitimidade-poder, 2
2: ed., 1986. Edição original: Foucault, Londres, Fontana, 1985,
HH Teorias da legitimidade: subjetivismo e objetivismo, 4
University of California Press, 1987. Tradução francesa, Paris, PUF,
IV Legitimidade-“crença” e legitimidade-“poder”, 6
1986; tradução italiana, Bari, Laterza, 1987; tradução para o espa-
V A emergência da teoria social: o nascimento da idéia de problema
nhol, México, Fondo de Cultura Económica, 1988; tradução holan- 10
social no Iluminismo,
desa, Spectrum, 1988; tradução turca, Istambul, AFA, 1986.
O Marxismo Ocidental, Rio, Nova Fronteira, 1987. Edição original,
Western Marxism, Londres, Paladin, 1986. Tradução para o espa-
Primeira Parte
nhol, México, Vuelta, 1990.
A sair: Liberalism Old and New, Boston, Twayne. A Filosofia Política de Rousseau, 15
|. A teoria da legitimidade política de Rousseau: a vontade geral, 17
2. O background intelectual do contrato social, 25
3, Equívocos conflitantes e avaliações unilaterais, 37
4. A teoria da legitimidade democrática, 61
5, Comentários finais: Rousseau, o “anarcaísta”, 83

Segunda Parte
A Sociologia da Legitimidade de Weber, 95
6. Um perfil da teoria da legitimidade de Weber, 97
7. Breve avaliação da teoria weberiana da legitimidade, 115
I Incertezas conceituais: sobre o carisma, 115
IL Objeções empíricas: sobre a burocracia, 125
II A sugestividade da tipologia weberiana: rumo a uma teoria da
burocracia carismática, 134
IV O status teórico da teoria weberiana da legitimidade, 144
8. Historismo e Sociologia, 153
I Historismos à vontade, 154
II A lógica da ciência histórica, 163
HI A teoria da causalidade social, 172
IV A história cultural como explicação sociológica, 190
V A racionalização assume o comando, 200
VI A néêmese do culturalismo, 209 Agradecimentos
Conclusão, 225
Uma versão pouco diferente dos estudos que se seguem foi apresentada
Notas, 251 + pomo tese de PhD na London School of Economics and Political Science,
E eles se beneficiaram muitíssimo da supervisão crítica do professor
Bibliografia, 281 gmest Gellner e, também, dos comentários do examinador convidado,
vllrey Hawthorn, de Cambridge. Por outro lado, como parte de uma
Índice temático, 299 re em andamento sobre teoria e história de conceitos de legitimi-
e, este trabalho vem sendo submetido a constantes e intermitentes
Índice onomástico, 302 trocas. de idéias com vários amigos: Afonso Arinos de Melo Franco,
Lévi-
Alberto da Costa e Silva, Arnaldo Carrilho, Celso Lafer, Claude
Mello, Fernand o Henriqu e
Strauss, Ernst Topitsch, Evaldo Cabral de
Cardoso, Gabriel Cohn, Gilberto Freyre, Heloisa Vilhena de Araújo,
Ke-
Francisco Rezek, José Jerônimo M. de Souza, Jean-Marie Benoist,
pneth Minogue, Leandro Konder, Leszek Kolakowski, Lucio Colletti,
Luiz Navarro de Brito, Marcílio Marques Moreira, Perry Anderson,
Raymond Aron, Roberto de Oliveira Campos (que generosamente enco-
rajou a perpetração deste livro), Roberto Mangabeira Unger, Roberto
Schwarz, Raphael Valentino Sobrinho, Sérgio P. Rouanet, Shirley Robin
Letwin. ...É supérfluo dizer que nenhum deles é responsável pelas minhas
obsessão
idéias sobre os nossos dois heróis. A maior vítima da minha
com a legitimidade, contudo, tem sido minha mulher. Fico a imaginar
Max)
quanto da parcialidade dela em favor de Jean-Jacques (e contra
aos bibliote-
se refletiu no trabalho que se segue. Devo agradecer também
e Ophelia
cários da LSE e do King's College, de Londres, Eloi Rosa
reunindo obras sem as quais estas páginas
Vesentini, por sua pronta ajuda
Toda minha gratidão a Peter Hopkins, de Rou-
jamais seriam escritas. y,
tledge & Kegan Paul, e ao diretor da International Library of Sociolog
Julia
professor John Rex, por sua recepção a este trabalho, e ainda a
Warner, pela competência e amistosa solicitude que dedicou à edito-
ração.
J.G.M.
Londres, outubro de 1979
Prefácio à edição brasileira

E ; ;
Yscrevi Rousseau e Weber há onze anos, como tese para um PhD
sociologia política. Uma década mais tarde, com a edição original
lesa (1980) traduzida para o português por Margarida Salomão e
à versão em castelhano em preparo no México, é natural que me assalte
4 tentação de atualizar as referências à fortuna crítica de ambos os
oo pois nem a “indústria Rousseau” nem a “indústria Weber”
linaram em produção e produtividade nestes últimos anos. Entre-
tanto, até mesmo um simples panorama sintético da mais recente pesquisa
erica nessas áreas ocuparia páginas e páginas, engordando este volume
muito além de seu formato de estréia e exigindo de seu autor um esforço
de redação que, no momento, absorvido como ando na conclusão de
minha História do liberalismo, não me é possível empreender.
Em consequência, cingirei este prefácio a três momentos: uma pala-
vra sobre a recepção mais significativa de Rousseau e Weber; uma breve
menção a um par de novas trilhas na incessante reinterpretação de Rous-
a
seau e na de Weber; e, finalmente, um aceno à motivação ideológic
que me impeliu a escrever este livro, em certo contraste com minhas
preocupações de hoje. O último aspecto não foi incluído por narcisismo
uutobiográfico, mas porque, a meu ver, reflete instrutiva mudança na
angulação da problemática político-social, tal como abordada pelo pensa-
mento latino-americano de nossos dias.
Rousseau and Weber teve uma acolhida geralmente bastante lison-
jeira para o que era, afinal, minha primeira incursão in extenso na história
das idéias políticas. Resenhando o livro no Times Literary Supplement,
John A. Hall, que se distinguiria anos depois como autor de Powers
and Liberties, salientou que o núcleo do ensaio consistia em “considerar
Weber na perspectiva de Rousseau”, o que me habilitara a frisar a
falta do princípio democrático na famosa tipologia weberiana da legitimi-
dade. Para Hall, minha defesa da democracia participativa se inscreve
numa leitura de Rousseau advogada, anos antes, por John Plamenatz,
o eminente historiador oxoniano da teoria política, a quem efetivamente
eu chegara a escrever visando obter sua supervisão para minha tese
(sua morte transferiu meu projeto de Oxford para a London School
of Economics and Political Science, onde trabalhei sob a inesquecíve! “D Boussenu? Aqui, também, não posso me queixar. Um dos “do-
orientação de Ernst Gellner). + por direito de conquista erudita, do pensamento social no século
Naturalmente, minha determinação de não confundir o respeito Ho sabidamente Peter Gay. Pois bem. Ao reeditar, pela Univer-
a Weber com a reverência hagiográfica da maioria dos seus intérpretes de Yale, em 1989, sua tradução do famoso livro de Ernst Cassirer,
acadêmicos não podia deixar de irritar alguns. Um certo Lawrence Scaff, blema de Jean-Jacques Rousseau (1932), o professor Gay resolveu
da egrégia Universidade do Arizona, fulminou, no American Political pentarlhe um post-scriptum de onze páginas, ajuizando a literatura
Science Review, contra os meus “ingênuos entusiasmos iluministas”, epretativa sobre Rousseau desde os meados da década de 1960. Nas
fonte, segundo ele, do meu apreço a Rousseau e antipatia (sic) por auras de Gay, “vários estudos especializados focalizando certos aspec-
Weber. da obra de Rousseau (...) demonstraram que embora muito tenha
Creio que qualquer leitura despreconcebida deste livro revela meu dito acerca de Rousseau desde que Cassirer publicou seu ensaio,
grande apreço por Weber como magno fundador das ciências sociais jo ainda pode ser dito”. E “entre os que o estão dizendo”, anota
e, em particular, fecundo sintetizador do historismo e positivismo, com- «se encontram J.G. Merquior, Carol Blum, Robert Wokler e Eduard
preensão empática e perquirição causal no terreno histórico-sociológico wlly. “Merquior” — continua o admirado autor de The Enlightnment
(nesta edição brasileira aproveitei para, usando uma terminologia dupla, “ “wonclui que o (...) verdadeiro paradoxo do pensamento de Rousseau
vincar a diferença entre historismo, o foco na especificidade dos contextos pra que ele foi a um só tempo um anarquista nostálgico, às turras com
históricos, e historicismo, a teoria das leis, ou da direção, da história). mouro de história social, e o homem que fundou o moderno democra-
Não vejo contradição em reconhecer a grandeza de Weber em vários amo, e desta forma o moderno princípio de legitimidade”. Rastreando
outros níveis de sua obra e apontar a carência democrática em sua teoria a endeia da idéia moderna da legitimidade, o autor de Rousseau e Weber
da legitimidade. De qualquer modo, nem Lawrence Scaff nem ninguém, feria, segundo Gay, “situado engenhosamente o pensamento político-so-
a meu conhecimento, refutou essa crítica. Ao contrário: dela, Scaff só viológico de Rousseau na sua história”.
fez escafeder-se. Vejamos agora, de relance, como evoluiu a weberologia desde
Scaff ainda não conseguiu produzir nenhum livro sobre o pensa- us anos setenta. Evidentemente não se trata, aqui, de traçar um pano-
mento político de Weber. Em compensação, o autor do clássico nesse puma da “indústria Weber” e sim de destacar uma linha de força
campo, Wolfgang J. Mommsen, digno descendente de ilustre família mais significativa. Durante o influente congresso de Heidelberg, em
de historiadores, cujo marcante Max Weber und die deutsche Politik 1964, no centenário do nascimento de Weber, Talcott Parsons, então
foi publicado em Túbingen em 1959, em extensa resenha publicada em 4 figura dominante na teoria sociológica, advertiu contra a tendência
Government and Opposition, a prestigiosa revista britânica de ciência a erigir a racionalidade instrumental (a Zweckrationalitât) em espinha
política, qualificou Rousseau e Weber de “livro verdadeiramente notá- dorsal da sociologia histórica de Weber. Hoje, porém, Parsons, se
vel”, e de “estudo fascinante e muito informativo”. O professor Momm- vivo fosse, só teria motivos de satisfação. Pois o herói conceitual
sen endossa completamente minha tese de que a concepção weberiana da última weberologia não é a Zweckrationalitát. E, visivelmente,
da legitimidade olha as coisas do ângulo dos governantes e não dos a Wertrationalitát, ou seja, a racionalidade substantiva, afirmativa de
governados, excluindo ipso facto o espaço conceitual da democracia. valores. Stephen Kalberg, talvez o mais preciso dos esmiuçadores
Aprova igualmente minha tentativa de usar Weber para ir além de sua recentes da conceitualização weberiana da racionalidade, salienta o
visão, forjando o conceito de “burocracia carismática” nos regimes revo- fato de que, para Weber, o único tipo de racionalidade capaz de
lucionários de partido-estado, conforme o esquema aqui proposto no introduzir e sustentar modos metódicos de vida era a racionalidade
capítulo 7, terceira seção. E conclui o douto weberólogo: “Não só as substantiva operando como ação orientada por valores — já que a
teorias de Rousseau e de Weber estão apresentadas em nível muito razão teórica não mantém nenhuma relação direta com a conduta,
alto, levando em conta suas realizações e visões do mundo; também a razão prática baseada em interesses subjetivos limita-se a reagir
as opiniões de Merquior estão desenvolvidas em debate constante com a situações em vez de ordenar o comportamento € a razão formal
as várias posições em campo, proporcionando notáveis “insights” nas (como na normatividade burocrática) é incapaz de imprimir um selo
atuais tendências da pesquisa, tanto em ciência política como em ciência global de sentido à existência (cf. Kalberg, “Max Weber's types of ratio-
social.” nality”, American Journal of Sociology, vol. 85, 1980).
MI

Nos anos em que comecei a meditar a temática de Rousseau « Huprecht, Gocttingen, 1988, e em inglês pela Allen & Unvwin,
Weber, um veterano weberólogo, Friedrich Tenbruck, publicou, no Kó/
ner Zeitschrift fr Soziologie und Sozial Psychologie (vol. 27, 1975), agora — para terminar — a Rousseau. Certamente é
amos
seu segundo ensaio decisivo na história das interpretações de Weber (0 putas neste livro a marca de 1968: uma carga utópica de libertarismo
primeiro está citado e comentado no texto de Rousseau e Weber). Quando
dsmo. | verdade que chego a tematizar o problema do politismo,
li a versão inglesa desse ensaio de Tenbruck (British Journal of Sociology,
leapem cívica da ação política cega às condições histórico-sociais
vol. 31, 1980), percebi sua significação como desafio à ortodoxia socioló- petas. Mas, em 1978, achava-me ainda razoavelmente impregnado
gica. Na verdade, a sociologia construíra a lenda de que, para Weber, Wlopismo de Maio, que eu vivera dez anos antes na sua sede parisiense.
a questão chave fora a natureza da cultura ocidental — uma questão
peso a logomaquia central de Rousseau e Weber é a luta entre burocra-
academicamente convertida em “problemática da modernização”, com no democracia participatória, esta última sem dúvida ainda bastante
ênfase em Idealfaktoren, para contrabalançar o foco marxista em Realfak- alizada por mim à época (hoje, no entanto, continuo à prezá-la,
toren. Segundo Tenbruck, porém, o problema central de Weber não ma perspectiva lúcida e qualificada de um Norberto Bobbio). ra
era tanto a singularidade ocidental, ou a modernização, mas sim o papel Atualmente, contudo, o que mais me interessa no arsenal teórico
da racionalidade na história mundial. Este papel, por sua vez, girava masenuniano é o contexto antipatrimonialista de seu democratismo.
em torno da questão da teodicéia — das respostas criadoras da humani-
Ma o antipatrimonialismo de Rousseau era antes de mais nada um
dade à experiência, frequentemente trágica, de angústia, desorientação
antiparticularismo. Para mim, o melhor avanço na interpretação de Rous-
e frustração.
emu desde os anos setenta é a obra de Patrick Riley sobre o fundo
O clima ideológico desse revisionismo interpretativo, com seus fortes fenlúgico-político da noção de vontade geral. Riley mostra convincen-
acentos neoidealistas, me parece vizinho do espírito com que um Wolf-
femente como a oposição pertinente, na política de Rousseau como
gang Schluchter, um dos líderes da nova weberologia germânica, rea- tm teodicéia de Malebranche, não é entre o geral e o individual, e
borda a famosa dicotomia ética de convicção/ética da responsabilidade.
sim entre o geral e o particular. Essa continuidade na Fragestellung é
Schluchter separa a Verantwortungsethik de qualquer pragmático sucesso que explica o subtítulo do seu belo livro, The General Will before Rous-
adaptativo, chamando a atenção para o fato da responsabilidade webe- seuu (Princeton, 1986): “the transformation of the divine into the civic :
riana conter um importante ingrediente da convicção (Gesinnung), cons- [ssa recuperação de contexto conceitual permite, aliás, jogar uma pá
tituindo, por isso mesmo, uma obrigação íntima nem um pouco menos de cal na renitente mania de acusar a política de Rousseau de anti-indivi-
rigorosa que os deveres morais impostos pelas crenças em fins últimos dualismo — mania que, em onda eo Weber, rechacei com a ajuda,
(ver os ensaios de Schluchter em G. Roth e W. Schluchter, Max Weber's Ega
incipalmente, de Plamenatz e Derathé.
Vision of History, Berkeley, 1979). E Em convergência com a temática de Riley, Ellen Meiksins Woods,
Como resumir a essência dessas reinterpretações, a não ser reconhe- num incisivo ensaio estampado em 1983 na revista History of Political
cendo que, na weberologia recente mais profunda, a imagem de Max
Thought, destacou o nexo entre a crítica do particularismo eo leitmotiv
Weber, profeta da racionalização — ainda tão cara à escola de Frankfurt
patrimonialista na política francesa do Ancien Régime. Face à longa
e a sua apaixonada denúncia do iluminismo como traição da razão (subs-
parcelização feudal do poder, a França — ao contrário da Inglaterra
tantiva) —, vem cedendo lugar à visão de um Weber como grande mora-
— desenvolvera um conceito altamente patrimonialista da coroa. A sobe-
lista histórico, analista de dramáticas teodicéias sociais, e imbuído de rania passou a ser vista como propriedade única (do rei). A estrutura
um rigorismo kantiano a partir de premissas nietzscheanas (o mundo
político-social da França do Ancien Régime era um edifício de interesses
histórico como árdua recriação de sentido em meio ao “politeísmo dos
particulares e baluartes de desigualdade, onde o princípio unificador
valores”)? Não é essa — confesso — minha lição weberiana predileta.
era um outro poder particularista: o poder patrimonial da coroa. »
Mas não posso mais ignorá-la; e a estas correntes me refiro, aliás, num
Ao tempo da luta da realeza contra as oligarquias feudais, teóricos
conciso retorno a Weber, o ensaio “Sorel and Weber”, minha contri-
políticos monarquistas, como Jean Bodin, cunharam a noção da sobe-
buição — como único latino-americano convidado — ao suntuoso simpó-
rania absoluta do trono. Dois séculos mais tarde Rousseau usou o mesmo
sio convocado por Wolfgang Mommsen, Max Weber e seus contempo-
conceito de soberania para eliminar o poder dos governantes como fonte
râneos (Londres, 1984; atas publicadas em alemão pela Vandenhoeck
de opressão particularista. Enquanto Bodin subordinara a particulari-
dade dos senhores às pretensões universalistas da autoridade monár- particular, nosso anarco-radicalismo de cátedra e salão, o estado
quica, Rousseau subordinaria o particularismo do governante à universa- patrimonial de centralismo ibérico é intrinsecamente presa de pres-
lidade da cidadania (a vontade geral). Mas em ambos os casos a antítese é bloqueios provenientes de sua colonização pela sociedade, ou
era idêntica: de um lado, o interesse geral; de outro, o particularismo. lhor, pelos grupos socioprofissionais mais organizados, da alta buro-
A relevância desse tema, na atualidade do debate político-ideológico ia, na administração, no Congresso e no judiciário, aos parlamentares
latino-americano, é evidente. Octavio Paz, por exemplo, em livros como lógicos, os militares pretorianos e as guildas cartoriais de empresários
O Ogro Filantrópico, tem insistido nas raízes patrimonialistas do estado sindicatos — operários ou não — oficiais ou semioficiais. A resultante
ibérico, matriz do estatismo latino-americano. Corretamente, Paz traça é, em absoluto, um estado verdadeiramente forte, conforme se
a genealogia do conceito de patrimonialismo, remontando de Weber fica pela sua débil capacidade extrativa e pela sua incapacidade de
a Maquiavel. Maquiavel discerniu dois tipos de autoridade monárquica. Ver serviços sociais satisfatórios à massa deserdada da população
Num, o príncipe governa com os nobres — é o feudalismo. Noutro, rganizada. É, isso sim, um estado fraco, apesar de toda a sua toni-
o príncipe governa com ministros que são seus servos — é o regime fruância nacionalista. Basta um conflito das Malvinas e logo se vé onde
despótico ou patrimonial. Max Weber retomará essa dicotomia, contra- do autêntico estado forte: se nas demoburocracias industriais e liberais
pondo, em longas páginas, das melhores, de Economia e Sociedade, E Norte, ou nas tecnoburocracias industrializantes e iliberais do Sul.
o sistema feudal ao regime patrimonial. E Weber sublinha que, no patri- Que é a inflação, mal crônico das repúblicas patrimoniais e dualistas
monialismo, desaparece a fronteira entre o público e o privado. do Ocidente meridional, senão o contínuo parasitismo desse estado carto-
-Paz pensa que, no Ocidente não-hispânico, o trajeto histórico foi Hal em cima da sociedade? Que são os déficits públicos colossais, e
do feudalismo ao moderno estado liberal, ao passo que, no universo feudalismo orçamentário das estatais, senão o preço que paga a socie-
ibérico, a evolução trilhada foi diversa, levando do patrimonialismo anti- E pelo peso do monstro, na sua contextura de particularismo falando
go ao neopatrimonialismo do estado autoritário, na nossa época. pocritamente em nome do todo, isto é, da nação? Este o problema
Estou plenamente de acordo com essa linha de crítica. Penso que, Ho qual, se hoje reescrevesse Rousseau e Weber, eu procuraria dar um
nas nossas sociedades ibéricas, é preciso efetivamente situar o ataque enfoque privilegiado, como outra maneira de irrigar a sociologia de
ao burocratismo na moldura de uma denúncia objetiva do estado patrimo- Weber com o democratismo revisto de Rousseau.
nial-protecionista — esta verdadeira fábrica de particularismos. Mas creio
necessário desdobar essa reprise crítica do tema do centralismo patrimo- [.8. Agradeço a meus velhos e queridos amigos Marion e Antonio Gomes
nial (objeto, igualmente, do livro justamente célebre de meu amigo Penna, cuja fidalga hospitalidade em Cabo Frio me proporcionou condi-
chileno Claudio Véliz, A Tradição Centralista na América Latina) me- q0es ideais para redigir este prefácio à edição brasileira de meu livro
diante uma análise aprofundada, aqui meramente indicada, de outra mais claborado.
dimensão do fenômeno: a dialética entre neopatrimonialismo e neofeu-
dalismo. JGM
O romantismo edipiano de Weber levou-o a afastar demais, como Rio, julho de 1989
tipos ideais, o feudal do patrimonial, Todavia, na realidade sociopolítica
latino-americana ocorre uma boa margem de interpenetração entre os
dois. Pois o que se nota é que os leviatãs burocráticos do estado centra-
lista, patrimonial-protecionista, são bastante “colonizados” por segmen-
tos cartoriais (para empregar a aguda expressão de Hélio Jaguaribe)
que se comportam como estamentos feudais dependentes do, mas fre-
quentemente insubmissos ao, estado de vocação patrimonial (embora
este seja definido, constitucionalmente, como estado liberal impessoal,
de talhe universalista, e não como suma corporativista, coleção sincrética
de particularismos estamentais).
Noutras palavras: longe de ser um estado forte, como apregoa,
EE

au e Weber como típicos teóricos da legitimidade

nte volume tem como objetivo primordial expor e analisar a


«la legitimidade em dois estágios e níveis distintos da teoria social:
ofia política de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e a sociologia
ax Weber (1864-1920).
Parece haver consenso em torno da idéia de que a questão da legiti-
dude se situa no âmago da nossa preocupação com a natureza e o

altura política (a dimensão onde está em jogo a validade das formas


| poder), a legitimidade se tornou, de fato, uma questão fundamental
Ha teoria social contemporânea. Nosso objetivo é dar uma contribuição
4 história da construção do conceito de legitimidade através do estudo
n obra de dois pensadores em geral considerados clássicos dos mais

Entre as idéias de Rousseau e Weber vai uma distância tão grande


anto o intervalo entre as épocas nas quais eles viveram. Por esse
motivo, o presente volume compõe-se de dois estudos independentes,
| entre os quais se estabelece uma ligação apenas tangencial. Entretanto,
o simples contraste entre esses dois teóricos já nos fornece uma perspec-
“tiva razoavelmente iluminadora quanto ao conceito de legitimidade. Com
efeito, cada um deles pode perfeitamente ser considerado o representante
máximo, o arquétipo, por assim dizer, de uma das duas formas básicas
de se abordar o fenômeno da legitimidade: aquela que o encara do
ponto de vista da crença, e aquela que o concebe do ponto de vista
do poder. Enquanto Jean-Jacques Rousseau foi o mais expressivo defen-
sor daquilo que poderíamos denominar a “teoria da legitimidade-poder”,

l
Be
NIY, estabeleceu-se uma distinção sutil entre dois tipos de tirania. A

mao
Max Weber continua sendo o locus classicus da “teoria da legitimidade- —
crença”. Essa distinção, porém, exige certa elaboração; para compreen- na ex parte exercitii significava ilegalidade, ao passo que a tirania
dermos integralmente seu sentido, devemos levar em consideração as a defeciu tituli significava ilegitimidade.” Pode-se datar desta idéia “oóti-
linhas mestras da história do conceito de legitimidade, antes de Rousseau, . E qd contrario, do poder legítimo, extremamente sensível à ocorrência
e / .
assim como depois de Weber. f Hegitimidade, o dealbar da teoria da legitimidade.
Portanto, o direito e a filosofia medievais constituíram a noção
RO legitimidade como qualidade do direito ao governo. Também introdu-
IL O conceito de legitimidade: legitimidade-norma e eram a idéia de que o consentimento é um elemento integrante do
legitimidade-poder lor legítimo. A primeira definição da legitimidade governamental
fivada do consentimento fundamentado na lei natural, deve-se a Gui-
A teoria da legitimidade origina-se da filosofia do direito. Em latim tmno de Occam (primeira metade do século XIV), o pensador cujo
clássico, a palavra legitimus significava apenas “legal, em conformidade Mominalismo revolucionou tão profundamente a filosofia medieval. O
com as leis”. Cícero usa as expressões legitimum imperium, potestas Barisvínio de Occam baseava-se no velho argumento medieval do quod
legitima, para referir-se ao poder e aos magistrados constituídos legal- MHmHes tanget, ou seja, aquilo que atinge a todos tem de ser aprovado
mente. O De officiis (II, 108) distingue o inimigo legítimo (legitimus 44 todos, O consentimento popular foi defendido de maneira audaciosa
hostis) do salteador ou do pirata, porque com o inimigo legítimo se teoria política de Marcílio de Pádua, um contemporâneo de Occam
assinam tratados, que são uma espécie de documento legal. Ao que o século seguinte, Nicolau de Cusa transformou o antigo princípio
parece, os antigos gregos tampouco possuíam um termo específico para hturalista da igualdade natural: despojada do estado primitivo de
designar o que era legítimo (contrapondo-se ao que fosse legal). O termo nioia, a igualdade passou a fundamento lógico do consentimento
nominon significava simplesmente “legal”. A darmos crédito ao relato Witimador do governo, tanto na Igreja como no Estado.
de Xenofonte (Memorabilia, IV, 4), Sócrates, certa vez, teve bastante A estrutura teórica juspolítica prevaleceria entre os primeiros filóso-
trabalho para convencer Hípias de que aquilo que era legal (nominon) fim políticos modernos, de Grotius, Hobbes e Pufendorf a Locke. Mon-
era também justo (dikaion). .* fesquicu e Rousseau, todos os quais abordaram o problema da validade
Com a Idade Média, entra em cena a palavra legitimitas, que, no dus relações de poder, internas ou (no caso de Grotius) internacionais
entanto, passa a designar o que está de acordo com os costumes, antes A fpestruturação do conceito de lei internacional, empreendida por Gro-
que com a lei:! na semântica da legitimidade, a mentalidade medieval Hum, à teoria da obrigação, de Hobbes, a formulação clássica da dupla
substituiu lex por consuetudo (termo ao qual era afim o grego nomos), Wutureza do pacto social, de Pufendorf, a defesa dos direitos naturais
prefigurando, dessa forma, a diferença milenar entre as duas concepções " parte de Locke, e a doutrina do contrato social, como “vontade
européias de direito: o romanismo continental e o direito consuetudinário pal", de Rousseau, trouxeram valiosas contribuições à idéia da legitimi-
anglo-saxão. ki ve influenciaram várias concepções, velhas e novas, sobre a autori-
“Contudo, foi também na Idade Média que o conceito de legitimidade duo legítima. O mesmo se pode dizer da obra, mais proto-sociológica
aproximou-se decisivamente da experiência do poder. Na verdade, a de Montesquieu.
emergência do conceito de legitimidade como questão política foi ocasio- Voltando-nos, agora, para a época contemporânea, podemos credi-
nada pelo colapso do regime de governo direto no mundo antigo, poden- far lhe duas contribuições significativas.
do ser atribuída, em grande parte, à substituição da democracia direta Em primeiro lugar, no campo jurídico, os teóricos modernos restau-
da ágora e do governo pessoal dos tiranos locais pela autoridade imperial. Hiram O conceito de norma legítima. Enquanto, para Kelsen, esta última
Assim, o uso medieval do termo “legítimo” para designar os detentores foresponde à validade estritamente imanente à lei positiva, em contrapo-
do poder reflete uma longa familiaridade com o poder de representação sição à lei “natural”, Herbert Hart prefere um positivismo moderado
dos imperadores e dos papas. A necessidade prática de justificar tais Ho permite “uma superposição mínima entre a lei e a ética”. Em
delegações de autoridade naturalmente estimulou a análise teórica da E eonceito de lei, o professor Hart afirma que, dados alguns truísmos
validade do poder, ou da legitimidade. lusivos acerca da natureza humana (ou seja, que os homens são capazes
Com Tomás de Aquino e com Bartolo di Sassoferrato, já no século do fazer o mal; que suas faculdades físicas e intelectuais são aproxima-

2, 3
damente equivalentes; que dispõem de restrito autocontrole e boa vonta- fepitimidade da comunidade era palpável, mas o regime tinha um apoio
de recíproca; que vivem num mundo de recursos limitados), os homens, Ealiemamente precário de parte da maioria das elites nacionais. Final- .
para poderem viver em sociedade, precisam de um certo número de mento, para grande número de habitantes de Quebec ou da Escócia
regras “fundamentais” que garantam um grau mínimo de tolerância Ro do Canadá ou do Reino Unido como respectivas comuni-
mútua. Se essas regras não forem obedecidas, não haverá qualquer razão des polí ticas está constantemente em questão, assim como para grande
para que existam leis; correspondem, afinal, a requisitos mínimos para E dos libaneses, a legitimidade do Líbano como estado biconfessional
a existência da sociedade, e, em última instância, argumenta Hart, a fere, nesta altura (1978), irremediavelmente comprometida.
sociedade não pode ser “um clube de suicidas”. Por conseguinte, não O conceito de legitimidade como convicção dos governados também
faz sentido para ninguém apegar-se à doutrina juspositivista radical se- + Em evidência um aspecto vivencial básico: a participação do compo-
gundo a qual “a lei pode ter qualquer conteúdo”. Dessa maneira, sem nte de confiança no processo de legitimação. Do ponto de vista opera-
aceitar as premissas otimistas do jusnaturalismo clássico quanto à inclina- dal, aliás, a legitimidade pode ser definida como o resultado dae
ção natural do homem para o bem, Hart adota no seu justapositivismo Hiaa que os governados depositam nos governantes. Em seu famoso
moderado aquilo que ele qualifica de “fundo de bom senso” da teoria sotudo ( onsirução nacional e cidadania, Reinhard Bendix realça esta
da lei natural, no que concerne à legitimidade, e não apenas à legalidade tónica fiduciária, comparando a legitimidade política à confiança que
da norma. Pe iurrentistas de um banco depositam na sua solidez. É essa vem
Outra importante contribuição das teorias modernas é o considerável He permite ao banco investir as economias do cliente durante longos
aperfeiçoamento a que submeteram nosso conceito de poder legítimo. tudos, à base do plausível pressuposto de que os depositantes ão
Nesse ponto, como se poderia esperar, as principais idéias procedem aulverão retirar todo o seu dinheiro simultaneamente. Do mesmo mo-
de uma disciplina relativamente recente, a ciência política. Vamos, pois, do, a autoridades detentoras de mandato tendem a encarar a aceitação
passar em revista rapidamente os aspectos mais salientes de sua aborda- blioa de seu governo como delegação implícita por parte do povo
gem da legitimidade. ta que governem de uma determinada maneira. Naturalmente, não
aualquer maneira; pois, como no caso do crédito bancário. o mandato
do E não implica jamais em carta branca; mas mesmo assim tanto
II. Teorias da legitimidade: subjetivismo e objetivismo Ha legitimidade quanto nos meios financeiros, a margem de liberdade
Para governar como para investir é em geral bastante ampla.
Em sentido amplo, existem dois conceitos de legitimidade na ciência Deve-se assinalar que, não obstante 'essa módica contribuição de
política contemporânea: o subjetivista e o objetivista. Mantagens analíticas, nem tudo é satisfatório na abordagem subjetivista
Do ponto de vista subjetivista, que é o de Carl Joachim Friedrich, Eaquiparar a legitimidade aos sentimentos contingentes dos governados
Seymour Martin Lipset ou David Easton, o problema da legitimidade Mo nada elucida sobre os critérios da legitimidade. Como observa
diz respeito “à crença quanto à validade do fundamento de um dado tor Stillman, algumas reivindicações de legitimidade que marcaram
governo pela maior parte das pessoas a ele sujeitas”. Esta concepção época, como o tradicionalismo de Burke ou, mais recentemente, o nacio-
merece o nome de “subjetivista”” porque estabelece uma correlação entre malimo de de Gaulle, simplesmente não cabem nos padrões propostos
legitimidade e a “convicção, por parte dos membros (da sociedade), por Hriedrich. Essas interpretações pressupõem critérios objetivos, quer
de que seja correto e apropriado acatar e obedecer às autoridades”. divor, úritérios externos à instável “convicção” da maioria. “Um pavio
O conceito subjetivista da legitimidade gerou alguns resultados analí- bo norá legítimo” pondera Stillman, “se, e somente se, os resultados
ticos úteis. Por exemplo, a conhecida classificação de Easton quanto je lição governamental forem compatíveis com o conjunto de valores
aos objetos básicos de apoio político dentro de certo regime político, nOCIe ade.” De um ponto de vista mais específico, a legitimidade
os quais correspondem à comunidade (em geral, uma nação-estado), É 4 compatibilidade entre a ação do governo e o conjunto de valores
ao regime e às autoridades. Nos Estados Unidos, em 1974, a lealdade nos pelos diversos grupos existentes na sociedade.º Daí a possibi-
à comunidade e ao regime continuou existindo em larga escala, ao passo fude da falta de legitimidade global sempre que a configuração de
que a legitimidade à autoridade máxima do país, o presidente Nixon, balores de uma sociedade for muito dividida ou, no caso de uma guerra
dissipou-se como num passe de mágica. Na Alemanha de Weimar, a HIvil, juncada de antagonismos internos devido a cisões sociais.
4 5
Note-se que, enquanto na concepção subjetivista se acentuava o 2 |! neste ponto que encontramos Max Weber, um dos dois protago-
plano político, com nítido enfoque da relação governantes/governados, + Bias de nossa história. Conforme será discutido detalhadamente no
na abordagem objetivista, a ênfase passa do aspecto político para o + apitulo 6, Weber é o defensor por excelência da legitimidade como
sócio-cultural. São os valores sociais que mais importam nesta aborda- ndo, acima de tudo, uma questão de crença (Glaube); de modo que
gem, não tanto a experiência do governo. Aliás, a teoria da legitimidade Ê a: sua teoria de legitimidade é uma das melhores formas concebíveis
como símbolo dos valores sociais emerge inicialmente (na obra de Karl a! investigar o significado e valor de toda uma escola de pensamento
Deutsch) sob a influência de Talcott Parsons, que muito exaltou o papel — abre O assunto.
dos valores nos “sistemas sociais”. k A abordagem da legitimidade como algo fundado na crença tornou
O propósito dos objetivistas era afastar a análise da legitimidade É “o à teoria social fazer um progresso considerável na identificação
|E RR eesias de legitimidade feitas ao longo de toda a história. Na
do fluxo da opinião pública. Eles julgavam, corretamente, que, apesar
de todo o seu louvável “democratismo”, esta forma plebiscitária de + dalidade, uma vez que se demonstre que a atribuição empírica de crenças
se encarar a legitimidade (a legitimidade, segundo Renan, é um “ple- fitimadoras aos governados em geral não passa de uma questão discu-
biscito cotidiano”) acaba convertendo-a em noção vazia, facilmente assi- |, seria possível dizer que a melhor análise da legitimidade até essa
milável às mais superficiais disposições da mente coletiva. No entanto, ta nc ao domínio de sociologia política histórica, e consiste na
o resultado da teorização objetivista parece, por sua vez, levar a nada fição pormenorizada das crenças dos governantes em sua própria
menos que um beco sem saída. Desemboca num intratável enigma: como pitimidade, sob a forma de ideologias de governo. A taxinomia histórica
atribuir valores a grupos sociais a partir de uma base empírica convin- Wltante, referente aos tipos de justificação de legitimidade fornecidos
cente? Aqueles que conhecem a dificuldade de inferir a crença em valores Inricamente, logo se integrou ao estoque corrente da macrossocio-
a partir de preferências declaradas, apuradas em pesquisas de opinião, ia, disciplina amplamente baseada em generalizações oriundas da
têm o direito de manifestar ceticismo diante de qualquer otimismo super- Auiordinação dos registros históricos ao método comparativo. A famosa
ficial no que se refere à atribuição de valores ao corpo social. Portanto, Wiuntomia de Weber (legitimidade tradicional, carismática e legal-ra-
a abordagem objetivista representa um risco, por dois motivos: estabelece Hlonal) ilustra o paradigma de semelhante análise.
uma distância prejudicial entre nosso arsenal conceitual e a efetiva expe- No entanto, nenhuma teoria baseada nas alegações dos governantes
riência política da legitimidade; e tudo que consegue colocar no lugar prá servir como uma descrição empírica satisfatória da legitimidade,
da superficialidade da análise subjetivista é uma série de pressupostos Ha vez que deixa irrespondida a indagação quanto ao outro lado,
incomprováveis sobre comunhão de valores numa dada sociedade. isivo, da experiência da legitimidade: a perspectiva de baixo para
Pina, Aliás, esta será nossa preocupação principal durante a análise
da sociologia da legitimidade de Weber (no Capítulo 7), que é claramente
IV. Legitimidade- “crença” e legitimidade-“'poder” fentrada no governante. Em particular, nenhuma teoria desse tipo parece
iulto esclarecedora quando se chega à questão da distinção quanto
Seja como for, parece haver ao menos um elemento em comum entre e de validade nas situações de poder. A legitimidade e ilegitimi-
o conceito subjetivista e os conceitos de legitimidade baseados em valor. é absolutas constituem casos excepcionais. Na verdade, os padrões
Em ambas as concepções, com efeito, tudo gira em torno do mesmo do legitimidade dispóem-se num continuum cuja análise, porém, não
pressuposto: a crença. Não é necessário dizer que a abordagem subje- aorá ser feita sem referência justificada aos sentimentos genuínos
tivista acentua o aspecto “psicológico” da crença legitimadora, ao passo governados, o que ultrapassa inteiramente a mera identificação,
que a abordagem objetivista dá prioridade ao aspecto social da crença por mais sofisticada que esta seja, da ideologia dos governantes.
em valores situada fora da consciência dos governados. Porém, ambos Assim, ao que parece, a questão fundamental é a seguinte: será
fundam a experiência da legitimidade num terreno comum: a crença Ível encontrar uma trilha teórica que evite tanto a superficialidade
nas justificativas dos governantes. A crença é, portanto, um aspecto abordagem “subjetivista” quanto as desvantagens empíricas da abor-
vivencial primordial da legitimidade, e, como tal, o próprio fundamento m “objetivista”? Ora, o fato de que essas abordagens insatisfatórias
lógico do componente de confiança que mencionamos alguns parágrafos definam em comum a legitimidade em função de uma “teoria da crença”
atrás. puroco indicar que a resposta residiria numa maneira alternativa de con-

A
ceituar o fenômeno em estudo. Essa alternativa, penso eu, consiste em haverá represálias no caso de desobediência, e ponto final. Não existe
conceituar a legitimidade em termos de poder (abordagem que podería- diferença lógica, nessas circunstâncias, entre o cidadão que obedece
mos chamar crática, para distingui-la da abordagem a partir da “crença”, do policial, representante legítimo da autoridade reconhecida, e a vítima
seja subjetivista ou objetivista). Ho um mercenário da Máfia. Não é óbvio que esta última se constitui
De certa forma, a abordagem da legitimidade do ponto de vista Hi tremenda reserva de poder? Claro que sim. E, no entanto, com
do poder desfruta de certo nível de aceitação na teoria sociológica con- luso unicamente neste critério, deveríamos considerar legítima essa re-
temporânea (embora o campo se encontre ainda muito dominado pelas Moiva de poder da Máfia? É claro que não. Então, obviamente falta
teorias da “crença”). Arthur Stinchcombe, por exemplo, preludiou o dlguma coisa nessa definição “crática” da legitimidade.
que denominamos abordagem crática, ao definir a legitimidade como E 5 usquemos, então, outra forma de analisar a legitimidade em termos
“reserva de poder”. Práticos”. Deixemos de lado, provisoriamente, a idéia de reserva de
A argumentação de Stinchcombe salienta o papel da credibilidade puder e tudo aquilo que ela pressupõe quanto ao apoio do poder legítimo
na experiência da legitimidade. Segundo ele, o poder é considerado E voltemo-nos para a idéia de situação de poder. A primeira coisa
que
legítimo quando aquele que o detém pode, efetivamente, recorrer ao » pode observar nas situações de poder é sua variedade. A exemplo
apoio de outros centros de poder. O componente psicológico portanto, do Roderick Martin, isolamos seus componentes básicos: em primeiro
não é, de forma alguma, eliminado da perspectiva crática. Mas é preciso lugar, à ocorrência de padrões de dependência assimétricos, dependentes
observar a seguinte diferença: estamos agora tratando de credibilidade, da diferença na capacidade de controlar o acesso aos recursos desejados
não de fé cega. Não se trata de acreditar, como em matéria de fé, », em segundo lugar, a maior ou menor disponibilidade de saídas para
mas de acreditar no sentido puro e simples da expectativa e anuência. HW» subordinados: percebemos que daí decorrem várias configurações
O aspecto psicológico que se destaca não implica necessariamente ne- do poder possíveis.
nhum tipo de fé nos governantes, mas simples cálculo de custo e benefício lim poucas palavras, o quadro geral seria o seguinte:
da parte dos governados. Quando obedeço: às ordens de um policial, a) a dependência muito assimétrica, associada à facilidade de saída
não é porque acredito nele como pessoa; é porque acredito que ele propicia a coerção de parte dos superiores;
esteja apoiado por autoridades mais altas no país, às quais seria tolice bh a dependência excessiva sem nenhuma saída facilmente acessível

Nm
da minha parte pretender resistir. induz, em princípio, à autoridade não coercitiva, porque a possibi-
Vimos que, para os parsonianos e afins, o “sistema social” é basica- lidade da fuga torna a coerção ineficaz ou muito penosa, ao
mente comandado por um conjunto de valores essenciais, que permeiam passo que os subordinados normalmente preferem esquivar-se
todas as principais funções da sociedade. Stinchcombe, impiedosamente, à coerção;
inverte a marcha. Do seu ponto de vista os valores sociais só são eficazes 6) a dependência menos acentuada, com dificuldade de saída, con-
quando sustentados por mecanismos de poder.” As instituições são focos vida ao exercício da influência, pois, por um lado, o desnível
de poder a serviço de valores e interesses distintos. Tome-se como exem- de poder entre os superiores e os subordinados não é tão grande
plo o que ocorreu com os valores protestantes na Europa. Enquanto &, por outro lado, os subordinados tenderão a permanecer na
foram defendidos pela coroa, subsistiram e predominaram. Quando não mesma situação, tornando assim possível o surgimento de uma
receberam esse respaldo, não resistiram. Noutras palavras, sua legitimi- configuração transacional de poder;
dade foi desafiada sempre que sua reserva de poder se debilitava. dl) enfim, se a dependência não apresentar assimetria acentuada,
No entanto, não se pode deixar de admitir que algo está faltando e se houver saída disponível, surgirá uma situação na qual o
também nessa perspectiva “crática”. Decididamente, a legitimidade co- poder tenderá a assumir a forma de autoridade baseada no livre
mo reserva de poder está longe de merecer esse nome. Que é a legitimi- consentimento.
dade, afinal, senão a experiência da validade de uma certa ordem norma- As situações de poder a e c, ou seja, definidas pela coerção ou
tiva? Até mesmo na sua mais estreita empiricidade, a legitimidade é pela influência, obviamente não deixam muito espaço para os sentimentos
uma questão de jure, não de facto. Ora, não há nada na regra stinchcom- “da legitimidade. Por sua vez, a situação b, de autoridade sem consenti-
biana que indique que se conheça algo semelhante a um sentido de valida- into, ou, em outras palavras, autoridade que se assenta em um consenso
de. Alguém se curva diante do poder partindo do conhecimento de que do tipo faute de mieux, denota uma relação de poder sublegítima, por

8 9
assim dizer. Apenas a situação d, caracterizada pela autoridade baseada Para deixar isso bem claro, precisamos explicar o que se entende
no livre consentimento, parece, por sua vez, inteiramente compatível | Ieoria social nesta acepção moderna. Pois como doutrina frequen-
com sentimentos conscientes de legitimidade, equiparados com a confian- mente implícita da ordem social, altamente preocupada com a legitimi-
ça irrestrita dos governados nos governantes e sua genuína crença nas de e seu inverso, a teoria social é tão antiga quanto as mais antigas
pretensões ao poder dos governantes. Ro No sentido de uma teoria temática (para usarmos terminologia
Ora, em toda a história da teoria social, ninguém mais do que núfica) dos princípios sócio-políticos, a teoria social remonta, no míni-
Rousseau esteve intimamente comprometido com a defesa da autoridade «4 Platão (por sinal, filósofo obcecado por aquilo que considerava
legítima, constituída como poder fundado na total liberdade de consenti- A llegitimidade da pólis). Platão, porém, não é, naturalmente, um teórico
mento. Poderíamos, portanto, afirmar que, sempre que a abordagem Wivial na acepção moderna. Em que será, então, que consiste a diferença?
“crática” da legitimidade conservar um interesse adequado pela validade Talvez a melhor forma de entendê-la seja uma breve ponderação
do poder aos olhos dos governados idealmente livres, provavelmente Re: histórico. Se agirmos com um mínimo de responsabilidade
a influência de Rousseau na análise será grande. Assim como Weber lúrica não poderemos nos esquivar à impressão de que a “teoria social”
é, por excelência, o analista da legitimidade na sua dimensão de crença, Fm qualquer significado semelhante ao atual, se origina no iluminis
Rousseau produziu o paradigma da análise da legitimidade no nível mo.
Dra, quando falamos do Iluminismo, tendemos a evocar imediat
normativo da relação de poder. O primeiro foi o maior anatomista das amente
Hoy secularismo e seu amor à ciência. Entretanto, o tom secular,
justificativas oferecidas pelo próprio governo; o outro, o supremo legisla- tão
filamente associado aos escritos iluministas, não nutriu por si só a
dor da autoridade legítima delineada em favor dos governados. Por vação específica que buscamos. A abordagem secularizada da política
conseguinte, cada um dos dois estudos contidos no presente volume Espetacularmente inaugurada por Maquiavel, e, de modo menos os-
terá por objetivo explicar pormenorizadamente e avaliar essas visões nivo, por Marcílio de Pádua, um contemporâneo de Petrarca; mas
diferentes da legitimidade como reivindicação histórica e como ideal aquiaveInão é, exatamente, o tipo de intelectual que nos ocorre quando
político. amos de teoria social. Seria possível, então, que as principais raízes
Podemos então encerrar por aqui o arcabouço histórico da análise teoria social estivessem naquele espírito racionalista que, sucedendo
da legitimidade na teoria social, e do lugar nele ocupado por Rousseau “o humanismo renascentista, selou de forma tão forte, no século XVII
e Weber. Antes, porém, de procedermos ao estudo das idéias de Rous- uma aliança entre a nova filosofia e a ciência galileana, legando-a aos
seau, é bom recensearmos brevemente as origens do ambiente intelectual Philosophes adoradores-da-ciência? Não exatamente: ninguém mais do
no interior do qual se enunciou a adequada problemática teórica da vo Hobbes aplicou a lâmina afiada da filosofia racionalista ao pensa-
legitimidade, ou seja, da própria “teoria social”. to político; e, entretanto, não é plausível, nem razoável incluí-lo
Ante Os teóricos sociais modernos propriamente ditos.
À “teoria social” pertence, peculiarmente, ao iluminismo devido
V. A emergência da teoria social: o nascimento da idéia de problema à quatro aspectos principais (cada um dos quais correspondente, a seu
social no Iluminismo fumo, a uma verdadeira revolução intelectual). Em primeiro lugar
a
febria social moderna demonstra uma preocupação com os determinismos
A promoção da legitimidade ao status de questão genuinamente socioló- Afetam os processos sociais. Este sentido “materialista” dos determi-
gica se deve à sociologia clássica, na obra de Max Weber. Mas, bem mos não se manifesta plenamente antes de Montesquieu.
antes desta legitimação da legitimidade no contexto das ciências acadê- Em segundo lugar, os principais teóricos sociais do século XVII
micas, à parte os estudos jurídicos, uma notável tradição intelectual lenderam a adotar uma lógica lockiana de pesquisa. No início do seu
já havia feito do fenômeno da validade das instituições um de seus Ensaio sobre o entendimento humano, Locke direcionou a ciência huma-
principais interesses. Aliás, não parece imprudente considerar que a E E o a ia num a histórico factual”, isto é, no
compreensão teórica das questões da legitimidade na sociedade em geral, científico de Bacon e invé Í
bem como a preocupação de examiná-las de um ponto de vista não-ju- “especulações” sobre) a “essência” da Ado
: nai programoa
rídico e (parcialmente) não-especulativo, coincidiu com a própria forma- pmpiricamente orientado, muitas tendências filosóficas progressistas, en-
ção da “teoria social”, no sentido moderno. tro elas o iluminismo escocês, enveredaram por um estudo do homem
10 11
e da socidade identificado com a pesquisa de estruturas e funções, total- =» A teoria social “moderna” é, portanto, a abordagem crítica, e voca-
mente distanciado das interpretações essencialistas. Malmente científica, dos problemas sociais. Foi esta a perspectiva surgi-
Em terceiro lugar, a teoria social do século XVIII logrou separar, 1 Huminismo e na correspondente “idade das reformas”. Em certo
pará fins analíticos, a “sociedade” do “estado”, proeza vital para o ho a teoria social do século XVIII pode ser concebida como embrió-
lançamento da sociologia como programa científico. pnpenharia social, Porém, diferentemente da maioria das versões
Por fim, a teoria social iluminista, em termos gerais, alimentou emiporáncas de engenharia social, boa parte da teoria social ilumi-
o impulso emancipatório. “O Iluminismo é a libertação do homem da Ba otavio fortemente comprometida com o desafio dos próprios funda-
tutela que ele mesmo se impôs”, escreve Kant, definindo “tutela” como da sociedade do Ancien Régime, antepondo-se à sua aspiração
a “incapacidade humana de usar o próprio entendimento sem orientação dimidado, Ao fazê-lo, os philosophes transformaram a legitimidade
alheia”. A emancipação da razão, o famoso sapere aude! de Kant, Nip de suas principais pesquisas. O fato de que raramente tenham
tornou-se o lema do Iluminismo. Na prática, porém, a emancipação lo da questão da legitimidade em si não os impediu, em absoluto
significou um impulso inexorável em direção à crítica das instituições- bsarom aspectos fundamentais da legitimidade. Na verdade, foram
chave existentes, o que produziu nova e generalizada desconfiança quan- e tomaram a legitimidade, de maneira genérica, um “problema
to à sua legitimidade.
Aliado à percepção do determinismo, à disposição de fazer pesquisa
empírica e à identificação das estruturas sociais, este impulso emanci-
patório impregnou grande parte do pensamento social do século XVIII.
Foi isso, por exemplo, que induziu homens como Voltaire ou Lessing 08 “tipos de governo”, promove considerável atualização
a denunciar a arbitrariedade dos dogmas religiosos; foi isso que levou prada tipologia de Aristóteles. Este, na Política, distingue três
Hume a minar, de forma decisiva, o objetivismo moral; foi isso que tegimes políticos (a monarquia, a aristocracia e a democracia)
inspirou o clamor de Smith pela liberação das forças econômicas em Heapectivas perversões (o despotismo, a oligarquia e a demagogia).
relação às restrições políticas e aos privilégios comerciais das guildas; Hetma triúdico de Montesquieu (república, monarquia e despo-
e foi também isso que inspirou Rousseau à audaciosa reorganização di imtroduz duas alterações significativas: agrupa duas formas aristo-
da teoria do contrato social. Ps fa aristocracia e a democracia) sob um só título (república); além
A partir daí, o impulso emancipatório da teoria social do Iluminismo + promove aquilo que para Aristóteles era uma perversão (o despo-
fomentou uma reflexão permanente sobre a validade das disposições eba tipo Ros O fato era explicável em termos do critério
sociais. Embora Rousseau tenha ficado muito isolado (mesmo que in- imo social (Montesquieu entendia que a estabilidade social em
fluente em outros aspectos) em sua total rejeição ao curso da civilização, Hi vastos e populosos tinha de se apoiar no temor generalizado
quase todos os principais teóricos das Lumiêres francesas, do Enlighten- Ho dos governados) embora, segundo o autor, continuasse tão
ment inglês, e da Aufklârung alemã questionaram profundamente as Manto quanto na época clássica. Esse último ponto demonstra de
principais dimensões da ordem social. As posturas políticas e sociais mam o nossa alegação: pois Montesquieu vem a situar a ilegitimi-
destes pensadores variavam muito, desde o apoio ao “despotismo esclare- DE do, por conseguinte, a legitimidade a contrario) exatamente no
cido” até o utopismo comunista. De maneira geral, contudo, exibem + lugar que os antigos.
mentalidade reformista, indiscutivelmente ousada. Na essência desse re- Por outro lado, entre Montesquieu e Weber, a teoria social apro-
formismo havia o que um autor logrou definir como a “eliminação da » Pipande à compreensão crítica do fenômeno da (ilegitimidade.
reverência no âmbito das atitudes sociais”, pelo “hábito de exigir resulta- fuila essa compreensão ao tentar debater os fundamentos sociais
dos”. Comenta esse mesmo escritor, Charles Fraenkel, perspicazmente: lhos de autoridade política existentes (e reconhecidamente espú-
tal disposição do espírito dá origem à idéia mesma de que existam os Hu tdlenis (e penuínos). Expande o conhecimento sobre à legitimi-
chamados “problemas sociais”.!'º Devemos ao legado iluminista o reco- " ampliandoa pesquisa sobre a legalidade de diversas práticas e
nhecimento de que os problemas sociais são males e deficiências prove- Hulgdes sociais, desvelando assim, à reflexão crítica, todo um conjun-
nientes de instituições criadas pelo homem, e, por isso mesmo, reformá- unstõos até então incontroversas, relativas aos sentimentos cole-
veis através da intervenção da razão crítica. Bim relação à validade. O mundo do trabalho, o universo da educa-

2 13
ção, a experiência artística, para não falar da religião, são alguns destes
novos temas de pesquisa. a parte
Passaremos agora ao estudo do pensador cujós textos inauguram
e intensificam este processo de aprofufidamento e expansão da teoria
crítica da legitimidade — Rousseau.

14
A Teoria da Legitimidade
de Rousseau: a Vontade Geral

05 O aprofundamento e a expansão da reflexão crítica


da legitimidade como critérios para avaliar o vigor com
social, no sentido moderno, encarou esse assunto (e, em
+ Identificou-se com seu desenvolvimento), chegaremos à
que o pensador que individualmente mais se destaca neste
menos até meados do século XIX, é Jean-Jacques Rousseau
hum outro teórico social da época conseguiu simultanea-
& desdobrar tanto uma perspectiva crítica sobre as formas
da validade na vida social; ninguém expressou de modo
abrangente a crítica social que inspirou o Iluminismo.
encontra-se na base das profundas modificações ocorridas
ocidental com relação à definição de legitimidade em
quatro áreas: o pensamento político, a reflexão religiosa,
ea literatura, Aqui só nos referiremos de passagem à tremen-
de Rousseau na religião, na pedagogia e nas letras;
por
e à bem da nossa linha de raciocínio, vamos ater-nos
dos fundamentos da legitimidade política.
to, à mais conhecida das premissas da teoria política de
ma pressuposição absolutamente fundamental, tanto para
educação e da “religião natural” quanto para a política:
da bondade natural do homem. A idéia que mais se associa
Rousseau, idéia que marcou época, é a de que boa parte
He, na miséria do homem, se considerava essencialmente huma-
verdade, simplesmente um produto da sociedade.
eau, o mal não era imperfeição inata ao homem ; provinha
da vida social. Antes, os moralistas sustentavam categori-
4 infelicidade era decorrência da imoralidade. Rousseau
que a degeneração decorre da infelicidade, e que esta

47
tem origens sociais.! Para Platão, o contato com o corpo mancha a + Wonlorme se afirma de maneira peremptória no prefácio do Dis-
alma; Rousseau que, significativamente, menciona o mito platônico da tobro d origem da desigualdade, o estado natural é apenas uma
decadência da alma no prefácio do Discurso sobre a desigualdade, subs- a um artifício conceitual, régua e compasso que nos possibi-
titui o “corpo” pela “sociedade”. O “grande princípio” subjacente a Has uma opinião adequada sobre nosso estado atual” e avaliar
todas as obras de Rousseau, segundo ele mesmo afirmou no início de ado da depravação humana.
Emile, ou da educação, corresponde simplesmente ao seguinte: a natu- te hipotético estado natural proposto por Rousseau, o homem
reza fez o homem bom e feliz; a sociedade, por outro lado, o corrompeu Wooral nem imoral, mas amoral (despindo-se este termo da irreve-
e o desgraçou. n + que o empregava Oscar Wilde). Foi Locke, e não Rousseau
No fundo, o intento de Rousseau não era tanto afirmar a bondade Hou que o homem natural vivesse numa condição perfeita-
inata do homem, mas negar sua perversidade intrínseca. Nestas condi- é Wital, é quem achou que ele seria capaz de se humanizar ainda
ções, suas premissas implicavam, como se sabe, a rejeição da opinião m Estabelecer relações sociais. Foi Condillac, na linha de Locke
de Hobbes sobre a condição humana.” Deve-se, porém, observar que altos que o homem, como ser biológico (em oposição ao homem
a teoria social do século XVIII, mesmo antes de Rousseau, já refutara 7 pontinha em si mesmo toda a capacidade de perfeição peculiar
a antropologia sombria do Leviatá: o primeiro tomo de O espírito das dapécio. Para Rousseau, essa capacidade de perfeição, além de
leis (obra tão influente quanto a de Hobbes, e com a qual Rousseau E já
tomática, como presumem as tendéncias iluministas, está indis-
estava mais familiarizado) já deixava de lado a idéia de que houvesse mio à RR idade. Dessa maneira, a politização rous-
no homem uma agressividade natural, e procurava demonstrar que essa " O craliia
céia faz-se
do acompan p har de uma verdadeira
i socializa
ializaçã
ção
agressividade era fenômeno social, antes que meramente humano.
Rousseau, entretanto, foi muito além das moderadas definições de
Montesquieu. Utilizando sua assombrosa habilidade retórica, levantou
um impressionante conjunto de arrasadoras denúncias à civilização, acu- >
acabou defrontando-se com um, de grandes dimensões:
sando toda a história de haver traído a justiça e a felicidade humanas. ilizara a sociedade pela desigualdade e pela injustiça
A seu ver, a igualdade entre os homens havia sido destruída já pelas e,
tempo, propunha que, apenas por intermédio da sociedade,
mais primitivas formas de divisão do trabalho e da propriedade privada. | ne envencilharia desses males. Em suma, defendia a tese
Desde tempos imemoriais, o domínio da natureza fora pago com amargas | a 4 sociedade tinha poder para desfazer aquilo que ela
sementes de angústia e opressão. 1

“Foram o ferro e o grão que começaram a civilizar o homem e tado Rousscau estava a braços com um problema espinhoso:
a arruinar a humanidade.” Aquilo que ainda recentemente (até o advento teria o homem civilizado recuperar a bondade e a felicidade
do conservacionismo mais hidrófobo) era celebrado como “a revolução Hm matural, já que uma volta à inocência e à felicidade da vida
neolítica””, foi amaldiçoado por Rousseau com o pecado original. Dessa À Ha HÃO nó inconcebível, como, do ponto de vista da moralidade
maneira, o mesmo autor que transferiu a questão do mal da religião Ho indesejável, uma vez que só o homem social, não obstante
para a política” foi também quem criou uma vigorosa interpretação da nina nte devassidão, detinha o privilégio do senso moral?
história como espécie de Queda profana. dolução de Rousseau tinha duas facetas: baseava-se em uma con-
Rousseau não era nenhum primitivista grosseiro.* A idéia do “bom da vos interior e em uma confiança na vontade geral. A voz
selvagem”, que vivia num jubiloso “estado natural”, era uma fable conve- à Ha uma espécie de instinto superior, um princípio ético instintivo
nue da sua época. Mas o pensador se esforçou por deixar claro que MH puro e sem mácula do coração humano. Conforme declara
o homem em seu estado natural, mesmo basicamente mau, não era Pavoyard, cuja famosa “profissão de fé” se inscreve em Émile
um ser inteiramente moral. A moralidade, como a linguagem, pressu- feia é um princípio inato de justiça e virtude, mediante o
põe, para Rousseau, a vida em sociedade. A Arcádia de Rousseau, os mas ou boas nossas ações, ou as ações de outrem”. Cum-
sua evocação da idade de ouro da humanidade, não coincidia, por isso tames deste senso moral espontâneo, o homem social pode
mesmo, com nenhum estado natural, mas sim com a “juventude do m falhas da história. Tal conceito se salienta tanto no Discurso
mundo”, o primeiro estágio da evolução da sociedade. De qualquer origem da desigualdade como no Emile, mas reaparece também

18 to
“em sua obra política, como se verá adiante. “A idéia de que o homem A posição de Rousseau na história das idéias sobrea legitimidade
pode aperfeiçoar-se pela razão, em consonância com sua própria nature- Pantamento nesta forma especial de delimitação de fundamen-
za, perpassa toda a obra de Rousseau.” estrutura lógica de seu raciocínio resume-se no seguinte: a socie-
Ouvindo atentamente a voz interior, o homem pode escapar à per- ata devia constituir-se de modo que seus membros não necessi-
versa opressão da sociedade. Contudo, os homens, como um todo, não pesorror nos “direitos naturais” contra a iniquidade da lei positiva.
tém condições de fazê-lo. As sociedades, ou, pelo menos, algumas socie- ta» palavras, a própria lei real deveria coadunar-se aos ditames
dades, só podem ser corrigidas mediante uma atuação de acórdo com tom Ora, aquelas leis na elaboração das quais todos os cidadãos
a voz da razão coletiva, que é política, e não apenas moral. É esta mem, poderiam, a princípio, mesclar a legislação positiva com
voz interior ampliada e politizada que Rousseau chama, no Contrato mal, uma vez que o produto de legislação tão livre e igualitária
social, de “vontade geral”. mvavelmente materializaria o interesse comum, que corresponde
O Contrato social visa demonstrar o que pode conferir legitimidade pá
“A “vontade geral” equivale exatamente ao interesse comum
à ordem social (Livro I, Cap. 1). “O homem nasce livre, mas por toda ado numa claboração de leis livre e igualitária. Por conseguinte,
parte se encontra agrilhoado.”” “Como pode ter ocorrido esta mudan- Wntudo poral” é o objetivo legítimo, bem como o resultado, de
ça?”, indaga então Rousseau, e após mencionar ligeiramente que não nto social, À vontade geral é o telos natural do pacto social.
sabe quais são as razões (na verdade essa explicação é justamente o * umipie notar o paralelo estabelecido entre a vontade geral e a
tema do Discurso sobre a desigualdade), dirige-se à questão central da p Honor da liberdade e da moralidade. A voz interior da razão natural
obra: “o que legitima esta mudança?” O que pode legitimar esse funesto por liberdade, Preenchendo a lacuna entre a lei positiva e o
afastamento do estado natural? Semelhante pergunta, Rousseau acredita o natural, O contrato social, expressando a vontade geral, também
poder respondé-la através de uma nova teoria do contrato social. à mo sentido de obter a liberdade e a igualdade — estado que, no

TT
Mas por que se deveria elaborar uma teoria do contrato social? pie Housseau, equivaleria à libertação em relação à dependência

quem qe
Porque (como explica Rousseau no Capítulo 5 do primeiro esboço de do.

mim
v
Du Contrat social, o chamado “Manuscrito de Genebra”; e no Livro é também é possível perceber no raciocínio de Rousseau uma
I, Capítulos 2-4 da versão definitiva deste mesmo tratado) todas as demais mus terra-a-terra. Segundo ele, toda norma política, vigente
explicações contemporâneas sobre o vínculo social baseiam-se em ““no- Ma ou no passado, pressupõe um pacto social preliminar. “Se, como
ções falsas”. Tais explicações insatisfatórias atribuem a origem da ordem ava firotius, um povo pode assumir a condição de vassalagem a
ol É porque antes de se submeter ao domínio do rei, já usufruía
social, e portanto da submissão política, a um entre quatro fatores: n
ou encaram o domínio político como extensão da autoridade “natural”, de povo.” Portanto, antes de analisar qualquer ato de submis-

memo
isto é, paternal; ou como justa reivindicação dos ricos; ou como resultado preciso apurar “o ato em virtude do que o povo constitui-se
de uma conquista (o poder gera direito); ou como resultado da legiti- “ Tal vínculo, anterior a qualquer outro, abriga “os reais funda-
mação pelo tempo daquilo que foi originalmente usurpação (“prescri- no da sociedade” (Livro I, Cap. 5).
ção”, decorrente de um consentimento tácito prolongado). Ora, aos 1 da linha de argumentação parece mais realista do que o funda-
olhos de Rousseau, nenhum desses fatores pode justificar a obediência pplvo já apresentado, calcado na justiça e na liberdade, pois
política. Nem o tempo, nem a natureza, nem a força, nem o poder oo! 4 nenhum imperativo ético visível, mas apenas a um impera-
econômico produzem um direito genuíno e uma obrigação válida. Por dos Não quero com isso dizer que essas abordagens se contra-
conseguinte, a fonte de toda autoridade legítima deve se encontrar noutra do desejo apenas ressaltar, por motivos que adiante se tornarão
parte: exprimir-se em pacto espontâneo, única forma determinada, não que são abordagens bastante distintas entre si e que Rousseau.
pelo medo meramente disfarçado de voluntária obediência, mas pelo » aepundo tipo de justificativa, de ordem lógica, de maneira tão
sentido do “interesse comum”. quanto o primeiro.
E impossível expor essa meta de forma mais clara: trata-se da justifi- d5 fato É que, na maior parte do Contrato social, pode-se mesmo
cação da ordem política, o estabelecimento racional de um princípio a abordagem predominante, apesar das conotações morais
de legitimidade. O que implica nada menos que “fundar o estado sobre ! Hendas, como é o caso da famosa antítese hiperbólica ”homme
sua base” (Livro IV, Cap. 9). ' “) que abre o primeiro capítulo dessa obra, tende a evitar

20 241
vôos expressamente metafísicos. de confiar à todo o corpo político (mesmo em seu pequeno
Um bom exemplo desta propensão acha-se no decisivo capítulo doa predileto, a cidade-estado) a execução de atos de necessi-
sobre o próprio pacto social (Livro I, Cap. 6), no qual o contrato social lapiados à interesses particulares antes que ao estabelecimento
se define através do conceito da vontade geral. A força e a liberdade um pais, como devem ser as leis. Além do mais, juntando
do indivíduo, conforme palavras de Rousseau, são instrumentos funda- a da absoluta necessidade de mediação governamental a
mentais de sua capacidade de sobrevivência. Como pode ele, na medida upação gêmea à de Montesquieu com os efeitos do volume
em que subscreve um pacto social soberano, cedê-los à sociedade, sem mumenu traça interessante panorama do relacionamento entre
prejudicar-se? ptivos poderes da soberania e do governo, ou, como diríamos,
A resposta a esta pergunta repousa na proposta de “uma forma do povo e o do estado (Livro HI, Cap. 2). Sua principal
R

de associação que defenda e proteja, com a integridade da força comum, po de que, quanto maior a população, 'mais concentrado deveria

a pessoa e os bens de cada associado seu,e na qual todos, mesmo pi do governo, para que este pudesse desempenhar suas funções.
unindo-se entre si, só devam obediência a si mesmos e permaneçam » sociedades normalmente dificultam o exercício da vontade
tão livres quanto eram antes” (Livro I, Cap. 6). Já não vimos que a masembléias; por outro lado, o aumento do número de magis-
causa primeira do vínculo social foi a percepção geral, de parte dos ebilita o governo, dividindo-o excessivamente. Como os cidadãos
homens, quanto à existência de um “interesse comum”? Para uma per- Wipantes tendem a se comportar como súditos menos dóceis, .
gunta bem utilitária, uma resposta absolutamente utilitária. os, nas grandes sociedades, vêem-se obrigados a lançar mão
O pacto social como vontade geral constitui-se nesse tipo de associa- 0, O que, por sua vez, implica maior centralização do poder.
ção útil. Quanto à soberania, nada mais é que o exercício da vontade punto, à soberania, ou seja, a vontade geral, é vítima de
geral, concebida como tal (Livro II, Cap. 1). Daí a natureza coletiva
E
unda vez mais acentuada.
do soberano, “o povo”, ou seja, do conjunto de todos os participantes “
nu estabelece uma dialética entre soberania e governo, ou
E
do vínculo social; e daí decorre o caráter inalienável da soberania, a
“omtro legitimidade e poder; quanto mais frágil for o governo,
qual, sendo uma vontade em ação, certamente não pode ser transferida. Je aproximará o estado da vontade geral. Procura deixar bem claro
Ainda mais importante: é esta a razão pela qual a soberania popular daquilo que diz sobre a lógica da concentração de poder nada tem
tem limites, conforme declarado expressamente no Livro II, Capítulo FP vom à questão da legitimidade.“ Eis por que, em suas Cartas
4. Nenhum ato de soberania pode resultar legalmente em prejuízo para montanha ( 6), afirma que “a melhor espécie de governo é o aristo-
a igualdade essencial dos direitos e deveres na qual se unem os partici- "ao passo que “o pior tipo de soberania” também “é o aristocrá-
pantes do contrato social; nenhum interesse particular poderá jamais 2 ash nessa afirmativa nenhum paradoxo, pois soberania e gover-
ser legitimado como tal pela vontade geral. Todos os atos do povo sobe- “o polsas completamente diferentes, sendo que apenas a primeira
rano têm de ser realizados, não segundo o espírito de uma convenção upora à legitimidade. No que tange ao governo, Rousseau formula
entre superiores e inferiores, mas segundo o espírito de um acordo entre
à bastante clara: quanto mais forte for o governo, mais frequentes
o corpo e cada um dos seus membros.
pH ser as assembléias (Livro II, Cap. 13).
No Livro III, Rousseau discorre sobre a idéia de que a soberania
popular relaciona-se com a questão do governo. A soberania e o governo
Bla análise da classificação de regimes políticos feita por Rousseau,
abrimos novos indícios dessa tendência de fazer a legitimidade polí-
são para o corpo político aquilo que a vontade e a força são para o denotar o governo democrático (tendência que, no Contrato social,
corpo físico. A soberania é a vontade legisladora; o governo é a força
fendida a toda prova). Diferentemente de Montesquieu, os três
que executa os ditames dessa vontade. Nessa qualidade, o governo é,
de governo de Rousseau não se afastam da tradição aristotélica:
para Rousseau, algo que definitivamente nada tem de sagrado. Já que,
puse à democracia, à aristocracia e à monarquia (Livro HI. Cap.
diferentemente da soberania, não deriva do contrato social (Livro III,
Admito que é impossível existir democracia perfeita, pelo menos
Cap. 16), o governo pode e deve ser legítimo, mas não pode nunca,
sentido de democracia direta perfeita, uma vez que esta implicaria
por definição, ser uma genuína fonte de legitimidade.
não factível, ou seja, que o povo fizesse política em tempo integral
Entretanto Rousseau livremente reconhece a necessidade da existên-
1% HH, Cap. 4). Numa vertente “contextualista”, afim ao método
cia do governo. Por quê? Porque admite a impossibilidade, em termos untesquicu, indica as precondições da democracia genuína, embora
2a 23
imperfeita: um estado pequeno, onde os cidadãos se pudessem reunir
facilmente em assembléias populares; uma simplicidade de costumes
que evitasse a multiplicidade de questões complexas a serem resolvidas;
e um espírito subjacente de virtude cívica. Depois, aludindo ao “famoso
autor” de O espírito das leis, Rousseau faz-lhe pequena crítica, por
ter atribuído a virtude, como princípio que rege o comportamento, apenas
aos estados republicanos (contrapondo-a à “honra”, na monarquia, c
ao “medo”, no despotismo).
A objeção de Rousseau neste aspecto é que, sendo “a autoridade
soberana (ou seja, a vontade geral como Primeiro Pacto) a mesma em
toda parte, o mesmo princípio (de virtude) deve ser exercido em todo
estado bem fundado”. Fatalmente acontecerão variações em sua força,
dependendo da forma de governo. Mas, na medida em que integra
a vontade geral e sua natureza irremediavelmente coletiva, como fonte
última da soberania, independentemente da forma governamental adota- ento ocidental, a questão da legitimidade política aparente-
da, republicana ou cívica, a virtude corrobora todas as formas concebíveis surgiu de forma explícita no final da Antigiiidade. Na introdução
de governo legítimo. Hm p 2) explicamos que não existia em grego uma palavra
Sem virtude cívica, a qual deve ser reforçada pela “religião civil” mia a idéia da legitimidade, de modo a distingui-la da legalidade.
(Livro IV, Cap. 8), a vontade geral arrisca-se à inércia, a usurpação dade da autoridade foi, naturalmente, abordada por Aristó-
da soberania torna-se inevitável, e a ilegitimidade pode vir a imperar, sua classificação dos bons e maus tipos de governo; mas nem
sem que ninguém a ela se oponha. Mas a virtude tem um caráter mais » Platão, que desafiou de forma vigorosa a validade da demo-
prático, ou comportamental, do que intencional e afetivo: quando os y E ro dizer que tenha teorizado acerca da legitimidade
encantos da trangúilidade social ultrapassam o amor pela liberdade, 1 O que parece, o estabelecimento da questão da legitimi-
amor que, com frequência, é muito exigente, a verdadeira soberania " problema teórico surgiu na esteira do desaparecimento do
popular corre perigo (Livro III, Cap. 14). O teste da virtude é a ação “alieto, Na medida em que a democracia “direta” da pólis e
pública, não os sentimentos individuais. A legitimidade enquanto vonta- d Igualmente direta dos tiranos gradativamente se transfor-
de geral não prospera em meio a dons impalpáveis da consciência desen- rimas de poder mais amplas, imperiais, emergiu o problema
carnada, mas no exercício concreto das liberdades tangíveis. 4 da legitimidade dos representantes.! Vinha agora à tona
validação de autoridade com base numa transferência de
especulação dos juristas romanos, a autodefinição por parte
eatólica e do papado, como representantes de Cristo, os costu-
la germânicos, tudo isso veio a contribuir para o surgimento
É A legitimidade, cuja cristalização juspolítica se deu, con-
ponidamos, na alta Idade Média.
ando Rousseau entrou em cena em meados do século XVIII,
duo em termos de legitimidade, e das questões com ela intima-
placionadas, já havia sido consideravelmente aperfeiçoado pelos
W pensadores modernos, tais como Maquiavel, Bodin, Grotius,
4 Hobbes, Locke e Montesquieu. Estes três últimos, além de
toldo eles próprios forte influência, partilham de tal forma
nento de Rousseau a mesma moldura de referência, dentro
do Contrato social, que qualquer tentativa de captar o significado

25
básico da teoria.rousseauniana da legitimidade envolve necessariament: a da política protoliberal inglesa, preconizava o controle
uma discussão de suas contribuições, mesmo que unicamente para [in a pela soberania popular, mediante o “governo da
comparativos.
Thomas Hobbes quis colocar a lâmina de Occam, a “nova filosofia, apa discussão se travou quanto à natureza precisa das relações
ou seja, o racionalismo cartesiano, a serviço do pensamento político É Hobbes. Alguns estudiosos, entre os quais se destaca
4

Ao mesmo tempo, partilhava com os defensores da lei natural a idéia | ohegam a argumentar que Locke não passava de um hobbe-
de que a autoridade política baseia-se em um contrato social, e de que ado. E entretanto inegável que, no Segundo tratado, Locke
o alguns conceitos fundamentais de Hobbes. Por exemplo,
Ag

a sociedade civil baseia-se no consentimento dos súditos (observe-se


que, até Hegel, a expressão “sociedade civil”, derivada da antiga teoria urtemente Aqueles que confundem o estado de natureza com
política, significava corpo político, e não “sociedade”, enquanto oposti pra de todos contra todos (8 19) e refuta de maneira igualmente
a “estado”. “a tono de que o comando de um governante individual sobre
Os teóricos do direito natural afirmavam que a sociedade civil provi seja preferível ao estado de natureza (8 13). Quanto à legitimi-
nha, em última instância, de dois contratos: um, o pactum societatis, » vutticas de Locke claramente se sobrepõem às semelhanças
“segundo o qual os homens concordavam em se unir, de maneira organi No possam subsistir entre as premissas individualistas que ambos
zada, para preservar sua segurança frente a lutas mutuamente destrutivas, Wluros partilham com relação à sociedade e ao contrato social.
e o outro um pactum subjectionis, mediante o qual os homens concoi ultimo lugar, mas não menos importante, O espírito das leis
davam em entregar o poder a um soberano (esta teoria dos dois contratos quieu (1748), também muito crítico do governo absolutista,
sociais atingiu sua formulação paradigmática à Iragmentação da soberania através da “distribuição de
go
no De jure naturae de
Pufendorf, Livro VIII, Cap. 2). (Livro XD). :
Já Hobbes tinha uma visão sombria, segundo a qual o “homem à Hobbes, Rousseau acentua o caráter absoluto da soberania.
era o lobo do homem”, e a própria natureza humana alimentava a à Ho que tange à lógica da argumentação contratualista, revela-se
“guerra de todos contra todos”, a não ser que um poder absoluto impu à rtadoxo de Hobbes. Refuta inteiramente a teoria do duplo
sesse a ordem. O medo desse poder é que eliminaria o terror recíproco + aveitando apenas o pacto da sociedade. No entanto, concebe
causado por aquilo que, de outra forma, se transformaria numa violência WHO pacto em termos muitos diferentes daqueles do filósofo inglês.
mútua interminável. Tal concepção o levou a imaginar um poder soberano qto Hobbes fala em um “pacto de todo homem com todo homem”
inteiramente irrestrito. Em compensação, esta mesma concepção o levou | Cap. 17), Rousseau cria o contrato entre “les particuliers
a renunciar radicalmente à teoria do duplo contrato social. Como asseve- publico”, (Contrato social, Livro I, Cap. 7). Conseguentemente,
rava Otto von Gierke, grande historiador alemão do século XIX, dedi auidade ressurge no nível da soberania: o corpo político torna-se
cado à história do direito, “Hobbes colocou, no lugar dos dois contratos pelebrante do contrato.
originais, um único contrato, segundo o qual cada parte se comprometia M , se, por um lado, é isso o que ocorre, retorna também 0 grande
diante da outra a submeter-se a um Soberano comum a ambas, o qual, N
ja esgotado pela lógica de Hobbes: em caso de conflito entre
por sua vez, não participava da celebração do contrato”.? Por conseguinte E O público, quem funcionará como juiz? A resposta de Rous-
uma relação de contrato entre governante e povo torna-se inconcebível, |E uma obra-prima de retórica democrática. Para ele, a soberania
pois segundo o raciocínio de Hobbes, quem haveria de ser o árbitro, lou não poderá jamais prejudicar seus próprios membros, o que
se houvesse um desentendimento entre eles? Portanto, o pacto que lança valeria a prejudicar-se a si mesma. A vontade soberana é, por sua
os fundamentos da sociedade civil não é, de forma alguma, um contrato Wa natureza, universal e inspirada na igualdade, de forma que,
entre governados e governantes. É verdade que os cidadãos se compro- , judicasse a um dos cidadãos, também prejudicaria aos outros,
metem com o soberano, tanto quanto entre si; mas, enquanto a obrigação ptanto, a si mesma. sé
que têm uns com os outros é recíproca, seu comprometimento com — Temos de explicar melhor essa relação aparentemente intrigante
o soberano é estritamente unilateral: os governantes não sofrem nenhuma pe 4 soberania e o indivíduo no Contrato social. Por enquanto, va-
restrição. apenas proceder a uma comparação rápida com os outros dois
Reagindo contra isso, o Segundo tratado do governo civil, de Locke 4 filósofos políticos, Locke e Montesquieu. Rousseau concorda

26 2)
com Locke (opondo-se Hobbes) em colocar a sede da soberania nas “Moeurs” e crenças — não as normas coercitivas — são a Grund-
mãos do povo, e não nas do governante, transformando, dessa forma, uotudinária da sociedade, gravada “não em mármore nem
súditos submissos em cidadãos livres. Mas amplia a concepção de Locke eta, mas nos corações dos cidadãos”, e que inscreve, deste modo,
quanto à soberania popular, aumentando sua base social. Os cidadãos ladeira constituição do estado”.
que mantêm a vontade geral no Contrato social correspondem a toda Bias Housseau se opõe a uma das teorias preferidas de Montesquieu
a população emancipada de um país, não apenas a democracia de propric- Momirina da divisão ou separação dos poderes — com base no
tários prefigurada por Locke. O fundamento lógico para esta extensão Ho paviocínio: como a soberania legítima se baseia na vontade
consiste na convicção de Rousseau de que a liberdade pressupõe igual- ala precisa ser indivisível; pois é inconcebível uma vontade divisí-
dade. Segundo ele, a liberdade e a igualdade são os maiores entre todos
ae1 verdadeiramente soberana (conforme convém à sua natureza
os bens, e por isso deviam constituir o objetivo final de todo sistema ; ), à autoridade precisa permanecer indivisa (Contrato social,
de legislação; a liberdade e a igualdade, porque a primeira não pode
H Cap. 2). No Manuscrito de Genebra, Rousseau censura Montes-
subsistir sem esta última (Livro II, Cap. 11). tentar “executivo” e “legislativo” como substantivos, em vez
Para sublinhar o quanto a igualdade é inerente à vontade geral, rã modalidades adjetivas da única autoridade — a sobe-
Rousseau estabelece uma diferença entre a vontade verdadeiramente nr,
gerale a simples vontade de todos. Segundo Sir Ernest Barker, na introdu- vie
lo à isto, os liberais do século XIX, como Benjamin Constant,
ção à sua edição do Contrato social, essa diferença remonta aos juristas o, COM razão, que a idéia que Rousseau fazia de soberania
romanos e canônicos, que costumavam discernir entre omnes ut singuli a, no fundo, estruturalmente afim à de Hobbes, sendo o “úni-
e omnes ut universi. A vontade de todos é a simples maximização numé- distintivo o fato de que o Leviatã atribui o poder indiviso
rica das vontades individuais convergentes, independentemente de sua t+
4 soberano, enquanto, no Contrato social, o poder incumbe
q
relação com o interesse genuinamente comum e universal dos associados. tamo coletivo”, ou seja, ao povo.
Acontece que o espírito da vontade geral é a justiça no contexto da t Éonirato social retrata essencialmente aquilo que o Discurso sobre
liberdade, não “o governo de maioria” eticamente neutro, proposto maldade denominava “a instituição legítima”, ou seja, o vínculo
por Locke; ao ver de Rousseau, a liberdade que não seja democrática ado na liberdade e na igualdade. Nesta qualidade desenvol-
não é liberdade. o já vimos, sob a forma de tratado sobre os fundamentos
Locke, em última instância, interessava-se pela proteção de alguns ,
justo, vale lembrar, neste ponto, que, para Rousseau, como
direitos naturais dentro de um arcabouço constitucional, ao passo que
Pisamento clássico de Maquiavel e Hobbes, a palavra “fundamen-
Rousseau, que pouco ligava para disposições constitucionais, considerava 4 Rr, corresponde ao ato político por excelência. Ao usar
a soberania popular como afirmativa de um conceito muito mais exigente,
via imatituição”, também no singular, Rousseau faz reverberar
na verdade quase absolutista, de liberdade. Locke era um liberal mode-
HH latino deste conceito. A questão do fundamento foi, na verdade,
rado; Rousseau, um pregador radical da liberdade igualitária. Significati-
da teoria política desde Platão até Rousseau, simplesmente
vamente, Locke, bastante mencionado no Discurso sobre a desigualdade,
sequer é citado no Contrato social.
alizava a legitimidade in statu nascendi. A diferença consistia
+ Peirospectiva ou prospectiva assumida por esta venerável abor-
Rousseau também revezou aprovação e rejeição no caso de Montes- “ponética” da legitimidade: enquanto o pensamento político ro-
quieu. Já constatamos sua disposição de imprimir um viés radical ao na acalentar a idéia de que o fundamento era algo basicamente
amor da virtude republicana, preconizado por Montesquieu. Valorizou tdo no passado, e, portanto, incrustado na autoridade do mos
também a inclinação deste último pela “geografia social”, conforme Deum do costume ancestral, Maquiavel, Hobbes e Rousseau ansiavam
se verifica no Livro III, Capítulo 8 do Contrato social (“que toute forme nilamento da legitimidade como algo ainda a ser alcançado.
de gouvernement n'est pas propre à tout pays”). Além disso, na sua
entanto, a tradição “fundamentista” no pensamento político
própria classificação das leis — política, civil, criminal e o costume (mo-
res) baseado na “opinião” (Livro II, Cap. 12), Rousseau, evocando Mata demais para poder fornecer um substrato intelectual signifi-
po ao Comirato social. Em suma, o topos do fundamento não era
inequivocamente a noção de um “espírito” das leis, enfatizava que os
“ponético” — era também genérico demais, pouco importando
mores e a opinião devem preponderar entre as quatro classes de normas
idade, Para estabelecer o vínculo entre o tratado político
28 29
de Rousseau e seu contexto mais específico, é necessário que recorramos fação. Argumenta que, ao igualar a justiça à vontade geral,
a uma tradição mais consistente, a uma verdadeira “escola de pensa- Ho de certa forma, afasta-se de Locke e retorna a Hobbes. Locke
mento”: a teoria do direito natural. Já deparamos com essa teoria política va que o instinto natural de autopreservação, fundamento último
quando comentamos ligeiramente a relação entre Rousseau e Hobbes, ponceito de liberdade como direito e como fonte da soberania
mas é importante considerar também seu lado ético propriamente dito. , antecedia a constituição da vida social, enquanto Hobbes, por .
Hi
A teoria do direito natural, ou jusnaturalismo, baseou-se, desde Hivar seu princípio de legitimidade do pacto social, não reconhece
os sofistas, na crença de que a natureza fornece um padrão moral que pa fonte de legitimidade externa ou superior à sociedade. Segundo
permite avaliar o grau de correção da lei convencional, principalmente bediência, o temor que liberta do temor (da destruição mútua
a partir do pressuposto de que os homens são naturalmente iguais, confor- edi natural de todos contra todos), constitui-se, da maneira mais
me enuncia Hípias no Protágoras, de Platão (337). De Grotius a Locke, pemsivel, num produto da vida em sociedade, por derivar do
a lei natural assomou com grandes proporções na teoria política contra- aostal, Ora, tal como a obediência temerosa, a vontade geral
tualista, para a qual Rousseau contribuiu tão fundamentalmente. pao também provém do estabelecimento da vida social, pois
A natureza exata do posicionamento de Rousseau face à lei natural Bu
do poral não preexiste de nenhuma forma ao contrato social,
é tema bastante discutido. Alguns estudiosos destacados chegam a afir tania, aliás, constitui.
mar sem hesitação que Rousseau simplesmente “rompeu” com o jusnatu maneira, tanto o advogado da monarquia absoluta quanto o
ralismo. O professor Alexandre Passerin d'Entréves, cuja eminência ' declarado da soberania monárquica unem-se para reduzir a lei
entre os especialistas deste século em história da lei natural só se compara ta 4 um nome. Tanto o direito natural de Hobbes como
à de H. Rommen e Leo Strauss, assume exatamente esta posição, que Wo au são, para Strauss, determinados pela Aistória (daí a antí-
confirma as expressas avaliações de rousseaulogistas pioneiros (como H no título de seu livro) e não por uma natureza divina,
C.E. Vaughan), para quem era absolutamente claro que Rousseau rejei HF lêem do mais, esta lei natural “moderna” incorpora a vitória
tava, in toto, O jusnaturalismo. princípio sobre a de finalidade. Enquanto o jusnaturalismo
Mas será realmente possível afirmar isso? Aqueles que pensam deste Easiovinava em termos de fins transcendentes, o direito natural
modo atribuem geralmente grande importância ao fato de que Rousseau Ho, em Hobbes como em Rousseau, abdicou do sentido de trans-
desafiou uma idéia comum ao pensamento jusnaturalista de sua época: da é passou a lidar com uma visão estritamente imanente da
a de que o homem fosse capaz de descobrir os princípios do direito WulutosA — imanente à sociedade, é bom frisar. De Hobbes em
natural simplesmente pelo uso da razão, tanto na vida civilizada quanto om fins da sociedade deixam de ser externos ou superiores a
na vida selvagem. De fato, já no primeiro esboço do Contrato social au chegou a promover essa revolução na filosofia moral ao
insinua-se flagrante negação desse acesso “natural” e direto à lei moral E justiça e vontade coletiva.
da natureza. Questionando os artigos preparados por Diderot sobre e aeliante como esse hino straussiano em louvor da lei natural
este assunto para a Encyclopédie, Rousseau observa que a razão natural, + presumidamente destruída pela filosofia política moderna,
por si só, não é suficiente para descobrir a lei natural; uma formulação pmnar algumas interpretações contemporâneas da teoria polí-
adequada dos princípios de justiça e de equidade depende de contin soa, Seja como for, a interpretação literal dos seus escritos
gências da vida social e de um mínimo de familiaridade com a lei positiva, mmito entreter a dúvida de que, por mais revolucionárias
com a ordem jurídica de uma determinada sociedade. “Só começamos aum concepções, ele jamais pretendeu simplesmente descar-
realmente a nos tornar homens depois de nos tornarmos cidadãos” (Livro judo jusnaturalista. Pelo contrário, no Manuscrito de Genebra
I, Cap. 2). Papremamente que a “maior vantagem” do conceito de contrato
Leo Strauss se aproveitou habilmente dessa tendância de Rousseau Po vontade peral reside na sua capacidade de exibir “os verda-
para traçar engenhoso paralelo entre este e Hobbes. Na sua influente mlumentos” da justiça e da lei natural (Livro II, Cap. 4). A
obra Direito natural e história (Cap. V), Strauss insiste em que esqueça dação de Rousseau procede desta forma: a vontade geral, insti-
mos, por um momento, a diferença óbvia entre aqueles dois pensadores, d estado justo, liberta os homens da guerra de todos contra
no que tange a suas perspectivas políticas e sociais, e voltemos nossas da vos libertados, os homens são levados, “por força da natureza,
atenções para uma afinidade básica na formulação lógica de suas teorias mos é da razão”, a tratar outros homens como seus próprios

30 Bj
concidadãos, e “de uma tal disposição traduzida em ação” originam ne sumo famoaas palavras acerca da necessidade de que o legislador
as regras da “lei natural baseada na razão”, em contrapartida à “oi a natureza humana” e reforme o indivíduo para fazer dele
natural propriamente dita”, que decorre de um sentimento genuíno, virtuoso, cuja virtude seja inseparável da sociabilidade políti-
porém “muito vago”, frequentemente sufocado pela auto-estima. “amtimaturalO (Livro II, Cap. 8). Mas a verdade é que, mesmo
A diferença entre concepção instintiva e concepção racional da lci tudo ento “platônico” ardor reformista, jamais esquece o
natural foi sempre tradicionalmente reconhecida. Os teóricos do dircito Mhencia à natureza. Ao mesmo tempo em que exige a “aniqui-
estavam, há muito, habituados a distinguir entre a apreensão da lci “lorças naturais” e sua substituição pela moralidade sociali-
da natureza secundum motus sensualitatis (o vago “sentimento” de Rous pm cidadão, esforça-se por acrescentar que a constituição huma-
seau) e a inteligêncica da lei natural (secundum motus rationis). Essu ser modificada apenas no sentido que a reforce. Se, por um
distinção já se encontra debatida num dos primeiros tratados modernos primeiro esboço do Contrato social fala da necessidade de “muti-
sobre a lei natural, o de Pufendorf (que era favorável à vertente “racio perto modo a constituição do homem, de forma a que esta
nal”), e, como tal, reponta tanto no prefácio do Discurso sobre a desigual a ses fortalecida, à versão final do tratado prefere o termo “alterar”
dade quanto no Manuscrito de Genebra. Ao comentar este background BH aiireção bastante reveladora, num livro que o próprio Rous-
técnico, Derathé, em nota explicativa ao Manuscrito de Genebra (edição beu com “apêndice” do Emile.
Pléiade das obras políticas de Rousseau), alerta que o caráter tão tradi apura voltarmos aos verbetes sobre direito natural da Encyclo-
cional deste conceito racionalista, isto é, acolhido pela sociedade, do = promos que, a não ser pela ênfase no direito natural racional,
direito natural, descarta qualquer possibilidade de encarar Rousseau H parece basicamente concordar com Diderot quanto ao conteú-
como inimigo do jusnaturalismo. Rousseau censurava Grotius, Pufendor! E mutural, Por sinal, foi Diderot, nestes textos, o primeiro a
e, acima de todos, Locke, por atribuírem a moralidade articulada da da foemula de Montesquieu, da “volonté générale”. Define também
lei natural racional à mente humana ainda em estado de natureza, impu: mm do poral de duas maneiras. Uma, mais próxima do jusnaturalismo
tando assim à natureza aquilo que só poderia ser alcançado através tonal, equipara a volonté générale ao senso de justiça que se mani-
da vida social; nada opunha, entretanto, ao princípio que postulasse na forma de lei não-escrita prevalecente em todos os países, civili-
a existência de uma lei natural. mu não, presente até mesmo na indignação instintiva de um animal
Para Rousseau, o direito político, deliberadamente criado por atos Huho Mus a segunda definição da vontade geral é puro Rousseau ante
de vontade, difere profundamente do “sentido primitivo” do direito. “denomina-se vontade geral ao “puro ato de compreensão” que
No entanto, ambos refletem a lei natural, pois nenhum deles pretende io ppo “em meio ao silêncio das paixões”, e a partir do qual todo
a violação da essência da natureza humana. Na opinião de Rousseau, mem pode fazer exigências legítimas a seu igual, e vice-versa. Coube
nenhum direito jamais poderia, ao mesmo tempo, ser legítimo e contrário WuMae AU maximizar este segundo significado, representando a vontade
à humanidade, pouco importando que a natureza humana seja eventual- | concebida desta maneira como norma suprema do pacto social,
mente reprimida por formas sociais maléficas. A legitimidade (em acordo alora de um “corpo moral e coletivo” (Contrato social, Livro I,
perfeito com o pensamento de seu século) emana, em última instância, " E o).

da natureza. Que a norma espelhe a natureza: este é o lema que melhor Podemos agora sintetizar a posição geral de Rousseau com respeito
expressa a idéia setecentista da legalidade. Inspira a concepção social j fenria da lei natural. E possível, resumidamente, dizer três coisas.
de Diderot e a de Rousseau; impulsiona a apaixonada rebeldia deste Fm primeiro lugar, Rousseau reconhece mesmo a autoridade da lei
último contra o despotismo, “esclarecido” ou não, uma vez que o despo- | natureza, Quando, em 1758, alguns advogados fizeram objeções à
tismo, negando a liberdade, visa estabelecer o direito sem derivá-lo da = ma Curia a d'Alembert, com base no fato de que ele teria admitido
natureza (livre) do homem. O Contrato social, neste sentido, encaixa-se . 4 autoridade superior ao soberano, Rousseau redargiúiu que ele de
perfeitamente com Emile, a obra teórica mais elaborada de Rousseau du reconhecia a existência de três autoridades superiores: a de Deus,
— livro que precisa ser lido como paradigma do princípio estóico de da honra e a “da lei natural originária da constituição do homem”.
que o homem deve viver de acordo com a natureza. segundo lugar, afastando-se do ponto de vista do jusnaturalismo
Não resta dúvida de que, em seu radical furor reformatório, Rous- valente, acentua o papel da consciência e da evolução social do desen-
seau parece às vezes um tanto duro com a natureza humana, como + valvimento de concepções morais, assim divergindo daqueles que, como

32 aa
Locke, intelectualisticamente superestimavam a capacidade racional do PHativa auto-inserção de Rousseau na filosofia política moderna
homem natural e subestimavam o papel da sociedade na formação di ta definitivamente uma ruptura com o princípio da lei natu-
consciência moral (para que não soe extravagante atribuir a Lockc, trário, corresponde à dinamização decisiva deste princípio.
o epistemólogo empirista, essa mácula de intelectualismo, recordemos duty esta postulação com mais clareza a partir da contextua-
que sua obra-prima sobre a teoria do conhecimento, o Ensaio sobre Homsenu nos três principais estágios da teoria política da
a compreensão humana, exclui efetivamente [Livro I, Cap. 2, 8 13] - Mo primeiro estágio, que culmina na obra de Grotius, a
a apreensão intelectual da lei natural da crítica geral ao inatismo). Po! Eanbre a lei antes que sobre o direito, e sobre a sociedade
fim, Rousseau ressalta um elemento há muito negligenciado na filosofia sobre o indivíduo. No segundo estágio, graças principalmente
da lei natural — o elemento da liberdade.* Do 4 ênfase passa a recair no indivíduo, mas não no direito,
De fato, o reconhecimento da força legitimadora da liberdade já dom Locke e Rousseau, tanto o direito quanto o individualismo
recebera grande impulso por parte de Locke. De maneira tão categórica m. À principal diferença entre os dois filósofos consiste na
quanto Rousseau, Locke protestava contra Grotius e Pufendorf, po! totalmente social que a natureza da lei natural, e o acesso
argumentarem que o contrato social poderia permitir que os homens pum na abordagem superiormente crítica e exigente de Rous-
se escravizassem a fortiori para se submeterem a um domínio absoluto
Além do mais, foi Locke quem voltou a definir “consentimento” em
termos estritamente individualistas, e o individualismo vem-.a ser também
o fundamento do conceito rousseauniano de liberdade. Antes de Locke,
o consentimento como princípio do direito natural não correspondia
mais que a um ato coletivo da comunidade; com Locke torna-se, antes
de mais nada, um ato individual baseado no inalienável “direito natural”
à liberdade. Entretanto a contribuição de Rousseau não foi de meno!
porte. Acrescentou um toque radical ao individualismo da liberdade,
mesclando-o com a exaltada reivindicação da igualdade, como condição
da auto-suficiência; deste modo, acabou conferindo um glamour político
especial àquilo que, a nosso ver, constitui uma das mais antigas idéias
jusnaturalistas: a crença na igualdade natural entre os homens.
Parece lógico concluir ressaltando a importância tanto da prescr
vação da teoria da lei natural por Rousseau, quanto da inovação po!
este introduzida. Sobre ressocializar enfaticamente o sentido natural
do direito, e, mais, conferir novo brilho a suas implicações igualitárias
primitivas, Rousseau acrescenta nova dimensão analítica pelo vigor de
sua interpretação libertária da lei natural. Em última análise, a liberdade,
para ele, era o princípio supremo da legitimidade, a ponto de sobrepor-se
à própria vontade geral. “Mas, tendo em vista essa condição da liberda
de... nem todos os tipos de compromisso serão válidos, mesmo perantc
os tribunais humanos”, reza a sexta das Cartas da montanha. A lei
natural, sob a forma de liberdade, é exatamente o que estabelece os
limites da soberania da vontade geral.? Mas é isso também que mantém
o acordo fundamental entre o ousado âmbito democrático da vontade
geral e o impulso fundamentalmente emancipatório do apelo à natureza
que marcou o século. Penso ser este o núcleo do fundamento teórico
do Contrato social.

34 35
“Equívocos Conflitantes e
ições Unilaterais

jo Rousseau” conforme a denominação de Cassirer, talvez


Hd unso mais notável de persistente equívoco interpretativo da
| grande autor moderno. Nem mesmo Nietzsche terá sido tão
é sacrificado, porque pelo menos no caso dele é possível
a justificativa no estado de muitos de seus textos funda-
do a circunstâncias biográficas bem conhecidas, o que facili-
ierpretação errônea. Além do mais, neste caso a maior parte
ptos equivocados não procedia com espírito destrutivo; no
Wmmeau, cujos escritos em geral chegaram até nós na forma
dida, constata-se ao mesmo tempo incompreensão e repú-
WNveção de breve período no classicismo alemão, durante
ant, Schiller e Hólderlin prodigalizaram-lhe elogios, enguan-
+ ntava a seu respeito sentimentos ambíguos, Rousseau
é nverbamente condenado por seus pares intelectuais, cujas
ques variaram desde as afirmativas depreciativas dos philoso-
lém de Marx e os frenéticos impropérios de Nietzsche.
em dia, quando o tom dominante da interpretação crítica
lo, COMO anteriormente, de rejeição, pode-se imaginar o quanto
do afinal obtida não terá custado em mutilação e domesticação
4a intelectual e das implicações práticas do seu pensamen-

antocipemos, porém, a revisão. O primeiro estágio na longa


ad ape tação equívoca de Rousseau corresponde à repro-
pasa, Para resumir, foi esta a avaliação da parte de reacionários

mm, antes de mais nada, o pai do anarquismo romântico,


irresponsável afrouxamento da disciplina social. O próprio
conservadorismo, Burke, inicia seu ataque pela condenação

S7
de Rousseau, muito embora eventual- grafias, dos estudos de Henri Sée, E. H. Wright e Albert Schintz, na
do abominável individualismo
década de 20, aos ensaios de Ernst Cassirer nas décadas de 30 é 40,
mente o acusasse também de promover um excessivo coletivismo. Essa
de Bertrand de Jouvenel e Robert Derathé, no imediato pós-guerra,
linha de ataque foi retomada ao final do século XIX por Maurice Barrés,
às leituras “existencialistas” de Burgelin e Starobinski na década de 50,
o esteta convertido em ideólogo da direita antidreyfusista, e ressuscitou,
para restabelecer a convicção da unidade do pensamento de Rousseau.“
no início do século XX, graças ao conservadorismo de Irving Babbitt.
Afinal, obtivemos um quadro muito mais equilibrado, que, aliás, liqui-
Na sua obra Rousseau e o romantismo (1919), Babbitt arrasava nosso
dou, esperamos que de uma vez por todas, com o estilo mais acalorado
pensador, baseado no argumento de que “a fé na bondade natural do
que esclarecedor das afrontas preconceituosas. Mesmo assim, conforme
homem estimula permanentemente a evasão da responsabilidade moral”
como totalmente veremos adiante, algumas das viciosas interpretações antigas ainda sobre-
alegação não só bastante questionável em si mesma,
vivem até mesmo em estudos modernos, basicamente simpáticos a Rous-
disparatada, se aplicada à disposição moral do Contrato social, livro
seau. Portanto, parece bastante recomendável, na busca de uma formu-
todo impregnado da consciência do dever e de um inabalável senso
lação precisa da teoria da legitimidade, recordar as principais críticas
de responsabilidade pessoal.
levantadas contra Rousseau. Começaremos pelas restrições liberais, re-
Curiosamente, outra interpretação errônea projetou uma imagem
centemente reavivadas pela discussão do conceito de democracia tota-
pejorativa exatamente inversa à do Rousseau “anarquista”.! Nesta pers-
litária.
pectiva, Rousseau teria sido o primeiro apologista do cerceamento da
De saída, convém questionar a decantada idolatria do estado no
liberdade, o apóstolo do igualitarismo não-liberal. Tal foi a opinião
Contrato social, alvo principal das críticas liberais a Rousseau. Não se
de Constant, Taine e Maurras; e tal é ainda hoje a opinião do último pode negar nesta obra um laivo de misticismo cívico, uma preocupação
difamador influente de Rousseau, o professor J. L. Talmon, que encara
espartana com a “santidade” da religião civil, acompanhada do elogio
o Contrato social como a origem intelectual do democratismo totalitário.” puritano da censura (Livro IV, Cap. 8). Esta mística cívica se opõe
Assim, o mesmo pensador acusado de abençoar a dissolução moral é ao pensamento de Locke. Para este último, a comunidade política perma-
acusado também de apregoar o despotismo moderno: o iogue convertido necia substancialmente externa aos indivíduos, os quais, diversamente
em comissário; o individualista romântico tornado jacobino coletivista. de Rousseau, Locke não considerava vocacionados para a vida em socie-
A contradição básica entre essas interpretações hostis antagônicas dade. A dedicação ao estado era, portanto, algo que nem passava pela
insinuou-se até mesmo no interior da melhor tradição acadêmica devo-
cabeça deste pensador que, junto a Montesquieu, representa o principal
tada a Rousseau. Assim, Emile Faguet tentava resgatar Jean-Jacques porta-voz do liberalismo moderado, predominante na teoria política até
da acusação de iliberalismo ressaltando seu individualismo, mas admitia
0 advento de Rousseau. A notável discrepância entre este último e
que o Contrato social era exceção a essa regra, e, por consequência,
Os pais do liberalismo torna o desvio de Rousseau rumo ao culto do
uma aberração no conjunto da obra de Rousseau. Por outro lado, o
estado ainda mais penoso para os liberais, e contribuiu bastante para
principal especialista na obra política de Rousseau, C. E. Vaughan, sustentar o perfil de Jean-Jacques como a raiz original do fanatismo
encara o Contrato social como ponto final de uma árdua evolução filosó-
individualismo, sob a influência
jacobino.
fica do individualismo ao coletivismo:
de Locke, presente nos primeiros escritos; coletivismo, inspirado por No entanto, o culto rousseauniano do estado teria parecido muito
Montesquieu, dominando nas últimas obras. menos infortunado se seus críticos tivessem percebido duas coisas. Em
primeiro lugar, sua versão de religião civil não admite nenhuma compa-
Tal evolução não evitou que Vaughan detetasse “elementos rivais” ração com qualquer doutrina política. Para começar, Rousseau explicita-
inconciliáveis na concepção política de Rousseau. Foi ele quem, em mente distingue seus “ditames” de qualquer tipo de crença dogmática.
longa medida, produziu a legitimação acadêmica da máscara de Jano Reconhece, de boa vontade, que falta ao estado o poder de obrigar
de Rousseau, o duvidoso teórico tanto do “individualismo anárquico” O povo a acreditar no que quer que seja e inicia a caracterização da
quanto do governo totalitário. Até 1949, os historiadores do pensamento religião civil assinalando que aos participantes do contrato social como
formados na tradição geisteswissenschaftlich ainda opunham o Jean-Jac- vontade geral. não devem ser cobradas suas opiniões, mas apenas sua
ques “contratualista”, defensor das liberdades individuais, ao Rousseau moralidade e comportamento cívico. O único “dogma negativo” da reli-
“social”, devotado à coesão social.” pião civil é a intolerância — exatamente a marca registrada dos cultos
Foram necessárias três décadas, e meia dúzia de cuidadosas mono-

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religiosos, isto é, ideológicos. O teste da ortodoxia, em termos da relipihi
civil, não deve ser a fé, mas o comportamento; tanto é que dentro de “obrigá-lo a ser livre”?
de seu âmbito, nenhum delinquente será castigado por ser ímpio, mi» We» ponto, deveremos descobrir qual o verdadeiro intento do
apenas por ser insociável. De fato, é absolutamente injusto interpretii pu do Rousseau no Contrato social. Seu sistema político, apresen-
um capítulo devotado expressamente à denúncia da “intolerância teoly le poricamente como um estado ideal, não pode, logicamente,
gica” como argumento em favor da substituição desta pela intolerâncii + em função dos problemas práticos derivados da necessidade
estatal. Hi O universo da liberdade racional às exigências dos direitos
Significativamente, na única defesa da censura elaborada por Ros - Na paisagem elísia da virtude republicana ideal, o paradoxo
seau, a Carta a d'Alembert (1758), visando a proteção da pureza dos cost lo obrigatória faz perfeito sentido. As mais altas aspirações
mes das cidades pequenas contra os males morais presumivelmente reln HH, orientadas por sua incorrupta voz interior, não podem afas-
cionados ao cosmopolitismo, converte-se em ciumenta defesa da indivi hem comum, sob pena de autonegação. Se o fizerem, jamais
dualidade (supostamente ameaçada pela busca do status cosmopolit; mm função da liberdade, mas sim como decorrência da escravidão
não se advogando qualquer sistema de crença estabelecida pelo estado pu «las paixões mais sórdidas. Kant, que considerava Rousseau
A freguentação do teatro é repelida porque, ao estimular a difuso “Newton do mundo moral”, distingue com o mesmo cuidado
das maneiras afetadas de comportamento, degrada a autonomia do ci, me talidade pessoal e caprichos individualísticos. A essência do
e não, como em Platão, porque as paixões despertadas no palco solapctr tivo entogórico traduz muito bem o conceito de liberdade como
a moralidade oficial.” Não percamos de vista o Rousseau pré-romântico iota A lei que prescrevemos para nós mesmos” (Contrato social,
valorizando excessivamente sua idealização “espartana”; nenhum Catão B),
autêntico se preocuparia tanto com a individualidade. nto. para sermos inteiramente justos, devemos reconhecer
Ho aque os críticos liberais, suspeitos da política da vontade geral,
Por outro lado, o próprio fato de sonhar com tanta frequência,
mesmo anacronicamente, com as repúblicas antigas, destitui o amo! Wlom ser aplacados meramente pela afirmativa de que Rousseau
rousseauniano do estado de qualquer aura totalitária. O totalitarismo alistracto, para uma sociedade que não existe de fato. Afinal,
é inconcebível fora do espaço social da burocracia e da sociedade dv jo modelos políticos confessadamente ideais devem guardar
“massas” — entretanto o homem que usou a palavra “estado” comi 4 de semelhança com o mundo real dos homens; e neste universo
o sentido de civitas não pensava em sacralizar moloques burocráticos Pol, a tdéia filosófica da liberdade obrigatória se revela uma verda-
audentura do círculo. Além do mais, o objetivo fundamental do
Se sua nostalgia da antiguidade não o ajudava a aguçar a percepção
do mecanismo político real da sua época, com certeza pelo menos à insinua à interpretação de que o modelo proposto seja inteira-
isentava de qualquer pecado assemelhado ao culto hegeliano do estado y livável, Rousseau chega mesmo a entregar-se a projetos insti-
O verdadeiro problema está em outra parte. Ao tornar o estado
ho Livro IV) que ultrapassam o mero esboço de princípios
em Em suma parece, pois, seguro insistir em que, enquanto o
uma individualidade todo-poderosa, governada pela razão natural cx
pressa através da voz livre da cidadania, Rousseau por certo não tinha
Wo aorta! põe demasiada ênfase na liberdade por meio da sociedade,
p outro lado de levar em consideração a outra face da liberdade,
na idéia nada que fosse remotamente profético, ou, pior ainda, inclinado
em relação à sociedade.
à gênese de uma superpersonalidade totalitária, como o partido “revolu Má |, Rousseau, o paladino da liberdade, da fraternidade e da
-cionário” na Oceania de 1984, de Orwell. Entretanto não foi Rousseau
quem concebeu a liberdade sob o regime de vontade geral como um nenba passando, na melhor das hipóteses, como um liberticida
mail Mas os críticos liberais não se detêm neste ponto. Tentam
estranho pacto muitas vezes bem desconfortável para o indivíduo? Não
foi ele quem chegou a dizer que, enquanto os cidadãos-súditos podiam que, por causa da tensa experiência emocional de Rousseau,
muito bem discordar da vontade geral, esta última, na qualidade de mento acaba por sufocar a liberdade sob o pretexto de promo-
soberana, “é sempre aquilo que deve ser”? (Contrato social Livro |, À apreensão dos liberais diante da tendência “totalitária” inerente
Cap. 7). E não foi ele quem acrescentou além disso pavoroso adendo 4 de Rousseau fez proliferar uma quantidade de explicações
Aploas “vompreensivas” e condescendentes.
— que sempre que o homem dissentir do cidadão e, movido por “inte
resses particulares”, desobedecer à vontade geral, o corpo político tem mi Inoques Rousseau foi um homem subjugado por violentas con-
+ É apóstolo da heróica unidade cívica era também o arquétipo
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do solitário, o mestre da autocompaixão, que se tornou o maior autobió- dições políticas motivadas por, ou compensadoras de, um desequilíbrio
grafo de sua época (cada vez mais se reconhece que o reverso perfeito psicológico, apontando sérias deficiências nas concepções sociais de
do racionalismo esclarecido é a “era da sensibilidade” [pré-romântica], Rousseau. Basta que se tenha a capacidade de penetrar ou de ultrapassar
da qual Rousseau foi o mais fecundo exemplo individual). O estóico a imagem “progressista” de Rousseau, o profeta da revolução.
espartano que escreveu o Contrato social também deliciou o mundo O fato de que Marat e Robespierre tenham professado seu rous-
com La Nouvelle Héloise, romance profundamente sentimental (que scauísmo, considerado conjuntamente com o destino do mito da vontade
Hume considerava a obra-prima de Rousseau), e com o não menos geral na história do mundo, da Revolução Francesa até as revoluções
emocional Emile, onde todo o trabalho de educação consiste em afastar nacionais contemporâneas do Terceiro Mundo, sugerem-nos uma repre-
o caráter da má influência do estado ou da sociedade. Hegel reprovou-o sentação de Rousseau como o teórico que, sonhando com a pólis antiga,
por se comprazer no narcisismo da schône Seele “que só se ocupa de ao mesmo tempo em que refletia sobre sua Genebra natal, chegou a
sua própria transparência, e, afinal, de seu próprio vazio”. esboçar os contornos do democratismo radical. O homem que repudiou
É bem verdade que nem todos concordaram com a interpretação terminantemente a marcha da civilização teria sido também o profeta
de que a celebração do estado no Contrato social e as tendências anti-so- da organização política moderna. “No que concerne à teoria política
ciais no Emile sejam tendências absolutamente antitéticas, representando em sentido restrito”, escreve o brilhante teórico ex-marxista Lucio Col-
impulsos contraditórios do pensamento de Rousseau. Já se argumentou, letti, “Marx e Lenin nada acrescentaram às idéias de Rousseau, a não
de forma perspicaz, que as diferentes avaliações do papel da sociedade ser pela análise da “base econômica” do desaparecimento do estado”.”.
nestes dois livros provém de diferenças básicas relativas ao tipo de am- No entanto, é o caso de perguntar-se se não seria substancialmente
biente social com que elas lidam. Assim, no Emile prevalece a grande enganoso apresentar nosso filósofo como um arauto da modernidade.
e corrupta sociedade moderna, da qual, a qualquer custo, deve-se arran- Por um lado, parece inegável sua miopia sociológica. Fosse ele ou não,
car o indivíduo. Em contrapartida, o estado de pequenas dimensões segundo pensava Marx, o “porta-voz da pequeno-burguesia ameaçada”,
ainda preservado das perversões da civilização, que constitui o espaço subsiste o fato de que Rousseau aparentemente não tenha apreendido
social do Contrato social, é a própria sociedade que pode salvar-se. de forma significativa o fundamento da evolução social no limiar da
Daí a ótica individualista do tratado pedagógico de Rousseau, contras- idade industrial.
tando com a ênfase social de seu sistema político. Nas sociedades degene- Além disso, devido à sua, aliás louvável, alergia a qualquer forma
radas, além de qualquer possibilidade de recuperação, a educação tem de dependência, chegou a confundir a desigualdade nas trocas com a
de fazer pelos indivíduos aquilo que, nas sociedades sadias, a política-en- própria realidade da divisão do trabalho, deste modo transformando
quanto-moralidade pode fazer pela comunidade inteira.“ sua crítica social em denúncia utópica da sociedade em geral.º Tal propo-
Engenhoso, mas não de todo convincente. Nas próprias palavras sição combinava-se com uma visão irremediavelmente antiquada da eco-
de Rousseau, a distância entre o ideal individualista e o “republicano” nomia. Considerava a economia tão estática que estava convencido de
é anterior a qualquer estágio de patologia social. E um abismo intranspo- a a riqueza de um homem provinha diretamente do empobrecimento
nível, um cisma inscrito na natureza mesma do homem, pouco impor- de outro.? Os estados que ele idealizou (especialmente na terceira parte
tando qual seja seu cenário social. E preciso optar entre preparar o de seu artigo sobre economia política, escrito para a Encyclopédie) espe-
homem e construir o cidadão (Emile, livro 1). “Entregue-se o homem lham esse imobilismo social; são pequenas Arcádias agrícolas, rústicos
inteiramente ao estado, ou deixe-se-o inteiramente entregue a simesmo”, miniestados baseados na propriedade privada em pequena escala. Nem
reza um dos fragmentos políticos de Rousseau, “mas não é possível de longe o mundo no qual ele próprio vivia, e ainda menos o mundo
dividir seu coração, sem partillo em dois”. Não será o caso de supor (ue o sucederia.
que esta mesma divisão insuperável exista também no Contrato social, Com a emissão deste juízo sobre a miopia sociológica de Rousseau,
na forma de um tenso conflito entre tendências liberais, e até mesmo ba críticos liberais encerram seu argumento. Proclama-se que como filóso-
libertárias, e uma espécie de despotismo embutido, tirania suprema da lo político, Rousseau seria, na melhor das hipóteses, um ingênuo; e,
vontade geral? Não admira que a política de Rousseau tenha sido criti- lia pior delas, um totalitário. Em qualquer instância, ressalta-se sua
cada de maneira tão contraditória quanto o foi. fogueira para a modernidade. Os amigos da liberdade têm, portanto,
Pior ainda: pode-se facilmente completar o quadro destas contra- todas as razões do mundo para manter este visionário a uma distância

42 43
“segura. O pobre Jean-Jacques não seria, afinal de contas, como tantos o o fim da história, acaba servindo como sublime moti-
philosophes, um crítico social perspicaz; antes, seria um desorientad primo as liberdades concretas...!2
profeta social. Acima de tudo, o portador altamente sintomático dl: daReolphilosophie de Jena, Hegel foi o primeiro a descre-
uma típica doença social: desajuste psicológico tisnado de utopismo toti Wiação autoritária da idéia da liberdade radical. Seus
litário paranóico — um triste caso “de personalidade autoritária”. 1 “despotismo da liberdade”, que virtualmente con-
Talvez fosse possível enfatizar mais o aspecto histórico da questiu funitemporânea da democracia totalitária, constituem
e ver em Rousseau, como fez Nietzsche, o primeiro retumbante exempli Who dorsal da crítica à liberdade absoluta expressa na
do ressentimento moderno. Não seria muito difícil “sociologizar tul E do capítulo sobre o Geist na Fenomenologia do espírito.
percepção (contanto que não percamos de vista, como sabia o própriv ando Hegel, a vontade de alcançar a liberdade absoluta,
Nietzsche, que o ressentimento pode ser muito criativo). Pois a vidi do obter qualquer realização positiva, volta-se inevita-
de Rousseau, vítima profissional tanto quanto real, encontra-se profi au destruição, Oriunda de uma paixão ardente pela liber-
damente emaranhada na doença do déplacé — e isso, na própria cia Montado de liberdade acaba por eliminar todas as institui-
da sociabilidade! Considerados todos estes pontos, parece que Harold Movinis cxistentes, até que nada mais reste a não ser a
Laski acerta em cheio ao traçar seu perfil: “(Rousseau) encarnava toda 4 vontade universal e os indivíduos dissidentes. Além
a insatisfação e o descontentamento de sua época. Ensinou os home Poa, à idéia abstrata da liberdade absoluta com vontade
a enxergarem seus próprioserros com uma intensidade inusitada.” Quan Pinda necessidade incorporada por algum grupo particular,
to ao pensador, “sua genialidade não estava tanto em determinar u H em nome de todos, suprimindo sem dó nem piedade
que os homens deviam pensar em matéria de constituição social, mil é declarando-os arbitrariamente inimigos egoístas do
em provocar-lhes as mentes de modo tão profundo que resultasscni do a ditadura jacobina como aplicação histórica da
novas bases para sua reflexão”.!! E ea. Hegel explica seu duplo processo de compulsória
Um pouco mais adiante discorreremos sobre essas explicações «ul “mstitucional e simultânea usurpação política a partir
hominem que os críticos liberais tecem sobre Rousseau. Antes, porcil depundo a qual a liberdade absoluta engendra o terror,
devemos analisar as bases de sua argumentação. Todas as afirmativin 8 Hinnisforma em seu verdadeiro oposto. Neste sentido,
com relação às supostas raízes totalitárias da teoria política do Contras Wa dor, disparadamente, o maior dos críticos de Rousseau,
social são redutíveis a duas alegações comprobatórias: uma bastante My drttica abrange tanto a vertente conservadora (a denún-
circunstancial, a outra direta. A prova circunstancial baseia-se na defesa absoluta) quanto a liberal (a imputação de tendências
do culto do estado e da censura; demonstramos o quanto ela é largamente
mal interpretada. Mas a evidência direta toca um ponto sensível: a mutii Fumo contestar que a dialética da liberdade e do terror
reza do relacionamento entre a vontade geral e a liberdade pessoal próprio coração da ideologia da democracia totalitária.
Conseqiientemente, constitui acusação muito mais séria, e merece «ue musibilidade deste tipo de interpretação do Contrato
nela nos detenhamos um momento. 4 fundamental foi respondida pelo finado John Plame-
O mal-estar dos críticos liberais deriva do trecho final do capítuls Paprossamente a viabilidade desta leitura. Mais do que
sobre o soberano, ou seja, sobre a vontade geral in actu: “... quiconque Buiros comentaristas modernos, sublinhou a nitidez com
refusera dºobéir à la volonté générale y sera constraint partout le corn Bau trata à implicação recíproca da liberdade e da vontade
ce qui ne signifie autre chose sinon qu'on le forcera dºêtre libre” (Livin 4 pas, Rousseau deixa claro que “é da essência daquela
I, Cap. 7). Aí está o crime, gritam os liberais: esta passagem nula ”
quo dela compartilham reconheçam-se como iguais”.!º
mais significa senão que a liberdade perde o valor ao entrar em desacordo da Eai, segundo afirma Rousseau, origina-se da
com a vontade coletiva, o que, segundo a experiência nos ensina, coil E onda um dá a simesmo” (Livro II, Cap. 4) — preferência
cide, para todos os fins práticos, com a “interpretação” desta vontuls pra natureza humana.
desenvolvida pelos detentores do poder, sempre exercendo coerção vim oe, do passagem, a marca utilitária desta afirmativa, em
nome da humanidade. Como sempre, a liberdade “positiva”, ou sejn. dmância com a abordagem “naturalista” que, no Capítulo
a liberdade concebida como a perfeição racional do homem, c, pu pelo menos tão importante quanto as nuanças “éticas”

44 45
da arquitetura lógica do Contrato social. Mas a solução deste prolilemo smpotta ser punido pela transgressão das leis estabelecidas,
repousa na definição da vontade geral através do princípio de ipunldud nte do té-las ou não apoiado.
ativa, igualdade que, por sua vez, significa para Rousseau O excrio aforecida no Livro IV, Capítulo 2, em que ele enfrenta
de todos os direitos em condições que excluem a dependência c un np praticas advindas da relação entre a vontade geral, O
são: em outras palavras, em condições de liberdade. Dessa forma, quand” 0 O voto daqueles que se opõem ao seu desígnio.
Rousseau declara, no Manuscrito de Genebra, que a vontade perl vom mento, acaba recomendando que a maioria simples é
siste em estabelecer o que o homem pode legitimamente exigir do wu Mumndo se trata de assuntos que exijam decisões rápidas;
semelhante, e seu semelhante dele, Plamenatz assinala que não se copia de tenta de assuntos de mais importância, deve-se perseguir
de qualquer contraste entre poder e direito. O poder efetivamente corro pumo expressão da vontade geral, a ser apurada através
mal)
portanto, inteiramente estranho ao espírito igualitário da vontade po
ponto, então, a “volonté constante” de cada membro pre-
Ora, se não se cogita aqui absolutamente do poder, como poderia oca
um abuso de poder (por parte do estado)?
do profundo da “liberdade moral”, já que por sua vonta-
gado qual obedece exclusivamente à sua própria e livre
No Livro I, Capítulo 8 do Contrato social, encontra-se uma dis tiição do de participar do contrato social e de sua viva encar-
muito nítida entre três tipos de liberdade. Existe a liberdade mútua! HHH generate, cujo exercício por si só constitui soberania
liberdade amoral em estado de natureza. Existe a liberdade civil, deter do Aquilo que possa contrariar a temporária preferência
nada pela vontade geral, isto é, pelo contrato social. Finalmente existe aubmisto na medida em que procede de uma livre e igualitária
a liberdade moral, “que, por si só, torna o homem senhor de si mesm
aual cada um “n'opine que d'aprês lui” (Livro II, Cap.
A liberdade moral nada mais é que a disposição de acatamento às rep da vontade geral pode parecer demasiadamente inclinada
auto-impostas. Eis a solução para nosso paradoxo da “liberdade obriga: pertamente não é perigosa para a liberdade individual.
tória” do Capítulo 7, porque é da liberdade moral que Rousseau truta jevisarmos cuidadosamente as condições que Rousseau
quando aceita a possibilidade de que alguém seja “forçado” à liberdade mmembléia para que ela possa figurar como a guardiã
pela vontade geral. E este alguém será efetivamente forçado, cxvetu
pelo fato de que, em última instância, dada a natureza da vontade perl
quem o força não é outro senão ele mesmo. Não há aqui nenhum sinal + vOMpetente resumo de uma leitura exaustiva e cuida-
de iliberalismo. No máximo poderemos admitir, com John Hall, «ue social, e outras leituras, onde estranha despreocupação
Rousseau, ao falar em forçar alguém a ser livre, foi longe demais cm do texto aparece conjugada com espantosa tolerância
sua paixão por paradoxos e acabou por insinuar a presença de cocrçin Hes caluniosas, as quais levam até mesmo estudiosos
onde ela não existe. Wistirem em designar Rousseau como “o mais sinistro e
Não é exatamente assim — poderia objetar o crítico liberal. Afinal,
consideremos o contexto deste capítulo. Rousseau está tratando exata
mente do possível conflito entre interesse individual e vontade perl los aque suspeitam que Rousseau entretenha tendências iliberais
Em semelhante situação, como poderia a imposição da vontade perl alento muito estardalhaço por conta da “exigência de submis-
ser apreendida pelo indivíduo dissidente como um caso de autocoerção! puda membro, com seus direitos respectivos, à comunidade
Mas Rousseau tem aqui uma resposta pronta. Nem sonha em negar tudo” (Livro I, Cap, 6); ou, ainda, devido a suas declarações
que cada membro do corpo político possa frequentemente. encontrar-se » pudor soberano não necessita conceder garantias aos seus
«em desacordo com a vontade da maioria. Mas considera que a vonials que seria impossível que o corpo pretendesse prejudicar
constante de cada membro seja a vontade geral, na medida em que pos (Livro I, Cap. 7). Ora, como ficou visto, é bastante óbvio
cada indivíduo, tendo livremente subscrito o contrato social, obripa-u Housscau que o povo soberano, não tem de ser considerado,
à aceitação de todas as leis elaboradas sob sua égide (e dentro, comu + quando atuando como corpo coletivo. Só é verdadeiramente
já dissemos, dos limites racionais); neste sentido pode-se dizer que são quando atua como assembléia de iguais livres.
aceitas mesmo as leis adotadas contra o voto individual, da mesma forma dio, Rousseau jamais pretendeu que tal soberano, como sus-

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tentava Hobbes, estivesse autorizado a emitir quaisquer ordenamentos. impreendida em nome do direito natural teleológico e transcendente,
Tais decisões seriam necessariamente condicionadas por todo um conjunto fonsumido pelo imanentismo social (em nome, portanto, do direito natu-
de direitos, que hoje denominamos “direitos humanos”, cujo sujeito é
tul clássico ameaçado pela história moderna), leva-o a alinhar-se com
O indivíduo enquanto pessoa, antes mesmo de vir a ser participante Ha críticos conservadores
do corpo político. De qualquer modo, como a alienação total no Contrato do Contrato social. Reduzida ao essencial, a
posição de Strauss implica em representar Rousseau como “o herdeiro
social refere-se estritamente ao direito político, ela não impede em abso- lo Maquiavel”, que substituiu o conceito do homem como “animal racio-
luto a persistência dos invulneráveis direitos naturais à consciência e
nl" pelo conceito do homem enquanto “agente da liberdade” — aniqui-
à privacidade. Em suma, como diz Plamenatz, “Rousseau define a sobe-
tando neste processo os parâmetros transcendentais da justiça que caracte-
rania de tal modo que os direitos individuais estejam incluídos na defini-
Hizim a teoria clássica do direito natural.
ção”. É também a esta luz, segundo penso, que devemos compreender
| dispensável dizer que se pode muito bem considerar Rousseau
a identificação de outra forma enigmática entre vontade geral e a “soma
Fomo um subversor da teoria clássica, transcendentalista, do direito natu-
das (diferenças) individuais”: (Livro II, Cap. 3). Se a “vontade geral” Hl, & ainda assim criticá-lo do ponto de vista “liberal”. Por exemplo,
não equivale .à “vontade de todos”, isso assim é porque, entre outras
Pismscrin dEntrêves enfatiza, como já vimos, a ruptura de Rousseau
razões, não ocorre jamais a tentativa de ignorar as preferências indivi-
Hum O direito natural e ao mesmo tempo classifica a retidão constante
duais; antes, procura-se respeitá-las ao máximo, de onde resulta um dy vontade geral como “o protótipo da tirania moderna”... Como já
sistema de autoridade livre e igualitário.
Hisoutimos e descartamos o conteúdo deste ataque “liberal”, retornemos
Podemos deste modo avaliar o ataque liberal a Rousseau como Então a Strauss e à sua extravagante mistura de tradicionalismo jusnatu-
substancialmente infundado. Há naturalmente outros argumentos para Ealista e preocupações conservadoras com o suposto maquiavelismo
a suspeita de que o Contrato social seja uma justificação inconsciente de
Eousscau, o cultor da liberdade em detrimento da razão.
do autoritarismo: no próximo capítulo discutiremos o principal dentre Ora, analiticamente não se pode deixar de destacar o viés naturalista
eles: a proposta de democracia participativa. Por enquanto, porém, basta Hj Ieoria política de Rousseau, pois é isso que nos permite lançar luz
dizer que o livro, interpretado adequadamente, sustenta-se galharda- abre os pressupostos empiristas e utilitários que já flagramos em mais
mente contra a acusação de que a vontade geral e o culto do estado Ho um ponto nodal do Contrato social; mas parece bastante discutível
sejam concebidos em termos autoritários. à iisinuação de que a preocupação com o homem enquanto agente
Quanto às críticas conservadoras de Rousseau, aquelas que o repre- livre implica o abandono da concepção ético-racional, “clássica”, da
sentam como o principal ancestral do moderno liberalismo, são ainda Bmência humana. Essa visão confere à interpretação de Strauss um tem-
mais fáceis de refutar. Na verdade, se injusta, a acusação conservadora prio conservador — como se ele não fizesse mais que trocar o grosseiro
cede o passo ao ataque liberal, que acaba de ser rechaçado; e se correta, dliché de Rousseau-desagregador-dos-costumes-e-portanto-da-coesão-
funciona logicamente contra as censuras liberais, o que apenas reforça fivial por uma qualificação mais requintada, mais filosófica e aparente-
nossa argumentação anterior. Em conseqgjiiência, a interpretação conser-
onto insustentável quando confrontada com alguns importantes aspec-
vadora tradicional sobre Rousseau poderia ser simplesmente ignorada, fo da estrutura conceptual do Contrato social.
não fosse sua brilhante retomada pela exegese de Leo Strauss.
Possivelmente o mais decisivo destes aspectos é a presença de princí-
Para dizer a verdade, Strauss não se compromete integralmente [los estóicos na obra de Rousseau vista como um todo, especialmente
com o veredito conservador sobre Rousseau. Sua interpretação do pensa-
Eimiderando-se a unidade formada pelo Discurso sobre a desigualdade,
mento deste último, contida no notável evangelho de teoria política » Emile e o Contrato social (a que,
“neoclássica”, Direito natural e história, fica a meio caminho das queixas como já vimos, o Discurso explicita-
Winto se refere). Nesta perspectiva, a novidade da concepção rousseau-
conservadoras e liberais. Encara Rousseau como homem que continua-
o da justiça e da legitimidade claramente repousa na idéia de um
mente oscilou entre “os direitos do coração contra toda repressão e
foito imanente à sociedade, mas ao mesmo tempo enobrecido pela
toda autoridade” e “a submissão completa do indivíduo ao estado c
Hannvedência moral da razão estóica. A vontade geral simultaneamente
à sociedade”, e qualifica esta incessante alternância como “insolúvel
e O pacto social e o núcleo de moralidade disponível para cada
conflito” — a mesma antítese insuperável já flagrada por Vaughan ou jmem individualmente. “A vontade geral é a transposição da faculdade
Groethuysen. Entretanto, o princípio basilar de sua crítica a Rousseau, Minral mais essencialmente individual para o universo da experiência
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49
dhliaa? 16
pública”. feia vm meio às traiçoeiras paixões do hedonismo mo-
A “voz interior” ou a “luz” de cada homem (embora nío veis :
pessoal, em seu conteúdo) estabelece limites à legitimidade di md Ileia-chave estóica, adotada por Ro f
social. A vontade geral é geral exatamente porque corresponde à voto NA AO A NOlução á Iê E h Pd o UNE
moral do homem, não dos homens. Vemos agora por que é pit od le é a E E de o o a: ane Eis
fazer sérias ressalvas à tese de Strauss de que em Rousseau (cor vim a co, à crença na des a , E e a
Hobbes), o “princípio” do direito natural triunfa sobre o “fir Unte o Moon à voz da o e da ne E E a
Rousseau há critérios morais que não são simples produto da socieduo EIMa sob à forma de E de E eua e Foto)
Do mesmo modo, o homem não é para ele apenas um “agente lv + E Ri ad RO
— permanece, sob muitos aspectos, o “animal racional”, já que, vm o que esta “voz interior”, como a denomina R
sua forma superior de liberdade (a liberdade moral), é a voz du rim “mada menos que o E iha-conceito eli dele E
EE o guia. Os “princípios” afinal não consumiram intciramen na obediência a uma “lei superior” (idéia tão antiga
Hal para as assim chamadas religiões mundiais, e que
É Diderot escreveu certa vez que Jean-Jacques lhe fazia pensar vm [a vom O processo histórico implicada pela Ma
Sêneca “centenas de vezes”.'” Contemporaneamente, os estudiosa q os vivilizacionais” ou confessionais), a moralidade inata
ousseau começam seria t s ixa. Em sua incarnsdv ps ars Ê
os dásicos ; cam end mento o com as flor
e À obediência
pus ROde princípios
camento mais altos pode
ae tanto
O como nos profetas hebreus, em Sócrates como
que afina a “voz interior” de Rousseau com seu
tilha com um estóico padrão como Sêneca. Já mencionamos (jp | 4 é que ela vem a ser apresentada como uma convo-
o papel central, desempenhado no Emile, pelo princípio estóico de 1 |, que afinal é razão, não importa quão alta, ima-
à Mazho é natureza em profundo acordo: nada mais
| EsLÓicO E inscrito no próprio cerne do credo filosó-
a negação da perversidade original do homem; a asserção do elei
maléfico da sociedade; a degradação causada pelo progresso | Ho claro que a Razão enquanto voz interior pouco
o louvor da sociedade primitiva; o reconhecimento de que o h UH “raison raisonnante”, a razão analítica do Iumi-
era ainda um ser amoral na sua idade da inocência; e a mancirh piências, Trata-se de sentimento, antes que intelecto,
explicar a origem da desigualdade.! “a piedade” que Rousseau atribui ao homem natural
A isso poderíamos acrescentar três outras teses, de máxima relov Pompensado de sua falta de moralidade por dispor
cia. Em primeiro lugar, o tema da senescência do mundo, isto d, WMM passivo), nada tendo a ver com qualquer “esprit de
crença de que o logos, o saudável princípio da natureza, acabnrin 4» Na medida em que é encarregada de avaliar o
exaurindo. Os estóicos sustentavam como inevitável a decadência pio intória, esta razão passa a funcionar como um senti-
gressiva, e finalmente a catástrofe cósmica. Resumindo, o estoivia à Biuma disposição claramente antiplatônica, Rousseau
corresponde a um caso clássico de pessimismo histórico, essa típica te vez da paixão cega, pelos pecados da humanidade
dência intelectual de Rousseau. Wo 4 feliz formulação de Leo Strauss, a paixão, “rene-
- Em segundo lugar, o próprio critério da liberdade que Rouse 4 libertino, passa à posição de juiz das torpezas da
já no início de Emile, cunhou como sua “máxima fundamental”: “Ihomm Meus juízos com a severa dicção da virtude catônica”.?!
vraiment libre ne veut que ce qu'il peut, et fait ce qu'il lui plalt. é, em certa época, amigo de Hume, Rouss j
é um princípio estóico da cabeça aos pés. Desejar apenas o pol Ens não são governados O pelaO IA! Pa Reu
é exatamenteEE a advertência
E estóica que deveria prevenir o homem
a comi ponto permaneceu próxi ci SRTA
H p u próximo à psicologia sutilíssima
a escravidão das paixões. Tornou-se também a recomendação de Hy« ue não tinha dificuldade em admitir (Ética a Nicô
seau, ? em favor da liberdade moral, ? contra o risco da Pp perda da identidaM á : Hit (Pica a Nicómuco;
ie tuo as paixões podem ser moralmente legitimadas 2

50 51
tanto quanto esclarecidas pelo logos racional. Ainda mais important HH tola atividade de construção política, como a imaginação
neste ponto Rousseau se separa também dos estóicos, pois sua [um sh, como
justificação da piedade (que por si só o projeta como figura muivi d
pré-romantismo do século XVIII) afasta-se notavelmente da represa. Reason in her most exalted mood.
estóica de todo sentimento. E importante lembrar que foi exatumem
por esta tendência “repressiva” que a moralidade estóica foi ampla fita ventral do pensamento de Rousseau, entretanto, difi-
apropriada pelos pensadores barrocos, que concebiam a vida puiuio WlinrA precedente entre os estóicos: a disposição prática
— como mais tarde o fez Kant — como uma guerra entre as diveno tal O estoicismo, afinal de contas, confinava-se a uma
faculdades do espírito, entre as quais deveria prevalecer a razão |! Fombinando o desgosto pela opressão do mundo com
das maiores diferenças entre o temperamento moral do século Mv pista da liberação individual através do cultivo da indivi-
e o do século XVIII reside precisamente na relegitimação da pulsa todo, reduzia-se a um conservadorismo social rematada-
Neste ponto, Rousseau era honestamente um filho do seu temp A Stoa floresceu quando se iniciava o declínio da ativi-
época em que floresceram, conforme se sabe, tanto a sensibilidad
A riniolesdarceidá: 4 monarquia helenística, e jamais se libertou de um
have de suas origens cínicas: a negligência da política em
"Entretanto, em última instância, o racionalismo estóico não [oi ma ' de valores cosmopolitas. Não obstante algumas tardias
para Rousseau. Se aquele racionalismo diverge do louvor que Rom mirar esta básica indisposição para a ação com a ética
devotava ao sentimento em estado de natureza, servia ao mesmo tom h & houve como recuperar os princípios estóicos de sua
LA
como esteio teórico à sua ênfase na razão, quando se trata do dir + ap Epi quietista. Mesmo hoje, a primeira coisa evoca-
Na medida em que representava uma ênfase na razão social, v | lúico” é um sentido do dever exercido com ânimo
no instinto primitivo, como meio de acesso à lei da natureza, à vans tição da liberdade não pertence a este mundo, mas
geral não podia deixar de combinar com o estoicismo. Os estóicos vi tlade íntima. Marco Aurélio não chega a ser o pa-
absolutamente inclinados a encarar a lei natural como orientuda po Wa entusiástica moralidade engagé.
razão (veja acima, pp. 31-2) — isto é, como conjunto de regras pros Pu tentou politizar a moralidade estóica. Sua incorrupta
pela razão (social); entretanto a primazia concedida na epistemilim iamancial de uma vontade geral que forma ativamente
jusnaturalista ao instinto, antes que à razão socializada, acalnivi dpera O sentido estóico da moralidade inata, mas
constituir-se em afastamento com relação à sistemática exposiçiu pu ,
estóicos da teoria da lei natural — afastamento que se deve prinii Erndo coletiva e da igualdade. Assim como no Émile
mente a São Paulo, que situou a lei natural “no coração dos homi fame de viver de acordo com a natureza foi criativa-
(Romanos 2:14-15) e a Ulpiano, que identificou esta lei como dm à Hom uma teoria do desenvolvimento psicológico, as-

que “a natureza ensinava aos animais”. + 4 moralidade igualitária, originalmente um axio-
No que concerne à práxis social, e particularmente à práxis du io lada no compromisso de um pacto social sempre
midade, o senso rousseauniano do direito procede inteiramente vim tima análise, Rousseau adaptou o estoicismo tanto
de sua natureza racional. Eis por que, ao menos em sua cotrepo
do homem social, a voz interior de Rousseau denota alguma coin nm H Pom à força moral dos logos estóico, a soberania
diferente da diluição da moralidade em sentimento e simpatii ] aelequiro uma estatura ética digna daquela era do
que o distingue de Shaftesbury, de Hume, e mesmo de Diderot, nm a sensibilidade neoclássica do século XVIII, substitui
particular. E no que tange à filosofia política, Rousseau é tão racitmao he frivolidade rococó. De outra parte, a razão estóica,
quanto qualquer dos sistematizadores, seus contemporâneos. uu Bialismo democrático, assume um pathos demiúrgico,
nele sombra daquele amor pelo crescimento espontâneo, exclui. desconhecida da sabedoria ancestral que a origi-
de todo esforço constitutivo e tão típico do ““organicismo” rom
Se a constituição da humanidade é obra da natureza, diz 0 (un Wrose da moralidade estóica parece ter levado
social, então “a constituição do estado é obra de arte”. Poder Pomoauiências para a interpretação de Rousseau.

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Primeiro, ficou obscurecida a importância do elemento estóico em seu Ho vontade geral e a “consciência coletiva” de Durkheim. Ambos estes
pensamento. Embora seus contemporâneos ainda cultivassem o costume Ponveitos, assinalam, são “coletivos na origem, impessoais na forma
de tomar das seitas éticas da Antigúidade os rótulos com que classificavam E autoritários em sua relação com os indivíduos”.*” Na mesma linha,
os filósofos da moral, e qualificassem a este excêntrico moralista Jean-Jac- Hlguns historiadores da teoria social não trepidam em afirmar expressa-
ques Rousseau ora como cínico (d'Argenson; caracterização bastante punto que Rousseau seria o ancestral direto da mística do grupo e
adequada, se considerarmos que a repugnância pela civilização foi a liperbólica preocupação com a coesão social. “Durkheim nada mais
mola mestra do antigo cinismo), ora como estóico (Diderot), a crescente BH senão o meio pelo qual Rousseau deixa sua marca na ciência social
falta de familiaridade com esta prática humanista levou a maior parte dera”?
dos intérpretes modernos a desconsiderar quase que completamente as Na verdade, a vontade geral é muito mais coletiva como resultado
fortes e numerosas afinidades entre o estoicismo e Rousseau; algumas dl umociação, do que como “mentalidade” social, anterior a qualquer
vezes esta questão foi logo descartada sem ser discutida adequadamen- Hinvulação voluntária, como acontece com a “consciência coletiva”. Afi-
te Hal, diferentemente de Durkheim (que aliás definia constantemente seu
Em segundo lugar, a própria audácia de Rousseau nesta criativa pro pensamento em oposição ao de Rousseau), este último pertence
adaptação dos motivos estóicos, especialmente a combinação de plácida trudição contratualista — escola de pensamento, não custa repetir,
sabedoria pessoal advinda da moralidade íntima com um flamejante Hop mentemente antagônica às concepções holistas da sociedade. Não
sentido de justiça social, induziu a duas graves e influentes incompreen- fm que Rousseau tenha sido acusado, tanto por Marx como por
sões. A primeira é a redução do rousseauísmo a uma espécie de social-ma- Wikhicim,? por sua forma de raciocinar em termos de um “indivi-
quiavelismo, concepção que acabamos de criticar ao discutir a interpre- Wlismo abstrato”. Além disso, Durkheim rejeita explicitamente a me-
tação de Leo Strauss. A outra é a assimilação do reformismo rousseau- Eulologia individualística de sua abordagem dos conceitos de obrigação
niano, presente na teoria do contrato social, ao “organicismo”, elemento Ho autoridade. Tais restrições antecipam, a contrario, a defesa do
vital da filosofia social do romantismo. dualismo rousseauísta empreendida por especialistas modernos co-
À interpretação segundo a qual o Contrato social encerra a epítome mm Derathé ou Masters. O mito do Rousseau organicista foi contestado
de uma evolução do individualismo para o organicismo na teoria social antes mesmo de seu nascimento.
de Rousseau foi advogada notadamente por Vaughan. Entretanto, não Sumariando a posição de Rousseau em relação ao estoicismo, podía-
obstante as aparências contrárias, a vontade geral, enquanto “corpo 8 terminar ressaltando que sua reformulação da lei natural como
moral e coletivo”, não sustenta nenhuma concepção organicista da socic- figa social atuante baseava-se em alguma coisa totalmente alheia à
dade. Como o próprio Rousseau não se cansa de advertir, o corpo fia estóica: o ativismo político. A importância desta dinamização sem
político, enquanto ser moral, é um produto da razão; sua existência podlentes da moralidade estóica deslumbrou de tal modo os connais-
“real? é inteiramente dependente da vontade de seus membros. Derathé pi do direito natural que, mesmerizados pelos aspectos demiúrgicos
demonstrou que as metáforas “orgânicas” de Rousseau são figuras de ta democrática reformulação da filosofia social contratualista, concluí-
linguagem extremamente comuns entre os pensadores do direito natural, Hum frequentemente, em uníssono, que a soberania popular de Rousseau
que mantinham, todos, sem exceção, uma concepção claramente indivi Hmplosmente varrera todos os liames éticos transcendentes. Daí a repre-
dualista. Rousseau era demasiado filho de seu século para “descartar Mentação do rousseauísmo como social-maquiavelismo, e sua condenação
o individualismo” (Cobban); e estudiosos mais recentes chegam mesmo BH nome da preocupação ética da filosofia política neo-humanista. De
a creditar-lhe uma “concepção mecanicista de vida política”.8 Estas Bata parte, a mesma errônea fixação na concepção dinâmica do contrato
nítidas especificações deveriam ser suficientes para excluir uma imagem BW dal levou a que outros equivocadamente o interpretassem como um
sua como coletivista romântico, antagonista dos valores liberais — c lo orpganicista. Essa análise permitiu subsequentemente que rotulas-
a análise textual elimina a dúvida de que ele pudesse ter sido algum Hi Kousscau como pensador holista, e por isso mesmo inimigo das
holista.? fidioaas liberdades que caracterizam a “sociedade aberta”.
Mas como custa a morrer esta equivocada interpretação holista! Ambas as críticas de Rousseau — a neo-humanista e conservadora
Os exegetas de Durkheim recentemente a ressuscitaram, fazendo o maio! Ho 100 Strauss); a anti-holista e liberal (de Popper) — compartilham
estardalhaço a propósito das supostas similaridades entre o conceito à pressuposição de que a política do contrato social é bastante ativa

54 o
e mesmo demiúrgica. Tendem ambas a considerar a teoria da vontade eliminam os preconceitos hostis das prévias
incompreensões, a que já
geral como um hino à sociogênese. Assim Popper escreve tipicame hos referimos extensivamente, têm a invariável
nte disposição de subestimar
que Hegel, ao postular seu conceito de Espírito, toma de Platão a Moja seu pessimismo histórico, seja seu otimi
noção smo antropológico — e
de estado como organismo, mas acrescenta-lhe uma natureza pensant ho fazer isso, resvalam para outras incompreen
e sões igualmente graves,
e consciente, cuja própria essência, a atividade, denota o quanto Hegel embora mais refinadas.
deve a Rousseau e à sua concepção de vontade geral. Em suma: tanto Por exemplo, o neo-rousseauísmo de certa antro
Especialmente em variantes de progênie estruturalis pologia moderna,
para a crítica conservadora como para a crítica liberal, a república ideal
ta, maximiza O pessi-
de Rousseau, apesar da aparente serenidade de seu cenário arcádico ilismo da perspectiva macroistórica do Discurso
, sobre a desigualdade.
viceja num frenético clima prometéico. O contrato social como vontade 1) pensamento de Rousseau acaba transformado
em máquina de guerra
geral é um estado fáustico possuído pelo demônio do Streben... tontra a civilização industrial e sua soberba human
ista; sua Kulturkritik
Ora, esta aura fáustica, ou prometéica, * manipulada contra a naiveté dos valores cultur
vem a ser exatamente o ais marxistas e liberais,
que é constestado por todas as modernas justificações de Rousseau. * hua sensibilidade para com a natureza opost
a ao híbrido prometéico
Vários entre os mais destacados rousseaulogos da atualidade preferem que é o homo technologicus. Neste processo,
a fé rousseauniana no
enfatizar que a distinção crucial entre Rousseau e os philosophes consiste puder formador da razão fica quase que inteiramen
te perdida. O veredito
exatamente na sua dissidente repugnância pelo espírito prometéico do moral do Discurso sobre a desigualdade remove
o élan político do Con-
Iluminismo. Enquanto os philosophes festejavam a idéia do progressivo Euto social, como se o último não fosse expressame
nte anunciado pelo
controle da natureza e adotavam uma concepção de homem frequen- primeiro. Rousseau converte-se no maior dos
críticos da ilegitimidade
temente utilitária e hedonista, conforme demonstra o pensamento de fúvial — mas já não resta nem sombra de sua respo
nsabilidade como
Diderot, Rousseau advogava o autocontrole em vez do poder tecnológico Biador dos fundamentos teóricos dos novos princípios da
legitimidade.
e defendia a virtude antes que a busca do prazer. Os philosophes De outra parte, aqueles que, defendendo a mens
agem de Rousseau,
eram majoritariamente prometéicos e epicureus; já Rousseau, um narci- fo de entusiasmam pelo seu pessimismo histórico,
concentram-se então
sista estóico.* Feu Otimismo antropológico. Tendem, pois, como
Cassirer, a sublimar
À primeira vista, estas interpretações desprometeicizantes soam bas- à política radical de Rousseau em moralidade
kantiana. O que esta
tante convincentes. Entretanto a verdade é que estas análises justifica- [imamutação esquece é que a ética do imperativo categ
órico corresponde
tivas de Rousseau acabam tendendo a emascular seu pensamento. De BH grande parte à culminância da propensão luter
ana de espiritualizar
um modo geral, acentuam demasiadamente seu pessimismo. Acima de ! internalizar a liberdade — e, ao mesmo tempo, a forçar
'
essa mesma
tudo, proclamam que esta situação se sustenta mesmo no nível político. herdade a retirar-se do campo da ação para
o do sentimento. Nada
No mínimo deve-se reconhecer que as leituras desprometeizantes de poderia afastar-se mais do pleito rousseauniano
em favor da aliança
Rousseau são também despolitizantes. Ou ainda, mesmo as leituras que Puto julgamento moral e atividade política, nem lembr
ar-se menos de
não ressaltam seu pessimismo tampouco concedem grande destaque a do à liberdade moral não é para Rousseau algo local
izado nos recessos
seu otimismo político, reforçando deste modo a tendência despolitizante Mivência íntima, mas uma idéia política referente
ao universo exterior,
das interpretações mais pessimistas. à universo da ação.
Entretanto, esta discussão é de primacial importância para a avalia As analogias formais existentes entre a politizaçã
o rousseauniana
ção do significado de Rousseau como pensador da legitimidade; deveria oralidade e a ética kantiana não deveriam jamais oblit
erar
o fato.
mos por isso convocar nominalmente estas interpretações antiprome fo, He Rousseau abre caminho para a celebração
kantiana do sentido
téicas e examinar detalhadamente seus argumentos. A melhor maneira Himno do dever, ele o faz de forma vigorosamente
reminiscente do
de iniciar este questionamento é partirmos da percepção de que o último PoE maquiavélico da virtude prática. Como Maqui
avel, permanece
dos enigmas de Rousseau não reside no alegado iliberalismo de scu Pp vrítico do extramundanismo cristão e ardente parti
dário do “enga-
democratismo, mas na sua capacidade única de fundir pessimismo histó Bor terrestre.
rico e otimismo antropológico.” À kantianização de Rousseau dissocia, impli
citamente, a moralidade
Quando nos apercebemos disso é que nos damos conta de que BA política e da crítica social, enpobrecendo consi
deravelmente o ímpeto
a maioria das avaliações contemporâneas de Rousseau, mesmo as que PH! emancipatório da “politização rousseauni
ana da ética”. Ironica-

56 57
mente, Cassirer, que compreendeu a importância desta atitude em Rous aota à psicologia lockiana da ação política: a opinião vem a ser processo
seau, enfatiza apenas seu lado negativo (o desvio da teodicéia) ignorando mental dotado da capacidade de crescimento interno, conquanto estimu-
realmente o lado positivo (o impulso em direção à participação política). lado por forças externas.” Além disso, a mesma exegeta demonstra
A moralização de Rousseau empreendida por Cassirer é o exemplo ul convincentemente a relevância do Leitmotiv opinião para que
clássico da interpretação despolitizadora, executada em nome do otimis- maumos compreender a implacável luta de Rousseau contra Os princi-
mo antropológico. Com Jouvenel, talvez o mais influente dos intérpretes |s formadores de opinião da sua época: o clero e os philosophes.
modernos do pensamento político de Rousseau, retornamos ao pessi- Até este ponto, é inestimável a contribuição de Shklar para o nosso
mismo histórico com força total. Ressaltando a dialética entre soberania pntendimento do equipamento conceptual e intenções teóricas de Rous-
e governo, entre legitimidade e poder, exposta em detalhe no Livro dou [im particular, ela chama nossa atenção para o sutil relacionamento
HI do Contrato social (veja acima, p. 22-3), Jouvenel descobriu que Entre liberdade é autoridade no Contrato social (Livro II, Cap. 8), no
o Contrato social é “não a esperançosa prescrição de uma república mile e na Nouvelle Héloise* — tal relação lhe permite concluir que,
vindoura, mas uma análise clínica de deterioração política”. Na mesma apesar de algumas idéias divergentes ainda hoje cultivadas, Rousseau
linha, observa que o pessimismo político é “muito saliente em Rous- aereditava que a autoridade pessoal fosse não apenas compatível com
seau”.“º Longe de ser primariamente um engenheiro de estados ideais, 4 liberdade, mas até necessária para intensificar esta última. ;
o Rousseau de Jouvenel é um triste realista que, reconhecendo lucida- Tenta então utilizar estes insights psicológicos para rejuvenescer
mente a inevitabilidade dos governos fortes nos grandes estados, deplora à principal tese de Jouvenel, reduzindo o Conirato social a um livro
o “afrouxamento da soberania” implicado neste processo. Rousseau do advertências, um manual de política preventiva. * Daí, a seu juízo,
seria menos um teórico prospectivo da legitimidade do que uma espécie Ho a vontade geral seja simplesmente “um poder regulador, força defen-
de laudator temporis acti — um confesso pessimista, pranteando as legiti- va que protege a individualidade contra o império de opiniões, sempre
midades em declínio.*! à ameaçá-la de dentro e de fora”. Não admira, pois, que o povo soberano
À exegese pouco convencional que Jouvenel elabora para o Contrato do Rousseau “acabe por não se importar muito com sua soberania”.
social (devidamente fundada em oportunas citações do conservadorismo Aqui, não posso deixar de discordar. Sente-se, como no caso da análise
superficial das Cartas da montanha) recebe brilhante reforço de parte do Jouvenel, que uma exegese de Rousseau que lhe atribui priorita-
-da rousseauloga de Harvard, Judith Shklar. Seu objetivo explícito é fumente uma política negativa, irmã gêmea da educação negativa do
suplementar as concepções de Jouvenel sobre o pessimismo político de mile,” não se abstém sequer de afirmar que, para o teórico do Contrato
Rousseau com algumas iluminadoras descobertas da lavra de Jean Staro- quelal, a participação política constitui principalmente uma atividade
binski, o destacado erudito genebrino, perito em literatura e cultura simbólica” ou “ritualística”.* Il y a quelque chose qui cloche...
do século XVIII, o qual realizou a mais sofisticada pesquisa até hoje Transfigurado em sábio pessimista político, descomprometido mes-
conhecida sobre a psicologia de Rousseau — tanto aborda o perfil psicoló- fre da desilusão social, o Jean-Jacques Rousseau de Jouvenel e Shklar
gico do filósofo como sua obra na área da psicologia. puibe impecáveis credenciais liberais, ninguém menos identificável com
Os laços íntimos entre legitimidade e opinião já constituíam um à profeta, mesmo a contragosto, do governo totalitário. Mas este mesmiís-
tema expressivo para a reflexão iluminista, quando Rousseau se talhou Himo judicioso liberal acaba por assumir uma face irreconhecível. Estra-
um succés de scandale com seus dois Discursos na década de 1750. O fhamente, sob esse disfarce, é quase impossível distingui-lo dos mais
comentário de Hume de que todo governo, livre ou despótico, funda- puutelosos conservadores de seu tempo. Considere-se, por exemplo, o
menta-se na opinião, era voz comum entre os philosophes. Na psicologia purto diálogo entre o ex-admirador de Rousseau, Boswell, e seu sempre
social de Rousseau, a opinião ocupa um lugar-chave. Em seu Projeto venerado herói, o Dr. Johnson, paladino do bom senso:
de constituição para a Córsega, Rousseau escreve que os motivos primá-
rios que levam o homem a agir são a concupiscência e a vaidade —
mas acrescenta que a maior parte de concupiscência reduz-se à vaidade “— E assim o senhor se ri de todo projeto de aperfeiçoamento
e que a vaidade nada mais é que o produto da opinião. Judith Shklar político. :
sublinha a importância da dimensão da opinião pública para a concepção — E então não vê o senhor que projetos de aperfeiçoamento polí-
rousseauniana da vida humana. Corretamente, assinala que Rousseau tico são coisas sempre risíveis!”

58 59
Nossa dificuldadeé que, de um modo geral, ninguém representa
nestes termos nem a Rousseau e, menos ainda, sua influência histórica.
A “política da prevenção” “negativa”, a vontade geral meramente “regu-
latória”, e sua missão principal, a guerrilha defensiva contra o império
da opinião — tais elementos compõem avaliação demasiadamente unila-
teral da obra teórica de Rousseau, apesar de sua presença notória no
cenário das interpretações contemporâneas. Alguma coisa está errada
neste venerável camafeu de Rousseau, o pessimista. E a falta mais sentida
é a daquele ethos democrático tradicionalmente associado ao nome de
Rousseau. Ninguém poderia deduzir deste desfigurado perfil do filósofo DeJemocrática
que ele tivesse sido alguma vez venerado como pai do princípio da
legitimidade democrática.

niJacques Rousseau criou, ou pelo menos sistematizou em definitivo,


vos princípios de validade social tanto para a moral como para a
Ítica, Aquilo que a cultura ocidental considerava válido em educação
O impacto do Emileé esmagadoramente diferente do que passou
evalecer após a revolução pedagógica rousseauniana, afetando, atra-
| da pedagogia, nossa própria compreensão da criança. Do mesmo
lo, O que era legítimo quantoà apresentação da individualidade
im autor na literatura e, por extensão, em quase toda a linguagem
fstica, mudou radicalmente desde a publicação das Confissões. Até
ulvento da obra autobiográfica de Rousseau, a narração da própria
1, mesmo através de seus expoentes máximos, Santo Agostinho ou
ntaigne, era apenas um gênero. Depois de Rousseau, tornou-se um
jubo de toda criação literária: a imaginação comprometida com a
ividualidade, ou antes (o que dá na mesma em termos culturais),
| O mito da individualidade.
* Conclusão inevitável é que o pensamento social de Rousseau tenha
pecido o mesmo destino. Foi ele o principal fundador da teoria da
H
ilimidade democrática, e pode-se dizer que a necessidade de legitimi-
He democrática ainda está mais presente para nós que a pedagogia
cudiana ou a poética romântica. Além do mais, o conteúdo da
ilimidade política rousseauniana fornece-nos o meio mais seguro de
úlificar as avaliações unilaterais que supervalorizam seu pessimismo
úrico, em detrimento do valor prático de seus ideais políticos.
O coração da teoria da legitimidade política de Rousseau é a idéia
emocracia participativa. A vontade geral tem que ser permanen-
pente dinamizada pela constante participação individual na política
soberania (embora não necessariamente em todos os níveis dos pro-
60 61
cessos de tomada de decisão). Aos olhos de Rousseau, a participação tidade ao exercício da liberdade responsável no
sistema da cidadania
igualitária tem dois atributos inestimáveis. Primeiro, assegura o o universal.
nente controle do poder. Segundo, é educativa, na medida em que desen- A incompreensão quanto à centralidade do ideal
participativo na
volve uma ação social autônoma e responsável de parte do no leoria política rousseauniana acaba por prejudicar
mesmo o mais bem
A ênfase peculiar posta nestes dois aspectos torna Rousseau, como Caro- intencionado de seus críticos. É o que acontece com
Peter Gay, estudioso
le Pateman observa agudamente, o teórico por excelência da participação 4 quem tanto deve nosso atual entendimento do século
XVIII. Ao tentar
ática.! remediar insuficiências na moralização de Rousseau
por Cassirer, Gay
ora não estaremos já prevenidos (em função de leituras como Mupere que, para justificar a política do Contra
to social, necessitamos
as de Shklar) contra a superestimação da política participativa de Rous- toncebê-la como “ferramenta crítica” e não como
“dispositivo constru-
seau? Já nos deveríamos ter convencido de que esta política se reduz tivo”, Como instrumento crítico, diz ele, o pensamento
político de Rous-
na verdade a muito pouco, pois as assembléias populares estão esvaziadas Moau tinha e continua a ter grande utilidade em
favor do avanço da
de capacidade executiva e a própria função legislativa, em seus minús- emocracia; como “projeto político”, entretanto,
é prejudicial às “idéias
culos estados ideais, demandaria escasso tempo e debate. Afinal, mesmo à instituições libertárias”. Em suma, Rousseau seria inestimável
ed como
aqueles que enfatizam a importância da participação acabam por leúrico dos movimentos democráticos, mas induziria
ao erro enquanto
rá-la como função derivativa (embora vital), como função moral, especifi- lpúrico do estado democrático.?
camente dedicada ao controle do poder e à educação cívica antes que Gostaria de sugerir que a consideração da teoria polític
a de Rousseau
a uma finalidade primária essencialmente política. tomo mera “ferramenta crítica” (não importa quão
poderosa) é insufi-
É importante não nos deixarmos enganar pela relativa escassez das Mente; gostaria de sugerir, além disso, que nada
em absoluto garante
indicações no Contrato social quanto a formas institucionais de partici- que à interpretação de seus ideais políticos como
“dispositivo constru-
pação. Semelhante pobreza de dispositivos institucionais é direta CE fivo" funcione contra a liberdade. Na verdade, o que mais
nos assombra
quência da convicção de Rousseau de que a democracia só pode pretender É que a tentativa de Gay de repolitizar o pensamento
de Rousseau
a pureza nas pequenas cidades-estados, onde as curtas distâncias Remi fenbe reservando tanto espaço à antiga acusação de
antiliberalismo,
tem que os cidadãos se reúnam tantas vezes quantas necessário e onde do insinuar que os aspectos construtivos do Contrato social
sejam condu-
a simplicidade dos eum reduz o un e a complexidade das ques- Pentes à tirania.
Õ reciadas pelo povo soberano. Himbora nem caiba questionar a inviabilidade do
plano de Rousseau
oi Ei modo, É rá ciníção democrática na escolha das pautas Pam “projeto” institucional, parece perfeitamente sensat
o interpretá-lo
de discussão, assim como na prevenção dos abusos do poder, pode ser Pmsirutivamente no que se refere a alguns princípios
básicos, o primeiro
considerada o tema principal do Livro IV, o livro mais dedicado à questão Hom quais é a idéia de maximizar a participação democ
rática e o controle
institucional entre os quatro que compõem o Contrato social. Efetiva: Memocrático da ação governamental. Não se preten
de aqui que o discurso
mente, Rousseau devota um de seus mais extensos capítulos (Livro EM, do Rousseau sobre participação igualitária esgote
o conteúdo
Cap. 4) à discussão dos métodos de reunião e votação da Roma antiga, lamento político ou elimine todos os problemas e contra do seu
dições aí
e no decorrer de todo o texto é incisivo ao demonstrar que a realização Wolvidos; entretanto não se coloca em dúvida à
suprema importância
de frequentes assembléias populares não é inviável, quanto mais impra- p lléia da participação no Contrato social, e este
fato, por
política de Rousseau uma utilidade normativa muito si só, confere
maior do que
a disso basta lembrarmos dois preceitos cardeais — (a) o sobe DE dla se reduzisse ao papel meramente negativo
de parâmetro estrita-
rano só pode atuar quando o povo se reúne (Livro HI, Cap. no Bi nto crítico, visando a detecção da ilegitimidade.
quanto mais fortemente atua o governo, mais frequentemente deve deli À idéia da participação, como a compreendemos,
pelo menos desde
berar o povo soberano (Livro III, Cap. 13) — para percebermos como à uma de Stuart Mill e até a de G.D.H. Cole,
constitui certamente
é inerente ao estado virtuoso de Rousseau o princípio da participação , à Inispiração positiva para formar, ou reformar, as instit
uições mais
popular. Até mesmo sua notória antipatia pela representação política » Não faz sentido que se formule a exigência
de escolher entre
constitui apenas o reverso de seu amor pela máxima RE Ti mpação d dra do Contrato social como projeto ou como “manu
al de advertên-
A democracia direta é o único instrumento capaz de assegurar regula "| 4 pais da teoria democrática clássica jamais
se detiveram diante
62 63
deste paralisante (e desmoralizante) aut aut. Eles sabiam mais — e por Werência do assembleísmo e, em consequência, do debate político no
isso bem agiram — e com genuína imaginação institucional ajudaram Ponvoito de volonté générale de Rousseau. Esta última só emerge, de
a propor importantes níveis de participação nos governos locais e na devido com Rousseau, numa assembléia de iguais, livremente debatendo
democracia industrial: duas áreas cruciais para a definição das relações dolo seu interesse comum. Eis por que a vontade geral não pode ser
de poder na sociedade moderna. jamais representada como denominador comum apriorístico da opinião
Por sinal, a própria fidelidade a Rousseau cultivada pela tradição He todos os associados. Pelo contrário, implica um acomodamento even-
democrática participativa pode ser interpretada como um golpe de miseri- Wuil, O que, por definição, não poderia preexistir à livre e igualitária
córdia na alegação de que nosso filósofo seria um precursor, mesmo divussão do interesse comum.
a contragosto, dos regimes autoritários. Naturalmente, se, na linha dos |, precisamente esta consubstancialidade entre debate político e von-
“teóricos do consenso”, pensarmos que a participação em si mesma filo geral que impede a última de se converter em protótipo da indesejada
é um mal, que os estados só são estáveis e livres quando o consenso iniformidade da consciência coletiva. O que consagra a vontade geral
tácito prevalece sobre o perigoso risco do ativismo político,” então o não é a unidade ab initio, mas a unidade alcançada através da livre
explícito compromisso de Rousseau com o governo democrático direto, munilestação de pontos de vista divergentes. O acento na consciência
ou, no mínimo com o envolvimento permanente do conjunto dos cidadãos Eolotiva pertence a teorias políticas essencialmente inimigas do agon
na prática política, não chega a ser um grande argumento contra a alega: político; o conceito de vontade geral, diversamente, incorpora a discussão
ção de seu iliberalismo. política na sua própria definição. Noções holísticas como Volksgeist e
Mas convém indagar se a própria teoria do consenso é algo mais à ponsciência coletiva surgem na esteira da exaltação romântica (ou
que o avatar, na ciência política, da concepção holista de ideologia como aidio-romântica) da religião; já a doutrina da vontade geral é filha
suposta crença social abrangente — concepção que comprovadamente dy movimento intelectual pelo qual o século XVIII afastou-se da fé
se choca com as realidades bem menos consensuais do processo social holística e dirigiu-se à política da liberdade individual.
efetivo. Rousseau, pelo menos, era um profeta político, não um cientista Segundo Samuel Finer, toda situação política, aquilo que dá origem
social empírico. Podia legitimamente idealizar a sociedade. Dificilmente à atividade política, pressupõe duas características: (1) certo conjunto
se poderá dizer o mesmo daqueles que, acusando-o de inimigo da liber dl pessoas necessita dum estatuto comum; (2) seus membros advogam,
dade, atribuem status científico-empírico a alguma coisa que não passa para este estatuto comum, políticas mutuamente exclusivas.º A vontade
de invenção derivada de um inegável preconceito ideológico contra a fal de Rousseau, por sua parte, pressupõe essencialmente a ocorrência
democracia popular. A teoria do consenso é a melhor ilustração até Pauiente de situações políticas. Tendo isso em mente, somos levados
hoje da aguda percepção de Alfred Cobban de que a ciência política” à descartar in toto a alegação de Habermas de que Rousseau desejasse
“é a melhor maneira de evitar a política sem entretanto alcançar a ciên à democracia sem debate público? — observação que surpreendente-
cia”. Winito escapa à engenhosa, mas não convincente, subestimação por Ju-
Entretanto, ainda não conseguimos descartar o argumento de que dh Shklar do componente deliberativo do conceito de vontade geral.
a concepção de participação de Rousseau seja pouco promissora. Dizci A verdadeira natureza do contrato social consiste na sua identiti-
que ele confere à participação lugar central no empreendimento de ativar Pagão com a vontade geral, cujo exercício está a cargo da soberania
a democracia, lembrar que ela requer participação crescente onde que! popular, A soberania só sobrevive se o povo se reúne em assembléia,
que cresça a ação governamental, não implica negar que o objetivo P 4 natureza viva da assembléia popular é a livre deliberação entre
principal da política participativa seja mais prevenir e controlar que ums. O agon dentro da ágora — eis o que parece ser o mais notável
agir de modo criativo. Além disso, argumenta a Sra. Shklar, deveríamos Papirito da política de Rousseau. Assim como a arte mais “progressista”
ser cautelosos em associar participação e auto-expressão.* Não será a Ho sou tempo, a modernidade na área dos padrões da legitimidade —
vontade geral a sublime encarnação de um “moi-commun” antes que fanto à revolucionária estética do sublime como a teoria radical da demo-
o produto das vontades individuais? Flavia — vai buscar apaixonadamente seu figurino na Antigúidade. O
Talvez aqueles que insistam na presença de elementos pouco liberais Hssivismo acolhe o futurismo, como viril disposição voltada para o
e não auto-expressivos, supostamente envolvidos no conceito de vontade ip stionamento profundo do status quo político e cultural e para a recons-
geral, estejam negligenciando alguma coisa da máxima importância: a Hugão da ordem social quase que a partir do zero. Resta pouca dúvida

64 65
quanto à exatidão com que este princípio reflete o ímpeto da teoria few da passagem do governo direto para o governo representativo; vemos
da legitimidade social no Contrato social. Ora, se é assim, dificilmente aura que a emergência da legitimidade legal liga-se genericamente ao
poderemos representar as manifestações da vontade geral como pruden- fuuo do papel regulador do costume e à emergência da supremacia
tes atos reflexos, preventivos, educativos, controladores e, de qualquer da lei, Caracteristicamente, toda a tradição contratualista na moderna
modo, sempre passivos e reativos. A vontade geral não é apenas a fllmmofia política resulta da tentativa de lidar com o problema da justifi-
mística civil psicológica e psicagógica de J. Shklar. Acima de tudo, será Puvdo da obrigação — problema ao qual a incipiente mudança na relação
a sede e o produto da deliberação política concreta e aberta. Seu principal Entro lei e costume acrescentou uma amplitude e acuidade para as quais
empreendimento será o exercício da liberdade — e é este exercício Hom Os teóricos políticos da Antigúidade nem os da Idade Média pode-
que Rousseau (tanto quanto Mill) considera altamente educativo. A Hum atentar. A doutrina rousseauniana da vontade geral merece ser
ágora não opera como o lugar da paidéia cívica — opera como o seu punsiderada como o mais profundo dos empreendimentos teóricos neste
meio. Puntexto, já que a sua é a única teoria do contrato social que iguala
Finalmente — e este me parece o mais decisivo dos argumentos hi legítima e vontade pública. Rousseau é o único pensador que aceita
para situar a participação democrática no próprio âmago da teoria rous- integralmente tanto o caráter humano da normatividade moderna como
seauniana da legitimidade — a vontade geral é também necessidade histó- duas implicações relativas ao universo da obrigação política.
rica. Como argumenta vigorosamente Plamenatz, o declínio da lei con- Se considerarmos este contexto histórico, torna-se fulgurante a ine-
suetudinária e sua crescente superação pela lei estatutária não pôde deixar Fência da ativa participação democrática ao conceito de vontade geral.
de afetar a concepção humana da legitimidade. O crescimento da lei Apenas a maximização do acesso à atividade legislativa poderia satisfazer
estatutária prepara inevitavelmente o homem para considerar o sistema Wma teoria da legitimidade preocupada em estabelecer um tipo de obriga-
normativo como sistema humano, não mais procedente de alguma remota | que levasse a sério as consequências igualitárias decorrentes da mu-
origem “sagrada”. Ora, na medida em que as normas eram, pela tradição ança de concepção das normais sociais. o. dará
e pelo costume, apenas umas poucas regras supostamente imutáveis Pequena distância guarda esta concepção da atividade legislativa
por causa do seu caráter sagrado, não parecia haver qualquer tensão entre pum relação àquilo que estudos recentes denominam o anarquismo de
obrigação e justiça embutida na ordem normativa da sociedade. Pelo Housscau: sua forte tendência a considerar o governo como simples
contrário, tão logo começam estas regras a viver num ambiente social fpência encarregada da administração das leis leva-o a anelar por alguma
em que as atividades econômicas se alargam, a tecnologia se expande Eapécie de lei capaz de eliminar e não apenas limitar o governo político.
e multiplicam-se os papéis sociais, ocasionando o acréscimo sem prece- Para as pessoas habituadas ao convívio com a lei, mais do que com
dentes do exercício do controle social, ocorre uma notável intensificação Mou temor, o governo é algo bem menos sagrado que a própria lei.
da atividade legislativa: as pessoas são levadas a descobrir que a lei À dessacralização das normas sociais implica uma desdivinização a fortio-
é feita pelo homem, e inclinam-se, em consequência, a avaliar e a ques- Pido status dos governantes e de suas funções oficiais.
tionar a legitimidade das normas existentes. “Quanto mais as pessoas A própria pujança deste ideal de “governo não-governante” no
distinguirem entre lei e justiça, mais elas se preocuparão em que a lei E onirato social já deveria prevenir os críticos liberais de Rousseau quanto
seja justa”. À Injustiça de seu libelo. Entretanto, apesar disso ainda encontramos
Como consegiiência lógica, esta nova propensão a indagar sobre Wim historiador do pensamento social tão destacado quanto Robert Nisbet
o caráter mais profundo da legalidade da lei desdobra-se numa tendência insistindo no autoritarismo do culto rousseauniano do estado. Rousseau
para questionar o caráter da própria obrigação política; pois quando pegou a liberdade, escreve ele, mas observem: liberdade em relação
se começa a encarar a lei como mutável obra do homem, então se cade e não em relação ao estado.!º Se Nisbet se tivesse apercebido,
é quase automaticamente levado a indagar por que deve alguém curvar-se primeiro, de que o estado rousseauniano não se assemelha absolutamente
à vontade de outrem — no caso, à vontade dos governantes. Assim, à qualquer Leviatã burocrático e, segundo, de que este estado não signi-
o novo sentido de (i)legitimidade normativa compreende, desde o início, fon governo em qualquer sentido convencional, com certeza não teria
o desenvolvimento de uma nova atitude, potencialmente crítica, com manifestado apreensão quanto ao lirismo “romano” do estado de Rous-
relação à legitimidade política. sony. Não atribuamos a Rousseau os ídolos que ele não venerou —
Já vimos que o nascimento da teoria da legitimidade política decor- seu estado nada mais é que-o império da liberdade sob a lei.

66 67
Mas, e se aceitarmos que Rousseau seja um anarquista de corpo
4 problemática de Rousseau: Não coloco em dúvida a animosidade deste
e alma, um resoluto partidário da liberdade tanto em relação à sociedade
último contra as associações corporativas — mas não se pode ignorar
como ao estado, e ainda assim conseguirmos demonstrar que ele seja
fue seu pleito em favor da submissão à vontade geral pretendia liberar
um autoritário a contragosto? Esta sutil forma de crítica (devida a John
da pessoas da dependência opressiva. O Contrato social estabelece clara-
Charvet) desenvolve-se da seguinte forma. Para Rousseau o mais básico
mente que a emergência da liberdade requer um mínimo de igualdad
“dos valores é a unicidade do homem natural. Em estado de natureza, e
pronÔmica. Os ideólogos “comunitários” se esquecem simplesmente
pensava ele, cada indivíduo existe para si e só para si; os outros nada de
fue a maior parte das relações sociais intermediárias podem funciona
mais são que instrumentos para a individualidade de cada qual. Na r
tomo instrumentos da servidão social. Apenas quando se enfatiza conjun-
sociedade, entretanto, é necessário que cada um seja reconhecido em
mente tanto o princípio da associação pluralista como o princípio
seu próprio direito, pois, de outra forma, seria impossível acomodar da
participação democrática no autogoverno — como vem a ser o caso
as finalidades de uns às finalidades dos outros. Rousseau sempre execrou
do socialismo de guildas confessadamente rousseauniano de G.D.H
o estado resultante da interdependência generalizada, e por causa disso
Ele — é que a defesa da particularidade e da diferença deixa de militar
conferiu ao seu contrato social ideal a tarefa básica de restaurar a unici-
Pontra a política da liberdade. Na medida em que não captam
dade do homem natural. Ora, o único modo de assegurar a reconstrução este
disiinguo vital, os críticos deixam de apreender a real importância
da sociedade a partir deste princípio consiste em estabelecer uma ordem do
anticorporativismo de Rousseau.
social na qual cada um viesse encarar o outro em seu direito próprio,
Em certo sentido, o ímpeto participativo da política rousseauniana
mas sem reconhecê-lo como indivíduo substancialmente diferente. Assim,
nimegue até resolver, na prática se não na teoria, algumas dificuldades
o cidadão da república livre de Rousseau trata o outro como réplica
de si mesmo. A individualidade neste caso precede a todos os outros liirinsecas ao conceito da vontade geral. Com certeza a maior destas
dificuldades reside na “dupla relação” imanente ao conceito de contrato
valores — mas, como valor, só subsiste in abstracto, nunca como percep-
Muvial de Rousseau. Como bem observa John Hall, a idéia de pacto
ção real da diferença. “Os indivíduos se relacionam entre si em abstrato
anctal rousseauniano implica uma tremenda complicação para a prévia
para que possam se distanciar mutuamente em suas particularidades.”
Re contratualista, especialmente para aquela adotada por Hob-
— Ora, semelhante negação absurda da validade da particularidade
abre caminho para a “despótica imposição da particularidade de alguns
Realmente, para Hobbes a identidade das partes contratantes, cons-
sobre todos os outros.”!! O sonho da independência intransigente acaba
Hiutivas do corpo político, não tem a menor importância. Na medida
acolhendo a uniformidade tirânica.
Him que haja gente suficiente para estabelecer um soberano dotado de
Charvet sequer cita Hegel, mas o cerne da sua crítica de Rousseau Hier cfetivo, pouco interessa quem tenha estabelecido o pacto original
evoca irresistivelmente a dialética da liberdade absoluta que eventual- Hi Rousseau, entretanto, isso faz muita diferença, porque,
mente se transforma em insuportável terror. Como acontece com Nisbet, para ele,
d» partes contratantes, além de conferirem legitimidade ao soberano
a interpretação de Charvet também realça a antipatia de Rousseau por ,
tem de ser elas próprias soberanas e exercer o poder soberano.
todos os tipos de mediação entre indivíduo e estado contratual. Deve-se Eis
poi que o Capítulo VII do Livro I do Contrato social abre dizendo
a Gierke, não por acaso o principal precursor da dicotomia entre a dobro O pacto fundador, que “cada indivíduo, ao estabelecer uma relação
tépida Gemeinschaft e a fria Gesellschaft, a clássica representação da Pantratual pode-se dizer que consigo mesmo, passa a participar numa
vontade geral como perigoso e revolucionário solvente de todo vínculo Hupla relação como parte do Soberano em relação aos indivíduos e
social intermediário entre o indivíduo abstrato e o estado igualmente Pumo parte do Estado em relação ao soberano”. Vale lembrar que o
abstrato. A ideologia da “comunidade” exaltou sempre a particularidade Mberano é o corpo político em sua condição ativa; ao passo que o
em detrimento tanto do estado como do individualismo — e esta formu Batado é esse mesmo corpo político em sua condição passiva (Livro
lação romântica faz-se sempre acompanhar do louvor do sentimento t Cap, VI.
espontâneo contraposto aos crimes da fria razão. Um dos primeiros
Na verdade, mesmo que uma única pessoa participasse do estado
livros de Nisbet chama-se precisamente Em busca da comunidade.
qm não da soberania, esta pessoa estaria se obrigando a cumprir leis
O que mais choca nestes ataques “pluralistas” orientados pela ideo
Pretadas sem que seu próprio interesse fosse contemplado, já
logia comunitária é que eles conseguem despolitizar em larga medida Pomo vimos (veja acima, p. 22) Rousseau atém-se ao postula
que
do de
68
69
que os homens sempre se guiam pelo seu interesse próprio — mesmo Não obstante, é muito provável que pelo menos duas sérias objeções
quando aceitam a vontade geral, distinta de suas vontades particulares. fumam ser suscitadas contra nossa tendência a sublinhar a centralidade
Observa Hall que a dificuldade de ser ao mesmo tempo ativo e Ha democracia participativa na teoria da vontade geral, ou de recorrer
passivo, governante e governado, de ser quem dá e quem recebe ordens, Ho neu contexto histórico. A primeira objeção é tão contextual quanto
torna o contrato social de Rousseau situação bem menos plausível que à interpretação a que se opõe; a outra tem um caráter mais textual.
o de Hobbes. O fato é que para subscrever o contrato social rousseau- À primeira objeção pretende que a afirmativa de que a teoria da vontade
niano requer-se de um homem que não apenas obedeça à vontade geral pral tenha proporcionado a emergência de uma vontade-de-legitimidade
mas também demonstre que, ao fazê-lo, aceita tais e tais pessoas como undada na dessacralização das normas sociais é excessivamente anacrô-
parceiras da soberania; e além do mais, nessa condição ele é, por sua Hiva, pois o seu principal pressuposto empírico — a velocidade da ação
vez, também dependente de que os outros demonstrem não apenas seu lopilorante — só vem a manifestar-se efetivamente após a época em
acatamento da vontade geral como a aceitação particular deste homem ue Rousseau viveu, já que essencialmente se vincula à revolução indus-
como parceiro-associado ao exercerem, por seu turno, a vontade geral trial, Significativamente, os principais legimaníacos na filosofia social
— tudo isso implica nitidamente uma álgebra interacional de notável 08 benthamitas e os saint-simonianos — pertencem a famílias intelec-
complexidade, e aproxima do zero a plausibilidade da ocorrência de funis cujas progênies nasceram uma ou duas gerações depois de Rous-
tal situação. sen,
As sutilezas da dupla relação são moralmente impecáveis, embora Mas há mais que isso. Não é apenas o contexto de época que enfra-
altamente improváveis. Não obstante, se encararmos a vontade geral ijuoce nossa tese: o próprio texto de Rousseau aparentemente também
como essencialmente um pleito em favor do princípio de livre e demo- à desfigura. Independente do fato de que sua própria época possa ou
crática deliberação — noutras palavras, se o tomarmos pelo seu lado Não ser caracterizada como um tempo de intensa atividade legislativa,
operacional, como descrito no Contrato social — tais complicações se | mesmo Rousseau era bem pouco inclinado à inovação em leis —
reduzem. É verdade que a esta altura seria possível argumentar que Wi, melhor dizendo, pouco inclinado à inovação em geral. No prefácio
estaríamos desconsiderando a problemática construtiva que Rousseau H aua peça teatral Narciso, bem como nas Cartas da montanha, demonstra
se deu o grande trabalho de estabelecer, embora de forma diferente. pande preocupação com as mudanças dos costumes. Da mesma forma,
Entretanto, não faltam justificativas para a alegação de que, à vista à vimos que no Contrato social, os mores figuram entre as normas
da sua pertinência essencial à vontade geral, a dimensão deliberativa, fiHis importantes. Rousseau, que não era absolutamente um autoritário,
que é a práxis da democracia participativa, seja também constitutiva we sem sombra de dúvida ser qualificado como “tímido conservador”
do contrato social qua vontade geral; de forma que, na pior das hipóteses, drimley) — e mais, um conservador especialmente desencantado e
poderíamos estar preferindo um Rousseau a outro, sem trair seu pensa- pessimista. De fato, o temor aterrorizado da entropia assombra todo
mento por nos afastarmos de seu texto. Neste sentido é que se pode à livro, a obra inteira de Rousseau. O Discurso sobre a desigualdade
dizer que a participação democrática dá a volta por cima em relação lesanda a esse terror, autêntico discurso sobre a “entropologia” filosó-
à paralisante complexidade da álgebra da vontade geral. figa — e inegavelmente é ele o texto que anuncia e até mesmo contém
Lord Acton disse certa vez que o erro de Rousseau consistiu em HH Huce o pensamento político de Rousseau.
fazer derivar a sociedade dum contrato, enquanto que o de Burke era Tais objeções não me parecem de pouca monta. O grosso da ativi-
negar que o estado proviesse de um contrato!” — refutação liberal muito Mude legislativa, na tarefa de modernização da Europa, parece ter pouca
apropriada ao organicismo conservador, mas evidentemente equivocada Ponsequência para o conceito essencialmente participativo da democracia
como interpretação de Rousseau, que jamais pretendeu derivar toda dla vontade geral. Na verdade, Rousseau não apenas precedeu aquele
a sociedade de um contrato. Apenas a sociedade civil, baseada nas leis Evento, mas até mesmo o antagonizaria, por princípio. Quem sabe,
conscientemente feitas pelo homem em contraposição aos costumes,“ Hento ponto, não seria mais ajuizado abrir mão da tentativa de caracte-
que são gradualmente desenvolvidos, demonstra sua origem contratual. flar Rousseau como exaltado teórico da participação democrática e
Esta distinção confere grande autoridade à conexão que traçamos entre festringir-nos, como o faz Peter Gay, a considerá-lo o homem que reve-
o princípio da vontade geral e a emergência histórica de uma nova fenciava assembléias populares mas temia seus “longos debates, discór-
percepção da natureza da norma social. dias c tumultos”, sintomas da emergência dos interesses particulares

70 71
e do declínio do estado (Contrato social, Livro IV, Cap. 2); considerá-lo, iloquada. A relevância das filosofias políticas, assim como da arte ou
enfim, mais um “educador cívico”"* que um autêntico defensor da demo- a viência, é muito amiúde de natureza prospectiva; a coruja de Minerva,
cracia intensamente deliberativa? Fom sua preferência por vôos post-festum, acaba sendo metáfora sobre-
Entretanto (e o professor Gay é o primeiro a observá-lo), no mesmo fuudo incompetente para a relação pensamento-história.
ponto em que Rousseau manifesta repugnância pelos hábitos parlamen- À contribuição substancialmente mais ampla das normas estatuídas
tares, ele adverte que as assembléias tranquilas e a unanimidade fácil HH modernos sistemas de controle social, mais a consequente percepção
são desprovidas de valor, a não ser que a vontade geral prevaleça para Hi caráter humano das normas sociais, podem não constituir o real
a maioria — a vontade geral nada mais sendo que o interesse geral Petímulo histórico da doutrina da vontade geral — entretanto, isso nada
firmado em termos de justiça distributiva através da livre deliberação dubtrai à sua capacidade de ativação do significado prático da democracia
de uma assembléia de iguais. Contrasta explicitamente a dignidade da participativa. A práxis normativa da sociedade industrial, tanto quanto
assembléia deliberativa com a objeção de suas contrapartes servilmente dm subjacente psicologia da validade, jamais deixaram de conferir sen-
aclamatórias. De novo, quando Rousseau indaga (Livro II, Cap. 10) filo e valor ao ideal do consentimento democrático. Em qualquer caso,
qual o povo melhor preparado para receber da parte do legislador as fo so pode deixar de reconhecer que o quod omnes tanget veio a
leis constitutivas do estado justo, menciona, entre outros critérios, a HW vivenciado com imprevista nitidez nesta época de incansável regula-
ausência de “superstições ou costumes arraigados”. De fato, há muitos fintação de atividades em rápido processo de multiplicação. A legitimi-
argumentos para considerar a rousseauniana fixação “entropológica” Mudo democrática, mesmo quando insuficientemente democrática, tem,
com relação à preservação dos costumes populares como coisa totalmente poi bastante tempo e com bastante intensidade, coexistido com os melho-
diferente do indiscriminado amor dos conservadores pelos “hábitos fol- fes desempenhos da sociedade industrial — com tanta eficiência e estabili-
clóricos”. Mudo que esta coexistência acaba por insinuar uma relação funcional
O critério da excelência dos mores é sempre, para Rousseau, sua Entre ambas. A história, e não só a moralidade, está do lado do princípio
maior ou menor distância em relação à virtude republicana, baseada democrático.
na frugal igualdade arcádica. Noutras palavras, é o arcaísmo catônico Mesmo concedendo que a atividade legislativa, frequente e dinâmica,
de sua utopia social que o impede de contrapor a norma consuetudinária fo seja uma característica importante da noção rousseauniana de demo-
à liberdade ou à tarefa de reconstrução política — neste ponto a evidência Piva participativa, a inerência desta última ao conceito da legitimidade
textual coloca graves percalços às interpretações que postulam presu- o poderá ser minimizada, quanto mais descartada. Temos a clara
míveis afinidades entre os pendores conservadores das concepções sociais Peivepção de que a soberania legítima do Contrato social é ativa: nutre-se
de Rousseau e de Burke.'º Enquanto Burke se interessava principalmente da assembléia, e, quanto mais se requer legitimidade, mais ao povo
pelo que Sumner rotula de instituições crescivas, o pressuposto básico » tequer que pactue. O próprio Rousseau ostensivamente complemen-
de Rousseau — o contrato social — consiste obviamente em uma institui tou dua equação — legitimidade = soberania popular — com outra,
ção tipicamente estatuída embora, confessadamente, escorada numa séric fo menos fundamental, que promove a equivalência entre soberania
de suportes sociais — os mores — estes, sim, ao menos parcialmente sr é democracia participativa. Sua teoria da legitimidade demo-
crescivos. Fiona é efetivamente uma teoria da participação democrática.
Mas, se a objeção textual à nossa abordagem “histórica” do papel No cômputo geral, a teoria da legitimidade de Rousseau parece-me
da democracia participativa na política da vontade geral deve, como dpiPsentar cinco grandes méritos: perspicácia psicológica, excelência po-
acabamos de verificar, sofrer ampla revisão, a objeção contextual persiste |, sagacidade sociológica, validez histórica e solidez cognitiva. Em
ainda intacta. Tudo o que se pode fazer para contorná-la é argumentar, Primeiro lugar, inclui um saudável discernimento da psicologia da liberda-
como frequentemente acontece, que Rousseau apenas antecipou (e, ain HE Como ressalta Plamenatz, Rousseau captou muito bem o entrelaça-
da por cima, meio a contragosto) o cenário social da participação demo fis Hto entre o sentimento do dever e a experiência da liberdade.” Como
crática. Uma vez mais, seu arcaísmo parece surpreendentemente pros Bi O homem social não se satisfaz em apaziguar seus apetites; procu-
pectivo. Bem longe da validade ética atemporal, a teoria da legitimidade à também atender a suas preferências não imediatas, de longo prazo.
democrática de Rousseau vem a ser alguma coisa cuja legitimação histó o nesta busca de gratificações mais altas, mais duradouras, vem a
rica, como princípio, só ocorre a posteriori — e nem por isso é menos dE dar conta de que não poderia obté-las a não ser através do exercício
e
73
de um mínimo de autocontrole, já que sua satisfação implica inevita É O direito natural ao qual se conc
ede esta residência, razão por que
velmente muita transação com outras pessoas. Como resultado, a manu- Ppinoza a considera a forma real
e perfeita da sociedade. Assim, tal
tenção da própria liberdade pressupõe uma quantidade considerável de tomo a razão corresponde à perfeiçã
o do indivíduo, do mesmo modo
abnegação “instrumental”. Deste modo a liberdade vem enredar-se com h democracia é a perfeição da sociedad
expressivo número de regras: meus “deveres” condicionam profunda- e.
Ora, Já se tem dito que Spinoza,
mente meus “poderes”. Neste processo o indivíduo vivencia deveres o autor da mais vigorosa reflexão
metafísica imanentiista na filosofia
ocidental, muito habilmente enxe
“auto-impostos”, que são obrigações livremente derivadas das regras | senso Judaico-cristão de liberdade rtou
numa evidente restauração de con-
cuja adoção o conhecimento prático recomenda, já que operam em beitos-chave da sabedoria estóica. Exat
benefício de quem as cumpre, e são na verdade, e em última instância, amente como os antigos estóicos
postula um monismo imanentista,
e, através de toda sua obra, recu
impostos pelas finalidades e pelos desejos de quem as cumpre. sa-se
O que é peculiar a estes deveres, em contraposição às simples pai-
xões, é que quem os cumpre sente-se simultaneamente frustrado e libera-
do por eles. Eles nos constrangem na medida em que colidem com fomum pelo Jogos estóico — inclusive
a ênfase estóica na sociabilidade
nossa busca de gratificação permanente e, por outro lado, nos liberam fmencial ao melhor lado da natureza huma
na, o lado mais racional
na medida em que os percebemos como instrumentos e, portanto, parte É ansirer certa vez definiu Rousseau
como um Leibniz ético, um pensador
integrante de nossas metas livremente escolhidas. Neste sentido, os apeti- Moral que, devido à sua profunda
preocupação com o senso moral
tes, ou as paixões, determinam uma relação de escravidão — observação abundonara a epistemologia sensualista
Ho Locke e de seu amigo Condilla e, inadvertidamente se afastara
que já não se aplica aos deveres do homem livre. E este o conteúdo c rumo à dinâmica do 'sentimento
psicológico do conceito rousseauniano de “vontade geral” cujo signifi-
cado político já discutimos.
A segunda grande vantagem da teoria da legitimidade de Rousseau
consiste em sua excelência política. Nas Cartas da montanha (VII) Rous Piascau e Spinoza.
seau se define como o primeiro teórico da democracia, o que realmente RO homem que escreveu “jamais
seremos homens se não formos
é verdade, embora se pudesse considerar que o poderoso argumento iadãos” não hesitaria em subscrever a
Antogral corresponde ao estado de perfe noção de que a democracia
em favor da democracia como a perfeição da sociedade tenha sido formu ição da existência social. Se não
lado anteriormente pelo menos por um filósofo: Spinoza. Há na verdade pregou com mais fregiiência a palavra
— “democracia”, terá assim agido
algumas similaridades impressionantes entre a concepção sustentada po! PH prudência, não por falta de compr
omisso; tanto assim que era seu
Rousseau e a defesa jusnaturalista da democracia traçada por Spinoza Hábito em pregar o termo “república”
em sentido idêntico ou ao menos
em seu único trabalho publicado em vida, o Tractatus theologico-politicus to próximo, do termo “democracia”.
O Tractatus de Spinoza diri-
de 1670. Spinoza define a democracia em termos muito próximos aos FP 4 uma pequena elite constituída pela
Mora, jáo Contrato social presumia alta burguesia “livre-pen-
da soberania da vontade geral. Deste modo, a democracia para cle público mais amplo, numa En ão
emerge “da união dos homens que desfrutam (como membros) da socie | lógica consideravelmente desgastada
pelas corrosivas O
dade organizada, do direito soberano sobre tudo aquilo que está em tea social iluminista;daí o maior teor da precaução termi
seu poder”. Por isso é a mais natural e a menos imperfeita das formas nológica.
Na ensência, porém, não enxergo diferença
de governo, já que é também “a que mais respeita a liberdade individual”, substancial entre a demo-
de Spinoza e a república democrática
e, em seu seio, todos os homens permanecem iguais, como o foram de Rousseau. O que este
herescenta reduz-se, a meu juízo,
a dois ponto s. Primeiro, uma
no estado de natureza (Cap. 16). Pode-se dizer que a democracia desvela upação institucional com as assembléia
ao-estado sua verdadeira finalidade, que é a liberdade racional, definin
s participativas (mas vale
Spinoza, que no Tractatus politicus
do-se o homem livre como aquele que vive na órbita de seu próprio estigmatizou violenta-
Hi comunidades “cuja paz dependesse
direito (sui juris), sob a direção da razão. da apatia dos súditos condu-
Fumo ovelhas porque nada aprenderam
a não ser servilidade”,
Além do mais, para Spinoza, o direito natural, para ser efetivo, amente concordaria com a concepção
requer um pacto social — o pacto que institui o estado. A democracia participativa do princípio

74
cratismo dentro de uma moldura teórica geral na qual a democracia, Mio deste conceito: com ele, a desigualdade passou a
ser considerada
ainda um telos social de alguma forma estático em Spinoza, tornava-se tomo a causa do mal, não sua consequência.”
prática ativa. Na arquitetura global dos principais trabalhos de Rousseau, Sem dúvida, existem antecedentes filosóficos desta fecunda inversão
o conceito democrático de Spinoza evolui do estado de legitimidade para do perspectiva — um importante embasamento consistia
na própria in-
um contínuo processo de legitimação da sociedade, pois a vontade geral venção do conceito de problema social, devida, conforme já record
amos
só confere legitimidade através da contínua relegitimação de si mesma | à fellexão iluminista no seu todo. Por conta de seu enfoque da desigu
al.
pelo constante apelo à participação democrática. dade, Rousseau praticou a mais geral e a mais radical crítica social
Talvez fosse possível formular sucintamente esta diferença lembran- do Iluminismo.?!
do que Spinoza falava de “perfeição”. Rousseau, em profunda, embora Não precisamos entrar em detalhes quanto à generalidade
de suas
inexpressa concordância com as linhas mestras do pensamento do seu pações sobre a ilegitimidade social. Basta mencionar seu escopo
radi-
século, acentuava a perfectibilidade. A democracia era para ele a perfecti- | Sipnificativamente, Rousseau encerra o primeiro livro do
Contrato
bilidade em progresso da sociedade. A seus olhos, a única coisa que ul com um comentário que “deve constituir a base de todo
o sistema
poderia tornar a ordem social legítima — o contrato social como vontade ln”, a saber, “que o pacto social, longe de destruir a iguald
ade
geral — não era algo que se estabelecesse de uma vez por todas, mas Hural, substitui a desigualdade física, semeada pela natureza entre
algo que, como o permanente e laborioso trabalho do ego para Freud, homens, pela igualdade moral e legítima”. A igualdade
constitui
fosse vitória progressiva sobre as forças da opressão, da desigualdade nto, vamos repeti-lo pela última vez, a precondição essenci
al à
e da ilegitimidade. Se considerarmos o utopismo como fruto do pensa e Deste modo oferece o fundamento necessário
à democracia
mento atemporal e do recorrente anseio pelo equilíbrio cronofóbico, "
então Jean-Jacques Rousseau, o primeiro teórico da democracia, foi | m relação a este ponto deve-se observar que é largamente sintom
á-
também um dos menos utópicos. lo, apesar de toda a importância que dispensa à educação,
Rousseau
N subordina a igualdade à educação; isto é, diferentemen
O terceiro mérito do princípio rousseauniano da legitimidade demo te de Pla-
crática consiste em sua acuidade sociológica relativa às condições de liberdade h, jamais situa os benefícios da paidéia acima da abolição
da injusta
É sabido que Rousseau foi o primeiro pensador a perceber integralmente l tilicação social. A virtude é de extrema importância, mas não ante-
que o homem pode ser dominado e oprimido pelo meio social que a necessidade de assegurar a igualdade, por amor da liberda
de.
ele mesmo tenha criado.!º Que se dê a este conceito o nome de “aliena tum elitismo = mesmo a duvidosa meritocracia da virtude cívica
filo prejudicar a plenitude do ideal democrático. É este
ção”, se esta for a preferência — o fato é que Rousseau antecipa à o melhor
reflexão crítica sobre um sentimento, ou angústia, cuja amplitude « Higumento (mesmo supérfluo) ao suposto autoritarismo de
Rous-
pungência, hoje, poucos contestariam; antes, vem sendo repetidamente 1

Vale repetir que a relevância das idéias de Rousseau para a constru-


enfatizada pelos mais sensíveis observadores da cena social, desde 01
do tonceito de homem moderno é indiscutivelmente
seus dias. Se definirmos a liberdade política como a primeira e a mais inestimável:
y tlade política, no mundo
importante das faculdades de que dispomos, nós e nossos semelhantes, moderno, vincula-se necessariamente
H uma base social. Na Antigiiidade, as estruturas sociais heterogê-
para controlar uma porção significativa do destino da sociedade em
que vivemos, podemos então dizer que, ao dramatizara hipótese da à fundadas no trabalho escravo, tornaram possível postular a consti-
perda de controle pelos homens de seus interesses sociais, Rousscii da liberdade “sem consideração” a seu suporte social. Aos olhos
lúteles ou de Cícero, não era matéria de questionamento
elaborou uma doutrina da liberdade inteiramente sensível às precon que
dições sociológicas desta liberdade — assim como vigorosamente crítica ilude política fosse privilégio de uma elite proprietária; em sua
de sua inexistência. da política esta era uma pressuposição quase tácita. No espaço previa-
O cerne desta crítica social é a preocupação com a desigualdade k Hireunscrito de posição elitária, a liberdade podia ser uma questão
Até o advento de Rousseau, concebia-se a desigualdade, de uma mancir4
Jumais um problema social. Os pensadores modernos, pelo con-
geral, como fruto da corrupção. Esta a crença que os Padres da Igreji paia quem a situação social não era mais um atributo imutável
legaram ao pensamento social tradicional: a injustiça era encarada comu Hi à reconhecer que a liberdade política implicava um conjunto
punição do pecado. Rousseau veio a ser o principal proponente da invo tivo de precondições sociais. A não ser que estas fossem alcança-

76 air
das, a liberdade não passava de ficção. Conforme escreve Rousscati do legislativa mais ampla possível não pudesse ser combinada com
com seu gosto por paradoxos hiperbólicos: “Vós, povos do mundo mo pulamentação pela autoridade representativa de questões que se
derno, não tendes escravos e sois todos escravos” (Contrato sociul Peentussem ad hoc. Em si, a base democrático-social da soberania
Livro III, Cap. 15). Esta afirmativa ocorre no contexto da discussit E à nenhum impedimento para lidar com as múltiplas demandas de
(e da rejeição) do conceito da representação política — e não podia EHlamentação emergentes nas sociedades em permanente progresso.
deixar de soar como eco da antítese veementemente generalizadora qui Levando em conta as implicações substantivas do princípio da
abre o livro: “O homem nasce livre e, por toda parte, encontra-se aco! Elivipação democrática, é difícil não qualificar como despropositadas
rentado.” A essa situação Rousseau opõe uma prescrição bastante mode avaliações depreciativas da filosofia política de Rousseau que acu-
rada e razoável: não seja permitido a nenhum homem ser tão rico que 4 leoria da vontade geral de oferecer uma lógica “puramente
possa comprar outro, nem tão pobre que deva se vender. Nada escapi Wmal” da obediência civil.? Ora, por que “puramente formal”?
pelo menos em princípio, aos “contratos sociais” deste estado de beni ue — responde Roger Masters, na linha de Leo Strauss — a
estar bastante desenvolvido — um tipo de sociedade certamente ainda fude peral é ateleológica: preside um conjunto de princípios de
irrealizada, mas que é, em algum ponto, delineado pelas principais ten oito, concebidos, como em Hobbes, apenas com a finalidade de
dências das sociedades industriais avançadas nos dias de hoje. purar a obediência, não para encarnar os fins transcendentes do
O anverso da dimensão crítica do senso sociológico da filosofia política fem em comunidade.
rousseauniana é a validez histórica da sua teoria da legitimidade, o que Não precisamos prosseguir na discussão desta crítica. Sua insistência
constitui a meu ver o quarto inestimável mérito desta. Por “validcy anto À falta de teleologia em Rousseau simplesmente deixa de enxergar
histórica” entendo a adequabilidade do princípio de participação demo aubistancial adequação histórica do seu sentido democrático — tanto
crática ao tipo de sociedade em que chegamos a viver, onde as normas ponto de vista social como político — às necessidades da legitimidade
sociais em rápido processo de multiplicação tendem a ser consideradas Hidem social moderna. Dizer que a vontade geral é estritamente
regras feitas pelo homem e que, em acordância com o preceito do quod fmal é absolutamente falso, à vista de exigências rousseaunianas quanto
omnes tanget, deveriam ser estatuídas com o consentimento ativo de à participação democrática e à promoção da igualdade social. Quanto
todos os participantes do vínculo social. Esta adequação do princípio Cy falta de atenção a uma ética teleológica estável, trata-se aqui
legitimidade de vontade geral à experiência normativa da modernidade plaro desacordo com o curso da história moderna. No fundo, pensa-
figura como o reverso da sensibilidade social de Rousseau, já que à duros da linhagem straussiana, como Masters, não estão fazendo qual-
participação na feitura das regras e na tomada de decisões é a reação Mui crítica a Rousseau — sua briga é realmente com a mentalidade
natural à alienação do homem no ambiente que ele cria (e sustenta) Eulerna como um todo. Não admira que Masters termine seu livro
Significativamente, os programas para aumentar a participação respon ferindo excentricamente o Discurso sobre as ciências e as artes entre
sável na economia e na política têm sido quase que a única resposta lados os trabalhos de Rousseau; e é neste pathos, impregnado de Kultur-
prática às predisposições alienantes do mundo moderno. Boiilk, que ele não hesita em endossar todo vitupério à “sociedade de
Como já examinamos detalhadamente este assunto (pp. 61-66, acima), iunsas” desde os de Ortega y Gasset até os de Herbert Marcuse...”
devo limitar-me aqui a assinalar que os problemas práticos surgidos Embora seja levemente cômico assistir ao mito marcusiano da Grande
quando se estende o princípio da participação reguladora às sociedades Hovusa pêle-mêle com o ataque tradicionalista de Strauss à modernidade
vastas e complexas como as do industrialismo avançado teoricamente [Ensimento que trai a oculta afinidade dos “humanismos” de direita
não diminuem em nada a validade histórica da legitimidade democrática é de esquerda), semelhante interpretação realmente pouco enriquece
(para não falar de suas intrínsecas qualidades éticas). Muitas das normas à nossa compreensão de Rousseau.
sociais necessárias ao funcionamento destas sociedades são estatuídas A incapacidade de lidar com a modernidade, nesses termos não
ao nível governamental, em contraposição ao nível legislativo. Ora, con pjejorativos, impede também esta escola de pensamento de captar a
trariamente ao que se pensa, Rousseau não se coloca contra o governo iuinta virtude da filosofia política de Rousseau: seu mérito cognitivo,
representativo; o que ele recusa, no Livro III, Capítulo 15 do Contrato Hi epistemológico. Obcecado, pelo caráter “ateleológico”, pelo não-
social, é a representação da soberania.2 Em consequência, não há motivos irinscendentalismo do Contrato social, críticos como Masters censuram
pelos quais, dentro desta teoria da legitimidade democrática, a partici- fue o conceito de natureza em Rousseau não seja científico nem racio-
78 79
nal.” Realmente, Rousseau, assim como os outros pensadores pa es imnis da desnaturada apoteose do dever na Crític
inspira Po, a da razão prática.
tempo, usaram o termo natureza como um É claro que seria altamente inadequado repres
entar Rousseau como
denotando tanto a realidade factual como suas possibilidades ane lim rústico protobenthamista, em vista do
lado estóico de sua concepção
cas.” O termo natureza deveria referir simultaneamente aspectos E moral, A pura verdade é que ele jamais capitu
la ao eudemonismo, ou
e dinâmicos, e a não ser que adotemos uma estreita Ru dinda à tendência genericamente utilitarista
do pensamento moral do século
vista, não há como deixar de reconhecer a utilidade crítica a AVIII, Estimulado por uma vida bem pouco dignif
icante a se tornar
O pret ends
nu paanaindela se pis sr festava
| defensor infatigável da dignidade humana, Jean-
das coisas, para que Jacques Rousseau
à natureza Mibscreveria prontamente o dito marxista de que
teórica de
à ilegitimidade o homem necessita
ainda argutamente alerta quanto pão c honra. Não obstante, na medida em que perten
cer o direito pelos fatos — disposição que ele detectou e estigr cia a uma intelli-
Henisia ansiosa por se libertar, não pôde antever
Ea E Grotius o social, Livro 1, Cap. BD. Desejava posar de nenhuma forma
à luror criptoteocrático que excita o rancor dos human
os princípios do direito político, considerando * e tico istas modernos
Pontra qualquer forma de utilitarismo: não enxergou
elas devem ser, para que dae a qo portanto nenhuma
são, e as leis como Pantradição entre a reivindicação da dignidade e o
não se separem”.”” Em outras palavras, tentou aee ne ant o reconhecimento dos
incípios da utilidade de um modo gerale, particularmente
lismo” quanto possível na sua busca da república ideal. epi Rn ocia , do interesse
prio, como sólido alicerce sobre o qual edificar a justiç
de sua teoria política era empirista sem ser positivista”: jugav: a. Já consta-
tos que suprema justificação teórica do contrato social é, à semel
agudo senso de realidade com padrões éticos Ends e. hança
Hobbes, a autopreservação — a liberdade igualitária
Tem-se afirmado que no pensamento de Rousseau não sa sp: é apenas a
Ema civil que esta última assume.
ço para considerações de caráter utilitário. Cassirer repreen es o E No máximo, o que poderíamos dizer é que Rouss
por conceder lugar de honra na filosofia rousseauniana dnten a o eau mais se apro-
Hi do utilitarismo de regra que das deficiências
reconciliar virtude e felicidade; e exalta Kant, único pensador a ae do utilitalismo prático.
| se sabe, o utilitarismo prático postula que
mente ético que o século XVIII produziu” como o único dus comp ee o cálculo da máxima
dade para maior número seja processado
deu Rousseau, ultrapassando as homenagens formais ao su gm caso a caso, enquanto
O utilitarismo de regra postula, por definição,
da época.” Que contraste com aqueles que, nostálgicos saio aa o reconhecimento
EjHo à conduta moral envolve a universalização das
social da elite confessional, situaram a doutrina “ateleológica” da v a regras e dos padrões
Weedimento, transcendendo assim a mera
geral no mesmo nível que a herança moral moderna por excelênci; computação de vantagens
dintas, Dada a sutil interface que sua psicologia
— ilitarismo! da liberdade propõe
HP Interesse próprio e regras universalizantes,
: E Rousseau não era definitivamente nenhum Monsieur rc seria difícil não alinhar
bau entre os utilitaristas de regra.
kantiano, inadvertidamente expressando-se na linguagem Re a o O que interessa entretanto assinalar é que
categórico. Sua ênfase na concepção do homem como cria sã a esta perspectiva utilitária
feclama liberdade e justiça quanto ordem e
mente movida pelo interesse próprio deveria impedir-nos E q segurança. Considera
ado da liberdade e da igualdade como único
sua teoria da justiça à ética do imperativo categórico, que exc E E na Willem e da paz entre os homens. Dentro provedor confiável
e p É o desta concepção moral,
mente a possibilidade de que a ação motivada pelo timidade fundamenta-se na natureza das coisas, e as leis
ideais
tenha qualquer valor moral. De fato, para Rousseau o Ss E 8 x + filituição natural do homem. Se a democracia
interesse próprio tanto quanto participa da vontade se e E qual , é a melhor legiti-
ta sociedade, seu princípio deve ser ao mesm
persegue sua vontade particular. Nem mesmo o uti ; iso eme a o tempo racional
fico — tal como o próprio conceito de natur
foi tão sensível à questão do interesse propria pe asno sto a E t ! eza no pensamento
à do século emancipatório.
do Princípio da Máxima Felicidade não depende a premissa Es dh última análise, coube a Derathé a melhor réplic
o homem seja exclusivamente motivado pelo próprio pe leai tum a “ausência
a âqueles que
de finalidades” da vontade geral. O grande intér-
to, ao menos neste ponto crucial, o fato de Rousseau não es um p cu de Rousseau observou que antes do Contrato
ortodoxo do utilitarismo — não equivaler, por exemplo, É pe turma social os pensadores
toncebiam a finalidade do estado como a
— em vez de aproximá-lo do antieudemonismo de Kant, afasta-o : proteção de seus
| Rousseau concebeu-a como a proteção
da liberdade. Assim
80
81
a liberdade converte-se de simples precondição da sociedade civil em
— precisamente — sua finalidade. “A essência do corpo político consiste
na concordância entre a obediência e a liberdade” (Contrato social,
Livro III, Cap. 14).º!

| Comentários Finais:
ousseau, o “Anarcaísta”

Contrato social, um tratado de direito político a ser lido conjunta-


to com o Discurso sobre e desigualdade e com o Emile, Rousseau
ce-nos uma teoria da legitimidade democrática fundamentada em
vel perspicácia psicológica, excelência política e discernimento socio-
vo, Além disso, essa teoria da legitimidade é formulada em nível
mológico que é crítico sem ser hostil à realidade empírica. E o
é mais importante: ao elaborar um conceito de soberania democrática
p à liberdade e sua sustentação social são estabelecidas firmemente
o base da legitimidade, ele possivelmente produz a sistematização
lica mais adequada à sociedade moderna e ao seu tipo específico
ontrole social — a lei racional “profana”, versus a tradição consuetu-
a “sagrada”.
Escrevendo ao seu editor holandês, Rey, Rousseau descreveu o
ilrato social como um “livro para todos os tempos”. A tendência
| entre os exegetas contemporâneos desde Jouvenel e Derathé até
obinski e Shklar, vem consistindo em assumir esta chave interpre-
1H, como se o tratado devesse ser lido como ferramenta crítica, mas
lituído de importância prática. Tentei demonstrar que há suficientes
Ivos para recusar esta leitura. Por mais que os detalhes institucionais
etados por Rousseau sejam inaplicáveis hoje, ou a qualquer tempo,
| depende disso a relevância prática de vários aspectos principais
a teoria política, especialmente sua postulação da participação deli-
tiva como a alma da democracia autêntica. A tradição socialista
ral que, no decorrer do século XIX, enfatizou a importância da
licipação democrática na atividade legislativa e no processo de tomada
lecisões, entendeu Rousseau muito melhor que alguns de seus erudi-
nalistas e comentadores mais recentes.
Rousseau fundamentou seu conceito de legitimidade na idéia da

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necessidade de liberdade. Concebeu, por sua vez, a liberdade como funtra O demolidor impulso em direção à uniformidade detectado por
assentada em certa predisposição coletiva — a virtude — brotando, Inuqueville na sociedade moderna. Enquanto Hegel e Tocqueville, her-
em última instância, do comportamento individual. “La patrie ne peu doiros de Montesquieu e do seu amor pela diversidade, persistem como
subsister sans la liberté, ni la liberté sans la virtue, ni la virtue sans da paladinos da diferença, Rousseau é apresentado como agouro da
les citoyens”* (Discurso sobre a economia política). Por outro lado, Hinsenta homogenidade da “sociedade de massas””.?
por mais que a liberdade derive da virtude, é impossível que ela floresça Na medida em que esta acusação apenas requenta as restrições
sem a igualdade. Um comentador moderno, John Hall, pondera que liogelianas contra o alegado “despotismo da liberdade” de Rousseau
os dois critérios de justiça distributiva definidos por Rawls podem sci er p. 45, acima), não merece mais nossa atenção. Apesar disso, a
considerados análogos à preocupação liberal-igualitária de Rousseau funtistação com o igualitarismo radical pode assinalar uma indiscutível
Eis os dois critérios de Rawls: (1) que cada participante na prática social E desconfortável” característica do pensamento de Rousseau: o arcaís-
tenha um direito equivalente à mais ampla liberdade compatível com Jo de sua visão histórica, assunto que já afloramos ao considerar rapida-
a mesma liberdade desfrutada por todos os demais; (2) que todas as monto suas idéias sociais e econômicas (p. 43, acima). Não há como
desigualdades sejam consideradas arbitrárias, a não ser que se possa pur que o ascetismo espartano de sua cidade ideal é dificilmente conci-
esperar que elas operem em benefício de todos. Além disso, as posições fivol com qualquer coisa mesmo remotamente aparentada com a vida
a que as desigualdades se vinculam devem ter seu acesso aberto a todos fiuderma e sua moldura sócio-econômica. Naturalmente o que mais lhe
Os critérios de Rawls são, na verdade, essencialmente afins ao espírito lmportava era sustar qualquer cumplicidade com as formas de opressão
da sociedade em que o interesse comum prevalece como suprema autori Ho Irequentemente acompanhavam, e ainda hoje acompanham, o ad-
dade, presumindo-se que não interesse a ninguém abdicar da própria nto do “progresso”. Especificamente, queria demonstrar em que medi-
liberdade.! Tal sociedade constitui para Rousseau “a instituição legíti à realidade social contestava a justiça da república ideal: como o
ma”, isto é, o predomínio do contrato social como vontade geral. Higuês em cada homem vivia de forma oposta ao cidadão virtuoso
Tem-se alegado que o vigoroso igualitarismo do conceito rousseau à aulodeterminado. A questão que então se coloca refere-se à necessidade
niano de liberdade pressupõe uma homogeneidade social global, enquan dl que esta modalidade de crítica social implique uma rejeição tão extre-
to que para a civilização moderna as diferenças sociais não são apenas Wide todos os aspectos da economia de mercado. Será mesmo necessário
largamente disseminadas mas ainda consideradas como essenciais à pró dhegar ao ponto de amaldiçoar toda divisão do trabalho e a conseqiência
pria identidade humana. As diferenças sociais, nesta perspectiva — apres formal de seu desenvolvimento, o dinheiro? Rousseau considerava o
sa-se a explicar Charles Taylor, importante democrata neo-hegeliano imo “finanças” uma “palavra escrava” (Contrato social, Livro III,
— não implicam em estabelecer distância social entre estratos superiores Hp; 15) e sustentava que os cidadãos dum estado realmente livre deve-
e inferiores; antes, envolvem particularidades etnoculturais que o refoi im fazer tudo com suas próprias mãos, jamais lidando com o dinheiro.
mismo liberal enganosa e inutilmente tenta subsumir sob o equívoco do recua sequer diante da idéia de substituir a tributação por trabalho
e moralmente raso universalismo do “progresso”. Para Hegel, Rousseau, fgado como forma de suprir o estado com os recursos que lhe sejam
ao reivindicar o igualitarismo da “liberdade absoluta”, arremeteu indis “co Em suma, combate despropositadamente qualquer instância
criminadamente contra a diferenciação social, cegamente ignorando 1 Celdverhãltmisse, de relações sociais monetarizadas.
necessidade de instituições para que possa existir e funcionar o estado Ao mesmo tempo, “avaliava todo caso concebível de dependência
Hegel condenava também o radicalismo de Rousseau com base no arpu Bial em termos de distinção entre liberdade e escravidão”.? Em outras
mento mais específico de que é necessária a existência de estados; 0 lavras, o intransigente “arcaísta” era também uma espécie de “anar-
professor Taylor descarta esta convicção nitidamente conservadora quan mista”.
to à suposta necessidade de sobreexistência da estratificação social, mas Por certo que Rousseau não pode ser tachado de anarquista no
atém-se a um protesto “expressivista”” em nome da liberdade “situada”, dentido de que considerasse o estado como uma opressão per se. A
fon vez em que emprega o termo “anarquia”, o faz de forma bastante
jorativa, referindo-se à desordem causada pelos abusos governamen-
ia, em sequência a uma deplorável dissolução do estado. Quanto ao
*A pátria não pode subsistir sem a liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude scr
os cidadãos. (N. do T.) anarquismo”, doutrina política originalmente emergente na aurora da

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Revolução Francesa, todos os seus principais expoentes, de Godwin His por que ele declarava que o cristianismo, era não apenas politica-
a Kropotkin, rejeitaram expressamente o conceito de contrato social, mente inadequado mas também pernicioso, já que solapava a moralidade
em nome de uma convicção perfeitamente anti-rousseauniana da origem tivica,
natural e mesmo pré-humana da sociedade. Além disso, pelo menos À primeira vista, pois, Rousseau era não apenas notoriamente anti-
uma das mais influentes fontes do anarcó-sindicalismo, a obra de Prou- Hlorical, mas também, e em larga medida, anticristão, pelo menos no
dhon, desprezava o pensamento de Rousseau. quo se refere à política (e sabemos que a ética é para ele largamente
Portanto, definitivamente não haveria fundamento para rotular Pnextensiva à política). Entretanto, as coisas não são tão simples. O
Rousseau como anarquista no sentido literal deste termo. Se, contudo, parente retorno rousseauniano à mentalidade da pólis é enganadora.
tomarmos o termo “anarquismo” em sentido mais amplo, denotando [ome-se a Política de Aristóteles como paradigma. Lá o homem tem
o ideal de autogoverno individual e igualitário, e, nestas condições, como tomo destino viver na cidade (“um animal social, ainda mais que as
forma extrema da política libertária, então nada nos resta senão consi abelhas”), e o “homem natural”, herói de Locke e Rousseau, é uma
derar Rousseau como pensador com poderoso pendor anarquista — impossibilidade teórica: isolado da sociedade, “o homem é uma fera
pois foi ele, sem sombra de dúvida, um apaixonado defensor do autogo Hu um deus”, jamais um ser humano. Aos olhos de Rousseau, contraria-
verno libertário e de base igualitária. mente, o principal objetivo da sociedade justa — a “instituição legítima”
De qualquer forma, devo observar que “anarcaísmo” é o melho: é criar um estado de coisas tal que se aproxime maximamente da
rótulo para seus ideais sócio-políticos considerados in toto: essa mistura liberdade do homem natural (ver p. 21). Aristóteles jamais seria um
altamente original de política libertária com uma visão social retrógrada. Pontratualista no que se refere à explicação das origens do estado, mas
Agora, o que precisa ficar muito claro é que o sonho rousseauniano Housscau é um contratualista extremado, e como todos os pensadores
da Antigúidade não o impediu de delinear um modelo de legitimidade Ho contrato social, um obstinado individualista. Só o individualismo
política altamente sensato e históricamente válido. Se mais não fossc, fovela que sua postura “espartana” não é senão máscara retórica a serviço
seu amor pela antiga cidade republicana funcionou, tanto quanto o entu Ho idéias tipicamente modernas. Seu eloqiente libelo contra o sobrena-
siasmo plutarquiano dos artistas neoclássicos de sua época, à maneira hiral cristão, ou contra o cosmopolitismo (ponto, aliás, em que se afasta
de Jano: enquanto sonhavam com o passado remoto, vinham a criar Him estóicos), não pode jamais ocultar o anarquismo subjacente e este
um ethos heróico especialmente adequado à mentalidade burguesa às Mivalsmo — e o anarquismo, como a universalização da liberdade, é
vésperas da sua emancipação das relíquias políticas, sociais e culturais HHIA convicção caracteristicamente moderna, verdadeiramente consubs-
da servidão feudal. fanvial à religiosidade individualista do vigário da Sabóia.
A modernidade do arcaísmo de Rousseau pode ser melhor apreciada Ainda assim, enquanto visão social, não resta dúvida de que o
se a considerarmos em sua complexa relação com o cristianismo. O peculiar “anarcaísmo” de Rousseau ostenta uma face muito menos pro-
papel do cristianismo na vida e na sociedade foi naturalmente uma das Biesista. Aqui o anarcaísta se converte em porta-voz do populismo agrá-
principais preocupações do Iluminismo, como “paganismo moderno“ Ho mais estagnado, mais regressivo; a máscara arcaica deixa de ser
Montesquieu, por exemplo, observara que a educação prática que à dm dispositivo modernizador para tornar-se um verdadeiro estorvo. Em
homem moderno recebia do mundo contradizia flagrantemente sua ins Wútras palavras, a excelência da política de Rousseau vem a ser inequivo-
trução cristã. Os antigos simplesmente desconheciam a antítese moderna Pamente desfigurada pelos antolhos daquilo que chamaremos seu ““poli-
entre os deveres da religião e as obrigações mundanas (O espírito das Homo”; sua irrealística preferência por manter os padrões políticos em
leis, Livro I, Cap. 4). Hemintonia com a tendência da evolução social, diferenciados de seus
Rousseau, como sempre, era muito mais radical. Já notamos 0 Mapectos criticáveis mais transitórios. “Politismo” quer dizer teoria polí-
quanto ele despreza a perspectiva religiosa “extramundana”. De fato, Ha deliberadamente privada de realismo sociológico.
opunha corajosamente o ethos da pólis ao transcendentalismo cristão Como poderia Rousseau contradizer de forma tão flagrante, em
No Contrato social (Livro IV, Cap. 8) e noutros textos, insiste em que Bm concepções sociais, a duradoura importância de seu pensamento
o vínculo que ligava cidadão e pólis era um vínculo real, ainda que Bm termos estritamente políticos? Para dar resposta a esta questão —
particularista, enquanto que a união em Cristo entre o indivíduo c à à Wsim completar nosso esboço de avaliação geral da teoria da legitimi-
resto da humanidade tinha um caráter universal, mas abstrato e ideal Mudo desenvolvida por Rousseau — devemos rapidamente passar em

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revista algumas nuances do significado da palavra “liberdade”. Recor muadores (entre os quais Berlin é o mais eloquente) diferenciam-na
rendo outra vez, e com bastante liberalidade, a Plamenatz,* verificamos hor inteiro da liberdade negativa, entendida simplesmente como a liber-
que existem quatro tipos de liberdade. Mudo individual derivada da ausência de intervenção.
Há a liberdade da opressão e da intervenção arbitrária, que consiste Peço vênia, entretanto, para discordar destas restrições neoliberais
no gozo dos direitos estabelecidos, fundamentada no senso individual HH emprego da palavra liberdade no sentido positivo. Sem negar sua
de dignidade. Pantribuição analítica, resta pouca dúvida de que a experiência coletiva
Há a liberdade política, que é a liberdade de participar do gerencia Him vários tipos de liberdade desde o século XVIII, primeiro no Ocidente
mento dos interesses da comunidade. E depois em toda parte, após o surto da industrialização, corrobora
Há a liberdade que é liberdade de consciência. Ho mancira absolutamente convincente o conceito de liberdade positiva
Finalmente, há aquela liberdade que os homens exercem quando mo “liberdade para alguma coisa”. Aqueles que, como Sir Isaiah
se sentem livres para buscar outros padrões de excelência além da justiça; Wrlin, preferem encontrar no impulso da “busca da felicidade” principal-
pois o interesse pela liberdade não deriva apenas da moralidade e do fito uma “luta pela obtenção de status e de reconhecimento social”,
sentimento de justiça, mas, igualmente, de aspirações que, não sendo parte dos vários grupos sociais, e ressaltam que tal impulso, embora
propriamente morais, não brotam do desejo de participar do governo Elavionado com a liberdade, não lhe é idêntico nem no sentido positivo
da comunidade; nem é possível reduzi-las à imediata necessidade dc in no sentido negativo de superação de desafios, parece que deixam
expressar as próprias convicções — trata-se aqui das aspirações a um pnptar importante aspecto histórico.
modo de vida que pareça a cada qual bom ou agradável, fundado em Mesmo que concordássemos com Sir Isaiah que a maior parte das
valores que apenas parcialmente têm caráter moral. Wuluções procede da necessidade de segurança material, da luta em
Enquanto as três primeiras formas de liberdade são basicamente Mor da liberdade política, ou, last but not least, das pretensões de
formas de liberdade em relação a alguma coisa (seja esta coisa a interven Hs, antes que do desejo de alargar a liberdade de escolha enquanto
ção arbitrária, o governo opressivo ou a coerção intelectual), a última on individualista da excelência, ainda permanece o fato de que o
corresponde fundamentalmente à “liberdade para” alguma coisa: libei senvolvimento social e cultural, desde o Iluminismo, tem sido podero-
dade de proceder como nos agrade. Essa “liberdade para” sempre existiu Mimento modelado por crescente luta pela aquisição de status, antes
em toda forma de vida social conhecida. Apenas só se torna universal Ho de papéis ou posições sociais preestabelecidas. Considerada a ine-
mente difundida, por óbvias razões, na sociedade muito mais rica « fito Iluidez da sociedade industrial moderna, tanto em termos de estru-
muito menos prescritiva que emergiu com a industrialização, no limiar Bum de papéis sociais como de mobilidade social, o principal impulso
da qual viveu Rousseau. Tanto quanto a liberdade de consciência, 1 Fonstatar é na direção, não da igualdade de status, mas da igualdade
“liberdade para alguma coisa” é uma espécie de liberdade especifica Hportunidades — o que significa intrinsecamente o alargamento do
mente moderna — de fato, tão logo divulgada além do Ocidente, onde aque de opções individuais. Além do mais, esta tendência é verificável
primeiro floresceu, provou ser muito mais ampla que a liberdade em HH Apenas no universo do trabalho mas também na esfera, em perma-
relação à coerção ideológica. Monte expansão, do lazer.
A esta luz, o conceito de liberdade de oportunidade envolve bastante Hoa parte das críticas ao status quo na ordem capitalista assumem,
controvérsia. A análise moderna, neoliberal, da liberdade — e.g. Berlin, Baplivita ou implicitamente, a verdade desta tendência histórica, na medi-
Hayek, Oppenheim — tende a rejeitar em termos categóricos a identifi dl vm que ela permite contrastar a promessa de auto-realização susten-
cação da liberdade com a oportunidade. Para estes pensadores a libcr fla pela dinâmica da sociedade industrial com a materialização ainda
dade de escolher e de agir — nosso quarto tipo de liberdade — não Alante insatisfatória desta perspectiva. Afinal, o anseio por status pode
constitui propriamente liberdade mas sim um poder; evidentemente não | iepresentado seja na perspectiva da evolução social fundada numa
um poder-sobre (coerção) mas um poder-para (capacidade). Ou alterna ho progressista, de baixo para cima, como na América da Tocqueville
tivamente, caso persista a tendência de denominá-la liberdade, cabe HH, Pontrariamente, na perspectiva da resistência conservadora, presente
então qualificá-la como liberdade positiva. A liberdade positiva fora HH teoria de Veblen sobre a classe praticante do consumo ostensivo
decantada já pelos pioneiros do social liberalismo como T.H. Grecn do lazer. Mas a disseminação da aspiração a uma vida mais livre, no
(responsável pela fixação do termo) enquanto que, mais recentemente, Bentido de uma vida devotada ao trabalho e ao lazer, e afastada dos

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grilhões da pobreza e da monotonia da rotina cotidiana, parece confor doixa quase nenhum espaço para nossa quarta espécie de liberdade,
mar-se melhor ao sentido geral da história moderna. Piatimente a que é mais moderna — “a liberdade para alguma coisa”.
Tendo, pois, nossa quádrupla distinção em mente, voltemos a exami- fi quê? Porque o exercício efetivo da “liberdade para” implica em
nar o próprio conceito de liberdade de Rousseau. Sem dúvida, as liber alo grau de interdependência social. A liberdade como extensão prática
dades mais valiosas para ele são as da primeira e da segunda espécie: dis “opções de vida” só se tornou realmente possível a partir de certo
a liberdade da opressão e a liberdade política. Já se tem dito, correta patamar do avanço tecnológico — patamar por sua vez obtido apenas
mente, que para Rousseau a liberdade mais importante não é tanto pela ampliação da divisão do trabalho.
a liberdade de consciência (embora seja errado presumir que esta não Tanto é verdadeira esta subordinação da “liberdade para” à interde-
lhe importasse) mas principalmente a ausência de sujeição. Além disso, pendência social, que ela persiste se manifestando no processo histórico,
concebeu a liberdade política sobretudo como instrumento que assegura Eonvebido de forma geral, pouco importando qual o sistema social preva-
a liberdade em relação à opressão. frente, A “liberdade para” nasceu com o capitalismo; e sua efetiva
Sendo ao mesmo tempo um “anarcaísta”, Rousseau representou Hiponibilidade a outros grupos sociais que não uma elite restrita jamais
a liberdade maximamente, se não exclusivamente, como auto-suficiência HE entreviu senão no horizonte, por ora parcialmente enevoado, de uma
absoluta. Não conheço melhor ilustração desta concepção de felicidade “ansiedade autenticamente afluente”. Em si mesma, porém, não depende
individual que a arcádica representação da autarquia por Pope: Ho capitalismo. Os países socialistas, que fazem em geral triste figura
o que se refere à “liberdade para”, estão nesta situação não porque
Feliz de quem restringe seu cuidado Bam socialistas, mas porque são menos ricos e/ou menos livres. Por
a uns poucos acres seus, Butro lado, há países capitalistas onde, por força do atraso ou do autorita-
de paterno legado, Hamo, várias formas de “liberdade para” permanecem indisponíveis em
feliz por respirar o ar nativo Hina escala social expressiva. “A carreira aberta ao talento” — manifes-
no reduto do chão que lhe pertence. fusão ocupacional da “liberdade para” — não pode devidamente flores-
Seu próprio gado o suprirá de leite, BF na Albânia ou no Haiti, na Etiópia ou em Bangladesh, nem nas
de pão seus campos fepives mais carentes da Índia ou do Nordeste brasileiro. O acesso ao
e os rebanhos de roupa. Habalho e ao conforto podem estar formalmente à disposição de todos;
Seus bosques no verão concedem sombra mo “desenvolvimento” (o que sempre significa, de uma ou de outra
e não lhe negarão calor no inverno. jima, alguma conexão ativa, e não apenas instrumental, com a industria-
ção), a liberdade em relação ao trabalho obrigatório, assim como
(“Ode sobre a solidão”) à liberdade de consumir, permanecem um sonho amargo, cujo efeito
Wuntor é solapar os antigos parâmetros da legitimidade. Em tais casos,
Numa sociedade assim composta de indivíduos autárquicos, o inte à Exibição da “liberdade para” por parte das elites nativas vem a semelhar
resse comum tenderia de fato a ser uma soma homogênea, assim como E udiosos privilégios que tanto agrediam a homens como Rousseau
estes indivíduos tenderiam a ser autênticas réplicas entre si, pelo menos Ha Huropa do Ancien Régime.
no que dissesse respeito à condição social (já que, quanto às desigualdades O) crescimento da “liberdade para” depende, isso sim, da transição
naturais, Rousseau não pestanejava em reconhecê-las e respeitá-las). À » da passagem dos modos de produção tradicionais para a industria-
ingenuidade, presente em sua convicção de que bastaria a remoção dos lação que, por si só, cria um novo nível de consumo, bem como um
privilégios para que a lei deixasse de beneficiar alguns indivíduos, ou Huvo leque de papéis sociais e um novo ritmo da mobilidade social,
grupos, às custas dos outros,” é testemunho mais que suficiente da estima Mi iescentando todo um conjunto de ampliadas e imprevistas opções de
de Rousseau por essa concepção de liberdade. Poderíamos definir à Mila, que, ao se consolidarem, acabam por dar consistência à experiência
liberdade de Rousseau como absoluta auto-suficiência em condições de Eletiva da “liberdade para”. Neste sentido é que a “liberdade para”
homogeneidade. Hnse precisamente como fruto desta transição.º
Essa maneira de estimar a liberdade constitui autêntico “anarcaís Observe-se, entretanto: às vésperas, ou no próprio momento em
mo” no que soa tão incorrigivelmente retrógrado. Principalmente, não Mus He deslancha a transição, o exercício da “liberdade para” parece

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universalmente circunscrito ao privilégio. É nesse estágio, quando as — WMe nem a criança seja tratada como adulto, nem o adulto como criança.'º
elites modernizantes tendem a concentrar demasiada riqueza e/ou podcr, Gostaria de sugerir, por outro lado, que Rousseau foi o mais conse-
que as diferenças sociais vêm a ser ressentidas com maior intensidadc, Mente e o mais avançado dos protagonistas intelectuais da revolução
exatamente porque a sociedade passa a se tornar mais aberta e a oferecci N individualidade. Daí sua apaixonada e excessiva ênfase na auto-sufi-
maior número e maior variedade de oportunidades. Neste sentido 0 fiência. Se isso veio a cegá-lo para uma grande forma, então incipiente,
clima social da França, a meados do século XVIII, assemelha-se impres do liberdade — a “liberdade para” —, pelo menos o conduziu a divisar
sionantemente àquele que prevalece nos países em processo de moderni à fundamentada elevação da liberdade sócio-política até a dignidade
zação. E foi, devemos concedê-lo, o ódio de Rousseau ao privilégio 4 imperativo moral — algo, em última análise, não apenas compatível
que lhe tolheu a aceitação e a compreensão dos valores positivos da Hum à própria essência da sociedade “legal-racional”, da sociedade mo-
“liberdade para”, assim como do processo de seu iminente crescimento, dora, mas até mesmo exigido por esta.
no Ocidente daquela época. Em consequência, a percepção dos benc
Como ocorre com sentimentos demasiado intensos, obsessivos, a
fícios relacionados ao desenvolvimento da divisão do trabalho, percepção
llevoção de Rousseau à individualidade traía notável ambivalência. As-
devida à emergência da economia política clássica, permaneceu por muito
Wim, para ele, enquanto a independência tem que ser absoluta, é preciso
tempo não abordada pela teoria da liberdade política e social. O pensador
demer c evitar a diferença. A individualidade deve ser liberada de toda
que nos ofereceu um conceito de legitimidade de duradoura relevância
fuima de dependência 'social e econômica — mas precisa ser permanen-
para a sociedade moderna demonstrou ser ferozmente alienado, e até
mente protegida da flutuação da opinião através de costumes virtuosos,
mesmo hostil, à dimensão central da liberdade moderna.
O se o fenômeno da opinião fora, bastante estranhamente, algo
Talvez sua repugnância contra a desigualdade, manifestada sob 1
iiximamente precário e evasivo. A meu ver, aqui se plantam as mais
forma de privilégios, não tenha sido a exclusiva motivação para esto olundas raízes do “anarcaísmo” de Rousseau — da sua exclusiva capa-
alheamento em relação à “liberdade para” e à interdependência social lade de conjugar um extremo libertarismo com uma recusa encarniçada
por ela implicada. Podemos vislumbrar outra razão, não menos poderosa, à Inscinante novidade e das ricas perspectivas da vida moderna, que
se nos voltarmos para aquilo que o sensível crítico literário Leslie Fiedlci À Reu tempo apenas despertavam. Mais que qualquer intelectual de
denominou a “revolução psíquica” na Europa, de meados até o final à época ele acalentou e exaltou o sentimento da individualidade. Mas
do século XVIII. Ilustrada pelo nascimento da psicologia, a invenção ibém foi ele quem escreveu como se este valor mais precioso fosse
do romance e a ascensão da poesia lírica na hierarquia dos gêneros speradamente vulnerável e frágil, inepto à exposição ao tumulto
literários, sustentada pela nova velocidade da mobilidade social e o decli brescimento e da mudança. Quanto desta ambivalência em relação
nio das formas tradicionais de hierarquia, a “revolução psíquica” é à idividualidade, desta curiosa alternância entre auto-asserção e dívida
correlato da decisiva explosão do individualismo — na verdade, o coroa ima, não terá derivado do fato de que este declassé errante tenha
mento de tendências expressas ou latentes, avolumadas desde o Renasci | O saco de pancadas entre os philosophes, amargando, em seu tortuo-
mento e a Reforma. Em suma, este fenômeno corresponde a uma ruptura à Irnjeto vital, culpas e humilhações que aqui apenas sugerimos, mas
psicológica, a uma liberação repentina, quase dionisíaca, da enerpii estão prodigamente representadas nas melhores biografias a seu
ra
mentale afetiva previamente reprimida.” peito? A verdade final é que por mais que a liberdade radical figure
Mas este tônus dionisíaco — tão notável no titanismo pré-romântico o en
Ho válido postulado político — aliás, o mais válido para a sociedade
— foi apenas o instrumento para que se processasse a grande revolução forma —, a liberdade homogênea e absoluta não pode não colidir
psíquica do século XVIII — o fortalecimento da individualidade. Na | O mais característico produto da modernidade: a disseminação da
busca de autarquização da individualidade ninguém foi mais tenaz que Hherdade para”. O arcadismo de Rousseau era um arcaísmo.
nosso estóico moderno, Jean-Jacques Rousseau. O amor pela autonomia No fim das contas, Rousseau parece demasiado arcaico e demasiado
moral é, de fato, o cerne e a medula do Emile, o mais abrangente fárquico para compreender ou aceitar a modernidade; isso entretanto
a

de seus trabalhos filosóficos. Quanto ao objetivo do Contrato social | impediu de identificar as linhas mestras da nova face da legitimi-
— a instituição do estado igualitário e participativo —, sua tarefa maio! * Nota o Dr. Johnson em Rasselas que “duas afirmações inconsis-
é assegurar a plena liberdade ao cidadão auto-suficiente. Já se sugeriu 4 não podem estar ambas corretas; mas, quando aplicadas a um
'que a essência do pensamento de Rousseau pode ser assim resumida mem, podem ser ambas verdadeiras”. Que um anarquista retrógrado,
92 93
em profundo desacordo com o curso da história social, tenha sido o
homem que fundou a moderna convicção democrática, e, por consc- gunda parte
quência, o moderno princípio da legitimidade — eis o último e o mais
verdadeiro paradoxo do pensamento de Jean-Jacques Rousseau.

sociologia da legitimidade
Weber

94
to bem conhecido que a análise da legitimidade por Weber contém
menos que o cerne de sua concepção da civilização e das principais
ências desta, já que nessa análise avultam amplamente conceitos
is como os de carisma e de burocracia. Ninguém seria capaz de
f O papel fundamental destes conceitos para a visão histórica de
or, quanto mais para o appeal extra-acadêmico de sua obra.
De fato é tão poderoso o glamour intelectual destas marcas regis-
is do pensamento weberiano que precisamos nos cuidar para não
It à sua atração e assim nos afastarmos de nosso tema principal.
mesmo tempo, entretanto, sua própria posição como ingredientes
os da teoria da legitimidade desenvolvida por Weber impossibilita
quer tentativa de avaliação desta última que venha a ignorar as
vações mais gerais dos conceitos de carisma e burocracia; pois as
ões amplas, de caráter histórico-filosófico, destes conceitos, no
ento de Weber são não apenas relacionadas mas constitutivas
ficado mais profundo de seu esforço de trazer à baila a especifi-

=
dos tipos de legitimidade. Por consequência, a primeira obrigação
so estudo nesta conjuntura será obter rigoroso equilíbrio entre
lnse de Weber sobre as manifestações específicas da legitimidade
Atenção ao entrelaçamento destas com perspectivas históricas ge-

Jeste modo, procederemos em quatro etapas:

(a) Traçaremos primeiramente um perfil da teoria weberiana da


— legitimidade, tal como apresentada em sua summa Economia
e sociedade: é isso o que faremos neste capítulo.

(b) Em segundo lugar, no Capítulo 7, ofereceremos uma avaliação


— desta teoria. a

97
(c) Em terceiro, visando demonstrar que as deficiências da teoria Relação social, por sua vez, é algo essencialmente dependente da
weberiana da legitimidade não decorrem das principais caractc Eaistência da probabilidade de que ocorra tal curso da ação social. O
rísticas do seu entendimento da ciência social e do processo fonteúdo da relação social pode assumir “a mais variada natureza” —
social, retornaremos ao corpo geral dos textos weberianos, meto Pontlito ou lealdade, hostilidade, assim como amizade. Além do mais,
dológicos e substantivos. à própria relação não precisa ser “simétrica”, isto é, recíproca: as partes
pjudem associar diferentes significados a suas ações e, ainda assim, a
(d) Finalmente tentaremos conectar as idéias e os ideais de Weber telação social se manter.
a seu background pessoal e seu contexto histórico, oferecendo, Em suma, a relação social equivale à ação social mais tempo. Quer
como conclusão, uma apreciação genérica de sua situação na apresente “caráter temporário”, quer a probabilidade assinale “repetida
teoria sociológica. fecorrência do comportamento”,* o fato é que o único elemento de
tio uma relação social dispõe, e de que uma simples ação social não
As duas últimas etapas, a serem desenvolvidas no Capítulo 8, fatal di j0e, é a dimensão temporal. O conceito de probabilidade ressalta
mente haverão de enfocar a legitimidade menos explicitamente que as | desdobramento desta “percepção do comportamento dos outros” no
duas primeiras. São, apesar disso, indispensáveis para que possamos tempo. Sublinha também vigorosamente o anti-holismo da concepção
realmente compreender as intenções intelectuaisde Weber, suas motiva Woberiana de sociedade. De acordo com Weber, o fato de que as relações
ções subjacentes e, a partir daí, o contexto real de seu trabalho sobre Anviais consistem “exclusivamente” nas “probabilidades de ação” passa-
a legitimidade, especialmente no que concerne aos aspectos menos satis Has, presentes ou futuras, adverte-nos contra o perigo de reificarmos
fatórios deste trabalho. A necessidade lógica de tal procedimento não Entidades sociais, dotando-as de atributos que são exclusivos dos indiví-
é verificável a priori, mas aparecerá com nitidez no decorrer da própria

E
fluos, tais como a volição teleológica, capaz de atribuir sentido às coisas.
argumentação. Como a ação social se desenvolve no tempo, aí emergem “certas
limiformidades empíricas”, certos tipos de ação disseminada, frequente
A teoria da legitimidade de Weber, decantada como a parte “possivel E simultaneamente executados por muitos indivíduos. Weber atribui a
mente imais madura e elaborada de sua sociologia universal interpreta lnrefa de estudá-los à sociologia, antes que à história, que não se interessa

camara
tiva”,! integra o conjunto de textos frouxamente relacionados entre si, por eventos típicos, mas por fatos individuais. Procede então à classifi-
que compõem o magnum opus póstumo, deixado inconcluso, Economia Bação destas uniformidades empíricas.”
e sociedade.* Inicia-se pela afirmativa de que toda ação social que envolve
À probabilidade da existência de uma ação social uniforme é denomi-
relações sociais pode ser orientada pelos atores segundo a idéia de que
existe uma “ordem legítima”. A probabilidade de que tal ação venha puda uso.
Na medida em que o uso se baseia em um “hábito antigo”, vem
a ser, de fato, empiricamente, orientada desta forma denomina-se “vali.
dade” da ordem em questão.º | chamar-se costume.
Mas a ação também evidencia uniformidade quando “a utilização
Comecemos por examinar isoladamente os principais elementos con
ceituais aqui envolvidos: ação social, relações sociais, probabilidade e flo sua condição visa atender o interesse próprio do ator”.
Finalmente, a ação pode ainda ser uniforme por ser considerada
validade. Descartamos “ordem legítima” porque seu significado obvia-
mente se baseia na última proposição da afirmativa inicial de Weber: pelos atores como moralmente obrigatória. Neste caso, deparamos com
que se chama convenção. A convenção é a dimensão do uso reconhecida
a existência de uma ordem legítima vem a ser a probabilidade de uma
tomo imperativa e protegida contra violação por sanções de desapro-
convicção (coletiva) da sua validade.
vação; a lei nada mais é que uma convenção imposta por agências especia-
Ação social, para Weber, é uma especificação de “ação”. Ação lizadas,* enquanto a moda corresponde a uma convenção pouco signifi-
é “todo comportamento humano quando, e na medida em que, o sujeito untiva.
agente lhe atribui um significado subjetivo”. A ação torna-se social “na Retornamos agora ao último elemento conceitual que integra a defi-
medida em que, por intermédio do significado subjetivo que lhe é atri- lição weberiana de ordem legítima — a saber, a validade. Um costume,
buído pela atuação do indivíduo (ou dos indivíduos), a ação leva em dliz Weber, não é “válido” por ser obrigatório, em qualquer acepção
conta o comportamento dos outros e orienta o seu curso a partir daí”.! ilesta palavra; a observância de um costume não resulta da exigência

98 99
ingué ã iforme orientada pelo interesse | contrastando a ação motivada pelo interesse
de
pode coaser di
co erada válida” , eme n quali | sentido. próprio e a ação cumprida
un ópri pior ém não em razão da coerção (coment à expressamente
iniçã sobre a validade i d de u ma ordem ] d socia l exige g mais que . que resultados lónga e
“A definição
Ra inutilmente buscados pela ra zão coercitiva
E i dala a ação Eaente doE costu
ã social, decorr acabam sendo obtidos pela
a simples
i existência
istê i da unifi ormidade motivação do interesse próp rio). Na segunda
próprio.
Ópri A validade de uma dada Ç o passagem, inversamente,
me ou do interesse
i à comparação abandona qualquer referência
los atores dde
e «que certas regra: S E à coerção, ponderando ape-
impli
implica i
o reconhecimento pelos nas os fatores que livremente condicionam
As convenções e as le a ação, tais como o interesse
ne para a materialização de tal relação. próprio, o costume e a crença.
exemplifica ifi m este tipo i ci
de relaç ão social. ; , Entretanto, a ambigiiidade presente no
a ap pus emprego por Weber do
NE este ponto, no trajeto definicional de Weber, termo validade nestas páginas centrais de Econ
vez fun
E
omia e sociedade parece
àà sua fóobrigatori edade””, Ê que por sua e
a

ua
5

hobreviver às elucidações contextuais. Conceda-


E

i
q

ã equivale
a

ação
sen O a toino se que ao igualar valida-
RE Caicos impostas por agências de e obrigatoriedade potencialmente coerc
or: itiva, ele não estivesse tratan-
ávei em caso de violação.
cáveis i â Ma so tex texto de Weber re e dlo primariamente da legitimidade, tal como o faz
outro conceito ec quando passa a repre-
brusca mudança de curso evo luindo para fentar a validade em termos de crença. De qualq
o uer jeito, utiliza nas
— aquele que a faz corresponde r a uma: crença,a e desta form tuas seções exatamente a mesma palavra — Geltu
srionto no consentimen to e
genuíno, não numa conveniente c ng — sem a mínima
e idvertência quanto à sua diferenciação semân
ra E oa tica. Além do mais, é
cordância, dependente da Pa de Re precisamente a Geltung ou “validade” que se torna
i i
cuidadosa faz ver qu en aço É o elemento definidor
A leitura dla legitimidade na seção 5, quando a ênfase defin
1 de Economia e o ao primas itivamente recai sobre
da Primeira Parte do Capítulo À vrença na legitimidade como fonte da autor
idade e portanto motivação
i
as diversas a “modalidade i i
s de orientação ã da açãoãaosocial”, Éc Fai g ta a submissão voluntária. Estas circunstân
i e empí íririca que suscitam, Webe r tende
O consis
e anda cias textuais obrigam-nos
i
tipos i
da uniformidad lazer a leitura do texto como uma totalidade
! dade-
d — totalidade cuja linha
temente a apresentar a vali idade como obrigatorie Mestra persiste sendo um duvidoso conce
ito de validade. A mudança
em-sanções; então, na seção seguinte, sob o título “Conceito de orde Fonceitual resiste, desafiadora. Alegar que,
o asp ecto de crença. ; mesmo à luz desta conexão
legítima”,
íti passa a enfatizar
i e crença, o conceito de validade permanec
; Rodinde alegar que estamos eo Ea o Wo Hinculado à nação de obrigatoriedade, ajuda e como
: ; ; E pouco a resolver o problema;
tual por desconsider i ar diferenç as no contexto. ) Afinal, E numae ope - s saber exatamente é por quê,A para Weber,
i
ber discorre sobre as modalida idades da ação social, não so a | Obrigatória em função de sanções externas, a valida-
' torna-se de repente obri-
legítima
íti e sua validade i intrínseca. Apenas na seção 5 é que U p
intrínse fúria por uma razã o totalmente diferente: a comp
da legitimidade . a Aqui que a de ulsão íntima.
das o fenômeno À melhor evidência desta mudança é a ilustração
4 sobre validade Í emi
éé eminentemen te te ddecorrência do contexto. tera proposta por We-
para a diferença entre uma ação derivada do
santes comentários ári sobre a es: tabilidade da ordem e socia ç
nsforçom eva interesse próprio e
fia motivada por considerações quanto à legitimida
lo, ao examinar i a racionalida de intencionad a da açí ' de. Escreve Weber:
um comerciante regularmente faz publicidade
RR
movida i pelo i
interesse própr ópri io observa
b que, num
num cenário
c concreto reto ua qual de seus produtos ou
Reus serviços, assim procede em atenção ao
i num mercado, “emergem sim ilaridades,: contin seu interesse próprio;
dutro lado, um funcionário público que faça quest
i Enio
e uniformidad i es nas atitudes i e ações Õ (dos atore tores) frequenteme q Finente rua muito ão de comparecer
fualmente ao
seu serviço, à mesma hora marcada, todo
mais) estáveis ívei do que se fosse m orientadas por um conjunto de norma Fomporta
dia, assim
por temor às sanções negativas impostas
e deveres julgados obrigatórios para os membros oo , ho seu atraso, mas “também, pelo menos em parte,
à sua ausência
lado, poucas páginas Ági adiante,
i declarara que que uma ui orde Fa que porque agir de
modo afrontaria seu sentimento do dever”, que
adere “por razões Õ de pura c onveniência” éé muito meno e 1 constitui “valor
luto para ele”.!2
que o que resulta dos costumes, Os quais 5 por EN pro esta I À partir deste ponto, e apesar dos esforços de
aisi precários ári do que a é “crença na legitimi de Weber em construir,
significado predominante do conceito de valid
E vista, parece-nos registrar-se fulgurante poniradição. JNg Iimissão voluntária” à dominação, derivada de
ade, um senso de
pr uma “aceitação autên-
realidade, não há nenhuma. Na primeira destas passagens, Weber ent! " de determinada ordem de poder,” não consegui
mos mais evitar
,

100
101
a impressão de que seria perfeitamente possível, e até necessário, demo- le motivações é facilmente ajustável à famosa tipologia quádrupla da
rar-nos mais na bifurcação conceitual obscurecida pelo próprio exemplo ção social, desde que consideremos o interesse próprio (como mesmo
de Weber (por honestidade intelectual ou talvez por pura inabilidade). Weber faz tão frequentemente) como equivalente à racionalidade instru-
Na verdade, ninguém nos explica por que nosso imaginário funcionário mental (Zweckrationalitit) e desconsideremos a omissão da ação social
público, ao reconhecer a legitimidade de suas obrigações, deva ser credi- tradicional.
tado com um “religioso” sentimento do dever. De fato, seria possível Na seção seguinte, entretanto, Weber, retornando às “bases da
e emma

considerar este reconhecimento como simples consequência da percepção lopitimidade” da ordem social, estabelece que a legitimidade só pode
ma

(ditada evidentemente pelo seu próprio interesse) de que a melhor manei- dor atribuída a uma ordem por aqueles que lhe estão sujeitos baseando-se
ra de lidar com os prós e contras de sua posição (no que se refere, ou (a) na tradição, (b) na lealdade emocional (novamente), (c) na fé
por exemplo, ao salário e ao prestígio vinculado a seu cargo), consistiria fios valores absolutos (novamente) ou (d) no reconhecimento da legali-
exatamente na sua boa vontade em reconhecer a legalidade de certas ade da ordem em questão. Assim este estranho texto fica incluído
regulamentações do trabalho — agindo, neste caso, com motivação bas- pntre as versões da famosa esquematização da tríplice tipologia da domi-
tante alheia à fé no dever? lnção legítima,!* cuja forma final” figura na sucinta seção 2 da Parte
Em outras palavras, o que questionamos é a razão que leva Weber |, Capítulo 3.
a distinguir de maneira tão estrita entre comportamento legitimador A despeito desta óbvia superposição, considero que Parsons está
e motivações utilitárias, cuja plausibilidade psicológica ele mesmo se forreto ao sublinhar que o foco desta última seção recai num conjunto
apressa em admitir. Obviamente, este ponto merece consideração espe- flo motivações substancialmente distintas daquelas alinhadas logo acima.
cial; voltaremos a discuti-lo em nossa tentativa de avaliar o conceito que Weber parece pretender na seção 7 é uma classificação de justifica-
weberiano de legitimidade. Por enquanto, entretanto, recolhendo-nos qhes para a atribuição de validade a uma ordem social dada. As dispo-
à tarefa puramente expositiva, nos contentaremos em ressaltar a persis- Hiqões psicológicas, neste nível, não são realmente relevantes já que
tência, no primeiro capítulo de Economia e sociedade, desta estranha luis justificações da legitimidade, por mais que se trate de idéias, e
combinação entre o sincero reconhecimento da participação dos motivos inesmo de ideais (para não falarmos de ideologias), não são, propria-
utilitários na sustentação da ordem social e a obstinada relutância em mente falando, subjetivas. Trata-se de realidades culturais, antes que
admitir seu caráter como fonte de atribuição da validade. Himplesmente psíquicas. Constituem a linguagem, melhor dizendo, a
Se Weber, como seu precursor Stammler (Wirtschaft und Recht, Wramática (acima de tudo, a retórica do poder institucionalizado).
1896), estivesse descrevendo as ordens sociais em um nível puramente Este aspecto realmente crucial foi recentemente tópico de acesa
normativo, seria mais natural sua preferência antiutilitária pela sublimi ilêmica no âmbito da exegese weberiana. Refiro-me ao artigo de Co-
dade da motivação de uma ação orientada segundo o princípio da legitimi on, Hazelrigg e Pope, “De-Parsonizing Weber”, à réplica de Parsons,
dade. Mas na medida em que ele se dá ao trabalho de estabelecc! | h tréplica de seus antagonistas publicada na edição de abril de 1975
que o objetivo da sociologia é a compreensão e a explicação da realidade lã American Sociological Review.
empírica da semântica de validade na vida social, e chega ao ponto A questão central do artigo de Cohen-Hazelrigg-Pope consiste na
de censurar Stammiler por legalisticamente deixar de distingui-la do signi llegação de que em A estrutura da ação social, até recentemente o
ficado normativo, torna-se ainda mais difícil esclarecer sua preferência Hinon acadêmico “oficial” para a interpretação de Weber nos Estados
pela “nobilitação” das raízes da aquiescência à autoridade estabelecida Unidos, Parsons “minimiza a importância do conceito de interesse na
Weber, na verdade, insiste em expulsar todas as motivações funda inviologia de Weber” (ibid., p. 673). Na mesma linha, os autores asseve-
mentadoras da ordem social, que tenham caráter claramente humano, im que Parsons superestima o papel das crenças na legitimidade, desfa-
do universo das razões atribuidoras de legitimidade.'º Eis o que explica furecendo outros motivos para a submissão à dominação, tais como
a contigúidade, aliás extravagante, das seções 6 e 7 da Parte I, Capítulo | interesse próprio, que, não obstante, foi perfeitamente identificado
1. Na seção 6, Weber, de boa vontade, admite que a ordem social pur Weber como fundamento efetivo de obediência.
legítima possa ser sustentada por inúmeras motivações heterogêncas, Como vimos, Weber na verdade reconhece integralmente a possibi-
desde a “lealdade determinada emocionalmente”, até a fé em valorcs lilade, e mesmo a probabilidade, de que a submissão seja ditada por
absolutos, sejam ou não religiosos, e o interesse próprio. Tal conjunto lima larga variedade de motivos, inclusive motivos utilitários (não raro

102 103
operando em condições sociais marcadas pela coerção). Reconhece-o le Weber, por uma breve referência às situações de poder em que
da maneira mais explícita no terceiro parágrafo da seção 5, Capítulo à força militar se instala sem disfarces, de tal modo que a completa
1, Parte I de Economia e sociedade (quando introduz o conceito de impotência daqueles submetidos à regra coerciva capacita os governantes
ordem legítima) e ainda mais claramente na própria abertura do seu à abandonarem até mesmo “a presunção de uma justificativa legitima-
primeiro capítulo inteiramente devotado à questão da legitimidade (Par- dora”.
te I, Cap. 3, seção 1), quando se refere especificamente ao “hábito A seqiência real do raciocínio de Weber parece levar do ponto
e ao “cálculo racional das vantagens”, e volta a reconhecê-lo na Parte (4), correspondente à admissão de vários motivos possíveis para o acata-
II do mesmo trabalho (vide, por exemplo, as páginas 946-7 de Economia mento da dominação, além da crença em sua legitimidade intrínseca,
e sociedade, na edição inglesa). Nté (b), quando fica claro o intento de manter o foco analítico (dos
A mais expressiva destas referências a motivações extracrença para iliversos tipos de ordem legítima) nas diferentes justificativas validadoras,
a submissão ao poder ocorre na já mencionada abertura da Parte |, tomo se o conteúdo dos ordenamentos dependentes destas justificativas
Capítulo 3: Porrespondesse ao “teor máximo” de acatamento voluntário de uma deter-
minada conduta (conforme Economia e sociedade, p. 943). Enfim, o
Não é absolutamente verdade que todo caso de submissão a pessoas “Inciocínio move-se até (c), de modo a reforçar o contraste lógico entre
que ocupam posições de poder seja primariamente decorrente da ) e (b), através da enumeração dos casos a respeito dos quais se possa
crença. É perfeitamente possível tanto a um indivíduo, como a lilar em um “grau zero de legitimidade”; a saber, exemplos caracte-
um grupo, simular hipocritamente lealdade, por razões puramente fizados pela completa ausência de qualquer crença na validade da ordem
oportunísticas; como se pode representá-la na prática por razões poder, casos de poder indisfarçado, inteiramente ilegítimo. Enfati-
derivadas do próprio interesse material. E, ainda, as pessoas podem PRC aí, a contrario, o componente voluntário no acatamento do governo
às vezes submeter-se por fraqueza individual ou por impotência timo.
quando não existe outra alternativa aceitável. À vista de tudo isso, a insistência de Parsons quanto à necessidade
do distinguir entre “o domínio dos motivos possíveis para a conformi-
Nossos três críticos de Parsons regozijam-se maliciosamente com ade” e o “fundamento institucional dos sistemas de ordem normativa”
estes comentários, que provam sua tese de que “mesmo nos casos de A estrutura da ação social, p. 669) não parece trair minimamente as
ordem legítima”, o sentido do dever baseado na crença de legitimidade ilonções de Weber. Parsons pode ter subestimado o papel do conceito
“não necessita ser considerado a principal força sustentadora da ordem interesse em outros setores da obra de Weber — mas não erra ao
(Cohen et al., “De-Parsonizing Weber”, p. 239). Ora, algo fica faltando iblinhar que a análise weberiana da “legitimidade”, em contraste com
nesta demonstração. Em primeiro lugar, nas sentenças imediatamente útros tipos de dominação, deixa os motivos utilitários em segundo plano.
seguintes àquelas que citamos, Weber adverte que lym pode ser o caso que Weber, ao falar sobre o poder, esteja tão
isolutamente obcecado pela questão da coerção como constitutiva da-
tais considerações (i.e., a variedade dos acatamentos não baseados lola espécie de “materialismo de violência” detectado por Gerth e
na crença, inclusive a lealdade fingida e/ou a submissão derivada ills na sua concepção sociológica. Resta entretanto o fato de que,
da impotência) não são decisivas para a classificação dos tipos medida em que se trata da legitimidade, não se pode reconhecer
de coordenação imperativa. Importante é o fato de que, em cadi proeminência seja da coerção, seja do interesse (as duas forças que
caso, a justificativa particular de legitimidade seja, em grau signili “lhen e seus parceiros acusam Parsons de abandonar na sua interpre-
cativo e de acordo com seu tipo, tratada como “válida”, é este 0 de Weber). Pelo contrário: do ponto de vista analítico, estão real-
fato que confirma a posição daqueles que pretendem uma situação fito excluídos — o que é bastante lamentável, como tentaremos de-
de autoridade e que ajuda a determinar a escolha dos instrumentos inistrar no processo de avaliação do valor teórico da tipologia de Weber.
para o exercício desta. É impossível não concordar com um comentador recente, Adrian
Woights, segundo o qual, na concepção weberiana da legitimidade, a
Jere Cohen e seus colegas deixam sugestivamente de citar estas duas estão da importância relativa dos diversos motivos para a submissão
últimas frases, que, incidentalmente, são seguidas, logo após, no texto à está aberta à verificação empírica.)
|
104 105
Tendo conseguido estabelecer que as justificativas da legitimidade em cuja validade o sujeito acredita.” A legitimidade se refere primaria-
sobre as quais Weber assenta sua famosa tipologia geral da dominação mente a uma “relação imediata entre mando e obediência”, baseada
legítima, referem-se basicamente a uma retórica do poder instituciona ja crença da validade desta última. A obediência estrutura-se a partir
lizado, lancemos então nosso olhar para seu próprio conceito de podci desta crença, “como se os governados considerassem o conteúdo deste
e dominação. prdenamento como o princípio máximo de sua conduta”.?
O poder (Macht), escreve Weber, “é a probabilidade de que um Nestas condições, Weber distingue nitidamente a dominação legíti-
ator, numa relação social específica, esteja em condições de realiza! ma do tipo de relação de poder que prevalece no cenário do mercado
sua própria vontade a despeito de qualquer resistência, não importando (marktmássige Machtverháltnis) e que se reduz à obediência derivada

E
qual o fundamento desta probabilidade”.!! A dominação (Herrscha/i) il percepção de superioridade econômica.?? Weber considera que o

Id
é “a probabilidade de que certo ordenamento seja acatado por certo poder, e mesmo o poder político, contém dois “protótipos opostos”:
grupo de pessoas”. A dominação implica disciplina, hábito através do | poder econômico, fundamentado no interesse, e a autoridade, que

é RR
qual uma ordem recebe “pronta e automática obediência, segundo foi de baseia na crença de sua legitimidade.?? Mas o poder per se não implica
mas estereotipadas, da parte de certo grupo de pessoas”.'” A imposição legitimidade, “pois é muito comum que as minorias, através de ... meios
da disciplina requerida pela dominação resulta em geral, embora não violentos ..., imponham uma ordem que venha a ser considerada legítima
necessariamente, do trabalho de uma equipe administrativa ou de um do fim de algum tempo”.*
grupo organizado. O elemento crucial da caracterização da validade (a qual, por sua
À ênfase na probabilidade da submissão estereotipada, que converte vez, define a legitimidade) de um sistema de dominação não é absoluta-
o poder em dominação, insinua um paralelo com a distinção entre ação mente a variedade psicológica das crenças, em sua capacidade de gerar
social e relação social. Na verdade, a dominação está para o podci liuntamento e obediência. E, antes, a variedade histórica das justificativas
assim como a relação social está para a ação social (iminente). Em ipresentadas pelos governantes. Neste ponto, a abordagem de Weber
ambos os casos, a dimensão temporal que viabiliza a uniformidade « É tão pouco “genética” quanto se poderia desejar: ele não se interessa
o “valor acrescentado” aos dois conceitos interacionais nucleares, a ação pela origem das configurações da legitimidade; concentra-se, ao invés,
social e o poder. iliretamente na sua forma. E como é fato amplamente sabido, discerne
Já vimos que, para Weber, algumas modalidades de relação social, frês espécies de justificativas para a legitimidade: a justificativa legal
como a convenção e a lei, distinguem-se das demais pelo seu carátci (ou legal-racional), a tradicional e a carismática.” Desta forma, a domi-
obrigatório. Ora, a dominação pode ser considerada como um caso extrc fução legítima pode basear-se:
mo de obrigação. Na lei e na convenção, a existência de sanções poten
ciais pressiona as pessoas a agirem em conformidade com as regras a) no sentimento de legalidade das estruturas das regras e no direito
No caso da dominação, o acatamento da autoridade ultrapassa este pon de que as autoridades, sob estas regras estabelecidas, efetiva-
to: as pessoas sentem-se compelidas a obedecer a ordens pessoais antes mente exercem o comando;
que a acatar normas impessoais. A lei e a convenção são sistemas de b) no respeito pela “santidade das tradições imemoriais e no status
regras obrigatórias; a dominação é um conjunto de atos obrigatórios daqueles que governam dentro desta tradição”;
A dependência usual da dominação em relação às regras da lei e de c) na devoção ao carisma, i.e., “à santidade específica e excepcional,
convenções em nada diminui esta diferença. ao heroísmo e ao caráter exemplar de uma pessoa individual”,
Como a dominação corresponde à obrigação sob a forma de mando da ordem por esta pessoa estabe-
e nas estruturas normátivas
pessoal, pouco importando quão impessoal seja o seu fundamento, 0 lecidas.
problema da atribuição de validade a um sistema de poder normalmente
ultrapassa em potencial dramático, em pungência vivencial, a todas as A obediência à legitimidade legal é, pela própria natureza, impes-
outras esferas da validade social. Daí a especial importância do estado val, Seu primeiro objetivo é a lei, não o eventual detentor da autori-
para qualquer análise da legitimidade. fade cujo mando só vem a ser legítimo na medida em que não ultrapassa
Tivemos já a oportunidade de verificar que Weber define a domi à delegação de seu cargo, legalmente definida. No caso da autoridade
nação legítima através da submissão voluntária aos sistemas de poder tradicional, como da autoridade carismática, a obediência é um vínculo

106 107
pessoal. Mas enquanto a primeira recebe obediência dentro do escopo tese e relaciona a ação orientada-segundo-valores a apenas um tipo de
da tradição, o governante carismático desfruta de uma confiança que dominação legal, aquela que se baseia no credo da lei natural.
não é circunscrita pelo costume. A dominação tradicional, mesmo pes- E fartamente sabido que Weber foi o primeiro a destacar que os
soal, é limitada por regras; a liderança carismática não o é. tipos por ele propostos dificilmente se haveriam de encontrar na realidade
As diferenças globais são sumariadas no quadro seguinte: histórica em estado puro; chegou inclusive a discutir rapidamente a
possibilidade de sua combinação.*! Embora, como logo veremos, ele
Tipo de justificativa Ê tenha considerado a possibilidade da evolução de um tipo em outro,
para a dominação legítima Legal Tradicional Carismática ; lssim como a possibilidade de degeneração da legitimidade no caso
E dle cada tipo (e.g. a deterioração do governo tradicional patrimonialista
Obediência: pessoal (+) — +
“ho sultanismo), vale a pena ressaltar que jamais concebeu sua tipologia
impessoal (—) tomo uma sequência evolutiva. No máximo, o que se pode dizer é
; EE nas mais remotas camadas de Economia e sociedade haja a insinuação
limitada por regra
(+) + + bes uma orientação histórica, segundo a qual a dominação carismática
Relação:
não limitada por regra prevalecia no passado mais distante enquanto que a marcha para a buro-
Bincia parece emblematizar os tempos modernos. Em última instância,
im porém, a perspectiva histórica de Weber, mesmo que naturalmente aten-
Vale insistir em que estes tipos representam mais princípios ideoló- para a decadência generalizada do tradicionalismo no mundo moderno,
gicos do que processos psicológicos. Não se referem a diferentes motiva- ) encerra a menor vocação evolutiva, tendendo antes a um padrão
ções para a obediência a autoridades políticas, nem a diferentes estruturas pendular” baseado na recorrente oscilação entre irrupções carismáticas
políticas, mas apenas a diferentes espécies de fundamentação lógica para Expansão burocrática. Também é preciso salientar que Weber não
a submissão. Neste sentido, são profundamente semelhantes às fórmulas lionrava sua tipologia como algo mais que taxinômica. A análise webe-
políticas de Mosca. na das modalidades de legitimidade jamais pretendeu habilitar-se a
Raymond Aron destacou a assimetria entre a tipologia weberiana Wlisfazer o sentido mais exigente, e mais explanatório, da palavra “teo-
da ação social e a tipologia da dominação legítima proposta pelo mesmo in, certamente, não será justo acusá-lo por deixar de cumprir objetivos
autor. A tipologia da ação social compreende quatro espécies — afetiva, Io jamais se teria colocado.
tradicional, orientada segundo valores (Wertrational) e intrumental Como já mencionamos, esta teoria das justificativas da legitimidade
(Zweckrational) — mas a da dominação legítima inclui apenas três tipos ão sc refere às estruturas políticas. Entretanto, Weber sustentava que
de legitimidade. A ação afetiva corresponde mais ou menos à dominação próprias justificativas da legitimidade eram “muito mais que matéria
carismática, a ação instrumental é obviamente aparentada à dominação Especulação teórica ou filosófica”, já que, a seu ver, constituíam as “bases”
legal, e a ação tradicional é talhada, até no nome, pela legitimidade “iliferenças muito verdadeiras na estrutura empírica da dominação”.?
tradicional — mas que dizer da ação orientada segundo valores?” ulras palavras, cada qual das três espécies de justificativa da autori-
Dennis Wrong oferece excelente resposta a esta questão. Afirma We implica certo tipo de estado ou, pelo menos, de instituições governa-
que a reverência pela tradição, a confiança no carisma e o resp LO ftais. Por esta razão, os dois últimos capítulos de Economia e socie-
pela lei já são “formas de valoração” no sentido wertrational.”* A Wle dedicam-se a longa e compreensiva descrição histórico-comparativa
razão pela qual a orientação segundo valores não encontra paralelo E tipos de governo e de suas contrapartes econômicas. O estudo do
entre os três tipos de legitimidade é que ela os permeia a todos. Outra frimonialismo, feudalismo e burocracia beneficia-se extraordinaria-
maneira de abordar o assunto é apresentada por Wolfgang Mommschn fito da inigualada erudição de Weber, extensamente apoiado pela
Como os jusnaturalistas, Johannes Winckelmann, decano da crítica textuil plitude e solidez de seu conhecimento da história do direito.
de Weber, tentou demonstrar, embora pouco convicentemente, que, [ma função principal desta análise comparativa das formas histó-
se a racionalidade formal não podia legitimar-se por si mesma, era neccs de governo (aliás quase toda já escrita antes que Weber enveredasse
sário que alguma crença em valores substantivos integrasse a Justificativa heções muito mais abstratas sobre dominação legítima na Parte
legal-racional de Weber para a legitimidade,?? Mommsen restringe está demonstrar as variedades de combinação e transição verificadas

108 109
E]
entre os três tipos “puros” de justificativas da legitimidade. Mesmo A burocracia administrativa representa para Weber o “tipo mais
no nível taxinômico abstrato da Parte I pode-se dizer que tenha sido puro do exercício da dominação legal”. Esta última pode assumir diver-
enfocada a corporificação institucional das formas da legitimidade, graças has formas, inclusive a democracia direta, mas sua forma mais típica
a conceitos tais como “burocracia” ou “rotinização do carisma”. | mais disseminada é o funcionalismo burocrático nos limites do estado-
A fisionomia institucional das justificativas da legitimidade exibe fiação, que concentra o poder estatal precisamente através do estabele-
três variáveis principais: a posição dos governantes, dos governados c pimento da burocracia governamental e do monopólio dos meios de
do “estafe” de governo. Na dominação legal, os governantes são apenas Enerção física num dado território.
superiores funcionais, os governados são legalmente iguais e o “estafe Weber define as burocracias como organizações impessoais e funcio-
é composto de burocratas. Na dominação tradicional, os governantes lis, orientadas segundo um dado objetivo, gerenciadas por um quadro
são os senhores, os governados os súditos e o “estafe” se compõe de hi brárquico de pessoal de carreira, recrutado segundo critérios de compe-
servidores ou vassalos. Finalmente, na dominação carismática, os gover lência e treinamento especializado (em vez de privilégios de nascimento
nantes são os líderes, os governados são liderados e o “estafe”, funcio Wi de riqueza), operando através de uma divisão técnica do trabalho,
nários que são discípulos do líder. Pode-se dizer, como indicado pela iWgulamentado por normas detalhadas, expressamente instrumentais.
própria aposição de aspas, que a equipe de governo é muito menos * Apesar de toda sua importância, a administração legal é apenas
numerosa e estável nas dominações tradicionais e carismáticas do que lim aspecto da massa burocrática do mundo moderno. Assim como a
acontece na dominação legal (ressalvando-se que, na democracia direta, Entralização do poder e o crescimento demográfico nas nações-estados
um “caso limite” de estado legal-racional, o oposto é o inverso). Porque ivorecem a disseminação do funcionalismo burocrático, o advento da
o poder não é muito centralizado, a dominação tradicional não possui pdução em massa, no limiar da revolução industrial, produziu uma
um grande estafe administrativo (mesmo na China da dinastia Ming, ata burocratização das atividades econômicas.
quintessência da “burocracia tradicional”, a percentagem do funciona A dominação tradicional é apresentada, como tipo puro, sem muito
lismo vis-á-vis a população era infinitesimal”). Quanto ao carisma, à BnOS originalidade, o que vem a ser compensado por uma iluminadora
capacidade do líder de interceptar o papel dos detentores intermediários uriante descrição das formas de governo patriarcal, feudal e patri-
do poder está no próprio âmago de sua retórica política. inial no último capítulo de Economia e sociedade. Os verdadeiros
Reunindo as diferentes inflexões destas três variáveis, mais as princi iolagonistas da tipologia weberiana da legitimidade são a burocracia,
pais correspondências entre os tipos de ação social e os tipos de justifi cipal espécime de dominação legal-racional, e a liderança carismá-
cativa da legitimidade, obtemos novo quadro:
O carisma, conceito teológico tomado dum historiador eclesiástico
Tipo de justificativa da legitimidade
Estrasburgo, Rudolf Sohm, é atribuído por Weber às lideranças auto-
Variáveis E a pnadas cujo “dom da graça” constitui a principal crença de apoio
Institucionais Legal Tradicional Carismática Hous fanáticos seguidores. Como a burocracia, o carisma não se restrin-
| esfera política: Profetas e messias religiosos, comandantes militares
Governantes superiores senhores líderes 4 Hipo napoleônico, lideranças culturais como Stefan George, até mesmo
funcionais her barons, têm sido amiúde festejados como heróis carismáticos,
ados pela irracional devoção heróica de seus entusiastas ou presu-
Governados legalmente súditos seguidores imitadores.
iguais
Ássim como o burocratismo se impregna da impessoalidade cotidia-
Estafe burocratas servidores discípulos 4 O carisma se nutre do sentimento do extraordinário no vivo contato
ou vassalos pessoal. A burocracia é prosa seca; o carisma, arrebatado drama..
hão seria realmente correto sumariar a “carismatologia” weberiana
Orientação da racional- orientada- afetiva lo simples restauração de Carlyle na Belle Epoque, ou de qualquer
ação social instrumental segundo-a- comparável mitologia do gênio na história. Fosse qual fosse seu
predominante tradição mio pela força criadora e destrutiva dos indivíduos excepcionais,

110 qa
Weber esforçou-se para manter seu conceito secularizado do carisma loca à interpretação da tese de Weber, é completamente despropositado
completamente “esvaziado-de-valor” e preocupou-se em não incorrer, tecordar como a Fiihrerdemokratie conheceu outra evolução,
ele próprio, em algum culto do herói. bastante
Imprevista, treze anos apósa morte de Weber — com consequ
Ainda mais importante, encarou o carisma como condenado a ser, ências
hem mais sombrias que os alegados males da racionalização.
de uma maneira qualquer, muito rapidamente cristalizado em instituição. O esposa-
lento por Weber de tal princípio (que ele conseguiu inscrever na
Considerava a “decadência” das explosões carismáticas como a própria consti-
tuição da República de Weimar — razoável consolo para seu fracasso
essência do fenômeno — essência que ele tentou captar através do con
ceito de rotinização do carisma. Neste último caso, o ajuste às condições
econômicas prevalecentes é de fundamental importância.” Os interesses HO governo totalitário; tratava-se, pode-se dizer, de um gaullis
ditados pelas necessidades de segurança do grupo carismático reunido mo avant
dy lettre, mas não de um hitlerismo. Por isso, perfeitamente
em torno do estafe do líder, assim como as exigências objetivas dc inútil será
forçar a cantilena sobre a ingenuidade do frouxo liberalismo alemão.
adaptação a uma economia “normal”, condicionam poderosamente tanto Por outro lado, ao construir o conceito de dominação
a já difícil sucessão do líder carismático como a frequentemente conflitiva legal como
“Wontraparte dialética”* da liderança carismática, e ao erigir esta
transformação do carisma em “estrutura de rotina permanente”. A legiti última
Hh “arquétipo” de sua sociologia política, Weber não apenas se com-
midade carismática resvala, então, de uma maneira geral, para o tradicio fómeteu com uma noção de legitimidade demasiadamente questionável,
nalismo ou para a dominação legal. Por outro lado, o sucesso histórico iique excessivamente centrada no governante, como privou sua socio-
do governo residualmente carismático, seja eletivo ou hereditário, desde dpia de uma idéia de democracia mais equilibrada e abrangente. Obvia-
o papado até o sistema indiano de castas, indica que a rotinização pode ente estas críticas requerem ulterior elaboração e substanciação, dentro
eventualmente significar menos o desaparecimento que a “objetificação ma avaliação global da teoria weberiana da legitimidade — o que
do carisma. Aqui todos os textos permitem registrar importante ambiva fresponderá ao próximo capítulo.
lência do pensamento de Weber — ambivalência não desconectada de
sua tendência, observada por Parsons, de deixar a tipologia política
isolada das outras dimensões do sistema social.
À vista do papel central da democracia no estado da sociedade
industrial, é da máxima importância observar que Weber não concebeu
a democracia representativa, da cidadania de massa, como se poderii
acaso esperar — isto é, como uma (talvez como a) forma natural dc
dominação legal. Pelo contrário, preferiu pensar nela apenas como instru
mento para líderes com falta de criatividade carismática num universo
crescentemente “racionalizado”, ou seja, “gerido pela burocracia”. Con
tra as sombrias perspectivas da “democracia sem lideranças”, do governo
de políticos “profissionais sem vocação (carismática)”, escreveu ele, cm
Política como vocação, que se deveria invocar uma Fiihrerdemokratic.
na qual emergissem líderes imaginativos e voluntariosos, legitimados
por métodos plebiscitários.” O conceito de democracia plebiscitária intro
duz-se em Economia e sociedade, onde é descrito como “versão antiauto
ritária da dominação carismática”.
O que Max Weber presumia, quando vigorosamente propunha 1
democracia plebiscitária à Alemanha da Primeira Guerra Mundial, cri
essencialmente uma liderança partidária democrática do tipo da de Lin
coln ou Gladstone (embora chegasse a incluir sob o rótulo de legitimação
democrática o caso bem menos ortodoxo de Napoleão III). No que

ID
113
. Breve Avaliação da Teoria
Neberiana da Legitimidade

três tipos de legitimidade postulados por Weber têm


merecido apro-
ção, aperfeiçoamento ou rejeição à base de consideraçõe
s de caráter
ficeitual, empírico e teórico. Iniciaremos nossa breve avaliação
indo
recen-
algumas das dificuldades conceituais e objeções empíri
cas susci-
as contra eles. Quanto aos problemas teóricos relacionados
à tipologia
Weber, serão examinados na seção subsequente. Adoto
aqui esta
lem visando oferecer uma transição adequada para as questõ
es teóricas
gerais que haveremos de abordar no próximo capítulo,
a fim de
ar integralmente o caráter e as deficiências das idéias
de Weber
i a legitimidade.

npacto das críticas conceituais quanto à tríplice


tipoiogia de Weber
je dirigido principalmente às noções de legitimidade
tradicional e
mática. Comparativamente, a dominação legal-racion
al tem sido
ima das indagações mais interessantes, relativa ao
significado geral
pitimidade tradicional, foi suscitada pelo historiador
da sociologia
lrey Hawthorn. Refere-se à relação entre a tradiç
ão como tipo
pitimidade e a tradição como tipo de ação social.
A atitude mais
m da exegese weberiana (veja acima, p. 108) é a de não
tespondência entre autoridade tradicional € ação orient
quest ionar
ada segundo
lição. Entretanto, de acordo com Hawthorn, o apelo
à tradição
| forma de assegurar submissão e, como tal, é Zweckrational,!
Astitui um perfeito exemplo de ação instrumental,
não “tradicio-

115
nal”. De fato, com muita frequência, os apelos à tradição visaram à “Ocarisma mas —e isso é notório em Nisbet — tratar o aspecto irrompedor.
finalidade de garantir o poder. A observação parece irrecusável. E inovador da liderança carismática individual como um mero subtipo
Seria possível entretanto retorquir que Weber jamais se ocupa com «la sacralidade; um subtipo originário de uma suposta “necessidade da
as motivações dos governantes. Preocupava-se exclusivamente com o ordem” (Shils) da qual a “propensão carismática” é apenas uma “fun-
e

significado objetivo de suas justificativas para a legitimidade e com o “ção”.


tipo de crença que suscitam da parte dos governados. Deste ponto de Não é surpresa que weberianos ortodoxos como Wrong, que não
e

vista, não parece absolutamente patente a diferença entre o tradicio- cultivam qualquer obsessão estrutural-funcional pela “ordem” (ou a nos-
eme

nalismo como retórica da submissão e, digamos, uma revolucionária lalgia de Nisbet pela Gemeinschaft), demonstrem real embaraço com
liderança carismática, ou o governo da lei. A taxinomia de Weber não | diluição do carisma na categoria durkheimiana do “sagrado”. Tudo
ra

classifica os motivos dos governantes para governarem, mas as justifica (ue lhes resta fazer, melancolicamente, é recorrer ao famoso capítulo
tivas suficientemente razoáveis para motivarem a submissão. Neste senti jamais escrito sobre a revolução, planejado para Economia e sociedade
do, sua tipologia lida com a ideologia antes que com a psicologia, c (elo perdido tão crucial para a obra de Weber como o é para a obra
suas três formas de legitimidade são, na verdade, como Wrong observou,
aparentadas às “fórmulas políticas” de Mosca.?
- Outra aguda crítica ao emprego do conceito de tradição numa socio
logia do poder foi recentemente apresentada por Roderick Martin (autor,
aliás, simpatizante da perspectiva weberiana sobre a ação social). Como Não obstante, e apesar do que tenham em comum os conceitos
Martin a encara, a autoridade tradicional, sob o enfoque analítico, com le “sagrado” e de carisma enquanto fundamentos não-racionais da sub-
põe-se de dois elementos. O primeiro é a sacralidade do passado. O nissão, o fato é que certamente não é possível tomá-los como idênticos.
outro é a reverência ao “precedente estabelecido”. | Para começar, dado o fato que, para Durkheim, sacralidade e solidarie-
Ora, o precedente estabelecido parece claramente inseparável da Jade social acabam sendo a mesma coisa,º a correta equação a ser postu-
legitimidade legal-racional. Já que todos os precedentes são computados nda entre carisma e sagrado não poderia jamais determinar a fusão
como instâncias legitimadoras, parece razoável considerar que aqueles D carismático com o social tout court, mas, como observa oportunamente
dotados de caráter obrigatório sejam derivados, em última instância, | Glasner,/ com uma certa forma de solidariedade social: a solidariedade
da “legalidade” (qualquer que seja sua forma cultural), e reforçados pecânica. Na verdade, a devoção carismática manifesta-se originalmente
pela repetição — caso em que a tradição reduz-se simplesmente à domi comunidades muito indiferenciadas, compostas por pessoas de menta-
nação legal. ilade semelhante, que Durkheim considerava como a base social da
Por outro lado, pode-se muito bem subsumir a sacralidade no caris ilidariedade mecânica, em contraste com a heterogeneidade interde-
ma. Realmente, por que razão deveria o tempo, per se, legitimar! ndente da solidariedade orgânica. Os adeptos de lideranças carismá-
Apenas os precedentes que tenham sido sacralizados podem incorpo vas podem realmente ser descritos como “pessoas de mentalidade seme-
tar-se à tradição qua repositório da sacralidade. Mas se é assim, então junte” — pelo menos no que diz respeito à sua relação com a autoridade;
não resta dúvida de que a sacralidade precede a tradição. Além do fato, constituem grupo muito mais homogêneo que os membros da
mais, em termos últimos, a sacralidade de qualquer ordem pode significa! piedade primitiva que Durkheim, equivocadamente, sempre conside-
simplesmente que haja fundamentos não-racionais para a reverência ju “indiferenciados”.
e o acatamento — e o que é o carisma, senão um nome para este * Se prosseguirmos em nossa análise da “solidariedade mecânica”
tipo de fundamento? 4 carisma, descobriremos imediatamente a insubsistência da idéia de
Uma vez que a sacralidade seja redutível ao carisma e o precedente io tradição e carisma venham a dar no mesmo. Enquanto a solidarie-
estabelecido à legalidade, a tradição, como tipo de legitimidade, desvanc flo mecânica presume indiferenciação institucional, a legitimidade tra-
ce-se. Muito curiosamente, o descarte, por Martin, do conceito de trad injonal definida por Weber pressupõe um teor razoável de instituciona-
ção poderia encontrar adeptos entre sociólogos como Parsons, Shils « lição. Como modalidade da dominação legítima, a tradição, segundo
Nisbet, que identificam o carisma de Weber com o conceito durkheimiano pber, ordena-se por regras — daí ser tão sobrecarregada de funções
de “sagrado”.º O objetivo destes autores não era, entretanto, descarta! nários institucionais — tanto quanto a dominação legal. O carisma

116 JF
autêntico, entretanto, ao menos quando irrompe, é fundamentalmente seções de Economia e sociedade propondo uma tipologia estritamente
“irregulado” e “imoldurável” pelas instituições existentes. ideal. Quando se trata, entretanto, da identificação empírica do tipo
Não precisamos nos estender mais sobre a suposta identidade entre mais original entre todos, o da legitimidade carismática, as dificuldades
carisma e tradição. Mas o que dizer sobre a postulação de Martin de se multiplicam.
que o governo estabelecido a partir do precedente não seria senão um Para examinar algumas delas, devemos recordar com clareza quais
caso de dominação legal? Suspeito que também neste ponto a crítica são os principais componentes do conceito de carisma. A seção 4 do
desconsidera algumas características essenciais da anatomia taxinômica Capítulo 3 da primeira parte de Economia e sociedade enumera grosso
de Weber. Realmente Weber não define a dominação legal exclusiva modo seis características da (legítima) dominação carismática:
mente pela existência de um “repertório de regras relevantes”, para
usarmos as próprias palavras de Martin. Esta é uma condição necessária (a) a natureza extraordinária (originalmente, de caráter mágico)
da dominação legal-racional, mas não uma condição suficiente. de uma personalidade que se supõe sobrenatural ou, pelo menos,
Há no mínimo mais um aspecto vital a ser considerado: a forma dotada de poderes excepcionais, o que a coloca acima da rotina
legal da legitimidade, em contraste com as formas carismática e tradicio cotidiana;
nal, deve ser vivenciada como uma experiência impessoal. O próprio (b) a confiança fideísta dos liderados, o que, Weber se apressa
Weber insiste nesta diferença, ao final da introdução da chamada Her a acrescentar, não constitui a base da legitimidade carismática,
schafissoziologie propriamente dita (na Parte II, Cap. 9 de Economia mas antes motiva profundo sentimento de “dever”, por parte
e sociedade). Enquanto, na forma tradicional de legitimidade, os govc! daqueles que acreditam fielmente no carisma de alguém;
nados sempre obedecem a pessoas (mesmo se esse vínculo decorre de (c) o sucesso, identificado principalmente com o “estado de alguma
costumes estabelecidos), no caso da dominação legal, a obediência rele prosperidade” propiciado à comunidade pelo advento da lide-
re-se primeiramente à lei, e apenas secundariamente, instrumentalmente rança carismática;
ao governante. Essa pura diferença, não apenas em espírito € conteúdo, (d) o caráter emocional da própria comunidade carismática que não
mas no próprio conjunto das “regras relevantes” que definem as substari dispõe propriamente de autoridades estabelecidas, hierarquia
ciações históricas concebíveis de cada um dos tipos, demonstra que 4 ou status jurídicos abstratos: o carisma corresponde a uma forma
relação norma/governante é, para cada um deles, fundamentalmenti de dominação essencialmente irrestrita;
distinta. Nos sistemas tradicionais de dominação, os governantes aítva (e) a natureza essencialmente irregulada da dominação pelo carisma,
mente medeiam a relação entre os súditos e o precedente estabelecido que é também irracional, destrutiva, subversiva;
Nos sistemas legais, pelo menos idealmente, cabe aos governantes sercri (/) a tendência antiutilitária da “missão” carismática, que antepõe
nada mais que os servos da lei. A dominação tradicional fervilha di o carisma ao econômico e lhe confere o caráter de vocação
laços pessoais; a autoridade legal não os reconhece. o genuína.
Deste modo, apesar do registro de mais de uma superposição entit
os tipos, a classificação de Weber parece resistir. Seu valor diacrítico
ultrapassa o entrecruzamento dos elementos conceituais entre Os tipo A base da legitimidade carismática é pois a emocional confiança
Não é fácil apagar o contraste entre (1) a autoridade-submetida-a-rep. na, liva em uma personalidade extraordinária, “mágica”. Tal confiança
que obtém a submissão dos súditos sob a justificativa da sacralidadi iduz submissão a uma forma irrestrita de dominação que, embora
literal ou hereditária, de acordo com o costume imemorial; (2)a autorida idlicionada à necessidade de obtenção de algum tipo de sucesso, é
de-submetida-a-regras e exercida sob a justificativa da observância raclg npre originalmente a raiz de uma “missão” revolucionária e subver-
nal de uma ordem legal impessoal; nem se pode subestimar a distância va, percebida pela comunidade carismática como verdadeira vocação
entre esta última e (3) o poder-liberado-de-qualquer-regra exercido do Wrentada segundo finalidades não-utilitárias.
forma extremamente personalizada, conforme a natureza mais tipith * Ora, excetuado (d) (o caráter emocional, “irrestrito” da dominação
da legitimidade carismática. É a Himática), todos os outros elementos da anatomia weberiana do caris-
De qualquer forma este tríplice contraste não carece de utilidade à têm sido alvo de duas críticas. Passemos a revisá-las sucintamente.
descritiva, que era o que Weber tinha em vista quando elaborou cut — Quanto a (a), a “magia” da personalidade superdotada, os críticos

118 119
estudo da psico-
em geral deploram a ausência d içã Esse algo como a submissividade são objeto próprio do
5
“dom da graça”. Weber jamais dnalioã
ra Len nte o carismaE como logia social. a é por
Da maneira como se situa, a teoria weberiana do carism
te “psico lógica ” e, ao mesmo tempo, insufic ien-
Além disso, a própria ênfase no carisma como atributo de unia |im lado excessivamen caris-
encara O
personalidade tende a excessivo psicologismo, mesmo no nível estrita jemente psicológica. Excessivamente psicológica porque
cientemente
mente descritivo — quer dizer, não é suficientemente sociológica. Como ma como função da personalidade antes que do grupo. Insufi
o papel dos fatores motiva cionai s na sus-
observa argutamente Robert Bierstedt, a falta de clareza de Weber quan psicológica porque negligencia
quais se fundamenta
to a este ponto mina lentação destas estruturas da ação social, sobre as
sua teorização, devido à viciosa E fisstio: ent
os conceitos de autoridade e liderança. Certamente o carisma é um ti ! | carisma como forma de dominação.
suscita igualmente
de autoridade — posição de superioridade numa situação de od | Nosso terceiro elemento “anatômico”, o sucesso,
o sucesso de uma liderança
legítima aos olhos dos grupos subordinados. Não obstante, a cs e res hroblemas de difícil superação. Com efeito, se
uirá, em termos
E como características de liderança. Ora, o E é antes q Integra a definição do carisma, qual o critério que disting eficiente
ática da lidera nça simple smente
a EE cena qualidade pessoal, enquanto a autoridade transcende bsolutos, a liderança carism
prestíg io do líder
ape aee erindo-se a funções e status. A liderança envolve a dife inovadora? Será que o sucesso apenas aumenta O rar
poderá engend
ni o E Ee ER ONA e submissão, relação essencialmente Parismático aos olhos de seus seguidores, ou, antes,
O ad a que à assimetria, que é inerente à situação devoção carismática?
da natureza do
pa e, por outro lado, implica diferença sociológica A implícita universalidade da concepção weberiana
situaç ão de “algum a prospe ridade ”) parece admi-
Es a e inação e superordenação.º Quanto mais o carisma se caracte licesso carismático (a propria-
realiz ações
Saeco o ae por parte de uma liderança, menos é convincente lr como critério tanto um êxito ideológico, como (efeito
pode ser psicol ógico
a rma de dominação legítima, isto é, de autoridade. mente factuais; o sucesso carismático tanto
real. Entret anto não levare mos muito
iu a estudiosos alcançaram semelhante conclusão crítica discu la auto-ilusão das massas) como por negar
já que, em última instânc ia, ela acabar ia
(b) em vez de (a): tomando como foco de análise a comunidade bnge esta discussão novela
tutiva da
E e não o carismático messias. Considerando a irrupção carismá importância do “teste de sucesso” como parte consti
ao carisma: muito
ao função do grupo, lamentam que o conceito weberiano do lo carisma. Há uma dimensão toynbecana ligada
mais que as dominações do tipo legal ou tradici onal, a dominação caris-
a seja demasiadamente centrado no indivíduo e, como tal, be desapa recer. Entret anto, se é este
mática deve enfrentar desafi os — ou
pouco satisfatório como perspectiva sociológica.” Por maior E ssh o quê gera o quê
E Reese de certas personalidades, elas não conseguem Tui | caso, teremos então que reverter O nosso dilema: ático
nteme nte já era carism
sao a não ser que exista um processo de liderança composto "o carisma ou o sucesso? Hitler apare e, mais
(na sua Entwic klungs diktat ur
E estruturas interacionais como de “traços da personalidade” ntes de se tornar bem-sucedido Com
dizer sobre o New Deal de Roosev elt?
ia outro lado, a compreensão farde, na guerra); mas que
destas estruturas interacionais sc potencial carismático
ticiaria vantajosamente de uma abordagem psicológica não-indivi perteza terá contribuído para a magnificação de seu
ca Ao deixar de relacionar esta representação supercondensada disponível. status teórico do
E nao com uma perspectiva básica iluminadora, originária da área O que aparentemente está em jogo é o próprio
nada mais é que O result ado do sucesso
psicologia social e, em particular, da psicologia social “profunda” arisma. Pois se o carisma
considerá-lo um tipo
então emergente, Weber possivelmente perdeu a oportunidade de refot le uma liderança, então dificilmente se poderia
fundamento para a
çar E enriquecer a apreensão sociológica do fenômeno carismático. A dle dominação legítima, já que não haveria mais
Há pouco verifi camos O quanto
e ogia por si só não basta para explicar os fenômenos sociais, mas Nucitação de certa ordem de poder.
censur a O concei to weberi ano de carisma
Ned psicológicas certamente participam da explicação dos processos | moderna teoria sociológica
agora que O próprio
pe or exemplo, o poder carismático do Fúhrer nazista baseava-se por dissolver a autoridade na liderança. Observamos
mo ra na disseminada submissividade das massas na Alemanha parisma perde-se na liderança sans phrase. ro, o sucesso
E En Resta saber se devemos tentar decidir o que vem primei
E dominação aqui evolui para algo que se aproveita , só existe uma forma de impedir que
ocilidade ovina em relação à “personalidade autoritária”. Tanto “pu O carisma. Aproximadamente
121
120
esse tipo de problema resvale para um quebra-cabeça do tipo o-ovo-ou-a lo componente voluntarista. A liderança carismática de-Weber não ape-
galinha, malogrado desde a origem e vastamente semântico: empenhar-se Has é irrestrita em relação a qualquer regulação, mas tende a ser também
numa análise, claramente comprometida com parâmetros empíricos, du ima quase demiurgia, plasmadora da história. Enfim, a idéia de carisma
situação de poder como um todo. De qualquer forma, a tentativa dc dle algum modo hipostasia a liberdade do governante como indivíduo
deslindar a confusão entre liderança e carisma sem abandonar o enfoque riador.
preferencial da liderança (em contraste com o enfoque da situação de Deve-se admitir que esta tosca hipótese mais se deve aos neowebe-
poder) não oferece condições para que se elimine a ambigiiidade das anos do que ao próprio Weber, que, pelo menos em sua análise histó-
idéias de Weber neste ponto. Por exemplo, a pedra de toque da análise fica, ateve-se a uma concepção bem menos extravagante quanto ao papel
de Dennis Wrong quanto à manifestação da liderança carismática Os indivíduos na causação social. Entretanto, a lógica de sua própria
a capacidade de inverter dramaticamente a direção política sem perdci Wnrismatologia acaba conduzindo nesta mesma direção, na medida em
a massa dos liderados!! — é muito discutível. ju sempre valoriza “o poder do homem sobre o destino”. Em última
- Nenhuma das evidências supostamente “límpidas” de Dennis Wrony instância, na Weltanschauung de Weber, a atuação do líder carismático
resiste à análise. Consideremos seu exemplo segundo o qual Lênin reverte em se submete a regras nem a quaisquer estruturas condicionantes.
o revolucionarismo marxista evolucionista em populismo e putschismo as enquanto a primeira irrestrição soa como sólida observação descri-
Jacobino”. Realmente, e embora seja inquestionável a superioridade va (estabelecendo contraste com o governo “legal” ou tradicional),
política de sua “fusão altamente original” entre populismo e marxismo, ificilmente pode-se dizer o mesmo da segunda. Mesmo considerada
o-sucesso de Lênin em outubro de 1917 seria certamente melhor repre O nível pretendido, estritamente descritivo, a inefável magia do carisma
sentado como um modelo da capacidade de resposta criativa da liderança buco ajuda à caracterização dos processos de liderança, já que irrealisti-
dentro de um universo de oportunidades políticas em expansão — em mente enfatiza o poder às custas da estrutura.
vez de ser, como desejaria Wrong, o efeito de um magnetismo pessoal Enquanto se pode dizer do carisma, conforme acabamos de verificar,
O triunfo revolucionário de Lênin — numa contingência única, como e, na medida em que se trata do sucesso, seu conceito evapora-se
ele foi o primeiro a reconhecer, do vazio de poder desencadeado nú w de liderança, o próprio requisito do sucesso lhe confere uma aura
angustiosa situação da Rússia na Primeira Guerra Mundial — parecc litária inconsistente com os sublimes impulsos “missionários” tão disse-
na verdade ilustrar vividamente aquilo que Steven Lukes há pouco tempo
minados na carismatologia de Weber — e expressamente incluídos na
denominou “a dialética entre poder e estrutura”: dialética que, envol bssa lista memônica de características definidoras. Com muita probabi-
vendo agentes possuidores de “capacidades (em expansão ou retração) ade, essa é a razão pela qual o elemento do sucesso permanece quase
diante de oportunidades (em retração ou expansão), demonstra uma scurecido na categorização de Economia e sociedade, não obstante
validade explicativa infinitamente superior a todas as presunções míticas 4 reconhecimento de seu “valor de teste”. Na medida em que esse
sobre o gênio individual. imponente torna toda a anatomia weberiana do carisma tão contra-
Ora, se o carisma de Lênin vem a ser uma liderança eficiente « llória e problemática, acaba por deixar de ser reconhecido como fonte
bem-sucedida, a imagem que se insinua no seu caso (como nos casos E legitimidade. Para Weber, o carisma requer o sucesso mas não se
de Roosevelt, Churchill, Mao ou de Gaulle) não é tanto a de um irresis
jutre dele.
tível semideus, mas de um herói astuto, capaz de capturar a evasiva Ora, isso é lamentável, já que se pode argumentar, dada a história
deusa Fortuna sob a pressão do instante. Ao tentar explicar seu êxito os padrões empíricos da legitimidade, que é impossível deixar de consi-
somos obrigados a reconhecer que, embora nem tudo esteja ao alcance far o sucesso como importante força legitimadora. Na “política da
de um mortal, sempre resta na história algum espaço para o livre arbítrio
idustrialização” (Organski), assim como no capitalismo avançado, a
e a iniciativa responsável do homem; não somos, porém, em absoluto, Ificiência governamental na obtenção e produção de metas “utilitárias”
levados a representar sua atuação em termos de misteriosos dotes pes tais como emprego, mobilidade social e bem-estar geral — tem rece-
soais ou de extraordinária magia individual. ido tanto das forças sociais como intelectuais a aprovação dignificante
Longe de oferecer-nos um quadro equilibrado da interface entre jue a converte numa (talvez na mais) crucial função legitimadora. Em
vontade e restrição, capacidade e oportunidade, na situação do poder impla medida, aqueles que eventualmente preferem, como Seymour
e na vida social, o carisma weberiano exibe forte preconceito em favo! Martin Lipset, distinguir eficiência de legitimidade,“ parecem padecer

122 123
de falta de sintonia com pelo menos uma das dimensões principais dos
fervor, embora sem esperanças. O carisma representava para ele o heroís-
estados contemporâneos. Em nossa época de fetichização da taxa de
mo da liberdade em sua luta de Sísifo contra os grilhões do destino.
crescimento, “socialismo de goulash” e consumismo arraigado, poucos
Não admira que este construto parametafísico não chegasse a qualifi-
recusariam a conveniência de fazer a sociologia política refletir-se no
car-se como ferramenta analítica adequada para lidar com a realidade
carisma do desempenho.!$
empírica do fenômeno de liderança. No fundo do pensamento de Weber,
Cabe-nos indagar por que razão a legitimidade decorrente do desem- esta jamais foi a sua finalidade; deveria antes exaltar o encanto moral
penho, um dos casos demais interessantes do carisma derivado do suces-
das sempre intermitentes, e rapidamente minguantes, irrupções da indivi-
so, permanece intocada e imprevista pela tipologia de Weber. Uma
dualidade criativa na história. A carismatologia representou sobretudo
resposta possível é que a sociologia de Weber, com toda sua ênfasc
n máscara “vazia de valores” de uma melancólica celebração da liber-
na suplantação da tradição, preocupa-se muito pouco com seu próprio
ade, disfarçada como discurso científico proferido pelo “liberal desespe-
contexto histórico, a saber, as vicissitudes da industrialização. Há mais
tado” Max Weber.” Poucos de seus conceitos são tão sobrecarregados
que isso, entretanto. Em certo sentido, Weber simplesmente não poderia
ilaqueles comoventes, embora altamente questionáveis, pressupostos que
reconhecer o carisma da eficiência já que isso contradizia seu postulado
| compõem sua concepção da história, desencantada, sombria e mani-
de que as razões utilitárias (o hábito ou a simples preferência emocional)
não se credenciam como fundamentos para a legitimidade de uma ordem
social. Como vimos,a legitimidade weberiana não se assenta no interesse
próprio (mesmo quando generalizado), no costume ou no sentimento;
deve sempre enraizar-se na crença da validade. A convicção, não a gratifi
|. Objeções Empíricas: Sobre a Burocracia
cação, é a sede do acatamento, em contraste com a submissão pela À visão do mundo de Weber será mais extensamente discutida no Capí-
força. O que poderíamos dizer, ao final, é que se deve ao assistemático
tulo 8. Por enquanto vamos ocuparmo-nos em completar, com algumas
realismo sociológico de Weber — e não ao espírito de sua teoria da
Tápidas considerações sobre burocratização, nosso breve inventário das
legitimidade — a relutante inclusão do sucesso entre as características
dividas conceituais e empíricas suscitadas pela sua tipologia da legiti-
do carisma.
A implícita superposição dos atributos operacionais e executivos,
imidade.
A burocracia é a encarnação da dominação legal-racional. A essência
do carisma com aqueles de liderança tout court, acaba delatando, como
flo carisma é a insubmissão a qualquer regra; a essência da burocracia
vimos, a incapacidade weberiana de discutir os fatos da dominação à
luz da dialética poder/estrutura. Ressalve-se que o consistente realismo É luncionar de acordo com regras gerais e regulamentações específicas,
que preside a suas análises da Revolução de fevereiro de 1917 na Rússia, losde o recrutamento de pessoal até a especificação de metas, funções
E deveres. Outrora, o carisma, liberado e liberador do domínio das
ou a queda do Hohenzollern em seu próprio pais,!º insinua que “incapa
opras, constituía a única alternativa ao “passado eterno” da tradição.
cidade” deva ser melhor compreendida como “indisposição”. Nestas
análises, empreendidas sem qualquer propósito científico específico, Wc O presente, a liderança carismática constitui a única escapatória ao
ber demonstra perfeita sensibilidade à dialética entre vontade e obsti introle impessoal da burocratização generalizada.
O tema “aurocracia assume o comando” é indisputavelmente um
culo, capacidade e oportunidade; seus esquemas explicativos não são
em absoluto centrados na personalidade, mas inequivocamente sintoni ilmotiv da obra de Weber. A burocratização constitui, de longe, a
zados com a situação de poder como um todo. nicipal corporificação institucional daquele processo de racionalização
pelo qual a ação instrumental progressivamente se sobrepõe à ação afeti-
Inversamente, a adoção daquilo que denominamos Aipótese volun WH, tradicional ou orientada segundo-valores. A “razão decisiva” para
tarista no seu conceito tipológico de carisma não parece ter sido ditadi
livanço da organização burocrática, segundo Weber, consiste na sua
por dados históricos. Antes vem a ser imposta por sua arraigada tendêncii
+ lperioridade puramente técnica” sobre qualquer outra forma de orga-
filosófica de hipostasiar a liberdade e superestimar o comportamento
ção.'* A burocracia está para as outras formas de organização como
baseado em princípios e comprometido com valores. O carisma corres Iáquina para a produção-mecânica: faz mais, e, de um modo geral,
ponde a uma das linhas mestras da visão-de-mundo weberiana, o oposto
4 melhor. O crescimento da população, as necessidades militares, a
perfeito a tendências como a burocratização, que ele combateu coli fgência do estado-nação e da industrialização, com suas grandes
124 125
unidades de produção mecanizada, tudo isso provocou a burocratização É bastante óbvia a importância destas observações no que se refere
das atividades governamentais e econômicas. D estudo empírico da burocracia. E no entanto, elas não deixam de
O tipo ideal de burocracia para Weber destaca dois aspectos princi Her altamente questionáveis enquanto interpretações de Weber. Ambas
pais: a estrutura hierárquica da autoridade e uma divisão do trabalho às linhas críticas presumem que a racionalidade burocrática implicasse,
bem definida, com objetivos limitados e uma recompensa para o desem para ele, eficiência, sem qualquer discussão; contudo, como Martin Al-
penho eficiente. Enquanto o elemento hierárquico caracteriza, segundo row agudamente indicou, não é esse exatamente o caso.
ele, todas as burocracias, antigas e modernas, o aspecto “racional” distin Sem dúvida Weber considerava a burocracia moderna como superior
gue definitivamente as burocracias ocidentais de hoje.!º fecnicamente a outras formas de organização prática devido à sua preci-
Tem-se afirmado com frequência que Weber superestimou tanto O, capacidade de acesso a arquivos, clareza, continuidade, velo-
a racionalidade como a eficiência da burocracia. Desde os anos 40 teóricos idade e economia,” mas não pretendia, através deste reconhecimento
sociais como Robert K, Merton e Tallcot Parsons, juntamente com “bu nais ou menos truístico das vantagens técnicas gerais, que a burocracia
rocratólogos” como Philip Selznick, Peter Blau e Alvin Gouldner vêm cional seja, em toda parte e a todo tempo, eficiente apenas por ser
trabalhando sobre a importância — subestimada por Weber — da atuação "pacional”. Em suma, embora para ele a racionalidade burocrática (con-
informal e extra-oficial das agências e corporações governamentais, espc Irariamente aos métodos mais tergiversativos das máquinas administra-
cialmente por sua capacidade de responder adaptativamente à mudança livas tradicionais) implicasse maior eficiência numa perspectiva histó-
A representação marcadamente prussiana, altamente inclinada ao oficia va ampla, não deveria ser necessariamente acompanhada de uma execu-
lismo, elaborada por Weber, parece ter perdido de vista aquilo que O eficiente — e com certeza não se trataria de igualá-la toto caelo
Charles Page denominou “o outro lado, secreto, da burocracia”. eficiência.
9 Duas críticas principais a Weber destacam-se neste contexto. A Aproximamo-nos bem mais do verdadeiro significado weberiano
primeira, proposta inicialmente por Merton e depois desenvolvida, cm racionalidade, no que se refere à burocracia, se lembrarmos que,
perspectivas diferentes, por Blau e Selznick, ressalta a possível disfuncio ra Weber, a burocracia racional era uma forma de dominação “legal-ra-
nalidade da racionalidade burocrática como permanente observância di bnal”. Ora, a dominação legal-racional é “racional” na medida em
regra. Quanto mais prudentes e precavidos cumpridores de regras forem je a justificativa da legitimidade que lhe subjaz refere-se a “regras
os funcionários, maior o risco de que as regras se tornem um fim cm ursivamente analisáveis” (Economia e sociedade, I, Capítulo 3, seção
si mesmas em vez de meios para serem alcançados os objetivos de ) — quer dizer, implica a existência de- uma ordem legal-racional. E
organização. Quanto mais instável o contexto, mais possível a ocorrêncii idade que esta última já constitui um pré-requisito 'para certas modali-
deste comportamento malogrante, pois o rigor da obediência à repri les de eficiência, sobretudo na área econômica. Como Weber assinala
será, com toda probabilidade, ainda mais inibidor da adaptação inventi vorsas vezes, e em especial no seu último trabalho, a História econômica
va requerida para lidar com o desafio da mudança. Neste caso, a situa ral, o capitalismo, como principal força responsável pelo acréscimo
ção manteria pouca semelhança com o pressuposto weberiano de que pliciência da atividade econômica, exigia a operação de uma ordem -
o comportamento normatizado seria conducente à eficiência organiza jlonal legal tanto quanto necessitava de um sistema de partida dobrada
cional. fre Os seus procedimentos de contabilidade. Mas a implicação lógico-
A segunda linha crítica (que poderia ser denominada como ofensiva listórica opera exatamente neste sentido — da eficiência à racionalidade
Parsons-Gouldner) sustenta que a représentação weberiana da eficiência E não na direção inversa, como presumem os críticos de Weber.
racional burocrática não distingue satisfatoriamente entre competência Além disso, na sociedade moderna, os procedimentos de aplicação
legal e técnica. Weber concede grande importância ao fato de que à Ho regras tornaram-se também “racionais” na medida em que passaram
desempenho burocrático fundamenta-se no conhecimento especializado Wxigir crescente habilidade especializada da parte daqueles que aplicam
— salienta mesmo que esta circunstância é em geral usada como arm fopras. Este tipo de expertise legal generalizada está bem no cerne
poderosa na luta silenciosa mas persistente que a burocracia trava pelo | que Weber tinha em mente quando aludia com razoável frequência
poder. Nas burocracias reais, entretanto, cargo e capacidade profissional tomponente “racional” da administração moderna. Em última análi-
- raramente coincidem, conforme o tipo ideal de Weber pressupõe. Pelo | ma sua representação da burocracia, o conhecimento especializado
contrário, e muitas vezes, cargo e capacidade se antagonizam.? regras aparece com tanta importância quanto a eficiência técnica.

126 127
O ponto principal desta matéria, como Albrow bem o formula, é que, dos fundadores da ciência política: Gaetano Mosca e Roberto Michels.
aos olhos de Weber, “a ação administrativa era orientada não só pela Em A classe dominante (1895), Mosca, um liberal cético, substituiu O
técnica, mas também por normas”. “feudalismo” pela democracia como antítese da burocracia enquanto
Portanto, enganam-sé aqueles que, como Bendix, argumentam que forma de governo. Além disso, percebendo uma realidade onde Mills
a burocrática observância à regras é muito mais sensível ao contexto apenas entrevira um risco, discutiu o domínio despótico do funciona-
cultural do que Weber supunha. Na medida em que a racionalidade lismo público como elemento verdadeiramente definidor das modernas
burocrática weberiana envolve a racionalidade formal expressa mais pelo tlasses dominantes. Poucos anos depois, o livro Partidos políticos de
conhecimento e análise das regras do que pela racionalidade substantiva Michels (1911), pioneiro na pesquisa sobre burocracias não-estatais, de-
da eficiência, ela se conecta nitidamente, na obra de Weber, a todo tectou nelas a “lei de ferro da oligarquia”. A seu ver, as oligarquias
um contexto cultural, composto inter alia pela calculabilidade monetária burocráticas sub-repticiamente conseguiam superar mesmo a mais bem-
e, como vimos, pela codificação legal do tipo “racional”.2 Em suma, intencionada organização democrática (veja-se o partido socialista na
a racionalidade formal da burocracia moderna nutre-se amplamente do Alemanha guilhermina).
processo geral da racionalização que é, segundo Weber, a chave da A virada do século assistiu ao brilhante renascimento
da vertente
história cultural e, dentro desta, da emergência da modernidade. flemã da teoria da burocracia através da obra de Gustav Schmoller,
O estudo de Albrow permite-nos compreender melhor o êxito dc restigioso líder da “escola histórica” dos historiadores de economia.
Weber como anatomista da burocracia, ao convidar-nos a compará-la, Em 1894, ao escrever a introdução de uma série de trabalhos por ele
vantajosamente, com a teorização prévia sobre o assunto. voletados sobre a história administrativa da Rússia, as Acta borussica,
Reduzida aos termos mais simples, a teorização sobre burocracia Schmoller situava a emergência das administrações estruturadas por car-
de meados do século XIX conheceu duas abordagens principais: a anglo feiras como o último estágio na evolução das formas oficiais desde a
francesa, que encarava a burocracia como (má) forma de governo, fre Inexistência de tais funções nas comunidades primitivas, até o preenchi-
quentemente associada com ineficiência; e a alemã, invariavelmente mento por eleições dos cargos públicos na Grécia antiga e em Roma,
transpirando reverência diante da santidade do estado e do valor e pres Es situações prevalecentes no feudalismo e na Idade Moderna. Procedeu
tígio de sua administração. Enquanto a concepção alemã era essencial então à descrição da burocracia contemporânea como um sistema ocupa-
mente legal na forma e áulica no caráter, a anglo-francesa era principal blonal baseado em cargos profissionais assalariados dentro de um quadro
mente política na forma e crítica no espírito. fle carreiras bem definido. Tais cargos são preenchidos por nomeação,
Na Prússia a reforma administrativa desempenhou papel vital na fuma base contratual. Toda a hierarquia correspondente é então refe-
recuperação nacional depois da acachapante derrota diante da França fida a uma avançada forma de divisão do trabalho e conectada à existência
napoleônica. Após a batalha de Jena, o antigo modelo colegiado dc fle classes sociais e de uma economia monetária.
administração veio a ser substituído pelo monocrático burossistema, ba Albrow comenta, com muita oportunidade,? que Weber poderia
seado na responsabilidade individual a cada patamar de autoridade, Herescentar bem pouco a este sistema de cargos descrito por Schmoller.
desde o nível mais baixo até o de ministro. Desde pensadores sociais 1) próprio tipo ideal de democracia para Weber — que, incidentalmen-
como Hegel e Lorenz von Stein até historiadores da economia como to, recuperou a palavra do opróbrio político, dignificando-a como con-
Schmoller, o pensamento alemão concedeu lugar de honra à burocracii feito sociológico — alinha-se perfeitamente com a tradição analítica
monocrática esclarecida. emá na sua disposição de tratar separadamente duas questões concei-
No resto da Europa, pelo contrário, o sentimento predominante Tunis: a natureza da administração moderna e o controle do poder do
era ilustrado pelas Considerações sobre o governo representativo de Mills estado.
(1861), livro publicado dois anos após seu celebrado ensaio Sobre « Mas é claro que Weber, no cômputo final, acrescentou bastante
liberdade. Longe de ser legitimada filosoficamente, a burocracia veni Ho trabalho de Schmoller. Para começar, enriqueceu o modelo schmolle-
a ser discutida pelo grande liberal como uma forma perversa de governo, Fiano graças à sua vasta erudição no campo do direito. Além disso,
e, nestas condições, antagônica à democracia. ncebeu o funcionário “que transmite ordens que não se originam dele
Por volta de 1930, o emprego ocidental do termo burocracia como à partir de um escritório que não lhe pertence” (Albrow) analogamente
rótulo crítico estava operando a partir de impulsos oriundos de dois trabalhador expropriado de Marx — analogia superestimada por mui-

128 Ez
tos dos exegetas de Weber (embora eu deva confessar que a considero cia, embora criasse um novo status composto de pessoas educacional-
tão formal que chega a ser inútil). Ape mente qualificadas, servia decididamente para acelerar o nivelamento
Weber é responsável principalmente por duas coisas. Primeiro por das diferenças sociais através da destruição do privilégio.” Em última
situar decisivamente a análise da burocracia dentro do iluminador con- instância, aquilo que semelhante perspectiva acabava anunciando corres-
texto da história cultural, relacionando a racionalidade formal da buro- pondia, não a qualquer sociedade de classes propriamente dita, mas
cracia com o processo mais amplo da racionalização (ao qual voltaremos à eventual perda de significado do próprio conceito de classe social (pelo
no Capítulo 8). rs Hs menos como Marx e Weber entendiam este termo) no reino “congelado”
Em segundo lugar, articula a “áulica” tradição germânica da Verwal- da usurpação burocrática. A
tungslehre com a tradição crítica. Possivelmente sob a influência de Mi- A intensidade desta obsessão de Weber com o pessimismo cultural
chels, principal herdeiro da crítica de Mosca ao poder burocrático no pode ser medida pelo vigor com que ele torceu seu conceito da legitimi-
contexto alemão anterior à Primeira Grande Guerra, Weber insistiu dade legal-racional em favor da burocracia — e em detrimento, como
em rejeitar a longa disposição teutônica de idealizar e idolizar o oficia: “Vimos, da democracia. Weber concede inteiramente que, assim como
lismo estatal. Significativamente, escreveu o primeiro de seus dois ensaios à burocracia, a democracia é consubstancial ao princípio da igualdade
sobre a burocracia (Economia e sociedade, II, Cap. 9) no período 1911-13, sob a lei e tende, além disso, a promover a eliminação do privilégio.
sob o impacto do livro de Michels. “À burocracia, entretanto, sempre concentra poder. Ao fazê-lo, coloca-se
Carl Joachim Friedrich censurou certa vez a Weber o “entusiasmo em perfeito antagonismo ao impulso participativo que, ao discutirmos
prussiano” pela disciplina militar, vibrante sob sua avaliação das burocra Rousseau, localizamos no próprio cerne de qualquer autêntico senti-
cias monocráticas e autoritárias, sem qualquer margem para um amplo “mento democrático. Na perspectiva francamente elitista de Weber, todo
exercício da liberdadé.”* Haja ou não o entusiasmo prussiano, o fato poder tende a se concentrar — e o poder burocrático tende a concen-
é que, diferentemente de seus antagonistas conservadores dentro do frar-se em termos absolutos.
Verein fiir Sozialpolitik (inclusive, e muito expressivamente Schmoller), “Normalmente”, é claro, a burocracia recebe, e tem que receber,
que consideravam a burocracia 'como força “neutra” pairando sobre e cima as linhas mestras de sua atuação política. No ápice do estado
os particularismos de classe e partido, funcionando como braço secular burocrático, comenta Weber, existe sempre algum governante que não
de uma monarquia sacralizada em favor do bem-estar de toda a nação, exclusivamente burocrático e que fornece ao mundo oficial as grandes
Weber insistiu em considerar a burocracia estatal apenas como instru has de orientação política que, por natureza, este mundo é incapaz
mento técnico. Recusava-se particularmente a considerar “o governo le produzir. Todavia, esta bem conhecida tese de Economia e sociedade
do funcionário público” (Beamtenherrschaft) como norma, antes qualili úbvio corolário de sua recusa da concepção extratécnica, sublimizante
cando-o uma anomalia perversa — na verdade, combatendo-o como gonservadora, da burocracia do estado) não impede que Weber consi-
praga política no Reich pós-bismarckiano. Ao mesmo tempo, aval ava pre a burocracia moderna como tendente a usurpar o poder político
que a burocracia estatal tendia, como estrato corporativo, a exerciti! & daí a exercê-lo de forma peculiarmente perversa.
o poder pelo poder, usando sua suposta neutralidade como conveniente Fundamentalmente, aos olhos de Weber, o burocratismo é um mal
cobertura ideológica. pique significa exercício do poder sem responsabilidade política. A polí-
Embora, em seus escritos políticos, Weber demonstrasse aguda scr autêntica implica para ele a luta aberta entre valores conflitantes,
sibilidade para as âmplas-conexões entre a casta burocrática e as class Borajoso exercício de uma “ética de responsabilidade” em tudo dife-
sociais mais altas,” a concepção mais especificamente weberiana da buro te tanto do extramundanismo pouco viril da convicção religiosa como
cracia ressalta a vontade de poder desta última no sentido que acaba neutralidade insincera e sem rosto do ethos burocrático. Nem se
de mencionar. Mesmo em suas intervenções políticas, Weber identificava Bolsa dizer que a política torna-se então presa da racionalidade burocrá-
a disseminação das tendências antiliberais na moderna sociedade de | políticos profissionais despontam por toda parte, prontos a substituir
massas — o gradual esparramamento da “servidão do futuro” c sus Verdadeira vocação política pela sua expertise na burocracia partidária
estrutura social “egípcia” — com o irresistível avanço da burocracia pela sua superioridade técnica em relação a antagonistas amadores.
bastante independentemente da questão de classe.” Estava, quanto 4 verdadeira” política, entretanto, era para Weber o inverso do carisma.
este assunto, firmemente convicto de que o desenvolvimento da burocra por que a democracia, que, por seu espírito legal-racional, poderia

130 Si
ser vítima da usurpação tentacular do poder por uma burocracia cn
tomo plena usurpação. A burocracia pode ser legal, mas, em última
processo infinito de expansão, obtinha esperança de vida nova pela grau a
instância, a legitimidade é algo que se encontra sempre acima ou fora
do carisma, sob a forma bem problemática do cesarismo plebiscitário. *
fle seu alcance.
Um dos mais destacados estudiosos weberianos de nossa époci
Para o estudioso de Weber, a percepção da diversidade de suas
Julien Freund, aprecia a distinção entre “o político”, que é uma “essCn
Intenções intelectuais como sociólogo ou como presuntivo homem públi-
cia”, da “política”, perigosa atividade naturalmente suscetível de invadii
e destruir “o político”. Freund soa parecidíssimo aos profetas do “fim vo traz pequeno consolo. Mesmo o mais superficial confronto entre
Economia e política e os ensaios contidos em Política como vocação
da-ideologia”; e seu temor à participação política em termos amplos
pleiteia explicitamente uma democracia estritamente “política”, a seguri lemonstra que os textos são interpenetrantes no conteúdo, embora distin-
tos no tom. E isso não se pode explicar pela simples admissão de que,
distância de qualquer politização das relações industriais, das universi
dades, etc. A questão é que democratas “conservadores”, como Freund tias declarações políticas, Weber tenha recorrido, como é óbvio, a suas
terminam por tecer uma idéia mais restrita de atividade política do que
próprias idéias sociológicas;* há mais que isso, e até em sentido contrário:
o próprio Weber, que, conforme visto, nunca fez questão de posar «dk metafísica política da história de Weber condiciona poderosamente
democrata. Enquanto a democracia não passa para Weber senão da las categorias sociológicas. Sua atitude “despreconceituosa” (sobre a
parteira do carisma, ele, pelo menos, valoriza a atividade política em ual se dirá mais no Capítulo 8) nunca conseguiu ser mais que um
eu pieux. O simples fato de que uma noção ideologicamente sobrecar-
geral — não qualquer essência política impalpável — como única forma
gada como a de carisma avulte tão amplamente em seu trabalho técnico
de controlar o-irresponsável poder dos burocratas.
denuncia a presença central do moralista no próprio coração de sua
Apesar do pathos de sua hostilidade, há considerável ambivalência urifreiheit debalde procurada. Sua imagem Dr. Jekill-Mr. Hyde da buro-
na avaliação weberiana do poder da burocracia. Tem-se dito frequcen fcia — insubstituivelmente eficaz durante o dia, irrepressivelmente
temente que o capitalismo nunca encontrou admirador mais fervoroso ânica à noite — demonstra a mesma orientação intelectual pendular.
que seu mais áspero inimigo, Karl Marx. O mesmo homem que vii Entretanto a escolha da impalpável noção de carisma (impalpável
a ordem capitalista como o caso extremo da penúria humana, tanto lo menos enquanto não-reduzida ao conceito de simples liderança)
moral como materialmente, não hesitou em saudar, no Manifesto comu mo única alternativa real aos males do burocratismo, com toda sua
nista, as façanhas capitalistas como os feitos mais abrangentes, em escali coberta dimensão metafísica, privou afinal a teoria da capacidade de
mundial, da espécie humana — feitos aos quais, segundo ele, a humani nstatar o controle, mesmo parcial, exercido sobre a burocracia por
dade devia inestimável ruptura com todos os percalços vinculados |
di
utras forças e instituições sociais. Fosse ele, nestas circunstâncias, mais
“idiotice da vida rural”. Exatamente da mesma forma, a atitude
historiador e menos um filósofo da história, e teria encontrado,
Weber com respeito à burocracia parece profundamente dividida. Reco
ft exemplo, na Suécia, viva ilustração deste fato. A Suécia, pátria
nhecia sua histórica superioridade técnica e jamais acalentou sonhos mais poderosa burocracia estatal em toda a Europa, conseguiu por
primitivistas que a abolissem; mas detestava nela o sustentáculo de uma As vezes, primeiro no século XVIII e depois no decorrer do século
racionalidade sem alma, sufocando vagarosa mas inexoravelmente toda IX, um impressionante equilíbrio entre burocracia e parlamento, está-
espécie de liberdade humana e criatividade cultural. O mais tarde modificado (em detrimento do Riksdag) em favor de
Ao todo, pode-se dizer que o lado moralista de Weber obstinada à não menos expressiva distribuição do poder entre burocracia, sindi-
mente negou tudo o que o outro Weber, o cientista social delibera
lismo e parlamento.” cd
damente “sem preconceitos”, teve o trabalho de conseguir: uma repre A moral da história é perfeitamente clara. Se não embarcarmos
sentação neutra da burocracia como subtipo da legitimidade, a saber,
ma visão de história como combate cósmico entre a burocratização,
a mais vigorosa das formas de dominação legal. Enquanto em Economia quanto “condição inescapável de toda nossa existência” (Weber dixit),
e sociedade a burocracia era discutida, sem qualquer dúvida, dentro do
O carisma como recuperação heróica da liberdade, podemos encarar
cenário teórico da legitimidade, nos escritos políticos de Weber ela ver
burocracia não como o destino cego, mas como apenas uma estrutura
a ser passionalmente indiciada como principal culpada pela ilegitimidade poder (sem dúvida muito importante) entre outras estruturas de poder.
cultural dos tempos modernos. Pior ainda, a burocracia tornava-se mch
lemos até nutrir, neste caso, algum receio — mas não precisamos
mo politicamente ilegítima, já que sua libido dominandi é rechaçadi
4

tar a profecia apocalítica.


132
133
De qualquer modo, a enfática rejeição por Weber da idealização, do estado e de outras áreas da organização social; contém ainda, mesmo
à Hegel, da burocracia estatal da Alemanha guilhermina, permitiu-lhe inadvertidamente, o principal instrumento taxinômico para uma tarefa
- oferecer à teoria sociológica um instrumento analítico realmente precio analítica igualmente importante — a análise funcional de aspectos-chave
so: a conceitualização do poder burocrático. Até mesmo o predomínio do “desenvolvimento político” do mundo contemporâneo, especialmente
das objeções empíricas sobre as questões conceituais, no que se refere ilus chamadas “novas nações”. ;
ao modelo weberiano da burocracia (em contraste com seu conceito Considere-se, por exemplo, a “weberiana” teoria do marxismo apre-
de carisma), demonstra a fecundidade de sua abordagem da burocracia sentada por Gellner em Pensamento e mudança e, ainda recentemente,
como poder e, especialmente, como poder do estado. Como se tem adotada por Immanuel Wallerstein.? “O marxismo — reza o texto —
observado com frequência, essa é uma das maiores lacunas do marxismo flão tem como intento superar os males da industrialização: antes, sua
clássico, já que, para este, o estado e seu estafe tendem a constitui! * finalidade é produzi-los. As revoluções marxistas precedem, e não suce-
simples reflexo indistinto da estrutura de classes. E verdade que em tlem, ao desenvolvimento industrial.” ... “O marxismo faz pela industria-
trabalhos históricos como O dezoito brumário de Luís Bonaparte, Marx lização coletiva, racional, imitativa, o mesmo que o calvinismo fez, segun-
avançou significativamente em direção à autonomia tática do estado dlo a tese weberiana, pela emergência individualista endógena do capita-
vis-à-vis as classes dominantes. Entretanto resta longo caminho a sci lismo.”*
percorrido entre o reconhecimento destes casos, eclipses excepcionais Esta concepção não é difícil de ser combinada com o útil conceito
do governo direto da classe, e o reconhecimento duma necessidade estrit te “revolução totalitária”, desenvolvido por Richard Lowenthal.* Este
tural do estado, tomando-se como critérios as tarefas da coordenação “hrguto observador da história do comunismo considera que as revoluções
da ação de governo na esfera social da moderna divisão do trabalho lotalitárias, das quais a rebelião leninista é o mais vívido paradigma,
Em tais formações sociais, o estado tem necessariamente que existi! não acontecem em decorrência de uma colisão entre o movimento em
— e dentro dele, ou junto com ele, o poder burocrático e a possibilidade Expansão das classes sociais e uma estrutura política estática travando
de abuso desse poder.” Heu avanço, mas sim por causa da existência de um “beco sem saída”
Enquanto, em seu trabalho técnico, Weber realmente tende a negli Ha própria dinâmica da sociedade — que convoca, para rompê-lo, o
genciar o substrato de classe da burocracia estatal, é inegável todavia, Emprego maciço da força política. De qualquer modo, Lowenthal coloca
que, ao delinear a conceitualização da vontade burocrática do poder, cle maior ênfase no ponto de partida (o impasse de um processo de desenvol-
logrou detectar uma tendência crucial no desenvolvimento das sociedades vimento defeituoso) ao passo que a tese Gellner-Wallerstein acentua

San ga
modernas. Antes de se tornar simplesmente um cavalo de batalha da b felos ou terminus ad' quem da insurgência revolucionária. Ambas as
direita, em seu infatigável combate ao estado — e a despeito das rigorosas Interpretações, entretanto, partilham a idéia de que as burocracias revo-

PIN
restrições a Weber, suscitadas por eminentes marxistas ocidentais como Iucionárias são instrumentos de modernização pela força. Sua linguagem
Lukács ou Marcuse —, o fato é que a crítica weberiana da burocracia “pode ser a da ideologia de classe; entretanto, sua verdadeira função
foi ansiosamente apropriada até pela esquerda libertária. O reconhe histórica não é a da libertação de classe mas a de mera asserção nacional.
cimento das conexões entre burocracia e totalitarismo levado a efeito Na verdade, o partido político revolucionário centralizado (robusto
no trabalho do “'gauchiste”” Claude Lefort é típico. Aliás, a repulsa inimal burocrático, conforme o demonstra classicamente o weberiano
ao burocratismo é hoje uma disposição teórica partilhada tanto por conj Roberto Michels), na sua qualidade de oligarquia em busca do poder,
servadores como por liberais e radicais — a maior parte deles em acordo, aque se esforça, “no interesse do povo”, para “construir o socialismo”,
senão em débito, com o trabalho de Weber. permanece até este momento como o candidato mais plausível a lidar,
* de forma bem sucedida, com a cruel deflagração do processo de industria-
ização dos países atrasados. Os leviatãs modernos são sempre burocra-
HI A Sugestividade da Tipologia Weberiana: Rumo a uma Teoria “las modernizadoras do estado ou proprietárias do estado.
da Burocracia Carismática * Masnote-se: enquanto o fervor ideológico destes partidos demonstra
“Jeu parentesco básico, em termos de devoção fervorosa, com numerosos
A tipologia weberiana da legitimidade não apenas é útil, em sua caractc frupos-carismáticos, sua estrutura burocrática, por outro lado, é igual-
rização de burocracia, como oferece uma crítica seminal da dominação mente notável, transformando-os nos melhores espécimes históricos de

134 135
um inesperado híbrido weberiano: a burocracia carismática. Através
da iniciativa do carisma do partido revolucionário, a burocracia realmenti | necessidade prática comum a todos os estados; diferentemente da
veniência, entretanto, ela é necessária maximamente aos estados
assume o comando. A questão principal é que seu maior triunfo
na área do poder, se não da eficiência — significa também a vitória dernizadores de sociedades em rápido processo de mudança.
daquilo que nos aventuramos a denominar “carisma do sucesso, ou du Portanto, a legitimidade é um valor prático, ainda mais relevante
desempenho”. [4 Os estados modernizadores. Mas como funciona esse processo?
' De qualquer modo, o leninismo figura com destaque entre os print responder a esta indagação, descobriremos uma vez mais que algumas
pais agentes responsáveis por uma fundamentação teórica dos árdums noterísticas gerais do processo de legitimação vêm a ser dramati-
esforços de modernização nacional. Lançando os “oprimidos” con ente intensificadas nas sociedades mutantes. A chave para esta res-
as velhas elites exploradoras (locais ou estrangeiras) e contrapon [1 encontra-se na relação entre o processo de legitimação e o compor-
a nação ao “imperialismo”, o leninismo adapta-se perfeitamente à função ento de aprendizagem por parte da população participante no pro-
de credo “duro” requisitado como preço da legitimidade na dilaceranti 0,
transição rumo à industrialização. Tal fato é particularmente verdade De acordo com Richard Merelman,” aquilo que os psicólogos beha-
na fase inicial dos governos de partido único, nas sociedades em process fistas denominam reforço secundário ou intermitente desempenha
de modernização, quer se trate de leninismo “ortodoxo”, i.e., com uni el tão importante na experiência de legitimidade como no processo
retórica predominantemente de luta de classes, quer do “Jeninismo popu iprendizagem humana de modo geral. O “reforço intermitente” signi-
lista”, variedade ainda mais comum no Terceiro Mundo, onde o govc o um adiamento da gratificação à resposta correta obtida a partir
de partido único dirige-se mais à construção-nacional que à construção tm estímulo condicionado. Os “estímulos condicionados” por sua
do socialismo, atacando mais o imperialismo que a burguesia local. correspondem a símbolos dos estímulos reais (não-condicionados),
à, dos incentivos reais tais como alimento, conforto e segurança.
Mas que fator tornará os partidos leninistas excepcionalmente aptos
O “reforço secundário”, muito frequente na aprendizagem humana,
para a função de legitimação do poder no processo de ruptura modern
ilica um estágio ainda ulterior no adiamento da gratificação real.
zante? De fato, muitos fatores desempenham esta tarefa. O primciry novos padrões de comportamento vêm a ser
lo reforço secundário,
deles, e também o mais geral, no sentido em que não se aplica apenas
vitados e obtidos, supondo-se que o atendimento destas novas deman-
a estados modernizadores, mas a todos os estados, é o valor prático por sua vez reforçará a gratificação simbólica (valorizada em si mesma
da legitimidade. Realmente, a capacidade de um sistema político dk
conta de sua relação com os incentivos reais).
engendrar sua própria legitimidade, quer dizer, aquela dimensão dl
dever-ser” que lhe é atribuída pela massa dos que lhe estão sujeitos Em nosso caso, um novo conjunto de padrões de submissão poderá
não constitui absolutamente um artigo de luxo, mas uma necessidad solicitado à população pelo governo, supondo-se que esta submissão
prática de primeira importância. A legitimidade é inestimável porque [lngrará uma atuação que resulte em gratificação real. Em conse-
ncia do constante reforço secundário, o comportamento governa-
aumenta enormemente a viabilidade do governo. De fato, se a aceitação
das determinações emitidas pelas autoridades estabelecidas dependess ntal tende a ser valorizado, pela população, por si mesmo e não
sempre do emprego da força bruta, ou do temor deste emprego, ú tomo instrumento para obter gratificação (ou, pelo menos, só O será
custo social do acatamento seria alto demais, e a viabilidade do sistem última análise).
|
político ficaria consequentemente reduzida. Ora, a possibilidade de recorrer a reforços intermitentes ou secundá-
Se, por outro lado, a aceitação destas determinações dependesse w, de preferência à gratificação real, obviamente reduz para os gover-
essenciálmente de sua conveniência, então a taxa resultante de eficácii o custo material da obtenção de submissão. Esta circunstância é
seria, quase que certamente, demasiado indeterminada e precária para cialmente inestimável para os governos modernizadores, à vista do
se tornar admissível por sistemas distintos daqueles em que a mudança m conhecido axioma de Heilbroner: nos países pobres, se a distribuição
socialé gradual e pouco evidente.” As sociedades em processo de modci renda pudesse prevalecer sobre a poupança e o investimento, a acumu-
nização, entretanto, apresentam altas taxas de mudança social e dificil fio de capital ficaria prejudicada e a decolagem econômica seria posta
mente poderiam depender do critério da mera conveniência para obtci risco; portanto, nestes países a incipiente acumulação de capital
a aceitação do estado. Diferentemente da coerção, a legitimidade « de requerer sempre que se refreie a evolução do padrão de vida
massas.
136 137
Consequentemente, os governos modernizadores nestes países nc (ue encoberto, efeito deslegitimizante, em face da crescente demanda
cessitam desesperadamente de reforços secundários; devem legitimar-sc popular por uma expansão do consumo. O nervosismo da burocracia
“vendendo” à população tantas gratificações simbólicas quanto possível, governante frente aos riscos de contágio ideológico do Ocidente demons-
a fim de evitar gratificações reais que impediriam a acumulação do tra que ela não confia mais no esgotado carisma revolucionário. En-
capital necessária à decolagem econômica. quanto no Ocidente as crises de legitimidade tendem a questionar mais
Eis por que os jovens partidos revolucionários, com sua capacidade às autoridades do que os regimes (vide Watergate), na Rússia ou na
de oferecer gratificação simbólica à população em geral, são particu Polônia elas pôem em risco o próprio sistema político (mesmo que estas
larmente bem-sucedidos em assegurar a legitimidade no difícil período imeaças persistam amplamente inócuas, pelo menos no futuro previsível
inicial da industrialização. A revolução irrompe porque a antiga ordem 1978), isso absolutamente não as torna menores).
social, antes do colapso completo, teve sua legitimidade minada entre | Até aqui, em nossa tentativa de compreender por que burocracias
subordinados, bem como num setor considerável da própria classe domi fevolucionárias como os partidos leninistas são propensas a produzir
nante. Mas a ordem revolucionária se mantém no poder porque habil legitimação, indicamos apenas uma espécie de “lógica geral da situação”.
mente satisfaz as expectativas populares, que recebem não apenas um erificamos que estes partidos são compelidos a engendrar legitimidade,
aplacamento módico, não-negligenciável, de suas necessidades reais, mas lá que o sentimento de necessitá-la é especialmente agudo nos estados
também incentivos à submissão, cuja natureza é principalmente simbólica modernizadores e o emprego de símbolos da legitimidade como gratifi-
— sendo que não é o menor entre estes o novo senso de dignidade jação psicológica serve excelentemente ao propósito de reduzir o preço
pessoal e coletiva, o sentimento de liberdade em relação à brutal opressão material da obtenção do acatamento. Entretanto, falta-nos ainda respon-
(não mais cules, ou mendigos, ou prostituição forçada), sentimentos ler à questão sobre a razão pela qual o partido leninista, especificamente,
que o regime revolucionário traz consigo. ui-se tão bem nesta tarefa (pelo menos no período inicial da revolução).
O próprio Merelman, embora não enfocando especialmente os esta * Ora, a proposição desta resposta deve bastante à tipologia descritiva
dos modernizadores, adverte que seu modelo da legitimação como apren le Weber. Resumindo a questão ao seu cerne, deveríamos dizer que
dizagem é melhor aplicável ao período inicial de vida dos novos regimes. » partido leninista é muito bem sucedido na legitimação do poder revolu-
Originalmente, entretanto, os partidos revolucionários nas sociedades Hionário basicamente por três razões:
em processo de modernização desfrutam de uma aura de prestígio real
mente aparentada ao carisma. Trata-se de um carisma de desempenho
(1) porque manifesta carisma;
real (pois, por exemplo, o comunismo atua muito rapidamente na mitipa
ção e mesmo na eliminação de problemas como a miséria e o analfabc
(b) porque é fortemente burocrático;e -.
(0) porque de alguma forma mistura-elementos carismáticos com elemen-
tismo); trata-se, porém, porém, em grau ainda maior, de um carisma
tos burocráticos.
do sucesso simbólico, nutrido pela capacidade de oferecer rituais legitima
dores como reforço secundário às massas recentemente “emancipadas”,
durante o período em que seu padrão de vida ainda deve permanecci Os partidos leninistas são carismáticos porque claramente cultivam
baixo. quilo que podemos denominar, acompanhando o feliz empréstimo de
Naturalmente, tal como previsto pela psicologia behaviorista, os ilasner a Durkheim (ver acima, p. 117), a “solidariedade mecânica” da
reforços intermitentes e secundários deixam eventualmente de funcionar svoção fervorosa. Nos partidos leninistas, a efervescência devocional
no caso em que a gratificação real jamais ocorra; assim, o carisma do le pessoas de mentalidade semelhante, com sua simultânea alta voltagem
sucesso simbólico tende a desvanecer-se gradualmente se o reforço mate leológica, é por si mesma conducente a uma elevada taxa de produção
rial leva tempo demais para ser alcançado. A presente situação de vários imbólica, muitíssimo útil aos esforços legitimadores. Além disso, é preci-
países comunistas, que já superaram o estágio de pobreza, testemunha ente o partido que assegura que semelhante efervescência devocional
isto. Bastante tempo após a implementação da infra-estrutura industrial ideológica ocorra não apenas no grupo revolucionário em estado de
a erradicação da miséria das massas e o completamento dos processos fusão” (o próprio herói de Sartre em Crítica da razão dialética), mas,
de construção nacional, a insistência, ou a incapacidade, do regimc, br mais longos períodos, durante os levantes revolucionários e durante
de produzir algo mais que reforços simbólicos tem um persistente, mesmo fase em que as burocracias revolucionárias sustentam a pretensão de

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reconstruir utópicamente a ordem social por amor da justiça e da igual- Inaiores sobre a maior parte dos problemas relacionados à manipulação
dade. da legitimidade.” Os estados centralizados permitem, mais que os descen-
Nestas fases, a costumeira submissão à dominação tradicional ce “Iralizados, um controle maior da elaboração de símbolos consistentes
às crenças tradicionais, nas quais a submissão parcialmente se baseia, la legitimidade e de sua aplicação a políticas específicas.
vem a ser rapidamente substituída, enquanto forças legitimadoras, por As estruturas políticas descentralizadas são obrigadas a funcionar
“reforços secundários”, i.e., gratificações simbólicas que o poder revolu- Negundo o princípio da negociação a fim de gerar, ou aplicar, símbolos
cionário divulga entre as massas, enquanto é ainda suficientemente jovem pitimadores; e raramente são capazes de alcançar mais que uma vaga
para manter-se próximo das expeciativas emergentes no limiar da falência & geral simbologia de legitimidade. Enquanto, pela mesma razão, usual-
da antiga ordem exploradora. mente se resguardam dos riscos envolvidos na manipulação de senti-
Naturalmente é impossível subestimar o papel do próprio marxismo entos de legitimidade, sua retórica do reforço secundário demonstra
como credo na simbolização leninista da legitimidade. Enquanto imanen- der muito menos eficiente do que aquela empregada por suas contrapartes
tismo (revolucionário, “história do desenvolvimento do mundo”,*º aco- entralizadas. O carisma revolucionário do sucesso (simbólico) encon-
plado ao alucinante mito da emancipação individual e coletiva, o marxis- fra-se na raiz desta diferença.”
mo fornece o esquema teórico ideal para as justificativas pós-religiosas Finalmente, os partidos leninistas conseguem misturar, e não apenas
da legitimidade. Deste modo, boa parte do carisma legitimador do leni ombinar, carisma e burocracia ao transformar; de uma maneira geral,
nismo decorre diretamente da sua própria concepção do mundo, o mar irtudes carismáticas como devoção à “seita”, ao evangelho e a seus
xismo. A questão remanescente é que os partidos leninistas, uma vez leres, num fato determinante de progressão na carreira. Um dos princi-
instalados no poder, demonstram extraordinário talento para dar um juis traços de burocracia de Weber consiste na existência de critérios
rosto próprio à teodicéia profana e à promessa emancipatória do (r)evolu E capacidade para a progressão funcional. A burocracia como tipo
cionarismo marxista, no interior do universo mais tangível da crença leal jamais se afasta da meritocracia. No partido leninista a progressão
política. Parte deste sucesso tem a ver principalmente com a capacidade um fato — e um fato realmente “meritocrático”.
leninista de fundir o marxismo com o nacionalismo; pois, nas palavras Na transição do marxismo clássico ao leninismo, como-.Samuel Hun-
de Paul Henry Spaak, aquilo que os comunistas melhor socializam é ipgton argutamente pondera, o critério real de filiação partidária deslo-
sempre o nacionalismo. lise do teste prescritivo da origem de classe para o teste de capacidade
Entretanto, o carisma legitimador das burocracias marxistas revolu D partiinost, ou seja da “consciência revolucionária” aferida por um
cionárias depende, e muito, também de uma segunda razão — do fato Ito padrão de lealdade ao partido. Como resultado, a virtude carismá-
de que constituem poderosas burocracias centralizadas. Há, na verdade, in de devoção invade a idéia marxista original, claramente “utilitária”,
pouca dúvida de que partidos centralizados como os leninistas (“centra que um partido é um simples grupo de interesse — e um nítido
lismo democrático” é o rótulo, mas seria difícil distinguir onde termina imponente do carisma como situação de poder converte-se em funda-
o nome e onde começa o adjetivo) semelham fielmente a assimilação nto meritocrático para desempenho e progressão burocrática.
de Michels entre partido político e burocracia — parentesco reforçado O carisma burocrático do sucesso simbólico é, pois, um fenômeno
pelo fato de que a aplicação partidária em tempo integral (de acordo lija descrição elaboramos lançando mão de categorias weberianas, em-
com o próprio ideal leninista de militante profissional) conduz nitida à este conceito mal se deixe perceber na própria obra de Weber.
mente a uma carreira dentro de uma organização burocrática. tle lamentar que a complexa interface entre sucesso, gratificação simbó-
Além disso, os partidos leninistas são notoriamente excelentes em , Carisma e burocracia tenha sido incompletamente desenvolvida na
sua capacidade de incrustar-se nos estados centralizados. A resultante teorização. E o pior é que toda a teorização de linhagem weberiana
homologia estrutural entre partido e estado vem a ser de suma impo! iuco faz para melhorar a situação neste ponto. A linha interpretativa
tância no que se refere aos processos legitimadores. Parsons-Shils estava por demais ocupada em promover a equivalência
Os partidos revolucionários recentemente estabelecidos no podc! fre carisma e sacralidade do vínculo social, dramatizando as concepções
são particularmente capazes de oferecer gratificação simbólica porque, Durkheim numa exagerada “problemática da ordem” para trabalhar
em geral, rapidamente constroem uma estrutura. política centralizada, Wricamente o potencial revolucionário do carisma. Já os weberianos
e os estados centralizados permitem uma flexibilidade e controle muito ortodoxos, não neodurkheimianos, ignoraram em geral as trilhas

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teóricas abertas pela histórica emergência deste híbrido composto du verificamos em nossa tentativa de generalização a
Na verdade, como
combinação do carismatismo com um tipo especial de burocracia modci da Suécia, essencialmente não existe “burocracia de-
partir do exemplo
na: o partido político messiânico e centralizado, espécie de hierocracia mocrática”: antes, o que existe é apenas burocracia dentro da democracia.
leiga particularmente bem equipada para lidar com as necessidades de Não é o carisma e sim a burocracia que pode servir de arrimo ao despo-
legitimação das rupturas modernizantes.
Mesmo as mais audazes tentativas teóricas de relacionar carisma Finalmente, tal tese não apenas se afasta da morna concepção webe-
e burocracia parecem basicamente deficientes em perspectiva histórica lana de racionalidade como ainda compromete abertamente carisma
O caso mais interessante é o artigo da falecida Helen Constas sobre om irracionalidade, desta sorte privando a análise da condição de reco-
as “duas concepções” weberianas de burocracia.** Observa ela que, pari hecer a proveitosa conexão geralmente obtida entre carisma e sucesso
Weber, a burocracia pode manifestar-se em duas formas. Ou se const rói ncional, utilitário. Devido ao seu exorcismo da burocracia carismática,
como o competente (nos dois sentidos) estafe de uma ordem legal-ra m clima de guerra fria, esta análise simplesmente deixa de captar a
cional, ou deriva da institucionalização de um carisma. Weber contem linâmica pela qual o carisma coletivo medra no sucesso revolucionário,
plou, na verdade, duas possibilidades de rotinização do carisma. Ou flo próprio cerne de disruptivas explosões modernizadoras.
este se torna hereditário, permanecendo, neste caso, pessoal, ou então Quanto a Weber, dificilmente poderia ter teorizado sobre este caris-
assume a forma de carisma do cargo, convertendo-se assim em qualidade na do sucesso. Para começar, por causa de sua própria concepção de
impessoal inerente às estruturas burocráticas, tais como a sacralidade listória do mundo, considerou persistentemente o carisma como uma
do sacerdócio (antes que do sacerdote) dentro da igreja. ualidade sobretudo individual. Teria assim discutido o carisma de Lênin
Miss Constas acentuou ao máximo o conceito de carisma do carpo mas não do partido leninista na infância de sua utópica (no sentido
Seu objetivo confesso era apresentar a classe dominante dos estados E Mannheim) construção nacional.
comunistas como uma burocracia carismática altamente irracional, 4 * Contudo, mesmo que não pagasse semelhante tributo a um indivi-
contrastar com as sensatas “burocracias democráticas”, de caráter econó ualismo amplamente mítico, dificilmente seria capaz de analisar o caris-
mico ou não, das sociedades pluralistas. “Se a burocracia não se conccti ja das burocracias modernizadoras. Tudo o que o registro histórico
necessariamente com a racionalidade”, escreve ela, então não se pode ) seu tempo lhe poderia oferecer, no que se refere ao processo de
pensar, como Weber, que o socialismo é uma versão mais racionalizadi idustrialização, era, de uma parte, a revolução industrial em sua forma
do capitalismo. Na verdade, capitalismo e socialismo distinguem-se nili fimeira, essencialmente britânica, e, de outra parte, a “revolução von
damente entre si, a sociedade socialista sendo subjugada pelo irracional hen” da Alemanha de Bismarck e do Japão Meiji.
carisma-do-cargo exercido pelas burocracias totalitárias. Se Weber nú Ora, a primeira revolução industrial foi acima de tudo um processo
enxergou o socialismo desta forma, isto se deve principalmente ao seu implamente inconsciente, que “aconteceu” e cresceu ao invés de ser
preconceito evolucionista”, que o levou a conceber equivocadamenti pemeditado e estatuído; e as industrializações alemã e japonesa, sobre
a racionalização como a meta da história. quais se pode argumentar terem sido um processo tanto “estatuído”
Por mais sugestiva que seja esta interpretação, aparentemente cla uanto “orgânico” (por serem patrocinadas e não apenas favorecidas
esquece três coisas. Primeiro, que a rotinização era para Weber tanty elo governo), foram conduzidas e supervisionadas por elites tradicionais
uma perda como uma transformação do carisma. A seu ver, O carisniá cionalistas, em tudo diferentes dos partidos revolucionários. E fácil
do cargo era uma espécie de'oxímoro histórico: o carisma genuíno cru pnstatar que nenhum destes roteiros da industrialização podia caracte-
sempre pessoal.e'subvefsivo, enquanto que os cargos são impessoal! War-se como o trabalho de contra-elites carismáticas, devotadas à revolu-
e regulamentados. Em segundo lugar, e ainda mais importante, nv o social e econômica, tanto quanto a um processo de industrialização
é necessário recorrer à noção de carisma para explicar o fenômeno du o apenas patrocinado mas planejado pelo governo.
totalitarismo numa perspectiva weberiana. De fato, a burocracia pars assim como Marx, mais velho que ele quase meio século,
Weber,
Weber sempre procura e concentra o poder pelo poder. Helen Constus
io pôde testemunhar a “política da modernização”. Certamente não
é a primeira a admitir isso quando discorre sobre as burocracias “demo
a justo recriminá-lo por não incluir este fenômeno em sua percepção,
cráticas”: estas últimas não são democráticas porque o queiram, mi
ls seminal, do problema do estado. É melhor reservar a censura âque-
simplesmente porque sobre elas se exerce o controle do mundo exterior " Herbert Marcuse, que dispuseram de toda
de seus críticos, como

142 143
a vantagem do tempo histórico e, entretanto, mesmo ao focalizar 4 ipologia de Weber não deixa o mínimo espaço para à conversibilidade,
industrialização,* ao avaliar o significado da obra sociológica de Web! E razões utilitárias, da coerção em autoridade, no relacionamento
nada encontram a dizer sobre o processo de autolegitimação das revolt fire detentores do poder e seus subordinados.”
ções modernizadoras e a potencialidade de seu (des)Jenquadramento den A verdade verdadeira, conquanto surpreendente, é que, embora o
tro do esquema teórico de Weber. Não seria possível sequer desconfini frios conceitos weberianos de estado e poder levem em consideraçã
Pelo exame dessas críticas, o quanto Max Weber contribuiu para a intoli lura realidade da coerção, sua “sociologia da legitimidade” não relacio-
a
gência das estratégias políticas e ideológicas da modernização. 4, de forma substancial, o poder legítimo com as situações coercitiv
m disso, sua tipologia — diferent emente daquelas de Aristóteles
Montesquieu — não admite qualquer sistema ilegítimo de dominação.
IV. O Status Teórico da Teoria Weberiana da Legitimidade [ resulta que a teoria weberiana das justificativas da legitimidade asse-
ha-se desconfortavelmente a uma projeção das submissões de facto,
.
a moderna “ciência política”, com sua propensão a valorizar o pap! Dlongadas estavelmente dentro do estado, sob a presunção, bastantead
da crença popular na legitimidade do estado como insumo vital a qualque! escjável, de sua validade aos olhos dos súditos do poder.”
sistema político” estável, não tem regateado a Weber o reconhecimcenti David Easton distingue três objetos de apoio como insumo ao siste-
de seu pioneirismo na classificação das justificativas da legitimidadi político: a comunidade (hoje em dia, de um modo geral, a comunidade
Cientistas políticos como David Easton ou Gabriel Almond, eles próprio pional), o regime (os princípios e as estruturas do estado), e as autori-
mestres da análise descritiva e classificatória, não se perturbam c s (grosso modo, o governo estabelecido).º Porque continua basica-
a deliberada ausência de objetivos explanatórios da teoria weberiani nte desligada de outras dimensões do poder, a tipologia weberiana
ões
da legitimidade. autoridade (no singular) não está equipada para lidar com as dimens
npoio às autoridades (no plural). Não se deve jamais esquece r que
Entretanto, na medida em que esta teoria é inteiramente consistenti por naturez a, abstrat os,
iuanto os princípios da legitim idade são,
com a própria concepção da sociologia de Weber como estrita Kate modo que
rienlehre, ela vem a constituir uma taxinomia, antes que uma te | útos de autoridade são, ao contrário, muito concretos, de
no sentido forte, explanatório, deste conceito. De fato, para quem que! | legitimação com base no apelo àqueles princípios não é jamais ques-
que investigue as “causas sociais” da legitimidade e sua variação 111 j pacífica, mas, com muita frequência, um complexo processo transa-
história, a chamada Herrchafissoziologie dentro de Economia e soci nal.** Uma tipologia da legitimidade que não dispõe de instrumentos
dade, não pode parecer senão como a menos sociológica entre to« iccituais para a compreensão e a classificação dos percursos que levam
tipos
as grandes contribuições de Weber. Mesmo sua progênie intelectual ima a outra forma de poder, no interior ou no exterior dos
dar conta dos fatos empíric os
não é, por assim dizer, sociológica: há de encontrar-se antes na tradição | ordem legítima, dificilmente poderá
clássica dos “tipos de governo”, postulados de Aristóteles a Montcs submissão e/ou do apoio.
quieu. Esta tradição tipológica tinha, aliás, ressurgido na Alemanlia Por outro lado, uma vez que não prevêem a ilegitimidade, as catego-
apoio
ao tempo de Weber, através da Polítik (1892) de A.W. Roscher, cuju 4 de Weber pouco ajudam também no estudo empírico do
regimes políticos. Obviamente, o grau de abstraç ão dos seus tipos
substítulo expressivamente reza: “Naturlehre der Monarchie Arista identif icação
legitimidade não impede Weber de alcança r êxito na
kratie und Demokratie”.* » nd O
g Mesmo como tipologia descritiva, a trindade weberiana não se livry ponceitualização de um tema histórico-político muito importante,
ao valor nomi-
e uma crítica efetiva. Pode-se argumentar, por exemplo, que a “dom! iblema do estado e da burocracia. Mas sua capitulação
confi-
nação legítima” permanece virtualmente desconectada de outras forma fl das justificativas de legitimidade, e consegiente negligência das
ações do poder ilegítimo, privam efetiva mente seu esforço teórico
de poder tais como a coerção e a influência. A corajosa tentativa di crítico
Dennis Wrong de tratar a coerção como ameaça de força, compatível |ma capacidade real de fornecer armadura analítica ao exame
lipo e do grau de submiss ão concret a ao estado.
em última instância com o conceito de dominação legítima, só não « ante
muito convincente, já que Weber coloca toda ênfase na aceitação funda (O) fato de que, a meu conhecimento, inexista ainda semelh
escusar Weber, já que,
mentada na crença antes que na submissão decorrente do interesse «li ipamento na ciência social, não é razão para
da sua teoria que parece inadeq uada
evitar sanções. Já Peter Blau soa mais persuasivo ao demonstrar qui seu caso, é a própria natureza

144 145
para este objetivo. As limitações da ciência social quanto à identificação interiorizado pelos seus membros robotizados. Pode-se mesmo creditar
e mensuração do apoio político são essencialmente empíricas, enquanto, à Weber a saudável abordagem de uma questão sociológica-chave: não
em Weber, parecem pertencer à própria estrutura conceitual de sua exatamente o problema durkheimiano da natureza social da crença mas
taxinomia. Não é por acaso que a parte de sua sociologia da dominação O problema da natureza da crença social.
realmente desbravadora — a seção sobre burocracia — consiste tanto Em princípio, pois, a perspectiva weberiana sobre ação social deve-
numa anatomia da ilegitimidade como da legitimidade. fia estar entre as mais qualificadas para explicar como e por quê os
Qual a razão, então, para que Weber tão facilmente se resigno homens se submetem à dominação, e no caso de que esta última seja
ao significado literal da legitimidade? A tentativa de responder de modo onsiderada legítima, como e por quê eles chegam a acreditar na sua
mais completo a esta questão deve ser adiada até o final do próximo legitimidade. Muito estranhamente, porém, a sociologia weberiana da
Capítulo. Mas uma resposta formal oferece-se quase que de imediato legitimidade não analisa estas condições subjetivas do acatamento e da
Weber não atentou para a ilegitimidade porque definiu seus tipos de ubmissão. Na medida em que se atém a uma teoria das justificativas
legitimidade do ponto de vista dos governantes, não dos governados la legitimidade, Weber deixa de investigar o significado da legitimidade
eu desinteresse pelos governados é na verdade ““a base lógica da [sua] tomo motivação dos súditos do poder, sem cuja submissão, entretanto,
própria teoria”.º Incidentalmente, o mesmo fato explica a exclusão poder jamais se desdobraria duradouramente em dominação (a legitimi-
da democracia (o que tanto preocupou aos liberais, de Mommsen 4 lade, diz Renan, é um plebiscito diário). Ao invés disso, tomando a
Sternberger) do patamar mais alto de sua tipologia: pois, do ponto de Ibediência como sinal de aceitação íntima, Weber “deriva o significado
vista dos governantes, a democracia é menos uma forma de dominação partir do ato”,* e não de qualquer disposição subjetiva (mesmo que
popular do que simplesmente um meio de legitimar o governo (haja Dletiva) dos atos do acatamento.
vista o governo carismático do cesarismo plebiscitário): nem tanto um Seria mesmo possível dizer que entre as avenidas abertas sobre
mecanismo de controle do poder como mais outra “fórmula política” tição social, na Parte I do primeiro capítulo de Economia e sociedade,
Em suma, a Herrschafislehre de Weber é demasiado “governocêntrica 4 idealizada teoria típica das justificativas da legitimidade do Capítulo
Os tipos de legitimidade de Weber desempenham papel crucial na há uma espécie de incoerência, um cisma teoricamente esquizóide.
estrutura de sua teoria sociológica ao fornecer uma corporificação con Iquilo que a primeira parte promete — uma análise interacional —,
creta para o conceito-chave de “relação social”. Como já vimos (p dltima termina por recusar expressamente.
99), as relações sociais são ações sociais dotadas de uma dimensio | À insistência de Weber na crença em um sentido bastante forte,
duradoura, permanente. Embora este aspecto duradouro dependa de leístico, como sendo a motivação decisiva para o acatamento da legiti-
um fundamento estritamente probabilístico, ele explica a existência di dade de uma certa ordem de poder, pode possivelmente ser encarada
padrões da ação social, já que padrão implica em recorrência. mo consegiiência do seu governocentrismo, enquanto teórico da legiti-
Ora, de acordo com Weber, o principal nexo responsável pela persih lade. Pois a crença apenas espelha, de parte do governado, a justifi-
tência de padrões de ação na vida social é a dominação legítima.” A va do governante à legitimidade. A presunção aqui é de que, tivesse
dominação, como já foi observado (acima, p. 106), está para o podei 'ber enfocado menos exclusivamente os governantes, ficaria certa-
como a “relação social” está para a “ação social” — um padrão perna fite menos inclinado a acentuar a “fé” dos governados nos gover-
nente, baseado na probabilidade da continuação de uma dada situação
de poder. A dominação legítima fortalece em muito a probabilidad Na verdade, tão logo se assume o ponto de vista do governado,
da permanência de um certo padrão de poder porque envolve a crença ú-se imediatamente a considerar o acatamento, para não dizer a
tanto dos governantes como dos governados, na validade do atendimento issão, como sendo nada mais que o resultado de alguma “transação”
das expectativas de uns e outros.” la entre subordinados e superiores, antes que o resultado de alguma
Desse modo a sabedoria probabilística de Weber o resguarda de iça incondicional no direito dos governantes ao comando. Esta “tran-
um risco não-negligenciável — o risco estrutural-funcionalista de reificar fio” pode, por sua vez, ser concebida como configuração particular,
a crença em um postulado “sistêmico”. A dominação legítima ocortt o Outras coisas, do grau de assimetria nas relações de dependência,
porque os homens mantêm crenças legitimizadoras, mas estas pelo menus to quanto do escopo de disponibilidade das “rotas de saída”. Estrita-
são as crenças deles, não um “pré-requisito funcional” do sistema social to falando, a legitimidade pressupõe que a dependência entre subor-

146 147
: : a is dê
dinados e superiores não seja demasiado assimétrica, e é ns a ade, mesmo durante a etapa de lua-de-mel das revolu
gadoras — pois ainda aqui persiste a tendência ções moderni-
uma situação de dependência se torne facilmente disponível, o de subestimar a “visão
dp mento “de baixo”.
que o consentimento não seja, da parte pe
a coerção,â m as proceda através do a 1 A Mas qual a razão para que Weber encare as justifi
um meioi de evitari cativas da legitimi-
ao governo, tão
ã o livre
l i e autentica mente e quanto p E o “Ilade exatamente pelo que elas pretendem ser?
do direito
irei Qual a razão para sacri-
id em licar tanta profundidade sociológica ao postular
determinação empírica deste padrão de poder deriva tipos de legitimidade
Pane dani lutovalidantes e quase tautológicos? Para que
mais da avaliação de algum tipo de análise do possamos tentar com-
preender este ponto menos superficialmente, devem
do que de alguma pressuposição apriorística da crença dos g os ter em mente
nt a Alguns aspectos básicos de sua metodologia e sociologia
no pleno direito à autoridade de seus histórica. Trata-
i bem que o “o. sim fato a : temos disso no próximo capítulo.
Weber sabiai muito
obedecida nãoã basta para carac terizar i a a dodominaçããoo no ato ]
sentido de quUd
i
falamos” ——i i.e., no sentido
i da, 1
dominaçã o legítima. ER to, ça
nica Ntes, e em favor da clareza da exposição, passemos
dom
itimi ade, a dominaçã
seus tipos de legitimid o vem a equivalea] ao sumário de
D5sos argumentos na avaliação da sociologia da legiti
os governant es atribuem a seu governo,
Ro nad midade de Weber.
i ógi
ideológic a que | verificamos que só se pode chamá-la “sociologia”
no sentido bastante
concreto que possa ter para seu s subordinaL dos. Aquilo
t q ) E pecial de conjunto de dispositivos heurísticos, os “tipos
Etnia de riqueda essencial” no conceito weberiano de sa ”, que servem
|) reconhecimento, descrição e interpretação de certa
espécie de fenôme-
sua natureza autolegitimamente”! — pode ser na verdade generaliz; é sociais, a saber aqueles que ele chama de ações “coor
a toda a Herrschafissoziologie. ; oi denadas impera-
imente”, versus as formas de coordenação mais “espo
Pela mesma razão, a ausência de ela a de recai a ntâneas” como
(ue prevalecem na esfera econômica.
torna-se bastante compreensível. ível. Desligado como estão o os aí DR Tivemos a oportunidade de examinar algumas das princi
i realidade
i s da coerção ão «€ e da barganha pelo p , OS
ida pais obje-
| feias
e das * suscitadas na literatura contra estes próprios tipos
de Weber ó só podem ser autolegit im
itimizador es. - Reconhe(
Reconhec er o g descritivos. As
tções
mais sérias, de caráter conceitual, referem-se, como
levaria à ruptura do círculo mágico da autovalidação ideológ aih já foi men-
nado, à categoria de carisma: as restrições empíricas, pelo contrá
, rio,
Aliás, esta crítica se aplica parcialmente mesmo à DE nem principalmente sobre o conceito de burocracia
como protótipo
descritiva das categorias weberianas, Ed Re a a e : dominação legal. Não obstante, quaisquer que sejam
de buIrO a E suas nuances
na última
últi â ao esboçar o c onceitoto “híbrido”
seção, “híl imetafísicas, o conceito de burocracia representa, a nosso
duas de principais res:
pressupos ições sub)
a ver,a
tica.
i Se, por um lado, as 4 fecunda perspectiva da sociologia política de Weber, já
o e nen que abrange
à noção de burocracia carismática — (1) o próprio abordagem pioneira da questão-chave da moderna
teoria social:
contrastante com a tendência weberiana de pensar a tais foblema do poder do estado moderno.
carisma como antagonistas irreconciliáveis; e (2) o a o Quanto à estrutura teórica da sociologia da legitimidade
“carisma do sucesso”, cujas nuances utilitárias têm um = 1 LA p de Weber,
flu-se que as seguintes falhas a vulneram gravemente:
reprimido em Economia e sociedade — são a Em : u q
ponto de vista do weberianismo ortodoxo, e a nele : po
idéi de uma provisão
idéia isã de legitim itimidade derivada e suste a trata a dominação legítima, isto é, a autoridade, como
se não fora
nário, de acordo com u m modelo de estimulaç o lacionada com outras dimensões do poder na vida social.
revolucio ionári
nos processos de aprendizi agem, ; trai efefetivame nte o mesmo £o g
te ana É uma perspectiva demasiado governocêntrica, de tal
modo que,
centrismo
i que inspira
inspi a abor dagem básica t dda tipologiiração po enfocando exclusivamente as justificativas para a
legitimidade do
outras palavras, na essência, ênci O p adrão leninista de legitimaç peca Hovernante, acaba paradoxalmente por impedir uma
abordagem do
A ade pSentê ser consider ado apenas como outra eo RR poder, legítimo ou ilegítimo, do ponto de vista
da ação social (o
teoria geral das justificat ivas da legitimid ade política. pao balho de Roderick Martin, significativamente situado
sob a égide
conquanto mantenha um grau razoável de valor descritivo, mn sociologia transacional weberiana, oferece uma excelen
te contra-
tante insatisfatório como representação global da situação E idência a este ponto).

148 149
(c) Finalmente, e em consequência de (a) e (5), não apresenta nenhuma ] Itimidade = definindo culturalismo como uma espécie de miopia
profundidade sociológica, mesmo no pretendido nível descritivo, ic, iciológica derivada de uma obsessão com “valores”.
não-explicativo. Todos os três tipos de legitimidade parecem sci E a melhor forma de abordar o tema do culturalismo weberiano,
autolegitimizantes, já que são examinados essencialmente segundo meu ver, é desenvolver uma ampla pesquisa sobre seu historismo
seu valor nominal. bciológico.

Ao avaliar a teoria da legitimidade de Rousseau, que é confessa


damente normativa e não analítica, concluímos que, apesar disso, cle
dispunha de perspicuidade psicológica, excelência política, acuidade so
ciológica, validade histórica e solidez cognitiva. Ao contrário, a Herrs
chafislehre de Weber, cujas categorias são enfaticamente não-norma
tivas, puramente neutras e empíricas, só raramente se mantém à altura
de suas professadas intenções heurísticas, de vocação empírica.
Seria bastante grosseiro atacar os três tipos de Weber pela sua falta
de perspicuidade psicológica, excelência política ou acuidade sociológica,
pois a tipologia weberiana simplesmente não cogita destas virtudes. Além
disso, como não se dispõe a traçar uma teoria normativa da legitimidade,
não há sentido em reivindicar “validade histórica (para os dias de hoje) |
de qualquer de seus tipos da ordem legítima. Quanto à solidez cognitiva
do trabalho, entretanto, esta fica exposta a questionamento — e, comi
vimos, sua teoria da dominação legítima está longe de ser impecável
em termos estritamente cognitivos. No máximo, chega a constituir estra
nho corpo teórico, composto taxinomicamente, do qual apenas alguns
disjectamembra (certos aspectos do conceito de burocracia, por exemplo)
permanecem como viva fonte inspiradora para os investigadores cit
ciências sociais.
O estado final do texto de Weber — uma obra enorme, inacabada,
agrupada de forma problemática — não serve de ressalva para a fragil
dade conceitual e teórica do todo. Tudo que podemos dizer, à gui
de justificação, é que a sugestividade de alguns de seus conceitos, rt
nível heurístico e descritivo, é suficientemente forte, ultrapassando até
| a própria utilização que Weber lhes destinou — o que já tentamos de
monstrar, com a ajuda de outros teóricos, ao indicar um possível híbrido
weberiano: a noção de burocracia carismática.
Dito isso tudo, entretanto, nem mesmo estas vigorosas sugestúv)
para a conceitualização sociológica dos fenômenos políticos compensar
as grandes distorções teóricas da economia política em Economia e socit
dade. No que se segue, tentaremos oferecer alguma explicação para
estas deficiências. Ao fazê-lo, estaremos discutindo brevemente a matt
reza das contribuições de Weber à epistemologia das ciências social
e da sociologia histórica. Nossa principal meta consistirá principalmente
em procurar detectar e analisar o culturalismo da teoria weberiana dá

150 151
Historismo e Sociologia

) propósito principal deste capítulo é oferecer uma explica


ção para
quilo que, à vista das deficiências que acabamos de indicar, nos
atreve-
mos a denominar falta de profundidade sociológica na teoria da
legitimi-
lade de Weber.
* Como se insinuou no último capítulo, esta superficialidade
socioló-
ica dos tipos weberianos da dominação legítima pode ser conside
rada
bmo um caso de incidência do culturalismo na sua teoria socioló
gica.
Db outros aspectos verdadeiramente iluminadora — considera-se cultu-
llismo neste contexto uma atrofia do poder explicativo da ciência
social
levido à exagerada preocupação com “valores” e a uma superestimação
O seu papel na política e na sociedade.
Os tipos weberianos da legitimidade carecem, de um modo geral,
E relacionamento com outras dimensões do poder social. Como formas
dominação legítima, jamais vêm a ser relacionados com a
grande
pica situacional, analisável na própria perspectiva interacional da
qual
'eber foi defensor tão proeminente. Ora, na medida em que a ausênci
a
tas conexões testemunha miopia sociológica, o notório viés da tipolo-
“weberiana em favor da definição de padrões de legitimidade
em
tmos das justificativas dos governantes, assim como a concepção-ch
ave
carisma dos governantes como veículo preferencial da liberdade
huma-
4 Sugerem vigorosamente uma postura culturalista como origem
dos
jectos menos satisfatórios da sociologia política de Weber.
Não se
“em dúvida a duradoura sugestividade descritiva de alguns dos
ele-
ntos desta última; o que se questiona é o seu status sociológico
como
úilidade teórica.
* Aincidência de culturalismo em Weber parece por sua vez inextric
a-
mente entrelaçada com uma propensão ao historismo —
tendência
auente no pensamento alemão do século XIX — em sua sociolo
gia.
uma sindicância sobre a natureza do historismo e sobre a
natureza
rau do envolvimento de Weber com esta tendência torna-s
e, nesta

153
EI

circunstância, inevitável. Estivéssemos satisfeitos com a avaliação da “com a história como qualidade da humanidade e do conhec
imento desta
teoria weberiana da legitimidade, e este desdobramento da pesquisa = alguma coisa nitidamente diversa da relação prática
dos historiadores
seria absolutamente dispensável. Mas já que decidimos aventurar-nos
a oferecer alguma explicação para as deficiências da mesma, então nã ) inar esse interesse teórico comum como preocupação , ,

com a Aistori-
podemos deixar de investigar e de posicionar-nos com relação a uma e — com a essência da história, enquanto coisa distint
a de seu
interpretação global do seu pensamento — de Outra forma, nos E Contéudo, que é o objeto da historiografia — poderemos
talvez alcançar
ríamos não apenas a situar erradamente as raízes daquilo que consi 6 “O que seja o significado mínimo do historismo. Enquanto
os historiadores
ramos os impasses de um sociologia política, mas, ainda, a concebe! lidam com a história, os historistas lidam com a histori
cidade.
em grave equívoco o espírito de seu inestimável legado intelectual. = Outro distinguo, devido a Ferrater Mora, discern
e, por sua vez,
Mais especificamente, para que possamos captar a exata RSSIÇÃO dentro da preocupação com a historicidade, duas grande
s questões teóri-
da sociologia weberiana frente ao historismo, teremos E mente tas. À primeira é o escopo da historicidade. A segunda
trata do modo
que evocar as linhas mestras da sua concepção de ciência social. De de concebê-la.
qualquer forma, este intento não se poderia considerar ae ndent De acordo com o escopo da historicidade, os histor
ismos podem
a preocupação epistemológica é tão disseminada por toda a pra E Ser cosmológicos ou antropológicos. Os historismos
cosmológicos são
Weber que não se poderia conceber qualquer tentativa de apro unda tão metafóricos que neles não nos deteremos. Basta
lembrar a infortu-
mento da sua compreensão crítica sem prestar alguma atenção à sua ada historicização da natureza por Engels, ao estender
as “leis dialéti-
“metodologia”. A reflexão de Weber sobre a ciência social é na verdad as” à pobre physis (que naturalmente não condescendeu
em acatá-las),
amplamente reconhecida como tão importantee desbravadora anta Du a fantasiosa representação do evolucionismo por
Mannheim, como
sua contribuição à sociologia histórica substantiva. Mesmo em círcu o primeira manifestação do historismo moderno.
não acadêmicos, além do seu renome como pai da tese da “ética protes Diferentemente de sua contraparte cosmológica, o histor
ismo antro-
tante”, ou como o pensador do carisma e da burocracia, Max ne pológico promove a equivalência da historicidade. com a condição huma-
é largamente reputado por sua estatura como o epistemológo e o metodó ia, Esse tipo de historismo veio a dominar o gosto pelas
“antropologias
logo entre os cientistas sociais. Bo ilosóficas” do final do século XIX e do princípio do
século XX. O
É portanto a partir do fundamento oferecido pela sua própria teor ia lictum de Dilthey, “was der Mensch sei, erfâhrt er nur
durch die Ges-
sociológica que deveremos eventualmente medir as falhas cultura hichte” encontrou numerosos ecos em várias doutrinas
existencialistas
listas da sociologia política de Weber: Weberiana weberianis curantur. proto-existencialistas de meados do século (recorde-se Ortega
y Gas-
Vamos, porém, em primeiro lugar, situar o fundamento do fundamento t sustentando que “o homem não tem natureza, só
história”).
— o historismo alemão, do qual passaremos agora a tratar. * Entretanto, de uma forma geral, é como conjunto de
posições relati-
ias ao modo de conceber a historicidade que o historismo merece
atenção.
seria útil traçar um último distinguo, desta vez entre histor
IL Historismos à Vontade ismo ontoló-
ico e epistemológico.
Os historismos ontológicos postulam a história como
constitutiva
O historismo como rótulo filosófico recebe conotações as mais diversas il realidade. Assim, R.G. Collingwood discorre em seu Specul
um mentis
pode qualificar filosofias e teorias sociais tão distintas quanto as qu VI, 3) sobre cinco domínios da experiência humana: a arte, a
foram propostas por Herder, Burke, Hegel, Comte,
religião
Marx, Schmollc l,
Dilthey, Simmel, Croce, Collingwood ou.Weber. E portanto imperativo, fealidade; a religião, o pensamento; e a ciência, os próprios
se pretendemos apreender a relação de Weber com o historismo, arruma fatos,
quais são o objeto próprio da história. Quanto à filosofia
, a ciência
um pouco melhor as coisas através de uma dose razoável de distinguos pressuposições absolutas, a seu ver constitui intrinsecamente
conheci-
Podíamos começar perguntando: haverá alguma coisa que seja part ento histórico — uma profunda reflexão sobre a história.
A filosofia
lhada por pensadores tão diferentes quanto Hegel e Weber, Burkc « Collingwood demonstra ser um historismo tanto antropológico
além do óbvio fato de que todos como
Marx, Schmoller ou Collingwood, itológico.
eles sejam teóricos sociais? Pois bem, há: sua preocupação reflexiva Em contraste com os historismos ontológicos, o interess
e do histo-
154 155
rismo epistemológico é a compreensão da realidade asa = óia. Historismo I. É este, apud Carl Menger, o historismo
da chamada
Aqui, finalmente, o historismo se aproxima da questão do Ea nen “escola histórica” dos historiadores da economia (Roscher,
Schmol-
histórico — o simples problema de qualquer md ja re E a ler, Knies) na Alemanha do século XIX, os quais, em
oposição
Pois, na prática, o historismo deste tipo vem a ser e o RR e à economia clássica e neoclássica, rejeitavam a existência
de univer-
uma epistemologia do trabalho do historiador — na ei a so a sais do comportamento econômico e insistiam na subord
inação
em que toda ciência social é, pela própria natureza da ma - Ea da lógica da economia à história.?
cogitação, um conhecimento do histórico, O historismo epis E po ,
vem a ser uma epistemologia da ciência social, em contraste na Insistiam em que a economia se subordinasse a uma históri
a supra-
ciência natural. Dilthey, por exemplo, praticava um historismo econômica, baseados no fato de que o comportamento
é sempre forte-
antropológico como epistemológico. tas RE o mente modelado pelo seu ambiente institucional, econôm
ico e não-eco-
e, os historismo s são, hoje em dia, nômico. De fato, na medida em que a “escola históri
A despeito de sua diversidad ca” tenta explica
* doutrinas em processo de extinção. Falando de modo geral, há apenas a ação econômica, tende a achatar suas explicações numa espécie r
determ
de
duas espécies vivas em disponibilidade: a antropológica ea Rr inismo cultural que reduz os processos econômicos a nada mais
lógica. O historismo cosmológico foi há muito relegado ao ra o que a expressão do Volksgeist nacional.
relíquias filosóficas, e o historismo ontológico — a elevada metafísic:
“da historicidade de Croce e Collingwood — caiu vítima do resoluto Historismo II. Trata-se de um historismo no sentido tratado
impulso anti-histórico dos credos filosóficos prevalecentes ao longo He por Friedrich Meinecke:? um historismo de historiadores à procura
século — fenomenologia, “ontologia fundamental”, ppt da unicidade do indivíduo histórico (e.g., as épocas que se sucedem
oxfordiano e estruturalismo francês. Mesmo o representante so a na história de um país, ou o estudo de certa tendência nas
artes
vente do historismo ontoantropológico, o marxismo ocidental, Ra iu ou nas idéias). Corresponde, segundo penso, à tendência menos
parcialmente a restrições anti-históricas, principalmente manipuladas pc puramente epistemológica entre todas as correntes historistas
epis-
lá RRástica eps althusseriana. subsistentes, patas temológicas.
duas espécies nenhuma vai muito a Ea
bora a historicidade do homem seja ainda elogiuentemente É pa O historismo neste sentido encontra seu modelo em Johann Gott-
pela nova hermenêutica de Gadamer e pelo PR Do e E a Iried Herder (1744-1803), o primeiro a teorizar sobre a pluralidade
o, pr a das
mas, O historismo antropológico tem estado sob fogo a tulturas (e, de fato, o primeiro a pluralizar a própria palavra “cultura”,
niente das mais diversas direções, desde a arqueologia das ciênciah tonvertendo seu significado original normativo num significado neutro,
humanas” de Foucault até a sócio-biologia. Expressivo), e em filósofos políticos ou historiadores conservadores
como
Finalmente, o Aistorismo epistemológico tem-se tornado progra Burke e Ranke. A implicação epistemológica — presente em sua concep-
vamente pejorativo no jargão contemporâneo. De fato, ado preta qão do conhecimento histórico — envolve: profunda desconfiança
com
notável exceção, todos os significados deste rótulo, quando ap E o felação a toda generalização histórica, ou lei histórica.
à matéria epistemológica, tornaram-se em pejorativos. o o 4
cordar rapidamente quais são estes significado s, enumerand o Riso a | Historismo III. O historismo dos filósofos da história como Dilthey,
ções melhor conhecidas da palavra historismo no grosso da Reta ! Rickert, Croce e Simmel. Aqui se enfoca a especificação do conheci-
em ciências sociais. Por amor à clareza expositiva, também Telacionã mento histórico, antes que a história como tal (enquanto o Histo-
remos cada um destes historismos com seus praticantes, já que estaá rismo II é mais ontológico que realmente epistemológico, o Histo-
pertencem a categorias intelectuais bastante distintas (alguns dos ul a: rismo III é expressamente epistemológico).
chamados historistas são economistas; outros, teólogos; outros, filóng
da história; outros, apenas historiadores — e essa relação não esgota Esta acepção foi estabelecida por Ernst Troeltsch, íntimo amigo
a lista completa de suas ocupações acadêmicas). Ea Weber e depois de Meinecke, em seu Der Historismus und
seine
Em amplo esboço, devemos reconhecer cinco sentidos ao histori: bleme (1922). Troeltsch dispõe-se a explicar como é que o historis
mo
epistemológico: emão, que chegara a ser uma força impulsionadora da liberação social

156 157
e intelectual, se transmuta ao final do século XIX em uma “carga” O Historismo III, o historismo dos filósofos não-messiânicos da
e uma fonte de “perplexidade” geralmente conformista em sua perspec história, tinha sido primeiramente exposto por Wilhelm Dilthey
tiva. De acordo com ele, tal coisa acontecera por causa de uma capitu * (1833-1911), criador, na altura de 1880, do conceito de “ciências do espí-
lação generalizada do historismo frente ao relativismo, doutrina filosófica fito” (Geisteswissenschaften). Não é à toa que Troeltsch o qualifica como
à qual Dilthey se opôs em vão e que, na visão de Troeltsch, beneficiou-sc O representante mais expressivo do historismo especulativo.
amplamente da radical eliminação, por Nietzsche, das pressuposições Significativamente, Dilthey era um neo-hegeliano de segunda linha
tradicionais sobre a objetividade dos valores.! Troeltsch devotou todo (como o evidencia sua preocupação com o Geist), que desertou a dialética
um capítulo de seu livro a Weber e suas conexões (principalmente através e a básica idéia hegeliana de uma “lógica da história”. O autêntico
de Simmel) com o pensamento de Nietzsche, inaugurando desta forma privilégio e função do mundo espiritual, isto é, o cerne do histórico
a discussão da sociologia de Weber no contexto do historismo. enquanto algo distinto da natureza, não corresponde, para Dilthey, aos
desdobramentos de um Espírito encarnado em marcha para uma final
Historicismo I. Também um historismo praticado por filósofos de reunião consigo mesmo — o que Hegel interpretava como o segredo
história, mas totalmente diferente dos precedentes; aqui os pensa do desenvolvimento da história — mas antes à criação de valores, de
dores modelares são Hegel, Comte ou Marx, e o historicismo vem regras e propósitos orientados-segundo-valores, pelos homens em sua
a significar a asserção de uma “lógica da história” — dos planos experiência social.
históricos e das teorias sobre o “fim” da história. Como tal, este A história então vem a ser o reino dos valores — e, como tal,
ramo do historicismo antagonizou desde sempre — pelo menos tão diferente da natureza, que exige um tipo diferente de conhecimento
desde a dura polêmica entre Hegel e os burkianos alemães capita para que possa ser cientificamente apreendida. Esse tipo de conheci-
neados pelo jurista conservador Savigny — a escola de pensamento mento deve ser, tal como a ciência de Stuart Mill, indutivo; entretanto,
que denominamos “Historismo ID”. Daí a absoluta conveniência diferentemente daquelas “ciências morais” que Mill discutia no último
de vincar-se a diferença pela própria forma dos vocábulos, falan volume de seu Sistema da lógica, não poderia aparentar-se fundamen-
do-se aqui em historicismo (teoria das leis históricas) e não mais talmente à ciência natural na estrutura lógica, mas apenas no método.
apenas de historismo (teoria da historicidade). Enquanto a psicologia de Mill, a ciência moral básica, não era na essência
diversa da física, a psicologia introspectiva de Dilthey era o fundamento
Esta tendência ficou famosa como alvo de ataque do panfleto dc de uma epistemologia hermenêutica, visceralmente alheia aos viés lógico-
Sir Karl Popper 4 pobreza do historicismo (primeiro publicado em inglés empírico e às pressuposições naturalistas e mecanicistas da ciência na-
em 1944), demolição crítica das idéias que assumem a possibilidade tural.
de predição histórica em grande escala. Até recentemente, era este 0 O problema das ciências culturais e de sua adequada epistemologia
significado corrente do termo “historicismo” no discurso acadêmico an foi também atacado por uma ramificação do movimento neokantiano,
glo-saxão. a escola de Baden. Seus principais líderes foram o grande historiador
da filosofia Wilhelm Windelband (1848-1915) e seu discípulo Heinrich
Historicismo II. É o historicismo como análise “humanística”, idea Rickert (1863-1936). Como Dilthey, Windelband distingue nitidamente
lista e histórica, ou seja o tipo de filosofia da história condenada as ciências históricas das naturais. Entretanto a separação decorre menos
por Althusser e seguidores em nome de seu estruturalismo marxista de seu objeto (história/natureza) do que de seu método. Para ele, enquan-
to a ciência natural encara sempre seu objeto em busca de uma lei
Esta acepção, agora em processo de franca disseminação no jargão (Gesetz), a história o enfoca como um evento singular estruturado (Ges-
acadêmico, abarca junto o Historismo I, II e III, mais o Historicismo talt). A ciência natural era “nomotética”; já a história era “idiográfica”.
I (identificado com as interpretações hegelianas do marxismo, tais como A dicotomia de Windelband, entre conhecimento nomotético e idio-
as de Lukács e Gramsci) na mesma excomunhão. gráfico, traçada em sua aula magna de 1894, “Geschichte und Naturwis-
Focalizemos agora o fundamento filosófico do historismo epistemo senschaft”, tornou-se de imediato tremendamente influente. Na verdade,
lógico no momento em que Weber entra em cena com seus ensaios chegou a ser aclamada como a “declaração de guerra do historismo
metodológicos, nos primeiros anos deste século. contra o positivismo” e contra a insistência deste último em identificar

158 159
o conhecimento com o estabelecimento de leis gerais.º Além disso, Win nra relacioná-los a feixes de valores supra-individuais que, por si só,
delband, como Dilthey, foi muito incisivo quanto à importância dos ibuem significação cultural aos eventos, atores e idéias da história.
valores”. Sua palestra introduzia também o importante conceito de "Além disso, estas ciências culturais lidam com “complexos de signifi-
validade dos fenômenos culturais, numa tentativa de tradução empírica pudo”, categoria específica de objetos que nem são captáveis pelos senti-
da problemática diltheyana dos “valores”. dos nem pertencem ao mundo exclusivamente psíquico. Tais complexos
| A dicotomia de Windelband também demonstra que a alergia 11 de significado suprem as ciências culturais de sua matéria própria: as
leis gerais, a ênfase idiográfica na unicidade, típica do historismo, lançava "individualidades significativas”.
uma ponte entre o que classificamos de Historismo III (o historismo A maior ambição de Rickert era que as ciências culturais referissem
do final do século XIX), o Historismo II, i.e., o historismo rankiano | sua vez estes complexos de significado a alguns poucos valores básicos
eo Historismo I, o historismo da “escola histórica”” em economia. Toma iniversais que fizessem pela cognição cultural o mesmo trabalho que
dos em conjunto, a celebração da unicidade do histórico e o tema axioló | categorias apriorísticas de Kant supostamente fizeram pelo conheci-
gico — a “problemática dos valores” — correspondem aos verdadeiros ento empírico: garantir inteligibilidade, objetividade e dignidade cogni-
marcos de referência do historismo alemão. A mística decorrente di liva a esta tradução científica da experiência.
uma unicidade sobrecarregada de valores converteu o historismo em cultu Para Rickert, a Wertbezichung constitui o domínio da cultura através
ralismo — a hiperpreocupação com valores, acoplada a apreensões quan da scleção, neste próprio domínio, de fenômenos que interessam a alguns
to à ciência. Valores formais básicos. Assim, numa dada sociedade,
Mas a defesa e a ilustração da história por Windelband deixava
de lado um problema crucial. O conhecimento nomotético é sem dúvida nem todos consideram da mesma forma o problema do estado
científico, pois seus conceitos e leis obedecem a critérios impessoais — mas todos concordariam em que este problema suscita a questão
Seria possivel dizer o mesmo da história? Windelband tenta esquivar-s dos valores, o que é suficiente para que se proceda a uma seleção
desta dificuldade através da ressurreição da antiga concepção humanisti de objetos da ciência histórica, que seja objetivamente válida para
da historiografia como uma mistura de arte e ciência. Para outros grandes um grupo particular. Além disso, há pelo menos um valor que
neokantianos de Baden, como Rickert, este subterfúgio era bastanti deve ser admitido por toda a ciência — a saber, a verdade.”
insatisfatório. A seu ver, era mister salientar a especificidade da história
mas também sublinhar O status da história como ciência. Dessa forma à As relações de valor no modelo rickertiano da ciência histórica
desafio de encontrar critérios objetivos para o conhecimento idiográfico m seu correlato objetivo nas orientações práticas que existem no nível
deveria ser enfrentado diretamente. dos objetos, o que vale dizer, no nível da realidade histórica. Na medida
Na segunda parte de Die Greenzen der naturwissenschafilichen he em que implicam, enquanto campos distintos do interesse social geral,
griffsbildung (Os limites da formação de conceitos na ciência natural) | existência de denominadores comuns entre os homens, estas orienta-
publicada em 1902, Rickert lida com esta necessidade de fornecer funda: es axiológicas são genericamente normativas (normativ allgemein) e,
mentação objetiva ao conhecimento histórico. Sua solução consistia cr deste modo, espelhadas nos conceitos científicos culturais. Tal relação
vigorosa retomada da tendência axiologizante, a qual constitui o solo especular entre objeto e método assegura, por sua vez, a este último,
comum de Dilthey e Windelband. Rickert vem então a ancorar firme lima validade objetiva que o resguarda, a uma distância segura, da arbi-
mente sua tentativa de identificar critérios objetivos para a ciência histó Iraricdade potencial da historiografia “artística”.
rica na idéia de que os conceitos historiográficos baseiam-se no estabele Rickert tinha a mesma preocupação que Dilthey de resguardar a
cimento de uma “relação com valores” (Wertbeziehung) — sendo os Wutonomia dos valores e resgatar o “significado espiritual” do jugo da
valores em questão, por definição, coletivos. “vlência mecanicista. A única diferença entre eles consistia em que, em
“As Kulturwissenschaften de Rickert (pendant neokantiano du vez de assumir, como Dilthey, uma conveniente continuidade entre histó-
Geisteswissenschaften de Dilthey) não são apenas, como a história de Win fia e valores, ele situava os valores — não sem hesitação — fora da
delband, individualizadora mas também antagonizadoras do conhecimen “história, no sentido acima especificado. A ironia subjacente a tudo isso
to físico postulador de leis gerais. Assim como as ciências naturais está em que o fantasma de Kant, o próprio legitimador filosófico da
as ciências culturais selecionam fenômenos para seu estudo — mas apenas viência newtoniana, era agora convocado por um neokantiano de Baden

160 161
para conceder sua bênção póstuma àquilo que constitui, inequivoca- trevas da evolução social. Para eles a Belle Epoque foi um tempo de
mente, uma reação (bem inserida no clima neo-romântico da opinião perturbação, ou, como nota o historiador Fritz Ring, “uma introdução
fin-de-siêcle) contra o espírito naturalista da ciência moderna. particularmente desagradável aos problemas da civilização tecnológica”.º
Num balanço final, podemos constatar que o historismo, em qual- Este historismo culturalista, obcecado por valores, com sua meto-
quer das três variantes que recebem este nome, combinava a rejeição, dologia contempladora do próprio umbigo, ofereceu à universidade uma
no domínio social, das regularidades expressáveis sob a forma de leis, espécie de mecanismo de defesa em face da ameaça da história. Quais-
com uma autêntica mística da unicidade dos objetos históricos. Em certo quer que tenham sido suas fontes puramente filosóficas no passado,
sentido, o rótulo de Windelband — conhecimento idiográfico — poderia & não obstante a validade de algumas das questões suscitadas, de um
perfeitamente ter sido reclamado por Ranke. Além disso, verifica-se modo geral, a busca de valores culturais expressava uma atitude de
profunda afinidade com a postura epistemológica dos economistas da avestruz por parte da intelligenísia humanística, que se sentia crescen-
“escola histórica”. Em suma, todos os historismos subscreviam o furor temente deslocada no processo de modernização da Alemanha imperial.
antipositivista. O que conferia ao historismo filosófico do final do século Mandarins não são necessariamente reacionários. Quando assumem algu-
XIX uma qualidade. distintiva (à parte sua autoconsciência epistemo- “ma posição, tendem até a ser liberais em religião como em política.
lógica) era apenas sua predominante preocupação com a “problemática O pendor progressista da teologia de Dilthey ou de Troeltsch, ou da
dos valores”. “política de Toennies ou de Simmel, é inequívoco. Intelectualmente, entre-
Se agora indagarmos por que o historismo tardio era tão inapela- tanto, eles eram, na maioria dos casos, reacionários. Em ampla medida,
velmente axiológico, a resposta plausível parece apontar, não sem ironia, à “problemática dos valores” derivou da desconfortável situação de inte-
para as próprias peculiaridades da história alemã que nenhum historista, lectuais tradicionais num “país problemático”. Tal é a mais profunda
como devoto das singularidades históricas, deveria por princípio ignorar natureza do “ônus” em que, segundo Troeltsch, o historismo se trans-
— mas cuja análise todos eles negligenciaram. Pois a idéia tipicamente
historista de que processo histórico fosse uma misteriosa “totalidade” Foi contra este pano de fundo intelectual que Max Weber desen-
“espontânea”, de caráter “espiritual”, mal se tinha sublimado na questão volveu o que seu amigo Rickert veio a denominar o “novo órganum”
“epistemológica” “vital” quanto a “valores culturais”, quando, próximo da ciência histórica.
à virada do século, a história começou a ser experimentada pelos intelec
tuais burgueses da Alemanha como uma tendência perigosa — tendência
marcada por abrupta mudança social no dealbar de um veloz processo
de industrialização, pelo rápido crescimento de uma classe trabalhadora
Il A Lógica da Ciência Histórica
logo politizada, e por várias perplexidades excruciantes não apenas quan /À maneira pela qual Rickert faz o elogio do trabalho de Weber expressa,
to ao futuro de uma burguesia tradicionalmente pacata mas, dentro tle alguma forma, um patrocínio condescendente. Não apenas sua vaida-
dela, quanto ao futuro da casta mandarínica dos literati. * Estes se inclina le pessoal, mas as referências mais que generosas de Weber a seus
vam invariavelmente a pensar em si mesmos como os provedores da
bitos como o epistemólogo das ciências culturais, o estimularam a consi-
alta Kultur da nação. Tendiam também a idealizar o estado, do qual lerar benignamente o amigo e colega Weber como um discípulo em
eram demasiado dependentes como acadêmicos profissionais, num siste
matéria filosófica. Foi necessária a impetuosidade do jovem Jaspers para
ma universitário regido pelo estado, e, pior ainda, por um estado bastante lembrar-lhe de forma brusca que, meio século após a morte de seu
iliberal. Tendo desenvolvido uma teoria do estado como receptáculo rande amigo, se alguém ainda se desse ao trabalho de ler Rickert seria,
(segundo a qual o governo, em sua função social mais elevada, serii juase certamente, devido ao fato de que ele figurava em algumas das
um recipiente cujo conteúdo fossem os “valores culturais” a seu cuidado),
iotas de Weber, ao pé da página...'” — uma profecia cáustica, mas
compreensivelmente reagiam contra as tendências “materialistas” dc
sua época e da sociedade, enfatizando a supremacia do espírito, e de
hté agora não desmentida.
* Há que se admitir que Weber e Rickert partilham solo comum.
sua tradução secular, a “cultura”. Quanto mais “profana” se manifestava
Fomo o último, Weber recusou a proposição de Dilthey de considerar
a sociedade moderna, mais eles insistiam na majestade da alta cultura
psicologia como disciplina básica entre as ciências culturais.” Rejei-
como sustentáculo. O papo sobre valores era o jeito de espantar as
findo também as nebulosas idéias de Dilthey sobre a continuidade entre
162 163
: Z : alia
vivências históricas (Erlebnisse) e o a E pa E E o cesso da polivalente valoração. A própria ciênci
i
tianos de Baden sobre a espe cifici a, como forma de valor,
não desfruta de qualquer privilégio em meio
RU — o próprio
seus construtos nú
óprio núcleo, j
; como vimos, da obra deE Rickert. ao interessante conflito
axiológico, inscrito no processo de cultura
1
E, maisis importante que tudo, des de que leu, nos seus tempos E niver com um “politeísmo de valo-
tes” — um polit eísmo, vale dizer, de “deidades guerreiras
sidade,
Í o grande tratado Mikrok jkrokosm, ; de Rudolf Herma N ”. !4
Deste modo Weber (que era, aliás, um
( 1817-81) — uma espécie de Leibniz dos peu: que Ena ara tido mais profundo, que ainda abordaremo
Kantiano convicto num sen-
mente os neokantiano i s de Baden den poi por ter sido o primeiro a filosof: E mamente não-kantiana à neokantiana “prob
s) oferece uma solução extre-
sobre “valores” —, partilhava entusiasticamente a nova A e ca E lemática dos valores”. Em-
bora partilhasse as dúvidas dos filósofos de
sófica com a axiologia. E para completar, o ao a Ro om : Baden sobre a mediação
do conhecimento histórico pelos valores cultur
rickertiana,
i i especialmen
i te do termo-chave 4
Wertbeziehunu g, = é ais, abandonava entre-
tanto qualquer resposta em termos de universais
Í i Weber comungava das questões, s, se não d das respostas. + axiológicos absolutos.
O tema do politeísmo dos valores tende a desme
é por acaso
Nãoão éetanol
REGE que os i
quinze anos os de
de | produção â me todológica g de Weber
ee ntir todos aqueles
que recentemente vêm-se esforçando por estab
(iniciada
inici em 1903 com o ensaioio tripartite trij sobre Roscher Eee e tem elecer completa afinidade,
na verdade, autêntica capitulação da teoria weber
nando em 1918 com a “Soziologis “Soziologi che Grundbegriffe” de Ec o iana do conhecimento
à de seu mestre Rickert. Enquanto os exege
sociedade) se seguiram à publicação da obra-prima de Rickert, os G tas de Weber, desde von
Schelting a Raymond Aron é desde Henrich
zen, completada em 1902. 12 e. e Tenbruch até Bruun,
sempre minimizaram, mesmo quando a reconhecia
it onto nenhum destes dados soma muito como pa m, a conexão Rickert-
Weber, surge agora um valente crítico, Thom
uma concordância mais fundamental. Considere-se, e E | E p bp as Burger, pretendendo
que a concepção weberiana da ciência histórica é
ã com va lores”. Weber concebe esta IE cactod “prat
to central, a “relação à de Rickert. Deve-se reconhecer que o esforço icamente idêntica”
i
forma totalmente diferente. Par a ele, , os objetos dotados
dota de sig o Ao
que esta questão viesse a ser examinada sob
de Burger permitiu
cultural, e, como tais, is, didignos de estudos pelas ciências a culturais, esti novo ângulo, muito mais
fico. Entretanto, nada que ele possa demonstrar
aa

longe de desfrutar de consenso, seja entre : os historiadores Ra sej quanto ao rickertianismo


das idéias de Weber sobre a formação de conceitos
os membros de uma comunidade idade ral.
cultural. E valores
Há ap — mas n o
histórico há de vulnerar minimamente a fulgu no conhecimento
universais,
j i pelo menos aos olhos S da Ê
ciência. Além
Além disso, a seleção
E dos
iGIPiad rante diferença de posições
morais entre o weberiano politeísmo dos valor
valores éÊ menos neutra do que R ickert presumia: não à opera p E es e a plácida represen-
tação, por Rickert, de uma moldura axiol
issã dos fatos aos | valore s prevalecentes na époc a sob escrutínio,)
remissão ógica para a anális
Não posso deixar de concordar: com Gabriel e cultural.
mas, em ampla medida, refere-se também aos nossos valores presentes Cohn: enquanto Rickert
, Se ateve a um sistema de valores intemporais,
cá EmA pusiro if a que funcionava como
É certo Ee. Weber jamais abriria
(e conflitantes) mão da estrita distinção Eua moldura forma
l conferindo significado ao mundo histórico,
Weber fala
E Dj E pá 8 sempre de valores históricos concretos e particular
entre Wertbeziehung e meras Wertungen — as pe es — e ao fazê-lo,
fecusa-se a enfocar a “cultura” como uma
efetuadas pelo pesquisador i . Mas embora mt a “relação ne c medo substância. Em Weber, a
ênfase jamais recai sobre a cultura como o
i
riana ã fosse pessoalmente
não su bjetiva, a sua objetividade lade tamp
tamy ! mundo objetificado, mas
sobre os homens, concreta origem dos valor
alguma coisa dada” previamente . Para Weber, a significação cum es mutantes, contraditórios. !é
Ora, diferentemente de seus comentários sobre
a estava previamente “posta ali” — nem mesmo como um Ear verstehen, ou sobre tipos
ideais, esta postura não tem como ser interpreta
do espírito; antes, vinha a ser conferida ao mundo pelo homem em P ua da como simples “acrés-
Cimo às idéias” de Rickert motivado por inter
nente atividade valorativa, vale dizer, pelos diversos compro esses científicos práticos:
parece, pelo contrário, um contraste epistemoló
homens com valores. 13 a
hobre pressuposições filosóficas expressamente
gico crucial, repousando
A “objetividade” não é uma coisa placidamente garantida por um diferentes a respeito do
homem e de “seu lugar no cosmo”.
|
versais kantianos ári
i ; pelo contrário,
apriorísticos ds beca a !ada!
No cômputo geral, dada a incondicional rejei
i
i e sóá se manifesta
ela pesquisa que uma escolha
depois que y , sp r ção por Weber do
liniversalismo axiológico, o historismo epistemoló
Rate irracional tenha precedido à seleção e nto gico vem a apresentar
três grandes roteiros. O primeiro, na fórmula
“objetividade” tem que ser uma pausa precária c árdua n de Dilthey, proclamava,
Erosso modo, que o significado histórico é diret
amente acessível a nós,
164
165
ulhados que estamos na história istóri inscri
história ee nela inscritos.
scrit O homem com- Se Ironicamente, e em última análise, foi Weber
e não o neokantiano
O ceride a história porque ele é história; o ai Rasa Rickert quem se apegou ao princípio kantiano
básico de que o conheci-
acopla-se ao historism istori o antropológi Ógico. O segun À o roteiro FER ro éé - mento nunca é mera reprodução da realidade:
= embora Rickert profes-
i
iido por Rickert, que asse verava ser o ) conhecime conhecimennt 1 sasse fidelidade ao axioma de Kant em sua defesa
da seleção científica
Ec cao culturais, equivalentes em última instância a certos univer geral a partir da experiência (coisa que Weber,
incidentalmente, subs-
condição humana. do creve por inteiro), de certo modo Rickert traía
esse axioma ao sustentar
ps Pigalmente; resta o roteiro de Weber. Aqui, de O facção aquilo que denominamos concepção especular
da relação com valores.
istórico
histórico i
imanente de Diltilthey cede lugar a uma esco Ra pacto A Wertbeziehung rickertiana não era uma reprodução
O boca da crua experiência
cultural de acordo com um conjunto
c o n ) de valores; o sig histórica; entretanto, na medida em que vinha refletir
um substrato
aos fenômenos Ô antes que extraído extraído dos fatos histórico EOpíri iuisten L categórico subjacente aos “complexos de significado”
| históricos, de natu-
lha do significado assume um reza prática, correspondia a conhecimento repro
do tea espí
al dutivo e, como tal, a
O i
cial”. Os valoresscanio â
não mais m a i correspon dem
d e m a refle
flexos encarnados
O E uma aberração, em termos kantianos. Quanto
mais “êmic
E isto a” a rickertiana
i
i universal;
rito ; antes, br otam do próprio solo da p relação com valores — quanto mais próxima às
categorizações, práticas
— e não ã tanto da pluralidad idade das culturas no sentiO o onda da comunidade humana —, mais adequada vinha
sm a ser, segundo seu
ismo herderiano i istorismo II),
(Histori 5 mas da pluralida juízo, como critério de objetividade científica. O
em co problema remanescente
a pois também em cada cultura os valores sobreexist é que quanto mais mimética se tornasse, menos
2
E
kantiana se revelaria.
i oro s guerreantes. ed -sentido, E Porém, muito mais irônico que o sobrepujamento
da cultura, aquele-que-atribui-o pe aa do neokantiano
pelo não-kantiano no que concerne à epistemolo
cultural: é era, e sim, m, o indi a el gia — o próprio cerne
olhos de Weber, qualque r totalidade i da filosofia crítica de Kant — pareceria ó parad
o grupo : a
idiossincrát ico, oo oxo, dentro do trabalho
indiví
o indivíduo enquanto pe squisador), ou do próprio Weber: sua recusa “nietzschiana” da
ç O objetividade-dos-valores
ignificaçã o a c ada momento. Enquanto a
vando a significaçã por parte de um pensador tão amplamente conhe
cido pelo seu compro-
ickt i
tirava i
sua validade como fonte nte do conhecimento : misso com a neutralidade ante os valores. Na verdad
i pa ra Weber ela estava Ê irremc e, não é a Wertfreiheit
Í ano uni
culturaisis universais, O primeiro mandamento do weberianismo como
I Par de conteúdos cul!
polemos cultu
a ascese científica? Não
i
den
diavelment nr
e emaranhad a em um dionisíacoionisí
i será o despojamento dos valores o principal
ichung, 8 o au
eta dever do pesquisador na
i Assim,
rais. i sua própria ópri compreens ão
nsão da
da Wertbez
4 O Opinião de Weber , formulada, melhor dizendo, pregada,
p hntos tão vigorosa-
axiológi
coraçãoão axiológico da ep istemologia historicista, não O mente em Ciência como vocação, e sustentada atravé
s de seus artigos
ser considerad
i a basicament
i ivada de
ete derivada de uma visão tiana. nt, & recensões metodológicas? Como poderemos
j conciliar este pathos da
irresisti lmente a dinamitaçã
evoca irresistive o nietzschian a
a neutralidade com o fato, igualmente apoiado
em evidência textual, de
valores. Num sentido i per turbador, ; mas impressionante, o a que, na metodologia de Weber, o requisito do
despojamento de valores
como que um Aistorismo istori do Kulturmensch. Ci A um exx o na tarefa da demonstração científica é pelo
menos tão poderoso e tão
o Re de sua idéia de Wertbezichung não se compõe de valores, 1 frequente quanto o requisito da liberdade-dos-valo
; res na pesquisa cientí-
im de valorações. fica? (H.H. Bruun).
; Retornaremos em breve ao elemento nietzschian o do o to Aqueles que sustentam que Weber queria separa
Por o o a r a atividade acadê-
de Weber, e o faremos ao final deste capítulo. mica do compromiss o com valores, tendo em vista “estabelecer
rincipal
inci i
diferença ed no
Rickert
een tre Weber e Ricker! “dus vivendi entre acadêmicos defensores de difere um mo-
mo-nos a estabelecer a prir ntes posições políticas
í
nível i ógi co. Em Ri ckert, ; como verificamos, a
epistemológi da &, assimno fundo, estabelecer uma intermediação entre.
como o se dita, por si mesma, ao estudioso. Em Weber, Era ! buscando um “armistício” entre postulações rivais,!* .. razão e fé
pessoais, p tendem lamenta-
mente, o estudioso, por forçaE de seus distintos
pane s valores a Velmente a perder de vista esta tensão paradoxal no horizo
nte teórico
em certa medida, modelar a idéia da significação de sua aijena épe a de Weber. Esquecem-se apenas de que: (1) Weber
Ituraisi espelham-se nosS conceitos os | his a queria tanto ciência
i
Em Rickert, os problemas cultu “séria” como compromisso integral; e (2) para ele,
o compromisso com
gráficos, e portanto os determinam. Em Weber, são os conceitos (| À ciência era tão axiológico quanto qualquer outro
(eis por que, em
determinam os problemas como objetos de pesquisa. liltima análise, Werifreiheit é uma denominação infeliz
). Não se trata
166 167

|
, Epa isa do tipo comer À passagem, no historismo epistemológico,
contrar uma solução nie rmediiaeo evocação radical culminante em Rickert, para o estágio socio
do estágio filosófico,
o bolo e ao me smo
E tempo guardá-lo, mas de : mento e a ética
ética há lógico representado por We-
ber, implicou importante deslocamento de (a)
ítida do ensinamento de Kant: a E a Nietzsche, Weber deslocamento por sua vez implicou diferentes
para (b) e (c). Ora, estu
o i í
onível. s, vindo log i distanciamentos entre a
um fosso ad eraApenas, VI ” que,
“clássicas para raant,E RE
ainda es tavam
corísrico teoria epistemológica e a práxis científica. Eis
pôde descartar ão. por que enquanto Rickert
A primeira era à idéia de ed icamente superior falava da história, “ciência cultural”, de
uma forma geral,
zava a pesquisa concreta (não é acidental que Weber focali-
ioga a e ensamento , ou de realidade, oh boa parte do seu trabalho
sa se E da é a pressupo- metodológico seja devotado às concepções teóri
cas dos cientistas sociais,
à Divalorericas
aos esa e estritame
e a moralidad nte any
possui, pelo in mais despo
asa er substituiu estas crenças tomando a prática destes como objeto de análi
se, tal como exemplificado
notavelmente pela recensão crítica de Eduard
fede Eum PE universal a E f al da ciência, assim como Meyer (“Estudo críticos”,
Jada, ão da irraciona lidade tin D.
ás i
clássicas pela per cepção dao. à : vista do postu xistencialista
tulado proto-exi
o, à VIS 062 ste 8 : Mas observe-se: ao se afastar das generalidades
filosóficas de Rickert
de qualquer pure valoração, ogia, ao invés de excluir, sobre a lógica da pesquisa Weber teve que ocupa
Ro a r-se do problema da
do politeísmo dos v
ut Entretai mt E duas de diferenças, foi validade cognitiva a uma luz muito diferente da
preocupação especulativa
ajamento. = q p aneccu de Rickert sobre os “critérios objetivos” do conh
ia e ndR neokantianos a de Rc ro s do ecimento histórico.
i na da ci ência E : Seria possível dizer que Weber, diferentem
leal o e exííveldesd
e flex
a infl e lid
dua i ade o kan
que homtia
em é Nme ni o ES Ra ente de Rickert, tornara-se
Bi crucialmente interessado no valor-verdade
(da ciência histórica) — algo
de impor- Er Pesa signifi que, possivelmente sob a influência de
jamaisis dei deixa
od aloração jama “eterna
Simmel na Moralwissenschafi
(1892), ele aprendera a distinguir do valor da verd
uraldsdesfruta para: W ade.
Pecado eapela ade ; ciência cultEn e Webe DR r come ç asse a
iaescre ver, eo! g
Geor
linho tra para ele uma questão lógico-empírica; O valor-verdade
o valor da verdade, exceto
o da antes qu
juventude”. Uma déca num nível “técnico”, corresponde à indemonstr
: abilidade axiológica (sen-
Simmel e = Ri sencadeou
rico”, nos seus vio Problemas j ja da
nte história
ie do que, “indemonstrabilidade axiológica”,
a seu ver, constituía no final
fama o o di dente do neokantismo, Simmel is a objeto das contas um pleonasmo). ;
Espécie aa Sie eitados esforços de Rickert para ER ientre elén A novidade da posição de Weber dentr
o do historismo (isto é,
dentro da preocupação teórica com a histo
Ra opráfica à base de uma ns espatifara o espelho ricidade e com o relaciona-
mento história-valores) destaca-se tanto mais
Sociais deRes Dre esperar que seme quando se recorda o con-
cia itánci é alares setivi teito de verdade sustentado pelos neokantian
; bjetivista de * Rickert, investigação
: : E
mc , à verdade se define acima de tudo, tal
os de Baden. Para estes
E à Em E defividade histórica qd a E caia como a bondade e à beleza,
pela sua conformidade com uma norma. A
histórico formulação de proposições,
Em
O ieti do c on hecimento
. EEm vez disso, Weber ofereceu C segundo eles, implicava a aceitação da verda
argumentações a ae Ee Rs dadeargumento
objetiva E ceratthrim
s neste ponto constituem licarretava, por sua vez, que se acertasse
de como objetiva, o que
como objetivo o valor teórico
eq tiência deveremos
íve
da verdade.?
2 e tato,

| cerne
oDim e de sua age das ciências sociaiaiis, e em cons
Para Weber, entretanto, estas vazias espec
ulações escolásticas sobre
sb te i ógico ei
o e meto do 4 “normatividade” da verdade, de acord
e d
ei — o deba o com o senso comum tinham
Podia e Do od inuito pouco interesse. De um lado, num nível
pane e lodiu na década de 1880 qu mo ulia
filosófico mais profundo
n
Ra E a histórica são atacados pelo ir ar o ad lava como platitude dificilmente capaz de
eu repto historicis
seu GREta tE resolver o problema funda-
Eeiega
outro LU heyy lança
a , à Dilt lar mental da irracionalidade final dos valores.
distintas no qu a p Igualmente importante era
E o anês questões citação das proprieda des constitutivo oitai:RR H irremediável esterilidade desta teoria da
verdade fundada na norma,
O que se refere ao problema do valor-verd
ealturais;
Sa asócio-cu
nos E da definição do objetivo teórico du ade, i.e., ao problema da
Assim Weber se postou firmemente a favor do
“método racional”.2
168 169
A investigação científica, na ciência social como na natural, colocava-sc, e a ciência? Tal foi o saldo líquido da atitude weberiana de trazer o
a seu ver, sob o império da necessidade lógica. As “regras da lógica foco do historismo epistemológico para o propósito teórico da ciência
e do método” não deveriam ser jamais abandonadas caso se pretendessc histórica.
alcançar o valor-verdade. A “eterna juventude” da ciência social, seu Consideremos agora, a esta perspectiva, o interesse principal do
perpétuo estado de mudança no que concerne aos pontos de partida Historismo III: a problemática dos valores. Como Bruun, uma vez mais,
do processo da valoração, não diminui em nada a possibilidade, ou Observa propriamente, a “paz com a ciência” foi aqui obtida sem capitu-
a obrigação, de racionalidade interna da pesquisa. Só o método racional lação graças à sustentação por Weber da moldura subjetiva (sua radical
assegura o conhecimento empírico no sentido de formular asserções retomada do tema da relação com valores) dentro da qual se deveria
(por mais corrigíveis), transmissíveis intersubjetivamente de maneira inserir sempre a pesquisa em ciência social. Em outras palavras: o valor
crítica. verdade não cancela o processo da valoração.
Quando Carl Menger (1840-1921) deflagrou o Methodenstreit através Bruun nos convida ainda a dividir a problemática dos valores e
de seu ataque ao irracionalismo epistemológico da “escola-histórica", da ciência social na obra de Weber em três conjuntos de questões.%
enfatizou particularmente a necessidade de obter leis abstratas em econo Primeiro, há a questão dos valores como elementos ilegítimos no nível
mia e, por implicação, em toda a análise sociológica. Subsequentementc, da pesquisa, valores como um problema geral para a investigação cientí-
outros economistas neoclássicos chegaram a afirmar que os fenômenos Jica. Depois, há a questão do papel legítimo, e até necessário, dos valores,
econômicos podiam ser completamente deduzidos de um conjunto de também no nível da pesquisa da ciência sociológica, particularmente.
leis precisas, mas esta pretensão dedutivista — acidamente criticada E finalmente há o problema da relação entre valores e investigação
por Weber — estava absolutamente afastada tanto deste último como científica no nível do objeto, i.e., a questão dos valores como assunto
do espírito dos textos de Menger. Na verdade, Menger deu-se ao trabalho do estudo científico.
de recomendar que a análise econômica científica se compusesse de Weber lidou com a questão da presença ilegítima de valores no
um sábio equilíbrio entre teoria e história. nível da pesquisa através de seu requisito quanto ao despojamento de
Na raiz deste debate dos economistas, o que estava em jogo era valores na ciência social. Ao mesmo tempo, retinha a alegação historista
o papel da análise lógica na validação do conhecimento empírico le que há uma necessária relação com valores quando se trata da seleção
a inevitabilidade do “método racional” também na ciência social. Na dos fenômenos característicos da ciência social, diversamente da ciência
medida em que se considera esta questão, o ensaio weberiano sobre natural (em que consiste, a meu ver, o verdadeiro débito de Weber
a “objetividade” pode ser considerado um bom eco da guerra movida tom o historismo epistemológico, e com Rickert particularmente). Em
por Menger contra a epistemologia irracionalista do Historismo 1 último lugar, mas não menos importante, Weber foi maximamente bri-
o irracionalismo, como já vimos (acima, p. 157) partilhado pelo Histo ante e original ao atacar a questão dos valores como objeto, e é neste
rismo II (o historismo dos historiadores) e, finalmente, pelo Historismo ponto que suas principais contribuições estritamente metodológicas —
HI — o historismo dos filósofos da história como Dilthey e Croce, Windc!l ) método interpretativo e a teoria do tipo ideal, a serem em breve
band e Rickert. lliscutidos — adquirem toda sua importância.
À preocupação comum básica dos Historismos I, Il e HI — a busca O que é decisivo para nosso propósito é notar que, enquanto, no
da unicidade do histórico — está visivelmente presente na metodologia historismo epistemológico filosófico, a preocupação culturalista com va-
weberiana, assim como em sua sociologia histórica. Entretanto, o fato pres assume a forma de um assalto indiscriminado à lógica da explicação
é que Weber nitidamente pretendia que a captação deste unicum histórico Wlentífica, na metodologia de Weber este impulso irracionalista é contro-
acontecesse dentro de uma estrutura teórica explicativa, em que o “mc do por uma saudável reasserção do dever da legitimidade cognitiva
todo racional” desse o tom. Como os historistas, ele desdenhava a velha pela observância do valor-verdade na ciência social. A escolha de
superstição positivista sobre (injustificadas) leis gerais da história. Entre pnceitos orientadores no início da pesquisa podia ser uma atividade
tanto, diferentemente deles, Weber era muito incisivo quanto ao papel tural — mas restava o fato de que a ciência devia operar com eles
das regras lógicas e dos procedimentos empíricos orientados pela lógica e uma forma justificáve?” — justificável, evidentemente, em termos
no estabelecimento do conhecimento histórico. Neste sentido, como obsci le critérios lógico-empíricos. Como Weber salienta no início de sua
va oportunamente H. H. Bruun, ele fez as pazes entre o historismo tensão de Mayer, não há nenhuma garantia epistemológica real para

170 NA
Ho
o “preconceito” daqueles que pensam que conceitos e regras lógica muitas das contribuições deste último sobre a essência do social,
não interessam à história, mas apenas à ciência.? Pelo contrário: a histó Wquentemente acompanhadas de idéias bastante rústicas sobre a natu-
ria também é ciência. do conhecimento científico).
Foram-se os dias em que Talcott Parsons podia convincentemente Por ser o conhecimento científico nas ciências empíricas principal-
atacar Weber por traçar uma separação demasiado nítida entre ciêncina ente de caráter causal, o centro da lógica weberiana da ciência histórica
sociais e naturais.” Como adverte Ehud Sprinzak, muitas das defenms fsiste naturalmente em uma teoria da causação social. A metodologia
weberianas do historismo com relação à “significação cultural” e à unici E Weber refere-se mais de uma vez ao conhecimento causal como
dade como alvo da pesquisa histórica, e suas consequentes distinções Wlrumento do objetivo último da história: a completa determinação
entre ciência social/natural, devem ser manipuladas com cuidado, evider à “significação cultural” dos fenômenos históricos. Entretanto, depois
temente não porque elas sejam insinceras, mas porque jamais preten tudo o que mencionamos sobre sua posição epistemológica, deve
deram negar — o que tantos romantizadores de Weber lhe atribuírnm evidente que sua preocupação historista com a significação cultural
— que a lógica da investigação seja diferente nas ciências sociais, cm | nenhum momento chega a enevoar sua vívida percepção de que,
oposição às naturais.” O esforço científico significa, em qualquer parte, no nutrir-se da análise causal a história poderia ser científica. Se
aceitar o ônus da prova, de acordo com o método racional. Quant nfoque da significação cultural era o que convertia em história a
aos ternos corações humanísticos que desejariam deixar de lado a disci tória, a análise causal, dentro deste enfoque, era o que a tornava
plina intelectual e confiar na intuição e na empatia “humana” “visiond ia ciência; e o inquebrantável interesse de Weber estava posto na
ria”, Weber não pode deixar de escarnecer deles. Como formulou uma úria como ciência.
vez, brutalmente. “aquele que anseia por ter uma “visão” dever Apesar disso, a necessidade da análise causal, e da correlata disci-
ao cinema”.*! Devemos agora penetrar o cerne da lógica weber na lógico-empírica, em nada diminui sua sensibilidade quanto à especi-
da ciência histórica através de rápido exame de suas idéias sobre causação idade do objeto histórico — a saber, suas peculiaridades experienciais
social. no reino da interação e do comportamento significativo (na verdade,
Wloricamente, mas para nossa surpresa, até mesmo em certos círculos
dêmicos Weber é representado com muita frequência — e de forma
II A Teoria da Causalidade Social ente equivocada — como o “pai da sociologia interpretativa” — como
ua preocupação com a atividade compreensiva implicasse uma recusa
Weber não era nenhum fanático por metodologia. Algumas vezes chego Hplicação de procedimentos explicativos ao domínio da sociedade).
a destilar desprezo pela aridez da “pestilência metodológica” de seu por que, no limiar de nosso percurso em direção à teoria weberiana
tempo,? pois percebia que só é possível fundar a ciência e desenvolve! tausação social, deparamos com seu famoso pleito em favor da inter-
seus métodos quando se descobrem e se resolvem problemas substantivos lação da ação social.
— algo para o que “as reflexões puramente epistemológicas e metodo Weber jamais deixou de insistir, através de todos os seus trabalhos
lógicas jamais contribuíram decisivamente” .** Como Menger, entretanto, todológicos (e desde então os weberianos ecoaram este princípio ad
ele sabia que a reflexão metodológica ajuda a dissolver dúvidas sobre juseam), que o ponto de partida da análise sociológicaé a interação
o propósito da ciência, quando quer que este venha a ser obscurecidi nificativa, i.e., os padrões comportamentais redutíveis às “ações dos
(Weber — para prosseguir o paralelo com Menger — está alerta par ivíduos participantes”.” Weber não era absolutamente um indivi-
o papel desempenhado pelo interesse acadêmico quando se trata ds nlista por inadvertência; considere-se que ele jamais trspidou, em
escamotear o autêntico objetivo da ciência). nefício de certa espécie de análise (por exemplo, nos estudos de direi-
Além do mais, o fato de concentrar-se no propósito teórico du 1), em tratar formações sociais (o estado, o feudalismo, etc.) como
ciência social levava, de modo geral, a demonstrações muito mais fecur fossem indivíduos imbuídos de propósitos. Como bom “individualista
das do que a elucubração, largamente enganosa, sobre os elementos intodológico”** avant la lettre, jamais negou o princípio tão caro a Durk-
constitutivos do domínio histórico e social. O seguro instinto de Weber, im de que as propriedades dos agregados sociais não eram apenas
a este respeito, pode ser avaliado em comparação com o emaranhado dos seus membros individuais; mas insistia, de qualquer forma, que,
dos discursos de Durkheim (o que não invalida a grandeza desbravadora | sociologia, estas totalidades fossem traduzidas nas específicas ativida-

172 173
no de quebra de safra considerando que este último fato determina
des (ou inatividades) atribuidoras-de-sentido dos seres humanos concri
ima queda de rendimento, o que induz a ansiedade nos possíveis noivos,
tos, pelo menos se fosse o caso de submeter a análise à completa verili
names assim levando-os a adiar temporariamente novos compromissos, tais
cação empírica.
captar a ação (ou inação) significativa tomo o casamento. Outra vez, aplicamos a máxima comportamental
Mas como poderá o sociólogo
= “quem está vivendo uma situação de ansiedade possivelmente receará
das pessoas? É aqui que a Verstehen, isto é, o método interpretativo
sumir novos compromissos”. Só que desta vez a máxima não é tão
entra em cena. Para examinar precisamente como ele opera, devem
fvidente como no primeiro exemplo. Porque não deveriam os lavradores
ter em mente duas distinções: (a) a diferença entre interpretação d
comportamentais evident: n Dlteiros casarem-se, por exemplo, numa tentativa de obter compen-
e indireta; (b) a diferença entre máximas
lações afetivas em tempos árduos? É óbvio, pois, que não podemos
e não-evidentes. Expliquemos rapidamente do que trata a primeira desti»
eitar a protelação do casamento apenas porque seja compreensível;
diferenças. Weber herdou de Simmel a distinção entre compreensio
(erkliirendos para aceitar isso como explicação motivacional, devemos verificá-lo atra-
“direta” (aktuelles Verstehen) e “indireta”, ou explicativa
és de adequados “métodos objetivos de comparação” ,*º tais como ope-
Verstehen). A interpretação direta é a compreensão intuitiva que pratica
lições estatísticas sobre grande escala de dados, estudos comparativos,
mos a cada momento da experiência social, quando quer que aprendamos
te.
o significado da linguagem dos outros, ou “leiamos” seu sentimento
Em outras palavras, a Verstehen é uma heurística útil, e não um
através de suas expressões faciais, gestos, ou coisa semelhante. A com
iétodo de verificação. Seu emprego realmente ajuda quando é neces-
preensão indireta, pelo contrário, tem que situar o interpretandum num
jo lidar com explicações indiretas; mas embora seja necessário para
contexto mais inclusivo para poder captar seu significado.
nr conta tanto da conduta evidente como da não-evidente, não tem
A interpretação indireta, por sua vez, pode ter como interpretandi
| capacidade de oferecer sozinho explicação suficiente no segundo caso.
a conduta evidente ou a não-evidente. Essa diferença recebe vívida ilus
Veber estava consciente desta limitação — o que já sugere a natureza
tração num ensaio agora clássico do método interpretativo em socioloft
sua concepção da análise causal.
“A operação chamada Verstehen”, de Theodore Abel.
Quando Weber começou a teorizar sobre ela, nos primeiros anos
Abel solicita-nos que encaremos a ação como um elo entre as avalia este século, o conceito da Verstehen já possuía uma rica ancestralidade
ções feitas pelos indivíduos, em consequência de qualquer coisa «ui entro da tradição “hermenêutica”, recuando aos dias do teólogo român-
lhes ocorra na vida, e suas intenções particulares ao agir, de uma dt vo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), depois ao seu discípulo, o
de outra maneira, em função destas avaliações. Avaliação e intençdi Ólogo August Boeckh (1785-1867) e ao grande epistemólogo da histo-
são os elementos-chave no processo de atribuição de significado (a [iu Ografia Johann Gustav Droysen (1808-84) até a influente Lebensphi-
tung de Weber) à ação,* a qual se torna social quando vem a ser orientada ophie, do final do século XIX, de Wilhelm Dilthey e de Georg Simmel.*
(de maneira correta ou incorreta) pelo comportamento dos outros (vei
acima, p. 98). ; Weber descartava severamente as interpretações “mais românticas”
A compreensão da ação — o objeto da Verstehen — opera pela Verstehen, que faziam a compreensão equivaler à empatia (Einfiih-
aplicação de máximas comportamentais que tornam inteligível o elo entr: ing), baseada na recriação intuitiva, ou revivescência (Nacherleben).º?
as avaliações dos atores e seus intentos. Considere-se um homem qui lo contrário, ressaltava que o método interpretativo implicava um
numa manhã fria, observamos ligando o aquecimento em seus aposento inhecimento nomológico, referente às regularidades observáveis no
O que teria ele feito? Avaliou um estímulo (a queda da temperatura) bmportamento humano, e demandando a construção de tipos para sua
e atuou em função de uma intenção de responder a esse estímulo. | preensão mais acurada. A Verstehen era para Weber uma questão de
que fizemos nós, ao interpretar sua conduta? Aplicamos-lhe uma máxita bmpreensão empírica, e de postulação de regras de conduta contingentes
comportamental derivada de uma observação que pertence ao ser | peneralizáveis a partir da observação dos comportamentos, muito mais
comum: “quem sente frio provavelmente tentará se aquecer — o qui le a manifestação dos recessos da personalidade. No famoso aforismo
lg Simmel, segundo o qual não precisamos ser César para compreender
no nosso caso, foi muito evidente.
Tomemos agora outro dos exemplos de Abel: a alta correlação $ ações, Simmel pretendia salientar o poder da empatia (não precisa-
entre a taxa anual de colheita e o número de casamentos numa js ser César porque podemos sentir como se o fôramos). Pelo contrário,
comunidade rural. Podemos entender o declínio dos casamentos num Peber, que gostava de citar este aforismo, diria que não precisamos

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sequer “sentir” como César para sermos capazes de captar o significado explicitamente a pesquisa causal entre os interesses da sociologia.
de seus atos. : z Há de fato algum fundamento para argumentar com John Rex
Embora estivesse interessado em regras para a ação, e não em que, enquanto nos primeiros ensaios da Wissenschaftslehre Weber tendia
traços da personalidade, sua abordagem nomológica era muito diferente à separar o processo de atribuição da significação e a probabilidade
da preocupação “tribalista” de alguns teóricos sociais seus contempo- estatística, nas seções de abertura de Economia e sociedade a distinção
râneos, que se ocupavam do “comportamento governado por regras entre interpretações “adequadas ao nível do significado” (sinnhaft ade-
num sentido próximo dos “jogos de linguagem” e das “formas de vida” quáit) e interpretações “causalmente adequadas” vem a ser traçada preci-
de Wittgenstein. Tais teóricos inclinavam-se a conceber a conduta gover samente para enfatizar que mesmo a mais perfeita adequação em termos
-nada por regras como idêntica ao comportamento socialmente aprovado de significado e coerência, predicada de alguma ação social, tem signifi-
e estabelecido, enquanto a ação nomológica de Weber não sugere semc cação causal se, e apenas se, houver evidência da probabilidade de sua
lhante viés conformista. A ação para ele é autonomamente regida po! ocorrência — probabilidade que pode ser verificada através dos padrões
regras e não (pelo menos não necessariamente) pelas exclusivas normas usuais da explicação causal (mesmo incompleta): formulação das condi-
de certa cultura.” | ões iniciais mais a subsunção destas sob leis gerais “de cobertura”.
Por outro lado, não parece muito precipitado pretender que a moti | Como argumenta W. G. Runciman, Weber não pode, sem injustiça,
vação fosse o alvo de Weber apenas na medida em que levasse às origens ser acusado de incorrer na “compressão neoidealista da explicação e
do padrão interacional. Em suma, não lhe interessava nem a detecção la compreensão”? — compressão que, nem precisamos dizer, é costu-
da motivação per se, nem a representação daquilo que a sociologia psico meiramente perpetrada em detrimento da primeira. Teóricos sociais “hu-
lógica americana do período anteguerra chamava de “definição das situa hanistas” como Peter Winch chegam até a lamentar que Weber não
ções” pelos atores. Em última instância, o significado subjetivo welbx lenha adotado uma epistemologia interpretativa tão purista quanto a
riano não se refere a isto, nem implica que isto possa efetivamente fle Collingwood, abandonando qualquer preocupação com a testabilidade
ser detectado pelos sociólogos. Como Alan Dawe reconheceu imediata le suas hipóteses interpretativas.*
mente, a Deutung weberiana “fica a meio caminho das definições do Ao comentar a tendência de certa teoria social contemporânea de
participante e das definições do observador”.** De qualquer modo, para fesolver matérias empíricas factuais “conceitualmente”, May Brodbeck
Weber, “não era a ação concreta que vinha a ser analisada pela sociolopi, flvertiu certa vez contra as armadilhas do “racionalismo antropomór-
mas sim suas interpretações”. ico”: a postura daqueles que, “indesejosos de atribuir status onto-
Em hermenêutica, a Verstehen contrasta deliberadamente com | úgico à mente”, “projetam sobre o mundo” aquilo que mais propria-
análise causal. Numa momentosa polêmica contra o neokantiano Wi mente pertence à mente — nossos pensamentos e conceitos.
lhelm Windelband, Dilthey sustentava que o traço distintivo das “ciências A queixa de Winch quanto ao emprego por Weber do método
do espírito” em relação às ciências da natureza não consistia no fato ilerpretativo parece exemplo perfeito de racionalismo antropomórfico.
de que as primeiras não se interessassem por formular leis , mas sit lbjacente ao seu ataque está a dissolução da causa no conceito, tão
que não estivessem em busca da causalidade. As Geisteswissenschafton pico do último Wittgenstein como, de resto, da reflexão fenomeno-
não tinham que “explicar” qualquer coisa; seu negócio era apenas corti gica. A epistemologia sociológica de Winch assenta, como foi obser-
preender, descrever e classificar. A causalidade era abominável ao Lisp do por Gellner, sobre habilidosa inversão de um princípio básico do
rito e às suas formas objetivas, estruturadas mas indeterminadas. | imo wittgensteinismo. Em sua teoria dos jogos da linguagem como
Weber teve o trabalho de dissociar-se deste preconceito anticau úrmas de vida”, o Mestre assevera que o significado é o uso. Então
salista. Fez questão de acentuar com frequência as similaridades entr parece Winch e frisa que, se o significado é o uso, certamente o uso
ciência social e natural (sublinhou, por exemplo, que em ambas ocorria Hignificado...”? Torna-se radical a dissolução da causa no conceito:
um vasto processo de seleção a partir dos dados brutos da experiência) lissim dissolve-se a ação no significado. Em consequência, os processos
Além do mais, em todos os ensaios que compõem sua Wissenschafislehn Wlais convertem-se em quebra-cabeças semânticos e toda preocupação
e, ainda com maior extensão, na Parte I, Capítulo 1 de Economia f Nm causação social vem a ser esmagada pelo primado da interpretação
sociedade, onde é visível, desde a primeira página, o nexo entre método Ônceitual” — arte na qual Weber certamente jamais se comparará
interpretativo e necessidade de buscar a causação social, Weber inclui ilcalistas despudorados como Collingwood.

176 DT
Mas Winch pelo menos criticou a Weber nos dias áureos da filosofia mente, Weber foi, desde sempre, um historiador e um pesquisador social
linguística e sua incidência “tribalista” sobre a ciência social (que coin! interessado nos padrões de compreensão da atividade coletiva e de seus
diu, deve-se dizer de passagem, com o florescimento dos consensualisim( m fesultados: a diminuição da disponibilidade do trabalho escravo sola-
do fim-de-ideologia e o auge da influência das infladas concepções parso pando a base econômica do império romano; a migração para o oeste
nianas sobre o compartilhamento social de valores). Pelos meados «lu Os trabalhadores alemães originários da parte oriental da Prússia; o
década de 1970, com a “síntese parsoniana” em declínio, o conscr impacto do ascetismo moderno na moralidade econômica. A herme-
sualismo violentamente escarnecido e a filosofia de Oxford gravement: iêutica tratava do significado na história (não do “significado da histó-
vulnerada por incursões popperianas, neopopperianas e neomarxista la”); a sociologia interpretativa tratava da história das ações significativas,
é bastante surpreendente que Weber volte a ser acusado por confundlii omo fonte de cadeias causais. Tudo que Dilthey pretendia era “inter-
significado e motivação. pretar” — Weber, entretanto, queria interpretar para explicar.
E é isso exatamente que John Torrance censura nele. Weber, escrevi Como é então que este enfoque na ação chega a desqualificar a
Torrance, confundiu a distinção entre compreensão direta e compreensit ítica de Torrance, segundo a qual Weber explica a causação social
contextual, ou indireta (ver acima, p. 174), com a distinção entre m termos de uma teoria subjetivista da motivação intencional? Para
critérios pessoais e impessoais do significado, chegando desta formiú sponder a essa questão devemos percorrer três etapas: (a) primeiro,
a igualar o significado e o “significado particularmente pretendido bferir brevemente a teoria weberiana da ação e o primado, dentro
Para a sociologia, entretanto, observa nosso crítico, O significado sub ela, da ação instrumental, e sua conexão com o método interpretativo;
tivo é apenas uma convenção social (talvez uma “forma de vida”) h) demonstrar então como sua principal contribuição metodológica —
válida exclusivamente em sociedades individualísticas mas absolutamente heurística do “tipo ideal” — prolonga e confirma este primado no
inoperante como referência geral para a análise sociológica. A vinta jodelo weberiano de análise histórica; (c) finalmente, indicar como
disso, conclui-se que Torrance não concede a menor importância à pró la concepção do desdobramento temporal da ação repele a acusação
pria afirmativa de Weber de que seu método individualístico não de E que sustentava uma equivocada teoria da causalidade, baseada em
dia do individualismo como sistema de valores. Para ele, a sociologia jotivação-e-propósito. A necessidade lógica de (a) e (b), no sentido
interpretativa de Weber constitui nitidamente uma teoria da causalidnd: | rejeição da pecha de subjetivismo, ficará clara no decorrer da expo-
social baseada em motivação-e-propósito.*! ção de (c).
A melhor forma de interpretar esta requentada objeção “wittpons A quádrupla tipologia weberiana da ação social, já recordada,
teiniana” relativa aos interesses “subjetivistas” de Weber em lidar com pensa comentários. Podemos deste modo despachar a primeira etapa
a motivação é retornar ao foco real do método interpretativo weberinno ossa prometida refutação encarando desde logo a questão do primado
a ação social. Weber não estava interessado no significado pelo sipnill ação instrumental (Zweckrational), i.e., ação orientada para a obtenção
cado; só o aborda na perspectiva da explicação da ação. Embora diferin tiva de uma finalidade (ação dotada daquilo que era ultimamente
bastante de Simmel como sociólogo (afinal, seu negócio não eram 4 ado por Mannheim de “racionalidade funcional”). O dado interes-
diminutas formas significativas da sociação, mas o conteúdo da interaçin te neste ponto é que, se assumimos a validade de nossa prévia repre-
em vastos “complexos de significado”. daí a diferença na abordapen itação da Verstehen, constataremos que a relação meio/fim, que define
do social; Weber era muito menos “estrutural”, muito mais genctiva) ão instrumental, rege o próprio âmago do método interpretativo
certamente partilha com ele a preferência pela ação, não o signilicidy nível do objeto e, consequentemente, modela também a operação
externo à ação. Diferentemente de Dilthey, o método interpretativo método. Tanto o homem que sentindo frio acende o aquecimento,
de Weber não se direcionava para a significação de textos, mas pura no o lavrador que adia por ansiedade seu casamento, demonstram
a verificação do sentido da ação intencionada, explicado através de sumo | comportamento adaptativo no qual, em função de uma finalidade
consequências não-intencionadas. Dilthey era, por formação, um tes loga juecer-se, reduzir a ansiedade), a escolha de um meio efetivo torna-se
e a hermenêutica era, certamente, uma técnica teológica; daí que a mola mestra da conduta e, daí, da nossa compreensão dela. Até
história para ele fosse quase sempre uma espécie de contexto semântivy É ponto, a intenção e a motivação intencional parecem reinar abso-
o significado aparecendo como livro que pudesse ser inteiramente dev! .

frado através do poder empático de uma “leitura” completa. Contrariu Fica assim caracterizada a estreita relação entre método interpre-

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tativo e primazia da ação instrumental. Que dizer da influência desta ncionando dentro da operação mais geral da Verstehen.
última sobre o dispositivo nuclear da práxis metodológica weberiana Uma vez mais encontramos a linha mestra de nossa análise — o
— o tipo ideal? primado epistemológico da ação instrumental — firmemente entretecida
O tipo ideal é o elemento crucial da modelização weberiana cm fia própria tela da teoria dos tipos ideais. Uma vez mais, até este ponto,
uma dimensão heurística, de descoberta. Weber tomou este termo poi Causa da ação parece realmente consistir na motivação intencional.
empréstimo da filosofia do direito, mas logo o esvaziou de quaisque! Hassemos então à etapa final de nosso exame do conceito weberiano
nuanças axiológicas. Em lugar disto, enfatizou os neutros aspectos nomo ação social: passemos em revista sua concepção de ação-no-tempo,
lógicos que constituem, como já vimos, o âmago de sua abordaperni pois é aí, segundo penso, que residem suas idéias mais profundas sobre
da ação social pelo método interpretativo. O tipo ideal (seja uma espéci causalidade social.
de ação, de conjunto institucional, de ordem legítima, de indivíduo histó Mas, chegados a este ponto, temos o direito de parar e indagar:
rico, etc.) é sempre o paradigma nítido e límpido de seu objetivo. Ness rá que o conceito de causalidade social é realmente tão importante
condições exibe um grau de pureza sem contraparte possível na realid fra Weber? Como ele próprio demonstra fartamente em seu artigo
Consideremos uma dada estrutura da ação social. Para que cln pistemológico mais elaborado e mais importante, o ensaio sobre a objeti-
venha a tomar corpo na prática real, todo um conjunto de propósitos ilade na ciência social,* o objetivo do trabalho do historiador (scilicet
deve abrir seu caminho através da intrincada rede da vida social. Muity entista social) é a determinação do significado cultural dos atos e das
amiúde, a pura realização da ação pretendida jamais é obtida, c di pocas. Enquanto o grande historiador helenista Eduard Meyer definia
outras vezes ela suscitará importantes consequências não pretendidas Objeto da história como “o evento único decisivo” — sobrecarregado
como é evidenciado no caso da relação entre o calvinismo e o capitalismn consequências (por exemplo, a vitória de Maratona, que salvou a
Pouco importa: se devemos analisar o complexo de significados (Sin Itura grega de sua asiatização), Weber insiste em que o “significado”
sammenhang) subjacente a qualquer padrão da ação social, então ten! não O efeito, constitui a alma da matéria histórica — e, em termos
mos que nos ater ao propósito central, direto, que ela se dispõea alcança! imos, aquilo que realmente importa na história.
O tipo ideal é apenas a imaculada representação do propósito in aci * Nem causas nem efeitos, mas a significação cultural — eis o que
Inclui o processo nomológico mais adequado, requerido para a inteptul ber, em última instância, perseguia na ciência social. Ao projetar
completação do padrão de ação enfocado — como se fora seu tlm carta magna para a epistemologia da pesquisa sociológica, poderia
transparente. * tomado significado cultural como o instrumento para estabelecer
Há algo aqui da concepção platônica relativa ao tipo ideal; pl» idas explicações. Entretanto, pelo menos em nível programático, pro-
na verdade, essa concepção corporifica, na eficaz metáfora de Irlil 4 de forma oposta, encarando a explicação causal apenas como
Fallding, a “utopia do empreendimento”.º O tipo ideal tem, portanto ffumento para capturar o significado cultural. Seria Weber, então
um marcante valor heurístico (e não mais que heurístico). Sua [uni le modo mais sutil e mais sofisticado —, também uma espécie de
é oferecer ao analista um instrumento de avaliação que lhe permita lturalista””?
aferir o desvio da realidade social, ao mesmo tempo em que aprecio Entretanto — e estranhamente —, em contraste com a maior parte
seu movimento vivo. Permite um mapeamento dos processos sovint pulturalistas ortodoxos, não era um neo-romântico. O mesmo homem
de nenhuma forma comprometido com sua explicação. Os tipos ida implacavelmente buscava os valores e o significado cultural encarava
jamais constituem teoria — no máximo, representam pontos de apoio herdade, tal como demonstrada na ação social, à luz de um cálculo
à teoria. Wamente pragmático, envolvendo fins e meios, vantagens e desvan-
Certamente, como foi assinalado no já clássico estudo de von “ww! fis, Mais especificamente, considerava a livre ação humana, fossem
ting sobre a epistemologia weberiana,** os próprios tipos ideais de Wulw! à fossem suas metas e finalidades, como caracterizada intrinseca-
são frequentemente impuros, notavelmente devido à mistura de mutvrml to por uma seleção racional de instrumentos “técnicos”. Neste sen-
conceitual e hipotético (quer dizer, elementos falsificáveis e não 1 exercício da liberdade vinha a ser uma espécie de cálculo de
veis). Mas deixaremos de lado esta questão. O que conta para nós peso das e ganhos”. Na práxis da ação social, a liberdade era “técnica”,
ponto é que, em sua potencialidade como “utopia do empreendimento expressiva”.
os tipos ideais vêm a manifestar a mesma lógica meio;fim que observam 1) mesmo estudioso para quem tudo dependia de “escolha do signifi-

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je
cado pela alma” rejeitava desdenhosamente qualquer tentativa de revi ento daquilo que Mannheim mais tarde chamou de “racionalidade
renciar o “mistério” do homem interior. Quanto mais livres sor ncional”” no tempo — pois aqui reside, como já sugerimos, o cerne
pensava ele, mais nossos atos devem conformar-se à lógica meio lim enfoque weberiano da causalidade social.
enfim, à racionalidade da ação instrumental (Zweckrationalitát). | m Poucos parágrafos acima recordamos que Weber comumente consi-
seu ensaio Roscher und Knies e, de novo, no debate com Meyer, Wolmi rava a análise causal simples ponto de apoio para a determinação
ridiculariza os defensores do livre arbítrio como santuário ínti “significado cultural” — concepção que, incidentalmente, tem muito
o Irrationalititsproblem com que se debatiam, com uma volúpia anti er com a arraigada inclinação weberiana de representar-se como um
mântica digna de Nietzsche. listoriador comparativo”, mesmo depois de ter abraçado a causa da
Além disso Weber identificava o livre arbítrio “não com a raciúta viologia; pois a sociologia, para ele, devia ser vista principalmente
lidade kantiana, que é moralidade, mas com a racionalidade prin mo um ponto.de apoio para a análise histórica. Weber pode não
tal como apresentada pela estrita correlação entre meios e fins”. Awsimi sido um historiador narrativo como Ranke, ou um coletor de dados
afastava-se tanto da hipereticidade do imperativo categórico como dr mo Schmoller, ou um habilidoso pintor de vinhetas históricas como
seus românticos contestadores, situando a liberdade ao frio ar do cil irckhardt, quanto mais um proclamador de fantasiosas estruturas de
econômico — e oferecendo à teoria social uma espécie de sublimnçd essidade histórica como Hegel —, mas encarava seu principal obje-
ética do homo ceconomicus. ) como o trabalho de um historiador, que consistisse na utilização
A conexão fins-meios logo se tornou o cerne de sua visão sociolópi a udurecida do método comparativo para captar a “significação cultu-
Atribuía uma espécie de privilégio ontológico, entre seus quatro tip * dos seres históricos particulares tais como o “capitalismo” ou a
de ação social (tradicional, afetiva, racional e instrumental), às «ms ilização ocidental” (de fato o fundamento último de todos os seus
últimas, já que só elas constituíam instâncias nítidas de ações do idos era o progressivo desnudamento da significação da raiz da cultura
tanto de “significado subjetivo”, num nível autenticamente reflcx iental”? — alvo que efetivamente garante a unidade subjacente de
como de uma poderosa dimensão intencional — sendo o signilivido O o seu trabalho).
e a intenção, como já vimos, os dois componentes definidores de ums Entretanto, também já verificamos anteriormente que ele incluía
ação versus um mero comportamento. re as obrigações da ciência social a explicação causal. Há pouca dúvida
Mas ele conferia também um privilégio epistemológico à ação trt que Weber tenha estado profundamente atentoà questão da causali-
mental. Uma vez que o próprio objetivo da análise sociológica vinha le, tanto no nível metodológico, pragmático, como em sua própria
a equivaler ao esboço dos tipos ideais para a compreensão dos process substantiva. Além disso, como assinalou J. E. T. Eldridge, ele
sociais, e desde que, além disso, o tipo ideal como “utopia do empree nd lamente “preferia engalfinhar-se com o problema da análise causal
mento” representava a forma transparente, quintessencial, do paid sociologia do que com a análise funcional”.“º Portanto, o que resta
nomológico fins-meios, a pesquisa dos tipos ideais não podia senão corn er é especificar a natureza da concepção weberiana de causação
tuir um caso puro de ação instrumental. Entre as ciências sociais, cui — e sobre este ponto não faltam discordâncias.
análise da conduta teleológica, e esta própria conduta, como ação instiu Por um lado, há aqueles, como Paul Hirst, que sustentam que em
mental, baseada numa esmagadora preocupação com a adequação entre ber “a análise causal deve ser a análise da realização do intento,
meios e fins, emerge um isomorfismo frequentemente notado. o da determinação não- -intencionada do comportamento”.
Assim, o privilégio epistemológico da ação instrumental instala va * Por outro, vários estudiosos endossariam, talvez com alguma ressal-
tensa homologia entre as ferramentas da análise sociológica interpretutivo Wobservação de Karl Jaspers de que, em Weber, o enfoque é “sempre
— Verstehen, o tipo ideal — e o nível objetivo da própria ação social te os homens, determinados por condições passíveis de conhecimento,
Veremos pouco mais adiante como, na concepção de Weber, este men le engendram, no decurso da ação significativa, alguma coisa diferente
isomorfismo também se verificava entre o padrão fins-meios e a evolução uilo que pretenderam”.2
histórica, já que ele considerava a progressiva hegemonia da ação inntti Basta-nos um minuto de reflexão para, quanto a este ponto, alinhar-nos
a
mental dentro da vida social de “uma forma geral” como a deciltim | Jaspers antes que com Hirst. Pois se o último estivesse correto,
da história cultural. Antes de discutirmos isso, entretanto, devemos vom à dizer da principal formulação weberiana sobre causação social, A
pletar nosso argumento demonstrando como Weber concebia o desdilia protestante e o espírito do capitalismo? Nitidamente, não és possível

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considerá-la “análise da realização do intento”. Se há alguma coisa indiy e universalidade a “escola histórica” obstinadamente
contestava. "Tal
O cerne e a medula da teoria de Menger sobre institu
cutível neste estudo, tão ambíguo quanto fascinante, é que os Ro ! ições “orgânicas”
ge (opostas às pragmáticas) — distinção intimamente próxim
se prepararam para obter alguma coisa (a salvação da alma) e E a da dicotomia
Orgânico/estatuída de Sumner, mas igualmente uma
construindo outra muito diferente (a fundação civilizacional a ord brilhante revives-
an cência teórica do antigo quebra-cabeças de Mandeville
capitalista). Ora, seria este um excelente caso de List der ou de Adam
Sua obra mais a Smith: a emergência de instituições úteis que entret
mas dificilmente uma realização intencional. anto se originam
sem que haja um projeto comum para sua criação.“
e mais influente corresponde, pois, a uma cuidadosa meditação sua
aquilo que seu baga grande exegeta, Yon Schelting, denominou « O lugar de honra epistemológico concedido por Weber à ação
instru-
isão “o paradoxo das consequências”. À mental corresponde realmente, nas palavras de Góran
Therborn, “a
milhas: indemo sem Bihdaas o domínio da sociologia Ea um encontro entre o historismo alemão (representado,
em nosso caso,
Weber, há numerosas razões para rejeitar a concepção de que te pelo método interpretativo) e o marginalismo austríaco”.
Marxistas
equivalência entre causação e intenção. Pois a abordagem E po E l tomo Therborn tendem a salientar o elemento teleológico
presente na
da análise da ação social por Weber corresponde, em RR a fa , hifinidade entre Weber e Menger, mas talvez o paralelo mais
impressio-
à apropriação sociológica de um modelo explanatório visando exp il
fiante devesse ser traçado a um nível muito diferente: assim como
Menger
mente à elucidação dos efeitos não pretendidos da ação intencionac t j bra incisivo na demonstração dos efeitos não-intencionais da
ação econô-
Desde que Friedrich Tenbruck suscitou esta questão há qu lica intencional, também Weber preocupava-se muito em demonstrar
anos,é a principal fonte intelectual da epistemologia weberiana E ay omo um dos principais sistemas econômicos — o capitalismo
— emergia,
meios vem se localizando na teoria econômica marginalista da : uti a imbém de forma inteiramente não intencional, a partir de uma condut
a
especialmente na obra do economista Carl Menger, Ro E a! "a ligiosa intencional. Em ambos os casos, a análise teleológica é apenas
chungen tber die Methode der Sozialwissenschaften (188 E a o | ponto de partida da pesquisa de consequências não anteci
padas —
de 1880, conforme recordamos, Menger iniciou O Metho a ram a Não será disso que a sociologia trata primeiramente: dos efeitos
não
ciências sociais ao propor (contra os economistas da chama a k ou ietendidos?
histórica”, então liderados por Schmoller) que a ciência ae ( + — Tais efeitos não pretendidos naturalmente distanciam-s
e frequen-
se ater a um ponto de vista atomístico, enfocando o ri ps ! mente dos benefícios públicos de Mandeville. Mas consti
tuem, de qual-
utilitário, calculista, do homo ceconomicus. Da e 6 o ler modo, um dos assuntos principais da teoria social e
da pesquisa
Menger sustentava que a ciência social, mais que a natural, a plológica. Significativamente, apresentam-se como Leitmo
tiv de um
mais fácil de ser praticada, porque na sociedade os “átomos” são d S EO arco, altamente instigante, na história do pensamento
sociológico
empiricamente, enquanto na natureza, embora reais, não são perci] “Um arco que começa em Marx e Menger e estende-se
através de
Ívei idos. ber até os Estudos em filosofia, política e economia de
Hayek e
sm da “escola histórica” rejeitam este modelo in é Raymond Boudon, cujo livro Effects pervers et ordre
dualístico de análise, ponderando que o comportamento econômico “a al discutiremos, em conexão com Weber, na próxima seção.
creto jamais resultaria nestes cálculos à Robinson Crusoe. at A q Karl Jaspers observou corretamente que, como método
histórico,
os fenômenos econômicos eram poderosamente modelados, mais «ju perspectiva weberiana quanto à ação social implicava em enxerg
ar
pela economia, pela rede das instituições existentes. E ssado “como se fora presente”. A abordagem interpretativa, compro
-
Em vez de tentar negar este fato óbvio, Menger conseguiu Lá H lida como estava com a ponderação (nas palavras de Weber
) das
voltar-se contra o preconceito antiutilitarista da escola histórica. « om ' Wnsibilidades objetivas”, aberta à ação teleológica no interio
r de
deu liberalmente que a ação econômica fosse moldada pelas inst iuiçies Ho contexto social, chegava de fato a realizar uma Gedankenex
pe-
entretanto, é que, enquanto a curio pra dont, na qual o pensamento vinha a ser concebido como um
existentes; seu argumento, vívido
os fenômenos econômicos são realmente modelados pelas instil ente — se bem que tal investigação homoteleológica nada
tivesse
contemporâneas, a longo prazo várias destas instituições E a sol I com a mística Nacherleben da hermenêutica neo-romântic
a.
das, por sua vez, à maneira como crescem os corais, pelos pronta * De acordo com um comentador mais recente, E. Sprinzak,
a avalia-
impulsos — os atos calculistas dos homines ceconomici — cuja in 'Weberiana das causas, em termos de possibilidades objetiv
as, é con-

184 185
4
substancialà concepção de causalidade como “pós-dicção”, 'tal com visa avaliar a consistência interna dos valores ou, ao contrário, assinalar
formulada convincentemente por Ernst Nagel. 9 A luz desta concepção, sua inconsistência. Como análise teleológica, sua finalidade principal
os eventos não são considerados necessários em virtude de qualquei é destacar os conflitos derivados das tentativas de representar valores.
determinismo metafísico (genético ou funcional); em vez disso, demon “As análises axiológica e teleológica combinadas produzem uma aborda-
tra-se que eles ocorreram a partir de um conjunto de alternativas, cr em teleológica na prática, mas axiológica pela intenção crítica — pois
condições bem especificadas. A análise histórica vem assim a executii neste ponto a análise se prepara a determinar que conflitos de valores
aquilo que Friedrich Schlegel julgava que ela devia ser: uma “profecia são previsíveis como resultado das tentativas de alcançar determinadas
às avessas” metas (em suma, uma técnica teleológica produz uma crítica axiológica).
O enfoque dos efeitos não pretendidos elimina aritmeticamente à Finalmente a análise explanatória do valor tenta esclarecer como se
alegação de que Weber reduza causa à motivação intencional. Não sá thega a sustentar valores e quais as consegiiências decorrentes de sua
Hirst nem Torrance, mas Jaspers e von Schelting que estão certos q istência.
que Weber pretendia era analisar o “paradoxo das consequências”. Uma Por causa desta fidelidade (parcialmente) culturalista à “significação
vez despojado de seu problemático compromisso com a abordagem indi bultural”” como fetiche histórico, a própria hierarquia weberiana das
vidualística da ação social, a preocupação com a motivação intencional (rês dimensões da teoria dos valores-como-objeto concede precedência
vem a ser apenas o terminus ad quo de suas principais pesquisas sobri análise axiológica. Mas nossa classificação não tem que corresponder
causalidade. O terminus ad quem consiste exatamente no inverso das sua; e, de qualquer modo, o que importaé que ele tenha concebido
intenções e motivações originais. Não é por acaso que os efeitos não análise explanatória do valor de forma correta, já que sua mais completa
pretendidos lhe parecem, como notou Schelting, eminentemente parado Ilustração da análise causal da ação social, aliás da ação coletiva —
xais. A ação, desdobrada no tempo, funcionava na verdade como causi O estudo do impacto da ética puritana sobre o ethos econômico — é
— mas certamente não como causa intencional (a não ser no nível mais considerada, com toda a razão, um excelente exemplo (alguns diriam
trivial). Em Weber, a análise teleológica termina como pura ironia mesmo o supremo exemplo) da Wertanalyse explanatória.
E é por planejar estratégias de análise capazes de lidar com esta grande A explícita preocupação metodológica de Weber, brilhantemente
ironia, transcendendo sua simples percepção “filosófica” e moralista, apoiada pela sua sociologia substantiva, com a explicação das causas
que Weber tornou-se um gigante da reflexão sociológica. consequências dos valores, parece ser impressionantemente diversa
Em face disto, não deveria ser difícil reconhecer que as concepções laquilo que poderíamos chamar de latente “determinismo normativo”
de Weber sobre causação social possuem pelo menos duas qualidades lo historismo filosófico. Através de sua tendência de superestimar a
recomendáveis: (a) primeiro, seu status lógico torna-as perfeitamente blicácia normativa dos valores na história, o historismo de Dilthey, Win-
aceitáveis segundo os critérios da moderna filosofia da explicação cienti (lelband e Rickert constitui realmente um exemplo típico daquilo que
fica; (b) em segundo lugar, permitem — na verdade, requerem — que Blake e Davis denominaram a falácia do determinismo normativo, a sa-
o cientista social conceda cuidado especial àqueles tipos de fenômenos ber: o hábito de considerar que, só porque as normas-sobrecarregadas-
mais particularmente intrigantes entre todos os possíveis temas socioló le-valores pretendem Eos o comportamento humano, de fato, e
gicos — as consequências não pretendidas da ação humana. Muito signili invariavelmente, o façam.”
cativamente, estas qualidades da sua teoria da causalidade estão tambérmi A atenção de Weber às consegiiências não pretendidas da conduta-
presentes no coração daquela que, a princípio, pareceria a região menos ado -por-valores explicita, de forma cabal, as ingenuidades daque-
sociológica, porquanto a mais culturalista, da sua teoria social — a teoria à falácia. Que se trace um paralelo entre os principais estugos históricos
dos valores. le Dilthey (seu ensaio sobre Hôlderlin, sua biografia de Schleiermacher)
Como se ressaltou anteriormente (acima, p. 171), uma dimensão os de Weber. Será fácil verificar que a diferença não é apenas temática
da problemática valores/ciência é a dimensão dos valores como objeto istória literária, ou história das idéias, versus história social em um
da investigação sociológica. A Wertanalyse de Weber, que tem lugar ntido não trevelyanesco, destrivializado) — trata-se, antes, de diferença.
tão destacado em seus textos metodológicos (notavelmente na recensio muito substancial quanto ao valor do resultado cognitivo, devido a distin-
crítica de Meyer), ocupa-se de semelhante investigação; verifica-se então tas perspectivas de análise. Dilthey amiúde elabora análises axiológicas
que ela deve proceder em três níveis distintos. Como análise axiológica, raordinariamente perceptivas no sentido supramencionado; mas, em

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geral, desconsidera a heteronomia da causa e do efeito na biogralin distanciam da verdade global da sociologia weberiana, tanto formal como
como na história, o que torna seus estudos interpretativos, aliás sutis substantiva. De fato, a conclusão que extraímos de seu emprego da
excessivamente negligentes quanto à primeira verdade do conhecimento abordagem da ação social é que a análise sociológica sabe sempre mais
científico: “il n'y a science que du caché” (Bachelard). que os próprios atores participantes, no contexto real de sua atuação,”*
O saudoso George Lichtheim, soberbo marxólogo, escreveu certii e basta este quase-truísmo para exorcizar qualquer veleidade sobre uma
vez que a sociologia de Weber era “uma tentativa de ultrapassar a clivi suposta capitulação da análise causal weberiana à rasa retórica da moti-
gem entre o racionalismo científico e o intuicionismo romântico”.”º Alvin vação intencional.
Gouldner assumiu esta caracterização em um ousado esforço de apro Entretanto, a acusação de subjetivismo não tem que sair de mãos
sentar Weber como exemplo prototípico do “romantismo”, considerado vazias ante as sutilezas das concepções de Weber sobre ação e causali-
como uma das duas “estruturas profundas” da visão sociológica.” Infe dade. Pois podemos prazerosamente conceder que o professo subjeti-
lizmente, em face de tudo que foi dito sobre a rejeição do intuicionis vismo (metodológico) de Weber é, como quaisquer estratégias atomís-
mo por Weber, sobre seu compromisso com o método racional, conj ticas da análise social, trivial ou falso. Trivial, na medida em que se
a análise causal e o ideal explicativo em ciência social, este fantasioso limita a afirmar que, como já foi dito espirituosamente, a história sempre
perfil deve ser decididamente descartado. Weber era uma personalidad; é “sobre uns caras” (about chaps) — o que é tão pouco esclarecedor
altamente romântica, mas não é possível, mesmo em parte, considerá-lo quanto óbvio; e é falso, na medida em que sustenta que apenas fatos
um rebento do romantismo como metodólogo ou como sociólogo hist envolvendo indivíduos são explicáveis, e que os fenômenos sociais presu-
rico. “mivelmente podem ser explicados pelo seu relacionamento com as ações
Na verdade, o impulso da mais bem equipada exegese weberiani dos indíviduos, não caracterizados em termos de papéis e, como, tal
de nosso tempo flui exatamente em sentido inverso. Mesmo a “molduri não definidos por atributos sociais.”
subjetiva” weberiana — sua reformulação da Wertbezichung — como Parece, pois, sensato abandonar o individualismo metodológico e
ponto de partida da investigação racional vem sendo bastante mitigada descartar o concomitante conceito weberiano da probabilidade (ver aci-
como elemento culturalista e resíduo historista em seu pensamento. ln ma, p. 99), cuja recente defesa teórica (por Wrong e Freund) recebeu
quanto, por exemplo, Runciman ainda pensa que um dos poucos pecados de Torrance ataque arrasador.é
capitais de Weber consiste em ter confundido as simples e prosaicas Todavia, pouco dano advém de tais concessões na medida em que
pressuposições de qualquer pesquisa sociológica com “valores” poéticos, não atingem a básica solidez das concepções de Weber sobre a lógica
no sentido de idiossincrasias culturais,'? Bruun prefere acreditar que, da ciência histórica e, dentro desta, sobre a causação social. Nem havia
na concepção weberiana da relação-com-valores como critério de forma razão de perverso regozijo pelo abandono do método individualista —
ção de conceitos na ciência histórica, a valoração significa, em última pois é sabido que Weber teve suficiente juízo para desobedecer a seus
análise, uma escolha entre os aspectos da realidade — seleção, como próprios preceitos — antes de todos, o próprio Torrance foi o primeiro
vimos, inevitável, dado o sábio postulado neokantiano sobre a inexauri à admitir isso — na Etica protestante. De forma mais geral, com todo
bilidade do real. Em todos os casos, além disso, a reflexão sobre à seu propalado individualismo em matéria metodológica, Weber jamais
valorativo, em Weber, como instrumento na formação de conceitos pari tetrocedeu diante da discussão de temas macrossociológicos, evitando
o conhecimento histórico “tende a ser absorvida” pelo tratamento n Assim que seu trabalho atolasse na deprimente trivialização da análise
concreto dos valores como objeto da ciência social.” Em suma: é dispcr sociológica alcançada por várias subsequentes escolas do pensamento
sável, por favor, o escândalo com Frâulein Wertbeziehung: a pobre moça interacional.”” Similarmente, e embora sua “teoria da ação” tenha sido
não é mais que uma prestativa Putzfrau epistemológica — não se trali, lisada com mais frequência para bloquear, antes que para promover,
como tantos achavam, temiam ou esperavam, de uma glamourosa Lorclci | investigação empírica do comportamento humano, É seria possível dizer
culturalista, atraindo a sociologia para os abismos da catarata romântica que sua infatigável busca da “significação cultural” jamais impediu que
irracionalista. sua sociologia histórica se engajasse em, ou pelo menos suscitasse, nume-
Quanto àqueles que insistem em considerar Weber um “subjetivista rosas e fecundas discussões empíricas de problemas da causalidade social.
partidário da teoria da causação social, baseada na motivação intencional, Sem dúvida a maior de todas essas discussões corresponde natural-
esperamos que as páginas antecedentes tenham demonstrado como si ente à própria Etica protestante, a qual passaremos a examinar em

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detalhe, a fim de informar nossa pesquisa sobre a natureza da sociolopin em vez de gananciosos vulgares) principalmente por causa de sua
geral de Weber (em oposição à sua sociologia política). pústia religiosa face ao decretum terribile da predestinação — um “sen-
fimento de solidão interior sem precedente”82? Tal ansiedade religiosa
vou-os a se aterem à crença de que o trabalho árduo e disciplinado,
IV. A História Cultural como Explicação Sociológica im atendimento à “vocação”, era o único sinal visível de salvação.
Esta interpretação ascética, antimundana, mas eminentemente intra-
Tem-se argumentado que é possível abordar A ética protestante e o espírito undana, do dogma soteriológico demonstrou ser, por sua vez, alta-
do capitalismo (1904-5) de três formas diferentes: (a) como a formuliçio rente conducente à primitiva acumulação de capital e à disseminação
de uma ““afinidade eletiva” entre o calvinismo (ou um sistema de crençus le um estilo de vida intensamente benéfico para a racionalização tanto
similar ao calvinismo) e as atividade empresariais; (b) como uma andliw i economia como da sociedade. Assim, em termos gerais, o capitalismo
causal da influência do puritanismo na atividade capitalista; e (c) com rotivado religiosamente veio eventualmente a colocar o mundo tradi-
uma interpretação das origens de elementos-chave da moderna culta jonal de cabeça para baixo. A “vocação” — conceito-chave neste argu-
ocidental (e da cultura moderna, por extensão) como um todo.” iento — correspondia à noção através da qual Lutero sacralizou a
Segundo a evidência das próprias palavras de Weber, é indiscutível era secular da vida, atribuindo uma aura religiosa às obrigações ocupa-
que ele mesmo considerava seu estudo uma explicação causal, emliuia nais. O calvinismo estenderia esta sacralização da vida secular aos
empreendida como estágio preparatório, e não conclusivo, de uma invis gócios e às atividades que levam a ganhar dinheiro, de uma forma
tigação especificamente identificada com a captação do significado cult al,
ral subjacente à história ocidental. A conexão entre o calvinismo e o ethos capitalista apresenta-se
Essa caracterização de Weber adequa-se perfeitamente à represen rtanto, em Weber, tão indireta quanto sutil. Aqueles que, acompa-
tação de sua postura epistemológica delineada nas duas seções prev ando Samuelsson,*º presumem desaprovar a tese da ética protestante
dentes. Em suma, assinala uma nítida preocupação com a análise cal bla enfatização da pregação anticapitalista dos calvinistas não sabem
dentro de uma moldura teórica culturalista. Esta última seleciona o prolils ) que estão falando.
ma mas não isenta a investigação da obrigação de explicar (e não apos A leitura “funcionalista” também elimina críticas que não se aperce-
interpretar) através da observância inevitável de padrões lógico-cnmipl n inteiramente do quanto Weber é “estruturalista” ao identificar suas
ricos inerentes à lógica da explicação. láveis. Já que ele apresenta a conduta ascética como derivada da
Apesar disso, uma das mais prestigiosas entre as interpretações ica protestante e integrada num complexo de significados, não faz
contemporâneas daquilo que Weber pretendia na Etica protestante nlepa ntido objetar que o impulso aquisitivo preexistia à Reforma (Samuels-
que o seu objetivo não era determinar qualquer prius causal (O ascetintmi jn), nem que a noção religiosa da vocação recua aos tempos medievais
calvinista) quanto à emergência de um efeito histórico (a disseminição tobertson, a partir da sugestão de Lujo Brentano), nem mesmo que
do capitalismo moderno). De acordo com essa leitura, formulada pela catolicismo pré-Reforma já tinha ido muito longe no processo de
primeira vez de modo sistemático por Ephraim Fishoff, o que Woelwi moção dos freios tradicionais às atividade lucrativas (Fanfani). Nenhu-
perseguia era uma explicação “funcionalista”. En gros, ele teria antvv! destas objeções*! põe em risco a pressuposição de que cada um
pado a sociologia funcionalista pela detecção de correlações funcio! Estes fatores, favorecedores ou permissivos, assumiu um novo valor
(“afinidades eletivas” na própria terminologia goethiana de Weber) enti incional desde que foi conectado com o “impulso” (Antrieb) de
a economia e a esfera cultural.! ematização do moderno habitus capitalista sob um estímulo religioso
Hoje é assunto pacífico que a afinidade nuclear postulada cm 4 ic eliminara as formas prévias de sentimento da salvação.
ética protestante pode ser tudo, menos simples e direta. Weber |: Igualmente, do lado “social” da correlação, não vale a pena argu-
pretendeu a existência de uma influência direta do calvinismo « jentar que grandes empresários, pelos meados do século XVII, mesmo
a moralidade capitalista, nem esqueceu a explícita desaprovação, pi nstituindo uma elite calvinista, ostentavam um modo de vida clara-
parte dos primeiros pregadores e teólogos calvinistas, do lucro c du ente não-ascético, do qual a magnificência e a jogatina são caracte-
acumulação de riquezas. A influência era subliminar. Os calvinistas tin ticas notáveis; Weber está precipuamente preocupado com o tipo
naram-se bons capitalistas modernos (i.e., metódicos produtores de rue ethos muito diferente e bem poderia retorquir que estes magnatas

190 Isa
o”

calvinistas simplesmente não representam os capitalistas modernos & pal do seu deslanchamento (Tawney)?*
sim os tradicionais — uma espécie que ultrapassa o escopo de sua investi Além disso, que dizer se Weber, “dentro de sua própria definição
gação.** do capitalismo”, tivesse traçado um paralelo entre o temperamento calvi-
Finalmente, a interpretação funcionalista adequa-se muito | Hista e o ethos capitalista através do embutimento da noção religiosa
cautelosa rejeição weberiana de alegações escancaradamente mo py vocação “dentro da própria idéia do capitalismo”, sugerindo deste
sais. Weber não pretendia sustentar que o calvinismo fosse a cau! iodo “uma conexão entre os dois anterior a qualquer processo de de-
capitalismo. Como demonstrou brilhantemente em “A cidade” (Leco pnstração” (K. Dixon)?*
mia e sociedade, II, Cap. 9, seção 8), todo um contexto sócio-económiir De todas estas graves críticas (nenhuma das quais pode ser descar-
— uma importante atividade comercial, a separação entre emprema + tada, como foram as primeiras; sob a alegação de que constituíam gros-
vida doméstica, o “impulso” racional de uma tradição jurídica bascnda ira incompreensão de Weber), a última merece ulterior atenção neste
no direito romano — constituía clara precondição histórica à emerpén ti intexto. Pois se é verdade que a tipificação ideal de Weber n'A ética
do capitalismo moderno. vlestante efetivamente funde duas variáveis principais, é óbvio então
Não precisamos nos estender mais sobre a interpretação “funciy go ele capte a “significação cultural” às custas da explicação causal.
nalista”” da tese abordando a ética protestante. Entretanto, é po [1 efeitos, para serem autênticos, não podem estar presentes no expla-
mencionar outras linhas de ataque nesta mesma perspectiva. Para corn s. Pelo contrário, na verdadeira explicação causal, o explanandum
çar, todo o raciocínio, mesmo apresentado mais em termos de “afin ve ser passível de redução a uma variável, cujo conteúdo seja absoluta-
eletiva” do que de relação causa-e-efeito, deveria, com toda prol mente diferente do seu próprio. Se o capitalista moderno de Weber
lidade, receber sérias ressalvas devido ao fato de que o ponto de vista está inscrito na sua visão do protestante ascético tal como a vis dormi-
weberiano sobre a origem do moderno capitalista (tal como Marx, tu va no ópio de Moliêre, então mesmo como “equação funcional” sua
que diz respeito a este tópico) concede muita importância ao pu! lpsc é insustentável — quanto mais como hipótese causal.
das classes mercantis urbanas na formação do capital. Os modern O saldo líquido deste tipo de crítica é o reforço da impressão de
historiadores sociais e econômicos, pelo contrário, vêm progressivamcril: que a “significação cultural” tenha sido efetivamente buscada (não im-
se dando conta de que o capitalismo agrário (assunto que, de qualqui porta se conscientemente ou não) por Weber em detrimento dos rigorosos
forma, não é ignorado no primeiro volume do Capital) constit Writérios de sua análise causal. Se o capitalismo moderno e o protestan-
via principal da mudança econômica antes da revolução industrial," lsmo ascético constituem a mesma pessoa lógica, então o culturalismo
Mas esta é apenas uma qualificação, não uma rejeição. Por out va nítida vantagem e a obsessão historista de Weber com valores vem
lado, seria possível solapar facilmente a alegada “equação funcional primir nele o impulso pioneiro na direção de uma sociologia expla-
na tese da ética protestante através do questionamento de seus comp tória.
nentes. Seria a noção de vocação, tão central para a argumentação wclw Sem maiores surpresas, quando emerge este tipo de crítica, o deter-
riana, mais erastiana do que calvinista (Trevor-Ropper)? E se o típivi ninismo cultural reaparece. Embora a consequência da alegada falha
Griinder capitalista não fosse necessariamente o negociante calvinisti Ponceptual na tese da ética protestante corresponda efetivamente à nega-
mas um burocrata armínio, como aconteceu predominantemente na Hi o de sua identificação com qualquer perspectiva causal, o significado
landa (Wertheim)? E se, além disso, os primeiros capitalistas moderno» pultural logo vem a ser equivocadamente representado como determi-
do Norte da Europa, sendo em larga medida socialmente inabilitados Hismo cultural. Afinal, os weberianos “vulgares” poderiam muito bem
(barrados de posições de alto prestígio na corte, na política e no mun ponsiderar que Weber pretendia, não apenas uma refutação do economi-
acadêmico) tivessem escolhido a via do sucesso nos negócios principal vismo marxista “vulgar”, mas ainda uma proposição diametralmente
mente como forma de compensação, antes que como “vocação” espori posta. Não confidenciou ele a Rickert que este livro, ao estabelecer
tânea (C. Hill)? E se for possível provar que o capitalismo moderno úscetismo protestante como fundação da moderna civilização vocacio-
já estava efetivamente estabelecido (em lugares como a Inglaterra) muito nal, estava propondo uma “espécie de interpretação “espiritualista” da
antes que o calvinismo assumisse uma posição de liderança entre 01 Economia moderna” 2º Não foi a crítica do materialismo histórico o
estratos burgueses — ao passo que o puritanismo bem pode ter sid ibjetivo de toda sua vida?! E neste impulso, não terá ele sido levado
uma bem-sucedida adaptação ao capitalismo, antes que uma causa prin tomar parte naquele prolongado “combate com o fantasma de Marx”

192 193
AA

que presidia, como obsevado por Albert von Salomon, ao nascimento entre as principais fontes da tipologia weberiana da ação social.
da sociologia clássica? Mais especificamente, não é fato que estivessem Mas há muito mais que isso. Como sugerimos anteriormente, é
pairando no ar as concepções não-marxistas sobre “o espírito do capiti também possível demonstrar que num aspecto substancial — a saber,
lismo” pelo menos desde a Filosofia do dinheiro de Simmel (1900) « o desenvolvimento de uma explicação do fenômeno histórico bem defi-
O capitalismo moderno (1902) de Werner Sombart — duas obrin nido através de algumas causas sociais igualmente bem circunscritas
com os quais Weber tinha perfeita familiaridade? Além do mais, não '— o estudo de Weber parece bastante sociológico; um estudo de socio-
era objetivo expresso de Simmel oferecer ao materialismo histórico um logia histórica, se preferirem, em oposição ao que a historiografia fran-
fundamentação “axiológica”? Ao que parece, este era também o propó “cesa chama de “histoire événementielle”, e, obviamente aliás, história
sito de Weber. “cultural. Mas neste caso a história cultural seria a explicação sociológi-
Todo este cenário cheira fortemente a culturalismo. O espírito ca.
do capitalismo representa-se como vasta sinédoque culturalista — autén Talvez a condição para enxergar A ética protestante nesta luz seja
tico Zeitgeist qui n'ose pas dire son nom. À luz destes achados, críticos 0 retorno à perspectiva do próprio livro: considerá-lo como uma análise
recentes como Donald MacRae, que descobriram que A ética protestar que relaciona alguma coisa própria do início do capitalismo moderno
trata da causação ideológica, parecem oferecer mais elementos à reflexão com alguma coisa do início da moderna fé cristã reformada, a uma
do que outros, como Geoffrey Hawthorn, que ainda não pensam dessa Segura distância de “sinédoques”, empiricamente injustificadas, tanto
maneira.” “do espiritualismo como de um materialismo forçado. Um ponto de par-
Independente desta questão — isto é, se Weber acabou, ou não, tida sólido para este prudente empreendimento poderia ser o regresso
por se entregar ao determinismo cultural — mas intimamente relacionado às cuidadosas distinções de Weber entre a forma e o espírito do capita-
a ela, está o problema de definir se A ética protestante se qualifica ou lismo.”
não como trabalho sociológico. Existem estudiosos como Tenbruck « O espírito do capitalismo moderno, ao qual Weber devotou todo
Prades, que acham que sim; outros, como Rex e Torrance, discordam um capítulo de seu livro, refere-se sobretudo ao trabalho metódico mo-
— o primeiro porque sustenta que só a partir de 1908, sob a influência vido pelo desejo de aumentar os próprios ganhos a partir de um senti-
da Soziologie de Simmel, é que Weber se tornou, em Economia e socio mento de dever, originalmente de motivação religiosa. O termo trabalho
dade, um verdadeiro sociólogo; o segundo porque considera A ética cobre aqui tanto as acepções de mão-de-obra como de empreendimentos.
protestante uma obra de “história cultural” que — diferentemente À responsabilidade, derivada do dever, aplicada às atividades produtivas
de um ensaio como “As seitas protestantes e o espírito do capitalismo & comerciais, corresponde para Weber ao exercício do comportamento
— deixa flagrantemente de atender aos critérios para a análise da aço econômico elevado a uma “vocação”.
social postulados pelo próprio Weber.” A forma do empreendimento capitalista, pelo contrário, refere-se
Ainda assim, penso que é fácil responder a estas objeções sobr: ao uso lucrativo do capital, medido por procedimentos racionais de conta-
a pretensa natureza não-sociológica de A ética protestante. De um lado, bilidade, conjugados com a aquisição dos meios de produção orientados
a observância da abordagem da ação social em termos ortodoxos, signili pela realidade do mercado.
cando individualismo metodológico, é muito menos relevante para cstu Um moderno empreendimento capitalista poderia ser gerenciado
avaliação do que o cumprimento de uma lógica da explicação inerente por capitalistas tradicionais na sua forma de viver, forma de trabalhar
mente sociológica, no que se trate das variáveis envolvidas. Em segundo & forma de regular seu relacionamento com empregados e fregueses.
lugar, não parece convincente fazer o caráter sociológico da obra Inversamente, capitalistas modernos poderiam estar gerenciando negócios
“de Weber depender da influência altamente problemática — num nível tradicionais. Assim como os magnatas calvinistas de Trevor-Ropper con-
abrangente — de Simmel. Poucas coisas poderiam estar mais alheias trolavam, com espírito tradicional, empresas que eram capitalistas mo-:
ao espírito das pesquisas weberianas do que a geometria analítica di dlernas na forma, assim também Benjamin Franklin, uma figura crucial-
sociação, proposta por Simmel, ou sua estrita separação entre história ente representativa no argumento de Weber, dirigia uma gráfica de
e sociologia.” A mistura weberiana de taxinomia social e sociolopn modelo absolutamente tradicional (de fato, artesanato tradicional), em-
histórica é muito mais afim à obra de Ferdinand Toennies (1855-1936), bora estivesse inteiramente imbuído do espírito capitalista moderno.
cuja famosa dicotomia entre Gemeinschafte Gesellschaft figura realmente O professor Eldridge, que vigorosamente chamou nossa atenção

194 195
para a utilidade desta distinção no raciocínio weberiano, também ressalta
em perversidade no caso do tipo ideal do ascetismo moderno, ela propicia
a importância concedida por Weber ao papel da baixa classe média,
à crítica pensar que a postulação causal do estudo se refira a totalidades,
na Inglaterra e na Holanda, que conseguia reunir forma e espírito capita
antes que a facetas destas.!?
listas. Tratava-se de “self-made parvenus” de estratos sociais ascendentes
(não a suntuosa aristocracia comercial, tão ostensiva no século XVI)
Mas o importante é que não sofra reparos o caráter de A ética
que combinavam as técnicas do empreendimento moderno com o ethos protestante como hipótese causal solidamente construída. Pode-se alegar
do trabalho como vocação.ºº Alcançamos, desta forma, uma noção muito que se trata de hipótese “causalmente fofa”, já que suas principais cone-
xões causais envolvem correlações estocásticas antes que determinísticas,
mais clara das reais pretensões de Weber. Não se tratava tanto de explicar
salientando condições necessárias e não condições suficientes.''? Mas,
o nascimento' do moderno capitalismo (de cuja origem múltipla Webc
afinal, esta é a situação da maior parte das generalizações empiricamente
estava, se bem o lembramos, absolutamente consciente) mas de explicar
válidas em sociologia. Naturalmente, o grande feito de Weber na análise
a fonte — em suas próprias palavras — “desta energia expansiva”;”
sociológica não pode ser reduzido simplesmente ao vago reconhecimento
eis por que a existência de uma florescente “nova classe” com a têmpera
da importância de fatores “culturais”. Mais apropriadamente, esta aná-
do capitalismo moderno era tão vital para sua explicação.
lise leva a uma “tentativa de especificação da mecânica através da
Além do mais, como Weber deixou absolutamente claro, o que qual fatores culturais produzem mudança e transformação institucio-
realmente importa, do ponto de vista do fator cultural, é sua fusão
nal”.!0 Feita esta ressalva crucial, pouca razão subsiste para questionar
histórica com o ascetismo religioso, qualquer que fosse o dogma. Nesta
a fecundidade da decisão de Weber de concentrar-se em “um dos lados
perspectiva, a teologia calvinista da predestinação, reinterpretada pela satisfatoriamente extrair de
da cadeia causal”.!º* E, afinal, podemos
pregação pós-calvinista como doutrina da “graça” manifestada na forma
A ética protestante um modelo central pará a explicação sociológica.
do sucesso ocupacional intramundano, oferecia uma legitimação soterio
lógica altamente dramatizada da diligência profissional, e nestas condi É isso exatamente o que faz Raymond Boudon em sua aguda tipolo-
ções recebia de Weber carinho especial. Outras variantes, mais precoces gia dos paradigmas sociológicos.'* Na tipologia de Boudon a distinção
ou tardias, deste mesmo ascetismo intramundano, como o metodismo básica refere-se à diferença entre paradigmas interacionais e determi-
ou o arminianismo, cumpriam basicamente a mesma função no que nistas. Os paradigmas interacionais descrevem os fenômenos sociais como
diz respeito à legitimação do trabalho duro, da avareza e da industrio o produto da “composição” (termo milliano tomado por empréstimo
sidade. Pelo mesmo motivo, Weber considerava seu ensaio sobre as a Menger por Hayek) de um conjunto de ações, entendendo-se por
seitas protestantes americanas — nenhuma das quais era calvinista - ação a conduta orientada para a obtenção de uma finalidade determinada.
como ulterior evidência da validade da relação entre puritanismo e capita Os paradigmas deterministas, ao contrário, descrevem os fenômenos
lismo. Resumindo: muitos caminhos levavam à Roma da ascese ocupa sociais como padrões comportamentais determinados essencialmente por
fatores anteriores, e não por ações no sentido supramencionado. Para
cional como esqueleto da conduta econômica moderna; eventualmente,
ajudar a esclarecer melhor este contraste, poderíamos acrescentar que
mesmo a legitimação teológica torna-se supérflua: Benjamin Franklin
definitivamente não era calvinista, apenas um asceta utilitário. nos paradigmas interacionais a explicação tende a enfocar o presente
da ocorrência dos fenômenos sociais, enquanto os paradigmas determi-
Vemos agora que as “sólidas” objeções empíricas à tese da ética
nistas acentuam o passado causal.
protestante (acima, p. 192) parecem mal justificadas. De qualquer modo
Ora, de acordo com Boudon, a peculiaridade do que ele denomina
— e isto vale especialmente para os comentários de Tawney sobre a
paradigma “weberiano”” — o modelo explanatório implícito na tese sobre
problemática da “temporalidade” e da causação unilateral — é bastante
a ética protestante — consiste na sua capacidade de obter uma análise
óbvio que a maior parte dos críticos de Weber, equivocadamente, tomou
equilibrada entre a abordagem interacional e a análise determinista.!%
“uma estratégia da pesquisa como uma explicação completa”.!” Com
Pois no esquema explanatório da ética protestante, embora o resultado
certeza, o erro em parte pode ser atribuído ao caráter naturalmente
social — o habitus capitalista — seja inequivocamente referido a um
“expansivo” dos tipos ideais weberianos. A vantagem destes últimos
padrão interacional (a “regulação metódica da vida” do ascetismo moder-
é constituírem modelos plásticos, próximos à variedade da história; mas
no), alguns componentes das ações a serem explicados — digamos, a
o reverso desta capacidade de absorver o registro histórico é certa propen
estruturação das preferências dos atores, ou mesmo dos meios necessários
são ao holismo. Na medida em que a plasticidade tende a se converte:
para que obtenham as finalidades pretendidas — são considerados pode-
196 197
rosamente condicionados por fatores anteriores. Na prática, este paradip, O ascetismo uma variável independente, o espírito do capitalismo a variá-
ma, uma vez generalizado, tende a sublinhar a influência dos padrões vel dependente, e a arte de converter socialização em independência,
de socialização sobre a ação que está sendo estudada, exatamente como peculiar à formação protestante e conducente a altas taxas de “motivação
procedeu Weber ao relacionar a conduta capitalista com o peculiar modo fealizacional” apresentando-se como variável psicológica intervenien-
de vida e educação ascética dos calvinistas. te.
Como Boudon corretamente assinala, este paradigma “misto”, wc Como quer Sprinzak, o problema real enfrentado tanto por McClel-
beriano, demonstra uma validade explicativa bem superior às tentativas land como pela Etica protestante é o fato de não postular um nexo
— muito comuns, hoje em dia, da parte de algumas tendências cm direto entre idéias e ação intencional, mas sim desnudar uma conexão
moda na sociologia da educação e da ideologia — que se esforçam causal entre idéias e padrões de comportamento inter-relacionados não-
por tratar a ação social como mera consequência dos padrões de social intencionalmente. E esta, segundo penso, uma interpretação mais afim
zação. Tais tentativas incorrem no pecado do “hiperculturalismo (ile à nossa própria ênfase sobre as nuanças “mengerianas” da abordagem
gítima redução do paradigma weberiano) na medida em que apresentam de Weber à causação social, com seu olhar atento aos efeitos não preten-
a condição necessária (os padrões de socialização) de certos fenômenos didos. Também se apóia na ênfase de Eldridge sobre o tema de Franklin
sociais como se fora a causa suficiente — e ao fazê-lo abrem mão de * como exemplo eloguente do lugar ocupado pelo “paradoxo das conse-
saudável condição mista do nosso modelo weberiano da explicação: em quências” na sociologia histórica de Weber. !!º1
bora conservando sua intrínseca percepção dos determinismos sociais, Parece, pois, seguro concluir que A ética protestante é, em si mesma,
abdicam de seu não menos inestimável foco na ação teleológica. a melhor confirmação da interpretação sobre a teoria da causação social
Entretanto, o próprio fato de que o paradigma da Etica protestante de Weber, que avançamos na seção precedente. Sem dúvida, tal conclu-
possa suscitar equivocadas interpretações determinísticas revela-nos mui são não ocorre sem ressalvas. Diversamente de Menger, com quem
ta coisa sobre seu valor sociológico. Especificamente, resguarda, de foi partilhava o gosto pelo método racional e pelo papel da abstração na
ma decisiva, a alegação de que a sociologia empírica de Weber, diferentc análise sociológica, Weber estava também muito preocupado com a ques-
mente de muitas camadas de sua obra teórica, reserva bastante espaço tão da significação cultural e dos valores culturais per se. Afinal, ele
para o estudo da causação social. Em particular, a variável socialização + não era um economista neoclássico austríaco e sim um erudito historista
pressuposta pela ética do protestantismo como modelo explanatório, alemão. De algum modo, pois, é inevitável que ele fique a meio caminho
funciona como vis a tergo da ação social, exatamente como uma verda entre Menger e Schmoller, ou entre Menger e Rickert. Weber faria
deira “causa” o faria em qualquer outra relação “causal” TR questão absoluta de ressaltar que, nos tempos heróicos do puritanismo,
Tal fato milita vigorosamente contra a crítica que atribui a Webcr a acumulação de capital funcionava como instrumento visando finalidade
uma teoria “subjetivista” e intencional da causalidade social. Se se reco genuinamente religiosa, a se situava a milhas da insinuação de que o
nhece que o enfoque causal de sua investigação recai sobre o capitalismo, ascetismo puritano se reduzia a mera “racionalização” no sentido freu-
“e não sobre o puritanismo, então a única maneira pela qual a força diano (ele jamais subscreveria a iconoclástica e voltairiana sugestão mar-
da socialização da ética protestante poderia apresentar-se como moti xista de que, tão logo o “verdadeiro objetivo” de burguesia fosse assegu-
vação intencional seria no sentido que Schutz denomina weil Motiv (dis rado, “Locke suplantaria Habacuque” na ideologia burguesa...).
tinto do wozu Motiv; pois o capitalismo, como consequência do purita De qualquer jeito, em nível mais profundo da análise sociológica,
nismo, só poderia corresponder ao resultado de uma causa completamente ele também ensinou-nos a ver o ascetismo protestante como o disfarce
distinta da intenção consciente) — e nunca no sentido inverso. da racionalização. Tanto A ética protestante como a História econômica
O delineamento, por Boudon, da ética protestante como modelo geral terminam recordando-nos que o capitalismo há muito tempo tor-
de explicação sociológica converge nitidamente com a vigorosa defesa nou-se um processo independente, sólida concha já sem serventia para
de Sprinzak da “tese de Weber” segundo critérios causais e epistemoló o molusco piedoso — o ascetismo em busca de salvação que, certa vez,
gicos.'8 Ambos, incidentalmente, representam Weber como uma espécie ali residiu. Em certo sentido, é exatamente esta perspectiva de longo
de: McClelland ante litteram. A “personalidade realizadora” (achieviny prazo e longo alcance com relação às ironias da história que falta a
personality) pode na verdade ser entendida como uma paráfrase da hipó certa progênie, aliás sugestiva, da “tese de Weber”: Merton sobre as
tese sobre a ética protestante na linguagem da psicologia social, sendo afinidades funcionais entre o calvinismo e a emergência da ciência moder-

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E
Ea
na; Walzer sobre o jacobinismo dos santos puritanos; Swanson sobre rada, para não dizer injusta. Pode-se encontrar bom exemplo disso na
a correspondência entre Reforma e estados “heterárquicos” ou “limita recente discussão da sociologia weberiana da religião por Pierre Bour-
damente centralistas”.! dieu."'2 Este autor saúda a sofisticada habilidade com que Weber relacio-
Assim, se o ascetismo for bastante autêntico como sentimento reli na a simbologia religiosa com suas bases sociais, sem sacrifício de nenhu-
gioso, tanto melhor: quanto mais sincero, mais verdadeiramente parado ma especificidade. Na verdade, ele encara a obra weberiana como
xal e não-pretendida será sua eventual e amplamente secularizada conse poderosa alternativa a dois equívocos simetricamente opostos: a fraqueza
quência: a racionalização como forma disseminada de vida, em que marxista, ainda frequente, de minimizar o papel social das ideologias,
já não se carece da vocação ou de qualquer legitimação religiosa. explicando-as e exorcizando-as como meros “reflexos” da luta de classes,
Ao tentar inconscientemente proteger-se dos rigores da predesti e o costume “estruturalista” de proceder à análise da lógica interna
nação, Os puritanos e sua vocação finalmente lançaram as bases de um dos sistemas simbólicos sem remetê-los ao seu contexto social.
mundo em que nossa vida é predestinada — embora dificilmente o sc ju Um excelente exemplo da iluminadora abordagem sociológica, por
por alguma vocação. Este, aos olhos de Weber, é o principal significado Weber, destas questões, consiste na sua bem conhecida distinção entre
moral e histórico do movimento cultural mais importante de nossos sacerdotes e profetas, e a respectiva relação com distintos estratos sociais
dias: a racionalização. & ocupacionais. Bourdieu sublinha a sugestividade analítica dos insights
de Weber sobre o profeta “carismático” como portador da contralegi-
limidade espiritual, oposta à religião estabelecida e amiúde semeadora
V. A Racionalização Assume o Comando de mudança cultural e social.
Entretanto, não considero justa sua crítica a Weber, aplicada à
Procedendo ao levantamento dos textos metodológicos de Weber e de insistência deste último em atribuir a força simbólica do profeta a um
sua obra-prima de sociologia histórica, A ética protestante e o espírito om pessoal, em vez de relacionar seus dados vocacionais e biográficos
do capitalismo, constatamos que a sociologia de Weber difere decisiva com um “campo religioso” objetivo, derivado da variável estrutura de
mente de seu principal background intelectual — o historismo alemão oder subsistente entre sacerdotes, profetas e os vários grupos de apoio
Enquanto os historistas do final do século XIX eram todos expressamente cigo, cujas aspirações são vocalizadas respectivamente por uns e outros.
culturalistas e, desta forma, permitiam que sua hiperpreocupação corn Poisé exatamente isso o que sugere uma cuidadosa leitura seja das
“valores culturais” se imiscuísse em qualquer interesse autêntico na lógica seções relevantes da Religionssoziologie em Economia e sociedade, seja
da explicação sociológica; Weber era um historista diferente, que combi do ensaio mais completo sobre a ética econômica das religiões do mundo.
nava um agudo interesse pela significação cultural e pela unicidade do Nestes textos Weber ressalta com frequência a conexão entre o papel
histórico e um nítido compromisso com padrões científicos e com a dos profetas e a demanda por legitimidade por parte dos grupos sociais
análise causal dos fenômenos sociais. “mais sofridos."
Mas enquanto sua sociologia histórica e sua lógica das ciências histó Assim, ao que parece, o emprego por Weber do conceito de carisma
ricas manifestam este pendor científico, e efetivamente constituem abo! nos contextos históricos mais antigos de sua sociologia da religião não
dagens das mais promissoras no campo da pesquisa sociológica, st adece particularmente de qualquer fraqueza de percepção sociológica.
sociologia política, ou seja, a parte de sua obra teórica que apresenti mente, mesmo suas mais interessantes abordagens da dimensão
uma tipologia da dominação legítima, é deficiente, ouso dizê-lo, quanto política retomam persistentemente o emaranhado conceitual e a falta
a estes mesmos altos padrões de lucidez e realização convincente. [ini de substância sociológica do original weberiano. As tentativas de expli-
vez disso, e a despeito do inegável valor analítico de alguns de seus tação política, aplicadas a algumas antigas colônias africanas, através
elementos, como é o caso da abordagem da burocracia, esta parte parece do conceito de carisma, elaboradas por estudiosos tão destacados quanto
amplamente afetada por uma endêmica falta de profundidade socio Wallerstein, Apter e Runciman, foram todas justamente exprobradas
lógica. por sua incapacidade até mesmo de depreender o significado da suposta
Considere-se, por exemplo, o conceito de carisma. Já nos estende manifestação do carisma. Como bem observou Claude Ake, as tentativas
mos bastante sobre suas graves deficiências conceituais. Por outro lado, de explicação de uma suposta solidariedade em torno de líderes como
devemos admitir que, em alguns casos, a crítica é gratuitamente exago Nkhrumah, na transição do tradicionalismo para a modernidade, recorre

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a um conceito — o de legitimidade carismática — que efetivamente democrática, mesmo assumindo-se o evidente posto de observação adota-
já presume a existência da solidariedade." Como explicação, a teoria do por Weber: a equação legitimidade = crença numa justificativa para
do carisma se desfaz em tautologia; como descrição, em geral se apóia governar.
em pressuposições inseguras. Tocamos aqui o coração do nosso problema. Há, na verdade, fortes
Quanto às recentes tentativas de explicação do mistério do carisma, evidências em prol do argumento de que a falta de profundidade socioló-
partindo da conjetura de que ele reflita o valor “centralidade” que supos “pica de boa parte da teoria weberiana da legitimidade decorre de ela
tamente deve alimentar toda vida social,''S parecem igualmente mal ser demasiadamente frequentada pelos aspectos mais questionáveis de
fundamentadas. Claramente, a postulação do valor “centralidade” ex sua filosofia pessoal da história.
posta por Shils é bastante trôpega, lembrando um funcionalismo infun Weber sempre se opôs vigorosamente à concepção linear do desen-
dado. A idéia de que o carisma representa um fantasioso valor centrali volvimento histórico, mas acabou por formular uma das teorias mais
zado, apenas empresta a uma pressuposição arquiculturalista a duvidosa “Qusadas, entre todas as deste tipo; definitivamente, concebeu a história
dignidade de dogma funcionalista. ."'$
como palco para o “irresistível avanço” da racionalização
Podia-se objetar que Weber não é responsável por estas infortunadas Tá verificamos como a perspectiva meio-fim engloba para Weber
manipulações de seus conceitos. Vale indagar, então, se ele próprio um autêntico isomorfismo entre o método sociológico e seu objeto,
teria empregado a noção de carisma político de forma mais compen à ação social. Manifesta-se agora outra relação igualmente isomórfica
sadora, do ponto de vista analítico. Temo que a resposta seja negativa entre a ação instrumental e a evolução histórica, tal como Weber a
— aparentemente não por causa de equívocos de ordem empírica, mas concebe.
devido a falhas conceituais, em última análise relacionáveis a (para não A racionalização significava para Weber, acima de tudo, a dissemi-
dizer determinadas por) estapafúrdias conjeturas metafísicas sobre o nação geral da ação instrumental, afetando universalmente todas as esfe-
homem e a história. Tas do esforço social, em sua crescente hegemonia sobre os demais tipos
De vez em quando, estas dificuldades conceituais chegam a coloca: de interação. Mas em seu significado histórico-antropológico mais amplo,
Weber em contradição consigo mesmo. Observe-se sua descrição do tal como transparece no prefácio à Sociologia da religião, no qual mais
carisma político no que lhe parecia seu moderno avatar característico de um exegeta desde Karl Loewith se inspirou para traçar a representação
— a democracia “cesarista” ou “plebiscitária” (ver pp. 112-113). A da mundividência weberiana,!” a racionalização aplica-se, do mesmo
idéia em seu todo afigura-se muitíssimo a uma imposição da filosofia modo, ao conhecimento, à sociedade e à política.
weberiana da história, com seu “individualismo aristocrático” nietz No âmbito do conhecimento, a racionalização como ciência implica
schiano, sobre a própria teoria política de Weber, terminando por contra “O “desencantamento do mundo” — a assimilação do universo a um
dizer suposições básicas do próprio conceito weberiano de legitimidade “amplo mecanismo causal, desprovido de alma. Através do Entzauberung,
Este último baseia-se, como já vimos, numa variedade de justificativas “conceito crítico tomado do classicismo de Schiller, a ciência moderna
para governar e na aceitação destas como matéria de crença por parte secretamente cumpria a maldição lançada sobre todas as formas de Krea-
das pessoas sujeitas ao poder. Ora, um típico líder da democracia plebis lurvergótterung por aquele velho antianimismo, aquele duradouro des-
citária como Gladstone (exemplo preferencial de Weber) poderia certa prezo do cosmos, inerente ao substrato gnóstico do cristianismo enquanto
mente apresentar-se como candidato ao status de liderança carismática fé na transcedência.
— naturalmente, apenas para seus adeptos e seguidores. Mas a questão No âmbito da sociedade, a racionalização significa primeiramente
é exatamente esta: como governante democrático, ele vem a ser conside “O império da regularidade e de uma eficiência incomparavelmente maior,
rado governante legítimo pela população inglesa, liberal ou não liberal, O império da escolha impessoal do meio disponível mais adequado à
por conta de uma justificativa muito diferente: o fato de ter sido legalmente execução de uma dada tarefa, pouco importando sua racionalidade (ou
eleito. Nesta medida, portanto, a democracia plebiscitária, atualização falta da racionalidade) substantiva. O desenvolvimento da economia de
weberiana da dominação carismática, é mera dialética de seu Kulturpes mercado, inclusive do mercado de trabalho, supostamente corporifica
simismus — uma ficção derivada do desejo que impulsionava sua “herói “esta tendência social na economia.
ca” resistência à marcha do burocratismo. Pela mesma razão, entretanto, Na política, Weber encarou a racionalização principalmente como
dificilmente corresponderia a uma representação objetiva da realidade consequência de uma estatificação provocada especialmente pela expan-

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são do mercado. Na medida em que cresce o poder econômico da burgue Nível suplantação da herança, da transmissão e da presunção como formas
sia, esta classe se torna profundamente interessada na pacificação gencra sociais exclusivas de recepção e conhecimento. Como tal, denota um
lizada da vida social, o que só poderia ser assegurado através do mono padrão inteiramente diferente de legitimação da conduta social — embo-
pólio da violência nos limites de um território sob controle do estado. ta, é claro, não inteiramente diferente daquele que legitima a cultura
A estatificação, por sua vez, vem a significar o crescimento da ordeni tradicional.
legal, e daí do tipo de dominação legítima que, como já vimos, é 0 Por outro lado, o reconhecimento da verdade da racionalização
que mais se aproxima da ação instrumental na sociedade como um todo tomo representação geral não isenta Weber de que se lhe atribua o
como um todo. pecado do exagero, nos níveis tópico e temático. No nível tópico, há
À luz do tema da racionalização, o capitalismo se apresenta como uem sustente que Weber exagera certos aspectos sociais da raciona-
força histórica excepcionalmente poderosa (a “mais fatal” das tendências zação, como a relação entre a mobilidade do trabalho assalariado e
históricas, de acordo com Weber), já que constitui aquela que se adequa, 1 racionalidade como eficiência econômica. Tal como Marx, Weber en-
mais que qualquer outro sistema econômico, ao padrão da racionalidade Xergava esta relação como componente essencial da economia moderna:
instrumental.!”? Na perspectiva de Weber, o capitalismo triunfou poi pensava que apenas uma força de trabalho altamente móvel, disponível
causa de sua intrínseca afinidade com a racionalização, e não o contrário iicada deslocamento de emprego ditado por variações da taxa de lucrativi-
Pois, diversamente de Marx, embora Weber liberalmente reconhecesso ilade, podia ser inteiramente compatível com o primado da racionalidade
a importância do trabalho assalariado na constituição da ordem capita ineio-fim na vida econômica. Entretanto, nos países industriais avança-
lista, na verdade preferia enfatizar a racionalidade dos procedimentos dos, constata-se que a mão-de-obra “não é muito móvel, nem do ponto
técnicos e contábeis do capitalismo, antes que suas características como le vista geográfico nem do ocupacional”? e tende a integrar-se cada
um sistema de relações de produção. O capitalismo era a tendêncin Vez mais às outras dimensões da vida. Se este é o caso, a livre flutuação
decisivamente racionalizadora entre várias tendências da história, c 11 dlo trabalho assalariado de Weber não persiste como traço característico
racionalização permanecia como o destino geral da civilização, legado (la sociedade industrial racionalizada.
pelo Ocidente ao mundo moderno como um todo. Podia-se mesmo indagar se os países industriais avançados não serão,
Apesar da tremenda importância que lhe concedia, Weber jamais à este respeito, mais diferenciados entre si do que esta crítica faz supor.
sustentou que a racionalização fosse uma “lei histórica”. Era altamento A mobilidade da força de trabalho é genericamente mais modesta na
desconfiado dos historicismos de leis históricas (Historicismo I, em nossa Inglaterra e no Japão que nos Estados Unidos, tanto em escala geográfica
tabela da p. 157, considerando-os perfeitas “emanações” metafísicas,! tomo ocupacional. Entretanto, resta pouca dúvida quanto à visível ten-
No máximo, encarava-a como tendência histórica geral (e assim escapou lência de reancorar o trabalho no mundo “exterior”, a longo prazo
à demolidora crítica popperiana aplicada às leis históricas formuladas mas desde já à vista. Talvez estas duas questões — mobilidade e segre-
por Comte, Marx, Mill e Toynbee). Bação trabalho/vida — sejam menos interdependentes do que pode pare-
Além disso dificilmente se poderia negar o valor descritivo da tc
dência à racionalização. A teoria sociológica jamais encontrou palavri O exagero temático de Weber quanto à racionalização merece ainda
melhor que “racionalidade” para designar a substituição dos hábitos mais amplo questionamento. De acordo com Ernest Gellner, Weber
tradicionais na regência da conduta social. É claro que mesmo a sociedadi le certo modo sociologizou a concepção kantiana da racionalidade.'3
moderna “racionalizada” e “desencantada” ainda se nutre de numerosas Aquilo que o filósofo considerava atributo universal da mente — a racio-
tradições. Entretanto, aquilo que visamos ao declarar que determinada nalidade —, Weber, o sociólogo, identifica a certo tipo de homem vincu-
sociedade deixou de ser tradicional não é que ela tenha abandonado lado a certo estilo de vida, em certo cenário histórico — o homem
toda tradição ativa. Tudo que queremos dizer, para nos valermos «hi Deidental, mais especificamente, o homem moderno, filho do Ocidente.
substanciosa formulação de J.G.A. Pocock, é que, na auto-imagem dh Semelhante concepção parece muito plausível como interpretação
continuidade da vida “destas sociedades”, a “herança” não é mais consl lo pensamento de Weber. Apóia-se particularmente em várias de suas
derada “a única forma de recepção, a transmissão não é mais a única idvertências específicas, tais como aquela relativa à crença no valor
forma de ação, nem a presunção a única forma de conhecimento”! da verdade científica com alguma coisa restrita a certas culturas, não
A racionalização weberiana baseia-se sobretudo na percepção da irrevci inerente à condição humana em todos os tempos e lugares.* O que
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pr
se pode indagar, entretanto, é se a sociedade moderna é realmente ti fi verdadeiro horizonte da burocratização, escreve Weber em sua famosa
desencantada quanto Weber supunha. Não será óbvio a esta Punferência sobre o socialismo, significa o “domínio dos meios sobre
duas gerações após sua morte, que aquilo que alguns apres no lins”. Afinal, a suprema “prova da sabedoria” de Weber consistia
denominam “sociedade tecnológica” está literalmente ferv pm ter-se apercebido daquilo que o ingênuo utopismo de Marx não
credos extáticos, tendências irracionalistas e um crescente clamor cm svendara — o fato de que além da maturidade do capitalismo não
prol da subjugação da técnica? E mais, é de se observar que estas oras à liberdade real, só a “camisa-de-força” de uma nova servidão sob
de desrazão estão firmemente entretecidas na tela da sociedade. () mu E jugo da burocracia.
mento do tempo para o lazer e a disseminação da permissividade parecem Deste modo a racionalidade, que uma vez mais ele tomava como
encorajar tudo isso. Que significa tal coisa? Em certa medida, este surtiu | essência prática da liberdade humana, vinha ameaçar a liberdade dos
de anti-racionalismo é verdadeiramente libertário. Apesar disso, mesm homens reais.
nesta condição, representa também a emergência, ou a consoli( Dentro deste horizonte de burocratismo “egípcio”, mutilador, ad-
do que Gellner denomina “culturas irônicas”:!” ou seja, movir rte ele, uma “petrificação mecanizada” haveria de prevalecer e o
culturais que se opôem ferozmente à sociedade racionalizada pus atus criativo da individualidade carismática jamais refloresceria. O
inconscientemente rendem-se a ela todo o tempo, quando quer «ju nto mais saliente da mundividência weberiana está na passagem abrup-
assumam problemas sérios, saúde e produção principalmente. De | do tema de que “a racionalização assume o comando” para o motivo
que a tese da racionalização de Weber nem chega a ser simplesn que “a racionalização deu errado”. Não mais profetas, nem comuni-
desmentida nem completamente confirmada — permanece essencial des; nunca mais o brilho da aventura cultural da criação de valores
mente verdadeira, mas sofrendo importantes qualificações. apenas uma “noite polar de escuridão gelada”,!” ou, ainda pior,
O enfoque das “culturas irônicas” concede-nos um excelente vis crepúsculo das mentes tacanhas, da eficiência protocolar a sangue-frio
lumbre de outros aspectos, mais metafísicos, da concepção histórica dl um planeta de conscienciosos pequenos funcionários (pouco impor-
Weber. Pois o fato é que, acentuando o papel histórico da racionalização ndo quão alto fosse seu cargo ou amplo seu poder).
ele fez (e em certa medida, confundiu) duas coisas muito diferentes Tal é o Kulturpessimismus de Weber — um dos mais sombrios
A primeira é uma poderosa percepção da tendência da cultura modern e sua época, mais sombrio mesmo que o de Spengler, pois pelo menos
como um todo — uma retomada criativa que é também a culminação que Spengler proclamava era a decadência ocidental, enquanto o que
da linhagem reflexiva de Maine-Gierke-Toennies sobre o passamento eber antevia era uma infinita idade glacial para toda a humanidade.
da sociedade tradicional. A outra é uma filosofia da história altament: liás, se alguma coisa diferencia o seu pessimismo cultural dos pensa-
problemática. dores apocalíticos mais recentes, como os denegridores das sociedades
Se bem recordamos, o capitalismo era para Weber a primeira + (le massas reunidas na escola de Frankfurt (que, por sinal, Weber influen-
decisiva dinâmica da racionalização. Entretanto o capitalismo, a viou amplamente), é exatamente a tonalidade hibernal do cenário webe-
ver, não era, absolutamente, a única grande manifestação institucional flano do fim do mundo, em contraste com as cores gritantes dos demais.
da Rationalitát. Mais velha que ele (já que, de fato, precede à economiu Onde ele anteviu uma ruína íntima, eles profetizavam aberta barbárie
monetária), e mesmo mais provável de assenhorear-se do futuro, depara = e efetivamente sobreviveram a uma, a saber, o nazismo. O apelido
va-se outro grande tipo institucional: a burocracia. Em certa medida, que Lukács deu à escola de Frankfurt: Grande Hotel Abismo — dificil-
pode-se dizer que assim como o início do período moderno correspor mente caberia na atmosfera desolada porém sóbria das perspectivas de
para Weber proeminentemente à emergência do capitalismo, a madura Weber sobre a civilização. Seu Kulturpessimismus não era exatamente
modernidade, com que ele conviveu, correspondia à idade do burocrh um catastrofismo estridente.
tismo.!26 Por que sustentou ele tão sombria perspectiva de evolução histó-
Mas o governo da burocracia, embora embasado naquele próprio rica? Esta resposta tem a ver sobretudo com os preconceitos de sua
tipo de ação — Zweckrational — que melhor expressava a liberdade, reflexão sobre a legitimidade. Verificamos como o pessimismo de Weber,
terminava por frustrar a liberdade. A burocratização generalizada signifi em última análise, fê-lo derivar de uma profunda desconfiança quanto
cava uma sempre crescente arregimentação dos homens, a sufocação ao burocratismo para uma concepção argutamente seminal do crucial
das individualidades convertidas em simples zeros na máquina social problema do poder do estado na sociedade moderna, largamente contro-

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Aa

lada pelo estado. Apesar disso, é importante distinguir: uma coisa « VI A Nêmese do Culturalismo
ser crítico da burocratização; outra, muito diferente, é identificar o avan
ço da burocracia com uma inexorável viagem a uma waste land históric a Já sugerimos que a teoria da dominação legítima é, em larga medida,
ou melhor, “epocal”. A alta crítica weberiana à burocracia está lonp * O nó cego da sociologia de Weber. Também constatamos que o conceito
de confundir-se com a amplificação da preocupação de um ombudsman * de carisma, o punctum dolens da teoria da legitimidade weberiana, situa-
antes, corresponde a uma inconfessa filosofia da história, ainda 1
se no cerne de sua mundividência e de sua avaliação do processo histórico.
irônica porque obstinadamente sussurrada por alguém que era extraorli O que nos resta fazer é tentar levantar razões para estes fatos.
nariamente desdenhoso da respeitabilidade intelectual das filosofias du Iniciamos pela esquematização geral da posição de Weber quanto.
história. “à problemática dos valores. Como já foi assinalado, o historismo alemão
Não estaremos, porém, exagerando, por nossa vez, a importânc In “do final do século XIX, que fornecia o principal background a partir
de sua obra sociológica propriamente dita? Afinal, as advertências do qual Weber desenvolveu sua própria sociologia, estava fortemente
e tiradas de Cassandra contra os males da burocratização ocorrem no “comprometido com o culturalismo, isto é, com uma esmagadora preocu-.
escritos políticos, não em seus discursos científicos “wertfrei” (despo pação em torno dos “valores culturais”, alheia à abordagem sociológica
jados de valores). Em Economia e sociedade, o tema da burocracia e, em última análise, hostil à ciência.
é atacado de maneira analítica inteiramente circunspecta e visivelment: Ão sustentar o papel da “relação com valores” dentro do corheci-
esvaziada dos presságios moralistas de suas conferências engagées. |'01 mento histórico, Weber inscreveu sua sociologia na moldura do histo-
que não respeitar, então, estas diferenças em tom e intento, e pari Tismo. Ao mesmo tempo, entretanto, advogava e praticava, dentro da
com a celeuma a propósito do pessimismo cultural de Weber? O análise sociológica, o “método racional”, lógico, empírico, próprio da
sabe não será este pessimismo uma espécie de “móvel de época” perc Ciência; efetivamente pode-se considerar que seja ele quem tenha feito
na sua reflexão — e que poderíamos descartar sem perda real? às pazes entre o historismo e a epistemologia científica, sendo o maior
benefício desta reconciliação seu trabalho pioneiro na área da análise
Infelizmente a resposta só pode ser negativa. Como já se insinuou Causal da operação dos valores na história — em outras palavras, o
a maneira pela qual a Weltanschauung de Weber condiciona algun seminal deslocamento da “problemática dos valores” para o nível do
partes do seu trabalho é inevitavelmente perniciosa. Chega a funciona objeto, aberto ao exame científico.
em alguns pontos como interferência crucial, não como dispensável fon: O mais duradouro legado de Max Weber consiste precisamente
de inspiração. E em nenhum outro lugar prevalece mais notavelmente hesta sublimação do historismo em sociologia. Apesar disso, descobre-se
que em sua sociologia política, dominada como o é pelo conceito mil em seus escritos, ao lado de realizações maiores, uma impressionante
queísta de carisma, convertido em hipóstase da Liberdade. lramatização, vigorosamente formulada, da problemática historista dos
Valores, centrada em torno de uma visão histórica segundo a qual a
A racionalização — a disseminação da ação instrumental pelo tecido triatividade do carisma e a repressividade do burocratismo eram os gran-
de vida social — veio a ser o Leitmotiv da criptofilosofia da história (les antagonistas de sombrio embate maniqueu — combate incessante
weberiana. Mas engloba também o background moral do dualismo c em sua essência, mas que, afinal, tendia a uma crescente exaustão do
ma-versus-burocracia e o poderoso jugo metafísico da discussão wely Carisma. Como a época moderna abriga o crepúsculo da energia carismá-
riana sobre a legitimidade. Neste ponto, as regras do culturalismo nv lica, Weber a considera como a terra desolada do Kulturmensch. A
sofrem oposição e a explicação sociológica, proposta por Weber, pioncitá entropia do carisma (como Parsons denomina este processo) dá o tom
em outros momentos, parece realmente esmagada por uma forma apud à sua visão da história.
desta desconfortável ambivalência como relação à cultura moderna qui A escrupulosa preocupação de Weber de que a pesquisa e o ensino
como dissemos (acima, pp. 162-163), assombra, como um íncubo, o histo se desenvolvessem “werifrei” derivava, como já foi demonstrado, tanto
rismo fin-de-siêcle. Seria possível explicar esta incidência específica atra dlo seu desejo de manter os valores fora da ciência como da determinação
vés de algumas características bem definidas do autor, seu país, sd le assegurar perfeita objetividade analítica (ver acima, p. 167): Sua
era? Ao avançar algumas sugestões neste sentido, a presente investigação postura era autenticamente kantiana, inteiramente consciente do cisma
espera: cumprir seu programa e, desta forma, despedir-se de Weber. entre conhecimento e moralidade. Ora, o que eu desejaria sugerir é
208 209
Ea
que, não obstante toda sua consciência desta segregação, boa parte di da vida pela forma. Entretanto, é próprio dos tempos modernos que
obra científica weberiana, inclusive a dimensão onde supostamente pre o homem progressivamente se sature da forma e se incline maximamente
valeceria o despojamento dos valores, encontra-se efetivamente incrus a valorizar a vida an sich. Em consequência desta mudança de disposição,
tada nas paixões da crítica cultural e moralista. O agon do carisma Nietzsche tornou-se o grande advogado de uma corajosa e sanguínea
versus burocratismo foi o reflexo principal de um infatigável dualis revolução moral, baseada nos valores vitais. Entretanto, embora profun-
mo, dilacerado entre a impessoalidade científica e o pathos dos viescs damente impressionado pela veemência do profetismo nietzschiano, o
e preconceitos, através dos quais, expressando um drama pessoal aguda moralista em Simmel permaneceu por toda sua vida um espírito dividido.
mente sentido, Weber pagava os tributos devidos aos temores de sus A sua era uma Lebensphilosophie de estilo decadente, enfatizando o
classe, seu país e seu tempo. drama da individualidade dilacerada entre cultura e nostalgia, entre o
Em certo sentido, quando Weber chegou, poucos anos antes di sentido de civilização e um senso de exaustão.
Grande Guerra, à noção de carisma e à concepção de história moderna Apesar de importantes diferenças em relação à sua abordagem da
como a vasta entropia do carisma, o Kulturpessimismus pairava defini: sociologia (ver acima, p. 194), Weber, sem sombra de dúvida, aproxima-
vamente no ar. Como elemento “atmosférico”, altamente típico do deca va-se de Simmel no enfoque do problema da identidade e da forma.
dentismo, recebera de Simmel uma formulação sutil e sedutora: a “trapc Considerava a racionalização como uma espécie de tragédia cultural,
dia da cultura”. Para Simmel, cada crescimento da cultura humana impli uma “revolta dos meios” contra o animal indireto — o Kulturmensch.
cava progressiva complicação da ação teleológica. Quanto mais rica se Retomou o tema marxista da alienação como consistindo na independência
tornava uma cultura, mais necessitava ela de alcançar seus fins atravcs dos meios socialmente organizados em relação aos fins individuais —
de meios indiretos e complexos. Da trindade desejo, meios e fins, 0 formulação patentemente simmeliana, que mesmerizou todos os seus
segundo elemento convertia-se em vacilante cadeia de instrumentos, exegetas, de Loewith a Giddens.!º
aparatos, veículos e operações. Assim, die Technik, soma e série dos Por outro lado, Weber não conservou os elementos que, em Simmel,
meios disponíveis à vida cultivada, terminava por ser o contéudo da mitigavam o pessimismo cultural — o otimismo liberal quanto à evolução
valoração e do esforço humano, sitiado por uma legião de instituições social (em contraste com a evolução cultural), celebrando a disseminação
e empreendimentos cujas finalidades últimas simplesmente se perdiam do individualismo que era, para Simmel, a superestrutura moral da eco-
no processo. O homem vem a ser, mais que nunca, “o ser indireto”. nomia monetária.'! Para Weber, entretanto, o individualismo estava
O homem moderno, assediado “por inumerável quantidade de elementos perigosamente ameaçado pelo moderno arranjo social e a verdadeira
culturais, que nem são significativos nem desprovidos de significado, individualidade acabava sendo progressivamente forçada a expressar-se
em última análise” acaba por alienar-se dns produtos de seu próprio in pianissimo — numa escala bastante intimista, de laivos escapistas.
!*
espírito, e experimenta assim a amarga “tragédia da cultura”! — pois Na sociedade em geral, a sombria perspectiva de uma “massa de especia-
trágico é o relacionamento em que a destrutividade contra algum sc! listas sem alma, e de sensualistas sem coração” (conforme a profecia
é convocada pela própria natureza deste mesmo ser. de Goethe) deixavam pouco espaço para o triunfo da individualidade;
A culturologia “trágica” de Simmel, no fundo, nada mais era que antes, o crepúsculo cultural ia de par com a redução dos indivíduos
uma versão do “paradoxo das consequências”. Caracteristicamente, cle ao papel de simples “zeros na máquina”.
discute extensamente este último conceito no Capítulo 3 de sua Filosofia Além disso, seu Kulturpessimismus não era apenas mais abrangente
do dinheiro, onde analisa “a conversão psicológica dos meios em fins” — era também muito mais intransigente em temperamento. Diferen-
Essa idéia era, de qualquer modo, uma espécie de topos do pensamento temente de Simmel, com seus sentimentos ambivalentes em relação à
da Europa Central no fim do último século: Wundt popularizara a expres “ilimitada impressionabilidade” das idades decadentes, Weber partilha,
são “heterogeneidade dos fins” e Menger, como já vimos, transformou com profundidade, uma crescente impaciência quanto ao relativismo
a ocorrência dos “efeitos não-pretendidos” da ação intencional na chave que levou vários historiadores, desde Droysen até seu amigo Troeltsch,
de seu ataque ao historismo. Mas é com Simmel que o “paradoxo a rebelar-se contra as implicações quietistas da complacência rankiana
das consequências” perde o róseo tom smithiano da economia marpi (mais tarde diltheyana) quanto à “hipertolerância” moral. A este respei-
nalista austríaca e assume os sombrios matizes do Kulturpessimismus. to, a transição de Simmela Weber equivale, na filosofia moral, à evolução
Simmel encarava a cultura como um modelamento, sempre mutante, Dilthey-Husserl na teoria do conhecimento. Pois assim como, no caso

210 2
do conhecimento, a fenomenologia husserliana tentou submeter a varic mente compatível com a moralidade aristocrática do super-homem, difi-
dade das Erlebnisse diltheyanas à certeza axiomática da redução “eidc cilmente combinaria com a metafísica de Nietzsche. Nesta última, a
tica”, na filosofia moral o ímpeto weberiano de sustentar o compromisso vontade-de-poder, com toda sua pluralidade essencialmente antropo-
do pensamento substituiu a impressionabilidade de Simmel pelo austero mórfica (oposta à monística Wille de Schopenhauer) funciona como voli-
(
ideal de uma “ética da responsabilidade” Verantwortungsethik).' Nos ção sem sujeito. Poucos pensadores foram mais depreciativos que Nietz-
dois casos, a sensibilidade decadente cede a vez ao ethos puritano da sche quanto à alegada identidade e consistência do ego; neste ponto
reconstrução responsável (processo cujo análogo musical corresponde ele é muito mais precursor de diversas filosofias contemporâneas do
à substituição do luxuriante cromatismo de Mahler pelo construtivismo eclipse do sujeito (desde Ryle até Foucault) do que da noção de carisma,
de Webern). tão ligada ao conceito de personalidade. (Observe-se que estes comen-
tários não se aplicam à teoria weberiana da ação social que, diversamente
Possivelmente o maior propulsor do retesamento do pessimismo
da carismatologia, não se fundamenta em uma metafísica do sujeito.)
cultural weberiano no ethos proto-existencialista do “engajamento” foi
a apaixonada arremetida contra o decadentismo deflagrada por Nictz Em segundo lugar, a atitude de grande seriedade de Weber com
sche, numa histeria tipicamente “decadente””. Há evidências de que We
relação à religião parece basicamente alheia à perspectiva neo-iluminista
ber se tenha interessado por mais de uma das principais obras de Nictz do homem que escreveu O anticristo e O crepúsculo dos deuses. Onde
sche e mesmo por algumas eruditas discussões sobre o grande filósofo este último preferia escarnecer do sacerdote, o primeiro preferia exaltar
cuidadosamente, Schopenhauer und Nietzsche, de o profeta. Onde um desmascarava a vontade-de-poder das igrejas, o
(leu, por exemplo,
outro preferia celebrar o caráter inovador do pneuma das seitas. Em
Simmel). De fato, motivos nietzschianos ecoam mais de uma vez nú
consequência, ao invés de representar o ethos “plebeu”, quer dizer,
orquestração da própria Kulturkritik weberiana. !º As restrições quanto
alma”; o louvor do ascetismo
* burguês, à luz desfavorável de baixos e ardilosos ressentimentos, !º8 We-
aos Fachmenschen, “especialistas sem
ber apresentou-o como angústia soteriológica racionalizada numa dignifi-
como disciplina existencial; a já mencionada desabsolutização dos valores
cada vontade-de-sucesso.
em competitivas valorações não-transcendentes (vide p. 166); e, sobre
Weberianos “heréticos” como Fleischmann convidam-nos a encarar
tudo, o aristocrático individualismo do código moral de Weber, trazem
a tipologia weberiana da dominação legítima como uma espécie de apên-
a marca radical da perspectiva 'transvalorativa” do autor de Assim falou
dice sociológico a Nietzsche — a própria reflexão moral de Weber sendo
Zaratustra. Assim -como Nietzsche queria posicionar a razão, produto
* enfocada como basicamente derivativa — como se fora a tradução socio-
da mente “plebéia”, contra a cultura da plebe e sua niilística moral
lógica e política da Kulturkritik nietzschiana.'*º Não será estranho, entre-
de rebanho,!*º Weber pretendia aplicar a análise científica, produto ascé
tanto, que o moralista da vontade-de-poder jamais tenha desenvolvido
tico, ao desencantamento do mundo, de modo a denunciar a agonin
uma filosofia política? Não será revelador que não tenha mais que aflora-
da liberdade e da criatividade na “noite polar” do inverno do carisma
“do a crítica das idéias políticas — democracia, socialismo — num nível
Após a crítica axiológica de Nietzsche, só restava à ciência refugiar-se
de análise definitivamente moral? O próprio fato de que foram neces-
no valor-verdade “interno”, meramente funcional, sem qualquer ilusão
objetivista quanto ao valor substantivo da verdade como um absoluto Sários os piores equívocos nazistas para converter Nietzsche em pensador
— como já vimos, a reformulação por Weber da rickertiana relação-corn político deveria alertar-nos contra qualquer veleidade de enxertar uma
valores envolvia a rejeição do objetivismo e absolutismo dos valores, teoria política em sua percepção eminentemente moral.
bem como a sustentação de um conceito puramente funcional da ciência O poder político, pelo contrário, reside no próprio coração da Welt-
como modo de conhecimento regido por proposições sensíveis ao valo! anschuung de Weber. O carisma naturalmente politiza a cultura tal como
verdade. !º” “Sua antítese, o burocratismo. Neste sentido, a dominação pode e deve
Entretanto, o paradigma nietzschiano do filósofo — um agitado! ser considerada uma espécie de “rizotemática” da concepção weberiana
que é também um legislador, como Zaratustra — concedia pouca impo! do homem e da história — e a dominação como (valor da) cultura equivale
tância ao despojamento (interno) dos valores da ciência, tão prezado pol à legitimidade.
Weber. Registram-se pelo menos duas outras importantes discrepâncias Tanto espaço ocupa a teoria da legitimidade na sociologia teórica
em relação ao nietzschianismo “ortodoxo” na mundividência de Weber “de Weber (em contraste com suas pesquisas histórico-comparativas e
Primeiro, o extremo individualista da idéia de carisma, embora perfeita seus escritos metodológicos) que parece ser bastante seguro pensar que

212 213
ele tenha sustentado uma orientação socialmente partilhada da ordem ção”, o sujeito weberiano da livre-escolha tende a transformar-se em
legítima como fonte crucial do significado originador de regularidade» imutável destino. Não admira que a história tenha parecido a Weber
sociais.'º É verdade que esta interpretação tem sido criticada!!! como uma lenta e inexorável prevalência do fado sobre o caráter. Tal é o
excessivamente parsoniana. Não obstante, semelhante crítica tende 1 enredo de amarga saga do carisma: a história da falta de liberdade que
negligenciar dois pontos. Primeiro, que Parsons jamais concedeu impor se origina da liberdade.
tância às relações de poder — na verdade, ele sempre impediu-se di Eis por que o moralista em Weber torna-se ao fim, como diz Cohn,
fazê-lo, em virtude de sua postura caracteristicamente consensualista um tardio Maquiavel amargurado, lutando em favor de virti já que
(Ressalta, como Shils ainda o faz, uma abstrata “comunhão de valores a ardilosa Fortuna se convertera em destino inelutável.'*
antes que o reconhecimento do poder: além disso, encara o poder mas A conjuração do carisma vem a ser então a exasperada resposta
como “meio simbólico” que permeia todo o “sistema social”, do que de Weber ao seu sentimento de ruína histórica final. Considerando-se
como uma relação potencialmente coerciva.) Em segundo lugar, Webci o papel desempenhado pelo irracionalismo na política alemã subseqiuen-
em Economia e sociedade concede à denominação (legítima) um lug te, é tentador relacionar esta nebulosa noção favorita — sua sinistra
fundamental na implementação das regularidades sociais (ver o Capítulo ancestralidade representada pelo culto-do-herói carlyliano, sua auto-evi-
Seis). dente e quase completa cegueira sociológica, aos credos políticos expressa-
Por outro lado, é duvidoso que a dominação legítima desempenhe mente reacionários. Na verdade, a prática política pessoal de Weber
papel tão crucial na viabilização das regularidades sociais dentro da infirma esta avaliação. Embora suas convicções imperialistas tenham sido
sociologia de Weber. Como vimos no Capítulo 6, Weber reconhecia conclusivamente demonstradas,!º não resta dúvida de que ele tenha
a validade da convenção e da lei, e algumas vezes até mesmo do jopy sido sempre um obstinado opositor dos privilégios dos Junkers, nem
de intercâmbio social investido de interesse próprio, como raiz da coesho que, pelo menos depois de 1902, tenha figurado consistentemente como
ou, pelo menos, da estabilidade do comportamento social; não parev liberal de centro-esquerda, simpatizante de um partido progressista que
fácil reduzir a origem das regularidades sociais, no caso da ascese cotidin não recalcitrou em conceder à social-democracia uma participação no
na dos puritanos, a qualquer orientação compartilhada apontando nº poder — posição bastante avançada dentro do Reich arquiconservador.
sentido da dominação legítima. Além disso, ele ativou (com o então esquerdista Werner Sombart) um
Talvez então se deva procurar em outra parte da reflexão de Weboi periódico — o Archiv fiir sozialwissenschaftlicher und sozialpolitischer
o espaço teórico que concede esta tremenda primazia ao poder interior! Erkenntnis — cuja direção acabou assumindo (com E. Jaffé), tornando-o
zado. Talvez este se situe no cerne de sua visão do mundo, antes qui então o porta-voz da ala progressista da ciência social alemã em seu
em sua ciência social. tempo (e nestas condições, uma espécie de contraparte do Jahrbuch de
Realmente, o que centralmente descobrimos neste nível da obra Schmoller). Não admira que o único crítico nazista que tenha dito alguma
de Weber nada mais é senão a supremacia dos conceitos de sujeito coisa interessante sobre Weber, Cristoph Steding, classifique seu trabalho
e de dominação. Em recente e inspirado estudo sobre Weber, o sociólopy (assim como o de Thomas Mann) como venenosos “portadores” do
paulista Gabriel Cohn teceu comentário muito iluminado sobre a postura “vírus” antialemão da “cultura européia”: capitalista, urbano, abstrato,
filosófica de Weber neste ponto. Cohn sugere que, na perspectiva de nominalista, neutralista, e com uma perspectiva liberal, o pensamento
Weber,o sujeito estava para a liberdade assim como a dominação estava de Weber era anátema para todo hitlerista bien pensant. O indecoroso
para o destino. A dominação, ao assegurar a regularidade social sol “parentesco” entre o conceito de carisma e o novo Fiihrerprinzip messiá-
o poder, mantém os sujeitos subjugados ao esquema do destino não nico não servia absolutamente para escusar Weber — Gott sei Dank!
escolhido. Mas observe-se: a própria liberdade engendra a negação de por sua “mórbida” fidelidade intelectual ao Ocidente.!*
si mesma. Ao comentar a preocupação de Weber com o paradoxo das Deste modo a verdade exige que reconheçamos que o carisma não
consequências, Cohn corretamente pondera que o desenvolvimento da corresponde à obsessão de um conservador inconsciente. Pelo contrário:
liberdade subjetiva, através da ação intencional, num destino pessoal não apenas expressa um temor autenticamente liberal, mais de uma
conduz à equivalência entre “personagem” e “destino” (sutil similitude vez justificado, como ainda parece ter correspondido para Weber à corpo-
que suscitou a atenção de Nietzsche e, mais tarde, de Walter Benjamin) rificação ideológica de uma liberação pessoal, meio comovente, meio
Ao tornar-se um “personagem” através do cumprimento de sua ““voca patética. Esta última idéia situa-se, quanto ao que nos interessa, no

214 215
cerne da psicobiografia de Weber, elaborada por Arthur Mitzman, A constantemente exibiu umã importante tendência antiascética, tanto na
jaula de ferro. Reagindo contra a Lebensbild piedosamente hagiográfica temática como no sentido de suas avaliações.
de Marianne Weber, Mitzman esforçou-se para demonstrar que, após Na sua vida particular, Weber finalmente conseguiu superar algumas
seu horrível colapso nervoso, que lhe tomou quatro anos de vida, Weber velhas inibições incapacitadoras, notavelmente na esfera sexual (antes
veio gradualmente a reconciliar-se com a “irrupção vitalista” então cor- do momento crucial de sua liberação pessoal, o que ocorreu por volta
rente na Belle Epoque européia. Os anos decisivos para sua íntima con- dos quarenta anos, parece que ele teria sido incapaz de manter relações
versão aos valores vitalistas foram aqueles entre 1907 e 1910 — cujo sexuais; seu casamento com a prima altamente inteligente, profunda-
principal resultado conceitual consistiu exatamente na “sociologização” mente devotada, mas igualmente inibida, Marianne Schnitzer, perma-
do conceito teológico de carisma.!$ neceu, até o fim, um marriage blanc).
O deslocamento vitalista de Weber em direção a uma mística da Ao mesmo tempo, tornou-se muito mais sensível aos valores natu-
criatividade individual, rompendo tanto com o ascetismo como com a ristas, boêmios e “artísticos”, conforme testemunhado pela sua convi-
rotina diária da autoridade patriarcal e burocrática, derivava na verdade vência em Heidelberg com o intransigente esteticismo do Georgekreis,
de profundas raízes edipianas. O carisma, epifania da liberdade na histó círculo reunido em torno do Mallarmé alemão, Stefan George
Na, suspensão revolucionária de toda representação e institucionalização, (1868-1933), a quem Weber chegou a considerar como importante mani-
corréspondia à fulgurante negação da figura paternal do patriarca, “líder festação de liderança carismática na área da cultura. Suas viagens à
natural da vida cotidiana”.!4º Ao mesmo tempo, tal fato aparentemente Itália, nos anos decisivos da conversão pessoal, assumem uma feição
liberava o pensamento de Weber de uma preocupação, inspirada poi sensual nitidamente nova. E como se se tratasse de italianischen Reisen
sua mãe, com o cumprimento do dever e com o ascetismo — preocupação aclássicas, conduzindo eventualmente, não como no caso de Goethe,
demasiado suspeita aos olhos dos neo-românticos na aurora do século. à classicização madura e sistematizadora de um temperamento apaixo-
para quem a obra-prima de Weber representava a apoteose de duas nado, mas antes a transes dionisíacos e irrupções, longamente reprimidas,
de suas bêtes noires: o protestantismo ascético e o capitalismo “materia do Lustprinzip.
lista”. Mesmo seus amigos de Heidelberg, como Troeltsch, eram alta Significativamente, a última década de sua vida, amplamente domi-
mente críticos dos matizes repressivos presentes na idéia luterana de nada pelo conceito de carisma como fulcro de abrangente Kulturkritik,
“vocação”; e ao pensarmos na supramencionada dialética sujeito/destino foi também o tempo de sua entusiástica amizade com alguns bem-dotados
não podemos deixar de concordar com eles. jovens estudiosos, todos eles profundamente “românticos” de uma ou
O impacto geral da “irrupção vitalista” na biografia de Weber e em outra maneira: Friedrich Gundolf (1880-1931), o especialista em Shakes-
seus escritos pode ser fartamente documentado. Basicamente, corres peare e Goethe, crítico filiado ao Georgekreis; Karl Jaspers (1883-1969),
ponde a um recuo dos motivos ascéticos na sua sociologia da cultura psiquiatra tornado filósofo que logo passaria a personificar a vertente
e à emergência de um autêntico interesse em fenômenos mais “libidinais mais liberal do existencialismo alemão; e Georg Lukács (1885-1971),
como a arte, o erotismo e o misticismo anárquico. Certamente, o filão místico tolstoiano em vias de se tornar o primeiro grande crítico cultural
ascético e seus consequentes impulsos racionalistas jamais desaparecerani marxista. Muito do ímpeto antiburguês da “reificação” — o vilão concei-
da concepção weberiana. Mencionemos dois exemplos conclusivos: 1 tual simmeliano de História e consciência de classe de Lukács — bem
própria idéia ascética de vocação, tão central na fase de A ética protes pode ser considerado como a contraparte marxista daquilo que Weber
tante, subsiste no próprio coração de sua apaixonada defesa da liderançu chamava de racionalização. .
carismática (o que é demonstrado no bem conhecido tema de A políticu Aqui encerramos o estudo do significado do carisma como resposta
como vocação); de forma similar, mas muito significativa, em seu único aos problemas pessoais mais íntimos de Weber.'” O que nos interessa
tratamento da questão da arte, o ensaio sobre a música ocidental, poste mais diretamente é que ele tenha “vivido” o conceito de liderança caris-
riormente publicado como apêndice a Economia e sociedade, Webci mática em aberto desafio ao autoritarismo alemão. Como Mitzman o
concentrou-se nos “fundamentos racionais” da polifonia, quer dizci demonstra, através da destra leitura da Herrschaftssoziologie em Econo-
na conexão entre arte — à primeira vista, um baluarte da experiência mia e sociedade, Weber costumava contrapor o passado feudal do Oci-
não-ascética — e o construtivismo ascético da racionalização. De modo * dente à longa persistência da ordem autoritária, patriarcal de seu próprio
geral, porém, nos últimos doze anos de sua vida a produção de Wei país.

216 ai
Mais importante ainda, concebia o carisma de maneira ferozmente inconsciente internalizado da justificativa dos governantes para o poder,
antipática a uma antiga fraqueza alemã: a propensão de internaliza: que é o que a tal crença acaba sendo.
a devoção à autoridade. Como Troeltsch, o teólogo liberal, Weber escai Ao considerar a “crença” dos governados como simples reflexo
necia da fatal tendência luterana de manter a liberdade como um estado da pretensão dos governantes ao governo, Weber concede à sua teoria
de espírito, ou de sublimar a obediência, sacralizando-a, em sentimento da legitimidade um pendor culturalista inteiramente alheio à sua própria
de perpétuo temor ante a autoridade estabelecida. abordagem da ação social, assim como à lógica da sua sociologia históri-
Mas neste ponto temos o direito de indagar: se é assim — e nú ca.
verdade o é — então, por que razão plausível Weber teria identificado Nossa tarefa final corresponde, portanto, à tentativa de pelo menos
a legitimidade com a crença subjetiva nas justificativas dos governantes” sugerir as razões pelas quais o sociólogo liberal Max Weber (a) concede
Esperamos até aqui ter demonstrado que nem a lógica nem a experiência à sua problemática visão do mundo uma forma política através da ênfase
o levavam a isso. Pelo contrário: a legitimidade pode nutrir-se, e nú na noção do carisma; e (b) define o conceito de legitimidade de maneira
verdade o faz com enorme frequência, da tácita transação relativa 1 tão pouco sociológica.
um tipo especial de situação de poder, a saber, aquela em que a assimetrii Uma resposta possível consiste precisamente em dizer que o carisma,
entre a posição dos governantes e dos governados não é demasiadamente para Weber, embora constituindo principalmente uma categoria política,
pronunciada e existem saídas à vista para qualquer desenlace, de tal refere-se primordialmente a “valores culturais” — a paixão do historismo
modo que, se o poder vem a converter-se em uma situação de autoridade, tardio — antes que à realidade do poder. Neste sentido, e em larga
ele deve basear-se no consentimento derivado do interesse próprio, antcs medida, devido à sua exagerada preocupação com a liberdade do homem
que na coerção ou no consentimento meramente “tático” faute de mic cultural, o conceito weberiano de legitimidade desconsidera a angústia
(ver p. 9). Em tal situação, a legitimidade é claramente um objeto dv real das liberdades do homem social.'%
negociação antes que de qualquer “crença” imotivada, da parte dos “Semelhante resposta dificilmente poderia ser considerada satisfa-
governados. tória, já que estamos tentando determinar exatamente a causa pela qual
Entretanto Weber, como vimos, manteve suas crenças na legitimi o culturalismo de Weber tenha acabado assumindo a forma de uma
dade estranhamente segregadas de qualquer possível conexão com mística da dominação. Em outras palavras, por que é que a raiz temática,
interesse próprio do indivíduo ou da coletividade. A abordagem “transa o impulso subjacente, do culturalismo de Weber, foi o problema do
cional”, a barganha de poder por autoridade, foi por ele completamente poder legítimo? Neste ponto, penso que é importante voltarmo-nos
subestimada. A “submissão voluntária” deveria derivar da crença imoti para importantes estímulos ambientais. Numa palavra, a intelligentsia
vada, ou seria espúria. A cidade medieval, entidade criada e sustentada humanista alemã era tão culturalista quanto Weber em sua abordagem
pelo mercado e pelo jogo de interesses, parecia-lhe um caso de order do poder. Não é por acaso que o grande historiador do historismo,
“ilegítima”.!** “Pragmático” — a palavra que mais que qualquer outra Meinecke, também solicitou uma temporáre Vertrauensdiktatur. Que será
expressa o desprezo do humanismo intelectual pelas “baixas” motivações 0 carisma, em última análise, senão uma ditadura baseada na confiança?
da mente burguesa — ocorre com mais frequência na sua pena, como A política dos mandarins germânicos, quando não era simplesmente
moralista, do que, digamos, na de Adorno. E impossível deixar de con áulica e conformista, demonstrava com frequência uma síndrome curiosa.
cordar que sua visão recende a uma generalizada repressão das motivações De um lado, os mandarins se punham em busca da burguesia!!, de
utilitárias; sua visão do mundo e também sua concepção da legitimicda um país no qual esta, tendo falhado em assumir a iniciativa no momento
de. em que se deslanchava o processo de industrialização e de unificação
Curiosamente, deveria haver pelo menos uma boa razão para «ui nacional, se sentia cada vez mais incomodada pela progressiva ascensão
Weber admitisse a inclusão do interesse próprio em sua representação das classes trabalhadoras. De outro lado, inclinavam-se à idealização
da legitimidade. Pois, afinal, foi ele quem afirmou que um dos principái» de lideranças “fortes”, não infrequentemente associando regeneração
significados da racionalização consiste na substituição da “inconscient política e “ditaduras confiáveis”.
aceitação do costume” pela “deliberada adaptação a situações em termos Parece bastante plausível sugerir que os sonhos carismáticos de hu-
de interesse próprio” .!”? Não se entende, pois, que o conceito de legitimi manistas liberais como Meinecke e Weber!? não passavam inteiramente
dade não venha a fundamentar-se mais no cálculo utilitário do que nº ao largo do fato de que eles se sentiam duplamente ameaçados — como

218 219
humanistas e como burgueses. Cronicamente impotentes em meio a carisma, dificilmente merecerá ser caracterizado como tipologia socioló-
um país vivendo graves tensões, os mandarins liberais revoltaram-sc gica orientada empiricamente.
contra o establishment prussiano, mas, ao não superar seus vínculos E como se a óbvia “falta de empiricidade” do conceito do carisma
de classe e casta, acabaram por transfigurar desgosto político em “crise — noção que permaneceu irremediavelmente metafísica — tivesse lança-
da cultura” do sobre a análise uma bruma paralisadora, de tal modo que, ao final,
O culturalismo convertia-se então na forma inevitável de suas apreen frustram-se até mesmo os objetivos descritivos (contrapostos aos obje-
sões políticas, refletindo um crescente descontentamento social; mas, pelo tivos explicativos) de Weber, impedidos de ultrapassar, na investigação,
contrário, a própria intensidade do seu desgosto levava-os a atribuir o caráter abstrato destas justificativas genéricas do governo, de modo
ao culturalismo a face inesperada de um desejo de poder — já que o a interrogar as próprias estruturas concretas do poder dentro das quais
prestígio não era suficiente — no mundo exteriorà academia. Também a legitimidade (qualquer que seja) se manifesta. E desnecessário dizer
eles (não apenas o estadista ideal de Weber, capaz de revitalizar o Fiihrer que o que se requer não é absolutamente uma abordagem “normativa”
prinzip), inconscientemente, anelavam por uma vida dedicada à política, da legitimidade; tudo que pretendemos é efetuar a análise das estruturas
visceralmente distinta da banal existência do político profissional que de poder, passadas ou existentes, de modo a permitir que se elabore
vive disso. A onipotência carismática, em certo sentido, constituía q uma completa descrição sociológica (e não meramente ideológica) dos
expressão de uma paranóia compensatória. tipos e graus da dominação legítima. Neste sentido dizer que Weber
Isso explicaria também por que Weber e seus assemelhados combi reduziu a perspectiva dos governados a uma “crença” inexplicada não
navam uma idealizada perspectiva da dominação com recorrentes aprecn é um ataque moral, mas uma crítica derivada das necessidades objetivas
sões quanto à “satânica” alma do poder. Como Burckhardt, professo! da tarefa analítica.
de Nietzsche em Basiléia, todos eles encaravam o poder como um Por outro lado, do ponto de vista de um novo perfil sedimentado
mal; mas nunca deixavam de legitimá-lo (como faz o jovem Meineckc de Weber, esta crítica parecerá gratuitamente óbvia. Contra-imagem
com a idéia de razão de estado) por conta de sublimes motivações “cultu de Weber como “herói positivista”, lúcido criador da teoria básica da
rais”. Em suma, frequentemente capitulavam diante de uma ingênua sociologia política, esta segunda perspectiva o encara como ideólogo
antítese entre política e ética, tão radical e irrealista quanto o pathos dissimulado, o sociólogo subjetivista burguês que tentou — e natural-
rejeicionista de sua Kulturkritik. Significativamente, quando Weber al mente, falhou — traduzir os mitos do liberalismo em ciência social.
cançou uma concepção da história como drama e paixão do carisma, Aqui — - quando Lukács substitui Aron e Poulantzas, Dennis Wrong
ele também estava sob o encanto da “ética do amor” anarquista, susten — não é a teoria da legitimidade de Weber que está em causa; é toda
tada por Tolstói — como se seu próprio mito da dominação criativa sua obra que vem a ser descartada, não merecendo mais que um reconhe-
não se pudesse manter sem sombra de remorso. Deste modo, o Sermão cimento formal pela grandeza de sua tentativa naturalmente fadada ao
da Montanha, por ele explicitamente repudiado, obtinha secreta vingança fracasso: a refutação do marxismo.
sobre a Realpolitik da “ética da responsabilidade”
Posso apenas desejar que, quaisquer que sejam as restrições que
Venerável tradição acadêmica representa Weber como pai fundador consideramos necessário apresentar ao status teórico da discussão webe-
da sociologia, o “positivista heróico” cujo trabalho demonstra a inesti riana da legitimidade, não subsista dúvida de que a fecundidade analítica
mável possibilidade de praticar a ciência social como ascese, mantendo de sua sociologia como um todo não chega a ser diminuída. Especialmente
as águas da teoria e da pesquisa bem separadas das enxurradas dos a solidez da maior parte de sua epistemologia da ciência social, a persuasi-
preconceitos pessoais e da asserção de valores. À luz da análise prece vidade na sua sociologia histórica, e a relevância e abrangência da maior
dente, na medida em que a teoria da legitimidade ocupa o próprio parte de Economia e sociedade, mesmo na seção devotada à legitimidade
centro da sociologia política weberiana, esta avaliação necessita ser seria (veja-se especialmente a maior parte da exposição sobre patrimonialismo
mente qualificada. A grande acuidade sociológica dos vários elementos e feudalismo, ou da explanação sobre a cidade na Herrschafissoziologie)
estruturais na tipificação ideal de Weber — o “realismo” do seu conceito não podem ser menosprezadas do ponto de vista de uma avaliação racio-
de poder, a relevância genérica do próprio tipo de dominação legítima, nal. Por mais que ingenuamente presumíssemos não haver interrelação
a teorização seminal sobre a burocracia — não está em questão. Quanto entre estas contribuições principais e alguns dos vieses culturalistas que
ao edifício como um todo, inclinado como se posiciona na direção do assolam e prejudicam sua sociologia política, tal conexão não parece
220 221

vulnerabilizar o vasto e duradouro valor sociológico de todo o quinhão. essas às quais a obra de Weber acabaria capitulando. Neste sentido,
Assim, no cômputo geral, o culturalismo não é mais que uma incidência a teoria weberiana da dominação legítima abriga a nêmese do cultura-
na obra de Weber. lismo contra seu maior conquistador. Entretanto, esta nêmese — chegan-
Assumir esta avaliação implica, portanto, em rejeitar tanto a canoni- do, como vimos, tarde demais e confinada apenas a uma província desta
zação implícita de Weber como o erudito perfeito, particularmente quali- vasta ceuvre, absolutamente não nos impede de incluir Weber entre as
ficado em sociologia política e ainda sua denúncia como ideólogo burguês. poucas cabeças notáveis que lançaram as bases da autêntica ciência do
Além disso, uma tentativa de explicar (e não apenas constatar) as defi- homem.
ciências culturalistas de sua teoria da legitimidade implica menos ressaltar
a vaga condição burguesa que o caracteriza do que identificar seu papel
específico como membro de certa intelligentsia dentro de um determinado
período da história alemã. Uma completa compreensão, que Geoffrey
Hawthorn recentemente evocou, de que Weber “era realmente um mem-
bro típico da Bildungbiirgertum guilhermina”,!º constitui claramente
o melhor caminho para explicar por que uma teoria do poder e da
dominação “hipossociológica”, subjugada ao conceito de carisma, tenha
chegado a ser a rizotemática de sua posição específica dentro do cultura-
lismo historista.
Não se deve jamais esquecer que, em sua obra, o culturalismo
como um todo retrocede diante daquilo que constitui, juntamente com
o materialismo histórico (algo na verdade bastante distinto da maior
parte dos “marxismos”), a provável pedra fundamental da análise socio-
lógica. Tudo isso dito e feito, o percurso de Weber realmente aparece,
como desaprovadoramente Carlo Antoni reconhece, uma jornada do
historismo até a sociologia”.
Talvez Donald MacRae esteja certo em classificá-lo como um triste
Próspero, o “mago Weber” que, como “último mágico” “deve enterrar
seu arsenal de encantos sob o céu cinzento da racionalidade cotidiana”,
já que, entre outras grandes perdas acarretadas pelo desencantamento
do mundo, figura o fim do sábio generalista, o estudioso imensamente
culto para quem, de um lado, como o deplora Eliot, a “sabedoria”
já procede principalmente do “conhecimento”, mas o conhecimento,
por outro lado, ainda não se reduz a mera “informação”.
De qualquer modo, como Próspero, ele joga fora sua vara de condão
devido a um sentimento de maior realismo — gesto maduro, talvez
o mais árduo de ser executado por um intelectual humanista. O cultura
lismo, pessimista ou não, é sempre antropomórfico e a verdadeira ciência
nunca o é. A visão do carisma corresponde, possivelmente, ao estranho
tributo que ele teve que pagar pelo audacioso sacrilégio de transforma:
o historismo em ciência social. Nestas condições, sacrificou boa parte
de sua sociologia política. Os demônios do culturalismo se vingaram
de Weber impingindo sobre esta parte do seu trabalho as carências
ideológicas de uma casta intelectual tomada de ansiedade, carências

222 223
Conclusão

Nossos comentários finais serão bastante genéricos e devotados principal-


mente a uma dupla tarefa. Recensearemos as fraquezas e os pontos
fortes da filosofia política de Rousseau e da sociologia política de Weber.
Ao fazê-lo, tentaremos indicar, mesmo que rapidamente, sua respectiva
- relevância para a abordagem dos problemas da sociedade moderna e
sua política. Deveremos também dizer alguma coisa, mesmo sem esten-
* der-nos, sobre as linhas mestras da teoria da legitimidade entre Rousseau
e Weber. Há pelo menos duas boas razões para isso. Primeiro, que
o século e meio que transcorreu entre o Contrato social e Economia
e sociedade constitui o período mais rico da história da teoria social
e, nestas condições, juntamente com o trabalho dos próprios Rousseau
e Weber, contém quase todas as raízes da presente reflexão sobre esta
“matéria. Em segundo lugar, e mais importante, muitos aspectos desta
teoria social interveniente ajudam-nos a situar e a compreender os dois
- pensadores que escolhemos para exame.
Reduzindo a questão ao essencial, o maior êxito da filosofia política
de Rousseau é a identificação racional do conceito de legitimidade com
a idéia de democracia deliberativa e participatória. Em consegiiência
* desta constante participação individual na política da soberania, a vonta-
“de geral consegue idealmente abranger um teor ótimo de liberdade na
“igualdade. Se a igualdade política é realmente — como recentemente
“Jack Lively lembrou de forma convincente — o núcleo do ideal demo-
crático e, se, por outro lado, a igualdade política depende, em larga
medida, de outras dimensões da igualdade, então a preocupação de
Rousseau com a liberdade, num contexto de igualdade maximizada,
corresponde simplesmente à melhor formulação clássica do próprio ideal
de democracia.
Ora, o ideal da liberdade igualitária, não importa quão imperfei-
tamente se concretize, pertence à natureza mesma da sociedade moderna.
Uma vez rompidas as cadeias do costume, o crescimento da lei estatuída,

225
A AEa
notoriamente “feita pelo homem”, junto à decadência das formas trad os enigmas do cálculo do interesse comum não precisam nos aborrecer,
cionais de governo, parece por si mesmo exigir que a legitimidade sc porque o problema geral da legitimidade não vem a ser minimamente
fundamente na participação democrática. Quando a mudança social vem afetado por estas questões mais específicas. Dificilmente será possível
a ser interiorizada, quando as leis não são mais imemorialmente costu colocar em dúvida que a democracia participativa constitua uma grande
meiras, €, por isso mesmo, não são mais “sagradas” mas vistas como questão viva. Particularmente, a participação deliberativa em bases igua-
“simples formas “funcionais”, quando as ordens de comando não mais litárias no processo de tomada de decisão parece ser a única maneira:
procedem do “passado eterno” de um governo sacralizado (quando não aceitável de lidar com a dimensão de poder originária daquela “revolução
é sacralizado o próprio governante), os homens dificilmente acederão não-planejada”, que, desde o último século, “tirou a maior parte da
em submeter-se a elas, a não ser que lhes seja permitido, de alguma força de trabalho da pequena agricultura e da pequena empresa, reorgani-
forma, sentir-se participar de sua elaboração e de sua promulgação. zando-a segundo as relações de autoridade do moderno empreendimento
É claro que boa parte do processo cotidiano (ou não cotidiano) burocrático”, privado ou estatal. A democracia industrial baseada na
da tomada de decisões não pode possivelmente aguardar a convocação participação igualitária já parece avultar nos horizontes políticos do capi-
de assembléias; o consentimento tácito desempenha largo papel mesmo talismo avançado e do socialismo de mercado. Significativamente, sua
nos sistemas: democráticos mais “puros” e mais praticáveis, como. é 0 total ausência distingue exclusivamente as sociedades onde o capitalismo
caso do autogoverno popular direto de certos cantões suíços. Rousseau se acopla ao autoritarismo político ou onde a “construção do socialismo”
foi o primeiro a admitir esta ressalva, reservando a necessidade da realiza é regida pela ditadura de partido e pelo controle totalitário da burocracia.
ção de assembléias para a política de soberania, não de governo. Sui Há uma passagem que, melhor que qualquer outra, descreve para
observação restringe-se a requerer que, para que o consentimento tácito mim a medula do conceito rousseauniano da legitimidade política. Veja-
não seja uma contrafação, ele deve de alguma forma abastecer-se no mos essa passagem:
saudável ritmo da consulta popular, e quanto a esta última, para que esta constituição [e modo de viver] é o que se chama de democracia,
seja genuína, deve, por sua vez, consistir na livre deliberação acessível pois que é administrada por muitos, e não por poucos. Mas, embora
a todos em igualdade de condições. Tal é o espírito do contexto pós-tra a lei [nela] assegure a todos, por igual, igual justiça em suas disputas
dicional da legitimidade. particulares, reconhece-se também a reivindicação da excelência.
A determinação da vontade geral não será sempre coisa simples ... Ao mesmo tempo em que vivemos sem restrições nossos negócios
Quando se trata da especificação do interesse comum, que diz respeito particulares, um espírito de reverência perpassa nossos atos públi-
a decisões sobre questões políticas particulares, a teoria democrática enca cos, impedindo-nos de cometer erros com respeito à autoridade
ra espinhosos problemas de cálculos, como o próprio Rousseau criptica e às leis. ... Nossos cidadãos comuns, mesmo ocupados em seus
mente sugeriu no Livro II, Capítulo 3 do Contrato social. Concessões negócios, servem também como juízes competentes da matéria
tornam-se na verdade inevitáveis, se, de fato, a vontade geral há de
pública. O homem que não se interessa pelos negócios públicos
ser calculada a partir da vontade de todos.' A impossibilidade matemática não o consideramos apenas inócuo, mas também um inútil.
de determinar o interesse comum por causa da frequência de preferências
incoerentes por parte dos votantes é também um problema discutido Não parece este trecho diretamente extraído do Contrato social
desde a época de Rousseau. O famoso “paradoxo de Condorcet” paira — digamos do Livro I, Capítulo 6 — “Sobre o pacto social”? Apesar
sobre o processo de votação quando quer que decisões complexas estejar disso, como se sabe, nossa citação é mais antiga que a obra de Rousseau.
em jogo.? Mas, nesse caso, as dificuldades aritméticas já não são pecu Procede, na verdade, do “discurso fúnebre” de Péricles, citado na chama-
liares à especificação da vontade geral — elas viciam mesmo modelos da História da Guerra do Peloponeso (II, 35-40) de Tucídides, e frequen-
menos estritos, mais pragmáticos, do estado democrático; como demons temente mencionado como a epítome da ideologia democrática na pólis
tra a observação da prática normal da democracia liberal moderna, 0 clássica.
governo da maioria raramente prevalece quanto a questões secundária: Parece realmente apropriado evocar, neste ponto, o consciente ana-
apesar de estas frequentemente constituírem o objeto do voto, junta cronismo da concepção de Rousseau. A antiga Atenas, deve-se lembrar,
mente com alternativas mais importantes. era uma pequena comunidade capaz de reunir-se ao ar aberto, uma
De qualquer modo, apesar de toda sua respeitabilidade intelectual, sociedade semelhante à de um campus, onde a interação face-a-face

226 227
e
prevalecia* — o mesmo tipo de espaço político que Rosseau, como De acordo com o professor M.I. Finley, uma das palavras-chave
já vimos, considerava adequado à liberdade republicana e à soberania definidoras desta situação é isegoria, o direito igualitário de falar na
popular. Em outras palavras, subtraia-se esta moldura social e será impos- assembléia — palavra às vezes usada pelos autores gregos como sinônimo
sível a subsistência de um governo democrático razoável, num sentido de “democracia”. Em certo sentido, a participação deliberativa chega
autenticamente igualitário. a ser mais vital que as eleições. Afinal, e isso não escapou à atenção
Se, entretanto, passarmos a considerar o universo das grandes na- de Aristóteles, há alguma coisa “aristocrática” — não democrática —
ções-estados, com elaborada divisão do trabalho e costumes sempre nas eleições, já que estas implicam na escolha do melhor (aristoi) governo
mutantes, dificilmente será possível encarar o ethos comunal, ao gosto antes que de um governo permanente popular.“ Tal coisa não se aplica
arcaizante de Rousseau, como fonte de padrões políticos. Além do mais, à isegoria, onde a igualdade prevalece intocada.
se, numa perspectiva diferente daquela de Rousseau, admitirmos que À democracia ateniense costumava ser venerada como o próprio
este espaço social moderno não seja em si mesmo mau (pouco importando centro da história grega por típicos liberais protovitorianos, tais como
o quanto seja injusto o seu status quo), constituindo antes a origem o grande helenista George Grote.” Seu amigo John Stuart Mill chegou
e o sustentáculo necessário de inestimáveis dimensões da liberdade huma- certa vez a fascinar-se pela visionária esperança de que jornais e estradas
na (e.g., a liberdade de mudar de trabalho ou de lazer, de desfrutar de ferro pudessem transformar as eleições inglesas do século XIX em
uma vida mais rica em oportunidades, de ser mais inteiramente um moderno equivalente das votações na ágora.º Falando de modo geral,
indivíduo — enfim, tudo o que pressupõe estágios de desenvolvimento entretanto, preferiu ressaltar a necessidade da democracia participativa
exclusivamente alcançáveis através da operação de economias complexas em nível local, sem prejuízo do governo representativo. Em certa medida,
e de tecnologias de alto nível baseadas em uma divisão do trabalho O liberalismo de Mill, com sua indisfarçada apreensão tocquevilliana
plenamente desenvolvida), então somos forçados a considerar o contexto quanto à democracia de massas, moderava o radicalismo das concepções
social da liberdade “espartana” e paroquial de Rousseau como alguma republicanas de Rousseau. Mill propôs uma estranha aliança entre o
coisa em profundo desacordo com o sentido da evolução social. Não elitismo e o libertarismo. Mas, de outra parte, produzia a reconciliação
se pode deixar de concordar com Iring Fetscher: Rousseau decididamente entre o ideal de democracia participativa e o mundo moderno — o
não é o teórico da moderna democracia européia da era do capitalismo. mundo da industrialização e das instituições liberais representativas.
É isso que temos denominado o “politismo” de seu “anarcaísmo” — O componente democrático do liberalismo de Mill destaca-se mais
uma visão política excessivamente divergente da marcha da sociedade. claramente em comparação com o “liberalismo constitucional” que o
Entretanto, o simples fato de que o politismo de Rousseau seja precedeu. Não por acaso, o grande formulador desta tendência, Benja-
democrático impede-nos de derivar desta grave falha qualquer expresso min Constant (1767-1830), foi severo crítico da soberania popular no
descarte de sua filosofia política. Por estranho que pareça, é óbvio ao sentido rousseauniano. Para Constant, a liberdade só podia ser assegu-
exame racional que sua repugnância pela sociedade moderna não impede rada através da equilibrada divisão do poder soberano. A seus olhos,
que ele acabe por divisar a face da legitimidade em termos impressio quando convertia o povo em mais que soberano, em verdadeira sede
nantemente modernos — de fato, como acabamos de lembrar, nos termos de soberania, Rousseau apenas repetia o erro de Hobbes: pois a soberania
mais adequados ao ser humano enquanto habitante do cenário pós-tra popular podia revelar-se tão despótica (conforme evidenciado pela dita-
dicional da legitimidade. E dura jacobina) quanto o governo monárquico absoluto.
A utopia retórica de Rousseau pode não ser mais que uma miniatura O que este liberalismo da Restauração desconsiderava inteiramente
anacrônica — a pólis sem escravos. Mas a mensagem fulcral de sua era a questão central da participação como alguma coisa inscrita na
teoria normativa da legitimidade — a democracia participativa — parece lógica da legitimidade no interior da sociedade moderna. Essa própria
voltada para o futuro e não nostálgica. Antes, encara o futuro, mas negligência, naturalmente, está longe de ser acidental. Um estado oligár-
cultivando a memória do próprio espírito de uma experiência viva « quico com divisão de poderes, versão continental do whiggismo, mais
pouco duradoura: a democracia antiga. Dentro dos limites da moldura que satisfazia o elitismo burguês. Entretanto, esta fatal ligação entre
social demarcada pela exploração escravista, a democracia clássica na O liberalismo e o antidemocratismo acabou constituindo a principal defi-
Atenas imperial, nascida do próprio imperialismo, vem a ser uma prática ciência de boa parte do pensamento liberal em face da demanda de
participativa muitíssimo viável. legitimidade exigida pela sociedade industrial moderna — uma insufi-

228 229
— Co
a democracia, e não a favor dela. Um deles tentou mesmo alertar os
ciência que a democratização parcial do estado liberal através da extensão
maciça da cidadania não conseguiu eliminar, em termos absolutos. cientistas políticos para o fato de que a prístina essência da democracia
Em particular, quando a teoria social elaborou o conceito crítico — a participação igualitária — era ainda o cerne e a medula do princípio
de sociedade de classe, o liberalismo constitucional revelou-se inteira- do estado democrático, fosse ou não pluralista.”
mente cego para o fato de que as relações de propriedade correspondiam Rousseau persiste sendo a principal fonte teórica da democracia,
no fundo a relações de autoridade,” e eram desta forma suscetíveis de como tipo de legitimação da ordem social e política. Grosso modo —
serem examinadas do ponto de vista da legitimidade. Embora o principal tem-se iluminadoramente sugerido — há dois tipos básicos de justifi-
sistematizador da abordagem classista, Karl Marx, ocasionalmente con cação: “interna” e “externa”. A última procede à validação da ordem
descendesse em frívolos projetos utópicos, visando uma sociedade libera social convocando algum fundamento na natureza externa, ou superior,
da das relações de mercado e de poder (tão impossível quanto o sonho ao homem; a primeira justifica os arranjos sociais recorrendo a alguma
“anarcaísta” de Rousseau), não há como negar que ele tenha conseguido coisa no interior do homem. O princípio da democracia, explicando
identificar uma área crucial da dominação social, no que concerne à o poder dentro da ordem social em termos da vontade e do consentimento
análise sociológica, e não apenas à indignação moral. humano, constitui um tipo de legitimação caracteristicamente “inter-
A percepção da esfera industrial como sistema de relações de autori
no”,
Ora, o recurso dos tipos “internos” de legitimação está por sua
dade lança uma luz implacável sobre a desejabilidade de democratização
poder, dentro das unidades econômicas da moderna vez profundamente relacionado com o abandono das crenças transcen-
das relações de
dentes, devido à disseminação da racionalização descrita por Weber.
divisão do trabalho. É desnecessário demonizar a gerência industrial
Mais especificamente, prospera na ampla suplantação da tradição pelo
como ubíquo íncubo explorador, devendo-se ao contrário reconhecc!
que uma substancial quantidade de participação regulamentada no pro universo normativo do tipo legal-racional; apenas em tais sistemas norma-
cesso da tomada de decisões (regulamentada de modo a evitar estrangu tivos as normas e os ordenamentos vêm a estar idealmente compro-
lamento técnico) é a melhor forma institucional de lidar com o lado metidos com o estado “profano” das regras funcionais a serviço das
real, empírico, da alienação no trabalho. necessidades humanas.
A sociologia histórica de Weber abriga, portanto, o melhor esquema
Por outro lado, o fato crescentemente óbvio de que “o terreno
teórico disponível para a compreensão da relevância contemporânea da
mais fecundo para a democracia mais participativa parece situar-se na
teoria da legitimidade de Rousseau — relevância, vamos repeti-lo, que
indústria”1º não deve ser considerado como estreitamento do âmbito
absolutamente não chega a ser solapada pelo excessivo rejeicionismo
de sua viabilidade. Não faltam outras áreas e níveis adequados à partici
social de seu “politismo”.
pação livre e igualitária na tomada de decisões. A este respeito, a meta
Assim, mesmo sem aventurar-se pelo campo da filosofia política
morfose consensualista da teoria democrática moderna — acentuando
normativa, Weber poderia ter sido um arguto sociologizador da teoria
sempre o valor da “apatia” política para a sobrevivência das instituições
democrática clássica. Especialmente sua aptidão para apreender largos
liberais — tem sido desacreditada tanto pela experiência social quanto
contextos institucionais, acoplada à sua realística visão do poder (enquan-
pela crítica intelectual. Os pluralistas consensuais de persuasão, digamos,
to distinto da dimensão de autoridade) poderia ter-nos oferecido as
lipsetiana, não se preocupam em distinguir entre participação e ativismo
grandes linhas de uma análise dos padrões de legitimidade, definidos
fanático; se procedessem a tal distinguo, seu louvor antipericliano du
segundo a especificidade das estruturas do poder e das justificativas
apatia seria fatalmente contraditado. Como consequência parcial disso,
para a submissão dos governados, que seria muito mais rica, sociologi-
as aspirações frustradas de partilha responsável do poder permaneceni
camente falando, que a tipologia “de justificativas” apresentada em
notoriamente presentes nas sementes da revivescência contemporânea
Economia e sociedade.
do radicalismo iliberal — esse radicalismo que politiza tudo, mas rara
Mesmerizado, porém, por um Kulturpessimismus de casta, sua socio-
mente democratiza sua própria política. Ironicamente, ao apogeu do
logia política deixou de explorar as próprias possibilidades analíticas
mito das virtudes do apolitismo na moderna teoria democrática, seguiu-se
rapidamente um surto de fúria “praxista”, em geral ostentando insincera descerradas por alguns elementos de sua taxinomia das ordens legítimas.
Permitiu-se que um problema cultural quase nietzschiano — o problema
mente a crença democrática. Alguns pensadores, entretanto, se aperce
do carisma como força de libertação cultural — viesse a esmagar sua
beram de que o louvor do abstencionismo político trabalhava contra

230 231
ra
discussão do poder social. Como consequência indireta, o mito do ue
grupo ção implícita, deduzida da regularidade observável
carismático conferiu à teoria da legitimidade de Weber uma n
nuança vez mais devo assinalar o temor de que esta defesa Guga
elitista que, sendo não-democrática e mesmo, em certa medida, não-li-
beral, não se torna nem por isso nem um pouco mais sociológ funcione. De uma parte, é bastante óbvio o que Weber quer EO
ica — crença em termos de aceitação íntima (ein Glaube, são se a am o
antes pelo contrário.
da legitimidade de um governo; seria um flagrante non sequitur asia
A racionalização, em si mesma um conceito orientado empirica- Gac
mente, explica a vitalidade da democracia como tipo de legitim semelhante sentimento das meras manifestaç ões da aceitação
ação. observável. Além disso, mesmo o exame mais superficial dos es o
Sobre o carisma, inversamente, podemos concordar com
a teoria weberiana “não inclui uma análise das condições históric
Peter Blau, reais (talvez agora ainda mais que na época de Weber) a pe
as que imediatamente de que a questão dos diferentes graus de legi ao E
propiciam as erupções carismáticas na estrutura social”. De qualque
r peculiares aos vários regimes políticos, não constitui ars e E
forma, podemos fazer essa afirmativa sobre o carisma político
— já problema axiológico de natureza especulativa, refratário à E pt
tentamos demonstrar, ao final do capítulo antecedente, por que a
fantasia empírica; pelo contrário trata-se de questão empírica a dis
compensatória do culturalismo dos humanistas alemães assumiu ne
, em A aceitação prática faute de mieux sem nenhum compromet i :
Weber, a forma de um mito do poder. p: Ee
os valores inerentes às justificativ as que os governante s apresentam
A autoridade, no mais neutro sentido weberiano da dominação ppa
legítima, pode ser encarada como uma, entre outras, possíveis seus governos, é de fato amplamente verificada (e.g.,
técnicas dos regimes autoritários) assim como seu oposto, a comunhão a is
sociais de “solução de problemas” através do “controle das relações Fin e cr Se
” em torno da legitimidad e, o que fornece oportuno
(para usar a formulação de Charles E. Lindblom em Política e mercado e deva pr :
s). Portanto, não há razão pela qual a sociologia da legitimidad
Outras alternativas sociais de solucionamento de problemas através E
do der como o direito internacional, identificando, por razões pqp
controle das relações incluem a negociação e a persuasão. Entreta a
como observa
nto, simples permanência no poder com a legitimidade real EE Rs
Lindblom, não é convincente a alegação de Weber da legitimidad e tende
de mente isso o que a sociologia weberiana
que a autoridade sempre se fundamenta em uma crença legitimadora a
da parte dos subordinados.!! Na verdade, a autoridade pode procede oferecer de acordo com a argumentação que apresentamos.
do interesse, da coerção, ou de ambos.
r Que eu saiba, em apenas uma passagem Weber parece próximo
É mesmo possível que não se de admitir isso:
necessite qualquer acatamento íntimo da justificativa do governante
para
O governo que exerce. Várias estruturas de autoridade têm-se demons- isso
trado (e ainda se demonstram) estáveis segundo estes critérios. Além do mais, um sistema de dominação — q
mo-nos diante da presunção da crença legitimadora conduz a um
Deter- Ocorre na prática — pode estar inteiramente resguardado, E um
trário estreitamento da análise sociológica da legitimidade —
arbi- lado pela óbvia afinidade de interesses do governante e de dg
e nega,
em particular, a esta última o direito de investigar o grau de consenti corpo administrativo — guarda-costas, guardas pretorianas “verm
mento espontâneo concedido ao governo. O fato de que a teoria
- lhas” ou “brancas” — em contraposição aos interesses dos ida
Weber enfoque a crença, mas não a escala de consentimento, apenas
de nados, e de outra parte pela absoluta impotência destes, o que eh
propiciar que se desista até mesmo de manter as RO A
trai sua distorção culturalista e sociedade, 1 , p. ;
uma pretensão à legitimidade (Economia
Para sermos inteiramente justos com Weber, devemos considerar autor).
grifos do
por um instante a possibilidade de uma réplica. Podia-se argumen
tar,
como de fato foi sugerido no Capítulo 6, que a teoria de Weber não
enfoca a crença como motivação. Em outras palavras, poderíamos dizer A característica pretoriana do corpo administrativo não Ei so
que ele encara a legitimidade numa perspectiva de neutralidade socioló. sistir dúvida quanto ao que Weber tinha em mente — a indis a :
gica quanto aos fatos do poder, à semelhança de seu amigo Michels dominação coercitiva. Mas por que então deveria ele Ae na
, esta única justaposição de governo coercitivo e de nm a E Enf
que, na Enciclopédia de ciências sociais, definiu o conceito de “autori » PO ei Pn
na crença? A única coisa que esta sentença, quase Ta
dade” como qualquer coisa que assegure a obediência do povo — no rões o
caso, a “crença na legitimidade” corresponderia simplesmente à aceita é que a possibilidade de analisar-se um continuum and
nação legítima-ilegítima foi a priori descartada por Weber, não p
232 233
E
à sociologia empírica, mas em favor dos tácitos diktats de sua própria lo XIX; e o terceiro, Emile Durkheim (1858-1917), foi o principal funda-
capitulação a uma preocupação culturalista com as justificativas de poder dor da sociologia universitária, na mesma geração de Weber.
dos governantes, i.e., com a asserção de valores sub specie legitimitatis. O que aconteceu na passagem de Rousseau a Herder, já denominado
A façanha weberiana de produzir uma teorização sobre a legitimi- o “Rousseau alemão”, foi basicamente um deslocamento da problemática
dade cognitiva das ciências sociais persiste inigualada como fundamen- da legitimidade. Em um sentido profundo, suas Idéias para uma filosofia
tação do conhecimento histórico. Da mesma forma, é inestimável seu da história (1784) substituíram a questão da legitimidade política pelo
modo de proceder à explicação sociológica, relacionando-a com a história problema da validade cultural. Na arguta observação de Geoffrey Haw-
cultural. Muito significativamente, os elementos mais sensíveis e ilumina- thorn, Herder “socializou” a tese central da “crítica” de Kant — a
dores de sua sociologia política — o conceito de ordem legal-racional asserção da “criatividade” da mente através da ativa parte desempenhada
e, dentro deste, a anatomia da burocracia moderna — são claras deriva- pelas categorias cognitivas no processo do conhecimento, pela incorpo-
ções do sólido nível sociológico de sua culturologia e nada devem, para ração desta criatividade nas linguagens e nas culturas.!º O resultado
sua compreensão, à nebulosidade do embate entre carisma e Alltáglich- foi a inauguração do moderno conceito etnológico de cultura. Graças
keit. No cômputo geral, é de justiça assinalar a ampla relevância da a Herder, a antiga idéia humanística de cultura no singular, como atributo
sociologia de Weber tanto para uma teoria empírica como para uma humano universal de caráter perfectivo, cedeu à concepção historista
teoria normativa, embora empiricamente fundada, da legitimidade. E das culturas no plural, como fenômenos nacionais, de natureza expressiva
irônico que exatamente sua própria teoria não seja relevante, ou que antes que perfectiva.
o seja muito menos do que poderia. Sem romper com o universalismo da Ilustração (pois considerava
Mencionar a grandeza de Weber como sociólogo da legitimidade que o interesse pelo progresso e emancipação da humanidade fosse per-
cultural não deve dispensar uma consideração final sobre o papel da feitamente compatível com a aguda atenção à particularidade cultural),
teoria social pós-rousseauniana para o desdobramento da problemática a legitimação teórica da cultura nacional realizada por Herder fez com
da legitimidade nas questões da validade cultural. Ao tratarmos da legiti- com que a questão da legitimidade política recuasse para um background
midade social e política, tangenciamos o percurso da teorização subse- obscuramente tácito. Os conexos problemas da soberania e da obrigação,
quente a Rousseau: referimos o esquecimento do tema da democracia que haviam ocupado tanto lugar no pensamento ocidental entre Bodin
participativa pelo liberalismo. constitucional, seu requentamento pelo e Rousseau, ficaram na sombra. Em seu lugar, Herder focaliza a questão
liberalismo socializante inglês de Mill a Cole, e finalmente seu aprofunda da ilegitimidade cultural, atacando rispidamente as cortes alemãs por
mento pela teoria crítica (predominantemente marxista) das relações sua servil imitação de modelos franceses e, de modo geral, pela inauten-
de autoridade na indústria, e a influência destas sobre a legitimidade ticidade de seus costumes.
social, em geral. Quanto à tradição do pensamento político conservador Herder partilhava com Rousseau pelo menos três crenças com bas-
desde Burke, sua aparente negligência com respeito ao tema deve-se tante futuro — primitivismo, patriotismo e populismo — mas significati-
ao fato de que, apesar de suas conexões “subterrâneas” com a vertente vamente despoja as duas últimas da conotação essencialmente política
organicista do socialismo (o socialismo da Gemeinschaft), sua própria que desfrutavam no rousseauísmo. Embora hostil à aristocracia, identifi-
ênfase nos costumes e nas tradições já o condenam a um alto teor de cando a cultura Volk com o Birgertum, o populismo de Herder, como
irrelevância, de conformidade com tudo o que evocamos sobre as afinida seu patriotismo, era eminentemente cultural — e muito menos democrá-
des funcionais entre o pensamento liberal democrático e a natureza tico, já que excluía do Volk alemão, por razões culturais, a maior parte
do “contexto da legitimidade” da sociedade moderna.!é das classes inferiores. Enquanto o instrumento da vontade geral era
Isto posto, constata-se que a melhor contribuição da teoria social o estado, a sede do Volk era a Kultur. O patriotismo de Rousseau
pós-rousseauniana ao estudo da legitimidade situa-se no campo. não-po era “clássico”, isto é, significava amor pela pátria política dos antepas-
lítico. Parece que três pensadores constituem as principais referências sados, qualquer que fosse a sua cultura ou etnicidade; a pátria de Herder,
neste campo: o primeiro, Herder, que já descobrimos como origem pelo, contrário, era “etnológica” — e exatamente por isso tornou-se
principal do historismo, influenciou poderosamente o pensamento ale a mola mestra do nacionalismo moderno.
mão, logo após a morte de Rousseau; o segundo, Georg Friedrich Hegel Pode-se dizer que a complexa contribuição de Hegel à teoria da
(1770-1831), dominou a filosofia continental na primeira metade do sécu legitimidade cultural converte-a numa dimensão bastante específica —

234 235
a legitimação da sociedade através do tempo, ou seja, a dimensão histó- O historicismo como teoria da direção, ou do sentido, da história,
rica da legitimidade. Hegel é bastante conhecido como filósofo do estado tem sido adequadamente denominado “concepção da História como
e, de forma mais geral, como o pensador que procedeu à mais audaciosa enteléquia”.'* O historicismo de Hegel constitui efetivamente a primeira
tentativa de validar filosoficamente o “mundo cristão-burguês”,”” basea- e a mais avançada forma teleológica do pensamento, usando e abusando
do na consideração de que só na moderna sociedade jurídica da Europa da própria categoria de finalidade, cujo passaporte para o domínio dos
pós-revolucionária a liberdade encontrava afinal plena realização; infor- principais conceitos científicos legítimos tinha sido rechaçado por Kant.
tunadamente, entretanto, os esforços da sua filosofia política para conci- Entretanto, conforme se tem observado subsequentemente, o histo-
liar a manifesta liberdade cristá, duvidosamente universal, com um estado ricismo de Hegel oferece, apesar disso, impressionante “solução” para
hereditário carregado de relíquias feudais, cheirava demasiado a uma um autêntico problema relativo à legitimidade: a questão de como “as
apologética ad hoc, razão pela qual vieram a ser ferozmente hostilizados sociedades concebem sua inserção em seu tempo”.” A observação parece
quer por críticos sociais como Marx quer por consciências religiosas convincente. Poderia de fato invocar a autoridade da própria obra de
mais exigentes como Kierkegaard. Entretanto, embora sua concepção Hegel. Nas páginas finais da Fenomenologia do espírito (mais especifica-
da legitimidade histórica pudesse eventualmente levar a estas interpre- mente, na segunda seção do Capítulo 8, sobre o conhecimento absoluto),
tações, ela pode ser também considerada por sua forma, sem atenção quando contrasta vigorosamente (embora de forma terrivelmente alusi-
ao seu conteúdo sócio-político. va) as questões-chave da metafísica idealista antiga e moderna, o próprio
Uma vez que nos disponhamos a focalizar a forma de sua filosofia Hegel indica que o desafio da filosofia no seu tempo não era mais,
da história, a primeira coisa que salta aos olhos é que Hegel erige a como fora para Spinoza depois de Descartes,a explicação da unidade
e da história numa verdadeira metafísica, baseada em dois postu entre pensamento e espaço; correspondia, antes, ao desafio de explicar
ados: a unidade entre pensamento e tempo histórico. O que outrora “expres-
sava a unidade entre pensamento e espaço, deve ser agora apreendido
(1) Que substância e sujeito são termos coextensivos, com a realidade como unidade entre pensamento e tempo” — pois o Espírito só pode
última correspondendo ao Espírito (Geist); conforme se inscreve na alcançar perfeita autoconsciência “quando realiza a si mesmo como Weli-
abertura da Fenomenologia do espírito (1807), “o que importa é geist”.
que a verdade seja pensada e expressa, não apenas como substância, A teleologia hegeliana da história consiste efetivamente numa “estó-
mas também como sujeito”. ria do crescimento do mundo”, especialmente afinada com a cultura
(2) Que o Espírito é por natureza transformador: autodesdobra-se alter burguesa do século XIX, bastante inclinada a rejeitar a Providência
nativamente em formas externas e reinteriorizações, corresponden transcendente, e ainda muito propensa a acreditar em progresso e evolu-
tes ao Zeitgeist, i.e., ao “espírito” dos vários estágios da história ção. Tem-se dito que o Espírito hegeliano como crescimento-do-mundo
da humanidade. combina magistralmente o panteísmo (e, daí, imanentismo) com a con-
cepção da história como enteléquia. Além do mais, funde o imanentismo
A elevação hegeliana da filosofia da história à dignidade de meta teleológico também com a perspectiva egocêntrica, tão cara ao arraigado
física constitui, no fundo, um efeito lateral de (2), aquilo que podíamos idealismo da metafísica moderna (i.e., sua insistência em fazer ontologia
chamar de fusão de ontologia e Weligeschichte. O ser, que Fichte tinha de uma forma “reflexiva”, falando do ser do ponto de vista do “sujeito”,
igualado à individualidade como consciência moral, e Schelling, o Bruno em contraposição ao do “objeto”).” O Espírito de Hegel — “um eu
romântico, à individualidade como alma da natureza, torna-se para Hegcl que é um nós e um nós que é um eu”?! adequava-se soberbamente
idêntico ao logos da história. a esta perspectiva.
Por força desta última hipóstase, a filosofia da história aparente A entronização hegeliana da filosofia da história como metafísica
mente deixa de ser historista ao modo de Herder, e torna-se “histori implica a opção por uma determinada maneira de escrever a história.
cismo” segundo o sentido que Sir Karl Popper confere a esta palavra: Basicamente, a história de qualquer esfera da atividade humana pode
substitui a preocupação interpretativa com a unicidade da particularidade ser relatada, nas palavras de Haskell Fain,2 ou como “estória” ou como
histórica pela preocupação preditiva-com a direção geral do drama histó. “história” propriamente. A história da ciência, por exemplo, relata-nos
rico. os em geral a “estória” da física, quer dizer, uma progressiva estocagem

236 2a
o EA

de problemas, um relato da suplantação lógica de uma descoberta intelec é coisa de pouca monta, o que nos ajuda a entender a escala de sua
tual por outra; já a “história” da física, no sentido de preocupação influência, que penetrou pela década de 1840 de forma apoteótica, no
com a completa unicidade de espaço e tempo, com as minuciosas circuns melhor estilo guru, coisa bem inesperada quando lidamos com filósofos
tâncias e condições nas quais cada descoberta ocorreu, é geralmente acadêmicos. E o seu sucesso está longe de ser único no tocante a histórias
deixada na sombra. Por outro lado, o que a história da arte geralmente filosóficas do mundo no princípio e nos meados do século. Concepções
nos conta — pace Gombrich — não é nenhuma “estória” da arte; aqui sucedâneas do “crescimento” do mundo, sem hipotecas teológicas, ha-
tudo é “história”, já que existe amplo consenso em que a arte, diversa viam mesmo de ultrapassar a influência do hegelianismo. Destacam-se
mente da ciência (pace Kuhn...) não é cumulativa nem progressiva, entre eles a “lei” dos três estágios de Auguste Comte e, pouco mais
mas exemplo perfeito de unicidade histórica, e como tal, de uma séric tarde, o conceito igualmente pseudocientífico de evolução apresentado
de obras e eventos que jamais constituem (a não ser dentro de períodos por Spencer.
estilísticos) uma sucessão lógica. Em suma, a história da ciência é toda Como Frank Manuel já demonstrou, o sistema de Comte é, em
“estória” e não “história”; a história da arte é toda “história” e não alguns pontos cruciais, bastante afim ao historicismo de Hegel. “Ambos
“estória”. lidam com a relação epistemológica entre sujeito e objeto e ambos a
Ora, de acordo com George Dennis O'Brien, a história filosófica resolvem através da temporalização do problema.”” Além disso, diferen-
do mundo proposta por Hegel, relatada como história da liberdade sob temente das teorias do progresso precedentes, tais como as de Condorcet
a forma de Weltgeist, pretendia ser uma “estória da história”.? Era e Saint-Simon, que consideravam o homem psicologicamente idêntico
“história” já que rejeitava encarar seu objeto, a liberdade, como finali através das várias etapas na escalada do avanço histórico, Comte pensava
dade transcendente, situada além das condições históricas; era “estória” que uma progressiva mudança de consciência acompanhava o cresci-
porque focalizava as várias sucessivas culturas históricas como etapas mento tecnológico e científico. Seu sistema era portanto tão capacitado
na expressão da consciência histórica da liberdade, considerando-as não quanto o de Hegel no que se trata de oferecer à época um imanentismo
como escolhas estilísticas “todas iguais perante Deus” (segundo o espírito teleológico reflexivo. A única diferença para ele é que a sociologia —
do historismo rankiano) mas como estágios, um negando o outro, um recentemente denominada a rainha das ciências — substituía a metafísica
convertendo-se no outro, de forma bastante semelhante à logica da solu hegeliana (a autoconsciência do Espírito) como chave decifratória do
ção de problemas na história da ciência. curso da história.”
Encarar a Weltgeschichte filosófica de Hegel como “a estória da Referimo-nos a Comte deliberadamente, pois deveremos voltar a
história” obriga-nos a qualificar de alguma forma a representação pejora ele quando tratarmos de Durkheim. Mas para finalizar nossa discussão
tiva de Hegel por Popper como um tolo cultor de leis históricas. Na medi de Hegel, tudo o que ainda necessitamos é assinalar que, em sua enge-
da em que a “estória” de Hegel compõe-se de “história”, ela não chega nhosa teorização da autolegitimação do Espírito através da história,
a ser estritamente redutível à predição historicista no sentido de Pop Hegel efetivamente desfechou um golpe fatal contra uma outra dimensão
per — aproxima-se, antes, do historismo rankiano, na medida em que de legitimidade — o nível da validade cognitiva. Critérios para a legiti-
também demonstra uma preocupação com a singularidade histórica, pelo mação epistemológica e científica constituem de fato persistente preocu-
menos em princípio (que Hegel jamais tenha cedido às implicações con pação da sóbria crítica kantiana da teorização especulativa. Foram entre-
servadoras da mística da unicidade, e tenha até combatido, como sc tanto escarnecidos por Hegel, desde o início, como indevidamente inibi-
deve recordar, os teóricos sociais românticos que defendiam este ponto tórios dos empreendimentos filosóficos, já que para ele os escrúpulos
de vista, é fato absolutamente inquestionável). No fundo, o que a “estória lógico-empíricos que levaram Kant a recusar validez epistemológica à
da história” hegeliana postulava era um conjunto de tendências (todas especulação metafísica apenas refletiam as limitações da razão analítica
relacionadas à disseminação da liberdade individual) e não de leis histó- como “método de compreensão” e sua “escravidão” ao princípio da
ricas. Ora, bem se sabe que esta é uma distinção crucial na perspectiva não-contradição ao universo finito.”
da crítica popperiana do historicismo: para ele, a asserção de tendências Como Weber bem percebeu,? a teoria hegeliana do conceito como
históricas é aceitável, mas não a de leis históricas. “universal concreto” constitui uma tentativa de superar a irracionalidade
Dessa forma Hegel satisfazia a demanda de legitimidade da consciên- do hiato que separa conceito e realidade. Os conceitos dialéticos funcio-
cia social dominante na infância de seu século. E isso certamente não navam para ele como noções mas também como “realia”, e nesta quali-

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dade abrangiam, sem deixarem de ser gerais (como qualquer conceito demonstrou que tanto o gramscianismo como o adornismo consistem
digno deste nome), coisas e eventos individuais, instâncias de sua própria em aplicações altamente culturalistas da linguagem marxista. Na verdade 5
auto-encarnação na realidade. Encarada como avanço em direção à inte-
parece fora de discussão o papel de Hegel como o patriarca de quase

daipaiy
gridade do conceito, a realidade assim apreendida conceitualmente nada todos os modernos culturalismos, de direita e de esquerda; não é difícil
perdia de seu contéudo perceptivo — a “maximização do contéudo” partilhar a visão de Colletti de que o fascínio mágico da dialética hegeliana
acompanhava a “maximização da extensão dos conceitos” (Weber). tenha sido o principal fator responsável pelo atraiçoamento do materia-
Assim a “realidade” convertida em conceito, e ao mesmo tempo lismo histórico na filosofia marxista.
emanada do conceito, nada perdia de sua riqueza experiencial — os A influência de Hegel sobre o caso de culturalismo que estamos
conceitos, entretanto, perdiam qualquer vestígio de responsabilidade examinando, a saber, a sociologia política de Weber, é, entretanto,
lógico-empírica. O sublime método da filosofia jogava fora as preocu- virtualmente nula. Não há nada de especificamente dialético na mania
pações científicas com univocidade e testabilidade, como se fossem meras culturalista predileta de Weber — as idas e vindas do carisma pela histó-
deficiências intelectuais. Desta forma, a filosofia do conceito, com todo ria. Só se pode propor racionalmente uma conexão na medida em que
o desdém que destilasse em relação a outras versões mais visionárias a presença geral e modificada do hegelianismo constitui o pano de fundo
da metafísica idealista, que pregavam o superior conhecimento intuicio- do historismo alemão. Quando nada, o fato de que Weber tenha precipi-
nista, permanecia, assim como estas, deliberadamente distante do cami- tado a expulsão da questão da legitimidade cognitiva do território da
nho crítico epistemológico inaugurado por Kant. Não, porém, obvia- ciência histórica oferece perfeito contraste com a laboriosa reconciliação
mente, sob o aplauso geral. Goethe sentia-se incomodado pela irrespon- weberiana entre historismo e ciência. Entretanto, enquanto hiperpreo-
sabilidade cognitiva da ginástica intelectual hegeliana;” e Schopenhauer cupação com “valores”, a presença do culturalismo na sociologia não
considerou a dialética de Hegel a epítome da “era da desonestidade” é privilégio do historismo alemão — embora, a meu conhecimento,
em filosofia. Nos dias de hoje, filósofos da ciência como Popper não o culturalismo político o tenha sido. Na verdade, os conceitos de crença
se encontram mais solitários na sua condenação da negligência dialética e de valor desempenharam parte central na reflexão do terceiro e último
em relação às exigências inerentes à legitimidade cognitiva; e pelo menos teórico social que evocamos: o francês Durkheim.
um corajoso ex-marxista vem reforçá-la brilhantemente: Lucio Colletti.”
Não se trata aqui de discutir extensivamente a sociologia de Durk-
Quais as consegiências relevantes desta escamoteação hegeliana heim; ficaremos satisfeitos em examinar seu distanciamento em relação
do problema da legitimidade cognitiva, como que num passe de mágica? às idéias de Comte e Spencer, em A divisão do trabalho social, como
Na verdade, tais consequências são amplas, porque a conversão hegeliana exemplo de sua forma de encarar os problemas da legitimidade sócio-
da metafísica em história filosófica viria a ser, de uma maneira geral, cultural. A integridade moral da sociedade moderna pós-revolucionária
a mais importante das fontes do culturalismo na ciência social. Para fora a primeira das preocupações de Auguste Comte, que situamos,
começar, Hegel foi uma notável influência sobre o historismo alemão há poucas páginas, como o Hegel francês: autor da novela filosófica
do final do século XIX. Dilthey deflagrou seu pleito pela libertação sobre o “crescimento” do mundo, estrelada pela ciência, que, em lugar
da culturologia humanista dos grilhões “positivistas” da explicação cientí- da liberdade cristã, desdobra-se ao longo da história.
fica sob a inspiração da filosofia da história de Hegel. A hermenêutica Embora tivesse sido, em certa época, secretário e íntimo colaborador
diltheyana era a própria dialética de Hegel, com a “estória da história” de Saint-Simon, Comte diferia agudamente das concepções de seu mestre
substituída pelo relativismo fin-de-siêcle. Quanto aos neokantianos de a respeito das consequências para a estabilidade e a legitimidade que
Baden, inclino-me a subscrever a observação de Habermas, segundo a ascendência da industrialização haveria de provocar. Em síntese, Saint-
a qual o que eles fizeram foi lidar com problemas tipicamente hegelia- Simon acreditava que a sociedade “industrial” era intrinsecamente auto-
nos.” Da mesma forma, Hegel é claramente credor dos grandes histori- legitimante, em contraposição aos mores mais rústicos dos sistemas so-
cismos ontológicos de Croce e Lukács, que são as principais forças subja- ciais “militares” que a precediam. Inversamente, Comte pretendia que
centes às duas vertentes do marxismo ocidental, que hoje desfrutam a evolução da divisão do trabalho, ao ampliar a disparidade entre os
do máximo prestígio: a obra de Gramsci (um Croce leninista) e a vários interesses e valores dos grupos e dos indivíduos, implicava cres-
reflexão da escola de Frankfurt, diretamente originária da obra-prima cente conflito, podendo eventualmente levar à desintegração do tecido
do jovem Lukács, História e consciência de classe. Além disso, já se social. Apenas novas formas de vínculo religioso, compatibilizadas com
240
241
a ciência, poderiam impedir a desagregação da sociedade moderna. Com- de valores” como condição objetiva para que o sistema social
possa
te concebia o progresso como crescimento da ordem, embora estivesse lidar com o “problema hobbesiano da ordem”. O único problem
a é
profundamente convencido de que a anarquia e a desordem ameaçavam que semelhante evolução significava nitidamente uma disfarçada procura
a sociedade moderna. de formas sucedâneas da “solidariedade mecânica” no interior da
socie-
Em oposição a tudo isso, Herbert Spencer (principal promotor da dade industrial, vulnerada pela anomia. No fim das contas, na
mente
estória do “crescimento” do mundo entre os ingleses) replicava que de Durkheim, o espírito de Comte conseguiu secretamente
deslocar
a crescente divisão do trabalho estimularia, na verdade, um grau muito o de Spencer.
maior de interdependência social, tornando a desintegração social muito E O papel-chave atribuído por Durkheim à crença e à comunh
ão
menos provável do que na estrutura mais frouxa dos sistemas sociais de valores na vida social — sua fundamentação última do
social no
mais simples. Enquanto Comte considerava a sociedade ameaçada pela sagrado » que, por sua vez, vem a ser, circularmente, definido
como
divisão moderna do trabalho, Spencer a julgava cimentada por ele. vínculo social — é notoriamente a mola mestra da tendência hoje prevale-
Aí surge Durkheim, que prezava Saint-Simon mas era altamente cente na moderna teoria sociológica, largamente identificada
como 6
hostil à filosofia da história comtiana. Concordava com Spencer em estrutural-funcionalismo de Talcott Parsons. Outras escolas
de pensa-
que as sociedades primitivas, antípodas perfeitos das sociedades indus- mento; entretanto, em boa hora puseram em dúvida a pressuposição
triais na escala da evolução, tinham estrutura bastante frouxa. Por serem de que a interiorização de valores fosse tão vital. Sem negar que
os
“segmentares”, i.e., constituídas pela justaposição de unidades iguais, sentimentos de obrigação e, em certa medida, a interiorização dos
valores
somente se mantinham coesas (pensava ele, equivocadamente) pela unida- (principalmente nos processos de socialização) desempenham parte
im-
de da crença. Refutava Comte em seu enfoque da sociedade moderna, portante na vida social, os céticos ressaltam que a sociedade
moderna
assumindo a postulação de Spencer sobre os efeitos coesivos da interde- bem pode ser caracterizada, sem que por isso seja necessariamente
“pato-
pendência social: para ele, a sociedade moderna era a pátria da “solida- lógica”, tanto pelo dissenso quanto pelo consenso.2 O “consenso”. afinal
riedade orgânica” — forma de unidade no interior da diferenciação de contas, não era mais que a mania de Comte.
muito superior à “solidariedade mecânica” da sociedade segmentar.” Seja como for, mesmo sem presumir que um denominador comum
Até aqui, ao que parece, o culturalismo parece ter ficado ao largo no campo dos valores corresponda à força modeladora da socieda
de
— mas não de todo. Pois os tipos de solidariedade de Durkheim são ao lidar com o problema da autolegitimação da ordem sócio-cu
ltural.
formas de consenso social, tipos de moralidade. Ora, ao fazê-los corres- a análise sociológica contemporânea não parece seguir a trilha do
organi-
ponder funcionalmente a dois tipos de estrutura social (segmentado/dife- cismo durkheimiano. Enquanto Shils propõe um maduro neodukh
ei-
renciado), Durkheim não está longe de insinuar que a forma do consenso mismo, enfatizando a “centralidade” da comunhão de valores,
o “work-in-
social efetivamente modela sua infra-estrutura correspondente (atribui, progress” mais ambicioso e provocante na área de sociologia da
cultura
por exemplo, a disseminação do comércio à força da lei contratual, = à pesquisa comparativa de Louis Dumont — prefere focalizar
o proble-
“expressão” eminentemente típica da solidariedade orgânica; entretanto ma do individualismo como núcleo ideológico da sociedade ocidenta
l.?*
não há razão pela qual não se pudesse pretender que a causação na Além disso, se o holismo da abordagem durkheimiana da
realidade não operasse em sentido inverso). legitimi-
dade cultural, derivada de sua preocupação com a ordem
social, parece
Além do mais, após publicar seu livro sobre a divisão do trabalho, questionável, o corolário sócio-político desta abordagem
parece ainda
Durkheim tornou-se progressivamente mais preocupado com os males mais exposto à crítica. Como bem se sabe, o principal remédio
sócio-po-
da anomia e da desintegração social, não mais confiando “nas conse- lítico por ele recomendado contra os impulsos anômicos
da sociedade
quências naturais emergentes da divisão do trabalho” como remédio industrial consistia no estabelecimento de um estado corporat
ivo, nutrido
contra o risco da patologia social.?? dos efeitos integradores decorrentes da disseminação de uma
ética ocupa-
Como Talcott Parsons nota jubilosamente em A estrutura da ação cional, baseada no princípio da autocontenção. Diferentemente
de We-
social — tratado arquiculturalista expressamente dedicado a responder ber, Durkheim não encara o ascetismo do ethos profissional como
energia
a uma questão crucial: quem matou Spencer? A evolução de Durkhein cultural, criativamente transformadora do passado da modernidade
mas
como teórico social corresponde realmente a um movimento em direção como moralidade tranqúilizadora, urgentemente necessitada
pela idade
ao pleno reconhecimento da importância fundamental da “comunhão industrial. A estranha consciência desta concepção é que
Durkheim,
242 243
um dreyfusard simpatizante do socialismo, veio a advogar como cenário pelo próprio Deus, constituem razão para a obediência ao seu
institucional lógico para semelhante ética do trabalho obrigatório uma poder.
utopia organizacional pouco diversa do maligno modelo do corpora-
tivismo fascista. Tal foi o infortunado subproduto político de sua aborda- Nenhum comentário crítico sobre as deficiências da teoria da legiti-
gem culturalista do “problema da ordem”. midade de Weber poderia ser mais revelador que esta direta expressão
Comparemos agora as contribuições de Hegel e Durkheim para “não só O temor...””; o mesmo se diga da enorme distância psicológica
a teorização das dimensões não-políticas da legitimidade com. algumas que separa o reconhecimento da coerção de sua subsegiente embalagem
das linhas mestras do trabalho de Rousseau e Weber. O saldo líquido ideológica (“consciência ordenada por Deus”) para a justificativa da
da historicização hegeliana da metafísica, agora que seu mito do cresci: legitimidade oferecida pelo governante. É precisamente esta distância
mento-do-mundo não mais fascina as mentes esclarecidas, consiste no que Weber deixa de levar em consideração, assim como deixa de analisar
inevitável casamento entre teoria social e complacência humanística em o fundamento social desta distância — primeiro alvo de uma sociologia
relação ao conhecimento inverificável. Durkheim, por sua vez, veio à da legitimidade — em agudo contraste com a profundidade sociológica
presente em outras áreas de sua obra.
ser O principal teorizador da participação no sentido não igualitário e,
em última instância, despolitizado que esta palavra possa ter: a partici A motivação imediata para esta abstenção corresponde à sua preocu-
pação como “pertencimento” tanto no nível ideológico (comunhão de pação quase nietzschiana com a temática da criatividade do homem,
valores), como no nível “prático” (através da filiação corporativista). o amor da grandeza inscrito em sua concepção do carisma. A mesma
Causa pouco espanto que Weber, o homem que lançou as linhas gerais preocupação com a natureza humana não se acha ausente, entretanto,
da lógica da ciência social, contrariando a índole do humanismo historista da tradição clássica da teoria democrática, tradição que, mesmo em
alemão, tenha rejeitado expressamente o hegelianismo como moldura sua culminância normativa, jamais careceu de aguda sensibilidade em
filosófica; e não admira também que Durkheim tenha sido severo crítico relação à coerção e à usurpação. Não é revelador que o hino de Péricles
do individualismo de Rousseau.” Assim, os elementos menos aceitáveis à democracia participante da pólis inclua uma explícita referência ao
das teorias de Hegel e Durkheim ajudam-nos a entender e a celebrar valor da qualidade pessoal? “A pretensão à excelência é também reco-
a melhor parte parte do pensamento de Rousseau e Weber. nhecida”, diz ele — e, de fato, muitos séculos depois, John Stuart Mill
O próprio ponto fraco de Weber, por outro lado, tem muita coisa que, em seu Governo representativo, é bastante preocupado com a garan-
em comum com a fixação culturalista na crença em valores. Aquilo que tia de que o sistema político propicie a emergência de um “Péricles
Durkheim situou no âmago da sociedade — a fé no sagrado qua vínculo “ocasional”, considerava ainda que a participação livre e igualitária no
social — Weber coloca no centro do fenômeno da dominação legítima, processo de tomada de decisões constituía a melhor maneira de formar
e o faz de maneira superlativa; o poder carismático é festejado como e promover a excelência do caráter.
a irrupção da criatividade cultural. Implicitamente, esta fixação na crença Aparentemente pode-se argumentar que boa parte daquilo que We-
em valores, sob a forma de pressuposição generalizada quanto à aceitação ber buscava, na sua esperança em relação ao carisma, poderia florescer
íntima da justificação dos governantes, elimina de sua teoria da legitimi através do valor cultural e moral da prática democrática desritualizada.
dade inúmeros caminhos críticos cruciais, mais capacitados a ilumina! A política por si só naturalmente não pode salvar o homem — mas
a realidade das estruturas de poder e a permitir uma classificação dos afinal, o que é pode salvá-lo (admitindo-se, em primeiro lugar, que
tipos da legitimidade, bem mais objetiva e específica. | par ele precise da “salvação”)? Há boa evidência para o argumento de que
Ironicamente, esta atrofia sociológica da teoria weberiana das justi a autêntica prática democrática não corrompe o caráter — e seria pura
ficativas” da legitimidade vem a ser ressaltada pela expressão franca nostalgia culturalista presumir que os Péricles sejam hoje menos ocasio-
mente ideológica de algumas justificativas históricas reais para o exercício nais que na Antiguidade.
do governo. O melhor exemplo que conheço é o Artigo I das Leis A simples lição a ser extraída é a de que não subsiste razão para
Fundamentais da Rússia Imperial, que reza assim: que o “elitismo” cultural (no sentido de justa preocupação com a exce-
lência pessoal) volte as costas ao ideal da participação democrática e
Ao Imperador de todas as Rússias pertence o poder supremo à rica possibilidade de percepção do mundo por ela oferecida. Noutras
ilimitado. Não só o temor, mas também a consciência ordenada palavras, o que mais faz sentido na teoria weberiana do carisma —

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o compromisso com a riqueza da humanidade — pode (e em larga medida, real de poder, mesmo que não seja o tipo de concentração amplamente
deve) combinar-se perfeitamente com o legado de Rousseau. Os pais conspiratória insinuada pela argumentação sobre elites políticas. Pois
fundadores da democracia liberal pretenderam fazer da liberdade a condi- mesmo nos níveis locais (principalmente aqueles que Floyd Hunter deno-
ção para a busca da felicidade; mas a liberdade, especialmente se for mina “estruturas de poder comunitárias”), os próprios dados empíricos
autenticamente democrática em seu alcance, é também uma condição exibidos pelas análises pluralistas das tomadas de decisão demonstram
natural para a busca da excelência. Weber pensava que o parlamento a ocorrência de padrões de distribuição de poder muito desiguais. Pela
livre pode ser a sementeira de lideranças de superior qualidade, Nada mesma razão, justificam tacitamente o pleito pelo alargamento da partici-
nos impede de pensar que a democracia disseminada e viva seja a semen- pação democrática no poder. Em outras palavras, embora Dahl pareça
teira de homens de qualidade superior. correto na sua argumentação contra Mills e demais teóricos das elites
Estou consciente de que esta última afirmativa pode soar muito políticas monolíticas, isso não o absolve diante dos críticos do elitismo
estranha a certa filosofia política contemporânea — essa espécie que (democrático).
restringiria sua investigação à análise “conceitual” afastada tanto dos Seja como for, todo o debate sobre critérios empíricos para a expan-
fatos empíricos estudados pela “ciência política” como da prescritividade são da democracia participativa corre o risco de tornar-se acadêmico.
da teoria política clássica.” Assim como o louvável desejo de escapar De acordo com Samuel Huntington, a emergente sociedade pós-in-
da trivialidade do empirismo não deve tomar a forma de uma negligência dustrial muito provavelmente há de experimentar níveis sem precedentes
do empírico, as fronteiras entre o empírico e o normativo não são, de participação política. Por quê? Porque os indivíduos executando tare-
suspeito eu, tão nítidas no que diz respeito ao estudo da legitimidade. fas de colarinho branco, melhor educados e residindo em subúrbios,
A recente revivescência do democratismo clássico em estudos orientados estão a ponto de se tornar a maior parte da população no período pós-in-
empiricamente, que esposam abertamente o conceito de democracia dustrial, e é característico deste grupo “envolver-se mais em política
participativa, tais como o de T.B. Bottomore, Elites e sociedade, de do que qualquer outro grupo”. Além disso, por conta deste envolvi-
Henry S. Kariel, A promessa do político ou de Peter Bachrach, A teoria mento, “seu impacto político ultrapassa quantitativamente seu simples
do elitismo democrático, confirma o que acabamos de dizer. crescimento numérico”. Mais especificamente, na medida em que se
Na medida em que o alvo crítico destes autores é aquilo que Bachrach aproxima o complemento da transição para o estágio de sociedade
vem denominando ““elitismo democrático”, devem eles lidar com a cha-
pós-industrial no Estados Unidos, a consumar-se no correr da década
mada teoria pluralista da democracia, que sustenta dois princípios bási- de 1980 (quando metade da população viverá em subúrbios, metade
cos: (1) a negação da existência de elites políticas generalizadas na socie- da força do trabalho estará empregada em atividades de colarinho branco
e metade da população em idade universitária estará frequent
dade capitalista avançada; e (2) a asserção do valor da participação ando
pluralista dos cidadãos em diversas associações, de modo a impedir tanto cursos superiores), a política possivelmente virá a conhecer novas é
Vigorosas formas de militância partidária, de motivação principalmente
a formação de estratos governamentais homogêneos como a atomi-
zação das massas. Entretanto, as idéias dos teóricos pluralistas, tais cívica e ideológica. Ao mesmo tempo, os subúrbios propiciarão o desen-
como Robert Dahl, efetivamente deixam de alcançar o significado real- volvimento de transitórias “organizações em torno de um tema**, domi-
mente ativo do que seja democratismo, pelo menos por duas razões. nadas pela controvérsia acerca de tópicos relativos à qualidade de vida,
A primeira é que, ao enfatizar a participação em associações não políticas mas também permeáveis à discussão de qualquer espécie concebível
tais como igrejas ou clubes, concedem implicitamente razão a seus críti- de problemas políticos não-paroquiais. Da mesma forma, é de se esperar
cos, os quais ponderam que o cidadão médio das democracias liberais “maior participação dentro do emprego” no interior das grandes burocra-
contemporâneas tem na verdade muito pouco controle sobre as dimen- cias onde trabalha a maioria dos empregados de colarinho branco.”
sões mais decisivas da vida social, tais como o governo e a economia. Toda essa tendência é congruente com a “revolução silenciosa” que
Em segundo lugar, ao demonstrar a inexistência de elites generalizadas Ronald Inglehart detectou nos países ocidentais desenvolvidos pelos mea-
através do mapeamento dos processos de tomada de decisão, diferentes dos de 1970 — mudança essa conduzindo principalmente a um desloca-
em nível e em alcance, e envolvendo o exercício do poder por grupos mento do “público de massas” para “atividades de contestação às elites”
muito heterogêneos, os teóricos pluralistas concedem, uma vez mais, (em vez de “dirigidas pelas elites”).
implicitamente, que tende a haver, de um modo geral, uma concentração Para Huntington, que não é nenhum democrata radical, este padrão

246 247
a A
de intensificação da participação política, com muita probabilidade, have- mas jamais um dever; e, no mundo livre digno deste nome, será sempre
rá de gerar um maior teor de tensão dentro do estado. Particularmente, apenas um valor — não importa quão nobre e quão elevado — entre
adverte ele, “a ação governamental efetiva poderia ser ainda mais difícil outros valores. Ora, neste particular, aquilo que mais nos ilumina não
numa sociedade com uma população altamente educada e participante”. reside na austera província da reflexão de Rousseau, nem tampouco
Chega mesmo a antever uma situação em que a maioria da população, na de Weber. Boa parte da liberdade se situa além de ambos.
altamente avançada e esclarecida (em contraposição à “maioria silen-
ciosa” de Nixon, que está sociologicamente minguando), poderia enfren-
tar uma sociedade condenada ao conservadorismo como resultado de
seu sistema político.
Seja como for, permanece o fato de que a própria evolução social
recusada por Rousseau, preso a seu “anarcaísmo” “politista”, está a
ponto de demonstrar a vívida relevância daquele mesmo princípio de
legitimidade por ele advogado, com convincente eloguência, no Contrato
social. Tanto quanto se pode ver, a luta política do final do século
não lançará o carisma contra a burocracia; antes, a perspectiva é de
um empate entre a burocracia e a participação democrática. Entretanto,
se tal coisa acontecer, sempre teremos muito que aprender de Rousseau,
assim como de Weber.
De qualquer modo, não se deve interpretar nosso louvor da partici-
pação como coisa assemelhada ao curioso furor cívico que alguns liberais

cm
socializantes contemporâneos gostam de exibir — em especial quando

E
estabelecem oposições maniqueístas entre envolvimento democrático e
os baixos impulsos utilitários do “consumismo”, ou do “hedonismo bur-
guês” (C.B. Macpherson exemplifica esta tendência). A participação
democrática deve sempre ser matéria de amplicação das oportunidades,
não de virtude imperativa. Um verdadeiro liberalismo libertário não
trepida em reconhecer que a participação na tomada de decisões, em
qualquer nível, pode ser preocupação menos que urgente para determi-
nado indivíduo. Por exemplo, uma pessoa a quem se ofereça a chance
de participar das decisões que regulamentam seu trabalho pode muito
bem estar interessada em coisas bastante diferentes, independente de
qual seja o tipo do governo democrático. Portanto, a participação deve
ser sempre disponível — mas não deve nunca ser considerada, quanto
mais estipulada, como um dever. O voto obrigatório jamais foi marca
registrada da democracia autêntica; e a participação compulsória não
é, em nada, melhor, exceto como castelo no ar de moralistas dogmáticos,
que demonstram pouquíssimo interesse, ou respeito, pelos múltiplos
gostos e desejos do animal humano. Se a democracia há de servir à
liberdade, não deve jamais converter-se em obrigação equivalente à
supressão da liberdade; e se a democracia não se orientar para a liber-
dade, deixa igualmente de ser democrática segundo qualquer acepção
séria deste termo. Em suma, a participação é, sem dúvida, um valor,

248 249
Notas

(Para referências completas, ver bibliografia adiante.)

Introdução.

Sternberger, “Legitimacy”, JESS, p. 245.

Ss
Passerin d'Entréves, “Legalité et legitimité” in Bastide et al.,
L'Idée de legitimité.
M.P. Golding, Philosophy of Law, p. 34.

ENS Da
C.J. Friedrich, Man and his Government, p. 234.
D. Easton, A Systems Analysis of Political Life, p. 278.
Peter G. Stillman, “The Concept of Legitimacy”, Polity 10,
11, n.º 1 (Fall 1974), pp. 39-42.
A.J. Stinchcombe, Constructing Social Theories, Cap. 4, espe-

a
cialmente seções 2 e 5.
- R. Martin, The Sociology of Power, Cap. 4
- E Kant, “What is Enlightenment?” in On History, p. 3.
- Fraenkel, The Case for Modern Man, pp. 32-3.

Capítulo 1 A teoria da legitimidade política de Rousseau: a vontade geral

1. Este comentário é de J. Plamenatz, Man and Society, vol. I,


p. 441.
2. Efetivamente, a polêmica rejeição por Rousseau da tese do mal
natural não enfrenta apenas “Hobbes, o sofista”, mas também
“Agostinho, o retórico”; entretanto a persistente influência de
Hobbes, o inimigo nomeado explicitamente no segundo Discurso,
era de longe a mais notável no século XVIII. Aquela altura,
Agostinho, cujo pensamento e estilo modelaram tão poderosa-

251
ME
mente vários humanistas e escritores religiosos durante o Renasci- subjectionis (ibid.). Colletti cita exatamente a p. 96 de The Deve-
mento e a Reforma, encontrava-se em relativo declínio. O próxi- lopment of Political Theory e não a análise posterior, mais madu-
mo grande impacto de sua reflexão não ocorreria antes do século ra, feita por Gierke em Natural Law and the Theory of Society
XX, por ocasião do movimento de renovação da teologia protes- (na verdade uma tradução parcial do quarto volume de seu famo-
tante. Significativamente, Karl Barth observa que Rousseau sus- so opus magnum, Das deutsche Genossenschafisrecht, 1881-1913).
tentava uma doutrina do livre arbítrio muito próxima à do pelagia- Ao contrastar Hobbes,o absolutista, com Rousseau, o demo-
nismo. crata, não se pode jamais esquecer que, quando se trata da natu-
Cf. E. Cassirer, The Question of Jean-Jacques Rousseau. reza da soberania, eles entram em perfeito acordo: ambos a
Esta equivocada interpretação do segundo Discurso recebeu clás- consideram absoluta e intransferível, independentemente de sua
sica refutação por parte de Lovejoy no ensaio de 1923 “The composição social (monarquia absoluta ou soberania popular).
supposed primitivism of Rousseau's Discourse on inequality”; O que importa é que em Hobbes, exatamente porque a sujeição
republicado em seus Essays in the History of Ideas, pp. 14-37. engole toda a sociedade, pois o contrato só existe para propiciar
E.H. Wright, The Meaning of Rousseau, p. 32. o governo absoluto como condição sine qua da ordem, a sujeição

NE
“Je ne parle ici que de la force relative du gouvernement, e não pode ser objeto de um pacto (de outra forma nunca viria
non de sa rectitude” (Rousseau, Oeuvres complêtes (Pléiade), a ser adequadamente irrestrita). Portanto é a própria maximi-
vol. III, p. 402). [Falo aqui exclusivamente sobre a força relativa zação da sujeição que impõe a eliminação do pactum subjectionis,
de um governo, não sobre sua retidão.] enquanto, pôr outro lado, o pacto subsistente, o que se refere
à sociedade, tem como finalidade única o estabelecimento da
submissão total.
Capítulo 2 O background intelectual do Contrato Social Esse ponto é muito bem explicado em Derathé, Jean-Jacques
Rousseau, pp. 222-7.
1. Sobre este ponto, ver R. Polin, “Analyse philosophique de 1'idée Oeuvres complêtes, vol. III, p. 187.

Nu
de légitimité” in L'Idée de légitimité, pp. 17-18. Sobre esta idéia particular, ver H. Arendt, Between Past and
Ze Cf. O. Gierke, Natural Law and the Theory of Society, 1500 Future, Cap. 3, seç. 6.
to 1800, vol I, p. 60; grifos meus. As passagens relevantes de Esse argumento é bem desenvolvido por R. Grimsley, The Philo-
Hobbes estão em De Cive, Caps. 5 e 6 e em Leviathan, Caps. sophy of Rousseau, pp. 118-9.
14,17 e 19. Ver P.E. Sigmund, Natural Law in Political Thought, p. 126.
R. Derathé, Jean-Jacques Rousseau et la science politique de son Este ponto foi enfatizado por Haymann, “Le loi naturelle dans
temps, pp. 222-3. O mesmo autor comenta também lucidamente la philosophie politique de J.-J. Rousseau”, in Annales, XXX
a eliminação hobbesiana do pactum subjectionis (pp. 217-20). (1943-5) e por Derathé, Jean-Jacques Rousseau, p. 157.
Curiosamente, um estudo anterior de Gierke, The Development
of Political Theory fala, apesar disso, da “concentração hobbe-
siana das bases do estado num contrato de submissão” (p. 96),
embora essa enganadora frase seja precedida do reconhecimento Capítulo 3 Equívocos conflitantes e avaliações unilaterais
de que Hobbes tenha “incluído o contrato de submissão no con-
trato de união original, subscrito pelos indivíduos que se retira- 1. Para um bom levantamento destas linhas de interpretação con-
vam da “guerra de todos contra todos” (p. 95). Parece que este traditórias, ver A. Cobban, Rousseau and the Modern State,
fato ofereceu fundamento para a elegante concepção de Colletti Cap. 1.
segundo a qual a teoria do contrato dual “foi rejeitada tanto 2. Cf. J.L. Talmon, The Origins of Totalitarian Democracy, Cap.
por Hobbes como por Rousseau, a partir de diferentes pontos 3.
de vista” (From Rousseau to Lenin, p. 181), Hobbes tendo ““elimi- 3. Ver a introdução de Vaughan à sua edição em dois volumes
nado” o pactum societatis e Rousseau “descartado” o pactum dos Political Writings de Rousseau (1815). A oposição “'contra-

252 253
tual/social” foi postulada pelo discípulo de Dilthey, Bernard (eds.), Hobbes and Rousseau, p. 328.
Groethuysen, J.-J. Rousseau, passim. 14. A primeira formulação vem de ibid. p. 318; a segunda de Sir
Cf. Henri Sée, L'Evolution de la pensée politique en France Isaiah Berlin, 1952 BBC lectures, Freedom and its Betrayal,
au XVIIF siêcle (1925); E.H. Wright, The Meaning of Rousseau London, 1952.
(1928); Albert Schinz, La Pensée de Jean-Jacques Rousseau 15. Para uma interpretação estritamente política de exigência de
(1929); Ernst Cassirer, The Question of Jean-Jacques Rousseau “capitulação total” à vontade geral, ver R.A. Leigh, “Liberté
(1932) e Rousseau, Kant, Goethe (1945); Bertrand de Jouvencl, et autorité dans le Contract social”, in Leigh et al., Jean-Jacques
Essai sur la politique de Rousseau (introdução à edição de Rousseau et son oeuvre: Problêmes et recherches; o comentário
1947 do Contrato social); Robert Derathé, Rousseau et la science de Plamenatz está em Man and Society, I, 434.
politique de son temps (1950); Pierre Burgelin, La Philosophic 16. J. Shklar, Man and Citizens, p. 184.
de Pexistence de J.-J. Rousseau (1952); Jean Starobinski, Jean 17 Diderot, Essai sur les rêgnes de Claude et Néron.
Jacques Rousseau: la transparence et Pobstacle (1957); Ronald 18. Georges Pire, “De V'influence de Sénéque sur les théories péda-
Grimsley, Jean-Jacques Rousseau: a Study in Self-Awareness gogiques de J.-J. Rousseau”, Annales de la Societé Jean-Jacques
(1961). A tese da unidade de pensamento foi brilhantemente Rousseau, vol. 33 (Genebra, 1953-5).
inaugurada pelo historiador da literatura Gustave Lanson in 19. Emile (Garnier ed.), p. 69.
“LVUnité de la pensée de Jean-Jacques Rousseau”, Annales dv 20. Quanto à pitié de Rousseau, Lévi-Strauss converte-a na moti-
la Societé Jean-Jacques Rousseau, VIII (1912). vação básica para sua celebração de Rousseau como “fundador
- Mas isso não converte Rousseau num cultor apaixonado di das ciências humanas”, já que a piedade, lançando uma ponte
privacidade, precursor do eclipse dos valores públicos, como entre o universo animal e o humano, é a chave para “uma
pensa Richard Sennett em seu livro, aliás interessante, The concepção do homem que postula o outro diante do ego, e
Fall of Public Men, pp. 115-21. para uma concepção da humanidade que postula a vida face
- Essa interpretação é vigorosamente apresentada por B. de Jou aos homens” (cf. Lévi-Strauss, “Jean-Jacques Rousseau, fonda-
venel, Essai sur la politique de Rousseau, p. 84. teur des sciences de "homme”, in Jean-Jacques Rousseau et son
. L. Colletti, From Rousseau to Lenin, p. 185. oeuvre; agora Cap. 2 de Anthropologie structurale II).
O 90

Quanto a esta crítica, ver ibid, p. 164n. 21. Lévi-Strauss, Natural Right and History, p. 252.
Cf. Iring Fetscher, Rousseau's Concepts of Freedom in thc 22: E. Cassirer, The Question, pp. 100-2, ressalta esta diferença
Lights of his Philosophy of History” in Nomos IV: “Liberty” de perspectiva ética.
(ed. por C. J. Friedrich), 1962. 23. Argumento desenvolvido convincentemente por R. Derathé,
10. O diagnóstico de paranóia é formulado explicitamente por T'al Le Rationalisme de J.-J. Rousseau, passim.
mon (The Origins of Totalitarian Democracy), que nitidamente 24. Contrato social, Livro III, Cap. 11.
prefere o fácil passatempo de apor rótulos psicopatológicos a 25. The Prelude, Livro XIV.
Rousseau ao desafio mais árduo de analisar seriamente o signifi 26. Sobre esta questão, ver Kennedy Roche, Rousseau: Stoic and
cado de sua obra. Este pendor totalmente gratuito alcança sua Romantic, p. 11 e passim. A análise de Roche é, a meu conheci-
“culminação em Lester Crocker. Rousseau's Social Contract: an mento, o melhor e o mais geral dos tratamentos do estoicismo
Interpretative Essay, onde uma leitura particularmente inepta de Rousseau. ;
do texto de Rousseau vem acoplada a uma escandalosa má DE Para um exemplo desta rejeição sumária, ver Shklar, Men and
utilização do conceito .de personalidade autoritária. Citizens, p. 4.
1. H. Laski, The Rise of European Liberalism, p. 212. 28. Cf. a refutação por Derathé da interpretação organicista de
12. Esse bem conhecido argumento tem sido apresentado como Vaughan, Rousseau et la science politique de son temps, pp.
a essência da idéologia da democracia totalitária, especialmente 410 e segs., endossada por Cobban, Rousseau and the Modem
por Berlin e Talmon. State, p. 70; quanto ao “mecanicismo” de Rousseau, ver R.D.
. Plamenatz, “On le forcera d'être libre” in Cranston e Peters Masters, The Political Philosophy of Rousseau, pp. 285-93.

254 255
29. Em The Open Society, Popper endossa a assertiva de que Rous- por esta ênfase, unilateral e sem ressalvas, do pessimismo histó-
seau sustentaria uma concepção organicista (enfocada em ter- rico de Rousseau; vide Tristes tropiques, pp. 351-4. Da mesma
mos depreciativos); neste livro a teoria da vontade geral é catalo- forma, uma obra típica pós-lévi-straussiana, como a antropo-
gada entre as tendências iliberais que se dissimulam como huma- logia política de Pierre Clastres (La Société contre Pétat), parece
nitarismos (vol. II, p. 81). Popper encara Rousseau como um situar-se inteiramente sob a égide do dito de Rousseau de que
coletivista romântico (pp. 52, 91) e, considerando o primitivismo um povo livre tem governantes, mas não senhores.
em geral como um tipo de holismo, relaciona o de Rousseau 39. A defesa da liberdade pública e ativa, em oposição à liberdade
com o “tribalismo”, i.e., a filosofia da sociedade fechada, de íntima, parece ser componente inestimável da reflexão de Han-
Platão. Insinua também que o mito arcádico de Rousseau possi- nah Arendt. Ver especialmente sua The Human Condition, pas-
velmente deriva de Platão diretamente, já que Rousseau se sim.
refere ao elogio do pastoralismo dórico no Político, ou, indireta- 40. Jouvenel, “Rousseau's Theory of the Forms of Government”
mente, através da poesia neoplatônica do Renascimento (vide in Cranston (org.), Western Political Philosophies, republicado
vol. I, pp. 221, 246 e 293). Diante da fundamentação tão frágil em Cranston e Peters (orgs.), Hobbes and Rousseau, pp. 487,
desta caracterização, quando proposta como representação ge- 496.
ral do pensamento social de Rousseau, é bastante confortador 41. Avaliação similar encontra-se em I. Fetscher, “Rousseau, au-
constatar que Popper não deixa de recomendar positivamente teur d'intention conservatrice et d'action révolutionnaire” in
o igualitarismo de Rousseau (vol. I, p. 257). Fetscher et al., Rousseau et la philosophie politique, pp. 57-75.
30. S. Lukes, Émile Durkheim, p. 283. Fetscher sublinha o pessimismo dos projetos constitucionais de
S.S. Wolin, Politics and Vision, p. 372. Rousseau para a Córsega e a Polônia e, assim como Jouvenel,
32. Quanto a Marx, suas restrições aos pequenos e grandes Robin- contrasta seu pessimismo social com a rota para a salvação
sons constam dos Grundrisse, p. 83; quanto a Durkheim, ver individual divisada na utopia educacional de Emile.
Montesquieu and Rousseau, p. 116. 42. Shklar, Men and Citizen, Cap. 3.
33. É um grave equívoco apresentar o individualismo de Rousseau, 43. Ibid., Cap. 4.
como Lukes (Emile Durkheim, p. 283) tende a fazer: como 44. Shklar, “Rousseau”s images of authority” em Cranston e Peters
se se tratasse principal ou exclusivamente de uma questão episte- (orgs.), Hobbes and Rousseau, p. 362. Para que o tema da
mológica; ao mesmo tempo sugere-se que a tolerância de Durk- autoridade não seja usado como argumento em favor do suposto

reyep
heim com certa dose de anomia torna-o um antagonista menos iliberalismo de Rousseau, recordamos rapidamente que a mais
intransigente do individualismo do que o teórico da vontade clara de suas postulações da autoridade como origem das institui-
geral como epítome da comunidade; na verdade o individua- ções livres — o famoso capítulo sobre o legislador fundador
lismo de Rousseau é tanto político como epistemológico, e, no Contrato social (Livro II, Cap. 7) — encontra dificuldades
nestas condições, mais avançado que o de Durkheim. para situar a autoridade inteiramente fora do poder. Assim
34. R. Popper, The Open Society, II, p. 37. como os magistrados (ministros da vontade geral) eram total-
35: Sobre este contraste, ver Roche, Rousseau: Stoic and Romantic, mente desprovidos da competência legislativa, também o legisla-
p. 18. dor à la Licurgo era totalmente desprovido de competência
36.. Esta oposição entre os arquéticos de Prometeu e Narciso é executiva. O próprio Licurgo abdicou de seu reino antes de
de Marcuse, Eros and Civilization, Cap. VIII. O outro anti-Pro- promulgar a constituição de Esparta. “Si celui qui commande
meteu de Marcuse, Orfeu, também serviria muito bem a Rous- aux hommes ne doit pas commander aux lois, celui qui com-
seau, o mais sensível entre os pensadores do século XVIII às mande aux lois ne doit pas non plus commander aux hommes.”
dimensões da música e da natureza. [Se aquele que comanda os homens não deve comandar as
37. Starobinski, Introdução ao Discourse on Inequality, in Oeuvres leis, então aquele que comanda as leis também não deve coman-
complêtes, III, p. LIX. dar os homens.) Além disso, há razões para pensar que muito
38. O próprio Lévi-Strauss não pode, com justiça, ser censurado embora esta encarnação mítica da fundação política gratificasse

256 257
o lado clássico de Rousseau, ela não representa parte essencial Citado em A. Cobban, Rousseau and the Modern State, p. 161.
de sua teoria da legitimidade política: na sinopse do Contrato R.D. Masters, The Political Philosophy of Rousseau, p. 434.
social contida nas Cartas da montanha, Rousseau jamais men P.E. Gay, The Enlightenment: an Interpretation, vol. II, livro
ciona a figura do legislador heróico; antes, fala do próprio povo HI, Cap. 10.
soberano como “legislador”. O rapprochement de Burke e Rousseau era a idéia predileta
45. Shklar, Men and Citizen, Cap. 5. de Cobban (Rousseau and the Modern State, Cap. 6, 2). Posta
46. Ibid., p. 184. de lado a diferença crucial que assinalamos, a lista das crenças
47. Ibid., p. 234. comuns a Rousseau e Burke — patriotismo, gosto por uma
48. Ibid., p. 20. religião do estado, anticosmopolitismo, abominação da revolu-
ção violenta — não chega a ser impressionante.
Ez J. Plamenatz, “On le forcera...” in Cranston e Peters (eds.),
Capítulo 4 A teoria da legitimidade democrática Hobbes and Rousseau, pp, 319, 329-32.
18. Cf. R. Dahrendorf, “Out of Utopia”, agora Cap. 4 de seus
- €. Pateman, Participation and Democratic Theory, pp. 22-7. Essays in the Theory of Society.
mm

Peter Gay, seção VIII de sua introdução à tradução do ensaio 19. Plamenatz, Man and Society, I, p. 403.
O

de Cassirer (vide acima, Cap. 1, nota 3). Gay credita a Franz Ibid., p. 419.
Neumann essa distinção em termos de utilidade para os movi 21. R.E. Grimsley, The Philosophy of Rousseau, p. 157.
mentos/estado democrático. oo Este argumento é desenvolvido convincentemente por John C.
Como se sabe, a teoria do consenso floresceu na sociologia RE Ea an Introduction to his Political Philosophy, pp.
l]
na ciência política de meados da década de 1950 até princípios
dos anos 60, em conjunto com a famosa tese de Shils-Lipset-Bell 2a Masters, The Political Philosophy of Rousseau, pp. 420-4. t
sobre o “fim da ideologia”. 24. Ibid., pp. 440, 443.
- J. Shklar, Men and Citizens, p. 18. Na verdade, o estudo de . Ibid., p. 435.
Shklar opõe (Cap. 1) duas utopias polares no pensamento de
26. Sobre este ponto, ver R.E. Grimsley, The Philosophy of Rous-
Rousseau, a utopia da “trangúila vida em família” de Clarens
seau, pp. 160-1.
(La Nouvelle Héloise) e de Emile, baseada na auto-expressão
do homem natural e da vida familiar, e a utopia da cidade 27. Contrato social, Livro I, prólogo; grifo meu.
espartana do Contrato social, que se baseia precisamente na 28. E. Cassirer, The Question, pp. 70-1. Em ensaio posterior, “Kant
“auto-repressão” do cidadão virtuoso dentro do estado justo. e Rousseau”, Cassirer adota posição menos extrema. Fala então
Sobre este ponto, veja a magistral argumentação de J. Plame do ideal de Rousseau, em contraste ao de Kant, como um
natz, Man and Society, I, pp. 393-4. “sincretismo” da virtude e da felicidade (v. Cassirer, Rousseau,
S.E. Finer Comparative Government, p. 8. Kant and Goethe, pp. 35-42.
29. J.C. Hall, Rousseau: An Introduction, p. 80.
VA

: . Habermas, Strukturwandel der Óeffentlichkeit, Cap. 4, seção


2. 30. A distinção entre utilitarismo de ação e de regra foi estabelecida
- J. Plamenatz, Man and Society, I, p. 411. por R.B. Brandt, Ethical Theory, p. 380. De acordo com Urm-
son (citado em Quinton, Utilitarian Ethics, p. 109), John Stuart
255 e passim. Mill foi um utilitário de regra. Definia o acerto de uma ação
R.A. Nisbet, The Social Philosophers, pp. 156, 169. em termos de sua tendência a aumentar a felicidade geral, e
-« J. Charvet, The Social Problem in the Philosophy of Rousseau, apenas uma classe de ações, não uma ação particular, pode
p. 146. ter semelhante tendência. Já que classes de ações implicam
. J.C. Hall, Rousseau: an Introduction to his Political Philosophy, elementos universalizantes, ou regras, a posição de Mills con-
pp. 99-104. verge com o utilitarismo de regra.

258 259
e
31. Derathé, Jean-Jacques Rousseau et la science politique, pp logia política ocupa as seguintes partes: na Parte 1, as seções
365-6. 5, 6, 7, 8, 16 e 17 do Cap. 1, “Conceitos fundamentais de
sociologia”, e todo o Cap. 3, “Tipos de dominação”; na Parte
II, todo o Cap. 8, “Comunidades políticas” e todo o Cap. 9,
Capítulo 5 Comentários finais: Rousseau, o “anarcaísta” “Sociologia da dominação”. Quanto à própria noção de legitimi-
dade, os conceitos básicos aparecem nas três primeiras seções
1. J.C. Hall, Rousseau: an Introduction pp. 142-3. acima mencionadas da Parte I, Cap. 1 (intituladas, respectiva-
2. €. Taylor, Hegel, pp. 185-6, 413-6, 539, 567. As restrições hege mente, “O conceito da ordem legítima”, “Tipos de ordem legíti-
lianas de Taylor à política da vontade geral não o impedem ma” e “As bases da legitimidade de uma ordem”? assim como
de considerar Rousseau um dos principais contribuidores ao na Parte I, Cap. 3 (especialmente seções 1 a 13), onde, não
seu amado “expressivismo”, em outras áreas. obstante, a análise da legitimidade em termos genéricos, redu-
S. Ellenburg, Rousseau's Political Philosophy, p. 132. zidos essencialmente aos três tipos ideais (legal, tradicional e
J. Plamenatz, Man and Society, I, pp. 49, 415-6. carismático) é imediatamente acompanhada de uma abordagem
Vide I. Berlin, “Two concepts of liberty”, agora em Four Essays orientada mais historicamente, que discute as manifestações
SA

on Liberty, pp. 118-72, especialmente pp. 134-54; F. Hayek, da legitimidade em fenômenos como o patrimonialismo, o feu-
The Constitution of Liberty, pp. 16-19; Oppenheim, Dimensions dalismo e os partidos políticos. Este tipo de abordagem adquire
of Freedom, pp. 119-23 e 139-143. impulso integralmente historicizante na Parte II, onde o que
J.C. Hall, Rousseau: an Introduction, p. 125. dá o tom são eruditas dissertações sobre variedades do feuda-
o = 2

Ibid., pp. 123-5. lismo.


- Sobre o conceito de Transição, vide Gellner, Thought and Chan- Economia e sociedade, Parte I, Cap. 1, seção 5.
ge, Cap. 3. Ibid., seção 1.
- L.A. Fiedler, Love and Death in the American Novel, passim. Ibid., seção 3.
P.E. Gay, em sua introdução a The Question de E. Cassirer, Ibid.

-—
comentando sobre a interpretação de Rousseau, por E.H. Ibid., seção 4.
Wright, como coerente defensor da liberdade. Ibid., seção 6.
Ibid., seção 5.
Ibid., seção 4.
Capítulo 6 Um perfil da teoria da legitimidade de Weber . Jbid., seção 5.
Ibid. (grifos acrescentados).
1. W. Mommsen, The Age of Bureaucracy — Perspectives on the Ibid., Cap. 3, seção 1.
Political Sociology of Max Weber, p. 73. . Vide primeira nota de pé de página a ibid., Cap. 1, seção 6.

e ec
DE Para ser mais específico, a teoria da legitimidade de Weber Cf. Parsons, nota 51 ao Cap. 1 de sua tradução da Parte 1
é desenvolvida propriamente através de um conjunto de textos (sob o título The Theory of Social and Economic Transfor-
que compõem, dentro de Economia e sociedade, sua sociologia mations).
política. Distinta de seus pronunciamentos políticos — as duas Acompanho a linha Aron-Runciman-Mommsen ao traduzir a
dúzias de conferências e artigos coligados também postuma- Herrschaft de Weber por dominação antes que por “autori-
mente, no livro Gesammelte politische Schriften, dos quais o dade”. Como Bendix, os editores da edição inglesa completa
mais conhecido, de longe, é “Política como vocação” — as de Wirtschaft und Gesellschaft, Roth e Wittich, alternam “auto-
análises políticas em Economia e sociedade apresentam-se ex- ridade” e “dominação” na tradução de Herrschaft. Mommsen
pressamente como “despojadas de valores”: são políticas pelo (The Age of Bureaucracy, p. 72) argumenta que, já que o termo
assunto, não pela sua finalidade prática, como no caso de seus de Weber pretendia referir-se às fundações ideológicas dos siste-
“escritos políticos”. Dentro da Economia e sociedade, a socio- mas políticos, antes que ao fenômeno mais limitado do governo,

260 261
deve-se preferir o termo “dominação” antes que “autoridade” de R. Bendix, Max Weber, An Intellectual Portrait, pp. 294-5.
palavra que presume relação com governo ou com pessoa (ape- 34. Cf. J. Gernet, Le Monde Chinois, pp. 343-4.
sar de seu étimo altamente personalista, dominus, o termo domi- 35. Ibid., I, Cap. 3, seção 4.
nação vem a ser menos prontamente identificado com os agentes 36. Economia e sociedade, I, Cap. 3, seções 11-12.
do poder). Além disso, “dominação”, sendo termo muito menos
37. Ibid., seção 12.
esquisito que o “controle imperativo” de Parsons, aproxima-se 38. T. Parsons, introdução a The Theory of Social and Economic
mais das nuanças autoritárias da denominação alemá: “autori- Organization, de Weber.
dade” recende mais a “autorizado” que ao componente autori- 39. H.H. Gerth e C.W. Mills (eds.) From Max Weber, p. 113.
tário do poder. A meu ver, o simples fato de que Weber tenha 40. Economia e sociedade, vol. I, p. 268.
considerado necessário falar de “legitime Herrschaft” como caso 41 - W. Mommsen, The Age of Bureaucracy, p. 81.
especial de Herrschaft liquida a questão, já que a necessidade 42 - R. Bendix, Max Weber, p. 325.
do adjetivo demonstra que Herrschaft por si só não é intercam-
biável com “autoridade”. Incidentalmente, a recente tradução
francesa do vol. I de Economia e sociedade por Chavy-Dam-
Capítulo 7 Breve avaliação da teoria weberiana da legitimidade
pierre adota também o termo “dominação” como o melhor,
se não o único, equivalente de Herrschaft.
1. G. Hawthorn, Enlightenment and Despair: a History of Socio-
. De acordo com W. Mommsen, The Age of Bureaucracy, p.
logy, p. 162.
16.
Cf. introdução a D.H. Wrong (org.), Max Weber, p. 41.
Economia e sociedade, I, Cap. 1, seção 16.

19
Ibid. - Essa questão é bem respondida por D. MacRae, Weber, pp.
. Ibid., I, Cap. 3, seção 1. 69-70.
. Ibid., vol. 3, p. 946. - R. Martin, The Sociology of Power, p. 76.

ne
Ibid., p. 945. Cf. T. Parsons, The Structure of Social Action, pp. 658 e segs.;
E Shils, “Charisma, Order and Status”, atualmente Cap. 15
P.M. Blau, “Critical Remarks on Weber's Theory of Autho-
rity”, American Political Science Review, LVII (1963), republi- em seu Center and Periphery: Essays in Macro-Sociology; e
em Wrong (org.), Max Weber, p.162. R. Nisbet, The Sociological Tradition, Cap. 6.
cado
24. Economia e sociedade, I, Cap. 1, seção 7.
Ver S. Lukes “Prolegomena to the Interpretation of Durk-
25. Ibid., I, Cap. 3, seção 2.
FE Archives Européenes de Sociologie, XII (1971), pp.
26. A comparação procede de Wrong (em sua introdução a Max -209.
- Ver P. Glasner, The Sociology of Secularization, p. 105.
Weber, p. 41), que é maximamente enfático na rejeição das
Para esta crítica, ver R. Bierstedt “The Problem of Authority”

0
interpretações psicologizantes da tipologia de Weber. Para uma
posição semelhante, ver R. Aron, Main Currents in Sociological
(1954), atualmente Cap. 14 de seu Power and Progress — Essays
on Sociological Theory, pp. 247-9.
Thought, II, p. 238.
Esta crítica foi apresentada por Abner Cohen, Two-Dimensional
Dio Aron, Main Currents, p. 238.
28. Wrong, Max Weber, pp. 48-9. Man: An Essay on the Anthropology of Power and Symbolism
in Complex Society, pp. 79-80.
29. J. Winckelmann, Legitimitát und Legalitât in Max Webers Herr 10. R. Bendix, “Reflection on Charismatic Leadership”, in Bendix
schafissoziologie, pp. 75 e segs.: para uma rejeição deste enfo (ed.), The State and Society, p. 629.
que, ver J. Habermas, Legitimation Crisis, pp. 99-100.
11. D.H. Wrong, “Max Weber: the Scholar as Hero”, atualmente
30. Mommsen, The Age of Bureaucracy, p. 76.
Cap. 15 em Skeptical Sociology, pp. 257-8.
31. Economia e sociedade, I, Cap. 3, seção 13. 12. Cf. George Lichtheim, Marxism, p. 345.
Ibid. vol. HI., p. 953. 13. ei Essays in Social Theory, Cap. 1, especialmente pp.
33. A apresentação subsequente difere apenas ligeiramente daquela
espir
262
263
14. Cf. R. Lipset, Political Man, Cap. 3. em seu Higher Civil Servant in American Society.
15. A literatura relevante já é na verdade bastante extensa. Aqui 23: M. Albrow, Bureaucracy, p. 54.
mencionaremos apenas o Cap. 13 de Carl Joachim Friedrich, Cf. C.J. Friedrich, “Some Observations on Weber's Analysis
Man and his Government — talvez o berço do reconhecimento of Bureaucracy”, in Merton (ed.), Reader in Bureaucracy.
teórico da legitimação através da eficiência; Ernest Gellner, 25. Boa argumentação sobre esta questão encontra-se em Beetham,
Thought and Change, passim, que é em larga medida um estudo Max Weber and The Theory of Modern Politics, pp. 66-7 e
das mútuas implicações entre industrialização e ideologia; o 72-9.
seminal Legitimation durch Verfahren de Niklas Luhmann; a 26. Weber, Gesammelte politische Schriften, pp. 151-2.
tese de Alvin Gouldner quanto ao papel do “condicionamento DT Economia e sociedade, I, Cap. 3, seção 2, 8 5 in fine.
gratificacional” no consumismo ocidental contemporâneo (The 28. A equação weberiana entre plebiscitarismo e cesarismo é criti-
Dialectic of Ideology and Technology, especialmente Cap. 11) cada agudamente por Karl Lôwenstein, Max Weber's Political
e os comentários de Claus Mueller sobre o moderno relaciona- Ideas in Perspective of Our Time, p. 71.
mento entre eficiência e legitimidade em The Politics of Commu- 29. J. Freund, Le Nouvel age. Elements pour la théorie de la démo-
nication, pp. 129-49. cratie et de la paix. Cf. também seu trabalho anterior, Essence
Para um bom relato destas análises, vide Beetham, Max Weber du politique.
and the Theory of Modem Politics, Caps. 6 e 7. Na mesma 30. Formulação bastante ingênua sobre esta questão é a de Gunther
linha, Arthur Stinchcombe (Constructing Social Theories, pp. Roth, “Political Critiques of Max Weber: Some Implications
161-2) já observou que, em sua análise concreta dos fenômenos for Political Sociology”, in Wrong (ed.), Max Weber, p. 196.
do poder, em contraste à sua tipologia ideal-típica de Economia St Sobre a evolução sócio-política da Suécia, ver Franklin D. Scott,
e sociedade, Weber mostrava-se bem menos preocupado com Sweden: the Nation's History, Perry Anderson, Lineages of the
a questão da opinião ou da crença; em vez disso, interessava-se Absolutist State, Cap. 7, e Michael Roberts, “The Birth of Bu-
muito pelas reações de outros centros de poder (segundo Stinch- reaucracy” (nominalmente uma recensão do livro de Scott),
combe, a legitimidade é uma reserva de poder). Times Literary Supplement, 9, dezembro de 1977, pp. 1434-5.
17. Quanto ao papel do carisma como “veículo metafísico de liber- 32: Semelhante raciocínio é apresentado em conexão com Weber,
dade humana na história”, vide Gerth e Mills, introdução a em Giddens, The Class Structure of Advanced Societies, pp.
From Max Weber: Essays in Sociology, p. 72. A expressão 96-7.
“liberal em desespero” é de Mommsen (The Age of Bureau- 33: Vide I. Wallerstein, “The State and Social Transformation: Will
cracy). and Possibility”, in H. Bernstein (ed.), Underdevelopment and
18. Economia e sociedade, vol. II, p. 973. Development, p. 281.
19. S.H. Udy, “Bureaucracy and “Rationality' in Weber's Organi- 34. E. Gellner, Thought and Change, pp. 137-8.
zation Theory”, American Sociological Review, vol. XXIV, n.º . R. Lowenthal, Model or Ally?, Cap. 7.
6 (1959). 36. Este argumento, assim como o do parágrafo precedente, é de
Cf. Merton, “Bureaucratic Structure and Personality” (1940), David Easton (A Systems Analysis of Political Life, p. 286).
in Merton (org.), Reader in Bureaucracy, e também no Cap. 37. R. Merelman “Learning and Legitimacy”, American Political
8 de seu Social Theory and Social Structure (ed. 1968), e a Science Review, LX, n.º 3 (setembro de 1966).
longa nota de Parsons na sua introdução a Weber, The Theory 38. R. Heilbroner, The Great Ascent.
of Social and Economic Structure, pp. 58-60; Blau, Bureaucracy 39. Merelman, “Learning and Legitimacy”, p. 552.
in Modern Society; Gouldner, Patterns of Industrial Bureau- . Tomo esta expressão de Gellner, Thought and Change, p. 32.
cracy, e Selznick, Leadership in Administration: A Sociological 41. Para a identificação de problemas relativos à manipulação de
Interpretation. símbolos de legitimidade e a comparação entre estados centrali-
21. Cf. From Max Weber, p. 214. zados e descentralizados, com respeito a estas questões, vide
22. M. Albrow, Bureaucracy, pp. 62-6. A crítica de Bendix está Merelman “Learning and Legitimacy”, pp. 558-61.

264 265
42. Sobre as vantagens dos estados centralizados modernizantes
àquelas cuja obrigatoriedade deriva do fato de que sejam efeti-
com respeito à eficiência política — problema afim, mas diferen-
vamente exigidas pelas autoridades (ver acima, p. 99); neste
ciado — ver especialmente S. Huntington, Political Order in
sentido, implicam sempre alguma espécie de dominação.
Changing Societies, especialmente pp. 90-2, 134-7 e 334-43.
43. Cf. ibid., p. 337.
44. H. Constas, “Max Weber's Two Concepts of Bureaucracy”,
American Journal of Sociology, 52 (janeiro de 1958). Capítulo 8 Historismo e sociologia
45. Sobre a Igreja como “grupo hierocrata”, ver Economia e socie-
dade, I, Cap. 2,8 17. Í. Vide o inestimável monumento de erudição filosófica que é
46. H. Constas, “Max Weber's Two Concepts of Bureaucracy”, o Dicionário de filosofia, de Ferrater Mora (4. ed., 1958).
pp. 401, 402, 407-8. Menger, Die Irrthimer des Historismus (1884). Vide F. Hayek,
47. H. Marcuse, “Industrialization and Capitalism”, in O. Stammer The Counter-Revolution of Science, p. 215.
(ed.), Max Weber and Sociology Today, pp. 133-51; também F. Meinecke, Die Entstehung des Historismus.
Cap. 6 de Marcuse, Negations. Sobre as apreensões de Troeltsch quanto ao historicismo, vide
- W.J. Mommsen, The Age of Bureaucracy, pp. 75-6. Antoni, From History to Sociology, pp. 73-82 e também H.S.
- D.H. Wrong, introdução a Max Weber, pp. 56-7. Hughes, Consciousness and Society: The Reorientation of Euro-
- P.M. Blau, “Critical Remarks”, pp. 156-9. pean Social Thought, 1890-1930, Cap. 6, seção 5 (especialmente
Sobre este ponto, cf. W. Mommsen, Age of Bureaucracy, p. pp. 239-41).
84 e P. Hirst, Social Evolution and Sociological Categories, p. -. Para uma elaboração deste princípio, ver W. Dilthey, Pattern

ta
50. and Meaning in History (ed. por H.P. Rickman), passim. Tex-
53. Easton, A Systems Analysis, Caps. 11-13. tos isolados de Dilthey, centrais quanto a esta questão, são
o ensaio “Der Aufbau der Geschichtlichen Welt in den Geistes-

TRE
54. Sobre esta questão, vide nossos comentários anteriores a respei-
to da diferença entre lei e dominação (acima, p. 106). wissenschaften” (Gesammelte chriften, vol. V) e naturalmente
55. P. Hirst, Social Evolution, p. 86. seu livro-programa de 1883, Einleitung in die Geisteswissen-
0. Cf. Giinther Roth, na introduão à sua edição e de Nittich, schaften.
de Economiae sociedade, p. 82. Para Don Martindale (The Cf. Highes, Consciousness and Society, p. 47.
Nature and Types of Sociological Theory, p. 389), o conceito Aron, German Sociology, pp. 69-70. O Cap. 2 da Introduction
de “relações sociais” assegura em Weber a transição lógica desde à la philosophie critique de Phistoire do mesmo autor oferece
o nível que poderíamos denominar “molecular” da interação uma excelente discussão crítica de Rickert.
social elementar até o nível “molar” das instituições e dos pro- Cf. Ringer, The Decline of the German Mandarins: The Ger-
cessos macrossociais. man Academic Community, 1890-1933.
57. Quanto a esse ponto, ver John Rex em “Typology and Objec- Ibid., p. 1.
tivy: A Comment on Weber's Four Sociological Methods”, in 10. Devo desculpar-me por não ter sido capaz de recuperar a
Arun Sahay (ed.), Max Weber and Modern Sociology, p. 29. fonte documental da colisão Rickert-Jaspers a este respeito.
58. P. Hirst, Social Evolution, p. 84. 11. Cf. Weber, The Methodology of the Social Science (ed. por
59. Boa análise das configurações de poder resultantes da avaliação Shils e Finch), p. 88. W.G. Runciman se opõe a Weber sobre
da assimetria dos padrões de dependência e de disponibilidade esta questão em sua Critique of Max Weber's Philosophy of
das vias de escape foi recentemente oferecida por Roderick Social Science, pp. 70-8.
Martin, The Sociology of Power, Cap. 4 (ver acima, pp. 9). 12. Dos dez ensaios coligidos por Marianne Weber, sob o título
60. Economia e sociedade, vol. II, p. 947. enganosamente rickertiano Wissenschaftslehre (e primeiramen-
61. W. Mommsen, Age of Bureaucracy, p. 92. te publicados como Gesammelte Aufsaetze em 1922), dois são
62. Atividades “imperativamente coordenadas” correspondem de escasso interesse. Os demais oito são os seguintes: (a) “Ros-
cher e Knies”; (b) “A objetividade na ciência social e na política
266 267
social”; (c) “Estudos críticos sobre a lógica das ciências cultu- (Consciousness and Society, p. 335) fala, da mesma forma,
rais” (subdivididos em I. “Crítica das concepções metodoló- sobre a “transposição do abismo” entre positivismo e idealismo
gicas de Eduard Meyer” e II. “Possibilidade objetiva e causa- por Weber.
ção adequada na explicação histórica”); (d) “Crítica de Stamm- 26. H.H. Bruun, Science, Values and Politics, p. 15.
ler”; (e) Ueber einige Kategorien der verstehenden Soziolo- 27: Esse argumento é bem apresentado em Ehud Sprinzak, “We-
gie”; (f) “O significado da neutralidade ética (scilicet Wertfrei- ber's Thesis as an Historical Explanation”, History and Theory,
heit) em sociologia e economia”; (g) “Conceitos básicos de vol II (1972), p. 306.
sociologia”; e (A) “A ciência como vocação”. As traduções 28. Methodology, pp. 114-15.
de Shils e Finch na Methodology citada incluem (b), (c) e 29. Parsons, The Structure of Social Action, p. 595.
(f). Guy Oakes recentemente publicou traduções de (a) e (d). 30. Sprinzak, “Weber's Thesis”, p. 308.
O texto (g) integra Economia e sociedade, traduzido integral- Protestant Ethic, p. 29.
mente desde 1968, como o Cap. 1 da Parte I; o texto (A), 32. Citado em Oakes, introdução a Weber, Critique of Stammler,
uma conferência, é há muito disponível como o Cap. 5 de p. li.
From Max Weber; o texto (e) permanece não traduzido para 38; Methodology, p. 116.
o inglês, mas dele existe versão em francês (Weber, Essais Ibid., p. 76.
sur la théorie de la science, trad. por J. Freund, pp. 325-98. 35. Cf. From Max Weber, p. 55. A citação é de Weber, Gesammelte
Na avaliação quase consensual entre os estudiosos de Weber, Aufsaetze zur Wissenschaftslehre, p. 415.
“Objetividade”, artigo programático publicado em 1904 no 36. J. Agassi, “Methodological Individualism”, British Journal of
Archiv fiir Sozialwissenschaftlicher und sozialpolitischer Er- Sociology, 11 (1960).
kenntnis de Weber, Sombart e Jaffé, seguido possivelmente 37, T. Abel “The Operation Called Verstehen”, American Journal
pelo ensaio “Kategorien”, publicado em 1913 no bastião neo- of Sociology, 54 (1948-9).
kantiano Logos, constitui a melhor formulação weberiana da 38. T. Abel, The Foundation of Sociological Theory, Cap. 3.
lógica da ciência histórica. 39. T. Abel, “The Operation”, p. 217.
13. Weber, Methodology, p. 84. 40. Devo confessar que não consigo entender qual o objetivo da-
From Max Weber, pp. 147-8 (“Science as a Vocation”). queles que, como Diana Leat em “Misunderstanding Verste-
PS: Cf. Burger, Max Weber's Theory of Concept Formation, p. hen”, Sociological Review, vol. XX (1972), censuram Abel
XII e passim. por concentrar-se exclusivamente na interpretação indireta —
16. Cohn, Crítica e resignação, pp. 98-9. e apresentar, desta forma, o método interpretativo como dispo-
17. Cf. J.E.T. Eldridge, “Max Weber — Some Comments, Pro- sitivo apenas heurístico, útil mas contingente. O argumento
blems and Continuities””, ensaio introdutório a Eldridge (org.) de que a interpretação direta torna a Verstehen permanen-
Max Weber: The Interpretation of Social Reality, p. 12. temente necessária, antes que usável ocasionalmente pelo soció-
Gouldner, “Anti-Minotaur: the Myth of a Value-Free Socio- logo, parece esquecer que as interpretações diretas, mesmo
logy” (1962), publicado em seu For Sociology, pp. 8, 24-5. quando efetivamente exigidas, são absolutamente triviais. Não
Methodology, p. 104. precisamos, a não ser que fôssemos maníacos sociólogos “cog-
Cf. Oakes, introdução a Weber, Critique of Stammler, pp. nitivos”, de uma sociologia da ação para apreender o signifi-
15-16. cado óbvio da conduta humana.
Cf. H.H. Bruun, Science, Values and Politics in Weber's Metho- 41. Sobre o legado da Hermeneutik de Schleiermacher, e sua modi-
dology, pp 49-50. ficação nas mãos de Dilthey, vide o belo pequeno estudo de
- Ibid., pp. 48-9. Peter Szondi “L'Herméneutique de Schleiermacher”, in Poéti-
Cf. From Max Weber, p. 143 (“Science as a Vocation”). que 2 (1970), pp. 141-55. Sobre Dilthey, vide Antoni, From
Methodology, p. 84. History to Sociology, Cap. 1; sobre a problemática epistemo-
H.H. Bruun, Science, Values and Politics, p. 137. H.J. Hughes lógica da tradição hermenêutica, vide H.G. Gadamer, Truth

268 269
and Method, especialmente a segunda parte e também a primei- nas exemplos de comportamento adaptativo em sua represen-
ra parte de sua Philosophical Hermeneutic (tradução parcial tação da Verstehen. Que tremenda indecência behaviorista,
dos três volumes de Gadamer Kleine Schriften). professor Abel!
42. Sobre a recriação intuitiva como decifração da compreensão H. Fallding, The Sociological Task, p. 25.
histórica, ver G. Simmel, The Problems of the Philosophy of A. von Schelting, Max Webers Wissenschafislehre.
History, Cap. 1, pp. 63-8. O mesmo locus (Cap. 1, 6) é ainda Weber, Methodology, pp. 50-112.
a fonte de sua dicotomia aktuelles/erklirendes Verstehen. Ibid., pp. 129-35.
43. Estou pensando particularmente em Peter Winch (The Idea C. Antoni, From History to Sociology, p. 171.
of a Social Science). O gosto pela “pré-definição” entre os - Esta comparação quadripartite deve-se a Jaspers.
teóricos sociais, de convicção fenomenológica, no sentido de Vide sua introdução a The Protestant Ethic and the Spirit of
tendência a definir os conteúdos culturais em termos dos signifi- Capitalism.
cados que os nativos lhes atribuem, seria um bom exemplo J.E.T. Eldridge, “Max Weber”, p. 14.
disso. E surpreendente que um estudioso weberiano como P. Hirst, Social Evolution, p. 72 (grifos meus).
Guy Oakes assimile a Verstehen weberiana a semelhantes falá- K. Jaspers, Max Webers. Politiker, Forscher, Philosoph, p.
cias “antropológicas”. Veja Oakes, “Ensaio introdutório” à 42 (tradução e grifos meus).
sua tradução de Weber, Critique of Stammler, 24-6. F. Tenbruck, “Die Genesis der Methodologie Max Webers”,
44. A. Dawe “The relevance of values” in Arun Sahay (org.), Kôlner Zeitschrift fiir Soziologie, XI (1959), pp. 573-630.
Max Weber and Modern Sociology, p. 45. Rex, in “Typology A principal discussão destas questões por Menger está em
and Objectivity: Comments on Weber's Four Sociological Me- seu Untersuchungen (II, 2), traduzido para o inglês como Pro-
thods” (ensaio pertencente à mesma coletânea), faz afirmativa blems of Economics and Sociology.
similar (p. 26). 65. G. Therborn, Science, Class and Society, p. 280. Therborn,
45. A. Sahay, “The importance of Weber's Methodology in Socio- que concede grande ênfase à redescoberta do nexo entre Men-
logical Explanation”, in Sahay (ed.), Max Weber, p. 73. ger e Weber, tende a minimizar a discussão anterior deste
46. Rex, “Typology and Objectivity”, pp. 22-3. assunto por Tenbruck. Satisfaz-se em dizer que o ensaio de
47. Runciman, 4 Critique of Max Weber's Philosophy of Social Tenbruck, mencionado juntamente com a Logik der Sozialwis-
Science, p. 19. senschaften de Habermas, ao final de uma nota de rodapé,
48. Winch, “The Idea of a Social Science” (resumo do livro homô- “não leva em conta o contexto econômico” (scilicet, no back-
nimo), in Bryan R. Nilson (org.) Rationality, pp. 6-7. Quanto ground intelectual de Weber). O leitor menos preparado fica
a Weber e hipóteses interpretativas listáveis, veja, de Popper, com a impressão de que a especificação da influência de Menger
Poverty of Historicism, seção 29. sobre Weber é devida mais a Therborn do que a Tenbruck.
49. Brodbeck, “Meaning and Action”, Philosophy of Science, vol. Antes de Tenbruck, uma arguta mas embriônica percepção
XXX (1963), republicado em P.H. Nidditch (org.) The Philo- da utilização por Weber do modelo econômico para a interpre-
sophy of Science, p. 120. tação da ação social acha-se em C. Antoni, From History to
50. E. Gellner, Cause and Meaning in the Social Sciences, p. 55. Sociology, pp. 168-72, que entretanto não logra ser mencio-
51. S. Torrance, “Max Weber: Methods and the Man”, European nado por conta disso na fastidiosa nota de rodapé de Therborn,
Journal of Sociology, vol. XXV, n.º 1 (1974), pp. 145, 149, que reprova quase todos os exegetas weberianos, de Schelting
152-3, 155. Desnecessário observar como esta crítica se apro- a Parsons, e de Bendix a Roth, por desconsiderarem aquela
xima do costumeiro rotulamento de Weber pelos marxistas conexão com Menger. O tom crítico de Therborn torna ainda
como sociólogo “burguês” subjetivista. mais difícil escusá-lo por deixar de mencionar The Legacy of
52. O comentário é de J. Habermas, Logik der Sozialwissen- Max Weber de L.M. Lachmann, que lida explícita e extensiva-
schaften, Cap. 2, seção 2, que, entretanto, com um puritanismo mente com Menger, embora sem reconhecer a lembrança de
verdadeiramente culturalista, exprobra Abel por oferecer ape- Tenbruck (talvez todas estas omissões sejam homenagens mi-

270 21
a ar
méticas a Weber, também notoriamente lacônico sobre muitas Thomson e Tunstall (eds.), Sociological Perspectives, pp.
de suas fontes; Menger, aliás, só logra arrancar três notas 418-30. A tese funcionalista está também implícita em Herbert
diretas de referência, duas em Roscher and Knies, e outra Luethy, “Once Again: Calvinism and Capitalism” (1964) repu-
na crítica de Meyer). blicado em From Calvin to Rousseau. Luethy vê Weber engalfi-
66. Methodology, pp. 164-88. nhado com o paradoxo da “equação funcional”.
67. E. Nagel, The Structure of Science, pp. 555-6. Cf. E. Sprinzak, 82. The Protestant Ethic, p. 104.
“Weber's Thesis”, pp. 301, 303, 306 e 308. 83. Kurt Samuelsson, Religion and Economic Action: A critique
68. Toda essa questão é admiravelmente bem discutida por H.H. of Max Weber.
Bruun, Science, Values and Politics, pp.169-76. 84. Ibid., H.M. Robertson, Aspecis of the Rise of Economic Indivi-
69. Blake e Davis, “On Norms and Values”, in Manners e Kaplan dualism (1933); Amintore Fanfani, Catholicism, Protestantism
(eds.), Theorys in Anthropology, pp. 465-72. and Capitalism (1935).
70. G. Lichtheim, From Marx to Hegel, p. 201. 85. Cf. H. Trevor-Ropper, Religion, Reformation and Social Chan-
TIA A. Gouldner, For Sociology, pp. 341, 350, 365. ge.
72: W.A. Runciman, 4 Critique, pp. 15, 38, 39, 41. 86. Sobre este ponto, ver J.E.T. Eldridge, Introdução a Max We-
73. H.H. Bruun, Science, Values and Politics, pp. 115, 120. ber, p. 45.
74. J.E.T. Eldridge, Introdução a Max Weber, p. 32. 87. R.S. Neale, “The burgeoisie, historically, has played a most
TS E. Gellner, Cause and Meaning, p. 14;S. Lukes, Individualism, revolutionary part” (irônica citação de Marx: “a burguesia,
pp. 117-21. historicamente tem desempenhado um papel muito revolucio-
76. J. Torrance, “Max Weber”, p. 143. Torrance descarta a defesa nário”), in Neale e Kamenka (eds.), Feudalism, Capitalism
de Wrong (Wrong, Introdução a Max Weber, p. 25) por condu- and Beyond, pp. 84-102 (referência explícita a Weber na p.
zir a uma justificação do individualismo metodológico, passível 89); cf. também I. Wallerstein, The Modern World System
de merecer as restrições de Lukes. Quando a Freund (Sociology — Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-
of Max Weber, p. 118), ele considera probabilidade como a Economy in the Sixteenth Century.

—-
quase certeza da ocorrência de uma dada ação social — o 88. W.F. Wertheim, East-West Parallels: Sociological Approaches
que contraria diretamente o conceito weberiano de “chance”. to Modern Asia; Christopher Hill, Reformation to Industrial
77. Esta crítica vale-se da sugestão de Rex, “Typology and Objecti- Revolution; R.H. Tawney, Religion and the Rise of Capitalism;
vity”, p. 27. Ver também A. Giddens, The Class Structure o argumento erastiano de Trevor-Ropper é citado por Robert
of Advanced Societies, que oportunamente deplora (p. 15) “o More in “History, Economics and Religion: A Review of “The
recuo da análise institucional” e dó exame dos processos ma- Max Weber Thesis” ””; em Sahay (ed.) Max Weber and Modem
croestruturais em etnometodologia e outras tendências da ““so- Sociology, p. 86.
ciologia radical”. 89. RR Dixon, Sociological Theory: Pretence and Possibility,
78. “Esta importante crítica foi persuasivamente desenvolvida pelo pp. 60-5.
finado Paul Lazarsfeld em “Historical Notes on the Empirical 90. Cf. citação da carta a Rickert em From Max Weber, pp. 18-9.
Study of Action: An Intellectual Odissey””, Cap. 2 de seu Quali- Oi; A conferência de Weber em Viena, abril de 1918 — sua primei-
tative Analysis: Historical and Critical Essays. Ver especial- ra desse gênero em quase vinte anos — foi devotada à “Crítica
mente pp. 87-101. positiva de concepção materialista da história”.
79. A. Giddens, introdução à 2. ed. de The Protestant Ethic and 92. D.G. MacRae, Weber, pp. 78, 80; G. Hawthorn, Enlighten-
the Spirit of Capitalism (traduzido por Parsons), p. 10 (parên- ment and Despair, p. 157. A “causação unilateral” da Ética
teses acrescentados). Protestante foi prontamente criticada por Tawney em seu prefá-
80. Cf. The Protestant Ethic (2. ed.), pp. 13 e 183. cio à tradução de Parsons.
Cf. E. Fischoff “The protestant Ethic and the Spirit of Capita- OB Cf. From Max Weber, Cap. 12.
lism: The History of a Controversy” (1944), republicado em 94. Rex, “Typology and Objectivity”; J. Torrance, “Max Weber:

Zi 213
pe | IV, 1 (1963).
Methods and the Man”.
a Simmel, 115. Cf. S.N. Eisenstadt, “Charisma and Institution Building: Max
95. Sobre este ponto, cf. Donald Levine, * Introdução”
On Individuality and Social Forms, p. XXIII. Weber and Modern Sociology”, introdução a Eisenstadt (org.),
96. The Protestant Ethic, pp. 91-2. Max Weber: on Charisma and Institution-Building pp. XXII-
XXVI, e E. Shils, “Charisma Order and Status”, atualmente
97. J.E.T. Eldridge, Introdução a Max Weber, pp. 40-1. Cf. The
Protestant Ethic, pp. Fes o Cap. 15 de seu Center and Periphery, Essaysin Macrosociology.
The Protestant Ethic, pp. 65, 20. A razão pela qual Eisenstadt, depois de criticar corretamente
98.
99. J.E.T. Eldridge, Introduçã o a Max Weber, p. 42; The Protestani os paradigmas culturalistas em The Form of Sociology, pp.
87-8, não obstante assume o inabalável culturalismo de Shils,
Ethic, p. 200.
J.E.T. Eldridge, Introdução a Max Weber, Pp. 38. permanece sendo para mim um mistério — um a mais numa
100.
Ver H.H. Bruun, Science, Values and Politics, pp- 235-6, que “longa lista de enigmas irresolvidos da carismatologia.
101.
E 116. Cf. Gerth e Mills, Introdução a From Max Weber, p. 511.
apresenta este argumento com muito equilíbrio.
117. K. Loewith, “Weber's Interpretation of the Bourgeois-Capi-
102. Sobre a estrutura lógica da ética protestante como explicação
talistic World in Terms of the Guiding Principle of “Rationa-
causal, ver Hans Zetterberg, On Theory and Verification in
lization” ”, in Max
Sociology, comentado em Keith Dixon, Sociological Theory, Weber and Karl Marx, traduzido como
92-71. o Cap. 4 de D.H. Wrong (ed.), Max Weber.
118. Cf. Weber, Economia e sociedade, Parte II, Cap. 8, seção
103. SN. Eisenstadt e M. Curelaru, The Form of Sociology: Para-
digms and Crises, p. 104. 2.
119. Cf. Loewith, in D.H. Wrong (ed.), Max Weber, p. 109. ]
104. The Protestant Ethic, p. 27. diese A j ]
120. Vide os iluminadores comentários de Weber sobre a natureza
105. R. Boudon, “Déterminismes sociaux et liberté individuelle”, lógica e epistemológica dos conceitos hegelianos como “uni-
Cap. 7 de Effets pervers et ordre social (pp. 189-252). /
versais concretos” in Roscher and Knies, pp. 66-7.
106. Ibid., pp. 200, 204. 121. J.G.A. Pocock, Politics, Language and Time — Essays on
107. Ibid., p . 238-9. Political Thought and History, p. 239.
108. E; SÓNiERE “Weber's Thesis”, pp. 315-20. 122. E. Gellner, Legitimation of Belief, p. 189.
109. Sobre este ponto de vista, ver P. Ekeh, Social Exchange Theo- 123. Ibid., pp. 190-1.
ry, p. 97. 124. Cf. Weber, Methodology, p. 110.
110. PET. Eldridge, Introdução a Max Weber, pp. 44-5. 125. E. Gellner, Legitimation of Belief, pp. 191-4.
111. Robert K. Merton, Science, Technology and Society in Seven- 126. Como ressaltado no título do livro de W.G. Mommsen.
teenth Century England; Michael Walzer, The Revolution of
127. Weber, “Politics as a Vocation” (From Max Weber, p. 128).
the Saints — A Study in the Origin of Radical Politics; Guy 128. G. Simmel, Schopenhauer und Nietzsche, Cap. 1.
Swanson, Religion and Regime. = =
129. “On the Concept and Tragedy of Culture”, in Simmel, The
112. P. Bourdieu “Une interprétation de la théorie de la religion Conflict in Modern Culture and Other Essays, p. 44. O ensaio
selon Max Weber”, Archives Européennes de Sociologie, XII, original em alemão aparece na coletânea Philosophische Ex-
1 (1971), p. 3-21. kurse.
MIS: in Society, II, Cap. 5, seção 4; From Max Weber,
pio E 130. K. Loewith, “Weber's Interpretation of the Burgeois-Capi-
114. UE “Charismatic Legitimation and Political Integrati on , talistic World in Terms of the Guiding Principle of Rationa-
Comparative Studies in Society and History, 9 (1966) pp. 1-13. lization” ”, pp. 114-15; A. Giddens, Capitalism and Modern
Os estudos criticados por Ake são os seguintes: I. Wallerstein, Social Theory: an Analysis of the Writings of Marx, Durkheim
Africa — the Politics of Independence, P. Apter, Ghana in and Max Weber, p. 241.
Transition, e P. Runciman, “Charismatic Legitimacy and One- 131. Sobre este ponto, ver Levine, Introdução a G. Simmel, On
Party Rule in Ghana”, Archives Européennes de Sociologie, Individuality and Social Forms, pp. XXI e XLIII, todo o Cap.

274 Es
e Ce
4 em Philosophie des Geldes e também Cap. 6 de Fundamental H. Wrong (ed.), Max Weber, pp. 199-202.
Problems of Sociology (subtitulado Individual and Society), 145 - A. Mitzman, The Iron Cage, pp. 240-2.
traduzido em Wolff (ed.) The Sociology of Georg Simmel, 146 - Economia e sociedade, p. 111.
pp. 58-84. 147 - Deve-se notar, entretanto, que nem todas as análises desenvol-
Le From Max Weber, p. 155 (“Science as a Vocation”). vidas por Weber no período ““vitalista” tomaram esta direção.
JS3: Como bem nos lembra Arthur Brittan (in The Privatized Bryan Turner, por exemplo, postulou convincentemente que
World, p. 30) o pessimismo de Weber, diferentemente de algu- as deficiências de Weber na sua interpretação da religiosidade
mas concepções posteriores, jamais encarou a desintegração islâmica podem ser vistas em função de “seu envolvimento
da ordem social, situação em que os próprios burocratas teriam pessoal com a ética protestante” e representam, em larga medi-
perdido o controle de suas máquinas sociais. Todas as suas da, “uma celebração dos valores puritanos” (Turner, Weber
previsões ocorreram em sentido contrário, e sua única espe- and Islam, pp. 183-4). Ora, sabemos que o trabalho de Weber
rança consistia precisamente em que o ímpeto do carisma (mui- sobre o Islã foi escrito principalmente no decorrer dos anos
to improvavelmente) rompesse a crosta da racionalização buro- vitalistas, devotados à sua autoliberação; o puritano em Weber
crática. custava a sucumbir.
134. A ética de responsabilidade distingue-se da “ética do sucesso” 148. Economia e sociedade, II, Cap. 9, seção 8 (“A cidade”).
(Erfolgsethik) e da “ética da convicção” (Gesinnungsethik). 149. Ibid., I, Cap. 1, seção 4.
Esta última assevera valores sem assumir a responsabilidade 150. Observação bastante similar deve-se a P.G. Hirst, Social Evo-
pelas consequências práticas das convicções. lution, p. 90, mas aparece enganosamente misturada a um
135. A influência de Nietzsche sobre Weber foi defendida (e consi- ataque geral ao “subjetivismo”.
deravelmente exagerada) por Eugêne Fleischmann em “De 151. Cf. Jean-Marie Vincent, Fétichisme et société, p. 125.
Weber à Nietzsche”, Archives Européenes de Sociologie, V 152. Weber advogou vigorosamente o regime do carisma burguês
(1964). na forma da democracia plebiscitária cesarista notadamente
136. F. Nietzsche, Genealogy of Morals, III, 88 24-7. em suas últimas conferências “Wahlrecht und Demokratie”
137. Para uma provocadora confrontação de Nietzsche e do positi- (1917) e Politik als Berut” (1918).
vismo lógico, vide Massimo Cacciari, Krisis: saggio sulla crisi 153. G. Hawthom, Enlightenment and Despair, p. 163.
del pensiero negativo de Nietzsche a Wittgenstein, pp. 56-69. 154. D.G. MacRae, Weber, pp. 86-7.
138. O tema do ressentimento acabou por ser de alguma forma
sociologizado por Max Scheler, o “Nietzsche católico””, que
o encarou não como um sentimento “plebeu”, mas um da Conclusão
classe média sem status.
139. E. Fleischmann, “De Weber à Nietzsche”, p. 236.
Para uma discussão deste ponto, ver J.C. Hall, Rousseau: An
140. Cf. a formulação desta concepção por Rex, “Typology and Introduction, Cap. 8.
Objectivity”, p. 29.
Sobre o paradoxo de Condorcet, ver F. Bourricaud, “Esquisse
141. Em J. Torrance “Max Weber: Methods and the Man”, p.
d'une théorie de "autorité”” pp. 246-50. Embora Condorcet des-
131. tacasse as condições sob as quais não faz sentido a identificação
142. G. Cohn, Crítica e resignação — ensaio sobre o pensamento de uma vontade comum, ainda assim sustenta ele a esperança
de Weber e sua compreensão, especialmente pp. 168, 188-90, rousseauniana de que, uma vez claramente informados, os elei-
200. tores evitariam escolhas incoerentes que obstruem o cálculo
143. De W.J. Mommsen in Max Weber und die deutsche Politik. do interesse comum.
144. Sobre o Das Reich und die Krankheit der europáischen Kultur C.E. Lindblom, Politics and Markets, p. 28.
(1938), de Steding, ver Giinther Roth, “Political Critiques of M.I. Finley, Democracy, Ancient and Modern, Cap. 1.
a

Max Weber: Some Implications for Political Sociology” in D. I. Fetscher, Rousseaus politische Philosophie, Cap. 4, 8 18.

276 277
“ a e

Aristóteles, Politics, IV, 1000b4-5, comentado por M.I. Finley, 25. Ver Hegel, Encyclopaedia of the Philosophical Sciences, seções
Democracy, Ancient and Modern. 25, 48 e 60. Um bom comentário sobre este assunto é o de
Cf. Pierre Vidal-Naquet, “Tradition de la démocratie grecque”, E. Cassirer, Erkenntnisproblem, vol. IV, e também o de Ivan
introdução à tradução francesa de M.I. Finley, Democracy, An- Soll, An introduction to Hegel's Metaphysics, pp. 120-7.
cient and Modern, p. 37. 26. Ver nota 120, (ver acima, p. 275).
J.S. Mill, Dissertations and Discussions, II, 19, citado por M.I. 27. Ver seu diálogo com Hegel em Weimar, outubro de 1827, relata-
Finley, Democracy, Ancient and Modern, ao fim do Cap. 2. do por Eckermann (Gespráche mit Goethe, II).
O que é amplamente reconhecido pela teoria sociológica desde 28. Ver o completo ataque de Popper no vol. II de The Open
pelo menos R. Dahrendorf, Class and Class Conflict in Industrial Society (especialmente Cap. 12) e também seu ensaio “What
Society, Cap. 1. is Dialectic?”, Cap. 15 de Conjectures and Refutations; quanto
10. C.E. Lindblom, Politics and Markets, p. 334. a Colletti, o livro básico é Il Marxismo e Hegel, especialmente
ide Esta é a tese principal de M.I. Finley, Democracy, Ancient Caps. 3,4,7€e8.
and Modern. 29. J. Habermas, Logik der Sozialwissenschaften, Cap. 1, 1. Haber-
12. Cf. E. Gellner, “Democracy and Industrialization” (1967), mas fala especificamente de Rickert mas seu comentário é apli-
atualmente Cap. 3 de seu Contemporary Thought and Politics, cável aos neokantianos de Baden como um todo.
. 2255. 30. Não por acaso, quase a totalidade do marxismo ocidental é
13: P Blau, “Critical Remarks on Weber's Theory of Authority”, filosofia e não ciência social. Sobre este ponto, ver Perry Ander-
American Political Science Review LVII (1963). son, Considerations on Western Marxism, pp. 44-5, 49-50.
14. C.E. Lindblom, Politics and Markets, p. 19. 31. Comparação muito similar sobre as concepções de Comte, Spen-
15. A insistência sobre as afinidades entre Rousseau e Burke, desde cer e Durkheim encontra-se-em Percy Cohen, Modern Social
a sugestão de Vaughan até os estudos de Cobban, Annie Osborn Theory, pp. 224-7.
e, mais recentemente, David Cameron, lamentavelmente per- 32. S. Lukes, Emile Durkheim, p. 178.
dem de vista esta questão vital. Não surpreendentemente, Ca- 33. Para este enfoque, ver especialmente Theodor Geiger, On So-
meron nem mesmo se dá ao trabalho de discutir o tema da cial Order and Mass Society (ed. por Renate Maynz), especial-
assembléia deliberativa em Rousseau. O exame da idéia de mente Parte I, Caps.1 e 6 e Parte III, Caps. 4e 5.
democracia participativa encontra-se notoriamente ausente de 34. Cf. L. Dumont, Homo Aequalis, passim.
seu livro. Deixo de comentar as restrições de Hegel a Rousseau, discutidas
16. G. Hawthorn, Enlightenment and Despair, p. 39. Sobre Herder na Primeira Parte (ver acima, Cap. 3), já que, originárias como
e cultura, vide meu The Veil and the Mask, Cap. 2,81. são do elemento mais datado do pensamento de Hegel — sua
UR Rótulo devido a K. Loewith. Ver seu Von Hegel zu Nietzsche. filosofia política —, situam-se inteiramente fora do escopo de
18. K. Popper, The Open Society and its Enemies, vol, III, pp. sua contribuição a uma teoria da legitimidade cultural.
6-8. 36. Citado por Edward Crankshaw, The Shadow of the Winter Pala-
19. E. Gellner, Thought and Change, pp. 31-2. ce — The Driftto Revolution, 1825-1917. (Londres: MacMillan,
- Ibid. 1976).
21. Phenomenology of the Spirit, Cap. 4. 37 Esta separação funcional é recomendada, por exemplo, por
ia, H. Fain, Between Philosophy and History. Anthony Quinton em sua introdução à coletânea por ele editada,
23. G.D. O'Brien, Hegel on Reason and History — A Contemporary Political Philosophy, p. 1.
Interpretation, pp. 169-75. 38. Para uma excelente e concisa discussão destes livros, ver Geraint
24. F.E. Manuel, Shapes of Philosophical History, pp. 110-11; quan- Parry, Political Elites, Cap. 6.
to aos conceitos comtianos sobre a Sociologia como veículo 39. Huntington, “Postindustrial Politics: How Benign Will It Be?”,
de uma síntese subjetiva, ver Pierre Arnaud, Le Pensée d'Au- Comparative Politics, 6 (janeiro de 1974), pp. 172-7.
guste Comte, Parte III, Cap. 2. - R. Inglehart, The Silent Revolution, p. 3.

278 219
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N.B. — Dos artigos sobre Rousseau e Weber citados nas Notas e reunidos em coletânea,
somente os últimos são aqui listados.

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296 297
Índice Temático

ação instrumental, 177, 178, 180, 201 contrato social, 21, 22, 26, 27, 31, 67, 69, 227,
ação social, relação social, 98, 99, 144, 145, 253n
171, 178, 192, 196, 201, 263n controle social, 73, 232
agitação (passim), 1, 8-10 convenção, 100, 106, 214
alienação, 76, 209 corporatismo, 244
“anarcaísmo”, 86, 90, 225, 245 costume, 100, 101, 124, 218, 225
anarquismo, 37, 38, 67, 85 cultura, 157, 165, 166, 205, 206, 210, 211
antiquarianismo, 43, 65, 72, 85, 86, 227 culturalismo, 151, 153, 171, 181, 186, 187, 190,
antropomorfismo, 177, 222 194, 202, 209, 219, 220, 222, 223, 232, 234,
ascetismo, 167, 190-91, 216 240, 241, 244, 270n
autoridade, 9, 59, 145, 231-32, 257n
autoritarismo, 48, 68, 91, 217 decadentismo, 210, 212
democracia, democratismo, 23, 28, 38, 43, 62,
burocracia, 97, 110, 111, 112, 125-35, 136, 139, 73, 74, 112
140, 142, 149, 206, 207, 209, 220, 227, 248 desejo geral, 20, 21, 29, 31, 40, 44, 45, 46,
49, 56, 65, 66, 68, 76, 79
calvinismo, 190-200 desencantamento (Entzauberung), 203, 204,
capitalismoe ethos capitalista, 91, 123, 132, 183, 205, 212
190-200, 215, 216, 227, 228 despotismo, 3, 38, 42, 45, 49, 64
carisma, 97, 107, 108, 112, 113, 119-25, 132, determinismo normativo, 187, 188, 193, 198
134, 135, 137, 138, 139, 141, 201-2, 207, 210, dialética, 239, 240, 279n
212,213-16,219,231,241,244, 245, 248,274n direitos, 22, 32, 35, 47, 48
causação social, 172, 176, 178, 181, 183, 185,
divisão de trabalho, 43, 85, 91, 126, 242
186, 189, 190, 193, 197, 199, 200 dominação, 106, 107, 124, 144, 146, 213, 220,
cesarismo, 132, 202, 277n 233, 261n
chamamento, 191, 192, 195, 215, 216
ciência, 11, 159, 161, 165, 167, 169, 170, 172,
209, 210, 223, 241 economia neoclássica, 157, 199
ciência cultural; ciências históricas, ego, caráter e personalidade, 41, 56, 61, 93,
Geisteswissenchaften, 157, 158, 159-60, 166, 198, 211, 213, 214
169, 170, 172, 182, 222 elites, elitismo, 92, 130, 229, 232, 245, 247
classe, 42, 131, 134, 141, 162, 192, 196, 230, empirismo, 49, 171, 209
235 escravidão, 85
coerção, 9, 44, 104, 105, 144, 233 estado, estatificação, 12, 40, 48, 134, 135, 162,
complacência, 136, 137, 147 203, 207, 236
comunidade, 68. 194, 207 estafe, 110
consenso, 65, 230, 242, 258n estoicismo, 49-54, 75, 87
consentimento, 3-4, 9, 226, 230 explanação. 177, 184, 188, 190. 193, 194, 196,
conservatismo, 37, 48, 134, 234 197
fatalismo, 53 natural (jusnaturalismo), 4, 26, 28-35, 49, 52, tipos ideais, 165, 180, 220
schône Seele, 42
feudalismo, 129, 130 108 , significado, 161, 162, 165, 166, 168, 173, 174, totalitarianismo, 38, 40, 43, 44, 134, 135, 142
filosofia da história, 158, 203, 204, 208, 209, leninismo (como burocracia carismática revolu- 176, 177, 178, 179, 180, 182, 183 trabalho, 205
236, 237, 239 cionária), 136-44, 148, 150 tradição. 103, 108. 110, 115-8, 204. 206, 226
soberania, 22, 23, 27, 28, 29, 59, 229
funcionalismo (e afinidades eletivas), 183, 190, liberalismo, 26, 28, 39, 134, 163, 215, 218, 219, e governo, 23, 25
192, 202 229, 234, 246 194 utilitarianismo, 22, 49, 56. 81, 123, 143, 184,
sociação,
liberdade, 28, 41, 44, 59, 66, 69, 73, 81, 82, socialismo, 91, 135, 142, 207, 227, 234 218, 259n
governantes e governados, 110, 112, 146, 147 84,90, 93, 125, 133, 182, 207, 212, 214, 215, socialização, 198, 199
219, 225, 228, 236, 249 sociedade civil, 26, 70 validade, 100, 101, 102, 107, 146, 198, 213
hermenêutica, 156, 159, 175, 176, 179, 240, libertarianismo, 92, 229, 248 cognitiva, 169-71, 239
sociologia. paradigmas sociológicos, 194, 197,
270n liderança, 120, 121, 123, 201, 217 198, 200, 209, 210, 213, 222 valores (e relação a valores), +02, 109, 159,
historicismo, 151, 153, 154, 170, 171, 185, 187, literatos (como 160, 161, 162, 164, 165, 166, 167, 168, 169,
mandarins), 162-3, 219 sucesso, 120, 123, 138, 141, 143, 264n
199, 200, 204, 209, 210, 222, 234, 237, 239, “luz interior (voz interior), 20, 21, 41,50, 51 171, 188, 189, 200, 209, 219, 233, 241, 243,
240 teoria social, 9-13, 225, 230 244
cosmológico ou antropológico, 155, 156 materialismo histórico, 194, 222 tipos de ação, 108, 110, 179, 180 valor-liberdade (Wertfreiheit), 112, 132, 167,
ontológico ou epistemológico, 155, 156-63, Methodenstreit, 168-70 de governo, 13, 23, 144 210
tipos
165-6, 168 modernização política, 135-7, 143, 144 tipos de legitimação, 231 Verstehen, 165, 174, 175, 179, 269n
homem, 32, 245 viabilidade, 136
tipos de liberdade, 46, 88-90, 257n
homo homini lupus, 26 nacionalismo, 140, 235 virtude, 24, 41, 84
tipos de propósitos de apoio político, 145
Kulturmensch, 166, 209, 211 de reivindicações de legitimidade, 7, 107,
tipos
bondade natural do, 17-19, 38, 251n, 252n objetivo, 179, 184, 186 10 weil Motiv, wozu Motiv, 198
homo oeconomicus, 182, 184 opinião, 58, 93
organicismo (e holismo), 54, 65, 229n
igualdade, igualitarismo, 28, 34, 45, 48, 68, 76,
77,85, 89, 92,225 paradoxo de Conforcet, 226, 277n
ilegitimidade, 13, 66, 132, 145, 218, 233, 234 participação, 48, 61-4, 66, 70, 71, 92, 225, 226,
iluminismo, 11-13, 56, 77, 235 229, 230, 244, 245, 246, 247, 248
imperialismo, 136 partido político, 135, 139, 140, 141
individualismo, 34, 35, 37, 38, 41, 42, 55, 68, patrimonialismo, 109
87, 89, 92, 125, 207, 211, 212, 213, 256n perfeição, 76
industrialismo, industrialização, 43, 73, 88, 89, pessimismo, 50, 56, 58, 71, 210, 211, 212, 231,

smp
123, 124, 135, 143, 144, 162, 192, 229, 244 257n, 276n
influência, 9, 144 poder, 7, 8-9, 23, 106, 121, 213, 221, 231
instituições, crescente e legal, 72, 185 pólis (civitas), 40, 62, 227, 228
interesse, 22, 46, 47, 101, 102, 103, 104, 124, “politicismo”, 87
214, 227 positivismo, 159, 168, 170, 221, 269n
irracionalismo, 171 privilégio, 90, 91, 92.
profetas, 201, 207, 213
justiça, 18,21, 31, 48, 84 progresso, 239, 242
psicologia, 92, 120-1, 159, 163
Kulturkritik, 57, 79, 213, 220 social, 120

Lebensphilosophie (e a ruptura vitalista), 211 racionalização:


legitimidade, 1, 20, 21, 23, 24, 72, 76, 78, em Freud, 200 j
97-113,123, 137-8, 144-51,213,219,220,223, em Weber, 126, 128, 200, 203-8, 216, 217,
225, 228, 232, 234, 235, 236, 238, 240, 243, 218, 231, 232
245 radicalismo, 28, 230
da força, 8-10 reificação, 217
da norma, 3 relativismo, 158, 240
e estudo, 137-8 religião, 12, 17, 190-201
e passim; poder, teoria da, 1, 8-10 cristianismo, 57, 86, 203, 236
história do conceito da, 2-4 civil, 24, 40
teoria da “crença”e afirmação da, 1, 6, 101, representação, 25, 79, 229
107-8, 124, 144, 146, 147, 153, 219, 221, 232, responsabilidade, 38, 130, 131, 212, 220
233, 244 ressentimento, 44
teorias do subjetivismo e objetivismo da, 4-6 revolução, 43, 89, 135, 138, 139
lei, 2, 28, 66, 71, 100, 106, 127, 204, 214, 225 psíquica, 92
internacional, 3 romanticismo, 37, 61, 175, 188, 236, 256n

300
Constas, H., 142, 143, 266n Glasner, P., 117, 139, 263n
Crocker, L., 245n Godvwin, W., 86
Croce, B., 154, 156, 157, 170, 240 Goethe, J.W., 190, 211, 240
Cusa, Nicolau de, 3 Golding, M., 251n
Gouldner, A., 126, 188, 264n, 268n, 272n
Gramsci, A., 158, 240
Dahl, R., 246, 247
Green, T.H., 88
Dahrendorf, R., 259n, 278n
Grimsley, R., 71, 253n, 259n
Indice Onomástico
Dampierre, E. de, 262n
Groethuysen, B., 48, 254n
Dave, A., 176, 270n
Grote, G., 229
Derathé, R., 32, 39, 54, 81, 83, 252n, 253n,
Grotius, H., 3.21,25, 30, 32, 34, 35,80
255n, 260n
Gundolf, F., 217
Descartes, R., 26, 237
Deutsch, K., 6
Habermas, J., 65, 156, 240, 258n, 262n, 270n,
Diderot, D., 30, 32, 50, 54, 56, 255n
271n, 279n
Dilthey, W., 154, 156, 158, 159, 160, 161, 163,
Hall, J.C.. 46, 69, 72, 84, 258n, 260n. 277n
165, 166, 170, 175, 176, 178, 179, 187, 211,
Hart, H.L.A., 4
212, 240, 254n, 267n, 269n
Hawthom, G., 115, 194, 222, 235, 263n, 273n,
Dixon, K., 193, 273n; 274n
277n, 278n
Droysen, J.G., 175, 211
Abel, T., 172, 266n Bonald, L., Visconde, 37 Dumont, L., 243, 279n
Hayek, F., 88, 185, 197, 260n, 267n
Acton, Lord F., 70 Bottomore, T., 246 Haymann, F., 253n
Durkheim, E., 55, 116, 117, 139, 141,172,235,
Adorno, T.W., 216, 238 Boudon, R., 185, 198, 199, 274n Hegel, J.F.W., 26, 37, 40, 42, 45, 56, 85, 128,
239, 241-4, 256n, 279n
Agassi, J., 266n Bourdieu, P., 201, 274n 134, 154, 158, 159, 234, 235-41, 242, 244,
Agostinho, Santo, 61,248n- Bourricaud, F., 277n 275n, 279n
Ake, C., 199, 271n Easton, F., 4, 143, 145, 251n, 266n Heillbroner, R., 137, 265n
Brandt, R.B., 259n
Albrow, M., 127, 128, 129, 264n Eisenstadt, S.N., 275n Henrich, D., 165
Brentano, L., 191
Almond, G., 144 Ekeh, P., 274n Herder, J.G., 154, 157, 166, 234-5
Brittan, A., 276n
Althusser, L., 156, 158 Eldridge, J.E.T., 183, 195, 199, 268n, 271n, Hill, C., 192, 273n
Brodbeck, M. 177, 270n
Anderson, P., 266n, 279n Bruun, H.H., 165, 167, 171, 188, 268n, 269n, 272n, 274n Hirst, P.W., 183, 186, 266n, 271n, 277n
Antoni, €., 222, 267n, 269n, 271n Ellenburg, S., 258n, 260n Hobbes, T., 3, 18, 25, 27, 28, 29. 30, 31, 35,
272n, 274n
Apter, D., 201, 275n Burckhardt, J., 183 48, 79, 81, 229, 251n, 253n
Aquinas, T., 2 Burgelin, P., 39 Faguet, E., 38 Hôlderlin, F., 37
Arendt, H., 253n, 258n Burger, T., 165, 268n Fain, H., 237, 278n Hughes, H.S., 267n, 268n E
Argenson, Marquês d”, 54 Burke, E., 5, 37, 70, 72, 154, 157, 234, 259n, Fallding, H., 180, 271n Hume, D., 12,42,51,80 |
Aristóteles, 13, 23, 25, 51, 77, 87, 145, 228, 278n Fanfani, A., 191, 273n Hunter, F., 247
27m ; Ferrater Mora, J., 155, 267n Huntington, S.P., 141. 247, 266n, 279n
Arnaud, P., 278n Cacciari, M., 276n Fetscher, I., 228, 254n, 257n, 277n Husserl, E., 211
Aron, R., 108, 165, 221, 261n, 262n, 267n Cameron, D., 278n Fichte, J.G., 236
Carlyle, T., 111,215 Fiedler, L., 92, 260n Inglehart, R.. 247, 279n
Babbitt, I., 38 Cassirer, E., 39, 57, 58, 63, 75, 80, 252n, 254n, Finer, S., 65, 258n
Bachelard, G., 188 258n, 259n, 278n Finley, M.I., 229, 277n, 278n Jaffé, E., 215, 268n :
Bachrach, P., 246 Charvet, J., 68, 69, 258n Fischoff, E., 190, 272n Jaspers, K., 163, 183, 185, 217, 268n, 27in
Bacon, F., 11 Chavy, J., 262n Fleischmann, E., 213, 276n Joachim, C.J., 130
Barker, E., 28 Cicero, M.T., 2,77 Foucault, M., 156, 213 Jouvenel, B., 58, 59, 83, 254n, 257n
Barrês, M., 38 Clastres, P., 257n Fraenkel, C., 12, 251n
Barth, K., 252n Cobban, A., 54, 64, 253n, 255n, 259n, 278n Freud, S., 61, 76, 199 Kant, I., 12, 37, 38, 52, 57, 80, 160, 161, 164,
Bartolo de Sassoferrato, 2 Cohen, A., 263n Freund, J., 132, 189, 265n 165, 167, 168, 209, 235, 237, 240, 25In
Beetham, D., 265n Cohen, J., 103, 104 Friedrich, C.J., 4,5, 251n, 265n Kariel, H.S., 246
Bell, D., 258n Cohen, P., 279n Kelsen, H., 3
Bendix, R., 128, 261n, 263n, 264n, 271n Cohn, G., 165, 214, 215, 268n, 276n Gadamer, H.G., 156, 269n Kierkegaard, S., 236
Benjamin, W., 214 Cole, G.D.H., 63, 69, 234 Gay, P., 63, 71, 258n, 259n, 260n Knies, K., 157
Bentham, J., 71, 81 Colletti, L., 43, 241, 253n, 254n, 279n Geiger, T., 279n Kropotkin, P., 86
Berlin, I., 88, 254n, 260n Collingwood, R.G., 154, 155, 158, 177 Gellner, E., 135, 205, 206, 230, 260n, 264n,
Bierstedt, R., 120, 262n Comte, A., 154, 158, 184, 204, 239, 240, 242, 270n, 272n, 275n, 278n Lachmann, L.M.,271n
Blau, P.M., 126, 144, 232, 262n, 264n, 266n, 243, 278n, 279n i l Gernet, J., 263n Lanson, G., 254n
278n Sondillac, 19, 75 Gerth, H.H., 105, 263n, 264n, 275n Laski, H., 44, 255n
Bodin, J., 25, 235 Condorcet, Marquês de, 226, 239, 277n Giddens, A., 211, 265n, 272n, 275n Lazarsfeld, P., 272n á
Boeck, A., 175 Constant, B., 29, 38, 229 Gierke, D., 26, 68, 206,.253n Leat, D., 269n '

302 303
Lefort, C., 134 Neale, R., 273n Sartre, J.-P., 139 Tawney, R.H., 193, 273n
Leibniz, G., 75, 164 Neumann, F., 258n Savigny, F. von, 158 Taylor, C., 84, 260n
Leigh, R.A., 255n Nietzsche, F., 37, 44, 158, 166, 168, 182, 202, Scheler, M., 276n Tenbruck, F., 165, 184, 194, 271n
Lessing, G.E., 12 211, 212, 213, 214, 231, 245, 275n Schelling, F., 236 Therborn, G., 185, 27In
Levine, D., 274n, 275n Nisbet, R., 67, 117, 258n, 263n Schelting, A. von, 165, 180, 184, 186, 271n Tocqueville, A. de, 85, 89, 228
Lévi-Strauss, C., 255n, 257n Schiller, F., 37, 203 Toennies, F., 194, 206
Lichtheim, G., 188, 263n, 272n Oakes, G., 268n, 270n Schinz, A., 39, 80 Tolstoy, Conde L., 220
Lindblom, C., 232, 277n, 278n Occam, William de, 3 Schlegel, F., 186 Torrance, J., 178, 179, 186, 189, 194, 270n,
Lipset, S.M., 4, 123, 230, 257n Oppenheim, F.E., 88, 260n Schleiermacher, F., 175, 269n 272n, 273n, 276n
Lively, J., 225 Organski, A.F.K., 123 Schmoller, G., 129, 130, 154, 156, 183, 184, Toynbee, A., 121, 204
Locke, .J., 9, 11, 19, 25, 27, 28, 31, 32, 34, Ortega y Gasset, J., 79, 155 200, 215 Trevor-Ropper, H., 192, 195, 273n
35, 38, 39,59, 75, 87, 199 Osborn, A., 278n Schopenhauer, A., 213, 240 Troeltsch, E., 157, 163, 211, 216, 267n
Loewith, K., 203, 211, 275n, 278n Schutz, A., 198 Turner, B.S., 277n
Lotze, R.H., 164 Parry, G., 279n Sée, H., 38
Loveloy, A., 252n Parsons, T., 6, 103-5, 112, 116, 126, 141, 172, Selznick, P., 126, 264n Udy, Hr, S.H., 264n
Lowenstein, K., 263n 178, 214, 242, 261n, 263n, 264n, 271n Seneca, L.A., 50, 53 Ulpiano, 52
Lowenthal, R., 135, 265n Pascal, B., 51 Sennett, R., 254n
Luethy, H., 273n Passerin d'Entréves, A., 30, 49, 251n Shils, E., 117, 141, 202, 214, 243, 258n, 263n Vaughan, C.E.,30, 38, 48,54,253n, 255n,278n
Pateman, C., 62, 258n Shklar, J.N., 58, 59, 64, 65, 66, 83, 255n, 258n Veblen, T., 89
McClelland, P., 199 Pire, G., 255n Sigmund, P.E., 253n Vidal-Naquet, P., 277n
Macpherson, C.B., 248 Plamenatz, J., 45, 48, 66, 73, 88, 251n, 254n, Simmel, G., 154, 158, 163, 168, 174, 175, 176, Vincent, J.M., 277n
MacRae, D.G., 194, 222, 262n, 273n, 277n 258n, 260n 178, 193, 194, 210, 211, 212, 217, 270n, 275n Voltaire, 12
Maine, H., 206 Platão, 11, 18, 25, 30, 40, 51, 56, 77, 256n Smith, A., 12, 185, 210
Maistre, J. de, 37 Pocock, J.G.A., 204, 275n Sohm, R., 111 Wallerstein, I., 135, 201, 265n, 273n, 274n
Mandeville, B., 185 Polin, R., 252n Soll, I., 278n Walzer, M., 200, 274n

sp
Ta
Mannheim, K., 143, 155, 183 Popper, K.R.,55, 158, 178, 204, 236, 238, 256n, Sombart, W., 194, 215, 268n Weber, Marianne, 216, 267n
Manuel, F.E., 239, 278n 270n, 279n Spencer, H., 239, 242, 243, 279n Weber, Max, 1,2,6, 10, 13,97-223, 225, 231-4,
Maquiavel, N., 11, 25, 29, 49, 54,55, 57,215 Poulantzas, N., 221 Spengler, O., 207 239, 240, 241, 244, 245, 246, 248, 249,
Marcuse, H., 79, 134, 143, 256n, 266n Prades, J.A., 194 Spinoza, B., 74-76, 237 260-77nn

— [0
Marcelo de Pádua, 3, 11 E Proudhon, J., 86 Sprinzak, E., 172, 185, 198, 269n, 272n, 274n Weights, A., 105
Martin, R., 9, 116, 118, 149, 251n, 263n, 267n Pufendorf, S., 3, 25, 26, 32, 34 Stammler, R., 102 Wertheim, W.F., 192, 273n
Martindale, D., 266n Starobinski, J., 39, 58, 83, 256n Winch, P., 177, 178, 270n
Marx, K., 37, 55, 81, 117, 129, 131, 132, 134, Quinton, A., 259n, 279n Steding, C., 215, 276n Winckelmann, J., 108, 262n
141, 143, 154, 158, 185, 192, 193, 199, 204, Stein, L. von, 128 Windelband, W., 160, 170, 176, 187
205, 207, 211, 230, 236, 256n Ranke, L. von, 157, 160, 161, 179, 211, 238 Sternberger, D., 146, 251n Wittgenstein, L., 176, 177
Masters, R.D., 55, 79, 255n, 259n Ravwis, J., 84 Stillman, P.,5, 251n Wittich, C., 261n
Maurras, C., 38 Renan, E., 6, 148 Stinchcombe, A.L., 251n, 264n Wolin, S.S., 256n
Meinecke, F., 157, 219, 267n Rex, J., 177, 194, 266n, 270n, 272n, 273n Strauss, L., 30, 31, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 79, Wright, E.H., 39, 252n, 260n

ps e
Menger. €., 157, 168, 170, 172, 174, 175, 197, Rickert. H., 157, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 255n Wrong, D.H., 108, 117, 122, 144, 189, 221,
199, 200, 210, 267n, 271n 166, 167, 168, 169, 171, 187, 193, 199, 212, Sumner, G., 185 262n, 266n
Merelman, R., 137, 138, 265n 267n, 273n, 279n Swanson, G., 200, 274n Wundt, W., 210
Merquior, J.G., 278n Ringer, F., 163, 267n Szondi, P., 269 n

pe
Merton, R.K., 126, 199, 265n, 274n Robertson, H.M., 190, 273n Xenofonte, 2
Meyer, E., 169, 171, 182 Roche, K.F., 255n, 256n Taine, H., 38
Michels, R., 129, 130, 135, 140, 232 Rommen, H.,30 Talmon, J.L., 38, 253n, 254n Zetterberg, H.L., 274n

2
Mill, J.S., 63, 66, 129, 130, 159, 204, 229, 234, Roscher, A.W., 144, 157
245, 259n, 278n Roth, G., 261n, 265n, 271n, 272n, 276n
Mills, C.W., 105, 247, 263n, 264n, 275n Rousseau, J.-J., 1,2,3, 10, 12, 14, 17-94, 131,
Mitzman, A., 216, 217,276n 150, 225-31, 235, 244-6, 248, 251-60nn, 277n,
Mommsen, W., 108, 146, 148, 260n, 261n, 262n, 278n, 279n
266n, 276n Runciman, W.G., 177, 188, 201, 261n, 267n,
Montesquieu, C., Barão de, 3, 11, 12, 18, 23, 270n, 272n
25, 27,29, 33, 38,39, 85, 86, 145 Ryle;, 6.,213
Moore, R., 273n ;
Mosca, G., 108, 116, 129, 130 Sahay, A., 270n
Mueller, C., 264n Saint-Simon, C., Conde de, 71, 238, 241
Salomon, A., 194
Nagel, E., 184, 272n Samuelson, K., 191, 273n

304 305
Lefort,
Leibniz,
Leigh, RR.
Boa parte de Rousseau e Weber
Lessing, respira o ar das utopias de Maio de
Levine,
Lévi-Str
1968, vivenciadas pela juventude
Lichthei européia do autor. Outra vertente
Lindblo
Lipset, $
constitui um prelúdio ao seu próprio
Lively, d. empenho, agora já velho de mais
Locke,
35, 38
de década, de repensar a tradição
Loewith liberal em termos provocadoramen-
Lotze, R
Loveloy
te modernos. Esse empenho, que
Lowenst ditou as páginas de livros como A
Lowentk
Luethy,
Natureza do Processo (1982), O Ar-
gumento Liberal (1983) e O Marxis-
McClell
Macphe
mo Ocidental (1986), acaba de pre-
MacRae sidir o vigésimo livro de José Gui-
Maine, |
Maistre,
lherme Merquior, recém concluído:
Mandev a Pequena História do Liberalismo,
Mannhel
Manuel,
cuja perspectiva se situa entre um
Maquiay democratismo mais liberal que o de
Marcuse
Marcelo
Rousseau e um liberalismo bem
Martin, mais democrático que o de Weber.
Martind
Marx, K
141, 14
205, 2
Masters
Maurras
Meineck|
Menger.
199,2
Merelma
Merquio
Merton,
Meyer. |
Michels,
Mill, J.S
245, 24
Mills, C
Mitzman
Momms
266n, 4
Montesq,
25,127
Moore,
Mosca,
Mueller,

Nagel, E Impressão e acabamento


(com filmes fornecidos):
EDITORA SANTUÁRIO
Fone (0125) 36-2140
APARECIDA - SP

Capa: Claudia Zarvos


[3 José Guilherme Merquior
À VA

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