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Níveis de Atividade Mental no Sarma e no


Dzogchen

[Como base, ver O Dzogchen Comparado a Outros Sistemas Budistas (link:


https://studybuddhism.com/pt/estudos-avancados/vajrayana/dzogchen-avancado/o-dzogchen-
comparado-a-outros-sistemas-budistas). Ver també m: Os Principais Aspectos do Dzogchen (link:
https://studybuddhism.com/pt/estudos-avancados/vajrayana/dzogchen-avancado/os-principais-
aspectos-do-dzogchen)]

O que é a mente?
Os quatro fatos da vida (quatro nobres verdades) podem ser formulados em relaçã o à mente, ou
seja, em relaçã o à experiê ncia de um indivı́duo:

1. A experiê ncia de diferentes tipos de sofrimentos verdadeiros (verdadeiros problemas)

2. A experiê ncia de suas origens verdadeiras (verdadeiras causas)

3. A experiê ncia das verdadeiras cessaçõ es (verdadeiras paradas) de ambos

4. A experiê ncia dos verdadeiros caminhos mentais (verdadeiros caminhos) que levam a essas
cessaçõ es e que sã o estados mentais desprovidos de problemas e de suas causas.

Portanto, trabalhar com a mente é o principal.

A mente, no budismo, refere-se à atividade mental individual e subjetiva de meramente


experimentar algo - em outras palavras, a mera criaçã o da aparê ncia de algo e o engajamento
cognitivo (cogniçã o), individual e subjetivo com ela.

Níveis de atividade mental


Existem duas maneiras de diferenciar os nı́veis nos quais a atividade mental ocorre:

1. As tradiçõ es Sarma (novo perı́o do de traduçã o) (Sakya, Kagyu e Gelug) - trê s nı́veis

2. Nyingma dzogchen - dois nı́veis.

Os dois sistemas se sobrepõ em, já que o Nyingma divide o nı́vel mais sutil do Sarma em dois,
considerando a atividade mais sutil como um nı́vel (rig-pa, "rigpa", pura consciê ncia) e todas as
demais como o outro nı́vel (sems, "sem, consciê ncia limitada).
Vamos ver primeiro o sistema Sarma e depois os re inamentos do dzogchen. Aqui, examinaremos
apenas as divisõ es Sakya e Kagyu do Sarma, uma vez que a apresentaçã o Nyingma está de acordo
com o que essas escolas dizem sobre as coisas e a apresentaçã o Gelug difere.

Segundo o Sarma, os trê s nı́veis de atividade mental sã o:

1. Experiê ncia grosseira de algo - apenas com a cogniçã o sensorial, e é a experiê ncia apenas das
aparê ncias

2. Experiê ncia sutil de algo - apenas com a cogniçã o mental, e pode ser a experiê ncia das
aparê ncias ou da vacuidade

3. Experiê ncia mais sutil de algo - apenas com a cogniçã o de clara luz, e é a experiê ncia de
aparê ncias e vacuidade inseparavelmente.

· A cogniçã o sensorial é sempre nã o-conceitual.

· A cogniçã o mental pode ser nã o-conceitual (sonho, PES) ou conceitual.

· A cogniçã o de clara luz é sempre nã o-conceitual.

Cognição sensorial

Na cogniçã o sensorial (ver, ouvir, cheirar, sentir gosto e sentir algo isicamente), os diferentes tipos
de consciê ncia sensorial, como visual ou auditiva, dã o origem apenas a aspectos mentais, e a
cogniçã o direta (dngos-su rig-pa) é també m apenas de aspectos mentais (rnam-pa, hologramas
mentais) ou derivados mentais (gzugs-bsnyan) que se assemelham a fenô menos externos. E os
diferentes tipos de cogniçã o sensorial só tê m cogniçã o (shugs-su shes-pa) indireta dos fenô menos
externos, porque o momento do fenô meno que a cogniçã o sensorial percebe já passou quando ela
surge. Isso porque o fenô meno externo é a condiçã o focal (dmigs-rkyen, condiçã o objetiva) para se
ter a cogniçã o dele, e uma causa nã o pode existir simultaneamente ao efeito que ela produz.
Portanto, os fenô menos externos permanecem ocultos (lkog na-mo) à cogniçã o sensorial.

Alé m disso, os aspectos mentais que aparecem na cogniçã o sensorial sã o meramente aspectos
semelhantes aos componentes de inidores de um campo sensorial especı́ ico. Por exemplo, o que
aparece para a cogniçã o visual sã o apenas aspectos mentais semelhantes a formas coloridas e o
que aparece para a cogniçã o auditiva sã o apenas aspectos mentais semelhantes a sons de vogais e
consoantes.

Como a cogniçã o sensorial nã o sobrepõ e (sgro-dogs) nada aos aspectos mentais, ela é sempre nã o-
conceitual.

Conceitualização
Dos trê s nı́veis de experiê ncia, apenas a cogniçã o mental pode ser conceitual. Como a meditaçã o
dzogchen enfatiza a nã o-conceitualidade, precisamos entender o que signi ica conceitualizaçã o.
Assim como na cogniçã o sensorial nã o-conceitual, a cogniçã o conceitual també m tem cogniçã o
direta apenas de aspectos mentais (hologramas mentais), tais como os que se assemelham a formas
coloridas ou que se assemelham aos sons de vogais e consoantes. No entanto, na cogniçã o
conceitual, os aspectos mentais que surgem sã o misturados a categorias conceituais (spyi,
universais, sı́nteses), que sã o sobrepostas ou projetadas sobre eles. Os aspectos mentais e as
categorias conceituais, consequentemente, se confundem uns com os outros.

Uma categoria conceitual é uma sı́ntese mentalmente construı́da, ou seja, uma fabricaçã o mental
(spros-pa, sâ nsc. prapanca) de itens individuais. As categorias conceituais surgem apenas na
cogniçã o conceitual e sã o representaçõ es mentais (snang-ba, aparê ncias mentais) que ocultam
parcialmente os aspectos mentais aos quais sã o sobrepostas.

As categorias conceituais com as quais os aspectos mentais sã o misturados e confundidos podem
referir-se a objetos convencionais ou à linguagem.

Em referê ncia a objetos convencionais, as categorias incluem:

· Sı́ntese de conjunto (tshogs-spyi)

· Sı́ntese de tipo (rigs-spyi)

· Sı́ntese de objetos (don-spyi).

Uma síntese de conjunto pode ser um todo imputado em partes sensoriais, espaciais e/ou temporais,
tal como uma “mesa” toda imputada em quatro pernas e uma superfı́cie plana. Um todo també m
pode ser imputado em vá rios tipos diferentes de informaçõ es sensoriais juntas, como uma visã o e
uma sensaçã o tá til juntas. Alé m disso, o todo pode ser um contı́nuo imputado a uma sucessã o de
momentos de um dos dois tipos de todo.

Uma síntese de tipo é o tipo de fenô meno onde um item especı́ ico é um exemplo [desse tipo de
fenô meno]; por exemplo, uma "mesa".

Uma síntese de objeto é a categoria conceitual de um objeto comum (‘jig-rten-la grags-pa), como
“mesa”, e essa categoria conceitual é usada quando se pensa, verbaliza, imagina (visualiza) ou
lembra desse objeto.

No que se refere ao idioma, as categorias incluem:

· Categorias de á udio (sgra-spyi, termo universal)

· Categorias de signi icado (don-spyi, signi icado universal).

Uma categoria de áudio é um padrã o acú stico adotado como convençã o (tha-snyad) em um idioma
especı́ ico e pelos membros de uma sociedade especı́ ica. Como é o padrã o acú stico da palavra, e
nã o o som da palavra (que é uma combinaçã o de conjunto e de tipo), sã o categorias no sentido de
que sã o imputá veis em sons feitos em uma variedade de vozes, tons, volumes e pronú ncias. Por si
só , as categorias de á udio nã o tê m nenhum signi icado associado a elas.
Assim, quando aspectos mentais semelhantes aos sons de vogais e consoantes aparecem um a um,
em sequê ncia, na cogniçã o auditiva, a cogniçã o mental conceitual simultaneamente...

· Os junta

· Monta sı́nteses de conjunto e tipo que representam palavras, frases e sentenças

· Sobrepõ e a essas combinaçõ es categorias de á udio de palavras, frases e sentenças.

Uma categoria de signi icado é um padrã o de signi icado de uma categoria de á udio, adotado como
sendo o signi icado de uma palavra, frase ou sentença em um idioma especı́ ico e por membros de
uma sociedade especı́ ica. A inal, os signi icados nã o sã o inerentes aos sons ou palavras, sã o apenas
convençõ es cunhadas, atribuı́das a palavras e usadas como categorias pelos membros de uma
sociedade, para pensarem e se comunicarem. Alé m disso, cada pessoa nessa sociedade pode
atribuir um signi icado ligeiramente diferente a uma mesma palavra, mas mesmo assim usa esse
signi icado como uma categoria ao pensar nessa palavra.

A maioria das cogniçõ es conceituais sã o verbais e, portanto, sobrepõ em categorias de á udio e
signi icado aos aspectos mentais. A cogniçã o conceitual, no entanto, també m pode ser nã o-verbal;
nesse caso, ela sobrepõ e aos aspectos mentais apenas a sı́ntese de conjunto, tipo e objeto, como
visualizar ou lembrar como é o rosto de algué m.

A Diferença entre Cognição Conceitual e Pensamento


Quando o budismo fala de conceitualizaçã o, está falando dos momentos em que se experimenta
algo conceitualmente. O termo ocidental conceito corresponde à s categorias que sã o misturadas e
confundidas com os aspectos mentais nos momentos de cogniçã o conceitual.

Cogniçã o conceitual é um termo muito mais amplo que o termo ocidental pensar. Ela pode ocorrer
por apenas um momento ou durar, com a continuidade. Já o pensamento, geralmente implica uma
linha de pensamento e, normalmente, um pensamento verbal ou abstrato. Alé m disso, a cogniçã o
conceitual inclui imaginar e lembrar todos os tipos de objetos dos sentidos, alé m de imaginar e
lembrar maneiras de se estar ciente de algo, como raiva, por exemplo, e també m coisas abstratas.

A Cognição Conceitual Cria Aparências da Existência Verdadeira 

As categorias conceituais que a cogniçã o conceitual cria sã o representaçõ es cognitivas (snang-ba,
aparê ncias mentais) nã o apenas do que as coisas sã o (palavras, signi icados, conjuntos,
continuidades, objetos, tipos de coisas etc.), mas també m de coisas existindo verdadeiramente dessa
maneira. Ser verdadeiramente existente (bden-par grub-pa), aqui, signi ica realmente existir dessa
maneira, independentemente de imputaçõ es.

Portanto, a cogniçã o conceitual sempre implica na criaçã o de aparê ncias de existê ncia verdadeira
(bden-snang), ou na criaçã o de uma aparê ncia dual (gnyis-snang). Isso signi ica criar aparê ncias de
"issos" e "aquilos" realmente existentes - aparê ncias de itens como se fossem realmente existentes,
em caixas ou categorias ixas e concretas, como "isso" ou "aquilo".

A criaçã o conceitual de aparê ncias de "issos" e "aquilos" realmente existentes está subjacente
apenas à imaginaçã o e ao pensamento verbal. Nã o está subjacente à cogniçã o sensorial, como ver e
ouvir. Em outras palavras, apenas imaginar e pensar verbalmente é que é conceitual, porque apenas
imaginar e pensar verbalmente é que cria aparê ncias de "issos" e "aquilos" verdadeiramente
existentes.

A percepçã o de aparê ncias de "issos" e "aquilos" verdadeiramente existentes, e o acreditar que elas
correspondem à realidade (bden-‘dzin, apego à existê ncia verdadeira) ocorrem simultaneamente, e
apenas na imaginaçã o e no pensamento verbal. Isso ocorre porque perceber e acreditar em "issos"
e "aquilos" verdadeiramente existentes sã o a mesma atividade, apenas de pontos de vista
diferentes. Em linguagem té cnica, dirı́amos que eles compartilham a mesma natureza essencial
(ngo-bo gcig). Em outras palavras, criar a aparê ncia de um "isso" ou "aquilo" verdadeiramente
existente só acontece quando acreditamos que tudo existe “de verdade”, em caixas ou categorias
ixas e concretas de "isso" e "aquilo".

A Não-Conceitualidade da Cognição Sensorial


Como a cogniçã o sensorial – ver, ouvir, etc. – nã o é conceitual, ela nã o cria aparê ncias de "issos" e
"aquilos" verdadeiramente existentes. Ela cria aparê ncias de existê ncia nã o-verdadeira (med-snang)
- aparê ncias de nã o existir verdadeiramente como "isso" ou "aquilo". Alé m disso, ver e ouvir nem
percebem, nem acreditam, nas aparê ncias de "issos" e "aquilos" verdadeiramente existentes. Ver e
ouvir percebem a aparê ncia apenas daquilo que nã o existe verdadeiramente como "isso" ou
"aquilo". Mas o que signi ica isso?

Ver e ouvir ocorre em apenas um milissegundo. Durante esse milé simo de segundo, vemos aspectos
mentais que apenas se assemelham à sensibı́lia. Por exemplo, conjuntos de pedaços de formas
coloridas, que parecem nã o existir verdadeiramente como "isto" ou "aquilo". Ouvimos apenas os
sons de consoantes e vogais, que també m parecem nã o existir verdadeiramente como as palavras
"isso" ou "aquilo" que signi icam "isso" ou "aquilo". Somente com a cogniçã o conceitual, que
acontece imediatamente a seguir, é que sintetizamos mentalmente as formas coloridas e
imaginamos um rosto como um todo, por exemplo, que é a aparê ncia de um objeto
verdadeiramente existente, "isso" ou "aquilo". E somente com a cogniçã o conceitual que reunimos
mentalmente os sons de consoantes e vogais e pensamos verbalmente uma palavra inteira e um
signi icado, que é uma aparê ncia de "isso" ou "aquilo" verdadeiramente existente.

Assim, a cogniçã o sensorial se enquadra na categoria de cogniçã o nã o-determinante (snang-la


manges-pa), uma vez que nã o determina seus aspectos mentais como um objeto. No entanto,
distingue (‘du-shes) formas coloridas caracterı́sticas dentro do campo dos sentidos visuais, por
exemplo - porque o agregado da distinçã o (reconhecimento) acompanha cada momento da
experiê ncia, incluindo a cogniçã o nã o-conceitual. No entanto, a cogniçã o sensorial nã o distingue os
aspectos mentais dessas formas coloridas como um objeto convencional, como uma mesa, por
exemplo - e, mais, como uma mesa verdadeiramente existente. Esse tipo de distinçã o acompanha
apenas a cogniçã o conceitual.

Como se Pode Ter a Cognição da Vacuidade 


Existem dois nı́veis de vacuidade (stong-pa-nyid, Skt. Shunyata, vacuidade):

1. A vacuidade que é uma construçã o conceitual

2. A vacuidade que está alé m das construçõ es conceituais.

A vacuidade, como uma ausê ncia absoluta (med-dgag, negaçã o nã o-implicativa) da existê ncia
verdadeira como "isso" ou "aquilo" é a construçã o ou abstraçã o conceitual "nã o existe algo que seja
um 'isto’ ou ‘aquilo' verdadeiramente existente". A vacuidade como construçã o conceitual ou
abstraçã o só pode ser conhecida conceitualmente e é aquilo a que a palavra ou conceito
"vacuidade" se refere.

Ter a cogniçã o desse nı́vel de vacuidade é um passo necessá rio para se ter a cogniçã o da vacuidade
de initiva, que está alé m de todas as categorias conceituais e alé m de todas as palavras. Embora
possamos nos referir à vacuidade como uma construçã o ou palavra conceitual, a vacuidade que
está alé m dos constructos conceituais (vacuidade de initiva) nã o corresponde a nada a que uma
palavra ou conceito possa corresponder, algo existente em uma caixa ixa, ou categoria, "vacuidade".

Os dois nı́veis de vacuidade nã o sã o contraditó rios. Nã o é que a vacuidade que está "alé m" [dos
conceitos] seja um nı́vel transcendental, no sentido de estar alé m dos limites de toda experiê ncia e
conhecimento possı́veis, e seja acessada somente atravé s de alguma experiê ncia mı́stica, talvez
adquirida pela graça de Deus. Ela está apenas alé m dos limites do que a cogniçã o conceitual e a
cogniçã o nã o-conceitual sensorial e mental podem perceber.

A vacuidade como construçã o conceitual só pode ser percebida conceitualmente. Nó s a
percebemos conceitualmente atravé s de nossa consciê ncia mental, que dá origem a um aspecto
mental que se assemelha a um espaço vazio ou em branco e sobrepõ e ou projeta nele as categorias
de á udio e signi icado "vacuidade". Isso nã o signi ica, entretanto, que, quando focamos
conceitualmente na vacuidade, nó s necessariamente temos també m um aspecto mental que se
assemelha ao som das vogais e consoantes da palavra "vacuidade". A cogniçã o conceitual da
vacuidade pode ser nã o-verbal. No entanto, como as representaçõ es mentais (as categorias
conceituais) que aparecem na cogniçã o conceitual sã o necessariamente aparê ncias de existê ncia
verdadeira, o espaço vazio ou em branco parece ser uma vacuidade que existe verdadeiramente na
categoria concreta “vacuidade”. A categoria de signi icado associada a ela, poré m, é que é o
signi icado correto de vacuidade - a saber, a ausê ncia absoluta de existê ncia verdadeira.

A vacuidade que está alé m dos conceitos só pode ser conhecida de maneira nã o-conceitual, mas
nã o pode ser conhecida por cogniçã o mental nã o-conceitual. A cogniçã o mental nã o-conceitual
produz o aspecto mental de algo que nã o existe verdadeiramente como um "isto" ou um "aquilo". E
a vacuidade que está alé m dos conceitos está alé m de todos os quatro extremos:
1. De existir verdadeiramente como "isso" ou "aquilo"

2. De nã o existir verdadeiramente como um "isso" ou um "aquilo"

3. De existir verdadeiramente e nã o-verdadeiramente como um "isso" ou um "aquilo"

4. De nã o existir nem verdadeiramente nem nã o-verdadeiramente como um "isso" ou um


"aquilo".

Portanto, a vacuidade que está alé m dos conceitos nã o aparece cognitivamente como o aspecto
mental de um espaço vazio ou em branco que parece ser a vacuidade na categoria de uma
"vacuidade" nã o existente verdadeiramente.

Somente a Atividade Mental de Clara Luz Consegue Ter uma


Cognição Além dos Conceitos

Somente a atividade mental de clara luz consegue ter uma cogniçã o nã o-conceitual da vacuidade,
alé m dos conceitos, e quando a tem, tem a cogniçã o nã o-conceitual das duas verdades (bden-gnyis)
simultaneamente.

Nesse contexto, as duas verdades sã o:

· A vacuidade alé m dos conceitos

· As aparê ncias puras (dag-pa'i snang-ba) - aparê ncias que estã o alé m das aparê ncias impuras
(ma-dag-pa'i snang-ba).

Aparê ncias impuras incluem:

· Aparê ncias de "isso" e "aquilo" verdadeiramente existentes,

· Aparê ncias de sensibı́lia, como conjuntos momentâ neos de pedaços de formas coloridas, que
nã o sã o verdadeiramente existentes como "isso" e "aquilo".

A cogniçã o de aparê ncias impuras se assemelha à "visã o periscó pica", com a qual vemos a realidade
sob uma perspectiva limitada, como se fosse atravé s de um periscó pio. Vemos apenas o que está
diante de nossos narizes, aparentemente separado e isolado do estado alé m das categorias
aparentemente só lidas de palavras e conceitos.

A cogniçã o de clara luz, por outro lado, produz e reconhece aparê ncias do que está alé m de "isso" e
"aquilo" verdadeiramente e nã o-verdadeiramente existente. Isso nã o signi ica, entretanto, que com a
cogniçã o de clara luz, tudo se torne uma unidade indiferenciada. Os objetos mantê m suas
identidades convencionais. Alé m disso, a atividade mental de clara luz produz e percebe as
aparê ncias de todos os fenô menos e de si mesma como uma igura bú dica. Simultaneamente,
també m percebe a vacuidade dos fenô menos, que está alé m das palavras e conceitos.

A cogniçã o de clara luz pode ser dividida em duas:


1. A clara luz que nã o sabe que as duas verdades que percebe sã o verdadeiras

2. A clara luz que sabe que sã o verdadeiras.

Sem e Rigpa

O sistema dzogchen Nyingma diferencia dois tipos de atividade mental que experimenta coisas:

1. Sem (sems, consciê ncia limitada)

2. Rigpa (rig-pa, consciê ncia pura).

A grosso modo, rigpa corresponde à segunda divisã o da atividade mental de clara luz: a clara luz
que conhece sua pró pria natureza de duas verdades.

Sem corresponde a todos os nı́veis da mente que nã o conhecem essa natureza de duas verdades.
Portanto, sem inclui:

· A atividade mental de clara luz que nã o conhece sua pró pria natureza de duas verdades, tal
como a consciê ncia da clara luz da morte

· Os milissegundos nã o-conceituais de ver e ouvir aparê ncias de existê ncia nã o-verdadeira, sem
conhecer a totalidade de todas as coisas no estado alé m dos conceitos, e sem conhecer a
vacuidade que está alé m de conceitos.

· Imaginar ou pensar verbalmente aparê ncias de existê ncia verdadeira, sem saber que sã o
falsas, e també m sem conhecer a vacuidade que está alé m de conceitos.

Portanto, a atividade mental de clara luz que nã o conhece sua pró pria natureza de duas verdades,
embora conheça as duas verdades simultaneamente, nã o é rigpa. E sem.

Sem é sempre fugaz, enquanto rigpa jamais é maculada por uma atividade mental limitada e fugaz.
Alé m disso, rigpa é repleta de todas as boas qualidades (yon-tan), o que signi ica que rigpa nã o
apenas reconhece aparê ncias puras e vacuidade alé m dos conceitos simultaneamente, como
també m conhece sua pró pria natureza de duas verdades. Esse conhecimento é chamado:

· Consciê ncia profunda re lexiva (ye-shes)

· Consciê ncia profunda auto-emergente (toque-a-ye ye-shes)

· Consciê ncia da pró pria face (rang-ngo shes-pa).

Embora rigpa saiba e conheça sua pró pria natureza de duas verdades, as duas verdades podem ou
nã o ser igualmente importantes. Mas as duas verdades nã o sã o igualmente proeminentes quando
ainda estamos no caminho; elas só sã o igualmente importantes para um Buda.

Três aspectos de Rigpa


Rigpa tem trê s aspectos naturalmente insepará veis (rang-bzhin dbyer-med). Os trê s surgem
simultaneamente (lhan-skyes) e tê m a mesma natureza essencial (ngo-bo gcig) - eles se referem ao
mesmo fenô meno de diferentes pontos de vista mentais. No entanto, eles podem ser diferenciados
entre si e especi icados como diferentes itens conceitualmente (ldog-pa).

1. Consciência primordialmente pura (ka-dag) - imaculada, tanto no sentido da pró pria vacuidade
(rang-stong) quanto da vacuidade do outro (gzhan-stong), deriva de isolar logicamente uma
verdade sobre rigpa: sua vacuidade.

· Vacuidade própria- no sentido de que está alé m ou é desprovida de existir como algo que
corresponde a conceitos ou palavras

· Vacuidade do outro - no sentido de ser uma consciê ncia que nã o só possui essa natureza
vazia, como també m tem a cogniçã o dessa natureza vazia e, portanto, é desprovida de
todos os nı́veis fugazes de “outras” atividades mentais (sem).

2. Consciência que estabelece espontaneamente aparências puras (lhun-grub) - derivada de isolar


logicamente a segunda verdade sobre rigpa: seu aspecto de criar aparê ncias

3. Consciência responsiva (thugs-rje) - compassiva, o que implica numa comunicaçã o compassiva


ou com capacidade de resposta, decorrente de isolar logicamente um aspecto mais sutil da
criaçã o de aparê ncias: a capacidade de resposta da criaçã o de aparê ncia em termos de outros
seres e o meio ambiente.

Os três tipos de Rigpa

Existem trê s tipos de rigpa:

1. Rigpa de base (gzhi'i rig-pa) - a base de trabalho que todos nó s temos. Embora permeie todos
os momentos de sem, como o ó leo de gergelim permeia a semente de gergelim, normalmente
nã o a reconhecemos. Os dois outros tipos sã o os dois aspectos de rigpa que reconhecemos no
caminho.

2. Rigpa refulgente (rtsal-gyi rig-pa) - rigpa em seu aspecto de criar ativamente e conhecer
aparê ncias puras em resposta à s coisas. Embora tenha todos os trê s aspectos de rigpa, o
aspecto de estabelecimento espontâ neo é mais proeminente. Nó s a reconhecemos primeiro.

3. Rigpa essencial (ngo-bo'i rig-pa) - aquilo que está por trá s de rigpa refulgente. E rigpa em seu
aspecto de ser o espaço cognitivo (klong, consciê ncia espaçosa) – no que se refere à
vacuidade do outro - que permite o surgimento e a cogniçã o de aparê ncias puras em resposta
à s coisas. Embora també m tenha todos os trê s aspectos de rigpa, o aspecto de pureza
primordial é mais proeminente. A reconhecemos somente apó s reconhecermos rigpa
refulgente.

Estupefação e o Alaya dos Hábitos


Embora a continuidade de rigpa individual de cada ser seja imaculada, sem começo e sem im,
també m existe um fator sem começo chamado estupefaçã o (rmongs-cha - estupidez, ofuscamento),
que surge automatica e simultaneamente (lhan-skyes) a cada momento de cogniçã o. També m é
chamado de inconsciê ncia que surge automaticamente (ignorâ ncia) (lhan-skyes ma-rig-pa) em
relaçã o aos fenô menos, ou inconsciê ncia nã o perturbadora (ma-rig-pa nyon-mongs-can min-pa).
Nã o é considerada uma emoçã o perturbadora, é incluı́da nos obscurecimentos cognitivos (shes-
sgrib). Ela obscurece a boa qualidade inata de rigpa de ter uma consciê ncia re lexiva de sua pró pria
natureza de duas verdades.

Quando rigpa de base está luindo junto com esse fator fugaz de estupefaçã o, rigpa de base está
funcionando como um alaya dos hábitos (bag-chags-kyi kun-gzhi) (consciê ncia fundamental para os
há bitos de apego à existê ncia verdadeira, para o carma, para as memó rias). O alaya dos há bitos é a
clara luz normal da morte dos seres comuns, bem como a que subjaz e acompanha todos os
momentos de nı́veis mais grosseiros de cogniçã o sensorial e mental enquanto estamos vivos.

Nã o é que rigpa de base seja a causa do alaya dos há bitos. Os dois tê m a mesma natureza essencial,
na medida em que se referem à mesma coisa de diferentes pontos de vista mentais. No entanto,
podemos isolar logicamente um do outro. Portanto, alaya dos há bitos e rigpa de base nã o sã o
idê nticos. Eles correspondem à divisã o, feita anteriormente, da atividade mental de clara luz que
nã o sabe que as duas verdades que ela conhece sã o verdadeiras e a atividade de clara luz que sabe
que elas sã o verdadeiras. O mestre Gelug do sé culo XV Kedrub Norzang-gyatso (mKhas-grub Nor-
bzang rgya-mtsho) aplica uma distinçã o semelhante em sua explicaçã o de que a clara luz da morte
produz uma aparê ncia de vacuidade, mas carece do reconhecimento e compreensã o do que é .

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